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A PRISÃO FEMININA DESDE UM OLHAR DA CRIMINOLOGIA FEMINISTA Olga Espinoza 1 Sumário: 1. Introdução; 2. Teorias feministas do direito; 3. Papel da criminologia feminista: a mulher como agressora; 4. O espaço prisional; 5. Conclusões; 6. Bibliografia. 1. Introdução Este trabalho se propõe percorrer, em forma sintética, as teorias feministas do direito, que servem de base aos diversos estudos da criminologia feminista, que também serão examinados. Após esta breve aproximação, pretendemos observar a prisão feminina desde a ótica da criminologia feminista e analisar as possíveis vantagens deste tipo de abordagem. Introduziremos a discussão com uma breve reflexão sobre o papel da mulher no sistema punitivo, desde sua origem até finais do século passado. Para falar da mulher e de seu envolvimento com o sistema punitivo, devemos esclarecer que partimos do pressuposto de que o sistema criminal está em crise, na medida em que representa uma instituição que não cumpre suas funções manifestas 2 e se caracteriza por ser uma entidade seletiva (que 1 Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP. Mestranda em Direito na Universidade de São Paulo. Diretora Adjunta de Relações Internacionais do IBCCRIM. Membro do Colectivo para a Liberdade e Reinserção Social – COLIBRI. 2 “Por função manifesta, entende-se aquela expressamente prevista na norma criminal, como a proteção de certos bens jurídicos e a prevenção de determinadas condutas”. O. Espinoza e D. Ikawa, “Aborto: uma questão de política criminal”, Boletim do IBCCRIM, v. 9, n. 104, julho. São Paulo: IBCCRIM, 2001, p. 4.

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A PRISÃO FEMININA DESDE UM OLHAR DA CRIMINOLOGIA FEMINISTA

Olga Espinoza1

Sumário: 1. Introdução; 2. Teorias feministas do direito; 3. Papel da criminologia feminista: a mulher como agressora; 4. O espaço prisional; 5. Conclusões; 6. Bibliografia. 1. Introdução

Este trabalho se propõe percorrer, em forma sintética, as teorias feministas do direito, que servem de base aos diversos estudos da criminologia feminista, que também serão examinados. Após esta breve aproximação, pretendemos observar a prisão feminina desde a ótica da criminologia feminista e analisar as possíveis vantagens deste tipo de abordagem. Introduziremos a discussão com uma breve reflexão sobre o papel da mulher no sistema punitivo, desde sua origem até finais do século passado.

Para falar da mulher e de seu envolvimento com o sistema punitivo, devemos esclarecer que partimos do pressuposto de que o sistema criminal está em crise, na medida em que representa uma instituição que não cumpre suas funções manifestas2 e se caracteriza por ser uma entidade seletiva (que 1 Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo –

FAPESP. Mestranda em Direito na Universidade de São Paulo. Diretora Adjunta de Relações Internacionais do IBCCRIM. Membro do Colectivo para a Liberdade e Reinserção Social – COLIBRI.

2 “Por função manifesta, entende-se aquela expressamente prevista na norma criminal, como a proteção de certos bens jurídicos e a prevenção de determinadas condutas”. O. Espinoza e D. Ikawa, “Aborto: uma questão de política criminal”, Boletim do IBCCRIM, v. 9, n. 104, julho. São Paulo: IBCCRIM, 2001, p. 4.

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seleciona as pessoas, quer para criminalizá-las quer para vitimizá-las, recrutando sua clientela entre os mais miseráveis) e perversa. Esta perversidade induz a seus controlados (e potenciais selecionados) a demandarem maior controle do sistema penal, e quanto mais discriminatório, arbitrário e brutal seja esse controle, maior poder reclamam os controlados3.

A perversidade do sistema criminal se estabelece através do “aparato de publicidade”4 do Estado que projeta a ilusão de um poder punitivo igualitário, não seletivo, não descriminador, disfarçando de cojuntural ou circunstancial aquilo que é estrutural e permanente (inerente ao próprio poder). Se a este fato somarmos a tendência das pessoas em querer solucionar problemas complexos via a injeção de remédios de curto prazo, chegaremos a acreditar que o sistema penal resolverá as graves crises sociais de nosso tempo: desemprego, miséria, violência, entre outros.

Seguindo a E. R. Zaffaroni, podemos afirmar que a relação da mulher com o poder punitivo5 se manifesta no próprio 3 E. R. Zaffaroni. “La Mujer y el Poder Punitivo”, in Vigiladas y Castigadas.

Lima: CLADEM, 1993, p. 20.

4 Ibidem. 5 O poder punitivo (cujas características correspondem ao modelo

corporativista: concentração de poder e verticalidade) surge em oposição a outro modelo, cujo paradigma de solução de conflitos era a Luta e a Composição. Antônio Hespanha, ao se ocupar deste último, salienta que na Idade Média “o controle materializava-se através da dispersão de um conjunto de poderes, distribuidos entre os senhores feudais, a igreja, a comunidade local, o pai de família e o exército”, pelo que podemos afirmar que o atual modelo de sistema criminal (centralizado e vertical) não teria se inspirado nos moldes compositivos. Além do mais, convém salientar que a “vingança privada”, comumente identificada como uma “resposta sanguinária” (linchamentos, represálias, execuções sumárias), representou, “ademais da possibilidade de matar ao ofensor, […principalmente…] a possibilidade de exigir uma compensação, de puní-lo num cárcere, de perdoá-lo, com ou sem pagamento prévio, e de recorrer a terceiros, quer um lider da comunidade quer um notário, a fim de evitar o processo”. A variedade de saídas constitui um avanço diante das propostas consignadas pelo sistema penal, ocasionando

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processo de gestação deste último6. Podemos, inclusive, compreender esse poder como um poder de gênero7, na medida em que desde seu surgimento agrediu à mulher e ao sistema de relações que ela representava.

