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ARISTOTELOYS TA META TA FYSIKA METAFÍSICA DE ARISTÓTELES LIVRO 4 BIBLION GAMMA Tradução feita pelo grupo de pesquisa Do projeto OUSIA Coord. Prof. Dr. Fernando Santoro 1 1003ª Há uma certa ciência que teoriza o ente enquanto ente e o quanto recai sob seu domínio por si mesmo. Esta, porém, não é nenhuma das ciências chamadas setoriais; pois nenhuma das outras investiga universalmente o ente enquanto ente, mas, tendo elas seccionado alguma parte sua, teorizam acerca do ente o que lhe é coincidente, como, por exemplo, as ciências matemáticas. Posto, ainda, que buscamos os princípios e as mais elevadas causas, é claro que estes são necessariamente de alguma natureza por si mesma. Se de fato também os que buscavam os elementos dos entes buscavam estes princípios, é necessário, então, que os elementos do ente não sejam por coincidência mas enquanto entes. Por isso devemos apreender as primeiras causas do ente enquanto ente. 2 Porém, o ente se diz de muitas maneiras, mas relativo a uma unidade, i.e., a uma certa natureza única, e não por homonímia; assim como se diz saudável tudo quanto se relaciona à saúde, tanto o que a resguarda quanto o que a produz como o que é seu sinal e o que está disposto para ela; ou ainda como se diz medicinal tudo quanto é relativo à 1003b medicina: aquele que possui esta arte, o que tem boa tendência para ela, e aquilo que é a sua tarefa. Podemos tomar várias outras expressões que sejam de modo semelhante a estas. Assim, se por um lado o ente se diz de muitas maneiras, são, no entanto, todas estas expressões, relativas a um único princípio: pois uns são ditos entes porque são vigências, outros porque são afecções da vigência, ou porque são encaminhamento à vigência, ou destruições, ou privações, ou qualidades, ou produções, ou gerações da vigência ou do que é dito em relação à vigência, ou ainda porque são negações de alguma destas ou da vigência; por isso, também do não ente dizemos que é não ente. E do mesmo modo como, efetivamente, há uma única ciência de tudo quanto é saudável, assim também é para as outras coisas. Pois não há somente o teorizar de uma ciência do que é dito segundo uma unidade, mas sim das coisas ditas em relação a uma única natureza, pois isso também é um modo dito segundo uma unidade. De fato, é claro que para os entes

Aristóteles - Metafísica - livro

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ARISTOTELOYS TA META TA FYSIKAMETAFÍSICA DE ARISTÓTELESLIVRO 4BIBLION GAMMA

Tradução feita pelo grupo de pesquisa Do projeto OUSIACoord. Prof. Dr. Fernando Santoro

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Há uma certa ciência que teoriza o ente enquanto ente e o quanto recai sob seu domínio porsi mesmo. Esta, porém, não é nenhuma das ciências chamadas setoriais; pois nenhuma dasoutras investiga universalmente o ente enquanto ente, mas, tendo elas seccionado algumaparte sua, teorizam acerca do ente o que lhe é coincidente, como, por exemplo, as ciênciasmatemáticas. Posto, ainda, que buscamos os princípios e as mais elevadas causas, é claroque estes são necessariamente de alguma natureza por si mesma. Se de fato também os quebuscavam os elementos dos entes buscavam estes princípios, é necessário, então, que oselementos do ente não sejam por coincidência mas enquanto entes. Por isso devemosapreender as primeiras causas do ente enquanto ente.

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Porém, o ente se diz de muitas maneiras, mas relativo a uma unidade, i.e., a uma certanatureza única, e não por homonímia; assim como se diz saudável tudo quanto se relacionaà saúde, tanto o que a resguarda quanto o que a produz como o que é seu sinal e o que estádisposto para ela; ou ainda como se diz medicinal tudo quanto é relativo à

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medicina: aquele que possui esta arte, o que tem boa tendência para ela, e aquilo que é a suatarefa. Podemos tomar várias outras expressões que sejam de modo semelhante a estas.Assim, se por um lado o ente se diz de muitas maneiras, são, no entanto, todas estasexpressões, relativas a um único princípio: pois uns são ditos entes porque são vigências,outros porque são afecções da vigência, ou porque são encaminhamento à vigência, oudestruições, ou privações, ou qualidades, ou produções, ou gerações da vigência ou do queé dito em relação à vigência, ou ainda porque são negações de alguma destas ou davigência; por isso, também do não ente dizemos que é não ente.

E do mesmo modo como, efetivamente, há uma única ciência de tudo quanto é saudável,assim também é para as outras coisas. Pois não há somente o teorizar de uma ciência do queé dito segundo uma unidade, mas sim das coisas ditas em relação a uma única natureza,pois isso também é um modo dito segundo uma unidade. De fato, é claro que para os entes

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há uma única teorização enquanto entes. De todo modo, a ciência é principalmente ciênciado que é primeiro, e do que todas as outras coisas dependem e pelo que são nomeadas. Se,efetivamente, isto é a entidade ou vigência, é das vigências que o filósofo deveria obter osprincípios e as causas.

De todo gênero, porém, há uma percepção única de cada um, e também uma única ciência,como, por exemplo, a gramática que, sendo uma, teoriza toda expressão falada. Por isso, háuma única ciência que teoriza em geral cada aspecto do ente e cada aspecto dos aspectos(cada espécie, cada diferença).

