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1 A inserção da Educação Ambiental na escola pública: disputas e contradições Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis - UNESP, campus Bauru/SP Carlos Eduardo Gonçalves - UNESP, campus Bauru/SP Daniele Cristina de Souza - UFTM, campus Uberaba/MG Helena Maria da Silva Santos - UNESP, campus Bauru/SP Jandira Líria Biscalquini Talamoni - UNESP, campus Bauru/SP Jorge Sobral da Silva Maia - UENP, campus Jacarezinho/PR Juliana Pereira Neves Junqueira - UNESP, campus Bauru/SP Lilian Giacomini Cruz - UEMS, campus Ivinhema/MS Lucas André Teixeira - UNESP, campus Bauru/SP Marcela de Moraes Agudo - UNESP, campus Bauru/SP Marina Battistetti Festozo - UNESP, campus Bauru/SP Nadja Janke - UNESP, campus Bauru/SP Pâmela Buzanello Figueiredo - UNESP, campus Bauru/SP Regina Helena Munhoz - UDESC, campus Joinville/SC Resumo Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisa em EA (GPEA), vinculado ao Programa de Educação para a Ciência da UNESP campus Bauru/SP. O tema da investigação é a inserção da Educação Ambientla na escola pública de educação básica e reúne diferentes estudos de mestrado e doutorado dos participantes do GPEA. Assim, é trazida uma síntese dos principais pontos provenientes dessas dissertações e teses nos últimos sete anos que, de uma forma geral, contemplam a preocupação com a temática em questão, analisando-as desde a perspectiva crítica. As principais categorias que emergem das pesquisas em seu conjunto são: conteúdos curriculares, políticas públicas e atuação e formação de professores. Palavras-chave: Dissertações e teses; Materialismo Histórico-Dialético; Grupo de Pesquisa em Educação Ambiental. Abstract This paper presents the results of a study conducted by the Research Group in Environmental Education - EE - (GPEA), under the Education Program for Science of UNESP campus Bauru / SP. The theme of the research is the insertion of the EE in the public schools of basic education and brings together different studies, master's and doctorate of the members of GPEA. Therefore, we organized a summary of the main points from these dissertations and theses that in the last seven years are concerned with this issue, analyzing them from the critical perspective. The main categories that emerge from the research as a whole are: the content of the curricula, public policies and teacher's perfomance and training. Keywords: Dissertations and theses; Historical Materialism-Dialectic; Research Group on Environmental Education. 1. Introdução Se considerarmos a história - embora relativamente recente - da educação ambiental (EA) no Brasil, sua inserção na escola de educação básica não é um tema novo. A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) de 1995, por exemplo, já tratava da implementação de ações em vários níveis governamentais com o propósito de

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VIII EPEA - Encontro Pesquisa em Educação Ambiental Rio de Janeiro, 19 a 22 de Julho de 2015

Realização: Unirio, UFRRJ e UFRJ

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A inserção da Educação Ambiental na escola pública: disputas e contradições

Marília Freitas de Campos Tozoni-Reis - UNESP, campus Bauru/SP

Carlos Eduardo Gonçalves - UNESP, campus Bauru/SP

Daniele Cristina de Souza - UFTM, campus Uberaba/MG

Helena Maria da Silva Santos - UNESP, campus Bauru/SP

Jandira Líria Biscalquini Talamoni - UNESP, campus Bauru/SP

Jorge Sobral da Silva Maia - UENP, campus Jacarezinho/PR

Juliana Pereira Neves Junqueira - UNESP, campus Bauru/SP

Lilian Giacomini Cruz - UEMS, campus Ivinhema/MS

Lucas André Teixeira - UNESP, campus Bauru/SP

Marcela de Moraes Agudo - UNESP, campus Bauru/SP Marina Battistetti Festozo - UNESP, campus Bauru/SP

Nadja Janke - UNESP, campus Bauru/SP

Pâmela Buzanello Figueiredo - UNESP, campus Bauru/SP

Regina Helena Munhoz - UDESC, campus Joinville/SC

Resumo

Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa realizada pelo Grupo de Pesquisa

em EA (GPEA), vinculado ao Programa de Educação para a Ciência da UNESP campus

Bauru/SP. O tema da investigação é a inserção da Educação Ambientla na escola

pública de educação básica e reúne diferentes estudos de mestrado e doutorado dos

participantes do GPEA. Assim, é trazida uma síntese dos principais pontos provenientes

dessas dissertações e teses nos últimos sete anos que, de uma forma geral, contemplam

a preocupação com a temática em questão, analisando-as desde a perspectiva crítica. As

principais categorias que emergem das pesquisas em seu conjunto são: conteúdos

curriculares, políticas públicas e atuação e formação de professores.

Palavras-chave: Dissertações e teses; Materialismo Histórico-Dialético; Grupo de

Pesquisa em Educação Ambiental.

Abstract

This paper presents the results of a study conducted by the Research Group in

Environmental Education - EE - (GPEA), under the Education Program for Science of

UNESP campus Bauru / SP. The theme of the research is the insertion of the EE in the

public schools of basic education and brings together different studies, master's and

doctorate of the members of GPEA. Therefore, we organized a summary of the main

points from these dissertations and theses that in the last seven years are concerned with

this issue, analyzing them from the critical perspective. The main categories that emerge

from the research as a whole are: the content of the curricula, public policies and

teacher's perfomance and training.

Keywords: Dissertations and theses; Historical Materialism-Dialectic; Research Group

on Environmental Education.

1. Introdução Se considerarmos a história - embora relativamente recente - da educação

ambiental (EA) no Brasil, sua inserção na escola de educação básica não é um tema

novo. A Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) de 1995, por exemplo, já

tratava da implementação de ações em vários níveis governamentais com o propósito de

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incentivá-la e promovê-la. Então, mais do que a necessidade de inserir a EA no contexto

escolar, o que ainda mobiliza nossas preocupações são as relações da escola com a EA,

ou mais especificamente, com as formas de sua inserção, e com que propósito ela vem

sendo trabalhada na escola, e mais, quais os programas propostos pelas diferentes

esferas de governo e como vem sendo sua incorporação (CRUZ, 2014).