A Inquisição teve um papel fundamental no processo de consolidação do modelo punitivo. A ordem inquisitorial pretendeu eliminar o espaço social público da mulher na Idade Média ganho pela falta de homens (que abandonaram suas cidades para participar das guerras medievais). Com essa finalidade, buscou-se erradicar a religiosidade popular medieval e a cultura fortemente comunitária, motivada pelas mulheres. Foi preciso, então, controlar e subordinar a mulher, pois ela representava um obstáculo à verticalidade social, ao ser considerada a transmissora de uma cultura que devia se interromper8.

Estabeleceu-se, assim, “a civilização dos senhores, verticalista, coorporativa ou de domínio […e de vigilância…]”, condições necessárias numa sociedade mercantilista e

menores estragos nas relações sociais das comunidades. E. Larrauri. Crimino-logía Crítica: Abolicionismo y Garantismo, Nueva Doctrina Penal, v. 1998/B. Buenos Aires: Editores del Puerto, 1998, p. 730. Citada por O. Espinoza. “O Direito Penal Mínimo: entre o Minimalismo e o Abolicionismo”, mimeo, 2000.

6 A relação entre a mulher e o sistema punitivo se acentua e consagra na Idade Media, ressurgindo a meados do século XIX e intensificando-se durante todo esse período, que se estende até o final da Segunda Guerra Mundial. E. R. Zaffaroni, op. cit, p. 21.

7 Denominaremos como gênero à ótica particular de analisar as relações sociais, através da qual podemos vislumbrar e interpretar: 1. Os papéis sociais historicamente construídos (feminilidade e masculinidade); 2. A valoração dada pelas pessoas a cada papel; 3. A correspondência de cada um desses papéis com o sexo biológico. “O conceito de gênero evidencia a rejeição ao determinismo biológico próprio do uso de termos tais como a diferença sexual ou sexo [para identificar os papéis sociais dos homens e das mulheres]”. A. I. Meo. “El delito de las féminas”, Delito y Sociedad, n. 2. Buenos Aires: 1992.

8 E. R. Zaffaroni, op. cit, p. 22.

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colonizadora. Com o início das atividades de Conquista, o modelo verticalista europeu se exportou, convertendo-se em planetário9.

A imagem da mulher foi contruída como um sujeito fraco (em corpo e em inteligência) produto de falhas genéticas (postura na qual se baseia a criminologia positivista quando se ocupa da mulher criminosa10). Outra característica dada a mulher foi a maior inclinação dela ao mal por sua menor ressistência à tentação, além de predominar nela a carnalidade em detrimento de sua espiritualidade11. Por tudo isso, se justificava uma maior tutela, tanto da religião como do Estado.

A ideologia da Tutela ingressou com o discurso inquisitorial, extendendo-se aos novos cristãos, aos indígenas, aos negros, às prostitutas, aos doentes mentais, às crianças e adolescentes, aos velhos, entre outros12. Ela deve ser compreendida como o paradigma da colonização, pois a tutela das raças inferiores é tão importante como a tutela dos inferiores da propria raça13.

A transformação industrial provocou a luta pela hegemonia social, entre a classe industrial burguesa e a nobreza (conflito de interesses que adquire visibilidade com a revolução francesa, a mesma que se inspira nos princípios iluministas de 9 Ibidem. 10 Um dos primeiros estudos sobre a criminalidade feminina (1892) foi

desenvolvido por Cesare Lombroso e Giovanni Ferrero na obra La Donna Delinquente. “Nesse livro defendem que a mulher tem uma imobilidade e passividade particular que é determinada fisiologicamente. Por isso, ela possui uma maior adaptabilidade e obedece mais à lei que os homens. No entanto, ela é potencialmente amoral, é dizer, enganosa, fria, calculadora sedutora e malévola”. R. Van Swaaningen. “Feminismo, criminología y dere-cho penal: una relación controvertida”, Papers d´Estudis i Formació, v. 5. Catalunha: Generalitat de Catalunya. Departament de Justícia, 1990, p. 86.

11 E. R. Zaffaroni, op. cit, p. 23. 12 Tanto para protege-los como para reprimí-los. 13 E. R. Zaffaroni, op. cit, p. 23.

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liberdade, igualdade e fraternidade). Nessa luta a mulher recuperou certo espaço público e reconhecimento, mas por curto tempo14. Quando a nova classe burguesa obteve o poder disputado, deixou de ter importância restringir ou limitar o poder punitivo (ao qual se tinha oposto no seu confronto com a nobreza), passando, o referido poder, a ser usado como um instrumento potencial de controle dos grupos marginais e marginalizados15. Esse contexto possibilitou o surgimento de posturas positivistas que instauraram um modelo de Estado policial. Justificou-se, então, o vigilantismo social sobre a base da desigualdade dos individuos, sendo compreendidos na categoria de “humano” os homens superiores, brancos, casados com mulheres dóceis, com filhos, heterosexuais e burgueses. Legitima-se, então a verticalização hierarquizante16, que marginaliza e exclui aqueles e aquelas que não se ajustem aos modelos de “normalidade”.

14 “… o movimento Iluminista marca um ponto de partida nos processos

emancipatórios individuais e coletivos, porque é nesse contexto que o ser humano passa a ser percebido como sujeito de direitos, liberando-se de concepções monárquicas que justificavam (sob o argumento da autoridade divina) a submissão de uns homens a outros. Contudo, esse novo conceito não incluía a todos os seres humanos. A categoria de sujeito de direitos só atingia aos Homens, Livres e Iguais entre seus pares. Evidentemente, como conseqüência dessa situação a mulher foi afastada do pacto social, sendo integrada simplesmente como sujeito dependente do homem, mas não como cidadã”. O. Espinoza. “Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra a Mulher”, in Direito Internacional dos Direitos Humanos-Instrumentos Básicos (Guilherme de Almeida e Claudia Perrone-Moises, org.). São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 53.

