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Faculdade de Educao Fsica
Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica
Mestrado em Educao Fsica
Efrain Maciel e Silva
A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira
Braslia 2013
Efrain Maciel e Silva
A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira
Dissertao apresentada como requisito final para a obteno do ttulo de mestre em Educao Fsica do Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica da Universidade de Braslia, na linha de pesquisa Estudos Sociais e Pedaggicos da Educao Fsica, Esporte e Lazer.
Orientador: Prof. Dr. Edson Marcelo Hngaro
Braslia 2013
Ficha catalogrfica elaborada pela Biblioteca Central da Universidade de Braslia. Acervo 1013731.
S i l va , Ef ra i n Mac i e l e . S586p A pedagog i a h i s t r i co-c r t i ca no cenr i o da educao f s i ca bras i l e i ra / Ef ra i n Mac i e l e Si l va . - - 2013 . 122 f . : i l . ; 30 cm.
Di sser t ao (mes t rado) - Un i vers i dade de Bras l i a , Facu l dade de Educao F s i ca , Programa de Ps -Graduao em Educao F s i ca , Mes t rado em Educao F s i ca , 2013 . I nc l u i b i b l i ogra f i a . Or i en tao : Edson Marce l o Hngaro .
1 . Educao f s i ca . 2 . Pedagog i a c r t i ca - Hi s tr i a . I . Hngaro , Edson Marce l o . I I . T t u l o .
CDU 796(81)
Efrain Maciel e Silva
A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira
Esta dissertao foi julgada e aprovada para obteno do ttulo de mestre em Educao Fsica no Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica da Universidade de Braslia, na linha de pesquisa Estudos Sociais e Pedaggicos da Educao Fsica, Esporte e Lazer.
Braslia, 17 de dezembro de 2013.
Banca examinadora:
________________________________________________________
Prof. Dr. Edson Marcelo Hngaro, FEF/UnB (Orientador)
________________________________________________________
Prof. Dr. Jos Luiz Finocchio, DEF/UFMS
________________________________________________________
Prof. Dr. Lino Castellani Filho, FEF/UnB e FEF/UNICAMP
________________________________________________________
Prof. Dr. Fernando Mascarenhas Alves, FEF/UnB (Suplente)
Dedico este trabalho a minha me, Ramona
Laides Maciel e Silva, que sempre esteve ao
meu lado, apoiando meus estudos.
.
Agradecimentos
Ao meu orientador, amigo e camarada Marcelo Hngaro. Sua grandeza intelectual pode ser
reconhecida em sua generosidade. Obrigado por tudo e especialmente pela imensa
contribuio no enriquecimento de minha formao.
Aos professores, membros da banca de avaliao, Jos Luiz Finocchio e Lino Castellani
Filho, pelas contribuies e crticas ao desenvolvimento desse trabalho.
professora Sandra Soares Della Fonte pelas importantes contribuies durante a
qualificao desse estudo.
Ao Juarez Sampaio pela amizade e por compartilhar comigo esta jornada.
Mariana Assumpo pela ajuda inestimvel a finalizao desse trabalho.
Aos membros do grupo Avante pelas contribuies, crticas, sugestes e especialmente pela
amizade e companheirismo de todos.
Ao Fernando Mascarenhas pelos importantes comentrios durante o perodo de qualificao
desse estudo.
Janielly Lima pelas diversas leituras e correes no incio desse estudo e especialmente por
tudo de bom que vivemos juntos.
Ao Flvio, Carmen, Joo e Lisa, pelo meu reencontro com a famlia Bedatty e pela carinhosa
recepo que me proporcionaram em Araraquara.
Ao Alexandre Rezende pelo apoio neste importante momento de minha formao acadmica.
A Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior CAPES pelo apoio
financeiro na concesso da bolsa de estudos.
A Histria da Educao, possibilita uma viso global do fenmeno educativo, permite ao educador compreender mais profundamente suas funes. O conhecimento dos mecanismos de transmisso da herana cultural, como se manifesta concretamente na evoluo das diversas sociedades, mostra que no h povo, por mais simples que seja sua organizao social, sem um conjunto de meios educativos que assegure sua continuidade no tempo e no espao. Cada sociedade elabora, historicamente, seu sistema de educao a partir de sua estrutura e organizaes sociais. Essa a razo pela qual a educao de um povo , assim, inseparvel do seu contexto scio-cultural (REIS FILHO, 1995, p. 7).
SILVA, Efrain Maciel e. A pedagogia histrico-crtica no cenrio da Educao Fsica brasileira. 2013. 122 f. Dissertao (Mestrado em Educao Fsica) Programa de Ps-Graduao em Educao Fsica, Faculdade de Educao Fsica, Universidade de Braslia, Braslia, 2013.
Resumo
O objetivo deste estudo foi o de contribuir com a construo coletiva da pedagogia histrico-
crtica no mbito da Educao Fsica, delineando um mapeamento da produo acadmica da
rea que se apropriou de forma explcita ou implcita desta teoria pedaggica. Este foi um
trabalho terico fundado no mtodo histrico-dialtico, que utilizou da tcnica de pesquisa
bibliogrfica considerando como fonte principal a produo acadmica vinculada no perodo
de 1984 a 2012 nos peridicos: Revista Brasileira de Cincias do Esporte, Movimento, Pensar
a Prtica e Motrivivncia. Foram identificados outros trabalhos como fontes complementares
atravs das referncias bibliogrficas, indicaes e pesquisas em bancos de dados on-line. Os
resultados das fontes principais nos levaram a um total de 2.156 artigos, dos quais 20
apresentaram uma relao implcita (0,93% do total) e apenas 4 uma relao explcita (0,19%
do total) com a pedagogia histrico-crtica. J nas fontes complementares foram encontrados
diversos trabalhos que realizaram uma relao explcita, tais como: artigos, dissertaes,
monografias, livros e uma tese de doutorado. Conclumos esta pesquisa confirmando nossa
hiptese inicial de que a pedagogia histrico-crtica ainda muito incipiente na produo
acadmica da Educao Fsica brasileira e quando esta relao encontrada, na maioria das
vezes, ela ainda se d por meio da proposta didtica de Gasparin e/ou em aplicaes de
experincias de ensino atravs da metodologia crtico-superadora. Ainda so necessrios
novos estudos na rea da Educao Fsica que somem esforos na construo coletiva da
pedagogia histrico-crtica, neste sentido, os resultados desta pesquisa podem contribuir, uma
vez que apresentam um amplo mapeamento desta produo. Esperamos que a partir destas
primeiras aproximaes outros pesquisadores possam colaborar no desenvolvimento desta
teoria pedaggica no mbito da Educao Fsica.
Palavras-chave: Pedagogia histrico-crtica. Teoria pedaggica. Educao Fsica. Produo
acadmica.
SILVA, Efrain Maciel e. The historical-critical pedagogy in scene of Brazilian Physical Education. 2013. 122 f. Dissertation (Master of Physical Education) Postgraduate Program in Physical Education, Faculty of Physical Education, University of Brasilia, Brasilia, 2013.
Abstract
The purpose of this research was contribute with historical-critical pedagogy collective
building in scope of Physical Education, delineating an academic production map of the area
which in an explicit or implicit way has appropriated this pedagogic theory. This was a
theoretical work founded in historical-dialectical method which made use of the bibliography
research technique and has considered as main fount the academic production, linked between
1984 to 2012 years, in the journals: Brazilian Journal of Sport Science, Movement Magazine,
Thinking Practice and Motrivivncia. Another works were identified as additional sources by
bibliography references, online database researches and indications. The main sources results
showed 2156 articles in totally, of which 20 presented an implicit relationship (0.93% in
totally) and just 4 (0.19% in totally) an explicit relationship. However, in the complementary
sources several works which performed a explicit relationship were founded, such as: articles,
dissertations, monographs, books and one doctoral thesis. We conclude this researcher
confirming our initial hypothesis that the historical-critical pedagogy, in the academic
production of the Brazilian Physical Education, is very inceptive yet and, when this
connection has founded in the majority time, it is given by Gasparins didactic proposal
and/or in teaching experiences applications by the critical-surpassing methodology. New
studies in the Physical Education area which add efforts in the collective building of the
historical-critical pedagogy are required yet, in this direction, this research results can
contribute once shows a wide mapping of this production. We hope that from these first
approaches other researchers can collaborate in development of this pedagogic theory in
Physical Education scope.
Keywords: Historical-critical pedagogy. Pedagogical theory. Physical Education. Academic
production.