Alguns estudos que trazem um diagnóstico da inserção da EA nas escolas no

Brasil mostram sua crescente expansão. Assim, podemos afirmar que, do ponto de vista

formal, a EA está praticamente universalizada na educação básica. As principais

modalidades identificadas no período de 2001 a 2004 foram: Projetos, Disciplinas

Especiais e Inserção da Temática Ambiental nas Disciplinas (VEIGA; AMORIM;

BRANCO, 2005).

Além disso, o estudo de Trabjer e Mendonça (2006) indica que o

desenvolvimento da EA nas escolas está relacionado à: iniciativa de um professor ou

grupo de professores; um problema ambiental na escola; o interesse dos alunos. Assim,

notamos que esse desenvolvimento relaciona-se muito mais aos interesses da

comunidade escolar do que aos subsídios de políticas públicas. Dentre os fatores que

contribuem para a inserção da EA na escola, os mais citados foram: a presença de

professores qualificados, com formação superior e especializados; professores

idealistas, que atuam como lideranças e a formação continuada de professores. Aqui

vemos indicada a centralidade do docente no desenvolvimento da EA.

Dito de outra forma, os estudos demonstram que as práticas de EA nas escolas

de educação básica tendencialmente estão centradas no professor que, geralmente,

trabalha por iniciativa própria. Em outro estudo Loureiro e Cossío (2007), apesar de

reafirmarem a sua disseminação pelo país, apresentam o aprofundamento de algumas

contradições e lacunas a serem consideradas pelas políticas públicas de EA.

Todos esses estudos – além de muitos outros que tratam da EA escolar –

demonstram que ainda estamos distantes de uma forte presença de práticas educativas

ambientais em todos os níveis de ensino. Nossa análise é de que a inserção da EA nas

escolas de educação básica no Brasil ainda é frágil - formal e conceitualmente. Se

destacarmos a escola pública, assim como afirmam Lamosa e Loureiro (2011), a

inserção da EA não é resultante apenas das fragilidades das políticas educacionais, mas

está associada à histórica situação da escola pública brasileira, que em busca da

importante universalização do ensino fundamental, secundariza as funções educativas

prioritárias para a formação humana.

Ainda de acordo com esses autores, a escola pública de educação básica atual é

resultante da confluência de diferentes projetos contrapostos, não havendo uma

finalidade comum entre os mesmos, mas a união de diferentes conceitos, objetivos e

finalidades, o que contribui para sua maior fragilização. A universalização do ensino

fundamental caminha junto com a inserção da EA nas escolas brasileiras e nesta

perspectiva educacional sofre influência dos diferentes problemas que se colocam para a

educação básica.

Assim, o Grupo de Pesquisa em EA (GPEA), vinculado ao Programa de

Educação Para a Ciência da UNESP campus Bauru, composto por docentes, estudantes

e egressos do curso de pós-graduação em Educação para a Ciência, tem dado ênfase à

temática da inserção da EA na escola pública de educação básica no Brasil. Então,

reunimos aqui para análise os resultados de diferentes estudos de mestrado e doutorado

dos participantes do GPEA que tratam da EA em escolas públicas de educação básica,

tendo como sujeitos das pesquisas, principalmente, seus professores e estudantes. As

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principais categorias que emergem das pesquisas em seu conjunto são: conteúdos

curriculares, políticas públicas, e atuação e formação de professores.

Desta forma, discutimos aqui que a inserção da EA na escola pública encontra-se

ainda fragilizada e, assim, indicamos como necessária a compreensão das contradições

presentes na escola pública no Brasil e a necessidade de formação dos professores pela e

para a práxis. Para sustentar esta tese abordaremos algumas destas categorias a partir

dos resultados das pesquisas e teorizaremos sobre os pressupostos de organização e

funcionamento da escola pública como fundamentais para a inserção da EA, bem como

a formação de professores como intelectuais críticos.

2. Metodologia Compreendemos por metodologia de pesquisa não apenas os procedimentos

metodológicos de caráter mais técnico e instrumental, como geralmente encontramos

nos trabalhos apresentados em eventos da área da educação e do campo da EA, entre

outros, mas, principalmente, aqueles relacionados à nossa compreensão sobre pesquisa,

pesquisa em educação, produção de conhecimentos, formas de compreensão sobre a

realidade estudada, etc. Isto significa que, embora seja importante explicitar no relato de

nossos estudos esses procedimentos, é mais importante ainda que explicitemos nossos

referenciais teóricos metodológicos de identificação e análise dos fenômenos sociais e

humanos com os quais nos ocupamos. Assim, o estudo agora apresentado tem como

referencial teórico e metodológico o Materialismo Histórico-Dialético, formulado por

Marx e Engels no conjunto de sua obra.

Trata-se, assim, de um Método – compreendido como teoria - de interpretação

da realidade que, como nos apresenta Saviani (1997), parte do empírico (a realidade

como se apresenta de forma imediata) e pelo movimento do pensamento (abstrações que

buscam uma compreensão mais elaborada, teórica e praticamente, pela práxis dos

fenômenos estudados), consegue chegar à compreensão concreta da realidade (atingindo

o real pensado, realidade concreta e plenamente compreendida). Dessa forma,

compreendemos a inserção da EA na escola pública no Brasil a partir da análise da

organização das relações sociais em uma sociedade como a nossa, dos condicionantes

históricos que determinam a instituição escolar e a EA, e dos conflitos e contradições

que emergem dessa realidade.