15 No caso das mulheres, o sistema de controle por excelência tem sido o controle informal. Através de instâncias informais, como a família, a escola, a igreja, a vizinhança, todas as esferas da vida das mulheres são constantemente observadas e limitadas, dando pouca margem ao controle formal limite do sistema punitivo (materializado no cárcere). Essa situação gera uma menor visibilidade da mulher nos índices de criminalidade.

16 E. R. Zaffaroni, op. cit, p. 24.

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O mundo continuou transitando por diversas transformações que colocaram a modernidade no “banco” dos acusados e junto com ela entrou em crise uma série de postulados tidos como absolutos, entre eles o poder punitivo. Contudo, é a partir dos anos 60 que a crise do discurso punitivo se intensifica ao se confrontar com diversos movimentos que exigem coerência inexistente ao sistema criminal. Entre esses movimentos se destaca o movimento feminista. Esse último questionará, não só o sistema punitivo, em forma isolada, mas a própria estrutura do direito, como disciplina que proporciona legitimidade ao discurso punitivo e o apresenta como consensual e neutro.

Antes de continuar com a análise do sistema punitivo, segundo observado pelo movimento feminista, devemos recorrer às teorias feministas que tentaram explicar e explicitar a estrutura androcentrista17 do direito.

2. Teorias feministas da ciência e o direito.

O movimento feminista ocidental surgiu como uma tentativa de desconstrução dos padrões “únicos” e de

17 Entende-se por androcentrista “… a perspectiva que toma como paradigma

do humano o masculino, ignorando em suas análises a referência à situação da mulher…”. V. P. de Andrade, “Violência sexual e sistema penal. Proteção ou duplicação da vitimação feminina?”, Feminino Masculino. Igualdade e Diferença na Justiça (Denise Dourado Dora, org.). Porto Alegre: Editora Sulina, 1997, p. 128. O estudo da condição da mulher, através de uma ótica de gênero, representa a ruptura epistemológica mais importante dos últimos vinte anos nas ciências sociais. Sua importância reside justamente em romper com a invisibilidade da mulher nos estudos que enfocam a perspectiva masculina como universal e como protótipo do humano (visão androcêntrica). Esta linha de pensamento justificou-se sob os argumentos da inclusão tácita da mulher nas referências masculinas, e do excesso de especificidade na elaboração de estudos ou pesquisas desde um parâmetro exclusivamente feminino. A. Facio e R. Camacho, “En busca de las mujeres perdidas o una aproximación crítica a la Criminología”, in Vigiladas y Castigadas. Lima: CLADEM, 1993, p.30.

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“normalidade” que asseguram a dominação masculina. Esses padrões instituiram características hierarquizadas, baseadas na oposição entre sujeito-objeto, razão-emoção, espírito-corpo, correspondendo o primeiro termo às qualidades masculinas e o segundo as qualidades femininas.

Esse movimento caracterizou-se também por promover uma reforma político-social da condição feminina e por incentivar um desenvolvimento teórico que questionasse o modelo androcêntrico de ciência e de direito, assim como a uniformidade de ambos os conceitos. No entanto, não podemos asseverar que o feminismo possuísse uma estrutura uniforme e não conflitiva, pois existiram (e existem até hoje) diversas correntes que transitam por postulados conservadores e progressistas. Apesar do exposto, A. Baratta afirma, citando Sandra Harding, que “o denominador comum para todas as direções que, até o presente momento, seguiu a epistemologia crítica feminista, […] é, então, por um lado, a descoberta do simbolismo do gênero que, naquele modelo [o patriarcal], vem ocultado, e, por outro lado, a introdução da perspectiva da luta emancipatória das mulheres […no marco político-teórico...]. Este denominador mínimo pressupõe, pela teoria de Harding, que não se desconheça jamais a distinção entre sexo (biológico) e gênero (social)”18. Assim, as correntes feministas, embora não tenham conciliado sobre quais os caminhos para extirpar a estrutura de dominação patriarcal que afeta às mulheres e a outros grupos marginalizados, nem tenham coincidido na definição do modelo social alternativo a ser construido, questionaram o pretendido uso neutro do gênero e incorporaram ao espaço público as reivindicações femininas.

Desde os anos 70 é possível observar o desenvolvimento de diversos feminismos baseados em modelos teóricos e

18 A. Baratta, “El paradigma del género. De la cuestión criminal a la cuestión

humana”, in Las trampas del poder punitivo. El Género del Derecho Penal (Haydée Birgin, org.) . Buenos Aires: Editorial Biblos, 2000, p. 41.

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estratégicos diferentes. Para compreender como esses modelos influenciaram a criminologia feminista faremos uma breve descrição de cada um deles, advertindo ao leitor que, por razões metodológicas, nossa abordagem será superficial e sintética.

Um dos primeiros feminismos em se manifestar no cenário público foi o feminismo liberal ou burguês19, baseado no modelo teórico do empirismo feminista20. Ele apresenta o direito dominado por um só grupo: os homens, e ao mesmo tempo aceita sua superioridade21, pelo que reivindica a inclusão das mulheres. Ele tende a se concentrar na ideologia dos direitos iguais. Assim, propõe que todas as leis sejam aplicadas de igual22 forma aos homens e às mulheres. Esta forma de feminismo não põe em dúvida o sistema de valores, e ainda mais, pretende que esse sistema se aplique em benefício das mulheres. Para isso, “parte da premissa de que o tendencionalismo sexual e o androcentrismo constituem distorções socialmente condicionantes, que podem ser corrigidas através de uma minuciosa aplicação das regras do […direito…] já existentes”23, as quais só estariam sendo utilizadas de forma errada. Um dos argumentos defendidos por este grupo sublinha que não é realista 19 R. van Swaaningen, op. cit, p. 89. 20 A. Baratta, citando Sandra Harding, op. cit, p. 40. 21 Carol Smart denomina a esta etapa sob a etiqueta de “o direito é sexista”, e

agrega que “esse enfoque [… reconhecia que…] o direito na prática colocava às mulheres em desvantagem, lhes atribuindo menos recursos materiais (por exemplo, no matrimônio e no divórcio), ou julgando-as sob padrões distintos e inapropriados (por exemplo, como sexualmente promiscuas), ou lhes negando igualdade de oportunidades (por exemplo, no caso da categoria de ‘pessoas’), ou não reconhecendo os danos causados às mulheres ao dar vantagens aos homens (por exemplo, as leis de prostituição e estupro)”. Carol Smart, “La mujer del discurso jurídico”, in Mujeres Derecho Penal y Crimi-nología (Elena Larrauri, org.). Madri: Siglo Veintiuno, 1994, p. 170.