Lista de ilustraes
Grfico 1 Total de trabalhos na RBCE 56
Grfico 2 Total de trabalhos na revista Movimento 59
Grfico 3 Total de trabalhos na revista Pensar a Prtica 62
Grfico 4 Total de trabalhos na revista Motrivivncia 64
Grfico 5 Total de artigos nas quatro revistas analisadas 66
Quadro 1 Distribuio dos artigos por ano 67
Figura 1 Capa: primeiro livro sobre a pedagogia histrico-crtica e a Educao Fsica 75
Lista de abreviaturas e siglas
AI Ato Institucional
ANDE Associao Nacional de Educao
CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior
CBCE Colgio Brasileiro de Cincias do Esporte
CD-ROM Compact Disc Read-Only Memory
CDS Centro de Desportos
CONBRACE Congresso Brasileiro de Cincias do Esporte
DEF Departamento de Educao Fsica
DOAJ Directory of Open Access Journals
EDUCON Grupo de Estudos e Pesquisas Educao e Contemporaneidade
EDUEM Editora da Universidade Estadual de Maring
EF Educao Fsica
EJA Ensino de Jovens e Adultos
EnFEFE Encontro Fluminense de Educao Fsica Escolar
EPSJV Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio
ESEF Escola Superior de Educao Fsica
ETHNS Grupo de Estudos Etnogrficos em Educao Fsica e Esporte
FEF Faculdade de Educao Fsica
GEPOSEF Grupo de Estudos em Polticas Sociais de Educao Fsica, Esporte e Lazer
GTT Grupo de Trabalho Temtico
HISTEDBR Grupo de Estudos e Pesquisas Histria, Sociedade e Educao no Brasil
IBICT Instituto Brasileiro de Informao em Cincia e Tecnologia
ISI Information Sciences Institute
ISSN International Standard Serial Number
LAPED Laboratrio de Estudos Pedaggicos
LAPTOC Latin American Periodicals Tables of Contents
Latindex Sistema Regional de Informacin en Lnea para Revistas Cientficas de
Amrica Latina, el Caribe, Espaa y Portugal
LESEF Laboratrio de Estudos em Educao Fsica
LILACS Literatura Latino-Americana e do Caribe em Cincias da Sade
MG Minas Gerais
MMA Mixed Martial Arts
Movimento Revista Movimento
NEDI Ncleo de Educao Infantil
NEPEF Ncleo de Estudos Pedaggicos em Educao Fsica
OASIS Open Access Scholarly Information System
PHC Pedagogia histrico-crtica
PIBIB Programa institucional de Bolsas de Iniciao Docncia
PKP Public Knowledge Project
PPE Programa de Ps-graduao em Educao
PUCPR Pontifcia Universidade Catlica do Paran
PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo
RBCE Revista Brasileira de Cincias do Esporte
Redalyc Red de Revistas Cientficas de Amrica Latina y el Caribe, Espaa y Portugal
SciELO Scientific Electronic Library Online
SEED/PR Secretaria Estadual de Educao do Estado do Paran
SIRC Sport Information Resource Centre
TCC Trabalho de Concluso de Curso
TDAH Transtorno do Dficit de Ateno e Hiperatividade
UEM Universidade Estadual de Maring
UFBA Universidade Federal da Bahia
UFES Universidade Federal do Esprito Santo
UFF Universidade Federal Fluminense
UFG Universidade Federal de Gois
UFJF Universidade Federal de Juiz de Fora
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFS Universidade Federal de Sergipe
UFSC Universidade Federal de Santa Catariana
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade Estadual de Campinas
UNIMEP Universidade Metodista de Piracicaba
UNEB Universidade do Estado da Bahia
UPE Universidade de Pernambuco
Sumrio
INTRODUO.........................................................................................................................................13OBJETIVO GERAL.............................................................................................................................................18OBJETIVOS ESPECFICOS..................................................................................................................................18JUSTIFICATIVA E RELEVNCIA DO ESTUDO.....................................................................................................19SUPOSTOS TERICO-METODOLGICOS...........................................................................................................22PROCEDIMENTOS INVESTIGATIVOS.................................................................................................................26
CAPTULO 1 A PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA.......................................................................291.1. ASPECTOS HISTRICOS.............................................................................................................................291.2. NOME.........................................................................................................................................................361.3. FUNDAMENTOS FILOSFICOS....................................................................................................................41
CAPTULO 2 APRESENTAO E MAPEAMENTO DAS FONTES..................................................542.1. REVISTA BRASILEIRA DE CINCIAS DO ESPORTE....................................................................................542.2. REVISTA MOVIMENTO..............................................................................................................................582.3. REVISTA PENSAR A PRTICA....................................................................................................................612.4. REVISTA MOTRIVIVNCIA........................................................................................................................632.5. SNTESE DOS PERIDICOS..........................................................................................................................662.6. OUTROS TRABALHOS.................................................................................................................................68
2.6.1. Tese.....................................................................................................................................................682.6.2. Dissertaes........................................................................................................................................682.6.3. Monografias.......................................................................................................................................702.6.4. Artigos................................................................................................................................................712.6.5. Livros..................................................................................................................................................752.6.6. Congresso...........................................................................................................................................78
CAPTULO 3 A EDUCAO FSICA E A PEDAGOGIA HISTRICO-CRTICA............................813.1. PRIMEIRAS APROXIMAES......................................................................................................................823.2. ANLISE DAS FONTES PRINCIPAIS.............................................................................................................883.3. ANLISE DAS FONTES COMPLEMENTARES................................................................................................96
CONCLUSO.........................................................................................................................................108REFERNCIAS......................................................................................................................................112
13
Introduo
A dcada de 1980 talvez tenha sido o mais importante perodo de amadurecimento da
Educao Fsica brasileira. Neste momento, seus autores e atores (DAOLIO, 1998) fizeram
questionamentos, discusses, consensos e conflitos (OLIVEIRA, V., 2012), realizaram
mestrado e doutorado em Educao e Filosofia, o que foi fundamental para o surgimento dos
primeiros cursos de ps-graduao na rea, aumento nas pesquisas acadmicas e criao de
peridicos cientficos que contriburam para divulgar estes debates.
Alm dos brasileiros doutorados no exterior, colaboraram para o surgimento de novas idias, reflexes e propostas metodolgicas na Educao Fsica brasileira a criao dos primeiros cursos de ps-graduao no pas, a busca de parte de profissionais de Educao Fsica por cursos de ps-graduao em outras reas, sobretudo das cincias humanas, o aumento do nmero de publicaes especializadas e a realizao de vrios congressos, encontros seminrios e cursos na rea (DAOLIO, 1998, p. 44).
O contexto histrico da dcada de 1970 marcado por uma viso
competitivista/esportivista e pelo paradigma da aptido fsica na Educao Fsica e
influenciado pelo perodo mais rgido do regime militar. Na dcada de 1980 o fortalecimento
dos movimentos populares1 em lutas pelo fim da ditadura e pela liberdade de expresso so o
contexto social ao qual este movimento renovador vivenciara.
A Educao Fsica brasileira no tinha, at o incio dos anos 80, uma oposio sistemtica ao conservadorismo. Este ficava mascarado, pois no havia o que lhe contrastasse. Nessa poca despontava uma gerao que comea a denunciar o estabelecido, assumindo posies numa perspectiva de crtica social (OLIVEIRA, V., 2012, p. 30-31).
Esta gerao foi responsvel por um movimento renovador na Educao Fsica
brasileira que deu um salto qualitativo no somente em relao s a sua prtica, mas tambm
quanto aos seus pressupostos tericos, dialeticamente produzidos e responsveis pela
superao dessa prtica (OLIVEIRA, V., 2012, p. 23).
1 Com destaque para o movimento estudantil, que no mbito da Educao Fsica, por exemplo, realizou seu primeiro Encontro Nacional de Estudantes de Educao Fsica em 1980.
14
Vale ressaltar que:
A pedagogia histrico-crtica teve seu incio justamente neste momento em que foi possvel uma maior movimentao poltica na sociedade, principalmente dos movimentos populares, dos partidos polticos de esquerda, do movimento estudantil e de educadores nas universidades brasileiras (LOUREIRO, 1996, p. 99).
Concomitante ampliao das discusses na rea de Educao Fsica, um conjunto
de professores da pedagogia e das cincias sociais que constituram a primeira turma do
doutorado em educao da PUC-SP, em 1979, deram incio s ideias que vieram a culminar
na proposta contra-hegemnica que mais tarde, em 1984, viria a ser chamada de pedagogia
histrico-crtica2 (SAVIANI, 2010).
Este o cenrio inicial onde podemos identificar as primeiras sistematizaes sobre
esta teoria pedaggica, que ocorreram predominantemente nos anos 1980. Perodo, como j
anunciado, de importantes discusses na rea da Educao Fsica, como foi o caso de O que
Educao Fsica de Vitor Marinho (OLIVEIRA, V., 2011), A Educao Fsica cuida do
corpo... e mente de Joo Paulo Medina (MEDINA et al, 2010), ambas de 1983 e da
Educao Fsica no brasil: a histria que no se conta de Lino Castellani Filho publicada em
1988 (CASTELLANI FILHO, 2010), para destacarmos algumas das mais relevantes.
Este apontamento se faz necessrio, pois ao analisarmos a produo acadmica da
Educao Fsica na dcada 1980, parece-nos que poderia haver ligaes entre este debate
crtico e a formulao desta nova teoria pedaggica. Por exemplo: ao fazer uma aproximao
do grupo que se formou na PUC-SP, inicialmente podemos identificar a Educao Fsica
sendo representada por Paulo Ghiraldelli Jnior, que durante a dcada de 1980 faz seu
primeiro3 mestrado e doutorado neste programa, tendo como orientadores: Maria Luiza
Santos Ribeiro no mestrado e Dermeval Saviani no doutorado.
Resultado dessa formao e de sua atuao profissional, Paulo Ghiraldelli faz uma
primeira aproximao, ainda que muito incipiente e implcita, com a pedagogia histrico-
2 Trataremos com mais detalhes esta histria no captulo 1. 3 Paulo Ghiraldelli Jnior que inicialmente teve sua formao em Educao Fsica, mestrado e doutorado em Educao (sendo o doutorado sob a orientao do professor Dermeval Saviani), depois refez sua formao acadmica com graduao, mestrado e doutorado em filosofia, rea que desde ento vem atuando, no tendo mais retornado a Educao Fsica. Para Saviani, em entrevista concedida a Loureiro (1996), Ghiraldelli Jnior fez uma ruptura com sua formao inicial e se enveredou por outros caminhos, se considera incompatibilizado com as origens marxistas e se integra agora em uma outra vertente, que incorpora elementos da ps-modernidade, da Histria Nova, tentando retomar alguns aspectos clssicos da filosofia, mas se distanciando e se contrapondo a essa orientao de base marxista e dialtica (p. 267-268, grifo no original).
15
crtica atravs da interpretao de Libneo (2009)4 fazendo referncia a uma pedagogia
crtico-social dos contedos e a Educao Fsica brasileira. Para isso, Ghiraldelli Jnior
(1988), apresenta uma anlise das tendncias da Educao Fsica fazendo uma classificao
em: higienista, militarista, pedagogicista, competitivista e popular. Analisa a situao da
educao e Educao Fsica na dcada de 1980 e finaliza fazendo algumas indicaes para
uma Educao Fsica crtico-social dos contedos5.
Este mais um indcio de uma breve aproximao entre a Educao Fsica e a
pedagogia histrico-crtica, no entanto, h de se deixar claro que apesar da similaridade entre
a pedagogia crtico-social dos contedos e a pedagogia histrico-crtica, no se trata de uma
mesma concepo. Saviani (2011c)6 esclarece que ambas as propostas surgiram
[...] no mesmo momento e com as mesmas preocupaes que deram origem pedagogia histrico-crtica. Mas enquanto a pedagogia crtico-social dos contedos se voltou mais para as questes didticas tratadas no mbito intraescolar, a pedagogia histrico-crtica procurou sempre tratar a problemtica pedaggica, a includas as questes didticas, em estreita articulao com a problemtica social mais ampla considerando suas implicaes polticas e econmicas (p. 232).
Esta observao se faz necessria, devido delimitao dessa pesquisa, pois no
sero analisados os desdobramentos da tendncia crtico-social dos contedos, mas, em alguns
momentos, foi necessria a meno a esta tendncia pedaggica. O foco desta pesquisa a
pedagogia histrico-crtica.