O Método desenvolvido por Marx e Engels é de interpretação da realidade, visão

de mundo e práxis. A reinterpretação da dialética que fizeram estes pensadores diz

respeito, principalmente, à materialidade e à concreticidade. Para eles o caráter material

(os homens se organizam na sociedade para a produção e a reprodução da vida) e o

caráter histórico (como eles vêm se organizando através de sua história) de um método

de interpretação da realidade são fundamentais para compreendê-la. Além das obras dos

próprios formuladores deste Método, muitos estudos têm sido empreendidos para a

identificação e análise desta metodologia como Kosik (1976); Kopnin (1978); Konder

(1988, 1992); entre muitos outros. Então, a lógica dialética é o próprio pensamento, o

processo de busca de compreensão do concreto (lógica concreta) como superação da

lógica formal (lógica abstrata).

Uma das maiores contribuições desse Método para os educadores - e educadores

ambientais -, é auxiliar na compreensão dos fenômenos educativos de forma mais

elaborada, isto é, nos auxilia a identificar nesses fenômenos a categoria mais simples (o

empírico) para, movimentando o pensamento, chegar à categoria “síntese de múltiplas

determinações” (o concreto pensado). Isto significa dizer que a análise da inserção da

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EA na escola pode ser empreendida quando conseguimos descobrir sua mais simples

manifestação para que, ao nos debruçarmos sobre ela, elaborando abstrações, possamos

compreendê-la plenamente. Identificada a categoria simples, empírica, quanto mais

abstrações (teoria) pudermos pensar sobre ela, mais próximos estaremos da

compreensão plena do processo educacional em questão.

Nessa análise, a base das relações sociais são as formas organizativas do

trabalho humano, compreendido de forma mais ampla possível. Sabemos que na

sociedade capitalista o trabalho – como atividade vital - é explorado, determinando

assim um processo de alienação. Se o trabalho, como atividade essencial e vital traz a

possibilidade de realização plena do homem enquanto tal (humanização), a exploração

do trabalho determina um processo inverso, de alienação. Sob a exploração do trabalho,

os sujeitos explorados tornam-se menos humanos, pois rompe-se a possibilidade de

promover a humanização plena desses sujeitos. E, é este movimento contraditório

humanização/alienação que interessa à educação. É, segundo entendemos, a questão

fundamental para a organização do processo educacional. Compreendemos que é

preciso decidir, nos processos educativos, se a educação estará “a serviço” dos

processos de humanização ou de alienação.

Assim, a definição do Método Materialista Histórico-Dialético para nós é

referencial teórico e metodológico que nos exige não apenas a constatação da situação

histórica, política e social dessa inserção, mas a nossa contribuição para sua superação.

O maior desafio que o Método nos coloca é permitir e exigir que nossas análises sobre

nosso tema em estudo coloquem o pensamento em movimento lógico-dialético na

interpretação dessa realidade, com o objetivo de compreendê-la para transformá-la.

Com esse referencial, refletimos sobre a escola pública no Brasil como o cenário

de nosso problema em estudo e, a partir dos estudos dos autores das teses e dissertações

do GPEA, a EA nas escolas. Desta forma, reunimos 11 estudos realizados entre os anos

de 2007 a 2014, que se constituíram nos dados empíricos da análise neste artigo. Dos 11

trabalhos coletados, 01 se dedicou a formulação de uma EA Histórico-Crítica

(JUNQUEIRA, 2014), 08 investigaram a formação de professores na escola pública –

de diferentes níveis e modalidades (SANTOS, 2007, MUNHOZ, 2008, MAIA, 2011,

AGUDO, 2013, GONÇALVES, 2013, TEIXEIRA, 2013, SOUZA, 2014,

FIGUEIREDO, 2014), – 01 investigou a implantação de políticas públicas de EA nas

escolas públicas estaduais de ensino fundamental numa região do estado de São Paulo

(CRUZ, 2014) e 01 uma política pública nacional (JANKE, 2012), chegando também ao

problema da formação de professores. Além disso, destes, 04 são dissertações de

mestrado e 07 são teses de doutorado. Os níveis e modalidades estudados variaram nos

09 estudos que se referem diretamente à organização escolar: 08 foram realizados nos

níveis fundamental e/ou médio da educação básica e 01 no ensino técnico em nível

médio. Os trabalhos foram lidos e seus resultados sistematizados para análise neste

estudo. Todos os estudos tem como referência teórica e metodológica o Método

Materialista histórico-dialético e a Pedagogia Histórico-Crítica.

3. A escola pública no Brasil: o espaço de inserção da EA Nosso referencial teórico e metodológico nos leva a necessidade de explicitar

nossa compreensão sobre escola, ou seja, qual o papel da escola pública numa sociedade

como a nossa, organizada sob o modo capitalista de produção? A resposta, segundo

entendemos, está na Pedagogia Histórico-Crítica, uma teoria da educação que, desde a

década de 1970 do século XX, vem buscando aproximar o debate sobre a educação e a

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escola na realidade histórica, política e social no Brasil. Essa teoria da educação vem

sendo construída coletivamente, mas tem em Dermeval Saviani (1945-) seu principal

representante.

O ponto de partida, sugerido pela Pedagogia Histórico-Crítica é o conceito de

formação humana formulado por Marx em muitas de suas obras, em especial os

“Manuscritos Econômicos e Filosóficos” de 1844 (MARX, 2010). Partindo do

pressuposto da incompletude humana, o processo de formação diz respeito a uma

característica essencialmente humana (no sentido de fazer parte de nossa essência como

ser humano), dado que ao nascer (essência biológica) somos inacabados. Esse

inacabamento exige, portanto, um processo intencional de formação, de apropriação dos

elementos da cultura (essência histórica – social). Para Marx, a formação plena do

sujeito humano se dá, portanto, pela apropriação dos elementos da cultura em sua

atividade vital, que para esse autor era o trabalho (um conceito muito mais complexo do

que sua dimensão mais conhecida, a econômica). O conceito de formação humana em

Marx, portanto, base de formulação da Pedagogia Histórico-Crítica, é essencial para

pensarmos a educação e a escola.