22 “…igualdade significa ser iguais aos homens…”. R. Van Swaaningen, op. cit, p. 90.

23 A. Baratta, citando Carol Smart, op. cit, p. 45.

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esperar que as mulheres, que ainda ocupam uma fraca posição social, deixem de utilizar os critérios e características do direito (racionalidade, atividade, reflexão, competência, objetividade, abstração, orientação aos princípios), embora sejam masculinos, para incrementar sua influência na sociedade e lutar contra a discriminação feminina. Os críticos salientam, por um lado, que na luta contra a discriminação feminina, este grupo identifica a diferença entre os dois gêneros no direito como circunstancial e não estrutural, despolitizando a atuação do movimento feminista. Por outro lado, esta postura reformista da corrente liberal tende a diluir a discriminação, como se ela não existesse, aprensentando-a como um simples tratamento diferenciado24 dos homens e das mulheres.

O segundo modelo corresponde ao feminismo radical ou separatista25. Ele admite o caráter estruturalmente masculino do direito. Contudo, exige o reconhecimento dos conceitos e qualidades especificamente femininas, do ponto de vista feminino26. Esse grupo consegue identificar os conceitos masculinos que dominam o direito (racionalidade, objetividade e suposta neutralidade), mas pretende reivindicar os valores e conceitos femininos27 via sua legitimação no âmbito público. Sua 24 “… a base do argumento reside na idéia de que no direito as mulheres são

maltratadas porque são tratadas de forma diferente que os homens”. Carol Smart, op. cit, p. 172.

25 R. van Swaaningen, op. cit, p. 90. 26 Carol Smart denomina a esta etapa sob o nome de “o direito é masculino”.

Carol Smart, op. cit, p. 173. 27 Carol Gilligan elaborou um conceito de ética feminista. Ela constatou que as

mulheres não dão atenção aos mesmos assuntos que os homens nas escolhas morais. “Frente aos dilemas morais, as mulheres não desenvolvem um racionamento sob forma abstrata, nem em função de direitos nem de uma justiça baseada na igualdade; elas tomam em consideração aspectos concretos e contextuais das situações que lhe são submetidas e têm tendência a avaliar um fato em função de suas conseqüências sobre os outros e sobre elas mesmas”. Podemos identificar uma “preocupação pelo outro, não como ser abstrato desprovisto de direitos, mas como indivíduo concreto, inserido

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atenção estaria focalizada não mais para atingir a igualdade, mas a diferença ou o reconhecimento de direitos especiais às mulheres. A crítica desse modelo baseia-se na manutenção da dicotomia homem-mulher que reforça as diferenças naturais e biológicas entre ambos os gêneros28. Ainda mais, ela defende a existência de uma única perspectiva feminista a reivindicar29, universalizando a categoria “mulher” e ocultando as “diferenças de experiência e interesses entre os diferentes grupos de mulheres”30. Por esses motivos se questiona se o reconhecimiento do outro (segundo defendido pelas radicais), consiga superar a imagem de um outro abstrato, universal, não contextualizado.

Finalmente, podemos identificar o feminismo socialista31, que pretende mudanças sociais mais amplas e estruturais. Inspira-se nos postulados do feminismo separatista ou radical, no tangente ao reconhecimento do outro. No entanto, esse outro não é concebido como um apriori, mas como um elemento que forma parte de um processo comunicacional, em que as diferenças não impedem estabelecer uma relação fundada

em um sistema de relações”. A justiça é concebida como uma “busca pela equidade e pela reciprocidade complementaria e não como atribuição de direitos nem procura pela igualdade”. C. Parent e F. Digneffe, “Pour une éthique féministe de l´intervention pénale”, Carrefour, v. XVI, n. 2. Ottawa: Legas, 1994, p. 100.

28 Esta visão incentiva a oposição entre homens e mulheres e oculta os interesses comuns que compartilham algumas mulheres com alguns homens, que sofrem igualmente outras formas de opressão (por exemplo, pessoas presas, discapacitadas, homossexuais, etc). C. Parent e F. Digneffe, op.cit, p. 91.

29 “Será que pode existir um ponto de vista feminista (unitário e absorvente), se a experiência das mulheres ou das feministas é diferente segundo as raças, as classes sociais e suas culturas?”. A Baratta, op. cit, p. 49.

30 C. Parent e F. Digneffe, op.cit, p. 90. 31 R. van Swaaningen, op. cit, p. 91.

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em uma ética da responsabilidade32. Essa tendência propõe elaborar um sistema de valores alternativo, baseado na relatividade histórica e na negociabilidade dos âmbitos de valor atribuídos aos gêneros. Um outro fundamento desse movimento é a transversalidade do mundo real de cada mulher, no que se refere às diversas variáveis dos relacionamentos e das diferenças culturais (mulher-homem, criança-adulto, negro-branco, diversidade de classe social, cultural, étnica, religiosa). Finalmente, defende a “flexibilidade e a redefinição dos limites culturais e institucionais, nas esferas da experiência e da vida social da mulher e do homem (público/privado, obrigações/direitos, em oposição ao cuidado/atenção, mercado/solidariedade, paixão/razão, corpo/espírito)”33. A. Baratta, sintetizando os estudos desenvolvidos por algumas pesquisadoras feministas, salienta que “[…Sandra] Harding rotula esta terceira abordagem da questão feminina como pós-modernismo feminista. [Frances] Olsen, por seu turno, a caracteriza com a expressão androginia, ou seja, a negação, a um só tempo, da especificidade do gênero e da hierarquia das qualidades e valores jurídicos [...]. Por fim, [Carol] Smart a denomina sob a frase “o direito tem gênero”, vale dizer, com a concepção do direito enquanto estratégia criadora do gênero”34. Assim, podemos asseverar que, representando um avanço com respeito ao feminismo radical, essa tendência não se apresenta incompatível com a justiça tradicional (associada ao homem),

32 A ética da responsabilidade constitui a base do conceito de justiça feminina,

elaborado por Heidensohn. Ela nos aproxima da cooperação, da responsabilidade pelo outro, da justiça informal, contextual, assentada nas relações entre os indivíduos. C. Parent e F. Digneffe, op.cit, p. 94.