Dando continuidade a aproximao da produo acadmica da Educao Fsica, logo
em seguida encontramos a contribuio do Coletivo de Autores7, que, ao articular a proposta
de Saviani com a de Paulo Freire sistematizam, em 1992, uma tendncia denominada crtico-
superadora (SOARES et al, 2012), corrente que ter grande influncia no debate acadmico
da Educao Fsica e que se constituiu como a primeira aproximao sistematizada em livro 4 Pedagogia crtico-social dos contedos foi a denominao consignada, por Jos Carlos Libneo, em 1985, concepo pedaggica por ele sistematizada. J Saviani denominou, em 1984 (SAVIANI, 2011b), a concepo pedaggica que sistematizou de pedagogia histrico-crtica que ser o foco central dessa pesquisa. 5 O livro tem apenas 63 pginas e foi lanado em formato de bolso. Esgotado h muitos anos, este livro pouco conhecido pelas novas geraes da Educao Fsica tanto pela dificuldade de acesso quanto pelo fato de seu autor, h muitos anos, ter se afastado da rea. 6 Entrevista concedida a Debora Gomes, em 2009, para a revista Maring Ensina e publicada em 2011 pela editora Autores Associados em uma coletnea de entrevistas denominada Educao em dilogo. 7 Coletivo de Autores foi como ficou conhecido o livro escrito pelos professores: Carmen Lcia Soares, Celi Nelza Zlke Taffarel, Elizabeth Varjal, Lino Castellani Filho, Micheli Ortega Escobar e Valter Bracht.
16
da Educao Fsica com a pedagogia histrico-crtica, tendo em vista que seus autores
fundamentaram sua proposta principalmente nas formulaes desta teoria pedaggica.
Tambm pode ser observado que deste Coletivo de Autores, dois deles realizaram
seu mestrado no programa da PUC-SP, onde o professor Lino Castellani Filho estudou de
1983 a 1988 e a professora Carmen Lcia Soares de 1985 a 1990. Neste perodo foram alunos
de Saviani, Paulo Freire entre outros, fato que, certamente, influenciou em suas contribuies
na proposio da metodologia crtico-superadora.
A proposta crtica elaborada pelo Coletivo de Autores teve profunda influncia no
movimento renovador e progressista da Educao Fsica brasileira. Este livro, ainda hoje, de
leitura obrigatria em quase todos os concursos para professores de Educao Fsica da rede
pblica de ensino e de grande maioria dos concursos do ensino superior na rea pedaggica
(SOARES et al, 2012).
Neste trabalho tomaremos esta proposio elaborada na Educao Fsica pelo
Coletivo de Autores como a que mais se aproxima da pedagogia histrico-crtico,
especialmente em seus fundamentos, pois concordamos com Silva (2011, p. 7, grifo nosso)
que
Aps analisar os dados concretos e teorizar sobre a concepo de formao e de projeto histrico defendemos a perspectiva crtico-superadora enquanto a proposio pedaggica da Educao Fsica mais avanada, sobretudo, por encontrarmos nesta proposio, a concepo do trabalho material socialmente til enquanto categoria central do projeto de escolarizao das futuras geraes, a defesa explicita do projeto histrico socialista, elemento terico que permite identificar as qualidades que assume o projeto educacional e, a funo social da escola bsica do ponto de vista do atendimento das reivindicaes da classe trabalhadora [...].
Em 2012, num recente artigo publicado na revista Movimento, os integrantes do
Laboratrio de Estudos em Educao Fsica da Universidade Federal do Esprito Santo
(LESEF/UFES), apresentam a segunda parte de uma extensa pesquisa bibliogrfica sobre a
Educao Fsica escolar desenvolvida nos principais peridicos da rea e observaram que:
Considerando a produo no mbito da categoria Fundamentos da EF escolar, observamos, em termos de orientaes tericas, o predomnio, na dcada de 1980, da teoria marxista, seja por meio da Pedagogia Histrico-Crtica, seja por meio do pensamento do prprio Marx (ou autores que continuam essa tradio) ou, ento, graas a autores da prpria EF que incorporaram as categorias/conceitos marxistas de interpretao (BRACHT et al, 2012, p. 14).
17
Tal estudo nos d alguns elementos de que a dcada de 1980 aquela, na qual,
talvez, pudssemos encontrar o maior nmero de artigos relacionados pedagogia histrico-
crtica.
Esse breve destaque em algumas obras da Educao Fsica importante para
empreendermos mais a frente uma possvel relao com o aparecimento e desenvolvimento da
pedagogia histrico-crtica e tambm para fazer algumas aproximaes tericas em seus
fundamentos.
Antes de finalizar esta introduo, quero destacar a realizao de trs congressos que
j foram realizados no mbito da educao que tematizaram a pedagogia histrico-crtica.
O primeiro deles aconteceu de 18 a 20 de maio de 1994 na UNESP de Marlia, onde
cerca de 600 professores reuniram-se para discutir com Dermeval Saviani o sentido de sua
obra, seus fundamentos e desafios. Este encontro foi chamado de Simpsio Dermeval Saviani
e a Educao Brasileira, sendo conhecido por O Simpsio de Marlia. Todas as falas dos
palestrantes foram reunidas num conjunto de trabalhos publicadas em livro8 com a
organizao do professor Celestino Alves da Silva Jnior (SILVA JNIOR, 1994).
A realizao do Simpsio de Marlia foi um marco importante para a pedagogia
histrico-crtica, uma vez que o material resultante deste encontro nos permite uma anlise
histrica no s de seu principal interlocutor, mas tambm no aprofundamento terico desta
teoria em suas bases tericas, filosficas, pedaggicas e poltica.
Por um longo perodo no tivemos outras iniciativas diretamente relacionadas com a
pedagogia histrico-crtica, no entanto, pela eventual comemorao dos 30 anos da elaborao
desta teoria e por iniciativa do grupo de pesquisa Estudos Marxistas em Educao9, foi
realizado na UNESP de Araraquara, no perodo de 15 a 17 de dezembro de 2009, um segundo
encontro denominado Pedagogia Histrico-Crtica: 30 Anos. Neste encontro foram discutidos
os fundamentos tericos desta proposta educacional, sua origem e desenvolvimento, a
articulao terica com a psicologia histrico-cultural, educao na infncia, tica, prtica
pedaggica e formao de professores. O registro deste congresso com todas as falas do
evento tambm foi publicado em livro organizado pela professora Ana Carolina Galvo
Marsiglia (2011a).
8 Este livro est esgotado h muitos anos, no entanto, ainda possvel encontra-lo em bibliotecas de diversas universidades ou mais raramente em sebos. 9 Formado em 2002 e liderado pelo professor Newton Duarte, este grupo vem se destacando como a principal referncia marxista de pesquisas sobre a pedagogia histrico-crtica e da psicologia histrico-cultural.
18
Diferentemente do longo perodo entre o primeiro e o segundo congresso, o terceiro
evento, denominado Congresso Infncia e Pedagogia Histrico-Crtica, foi realizado mais
recentemente entre os dias 18 a 20 de junho de 2012 por iniciativa do NEDI/UFES e
tematizou a educao na infncia. Neste evento foram tratadas as temticas sobre indisciplina,
TDAH, desenvolvimento humano e infantil, prtica pedaggica, formao de conceitos,
conhecimento tcito e conhecimento escolar, sendo encerrado com uma conferncia do
professor Dermeval Saviani sobre a infncia e a pedagogia histrico-crtica. A exemplo do
que aconteceu anteriormente as contribuies deste congresso foram publicados em livro
organizado por Marsiglia (2013).
Numa primeira aproximao percebemos que o desenvolvimento da pedagogia
histrico-crtica vem se dando coletivamente ao longo de todo este perodo, tendo agora se
constitudo com suas bases epistemolgicas, psicolgicas, articulao terica e experincias
empricas de prtica pedaggica.
Ao mesmo tempo em que temos um perodo de amadurecimento dos fundamentos
desta nova teoria pedaggica, ocorre um movimento similar no interior da Educao Fsica.
Era compreensivo, ento, que pudesse haver uma aproximao desta teoria com a Educao
Fsica. Isso foi se tornar evidente ao analisarmos a produo terica neste perodo.
Este o cenrio que tivemos pela frente ao tentarmos responder a questo de como a
Educao Fsica em sua produo acadmica tem se apropriado da pedagogia histrico-
crtica? Esperamos que tenha sido possvel elaborar uma articulao da produo terica da
Educao Fsica com o desenvolvimento da pedagogia histrico-crtica, seus fundamentos e
desafios atuais (SAVIANI, 1994).
Objetivo geral
Contribuir com a construo coletiva da pedagogia histrico-crtica no mbito da
Educao Fsica, delineando um mapeamento da produo acadmica da rea que tenha se
apropriado de forma implcita ou explcita desta teoria pedaggica, no perodo compreendido
entre 1984 a 2012.
Objetivos especficos
Compreender a relao entre a teoria social de Marx e as bases ontolgicas fundamentais que constituem a pedagogia histrico-crtica.
19
Entender o processo de gnese e desenvolvimento da pedagogia histrico-crtica. Identificar e analisar as produes acadmicas da Educao Fsica que estabeleceram
uma interlocuo com a pedagogia histrico-crtica.
Analisar o tipo de interlocuo empreendida entre Educao Fsica e a pedagogia histrico-crtica.
Justificativa e relevncia do estudo
Dentre as propostas crticas e no reprodutivistas da Educao a pedagogia histrico-
crtica a nica que constitui seus fundamentos baseados estritamente na tradio marxista,
propondo a aproximao do homem ao gnero humano atravs da apropriao individual do
conhecimento produzido pelo conjunto da sociedade ao longo de sua histria.
Numa primeira aproximao nos pareceu que esta proposta terica ainda incipiente
na produo acadmica da Educao Fsica brasileira, tendo em vista os poucos trabalhos
publicados ou a falta de sistematizao de uma proposta didtica. Nossa proposta neste estudo
foi de fazer sucessivas aproximaes para alm das aparncias visveis (KOSIK, 1995), no
sentido de verificar se de fato ainda estamos distantes desta teoria pedaggica ou se a
produo acadmica na Educao Fsica j apresenta indcios e como foram estas
aproximaes.
Reforou esta impresso inicial da incipincia de trabalhos na Educao Fsica
relacionados com a pedagogia histrico-crtica os dados apresentados por Thas Oliveira
(2009). Analisando os anais de duas edies do Congresso Brasileiro de Cincias do Esporte
(CONBRACE10) os realizados em 2005 e 2007 a autora procurou identificar os artigos da
Educao Fsica que tratavam da pedagogia histrico-crtica e forneceu um panorama destes
estudos.