A educação – mais, ou menos, sistematizada - é o próprio processo de formação

humana, então, vejamos suas contradições. É preciso considerar que, sob as formas

históricas de organização das sociedades, esse processo pode ser plenamente

(omnilateralidade) ou parcialmente (unilateralidade) desenvolvido. A omnilateralidade,

como desenvolvimento pleno da pessoa humana, está na base da concepção de ser

humano de Marx. Ela é uma possibilidade humana que sob o historicamente definido

modo capitalista de produção, não se realiza plenamente, pois as condições objetivas da

realização da atividade vital humana, o trabalho, é aviltante, explorada, criando uma

realidade alienada.

Essa possibilidade de desenvolvimento pleno humano que se dá pelo trabalho,

exige a superação da alienação e é o princípio fundamental da transformação da

sociedade sob o modo capitalista de produção para uma sociedade socialista. Portanto, é

na teoria de alienação de Marx que encontramos seu oposto: a formação humana plena

dos seres humanos, base do processo educativo. Nos Manuscritos, Marx (2010)

desenvolveu essa concepção de homem como ser natural, universal, social e consciente.

Isto é, embora ao nascer ele conte com uma base biológica, natural, para se objetivar

como gênero humano – para o “vir a ser” humano – necessita de um processo de

humanização, que seja direto e intencional, um processo social e consciente, de um

processo educativo.

Assim, a educação tem como objetivo realizar esta tarefa de formação por um

processo de apropriação de conhecimentos, interpretação e ação sobre a realidade que

nos permite construí-la, mantendo-a ou transformando-a. Assim, o processo educativo,

ao mesmo tempo em que constroi o ser humano como humano, constri também a

realidade na qual ele se objetiva como humano, constroi a humanidade. É histórico e

social, o que quer dizer intencionalmente dirigido, pelos próprios seres humanos em

suas relações entre si e com o ambiente em que vivem.

Considerada desta forma a educação, podemos afirmar que o desenvolvimento

pleno da pessoa humana para e na superação do modo capitalista de produção, é a

própria educação crítica e transformadora. Foi nesta perspectiva que se desenvolveu a

Pedagogia Histórico Crítica que problematiza, de forma central, um determinado tipo de

educação historicamente definido pela humanidade, aquele que se dá na escola.

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Então, o papel da escola é para Saviani (2005) a “sistematização dos saberes

elaborados pela cultura”, ou seja, a escola é o lugar privilegiado - histórica, social e

politicamente -, de apropriação de um conjunto sistematizado de saberes que

instrumentalizam os sujeitos para a prática social transformadora. Assim, não é a

educação – nem a escola - que realizará a transformação social, mas os sujeitos que,

instrumentalizados pelos saberes culturais, que criam condições históricas para a prática

social transformadora.

A perspectiva histórico crítica nos leva a conceber, portanto, que a

especificidade da educação escolar consiste em instrumentalizar os educandos para uma

compreensão crítica da realidade no sentido de sua transformação. Assim, podemos

afirmar que o que é próprio da escola é a garantia da transmissão – não mecânica, mas

ativa – compreendida como apropriação, do saber elaborado pela cultura.

Um outro ponto importante para compreendermos a escola pública no Brasil, diz

respeito ao significado de pública, ou seja, o que faz pública a escola pública? Saviani

(2008), problematizando o significado concreto da expressão “escola pública”, nos

ensina que essa expressão teve primeiramente o sentido da escola que se organizava

pelo “ensino coletivo” em períodos históricos que se encerraram no século XVII,

segundo o autor, para somente mais tarde, no século XIX, ter o significado de popular,

escola de massas, “destinada à educação de toda população”. O autor também traz uma

terceira concepção de escola pública: a estatal, que segundo ele tem origem no século

XX e é a que prevalece atualmente.

Então, a dimensão pública da escola pública a caracteriza como uma instituição

social dual, porque contraditória, responsável pela formação de todas as crianças e

jovens de uma sociedade complexa e desigual voltada para o mundo do trabalho e sob a

responsabilidade do Estado. Não podemos trazer aqui reflexões mais aprofundadas

sobre a organização do Estado no Brasil, mas é importante afirmar que este foi

reformado sob a lógica neoliberal a partir da ultima década do século XX, o que nos

leva a pensar que este Estado, que vem diminuindo sua responsabilidade na garantia dos

direitos sociais em geral, é o responsável pela educação escolarizada. Isto é, como um

Estado que se organiza e funciona orientado pela doutrina neoliberal pode dar a um bem

social tão importante como a educação pública a atenção que necessita a população que

nela tem a praticamente única possibilidade de educação sistematizada?

Então, como a escola pública, contraditória no atendimento dos interesses das

diferentes classes sociais, que por essa razão deveria ter no Estado o mediador destes

conflitos de interesses, pode ser fortalecida num Estado – neoliberal - que vem se

afastando desse papel mediador? É neste contexto que precisamos pensar a inserção da

EA na escola pública de educação básica no Brasil.

4. A inserção da EA na escola pública no Brasil: o que dizem os estudos As dissertações de mestrado e teses de doutorado trouxeram dados para análise

da inserção da EA na escola pública de educação básica analisadas neste artigo e tratam,

principalmente, dos seguintes temas: concepção de EA dos professores, papel dos

conteúdos escolares, políticas públicas de EA na/para as escolas públicas e atuação e

formação de professores na/para a inserção da EA nessas escolas.

Sobre a concepção de EA, embora ela esteja presente na maioria dos estudos que

tomamos para análise, os resultados não são diferentes daqueles já exaustivamente

realizados por muitos trabalhos do campo da EA. A maioria dos professores – e/ou

alunos -, entrevistados ou observados, expressam concepções simplistas de EA – e/ou

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de meio ambiente. Essas concepções têm, em geral, características biologistas,

ingênuas, pragmáticas e outras próximas a essas abordagens e demonstram, com

clareza, o distanciamento delas daquelas mais críticas, que os articulam às formas

históricas, sociais, políticas e econômicas das relações das sociedades com o ambiente.