33 A Baratta, op. cit, p. 51. 34 A Baratta, op. cit. p. 50.

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mas reconduz a divisão mulheres-homens proporcionando elementos que aproximem aos diversos grupos marginalizados35.

Apesar do pós-modernismo feminista ser uma postura enquadrada em uma crítica à modernidade, ele se distancia de posicionamentos pós-modernistas tradicionais na medida em que, embora também relativize os universalismos e as verdades absolutas, nega o relativismo “defensivo” característico da filosofia pós-moderna36. O pós-modernismo defensivo “…constitui, na realidade, a defesa do status quo das relações de dominação por parte daqueles que detêm o poder nas suas mãos, ou seja, que se tornaram protagonistas e vencedores do pacto social da modernidade. Para os sujeitos vulneráveis, para as mulheres, os pobres, as pessoas de ‘cor’ do ‘terceiro’ e do ‘quarto’ mundo, para as crianças, as pequenas narrações, as verdade fracas constituem já um luxo”37.

Em síntese, podemos dizer que não é possivel construir um conhecimento que se mantenha em oposição absoluta aos projetos dos dominadores, negando-se a possibilidade de dialogar e de fazer alianças estratégicas com todos os grupos dispostos a gerar transformações, via projetos de emancipação, de afirmação de direitos e de respeito da dignidade de todos os seres humanos38.

Tomando como base as diversas teorias expostas analisaremos a criminologia feminista e suas vinculações com

35 “… os conceitos masculinos como os direitos formais e o enfoque exclusivo

nos interesses em conflito [conceito feminino], abrem espaço para uma busca consciente de soluções negociáveis, que requerem cuidado, responsabilidade, cooperação e criatividade, das pessoas diretamente implicadas em um problema e de suas vidas diárias”. R. van Swaaningen, op. cit, p. 93.

36 A Baratta, op. cit, p. 71. 37 Ibidem. 38 “A estrada rumo ao desenvolvimento humano e à democracia é a da sinergia,

não a da fragmentação das lutas”. A Baratta, op. cit, p. 74.

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aquelas no questionamento do modelo de mulher agressora, segundo construido pelo sistema punitivo. 3. Papel da criminologia feminista frente à mulher

agressora

Antes de fazer referência ao que compreendemos por criminologia feminista, nos aproximaremos da criminologia, em sentido amplo, e traçaremos brevemente algumas características das principais tendências elaboradas desde seu surgimento: a Criminologia Positivista ou Tradicional e a Criminologia Crítica ou da Reação Social.

A Criminologia Positivista ou Tradicional funda-se no paradigma etiológico, próprio das ciências naturais, que reconhece qualidades intrínsecas em determinados indivíduos que os fazem mais propensos à prática de delitos. Sob esse contexto, a criminologia seria uma ciência explicativa que teria por objeto desvendar as causas e as condições dos comportamentos criminais e as motivações dos indivíduos criminais, entendidos como diferentes. A criminalidade compreende-se como uma realidade ontológica e inquestionada, consequência de uma patologia pessoal. Já a Criminologia Crítica ou da Reação Social questiona o carácter natural da desviação, afirmando que esta condição dependeria de regras e valores determinados historicamente, a partir dos quais se definem certas classes de comportamentos e de pessoas como “desviadas” . O objeto da criminologia não é mais desvendar as causas da criminalidade, mas as condições dos processos de criminalização, as normas sociais e jurídicas, a ação das instancias oficiais e os mecanismos sociais através dos quais se

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realiza a definição de determinados comportamentos39. Funda-se no paradigma da definição.

Os estudos feministas têm uma série de dificuldades para se ajustar à divisão entre esses dois paradigmas (etiológico e da definição social). A distinção mais evidente no campo penal é aquela que separa os estudos sobre os “comportamentos problemáticos”40 das mulheres daqueles sobre as mulheres como vítimas de agressão41. Esta última perspectiva tem sido amplamente abordada nos trabalhos feministas42, sendo menos visíveis as análises que se ocupam da mulher como agressora.

Os poucos trabalhos existentes sobre a delinquência

feminina têm sido encarados sob distintas concepções teóricas, desde finais do século XIX até a atualidade. A. I. Meo explica que poderíamos distinguir duas grandes linhas que atingiram às interpretações mais importantes. Uma primeira que compreenderia as concepções clássicas e uma segunda que

39 C. Campos, “Criminología Feminista: un discurso (im)posible?”, in Género

y derecho (Alda Facio e Lorena Fries, org.). Santiago de Chile: Low Edicio-nes, 1999, p. 746.

40 Ou “desviados”, segundo a criminologia tradicional. 41 A. Pires e F. Digneffe, “Vers un paradigme des inter-relations sociales?.

Pour une reconstruction du champ criminologique”, in Criminologie, v.XXV, n. 2. Montréal: Les presse de l´Université de Montréal, 1992, p. 36.