Conforme Thas Oliveira (2009), de um total de 420 artigos publicados, em 2005, e
334 artigos, em 2007 totalizando 754 artigos , apenas 10 artigos abordaram a pedagogia
histrico-crtica: 3 artigos em 2005 e 7 artigos em 2007 (OLIVEIRA, T., 2009, p. 7). O estudo
10 Realizado bienalmente desde 1979 pelo Colgio Brasileiro de Cincias do Esporte (CBCE), o CONBRACE se destaca como um dos mais importantes e tradicionais eventos cientficos da Educao Fsica brasileira. Mais informaes sobre este evento podem ser encontradas no site http://www.cbce.org.br
20
aponta, ainda, que 7 dos 10 artigos foram apresentados no GTT11 de Formao de Professores
e Mundo do Trabalho.
primeira vista os 10 artigos encontrados nos pareceu um nmero muito pequeno,
no entanto a autora destaca ainda que:
[...] ao analisar os trabalhos notadamente certificou-se que apenas 1 trabalho abordou a pedagogia referida como referencial terico explicitamente, todos os outros artigos abordaram essa pedagogia nas entrelinhas. Desse modo, pode-se referir que os 10 artigos publicados todos tiveram como citao o principal autor da Pedagogia Histrico-Crtica. Nos estudos utilizaram a pedagogia Histrica-Crtica para a estruturao e anlise dos referidos trabalhos. Os estudos enfatizaram autores especficos da rea da Educao Fsica, queles os quais tiveram como referencial terico as obras de Dermeval Saviani e a Pedagogia Histrico-Crtica (OLIVEIRA, T., 2009, p. 8, grifo nosso).
Assim, nesse estudo o nico que encontramos previamente na reviso bibliogrfica
alm de ter reforado nossa suposio de que incipiente a incidncia da pedagogia
histrico-crtica na rea, fez-nos notar a necessidade de novas pesquisas sobre balanos de
produo. O prprio artigo se refere a tal necessidade:
[...] so importantes trabalhos dessa proporo, pois se tornam veculos de difuso do saber produzido nos programas de graduao e ps-graduao, devido ao fato de proporcionar comunidade acadmica a oportunidade de conhecer determinada rea do conhecimento, bem como entender facetas da Educao e Educao Fsica em geral (OLIVEIRA, T., 2009, p. 9).
Outro estudo importante, pela sua contribuio no desenvolvimento de interveno
pedaggica pautada na pedagogia histrico-crtica, que encontramos foi a dissertao12 de
Cararo (2008) na qual tambm se evidenciou a pouca incidncia dessa pedagogia na Educao
Fsica. Nela, aps realizar trs aulas semanais estruturadas pela proposta didtica de Gasparin
(2011), a autora chega a seguinte concluso:
[...] este trabalho , apenas, uma primeira aproximao sistemtica, dentre as vrias possveis, entre a Educao Fsica e a Pedagogia Histrico-Crtica. Ele oferece um olhar, nem certo, nem errado, nem nico. Configura-se, somente, numa tentativa, atravs de trs aulas de Educao Fsica semanais, de respondermos nossas inquietaes: Que homem queremos formar? Para qual sociedade? As prximas consideraes, ns as
11 As apresentaes de artigos neste congresso so divididas por temticas e agrupadas em diversos GTTs. 12 Este trabalho teve como orientador o professor Joo Luiz Gasparin.
21
deixamos sob a responsabilidade daqueles que passarem os olhos sobre este trabalho. (CARARO, 2008, p. 165, grifo nosso)
Verificamos, portanto, a necessidade de novas aproximaes da Educao Fsica
com a pedagogia histrico-crtica, no entanto, percebemos a necessidade de identificar quais
caminhos j foram trilhados e o que ainda necessrio para a pedagogia histrico-crtica se
tornar referncia no campo progressista da Educao Fsica.
[...] a prtica de mapear e avaliar a produo de conhecimento na rea da Educao Fsica vai aos poucos se tornando recorrente [...] essa prtica parece ser uma caracterstica de campos acadmicos em consolidao ou j consolidados, uma vez que se apresenta como uma necessidade para pensar ou nortear seu prprio desenvolvimento [...] oferece queles que se aproximam do campo ou nele adentram uma possibilidade de contextualizar sua produo ou inteno de produo (BRACHT et al, 2011, p. 12).
Esta ideia reforou a necessidade de se mapear e sistematizar as produes
acadmicas da Educao Fsica, objetivo central desta pesquisa.
Tambm julgamos importante ressaltar que ainda hoje a produo mais relevante e
que teve maior influncia na rea foi proposta do Coletivo de Autores, de 1992, que realizou
uma articulao da pedagogia histrico-crtica com aspectos da pedagogia libertadora13, tendo
sido denominada, por seus autores, concepo crtico-superadora 14.
Apesar do impacto desta obra15 para a Educao Fsica, o trabalho no teve
continuidade sistematizada16 e tambm no houve uma nova proposta que se baseasse
diretamente na pedagogia histrico-crtica. Desta forma entende-se que necessrio maior
aprofundamento terico sobre o tema, especialmente no mbito da Educao Fsica.
Esperamos que os resultados apresentados nesta pesquisa possam auxiliar o
desenvolvimento coletivo de uma teoria crtica no reprodutivista (SAVIANI, 2008b) no
mbito da Educao Fsica e mesmo que isso no ocorra em curto prazo, traar este caminho
no mnimo contribuiu com um debate salutar para a rea.
13 Formulada por Paulo Freire e fundamentada na teoria da libertao e na fenomenologia existencialista. 14 Durante esta pesquisa faremos referncia a esta proposta como hbrida em seus fundamentos, mas como a principal expresso da pedagogia histrico-crtica na Educao Fsica. 15 Que teve uma segunda edio ampliada em 2009, resultado do trabalho organizativo de Lino Castellani Filho, na qual seus autores so entrevistados e comentam o impacto da obra e seus desdobramentos depois de dezessete anos da edio original de 1992 (SOARES et al, 2012). 16 Talvez pelo distanciamento terico apresentado posteriormente pelos autores, os quais, em sua grande maioria, no desenvolveram outros trabalhos coletivos, no entanto, neste trabalho no se pretende analisar esta questo, pois o foco dessa pesquisa contribuir para o desenvolvimento da pedagogia histrico-crtica no mbito da Educao Fsica.
22
Supostos terico-metodolgicos
Para iniciar as discusses sobre o mtodo que permeia este trabalho tomamos
emprestadas as palavras introdutrias de Jos Paulo Netto, para o qual:
A obra de Karl Marx, por sua significao terica, um marco na cultura ocidental e, por seu impacto scio-histrico, tem relevncia universal. Ele instaurou as bases de uma teoria da sociedade burguesa que, fundamentada numa ontologia social nucleada no trabalho, permanece no centro das polmicas relativas natureza, estrutura e dinmica da sociedade em que vivemos; e a investigao a que dedicou toda a vida foi norteada para subsidiar a ao revolucionria dos trabalhadores, cujo objetivo a emancipao humana supe a ultrapassagem da ordem social comandada pelo capital (PAULO NETTO, 2012a, p. 7).
Este trabalho vincula-se a tradio marxista indo sempre que possvel aos
fundamentos marxianos17. Ao contrrio do que prega as concepes ps-modernas, as
metanarrativas18 no chegaram ao fim da histria, a luta de classes est estampada de forma
cada vez mais aguda na realidade material e objetiva no modo de produo e organizao
social capitalista a qual estamos inseridos.
Infelizmente a realidade no se adapta a nossas ideias ou a um jogo de linguagem
como insiste a filosofia ps-moderna. Dessa forma partiremos de um entendimento de que so
os seres humanos que fazem sua prpria histria, mas, o fazem nas circunstncias materiais e
objetivas nas quais se encontram, sendo estas determinaes legadas de geraes anteriores.
Apreender a realidade ignorando sua histria como se quisssemos reinventar a
roda a cada momento, no entanto, ignorar as condies materiais da organizao social
burguesa na qual estamos inseridos encarar esta realidade como a nica possvel. Partimos
de um entendimento ontolgico e, portanto no queremos apreender apenas a aparncia do
real, mas ir s suas razes, apreendendo o movimento do real com objetivo de transform-lo
radicalmente, criando possibilidades no apenas do que estamos sendo atualmente, mas,
sobretudo do que podemos vir a ser.
17 Neste estudo vamos nos referir a marxiana como a obra original produzida por Marx e a marxismo como as obras de outros autores derivadas da obra de Marx (PAULO NETTO, 2009). 18 Este termo foi cunhado pelo filsofo francs Jean-Franois Lyotard (1924-1998), o qual entendia que as grandes explicaes filosficas como o iluminismo, o idealismo e o marxismo chegaram ao fim e que estas teorias no davam mais conta de explicar a realidade (LYOTARD, 2010).
23
Concordamos com Saviani quando diz que:
[...] uma filosofia viva e insupervel enquanto o momento histrico que ela representa no for superado, cabe concluir que se o Socialismo tivesse triunfado que se poderia colocar a questo da superao do marxismo, uma vez que, nesse caso, os problemas que surgiram seriam de outra ordem. Mas, os fatos o mostram, ele no triunfou. O Capitalismo continua sendo ainda a forma predominante. Portanto, Marx continua sendo no apenas uma referncia vlida mas a principal referncia para compreendermos a situao atual (SAVIANI, 1991, p. 14, grifo nosso).
Gostaramos sinceramente que a obra de Marx estivesse superada, pois desse modo
tambm teramos superado a forma de organizao social burguesa e a formao humana
unilateral, estaramos numa sociedade comunista onde o conjunto dos indivduos, livres da
alienao e da diviso social do trabalho, poderiam exercer todas as suas potencialidades e
possibilidades num desenvolvimento omnilateral19.
Aqui, quando nos referirmos ao comunismo, estamos em concordncia com Marx e
Engels, para os quais o comunismo nunca foi um estado ideal ou algo imaginrio para o qual
somos direcionados. Nesta concepo:
O comunismo no para ns um estado de coisas que deve ser instaurado, um Ideal para o qual a realidade dever se direcionar. Chamamos de comunismo o movimento real que supera o estado de coisas atual. As condies desse movimento resultam de pressupostos atualmente existentes (MARX; ENGELS, 2007, p. 38, grifo nosso). As preposies tericas dos comunistas no se baseiam, de modo nenhum, em idias ou em princpios inventados ou descobertos por este ou aquele reformador do mundo. So apenas expresses gerais de relaes efetivas de uma luta de classes que existe, de um movimento histrico que se processa diante de nossos olhos (MARX; ENGELS, 1998, p. 21).