Por outro lado, consideramos que os conteúdos escolares para a inserção da EA

que estamos aqui a analisar é um tema bastante relevante e que ainda não foi

suficientemente tratado nos estudos do campo da EA, merecendo destaque nesses

estudos. Lembremos que esses estudos tem a Pedagogia Histórico-Crítica como

referencial teórico e metodológico, então, essa preocupação dos conteúdos é bastante

coerente com o referencial que expressam. Já vimos aqui neste artigo que para essa

teoria da educação, o papel da escola é a socialização do saber histórica e coletivamente

produzido pela humanidade (SAVIANI, 2005). O que é então este saber senão o

conjunto de conhecimentos produzidos através dos tempos sistematizados na educação

escolar como conteúdos curriculares?

Neste sentido, pode parecer que essa teoria da educação é “conteudista” nos

mesmos moldes da tão criticada educação tradicional. Mas, podemos identificar nos

estudos que existem entre elas enormes diferenças. Enquanto a educação tradicional tem

pressupostos filosóficos políticos que a caracterizam como uma abordagem de ensino

que busca reproduzir as relações sociais estabelecidas pelas sociedades organizadas sob

o modo capitalista de produção, a Pedagogia Histórico-Crítica tem pressupostos

opostos.

A Pedagogia Histórico-Crítica é uma teoria de educação socialista que toma o

conceito de práxis como orientador da prática pedagógica: a unidade entre teoria e

prática para a transformação social. Sobre isso, vejamos o que diz Junqueira (2014, p.

131-132):

Uma pedagogia inspirada no método materialista histórico dialético como a

Pedagogia Histórico-Crítica permite-nos compreender que a sociedade em

que está inserida a escola é marcada pelo antagonismo de classes inerente ao

sistema capitalista, e onde a marginalização, a opressão e a exclusão de

parcela da sociedade sempre será necessário para sua manutenção,

compreensão essencial para pensarmos a inserção da EA na escola numa

perspectiva crítica. E ainda mais, a pedagogia histórico-crítica se posiciona

radicalmente como um instrumento de luta essencialmente pela superação da

ideologia dominante na escola capitalista. Mesmo sabendo ser grande o

desafio da inserção da EA crítica desta natureza na escola de educação básica

no Brasil, sabemos que a realidade é histórica e dialética, e que em seu

movimento e contradições gera espaços para luta e transformações.

Isso significa que os conteúdos escolares, o saber elaborado pela cultura,

definido por Saviani (2005) como o conjunto de conhecimentos, ideias, conceitos,

valores, símbolos, atitudes e habilidades, sistematizados, tem papel central nesta teoria

da educação. Então, o processo de instrumentalização dos educandos para uma prática

social transformadora é a apropriação destes conteúdos que emergem dos currículos

escolares. Encontramos em Saviani (2005, p. 55), mais argumentos para defender a

centralidade dos conteúdos numa perspectiva crítica e transformadora:

Se os membros das camadas populares não dominam os conteúdos culturais,

eles não podem fazer valer os seus interesses, porque ficam desarmados

contra os dominadores, que se servem exatamente desses conteúdos culturais

para legitimar e consolidar sua dominação. Eu costumo, às vezes, enunciar

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isso da seguinte forma: o dominado não se liberta se ele não vier a dominar

aquilo que os dominantes dominam. Então, dominar o que os dominantes

dominam é condição de libertação.

Essa discussão sobre os conteúdos escolares nos remete ao conceito de

mediação no papel do professor. Para a Pedagogia Histórico Crítica esta também é uma

questão fundamental. Se, por um lado é importante que os educandos se apropriem, na

escola, dos conteúdos culturais necessários à compreensão crítica da vida – em todas as

suas dimensões, inclusive a socioambiental – por outro é importante que o professor

exerça um papel de mediador nesse processo de apropriação crítica. Isso significa dizer

que o professor tem o papel de transmissão – no sentido de garantir a apropriação crítica

por parte dos educandos – dos saberes elaborados pela cultura. Sobre mediação Saviani

(1997, p. 120), escreve:

Um processo que se caracteriza por uma atividade mediadora no seio da

prática social global. Tem-se, pois, como premissa básica que a educação está

sempre referida a uma sociedade concreta, historicamente situada. [...] A fim

de determinar o tipo de ação exercida pela educação sobre diferentes setores

da sociedade, bem como o tipo de ação que sofre das demais forças sociais é

preciso, para cada sociedade, examinar as manifestações fundamentais e

derivadas, as contradições principais e secundárias.

Assim, diferentemente de outras teorias da educação como a tradicional,

escolanovista, tecnicista, construtivista, e outras, a Pedagogia Histórico-Crítica não abre

mão, na educação escolarizada, da sua especificidade: a de garantir aos educandos –

pela função mediadora da escola e do professor – o acesso aos bens culturais, aos

saberes elaborados historicamente na e pela sociedade contraditória onde vivem e se

desenvolvem.

Passemos agora a examinar o terceiro tema tratado nas teses e dissertações

analisadas: as políticas públicas de EA. Elas foram analisadas em dois estudos aqui

referidos: a Lei da “Política Nacional de EA” (PNEA) no nível federal, a “Agenda 21

Escolar” também no nível federal e estadual.

No primeiro estudo (JANKE, 2012), temos uma minuciosa análise do processo

de tramitação e do conteúdo da PNEA. Nesse sentido, é discutido que a ação política, a

partir da instrumentalização dos gestores públicos pela PNEA, precisa avançar no

estabelecimento de políticas públicas.

As análises realizadas nos permitem afirmar que a lei da PNEA não pode ser

compreendida fora do contexto histórico, econômico, social, político e cultural no qual

ela foi gestada. Toda a complexa trama de sua tramitação, votação e aprovação nos

remete a um movimento contraditório, marcado por disputas políticas. As forças

hegemônicas neoliberais que avançavam na organização da sociedade brasileira nos

anos noventa atingiram o campo das políticas plúbicas da educação, e, no caso aqui

examinado, das ainda tímidas iniciativas de tematizar o ambiente e seus problemas.