42 No presente artigo não pretendemos abordar esta temática. No entanto, devemos salientar que os estudos da mulher como vítima têm sido utilizados pelos movimentos feministas para reclamar uma maior repressão dos agressores masculinos, reivindicando maior uso do direito penal, fato que entra em contradição com a demanda de descriminalização de condutas que consideram a mulher como autora (como por exemplo no caso do aborto). Vide R. van Swaaningen, E. R. Zaffaroni, C. Parent e F. Digneffe, V. P. de Andrade, entre outras.

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abarcaria os esforços contemporâneos críticos para explicar a delinquência feminina43.

No primeiro grupo se encaixariam os criminólogos e criminólogas que trabalharam (e trabalham) desde o marco conceitual tradicional e que têm estudado a mulher criminosa sob uma visão androcêntrica da criminalidade44, ou seja, em referência a seu papel reprodutivo (na prática de condutas tais como aborto, infanticídio, prostituição), sendo sua desviação marcada pela não adequação a tais papéis (teorias biológicas e constitucionais45). No entanto, e apesar da presença da mulher nos estudos positivistas, a tendência a se ocupar da mulher criminosa tem sido escassa46, em alguns casos evitada e muitas vezes ignorada, razão pela qual são poucos os estudos que a ela se referem47.

No âmbito das concepções contemporâneas, se

encaixaria o que definimos por criminologia feminista48 Ela

43 A. I. Meo, “El delito de las féminas”, in Delito y Sociedad, n. 2. Buenos

Aires: 1992, p. 115. 44 “A preeminência da superioridade do homem sobre a mulher é a lógica do

sexismo que tem impregnado o fazer científico do qual não tem fugido as ciências penais e criminológicas”. A. Facio e R. Camacho, op. cit, p.30.

45 Um dos primeiros trabalhos nesse sentido foi o elaborado por C. Lombroso e G. Ferrero. Vide nota n. 10.

46 Algumas das razões que justificaram a desatenção teórica à mulher e a sua criminalidade são o reduzido número de delinqüentes femininas, o caráter prudente de sua criminalidade, a aceitação acrítica das explicações biologisistas e psicológicas da criminalidade feminina, entre outros. A. I. Meo, op. cit, p. 113.

47 R. del Olmo, “Teorías sobre la criminalidad femenina”. In Criminalidad y criminalización de la mujer en la región andina (Rosa del Olmo, org.). Cara-cas: Editorial Nueva Sociedad, 1998, p. 19.

48 Devemos esclarecer que não existe uma única perspectiva feminista em criminologia, existindo diversas correntes que tentam explicar a criminalidade feminina desde vários enfoques. Por esta razão seria descabido falar de “uma”

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adquire maior desenvolvimento a partir dos anos 60 (quando também se produz a ruptura teórica que dá base ao surgimento das teorias feministas), sendo principalmente estudada no fim da década de 70. A criminologia feminista não teve um desenvolvimento uniforme e algumas de suas propostas não conseguiram se desprender da tradição positivista, como foram os casos de Freda Adler e Rita Simon49. Isso é fácil de compreender porque muitas dessas posturas foram inspiradas nas teorias feministas que, como já foi comentado, desenvolvem enfoques e propostas em alguns casos conflitivos. Todavia, podemos afirmar que os trabalhos inspirados nos questionamentos das teorias feministas de tendência liberal e radical, apesar das críticas que possam receber, conseguiram tornar visível a criminalidade feminina e abriram caminhos para o surgimento de novas teorias, que desde uma perspectiva de gênero, consolidaram a criminologia feminista50.

Foi principalmente na década de 70 e 80 que a criminologia feminista (de perfil mais crítico) ofereceu novas aproximações e análises da criminalidade feminina51. Eles partiram por criticar as teorias tradicionais, buscando questionar “os estereótipos sexistas que alimentam essas teorias, [… e por explicitar…] os limites de uma criminologia positivista cujas

criminologia feminista, assim como de uma única criminologia crítica (pois subsistem múltiples visões criminológicas que se autodenominam de críticas). No entanto, seguindo R. van Swaaningen, preferimos esta expressão “quando pretendemos explicar um paradigma específico: o paradigma do feminismo como uma perspectiva”, op. cit, p. 89.

49 Para essas criminólogas a delinquência feminina se justificaria como consequência da mudança subjetiva da mulher, que teria abandonado sua passividade para se tornar mais atenta e agressiva (tese da masculinidade, defendida por Freda Adler), ou como resultado de seu maior acesso ao mercado de trabalho e assim ao espaço público, âmbito onde transcorre a criminalidade (tese da oportunidade, de Rita Simon). R. del Olmo, op. cit, p. 23-24.

50 R. del Olmo, op. cit, p. 25. 51 A. Meo, op. cit, p. 118.

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premissas são inadequadas e que se apresenta como um instrumento de controle e de preservação do status quo”52. As defensoras e defensores da criminologia feminista (baseada em postulados críticos), compreendem o controle penal como mais uma faceta do controle exercido sobre as mulheres, uma instância onde se reproduzem e intensificam suas condições de opressão via a impossição de um padrão de normalidade53.

Para esta corrente criminológica a mulher “desviada” não é mais o ponto de partida, mas as circunstancias que afetam às mulheres agressoras, às outras mulheres, assim como aos grupos marginalizados, de pessoas sem poder, socio-economicamente desfavorecidas, grupos “ethnicisés et racialisés”54. Podemos afirmar então, concordando com A. Baratta, que “uma criminologia feminista pode se desenvolver em forma, cientificamente oportuna só desde a perspectiva epistemológica da criminologia crítica”55.

A seguir, enfocaremos a prisão feminina para, depois de uma breve descrição, analisá-la desde a ótica da criminologia feminista. 4. O espaço prisional

52 C. Parent. “La contribution féministe à l´étude de la déviance en criminolo-

gie”, Criminologie, v.XXV, n. 2. Montréal: Les presse de l´Université de Montréal, 1992, p. 75

53 Nesse sentido, e tomando em consideração o reduzido número de mulheres atingidas pelo sistema penal, devemos analisar que outras formas de controle afetam às mulheres (controles informais da família, escola, religião, vizinhança, etc.) e quais as consequências dessa constatação para as mulheres que não se ajustam a esses controles e transgridem. Vide os estudos de Claude Faugeron.