Esclarecemos dessa forma que buscar a formao humana pautando-se numa
concepo ontolgica no a algo imaginrio ou ideal. Este pensamento est enraizado no s
na formao do homem pleno e integral, mas na superao das amarras sociais a qual a atual
organizao social nos impe impedindo que isso acontea em sua plenitude, pois:
19 Esse conceito no foi precisamente definido por Marx, todavia, em sua obra h suficientes indicaes para que seja compreendido como uma ruptura ampla e radical com o homem limitado da sociedade capitalista. (SOUSA JUNIOR, 2008, p. 284-285). Para Manacorda (2010, p. 96) A omnilateralidade , portanto, a chegada histrica do homem a uma totalidade de capacidades produtivas e, ao mesmo tempo, a uma totalidade de capacidades de consumo e prazeres, em que se deve considerar sobretudo o gozo daqueles bens espirituais, alm dos materiais, e dos quais o trabalhador tem estado excludo em consequncia da diviso [social] do trabalho.
24
A unilateralidade burguesa se revela de diversas formas: de incio a partir da prpria separao em classes sociais antagnicas, base segundo a qual se desenvolvem modos diferentes de apropriao e explicao do real; revela-se ainda por meio do desenvolvimento dos indivduos em direes especficas; pela especializao da formao; pelo quase exclusivo desenvolvimento no plano intelectual ou no plano manual; pela internalizao de valores burgueses relacionados competitividade, ao individualismo, egosmo, etc. Mas, acima de tudo, a unilateralidade burguesa se revela nas mais diversas formas de limitao decorrentes do submetimento do conjunto da sociedade dinmica do sociometabolismo do capital (SOUSA JUNIOR, 2008, p. 285).
O mtodo histrico-dialtico tem como categoria central a totalidade20 e opera
desvelando o movimento do real para alm de suas aparncias visveis (KOSIK, 1995),
abarcando os fenmenos em suas contradies e mltiplas determinaes, onde as
investigaes ocorrem no movimento dialtico de sucessivas aproximaes.
A viso de conjunto - ressalva-se - sempre provisria e nunca pode pretender esgotar a realidade a que ele se refere. A realidade sempre mais rica do que o conhecimento que a gente tem dela. H sempre algo que escapa s nossas snteses; isso, porm, no nos dispensa do esforo de elaborar snteses, se quisermos entender melhor a nossa realidade. A sntese a viso de conjunto que permite ao homem descobrir a estrutura significativa da realidade com que se defronta, numa situao dada. E essa estrutura significativa - que a viso de conjunto proporciona - chamada de totalidade (KONDER, 2011, p. 36).
O ponto de partida o fenmeno real e dele fazemos abstraes (concreto pensado),
voltando diversas vezes ao fenmeno e fazendo novas abstraes em movimentos constantes
de sucessivas aproximaes (MARX, 2011a). Como o movimento do real histrico, no h
possibilidades objetivas de se desvelar o real em sua plenitude, por isso, a necessidade de
saturar ao mximo de determinaes possveis a cada nova aproximao, uma vez que
enquanto mais saturarmos de determinaes mais prximos chegamos do real concreto como
sntese de mltiplas determinaes. desse movimento que trata a dialtica materialista. Em
sntese [...] o conhecimento objetivo orienta-se pela perspectiva da totalidade, apreende e
20 A categoria de totalidade significa [...], de um lado, que a realidade objetiva um todo coerente em que cada elemento est, de uma maneira ou de outra, em relao com cada elemento e, de outro lado, que essas relaes formam, na prpria realidade objetiva, correlaes concretas, conjuntos, unidades, ligados entre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas (LUKCS, 1967, p. 240). O princpio da totalidade como categoria metodolgica obviamente no significa um estudo da totalidade da realidade, o que seria impossvel, uma vez que a totalidade da realidade sempre infinita, inesgotvel. A categoria metodolgica da totalidade significa percepo da realidade social como um todo orgnico, estruturado, no qual no se pode entender um elemento, um aspecto, uma dimenso, sem perder a sua relao com o conjunto (LWY, 1988, p. 16).
25
expressa, em um esforo aproximativo, as processualidades histricas que tecem o real
(DELLA FONTE, 2011, p. 32).
Neste sentido ao abordarmos alguns aspectos do mtodo em Marx, que foram
balizadores para esta pesquisa, em nenhum momento nossa inteno apresentar um caminho
lgico formal ou definir a priori categorias de anlise, pois:
No oferecemos ao leitor um conjunto de regras porque, para Marx, o mtodo no um conjunto de regras formais que se aplicam a um objeto que foi recortado para uma investigao determinada nem, menos ainda, um conjunto de regras que o sujeito que pesquisa escolhe, conforme a sua vontade, para enquadrar o seu objeto de investigao. Recordemos a passagem de Lenin que citamos: Marx no nos entregou uma lgica, deu-nos a lgica dO capital. Isto quer dizer que Marx no nos apresentou o que pensava sobre o capital, a partir de um sistema de categorias previamente elaboradas e ordenadas conforme operaes intelectivas: ele (nos) descobriu a estrutura e a dinmica reais do capital; no lhe atribuiu ou imputou uma lgica: extraiu da efetividade do movimento do capital a sua (prpria, imanente) lgica - numa palavra, deu-nos a teoria do capital: a reproduo ideal do seu movimento real (PAULO NETTO, 2011, p. 52-53).
Dessa forma, para compreendermos como a Educao Fsica brasileira tem se
apropriado da pedagogia histrico-crtica, partimos da materialidade produzida e
sistematizada na rea e nesta primeira aproximao ao analisarmos o objeto singular entramos
em contato com sua aparncia imediata tal como ele se apresenta sem suas determinaes e
relaes com a totalidade social. Entendemos tambm que, este ponto de partida carece de
inmeras determinaes e so necessrias sucessivas aproximaes, no s com o que nos foi
apresentado pela Educao Fsica, mas pelas suas contradies e relaes com a totalidade.
[...] a estrutura e a dinmica do objeto que comandam os procedimentos do pesquisador. O mtodo implica, pois, para Marx, uma determinada posio (perspectiva) do sujeito que pesquisa: aquela em que se pe o pesquisador para, na sua relao com o objeto, extrair dele as suas mltiplas determinaes (PAULO NETTO, 2011, p. 53).
Em nosso entendimento a formao humana preconizada pela pedagogia histrico-
crtica est em perfeita concordncia com os pressupostos ontolgicos do materialismo
histrico-dialtico e o mtodo de Marx nos forneceu as condies objetivas de sistematizar
esta pesquisa.
26
Procedimentos investigativos
Este foi um trabalho terico que utilizou de tcnicas de pesquisa bibliogrfica e para
fins de esclarecimento estamos entendendo conhecimento terico como:
[...] o conhecimento do objeto - de sua estrutura e dinmica - tal como ele em si mesmo, na sua existncia real e efetiva, independente dos desejos, das aspiraes e das representaes do pesquisador. A teoria , para Marx, a reproduo ideal do movimento real do objeto pelo sujeito que pesquisa: pela teoria, o sujeito reproduz em seu pensamento a estrutura e a dinmica do objeto que pesquisa. E esta reproduo (que constitui propriamente o conhecimento terico) ser tanto mais correta e verdadeira quanto mais fiel o sujeito for ao objeto (PAULO NETTO, 2011, p. 20-21, grifos no original).
Para alcanar os objetivos desta pesquisa inicialmente foi necessrio um resgate dos
fundamentos da teoria histrico-crtica, com a finalidade de dar suporte a seleo e anlise dos
artigos e em seguida foi utilizada a tcnica de pesquisa bibliogrfica, considerando como
fonte principal a produo acadmica vinculada em quatro peridicos da Educao Fsica no
perodo de 1984 a 2012. A delimitao neste perodo se deu por que o ano de 1984 quando o
nome pedagogia histrico-crtica comea a ser utilizado21 e finalizar em 2012 foi necessrio
por conta do prazo final da defesa da dissertao e tambm por que em 2013 diversos
nmeros das revistas ainda no estavam disponveis.
As fontes principais desta pesquisa consistiram dos peridicos22: Revista Brasileira
de Cincias do Esporte, Movimento, Pensar a Prtica e Motrivivncia. Os referidos peridicos
foram escolhidos por terem ampla repercusso no meio acadmico da Educao Fsica,
tratarem predominantemente de temticas das Cincias Humanas23, abrangerem o perodo da
pesquisa, estarem entre os mais bem avaliados pelo Qualis CAPES na rea de Educao
Fsica e por possibilitar fcil acesso a todos seus nmeros em meio digital24.
Outra questo que refora nossa escolha por estes peridicos apontada por Bracht
et al (2011) que, ao realizarem uma pesquisa bibliogrfica em duas etapas, delimitaram 9
peridicos para serem analisados. No entanto, ao realizar a primeira etapa da pesquisa, em 21 No captulo 1 trataremos com mais detalhes como se deu este processo. 22 Qualis CAPES B1, A2, B2, B4 e A2 respectivamente. Fonte: http://qualis.capes.gov.br/webqualis consulta realizada em 13 de julho de 2012 referente ao trinio 2010-2012. 23 Apesar de ser nossa inteno incluir a Revista da Educao Fsica/UEM, pela dificuldade inicial encontrada para o acesso a todos os nmeros deste peridico, optou-se por no inclu-la. 24 importante ressaltar o que alerta Bracht et al (2011) quando discorrem sobre algumas das principais dificuldades que encontraram, entre elas o acesso aos peridicos que no estavam totalmente digitalizados e os que j haviam sado de circulao e este foi um critrio que os levou a diminurem a quantidade de peridicos para a segunda etapa da pesquisa.
27
decorrncia dos problemas encontrados quanto ao acesso aos peridicos, foram obrigados a
fazer uma reduo no nmero de peridicos, diminuindo para 4 na segunda etapa da pesquisa.
Para essa nova etapa, todavia, vamos reduzir a amostra a apenas quatro revistas. So elas: Movimento; Revista Brasileira de Cincias do Esporte; Motrivivncia; e Pensar a Prtica. A opo por elas leva em conta o fato de serem as revistas (ainda em circulao) que apresentam percentuais mais elevados em relao ao tema da Educao Fsica Escolar (Bracht et al, 2011, p. 32).