Mas, as posições críticas e contra hegemônicas, mesmo assim, penetraram nos

movimentos sociais pela educação e pelo ambiente e se fizeram presentes de forma

bastante evidente no Fórum das ONGs que produziu o Tratado de EA para Sociedades

Sustentáveis e Responsabilidade Global, paralelamente à Rio-92. Esse documento

histórico para a EA crítica, teve grande influência na formulação do texto da PNEA.

Neste sentido, Janke (2012), destaca tanto os fortes sinais da abordagem

reprodutora da educação e da sociedade na PNEA quanto os de abordagem mais crítica

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e transformadora. Essa análise considera que a PNEA trata o ambiente de forma mais

ampla e complexa e, por outro lado, mantém princípios do atual padrão civilizatório

que, segundo entendemos, estão na origem dos problemas ambientais:

[...] ainda persistem elementos de manutenção, uma vez que a educação

continua a ser discutida de forma polissêmica, tanto numa perspectiva

transformadora, como numa perspectiva capitalista de adaptação, de ajuste,

de educação para o trabalho. Essa polissemia reforça e institui, como dito

anteriormente, a educação (ambiental) como palco de disputa (JANKE, 2012,

p. 158).

Tendo como referência a PNEA, o Programa Nacional de EA (ProNEA), foi

lançado em 1994 e reformulado em 2004 com base na PNEA e no Tratado, e

compreende a EA articulada aos aspectos sociais. Superando as tendências

biologizantes, neutras, disciplinatórias e racionalistas de EA, parecem situar-se no

âmbito da EA crítica. Porém, quando os princípios orientadores do ProNEA (BRASIL,

2005) são analisados mais detidamente, configuram-se, segundo entendemos, num

conjunto desarticulado de princípios expressando as disputas e contradições na

fundamentação de políticas públicas para a EA próprias de uma sociedade organizada

sob o modo capitalista de produção.

Sobre a Agenda 21 escolar, analisando sua implantação no estado de São Paulo

através dos documentos Formando COM-VIDA: construindo a Agenda 21 na Escola

(MEC/MMA) e Água Hoje e Sempre: consumo sustentável (SEE/SP), Cruz (2014)

considera que a inserção da EA na escola pública não pode se dar de maneira diferente

que a sua inserção no currículo. Embora quase em todas as escolas – mais de 90% - os

entrevistados tenham afirmado que implantaram a Agenda 21 Escolar, o

aprofundamento nas análises permitiu perceber muitas fragilidades, entre elas destaca-se

o fato de que ela não foi incluída no Projeto Político Pedagógico das escolas (PPP). Isso

significa que,

Sem a inserção da EA nos PPPs, ou seja, sem fazer parte do currículo, a

implantação da Agenda 21 Escolar nas escolas da DERO, concluo, para

grande parte daquelas escolas, dos professores envolvidos no processo, foi

compreendida como um “apanhado” de projetos pontuais, isto é, como uma

reunião de ações educativas ambientais pontuais, cujos temas se relacionam

(CRUZ, 2014, p.155).

Além desse aspecto, as análises orientadas pelo Materialismo Histórico-

Dialético e pela Pedagogia Histórico-Crítica indicam que as políticas públicas de EA – e

de currículo escolar – numa sociedade contraditória, de classes, reproduzem a regulação

autoritária que caracteriza as políticas públicas, mas podem ser enfrentadas pela

regulação dialética, democrática, de mediação dos conflitos sociais. Assim, conclui, em

concordância com as análises da PNEA aqui apresentadas, que

[...] as contradições presentes na proposta da Agenda 21 Escolar, como parte

das políticas públicas de EA para a educação básica, impediram que o

processo educativo ambiental se concretizasse porque as escolas, e

principalmente os professores, não foram convocados para arbitrarem sobre o

seu fazer educativo (CRUZ, 2014, p. 159).

10

Lembremos que, dos estudos analisados, 08 deles tratam da formação de

professores e contribuem para um diagnóstico da formação e atuação dos professores

como educadores ambientais nas escolas públicas de educação básica no Brasil. De

certa forma, é possível identificar o contexto institucional, político e teórico pedagógico

predominante e a ser superado para a inserção da EA na escola.

Sobre as condições de formação dos professores de nível técnico para a atuação

com temas de EA em cursos técnicos que tem a temática ambiental como eixo

organizativo, por exemplo, está intimamente relacionada com a ideologia da reprodução

social do modo capitalista de produção, cujo principal objetivo é a formação de mão de

obra através da perspectiva pedagógica de construção de habilidades e competências.

No estudo que trata deste tema, este modelo de educação profissional que prioriza as

relações de mercado, discute a formação do individuo voltada diretamente para o

mercado de trabalho como formação alienada. Os dados desta pesquisa apontam que

muitos professores deixam de procurar atividades de formação continuada, ou até

desistem por falta de tempo, devido ao esgotamento físico e mental provocados por

diversos fatores oriundos do trabalho com a escola pública (GONÇALVES, 2013).

Já em outro estudo, focando as séries iniciais do ensino fundamental as

condições de formação e atuação dos professores foram identificadas como principais

dificuldades de inserção da EA. Nas análises, considerou a participação dos professores

e da comunidade como extremamente importante, não somente no desenvolvimento de

tarefas, mas principalmente na tomada de decisão na e sobre a escola para enfrentar as

relações hierárquicas autoritárias.

As condições precárias de trabalho dos professores, que vão do aviltamento

salarial até a perda de autonomia didático pedagógica, contribuem enormemente para as

condições profissionais desfavoráveis à melhoria da qualidade do ensino. Essas

condições foram discutidas no estudo analisado neste artigo como componentes de um

processo de “proletarização do trabalho docente”. O estudo concluiu, assim, que as

formas organizativas das escolas observadas não favorecem a participação como

também não valoriza – nem cria condições objetivas – para estudos importantes e

necessários as práticas pedagógicas de maior qualidade, com destaque para a

perspectiva transformadora. Se considerarmos o espaço do ATPC como uma

oportunidade de trabalho coletivo e participativo, por exemplo, as observações do

estudo demonstram sua desvalorização na discussão e enfrentamento da realidade

escolar (AGUDO, 2013).