54 C. Parent e F. Digneffe, op.cit, p. 93. 55 A Baratta, op. cit. p. 55.

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A prisão é um espaço que gera tristeza, paixões e revolta, tanto dentro como fora de seus muros. Quem decide incursionar nela, quer como pesquisador, ativista ou representante do Estado, deve estar ciente e atento às relações particulares56 que se desenvolvem no seu interior.

O cárcere é uma instituição totalizante e despersonalizadora, onde a violência se converte em um instrumento de troca, em que prevalece a desconfiança e o único objetivo das pessoas é sair, fugir, atingir a liberdade. Essas características correspondem às prisões em geral, no entanto, centralizaremos a presente análise ao estudo da prisão feminina.

Uma vez criada a prisão como instituição, entendeu-se necessário a separação de homens e mulheres para aplicar a eles e elas tratamentos diferenciados. Com essa medida buscava-se que a educação penitenciária restaurasse o sentido de legalidade e de trabalho nos homens presos, enquanto que, no caso das mulheres, era prioritário reinstalar o sentimento de “pudor”57.

No desenvolvimento da prisão, essa se caracterizou por ser majoritariamente masculina, acentuando-se tal condição durante a segunda metade do século XIX58. Do total de seres humanos que na atualidade compõem a massa carcerária, a mulher não representa porcentagens elevadas (na América Latina as cifras oscilam entre 3% e 9% aproximadamente59). No Brasil, a mulher constitui o 4,4% da população carcerária total. Este fato tem ocasionado uma “invisibilização” das necessidades 56 “Uma atitude muito favorável às presas ou de desrespeito ao trabalho dos

guardas poderia pôr em risco o desenvolvimento de uma pesquisa [ou trabalho no interior do presídio]”. C. Rostaing, La relation carcérale. Identité et rapports sociaux dans les prisons de femmes. Paris: Press Universitaire de France, 1997, p. 23.

57 Ibid, p. 42. 58 Ibidem. 59 C. Antony, “Mujer y cárcel: el rol genérico en la ejecución de la pena”, in

Criminalidad y criminalización de la mujer en la región andina (Rosa del Ol-mo, org.). Caracas: Editorial Nueva Sociedad, 1998, p. 63.

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femininas, devendo essas se adequar aos modelos tipicamente masculinos, de modo que “o problema carcerário tem sido enfocado pelos homens e para os homens privados de liberdade”TPF

60FPT. Como produto dessa invisibilização se vulneram

uma série de direitos das mulheres encarceradas. Essa situação é percebida nas precárias condições de saúde das reclusas, nas restrições para a visita familiarTPF

61FPT assim como para a visita

íntimaTPF

62FPT, na manutenção de funcionários homens, etc.TPF

63FPT.

Devemos ressaltar que houve uma mudança nas condutas delitivas realizadas por mulheres; os crimes cometidos por elas não mais se encaixam nos denominados “delitos femininos” (infanticídio, aborto, homicídio passional), havendo se incrementado os índices de condena por crimes como tráfico de entorpecentes, roubos, seqüestros, homicídios, entre outrosTPF

64FPT.

TP

60PT Ibid, p. 64.

TP

61PT A maioria das mulheres presas são mães e em muitos casos elas representam os únicos sustentos familiares, interrompidos com a prisão. Ademais, a menor população prisional feminina traz como conseqüência a existência de alguns poucos presídios para mulheres por estado (em alguns estados, como Rio Grande do Sul, só existe uma única prisão para mulheres), sendo elas concentradas em localidades distantes de seus familiares. Este fato intensifica o abandono da família e dos filhos.

TP

62PT São vários os estados que permitem a visita íntima feminina (Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, etc), porém no estado de São Paulo esta só é exercida nos presídios de Tatuapé e Tremembé, embora exista uma norma infralegislativa ditada pela Secretaria Penitenciária recomendando às diretoras dos cárceres de São Paulo a materializar esse direito.

TP

63PT Maria Ignês Bierrenbach, “A mulher presa”, Revista do ILANUD, n. 12. São Paulo: 1998.

TP

64PT O quadro de porcentagem de incidência por artigo demonstra que 39,72% das mulheres reclusas foram sentenciadas por Tráfico de Entorpecentes; 31,05% por Roubo; 14,08% por Homicídio; 9,29% por Latrocínio; 2,98% por Extorsão mediante seqüestro e 2,88% por outros crimes. Dados extraídos dos arquivos da Penitenciária Feminina da Capital (São Paulo), que correspondem ao mês de fevereiro de 2002.

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Após este suscinto panorama, devemos nos perguntar: por que insistir em observar a prisão feminina desde a ótica da criminologia feminista? Quais vantagens pode gerar esta abordagem? Será possível, desde esta ótica, observar outros grupos atingidos pelo sistema criminal? Tentaremos responder estas perguntas a seguir.

Podemos dizer que os estudos da criminologia feminista (na medida que buscaram atender às necessidades e interesses das mulheres como grupo) têm possibilitado superar alguns limites da criminologia (segundo desenvolvida desde uma perspectiva masculina). Assim, “suas pesquisas [da criminologia feminista] abriram novos caminhos que podem servir de inspiração ao questionamento atual na criminologia”.TPF

65FPT Contudo,

embora reconheçamos as diversas e importantes contribuições do feminismo aos estudos criminológicos, preferimos selecionar trêsTPF

66FPT delas que melhor sintetizam o espírito das mesmas.