Vale ressaltar que, todos os peridicos destacados por Bracht et al (2011) coincidem
com a delimitao feita nesta pesquisa.
O procedimento para anlise dos artigos foi feito em trs momentos: 1) levantamento
dos artigos direta e indiretamente relacionados (explcito e implcitos) com a pedagogia
histrico-crtica, atravs da leitura do ttulo, palavras-chaves, resumo e referncias
bibliogrficas; 2) mapeamento com a relao completa de todos os artigos direta e
indiretamente relacionados e 3) leitura integral e anlise dos artigos que tiveram uma
relao explcita com o tema ou que possibilitaram o melhor delineamento desta pesquisa.
No primeiro momento percorremos os artigos em busca de indicativos que pudessem
nos levar de encontro com nosso objeto, que a princpio seriam: pedagogia histrico-crtica,
Saviani, Escola e Democracia, educao escolar, transmisso do conhecimento, crtico-
reprodutivista, crtico-social dos contedos, crtico-superadora, Coletivo de Autores,
histrico-social, histrico-cultural e Escola de Vigotski (incluindo seus trs principais autores:
Vigotski, Luria e Leontiev).
No segundo momento foi identificado e classificado todos os artigos que
apresentaram uma relao implcita ou explcita com a pedagogia histrico-crtica, sendo feito
o somatrio total de artigos de cada revista e apresentado um grfico com o quantitativo dos
que tinha relao com nossa pesquisa.
Feita a triagem inicial partimos para o terceiro momento, onde foi feita a leitura
integral dos artigos, mapeamento e relaes entre a pedagogia histrico-crtica e a Educao
Fsica. Estes artigos foram analisados sem fazermos distino entre dados quantitativos e
qualitativos, pois em nosso entendimento no h como dividir o conhecimento uma vez que a
relao entre quantidade e qualidade dialtica e esto intrinsecamente relacionadas.
Ao analisar os artigos destes peridicos, as referncias nos levaram a outros trabalhos
relevantes para o enriquecimento da pesquisa, sempre que isso foi constatado o referido
material foi analisado e quando necessrio incorporado a esta pesquisa. Tal procedimento nos
28
deu condies de dialogarmos com importantes produes que eventualmente no passaram
diretamente pelos peridicos que so as fontes principais desse estudo.
Devido aos limites deste trabalho no foi possvel abarcar toda a produo acadmica
do perodo da anlise, por isso, houve necessidade de delimitao. Este procedimento parece-
nos comum s pesquisas desse tipo:
Nossa inteno inicial era no restringir o estudo aos peridicos da rea, mas, sim, abarcar tambm livros, dissertaes e teses, contudo, j num primeiro levantamento, o volume da produo identificada, alm da dificuldade de acesso parte desse material, demoveu-nos dessa ideia inicial (BRACHT et al, 2011, p. 13).
No entanto, apesar de no termos como abarcar toda a produo, h uma necessidade
de termos especial cuidado com algumas obras, como nos demonstrou a reviso inicial: as
dissertaes de Loureiro (1996) e Cararo (2008) que lidam diretamente com a relao entre
a pedagogia histrico-crtica e a Educao Fsica , bem como o trabalho de concluso de
curso de Victoria (2011).
Alguns artigos tambm mereceram ateno especial, alm daqueles j citados na
introduo deste trabalho, tais como os elaborados pelos seguintes autores: Alves (2003),
Bracht (1999), Duckur (2004), Jesus (2011), Hermida; Mata; Nascimento (2010), Cristina
Oliveira (2001), Pereira (1989), Pinto; Mendona; Jacobs (2003), Soares (1988) e Taffarel
(2010).
29
Captulo 1 A pedagogia histrico-crtica
O objetivo desse captulo apresentar a pedagogia histrico-crtica em seus aspectos
histricos e nos principais fundamentos filosficos que constituem esta teoria pedaggica.
Partindo do geral para o especfico pretendemos dar uma viso geral ao leitor para que
possamos, na sequncia, estudar as particularidades da Educao Fsica e suas relaes com a
pedagogia histrico-crtica.
Iniciamos o captulo fazendo uma breve anlise do contexto histrico brasileiro do
final da dcada de 1970 no qual as formulaes histrico-crticas tiveram suas discusses
iniciais. Na sequncia apresentamos uma anlise do livro Escola e Democracia, especialmente
no que tange as teorias educacionais, divididas por Saviani em crticas e no-crticas, sendo as
primeiras aquelas que no levam em considerao os determinantes sociais e, as segundas, as
que levam estes determinantes em considerao ao fazer a anlise educacional.
No tpico seguinte fazemos um breve histrico de como foram as discusses que
culminaram no nome pedagogia histrico-crtica e tambm a justificativa do professor
Dermeval Saviani de por que no foi adotado o nome pedagogia dialtica, nome que vinha
sendo usado naquele perodo por diversos pesquisadores marxistas. Ao fazer a justificativa do
nome perceptvel de como os fundamentos do marxismo foram decisivos para a nomeao
desta nova teoria pedaggica que estava emergindo.
Por fim, apresentamos os principais fundamentos filosficos que constituem a base
ontolgica da pedagogia histrico-crtica. E como fica explicito esta teoria pedaggica, desde
suas formulaes iniciais, teve/tem como fundamento o pensamento marxiano e os clssicos
do marxismo como referncia fundamental s suas bases constituintes.
1.1. Aspectos histricos
O contexto histrico que propiciou discusses e levou s formulaes histrico-
crticas remonta ao perodo final da ditadura militar no Brasil. Aps um longo perodo de
intensa censura e perseguio poltica-ideolgica surgia, no final da dcada de 1970, um
perodo de transio de um Estado ditatorial a um Estado democrtico-burgus, o que ficou
conhecido como perodo de transio democrtica.
O golpe militar que estabeleceu a ditadura no Brasil foi de 1 de abril de 1964 at 15
de maro de 1985. Aps tomarem o poder, os militares iniciaram uma srie de decretos, os
30
chamados Atos Institucionais, que foram retirando gradativamente os direitos civis e
constitucionais, culminando em 13 de dezembro de 1968, com o Ato Institucional nmero 5
(AI-5), que destituiu todo e qualquer poder do legislativo e judicirio, dando poderes
absolutos (e ditatorial) ao poder executivo federal (presidente militar), bem como proibiu
manifestaes populares de carter poltico, suspendeu os direitos de votar e ser votado nos
sindicatos, criou uma censura prvia para jornais, revistas, livros, peas de teatro e msicas,
concedeu poder aos militares para suspender os direitos polticos de qualquer cidado
brasileiro, dentre outras dezenas de atrocidades.
Este perodo de maior extremismo do regime militar vigorou at o final da dcada de
1970, mais especificamente, em 13 de outubro de 1978, no governo Ernesto Geisel. Nesse
momento foi promulgada a Emenda Constitucional n 11, cujo artigo 3 revogava todos os
Atos Institucionais e complementares, no que fossem contrrios Constituio Federal,
inaugurando, em tais condies, a chamada abertura poltica. Vale ressaltar, porm, que essa
emenda constitucional entrou em vigor apenas em 1 de janeiro de 1979.
No bojo desses acontecimentos emerge, em 1979, um grupo de professores que
constituram a primeira turma do doutorado em educao da Pontifcia Universidade Catlica
de So Paulo (PUC-SP), dando incio s ideias que posteriormente vieram a culminar na
proposta contra-hegemnica que mais tarde, em 1984, viria a ser chamada25 de pedagogia
histrico-crtica (SAVIANI, 2010). Esta proposta se articulava com o [...] novo quadro que
se caracterizou a partir do final da dcada de 1970, [e] aquilo que eu vinha procurando
desenvolver individualmente assumiu carter coletivo (SAVIANI, 2011a, p. 219).
Esta nova proposta pedaggica teve sua primeira tentativa de sistematizao no
artigo Escola e democracia: para alm da teoria da curvatura da vara, publicado no nmero
3 da Revista da ANDE, em 1982, que em 1983, veio a integrar o livro Escola e democracia
(SAVIANI, 2010, p. 420). Este livro, que hoje se constitui como um clssico da educao
brasileira, pode ser lido como o manifesto de lanamento de uma nova teoria pedaggica,
uma teoria crtica no reprodutivista ou, como foi nomeada no ano seguinte aps seu
lanamento, pedagogia histrico-crtica, proposta em 1984 (SAVIANI, 2010, p. 420-421).
Lanado em 1983, o livro Escola e Democracia uma coletnea de artigos do autor
que foram publicados entre 1981 a 1983. O livro foi dividido em quatro captulos, nos quais
Saviani (2008b) apresenta o diagnstico das principais teorias pedaggicas, mostrando suas
contribuies e seus limites e anunciando a necessidade de uma nova teoria. No segundo
25 Mais a diante iremos apresentar como ocorreu este processo.
31
captulo, apresenta o que, em seu entendimento, seriam as propostas mais prximas de uma
alternativa superadora. J no terceiro so apresentadas as caractersticas bsicas e o
encaminhamento metodolgico da nova teoria, esclarecendo-se, no captulo quarto, as
condies de sua produo e operao em sociedades como a nossa (SAVIANI, 2010, p.
421).
Nesse livro Saviani (2008b) distingue as concepes idealistas em educao que
conferem total autonomia da prtica educativa em relao aos condicionantes sociais e que
elevam a escola ao patamar de nica instituio responsvel pela harmonizao com a
sociedade. Isso porque as desigualdades entre as classes so encaradas, por essas perspectivas,
como uma espcie de distoro a qual a escola tem o dever de dissipar, de modo a integrar
todos os indivduos a ordem social vigente. Por desconsiderar as relaes permanentes entre
prtica educativa e prtica social tais concepes foram denominadas como teorias no
crticas em educao, dentre as quais se destacam a Escola Tradicional, a Escola Nova e a
Pedagogia Tecnicista (SAVIANI, 2008b).
A bandeira erguida pela escola tradicional era a do ensino dos contedos escolares, a
qual se dava por meio da transmisso pelo professor, zelando-se tambm pela disciplina. A
ideia que imperou o momento pode ser resumida em transpor a barreira da ignorncia vista
como um entrave ao desenvolvimento e progresso social que a poca histrica inspirava.
Colocou-se na ordem do dia, portanto, a necessidade de se converterem os indivduos em
cidados para que estes pudessem atuar na nova sociedade que florescia, ou seja, na sociedade
burguesa. No entanto, no foi possvel atingir escola tradicional os objetivos a que se
destinava, pois nem todos nela ingressavam e mesmo os que ingressavam nem sempre eram
bem-sucedidos, pois nem todos os bem-sucedidos se ajustavam ao tipo de sociedade que se
queria consolidar (SAVIANI, 2008b, p. 6).