Neste mesmo nível de ensino, e reforçando o cenário delineado, Santos (2007)

analisou a visão de professores da 4 série (atual 5º ano) envolvidos no projeto

“Aprendendo com a Natureza” do Estado de São Paulo. Os resultados destacam as

necessidades e dificuldades na visão dos professores para se trabalhar as atividades do

material didático da referida politica pública. Frente ao diagnóstico, foi proposta uma

intervenção formativa para subsidiar os professores focando nos conteúdos curriculares.

Dentre as principais dificuldades explicitadas estão: colocar em prática o conteúdo e a

forma das atividades presentes no material, o pouco suporte da Secretaria de Educação

proponente do projeto, falta de diálogo e planejamento entre os professores da própria

escola pela falta de tempo e espaço institucional adequado, falta de material didático e

falta de conhecimentos específicos.

O estudo sobre formação de professores para a inserção da EA na escola de

educação básica que foi realizado no nível fundamental – séries avançadas - e ensino

médio, coletou dados num curso de formação continuada ministrado pela pesquisadora,

11

com o objetivo de problematizar a EA crítica e o currículo oficial – implantado pela

Secretaria Estadual de Educação de São Paulo em 2008. A análise dos dados mostrou

que o processo de formação dos professores para a implantação desse currículo

configuraram-se como intervenções de controle do Estado na formação dos professores

e nas práticas escolares, não favorecendo a superação de suas limitações, pois foram

intervenções dirigidas para garantir a reprodução mecânica dos conteúdos. Assim, é

coerente encontrarmos articulações entre as concepções e práticas dos professores com

relação à EA com o currículo oficial implantado. Destaca-se ainda que, embora existam

conflitos e negação por parte dos professores do que é prescrito pelo Estado, há na

escola o reforço à ele e, consequentemente, à predominância às abordagens não críticas

de EA. Além disso, o estudo observou que muitos professores demonstram interesse em

avançar em suas concepções e práticas, mas indicam não dispor dos elementos

necessários para tanto. Nas observações na escola, o estudo observou que as práticas

educativas predominantes favorecem a reprodução das relações de submissão e poder.

(SOUZA, 2014).

Num outro estudo em que também emerge como tema central a formação e

atuação dos professores do ensino fundamental municipal e estadual, a análise dos

dados evidenciam a prática pedagógica em EA fragilizada relaciona-se diretamente com

as condições de sua formação, que, em geral ocorre em cursos de graduação de baixa

qualidade acadêmica e científica, além da ausência de processos de formação

permanente em EA em abordagem crítica. A falta de materiais didáticos e informativos

concernente à temática ambiental também foi indicado pelos professores como

dificuldades encontradas. Nesse sentido destaca-se também o fato de que as propostas

de ação pedagógica sobre a temática ambiental são dirigidas – ou determinadas - pela

Secretaria Municipal de Educação ou Diretoria de Ensino, demonstrando, mais uma vez,

a falta de autonomia didático pedagógica dos professores. As discussões aqui também

apontaram para a organização escolar hierárquica e autoritária e o “processo de

proletarização docente” como fatores que prejudicam, ou praticamente inviabilizam, o

desenvolvimento de ações educativas mais consistentes e coerentes para a inserção da

EA nessas escolas (FIGUEIREDO, 2014).

Esse processo de proletarização do trabalho docente onde a questão da

autonomia profissional tem que ser compreendida também foi sentido num estudo que

investiu na formação de um grupo de professores para um processo de reflexão-ação-

reflexão sobre suas práticas e, a partir daí, construir coletivamente um projeto de EA na

perspectiva sócio-histórica. Orientando-se pela metodologia da pesquisa-ação e atuando

em uma escola estadual junto a professores do ensino fundamental, o estudo organizou

um conjunto de estratégias que permitiu identificar os problemas socioambientais

presentes no cotidiano da instituição. Essas atividades culminaram com a elaboração da

agenda 21 na escola e as ações expandiram para a comunidade no entorno (MAIA,

2011).

Um estudo original sobre a formação de professores descreveu e analisou o

processo de formação do próprio pesquisador como professor fundamentado no

materialismo histórico dialético e a pedagogia histórico crítico. A maior discussão é a

superação das teorias de formação do professor técnico e, mais ainda, do professor

reflexivo. Sobre este último, o autor aponta para a necessidade de formação do

professor como intelectual crítico de Giroux (1997) para o desenvolvimento de uma

prática pedagógica orientada pela práxis (TEIXEIRA, 2013).

12

E, por último, o estudo que investiu na análise das potencialidades da relação

entre a Educação Matemática e a Educação Ambiental, os participantes - professoras de

matemática e alunos - formaram um grupo de trabalho e elaboraram o projeto

“Depredação do Patrimônio Escolar”, desenvolvido em 2005. Neste trabalho com

relação as professoras participantes se reconheceu que as mesmas praticamente não

perceberam a possibilidade de contextualizar a matemática com questões

socioambientais. Isso pode ser uma consequência das respectivas formações, como

também das experiências na realidade concreta destas. Outro ponto que pode ser

ressaltado é que estas professoras em uma segunda etapa do projeto em que deveriam

trabalhar sem uma coordenação (serem mais autônomas) não desenvolveram o que foi

acordado. Isso pode ser reflexo da própria concepção de educação ambiental das

participantes, associada às respectivas formações profissionais, as quais se desdobram

na ausência tanto na formação como no seu contexto de trabalho de experiências com

projetos envolvendo a Educação Ambiental (MUNHOZ, 2008).