A primeira grande contribuição nos permitiu observar a prisão desde uma perspectiva de gênero, ou seja, entender o cárcere como uma construção social que pretende reproduzir as concepções tradicionais sobre a natureza e os papéis femininos e masculinos, segundo instituidos na modernidade. Nesse sentido, podemos citar as explicações psicogenéticas da criminalidade feminina (perturbações psicológicas, trastornos hormonais, etc.) que ocasionaram a implementação de políticas penitenciárias específicas para as mulheres, cujos objetivos buscavam corrigir e

TP

65PT “Certamente, a herança feminista parece hoje ser tão importante e diversificada que podemos afirmar que a disciplina criminológica precisa do feminismo. Seria importante, então, que essa contribuição seja finalmente reconhecida”. C. Parent. “La contribution féministe à l´étude de la déviance en criminologie”, Criminologie, v.XXV, n. 2. Montréal: Les presse de l´Université de Montréal, 1992, p. 88.

TP

66PT Outras importantes contribuições identificadas pelos estudos feministas em criminologia podem ser encontradas nos trabalhos de C. Parent (1992), C. Parent e F. Digneffe (1994), V. P. de Andrade (1997), R. van Swaaningen (1990).

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regenerar as mulheres “descarriladas o en peligro de caer”TPF

67FPT.

Confirmando esta asseveração devemos notar que a maioria das prisões femininas foi instalada em conventos, com a finalidade de induzir às mulheres “desviadas” a aderirem aos valores de submissão e passividade. Na atualidade, esta situação quase não tem mudado, e a necessidade de controle da mulher subsiste, acentuando-se no carácter reabilitador do tratamento, que busca “restabelecer à mulher em seu papel social de mãe, esposa e guarda do lar e de fazê-la aderir aos valores da classe média”TPF

68FPT.

Uma segunda contribuição baseia-se na possibilidade de estudar a prisão observando a seus atores como sujeitos. Estamos acostumados a imaginar que toda pesquisa ou discurso sério e objetivo (criminológico ou não) deve se construir com absoluta racionalidade e distanciamento entre o observador e o observado, postura ingênua que pretende proteger o pesquisador da inerente subjetividade que possuem todas as pessoas. Nesse sentido, as análises feministas sobre a criminalidade feminina tentaram identificar as mulheres proporcionando-lhes a palavra, para junto com elas (com suas vozes e experiências de vida) entender o objeto de pesquisa. Essa postura abre o caminho ao “outro”, acentuando a dimensão relacional da situação problema, preocupando-se com o outro como uma pessoa individual e particular, e não só como um sujeito de direitos o entidade abstrata a estudar, como um objeto de análise.

Finalmente, a terceira grande contribuição aponta para a relativização das diferenças entre homens e mulheres. Os trabalhos criminológicos devem superar a oposição mulher/homem, deixando de dispensar energias na busca de diferenças que justifiquem abordagens diferenciadas. Para tal, devem procurar identificar às mulheres presas no conjunto de

TP

67PT A. Meo, op. cit, p. 117.

TP

68PT L. L. Biron, “Les femmes et l´incarcération, le temps n´arrange rien”, Criminologie, v.XXV, n. 1. Montréal: Les presse de l´Université de Montréal, 1992, p. 124.

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grupos oprimidos. Dessa forma, poderemos observar o problema desde uma dimensão macroestrutural, “tomando em consideração a criminalização das mulheres a partir de sua opressão como grupo, no marco de um quadro global de sociedade capitalista e/ou patriarcal”TPF

69FPT.

5. Conclusão

A guisa de conclusão e fazendo um balanço do desenvolvimento das teorias feministas no interior da criminologia, podemos afirmar, seguindo Kathleen Daly, que “nos 70, as acadêmicas revelaram as histórias de mulheres e desvendaram a diversidade etnográfica e a generalidade em suas vidas; nesse marco temporal as acadêmicas feministas se referiam às mulheres ou às experiências das mulheres sem se problematizar, destacavam a importância de diferenciar o sexo biológico do gênero [como construção] sócio-cultural e desenvolviam uma teoria feminista compreensível que substituísse as teorias liberais, marxistas ou psicoanalíticas [dos diferentes campos de conhecimento]. Nos anos 80, a teoria feminista foi especialmente influenciada pela filosofia e a literatura. Essa situação marcou uma mudança de ênfase sócio-cultural e histórico com respeito aos anos 70. Contudo, esse desenvolvimento teórico não questionou o modelo estrutural de ciência e de direito. Um desafio crítico [de questionamento à teoria feminista] surgiu a partir das mulheres marginalizadas [pela mesma] e de uma variedade de textos pós-modernos / pós-estruturalistas [que criticaram o modelo teórico que até esse momento tinha se construído]. Esses desenvolvimentos propuseram questões sobre como é o conhecimento feminista e

TP

69PT C. Parent, “Au delà du silence: Les productions féministes sur la ‘criminalité’ et la criminalisation de femmes”, Déviance et Société, v. 16, n. 3. Genebra: Édition Médicine et Hygiène, 1992, p. 319.

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como esse devia se produzir e avaliar…” TPF

70FPT. Surgiu a necessidade,

então, de desconstruir o modelo androcêntrico de sociedade, no qual se baseiam as relações de discriminação contra a mulher e outros grupos marginalizados, para logo reconstruir modelos que tenham como base a preocupação pelo outro, não como entidade abstrata desprovista de direitos, mas como indivíduo concreto e inscrito em um sistema de relações.

Podemos dizer então, que são muitas as contribuições apresentadas pela criminologia feminista que permitiram explicitar os sistemas de opressão dos grupos marginalizados. Por essas considerações, mais do que nunca devemos desenvolver análises que partam de uma perspectiva de gênero para olhar a mulher e todos os outros indivíduos inseridos no sistema punitivo. Assim, essa ótica (a ótica do gênero) deve nos levar a questionar toda a estrutura do próprio sistema, “desconstruindo o universo das formas tradicionais de legitimação punitiva e procurando soluções mais equitativas que valorizem as situações concretas nas quais evoluem os diferentes protagonistas da intervenção penal”TPF

71FPT.

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TP

70PT Citada por R. del Olmo, op. cit, p.30.

TP

71PT C. Parent e F. Digneffe, op. cit, p. 102.

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