O movimento escolanovista surge, ento, lanando crticas escola tradicional no
sentido de convencer que esta pedagogia estava equivocada em seus pressupostos. Nesse
sentido, a Escola Nova afirmava que era preciso situar a problemtica do campo educacional
no no mbito da apropriao conhecimento, mas no prprio indivduo. Acentuava-se a viso
de que os indivduos so diferentes uns em relao aos outros e que indispensvel
reconhecer e valorizar tais especificidades. A escola deve contribuir para a constituio de
uma sociedade cujos membros no importam as diferenas de quaisquer tipos, se aceitem
mutuamente e se respeitem na sua individualidade especfica (SAVIANI, 2008b, p. 8).
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A corrente escolanovista se opunha ao ensino diretivo por parte do professor que
deveria ser um auxiliar do aluno em suas descobertas singulares. Saviani salienta ainda que a
Escola Nova no pde se generalizar, pois implicava custos bem mais elevados do que
aqueles da Escola Tradicional (SAVIANI, 2008b, p. 8). Contudo, o iderio escolanovista
penetrou no campo educacional atraindo um considervel nmero de profissionais que
tendenciosamente rebaixaram o nvel do ensino destinado s camadas populares [...]. Em
contrapartida, a Escola Nova aprimorou a qualidade de ensino destinado s elites. (idem,
idem).
Com a decadncia dos institutos educacionais escolanovistas surge uma nova
pedagogia que, baseada nas premissas na neutralidade cientfica, se voltada ao
estabelecimento de mtodos de ensino a partir de uma organizao racional, objetivos claros e
livres dos aspectos subjetivos com vistas efetividade dos resultados e a eficcia do processo.
A partir da segunda metade do sculo XX proliferaram as chamadas mquinas de ensinar,
bem como os cursos via televiso.
A questo das desigualdades sociais na escola tecnicista se situa no mbito do
indivduo incompetente, sendo funo da escola formar indivduos eficientes, isto , aptos a
dar sua parcela de contribuio para o aumento da produtividade da sociedade (idem, p. 11).
O equvoco do tecnicismo reside no fato de que se perdeu de vista a especificidade da
educao, ignorando que a articulao entre escola e processo produtivo se d de modo
indireto e por meio de complexas mediaes (idem, p. 12).
A pedagogia histrico-crtica, alm de se distanciar das teorias acrticas em
educao, tambm se ope a teorias que, apesar de serem crticas, entendem que a escola
estaria fadada a reproduzir a lgica do capital no sendo possvel contribuir pra uma
transformao social. Tais concepes foram chamadas, por Saviani (2008b), de teorias
crtico-reprodutivistas. E neste grupo o estudioso enfatiza a teoria do sistema de ensino como
violncia simblica, teoria da escola como Aparelho Ideolgico do Estado e por fim a
teoria da escola dualista.
A teoria do sistema de ensino como violncia simblica se encontra na obra A
Reproduo: Elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino de Pierre Bourdieu e Jean-
Claude Passeron (publicada em 1975). Esses estudiosos entendem que as relaes sociais so
relaes de dominao de uma classe sobre outra, na qual uma tem poder econmico
enquanto a outra est margem da aquisio de bens materiais. Essa dominao material e
econmica tambm se evidencia no mbito cultural que considerada como uma violncia
simblica. Ora, na escola, os filhos da classe dominante apresentam uma diferena qualitativa
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em relao a possibilidade de apropriao de conhecimentos se comparado com os filhos da
classe dominada. A burguesia tem contato direto com o patrimnio cultural humano, ao passo
que os trabalhadores no tm acesso a essa riqueza. E no ambiente escolar que essas
diferenas aparecem de forma mais explica, em especial, pela imposio arbitrria da cultura
(tambm arbitrria) dos grupos ou classes dominantes aos grupos ou classes dominados
(SAVIANI, 2008b, p.15).
Nessa concepo, a escola se limita a reproduzir a estrutura social na medida em que
reproduz a dominao cultural. No se coloca, na referida teoria, a questo da luta de classes e
da contradio prpria sociedade de classes, bem como da escola como uma instituio que
pode auxiliar no processo de superao do capitalismo.
Louis Althusser estabelece uma teoria na qual os processos de reproduo das
condies de produo no capitalismo divide-se em Aparelhos Regressivos do Estado como a
polcia, o exrcito, os tribunais, que atuariam tendo como base a violncia e os Aparelhos
Ideolgicos do Estado como a famlia, a religio e a escola que atuariam no sentido de
inculcar um conjunto de valores e costumes que, para Althusser, acabam por provocar uma
aceitao da realidade tal como ela se encontra, uma vez que so os fundamentos ideolgicos
da classe dominante.
A escola , pois, o aparelho mais eficaz se se considerar que as crianas e os
adolescentes passam um longo perodo no interior dessas instituies sofrendo a imposio
desses valores burgueses. Vale ressaltar que Althusser sinaliza para a existncia da luta de
classes na escola, mas ela praticamente diluda, tal o peso que adquire a a dominao
burguesa (SAVIANI, 2008b, p. 20).
A teoria da escola dualista foi elaborada por Christian Baudelot e Roger Establet no
livro Lcole Capitaliste em France (publicado em 1971). Tal concepo admite que a escola
composta por duas redes ou grupos principais, quais sejam, por um lado a burguesia e por
outro o proletariado. Tal como a teoria de Althusser, os propositores da escola dualista
analisam a escola como Aparelho Ideolgico do Estado, cuja funo precpua inculcar a
ideologia burguesa. A diferena entre ambas as concepes a de que para Baudelot e
Establet no apenas a classe dominante possui uma ideologia, mas tambm o proletrio dispe
de um conjunto articulado de ideias, porm esta se constituiu e tem fora fora da escola. J a
ideologia burguesa predomina no interior das instituies de ensino servindo aos seus
interesses. Nesse sentido, o papel da escola impedir o desenvolvimento da ideologia do
proletariado e a luta revolucionria (SAVIANI, 2008b, p. 22-23, grifo no original). Aqui a
escola se apresenta como um instrumento de luta da burguesia contra o proletariado sendo que
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ela reitera a desigualdade social ao subordinar os membros da classe trabalhadora a uma
pequena parcela dos conhecimentos e suprimindo a cultura e organizao dos proletrios.
Em linhas gerais essa teoria compreende que impossvel a escola se dirigir para a
superao do capitalismo, pois se o proletariado se revela capaz de elaborar,
independentemente da escola, sua prpria ideologia de um modo to consistente quanto o faz
a burguesia com o auxlio da escola, ento, por referncia ao aparelho escolar, a luta de
classes revela-se intil (SAVIANI, 2008b, p. 23).
Vale frisar, como alerta Saviani, que as teorias crtico reprodutivistas so teorias
educacionais e no teorias pedaggicas, pois elas se voltam anlise da educao escolar em
sua relao com a sociedade e no propem, como as teorias pedaggicas, meios de se
solucionarem problemas na esfera da prtica educativa propriamente dita ou da relao
professor e aluno. Como se analisou no incio deste item as concepes educacionais
estiveram, em um primeiro momento, baseadas na escola tradicional que enfatizou a
transmisso pelo professor dos contedos escolares, da erudio e da disciplina. Pode-se
dizer, portanto, que ela se situou na esfera da teoria.
Porm, ela perde espao para a Escola Nova, que como foi analisado no tpico
anterior, se converteu na teoria pedaggica hegemnica na atualidade ganhando vrias
vertentes, conhecidas como as pedagogias do aprender a aprender, uma vez que defendem a
ideia segunda a qual a aprendizagem se d pela nfase na prtica imediata, sendo a criana
capaz de construir seu prprio conhecimento sem o auxlio do professor.
A atividade humana possui uma unidade teoria/prtica que no pode ser cindida, pois
estes so polos opostos que se incluem e esto em relao indissocivel. Disso decorre que
nem a pedagogia tradicional nem a nova esto aptas a solucionar os problemas do campo
educacional, na medida em que ou acentuam a teoria em detrimento da prtica educativa ou
conferem predomnio da prtica sobre a teoria. nesse contexto que surge a pedagogia
histrico-crtica com o objetivo de incorporar por superao as teorias antecedentes.
A pedagogia histrico-crtica situa a educao como um tipo especfico de prtica
social que vem a contribuir para a revoluo comunista, atravs da especificidade da
educao. A formao humana26 nesta teoria caracteriza-se, sobretudo, por um movimento no
qual o indivduo passa de uma concepo de mundo baseada no senso comum ampliao da
26 A humanizao, mais que o desenvolvimento de potencialidades humanas inatas, a prpria criao dessas potencialidades pelo homem em sua atividade produtiva, isto , pelo trabalho (FINOCCHIO, 1991, p. 106).
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autoconscincia do gnero humano a partir da apropriao das objetivaes mais elaboradas
j produzidas pelo conjunto da humanidade.
Podemos afirmar, com isso, que Saviani parte de uma anlise dialtica da realidade e
da histria humana. Tal pressuposto abarca tambm o estudo no campo educacional o qual
envolve a possibilidade de se compreender a educao escolar tal como ela se manifesta no
presente, mas entendida essa manifestao presente como resultado de um longo processo de
transformao histrica (SAVIANI, 2011b, p. 80).
Com efeito, possvel diferenciar a pedagogia histrico-crtica das teorias contra-
hegemnicas por meio da anlise das relaes entre educao e revoluo. Esta pedagogia
entende que, por um lado, a educao um meio que leva transformao social, e por outro
lado, a revoluo o meio para a efetivao do trabalho educativo.
Deve-se atentar para o fato de que esse um movimento dialtico, pois o senso
comum no ser suplantado em definitivo. Porm, a relao que se estabelece com ele que
deve ser alterada qualitativamente, ou seja, deve-se partir de uma relao de identificao
direta para uma relao de crtica contnua. Trata-se do processo caracterizado por Saviani
(2009), como passagem do senso comum conscincia filosfica, processo esse que no
simples nem rpido, uma vez que implica: [...] passar de uma concepo fragmentria,
incoerente, desarticulada, implcita, degradada, mecnica, passiva e simplista a uma
concepo unitria, coerente, articulada, explcita, original, intencional, ativa e cultivada (p.
2).