Portanto, os estudos sobre a formação dos professores para a inserção da EA nas

escolas de educação básica tem em comum, segundo nossas análises orientadas pelo

Materialismo Histórico-Dialético, a falta de autonomia que resulta num processo de

proletarização docente, onde alguns conceitos são fundamentais, mas com destaque para

o conceito filosófico de trabalho – e sua exploração nas sociedades sob o modo

capitalista de produção. Assim, o processo de proletarização e de alienação, assim como

o conflito entre as classes sociais, tem que ser compreendidos dentro da exploração do

trabalho que caracteriza a sociedade sob o modo capitalista de produção.

Ao propor a autonomia como um processo de emancipação, Contreras (2012) se

remete a um professor capaz de se localizar no contexto de sua atividade profissional,

não só àquele limitado à sala de aula, mas em um âmbito social mais amplo. Isto é, uma

formação e atuação analítica, que os tornem capazes de localizar a função real do ensino

e se comprometam com ela; que analisem a sua prática, seus pensamentos e valores,

mas também realizem crítica às demandas educativas da comunidade. Esta prática é

encaminhada no sentido de direcionar um ensino cujos valores educativos e sociais

contemplem uma visão política da escola, um compromisso com a construção de uma

sociedade democrática, igualitária e participativa. O professor autônomo, no sentido que

o autor defende, compartilha e constroi um projeto social e educativo com valores

democráticos e igualitários:

Defender, nesse caso, a autonomia dos professores é defender um programa

político para a sociedade e um compromisso social com a profissão. E apenas

sob este programa, isto é, em benefício de uma democratização maior da

sociedade, de suas estruturas e das novas gerações, de suas experiências e

aprendizagens escolares, pode-se sustentar uma concepção de autonomia que

possa em algum momento opor-se ou resistir às demandas da sociedade.

(CONTRERAS, 2012, p.224)

As demandas da sociedade – em um projeto democrático e igualitário - precisam

ser compreendidas pelos professores, assim como precisam ser compreendidos os

interesses dos alunos com seus determinantes sociais e históricos. Com uma prática

autônoma, o professor poderá superar a noção de ensino restrito à socialização dos

alunos rumo à reprodução social, uma que vez que estabelecerá um compromisso com

valores educativos cujas finalidades são críticas. Esta noção de autonomia considera

13

uma relação democrática entre a sociedade e a escola, considerando a autonomia

profissional docente vinculada a uma autonomia social (CONTRERAS, 2012).

Dessa forma pensando na construção da autonomia docente, concordamos que

[...] a autonomia não pode se colocar como um problema exclusivo de um

juízo próprio criado em um contexto de diálogo em sala de aula, ou de

negociação com a comunidade. Enquanto significado de um processo de

busca e construção permanente, caso se queira ultrapassar o sentido limitado

da autonomia virtual, é necessário que esta contínua busca esteja alimentada

pela análise da própria prática, das razões que sustentam as decisões e dos

contextos que as limitam ou condicionam. [...] Uma autonomia madura

requer um processo de reflexão crítica no qual as práticas, valores e

instituições sejam problematizados. (CONTRERAS, 2012, p. 221-222).

É neste sentido que a autonomia precisa se constituir no processo de construção

da identidade dos professores, mas, para tanto, os processos formativos necessitam ser

direcionados a atingi-la, visto que este processo de análise da prática pedagógica

inserida num contexto histórico e social exige conhecimentos, que no nosso

entendimento se expressam no que Saviani (2011) reconhece enquanto constituintes da

competência profissional e de um compromisso político claro do professor. Dessa

forma, é preciso considerar a mediação existente entre a competência técnica e um

compromisso político do professor (SAVIANI, 2011).

Esta competência técnica abrange um domínio teórico e prático das diferentes

dimensões do trabalho educativo, superando a concepção da neutralidade da escola,

desempenhando um papel político no processo de viabilização - ou não - da apropriação

dos conhecimentos. A competência técnica, portanto, é eminentemente política,

independente de o professor ter consciência desta implicação ou não (SAVIANI, 2011).

Este caráter político da competência técnica é, para esse autor, um dos motivos

pelos quais se esvaziou a competência técnica dos professores no Brasil hoje, que

passam a ser incapazes de transmitir o saber escolar para as camadas dominadas, sendo

este um mecanismo para garantir a manutenção da atual organização

Ao realizar a análise da relação entre competência técnica e compromisso

político Saviani (2011) conclui que ambas as categorias são integradas, entendendo a

competência técnica como mediação para o compromisso político, ou seja, “é também

(não somente) por seu intermédio que se realiza o compromisso político” (p.31).

Isso nos leva a pensar numa outra formação para esses professores, concebida na

literatura sobre o tema como a do professor como “intelectual crítico”. Nessa

perspectiva, os professores tomam sua própria prática como objeto de reflexão crítica e

dialética, desenvolvendo e ampliando a autonomia de ação pedagógica por meio da

apropriação, por eles, de um método que lhe possibilite interpretar a realidade para além

da forma prático-utilitária e das formas hegemônicas de se conceber o trabalho

educativo (TEIXEIRA, 2013).

Considerações finais Podemos dizer que os estudos analisados produziram conhecimentos para o

desenvolvimento de propostas metodológicas que buscam a inserção da EA na escola

pública e a formação do educador ambiental, destacando-se a necessidade do

enfrentamento do processo de proletarização do trabalho docente para colocá-lo como

sujeito do conhecimento, processo que se dá pela práxis. Ou seja, pela apropriação de

um método que crie condições objetivas de refletir teoricamente sobre o sentido da

14

prática para reconstruir sua própria concepção de realidade socioambiental para a

inserção da EA na escola pública.

Além disso, é importante destacar que a escola pública de educação básica no

Brasil hoje, para a qual queremos a inserção da EA, expressa a contradição que resulta

de políticas públicas de educação básica sob a lógica neoliberal, explicitando como elas

não têm conseguido garantir que a escola pública cumpra seu papel formador para a

transformação desta sociedade injusta e desigual.

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