Compreende-se que esta teoria pedaggica alinha-se ao marxismo e, portanto,
posiciona-se em defesa da transformao revolucionria da sociedade possvel compreender
o mtodo de ensino proposto. O mtodo adotado pela pedagogia histrico-crtica , pois, o
mesmo que Marx empregou na anlise da economia poltica a partir do qual, para se atingir o
concreto, necessria a mediao das abstraes. Compartilhando dessa concepo que a
pedagogia histrico-crtica afirma ser o papel da escola, trabalhar com as abstraes,
distanciando os indivduos, relativa e momentaneamente, da realidade imediata em direo ao
conhecimento objetivo da realidade. Nota-se que essa pedagogia est na contramo dos
discursos hegemnicos no campo educacional, bem como dos preceitos neoliberais e ps-
modernos que valorizam uma escola prxima vida cotidiana alienada e que colocam em
dvida a capacidade humana de compreender o real.
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Diante do exposto preciso ficar claro que:
Os limites da verdade podem ser alargados ou restringidos com o desenvolvimento do conhecimento. historicamente condicional nossa aproximao da verdade objetiva, mas de modo incondicional que dela nos aproximamos. Em cada verdade relativa, encontra-se um elemento de verdade absoluta (DELLA FONTE, 2010, p. 89).
Deve-se esclarecer ainda que a pedagogia histrico-crtica no preconiza que os
indivduos fiquem presos s abstraes e permaneam afastados da realidade, pois isso
configuraria um equvoco em relao aos prprios conceitos marxianos. Essa pedagogia
defende que por meio da educao possvel conhecer a realidade para ento transform-la,
na mesma direo em que Marx afirma na dcima primeira das Teses sobre Feuerbach (2007,
p. 539, grifo no original), na qual se l os filsofos apenas interpretaram o mundo de
diferentes maneiras; o que importa transform-lo.
Inspirado nesse pressuposto Saviani (2008b, p. 59) conceitua a educao como uma
atividade mediadora no seio da prtica social global. Nesse sentido, ele postula que a
prtica social o ponto de partida e o ponto de chegada do mtodo de ensino da
pedagogia histrico-crtica. Analisando com mais detalhes o mtodo de ensino da pedagogia
histrico-crtica, tem-se a pratica social, como j se afirmou acima, no incio do processo
educativo.
Para concluir esse panorama sobre os aspectos histricos que culminaram com essa
teoria educacional e atento ao fato de que quanto ao surgimento da pedagogia histrico-
crtica, devemos distinguir duas coisas: de um lado, a emergncia de um movimento
pedaggico; e, de outro, a escolha da nomenclatura (SAVIANI, 2011b, p. 111),
apresentamos, na sequncia, como foi o processo que nomeou este movimento.
1.2. Nome
No incio das elaboraes e discusses que culminaram na elaborao de um nome
para a nova teoria educacional que emergia e concomitante aos acontecimentos polticos e
sociais daquele perodo, foi realizada a I Conferncia Nacional de Educao em 1980, na qual
o professor Dermeval Saviani fez uma fala que contrapunha a pedagogia tradicional e a
pedagogia nova. Sua exposio foi gravada e transcrita e posteriormente publicada em
formato de artigo no primeiro nmero da Revista da ANDE (SAVIANI, 2011b).
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Embora na viso dominante a Escola Nova seja uma concepo considerada inovadora e no propriamente revolucionria, a viso que os professores subjetivamente tm que a inovao sempre uma coisa muito avanada, que est na ponta, na frente. Ento eu carreguei nas tintas e usei a expresso revolucionria. E, para contrapor, usei o termo reacionrio. Assim procedi no intuito de fazer uma provocao. Da o enunciado da primeira tese: Do carter revolucionrio da pedagogia tradicional e do carter reacionrio da pedagogia nova. A divulgao dessa anlise, de cunho polmico, teve grande repercusso e provocou muitas reaes (SAVIANI, 2011b, p. 117).
Aps a conferncia e com a publicao do artigo, sua inteno de provocar uma
polmica e gerar ampla discusso no mbito dos professores foi acertada, pois, ao
problematizar a Escola Nova e exaltar a pedagogia tradicional, adicionando o adjetivo
revolucionrio, Saviani propiciou indagaes e descontentamentos que foram expressos em
seguida, conforme ele registrou:
No ano seguinte, em novembro de 1981, quando participei de um seminrio sobre a estrutura do ensino na universidade brasileira na Universidade Federal de So Carlos, j no final do debate apareceu uma pergunta indagando se no seria conservador defender a pedagogia tradicional contra a Escola Nova. Respondi em tom jocoso: bem, isto uma coisa que espero esclarecer em um outro texto que estou pensando em elaborar e que provavelmente se chamar Para alm da teoria da curvatura da vara. De fato, no nmero 3 da Revista da Ande foi publicado, em 1982, o artigo Escola e democracia II: para alm da teoria da curvatura da vara, que veio a constituir o captulo III do livro Escola e democracia, cuja primeira edio de 1983. Nesse texto, esto esboadas as linhas bsicas daquilo que posteriormente viria a ser chamado de pedagogia histrico-crtica, que, mantendo a terminologia utilizada no artigo anterior por razes polmicas, aparecia com o nome de pedagogia revolucionria (SAVIANI, 2011b, p. 117, grifo nosso).
Temos, assim, o delineamento das elaboraes iniciais desta nova teoria (ainda sem
um nome prprio) iniciando em 1979 e indo at o final de 1983, inclusive com o livro Escola
e Democracia que fora publicado naquele momento sem a devida resoluo do nome.
Com as acirradas discusses e polmicas que vinham acontecendo neste perodo e
com o incio de um novo semestre em 1984 houve uma cobrana por parte dos alunos do
doutorado da PUC-SP para o aprofundamento destas questes. Dessa forma Saviani registrou
que:
A denominao histrico-crtica veio como um desdobramento desse processo. Na PUC-SP, os alunos passaram a me cobrar a oferta de uma disciplina optativa que aprofundasse o estudo da pedagogia revolucionria. Claro que eu poderia atender a essa demanda, sem dvida, justificada. Mas a dificuldade era propor uma disciplina com o nome de pedagogia
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revolucionria. Com efeito, falar de uma pedagogia revolucionria algo problemtico, uma vez que a atitude revolucionria diz respeito mudana das bases da sociedade. Era preciso, pois, encontrar uma denominao mais adequada (SAVIANI, 2011b, p. 117).
Neste sentido que a primeira alternativa que me veio mente foi pedagogia
dialtica (SAVIANI, 2011b, p. 118), mas, pelo que veremos mais adiante, este tambm foi
um nome que traria diversos problemas, assim na medida do possvel, seria melhor evitar a
denominao pedagogia dialtica, em vista dos mltiplos sentidos que essa expresso
conotava (idem, p. 119).
Esta busca pela denominao mais adequada foi concluda com o entendimento de
que:
[...] a expresso histrico-crtica traduzia de modo pertinente o que estava sendo pensado. Porque exatamente o problema das teorias crtico-reprodutivistas era a falta de enraizamento histrico, isto , a apreenso do movimento histrico que se desenvolve dialeticamente em suas contradies. A questo em causa era exatamente dar conta desse movimento e ver como a pedagogia se inseria no processo da sociedade e de suas transformaes. Ento, a expresso histrico-crtica, de certa forma, contrapunha-se a crtico-reprodutivista. crtica, como esta, mas, diferentemente dela, no reprodutivista, mas enraizada na histria. Foi assim que surgiu a denominao. Assim, atendendo demanda dos alunos, ministrei, em 1984, a disciplina pedagogia histrico-crtica e, a partir desse ano, adotei essa nomenclatura para a corrente pedaggica que venho procurando desenvolver (SAVIANI, 2011b, p. 119, grifo nosso).
Fica aqui o registro do ano em que foi adotado o nome desta teoria pedaggica e
tambm o porqu de nossa escolha, neste trabalho, de fazer o mapeamento considerando o
perodo de 1984 a 2012.
Explicitadas as questes iniciais do nome queremos trazer discusso um maior
delineamento dos esforos desencadeados para que no fosse adotado o termo pedagogia
dialtica. Tais esforos se explicam pelo crescente movimento de abertura poltica que
ocorreu no Brasil durante a dcada de 1970 e pelo uso indiscriminado do termo nas
efervescentes discusses polticas e pelas teorias crticas no campo educacional.
Logo de incio possvel afirmar que, em verdade, pedagogia histrico-crtica pode ser considerada sinnimo de pedagogia dialtica. No entanto, a partir de 1984 dei preferncia denominao pedagogia histrico-crtica, pois o outro termo pedagogia dialtica vinha revelando-se um tanto genrico e passvel de diferentes interpretaes. Sabe-se que h uma interpretao idealista da dialtica, alm de uma tendncia a julg-la de uma forma especulativa, portanto, descolada do desenvolvimento histrico real.
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H correntes, por exemplo, prximas fenomenologia, que utilizam a palavra dialtica como sinnimo de dialgico, ou seja, referente ao dilogo, troca de ideias, contraposio de opinies, e no propriamente como teoria do movimento da realidade, isto , teoria que busca captar o movimento objetivo do processo histrico. Outro motivo da opo por pedagogia histrico-crtica foi a ocorrncia de diferentes vises da palavra dialtica, considerando que, quando a pronunciamos, cada um tem na cabea um conceito de dialtica em consequncia do que a expresso pedagogia dialtica acaba sendo entendida com conotaes diversas (SAVIANI, 2011b27, p. 75).
Houve uma preocupao terica por parte do professor Dermeval Saviani para que
no se entendesse como sinnimos pedagogia dialtica e histrico-crtica, especialmente por
conta das correntes que associavam a dialtica marxista a outras correntes tericas.
No entanto, no era uma mera questo semntica que seria resolvida com a supresso
do termo dialtica. Havia de se deixar claro a opo terica, ou seja, a viso de homem e de
mundo, na qual a pedagogia histrico-crtica foi fundamentada. Dessa forma, ao analisar que
esta nova corrente pedaggica estava localizada nas correntes crticas da educao, mas que
no se apresentava como uma viso reprodutivista, ou seja, se diferenciava destas outras
correntes crticas e tambm se alinhava com uma viso histrica que foi necessrio cunhar
esta diferenciao.
Alm disso, a nomenclatura histrico-crtica, por no ser muito corrente, provoca a curiosidade dos ouvintes, criando a oportunidade de se explicar o seu significado. A outra denominao, por sua vez, acaba sendo entendida segundo os pressupostos de cada um e, consequentemente, possvel que, em lugar de se adquirir clar