Se, com efeito, o ente e o uno são o mesmo e uma única natureza é por corresponderem umao outro, do mesmo modo que o princípio e a causa, mas não como se fossem expressosnuma única palavra (em nada difere que os tomemos por semelhantes, isto até adiantaria anossa tarefa) — pois é o mesmo "um homem" e "homem sendo" e "homem" e não édiferente o que se revela no redobro da expressão "um homem" para "um homem sendo",mas é evidente que não se separa [o ente do uno] nem por geração nem por corrupção e , demodo semelhante, nem também pela unidade; de modo que, visivelmente, a justaposiçãoneste caso revela o mesmo; além do mais, a vigência de cada coisa é uma, e não porcoincidência, mas do mesmo modo e justamente porque é algo sendo — de tal modo quetantos quantos forem os aspectos respectivos ao uno, tantos serão com respeito ao ente,acerca dos quais cabe a esta mesma ciência genericamente teorizar o que é. Falo, porexemplo, como do "mesmo",

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do "semelhante" e de outros que tais. E quase todos as oposições são conduzidas a esteprincípio (porém já as teorizamos em nossa "Seleção dos contrários"). E há tantas partes dafilosofia quantas são as [modalidades de] vigências, de modo que forçosamente uma seráprimeira e outra subseqüente àquela. Tendo, pois, o ente e o uno, gêneros que recaemdiretamente sob seu domínio, por isso as ciências os acompanharão. Pois o filósofo é comoaquele que é chamado matemático, pois também esta tem partes, e há, nas matemáticas,tanto uma que seja ciência primeira, e uma segunda e outras subseqüentes. Como cabe auma ciência única teorizar os contrários, e ao uno se opõe o múltiplo (e ainda cabe a estaúnica teorizar a negação e a privação, porque em ambas teorizamos o uno do qual há anegação ou a privação — seja simplesmente, porque não lhe recai existir, seja em algumgênero: neste caso é, para o uno, a diferença o que se junta ao que há na negação; pois anegação daquele é ausência, mas na privação existe alguma natureza subjacente segundo aqual a privação é dita), ao uno se opõe então o múltiplo de modo que também os opostosdos que foram mencionados: tanto o "outro" quanto o "dessemelhante" e o "desigual" equantos mais são ditos, seja segundo eles mesmos, seja segundo o múltiplo e o uno, todosestes cabe à mencionada ciência conhecê-los; entre os quais também está a contrariedade,pois a contrariedade é uma diferença e a diferença uma alteridade.

Conseqüentemente, já que o uno se diz de muitas maneiras, também estes serão ditos demuitas maneiras, porém caberá a uma única ciência conhecer à todos igualmente; pois nãoé por ser de muitas maneiras, que haveria outras ciências, mas apenas se as palavras não são

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referidas, enquanto outras, nem segundo uma unidade nem em relação a uma unidade.Como, porém, tudo é referido em relação ao primeiro (por exemplo: o que se diz uno o éem relação ao primeiro uno), igualmente é preciso afirmar acerca do "mesmo", do "outro" edos "contrários" que sucede assim.; de modo que tendo separado a modalidade em que cadaum é dito, assim é preciso explicar, em relação ao primeiro, como cada categoria(predicação) é dita em relação a este; pois uns serão ditos por possuí-lo, uns por produzi-lo,outros por outros modos como tais. É evidente, pois, como foi dito nas Aporias, que cabe auma única ciência ter o discurso acerca destes e da vigência (este era um dos problemaslevantados), e cabe ao filósofo o

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poder de teorizar acerca da totalidade. Pois, se não coubera ao filósofo, quem seria oresponsável por investigar se é o mesmo "Sócrates" e "Sócrates sentado" ou se há um únicocontrário para cada um, ou o que é o contrário ou de quantos modos é dito; como tambémacerca de outros problemas que tais. Já que, de fato, é do uno enquanto uno, e do enteenquanto ente que estas afecções são elas mesmas segundo elas mesmas, mas não enquantonúmeros ou linhas ou fogo, é claro que é próprio daquela ciência conhecer o que cada umdeles é e os seus coincidentes. E não se enganam estes outros por investigar estas outrascoisas coincidentes como se não fossem filósofos, mas pelo fato de que a vigência éanterior, acerca da qual não prestam nenhuma atenção. De modo que, como também háafecções particulares do número enquanto número como o "impar" e o "par", a "proporção"e a "igualdade", o "excesso" e a "falta", e estas segundo si mesmas e em relações recíprocasrecaem sob o domínio do número (como também ao sólido, ao imóvel e ao movido, aoimponderável e ao pesado pertencem outras particularidades), assim também ao enteenquanto ente há certas particularidades, e cabe ao filósofo investigar a verdade destas.Sinal disto é que os dialéticos e sofistas travestem-se sob a mesma figura do filósofo; pois asofística é somente uma sabedoria aparente, e os dialéticos discorrem acerca de tudo, ora,comum a tudo é o ente, mas discursam sobre estas coisas evidentemente por ser este ocampo da filosofia. Pois a sofística e a dialética rondam em torno ao mesmo gênero que afilosofia, mas esta difere, de uma, pelo modo potencial, de outra, pela escolha existencial;pois a dialética é experimental acerca do em que a filosofia é cognoscitiva, e a sofística éaparente, sem de fato ser.

E ainda, a outra série dentre os contrários é a privação, e todas levam ao ente e ao não ente,e ao uno e ao múltiplo, tal como o repouso provém do uno e o movimento, do múltiplo.Além do mais, quase todos concordam que os entes e a vigência são constituídos decontrários; todos dizem, pelo menos, que os princípios são contrários: uns dizem o impar eo par, outros, o quente e o frio, outros ainda, o limite e o ilimitado, ou a amizade e o ódio.Todos os demais também parece que são derivados do uno e do múltiplo (tomemos porrealizada

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nossa derivação) e os princípios apresentados pelos outros pensadores caem todoscompletamente nestes mesmos gêneros. Fica claro, portanto, pelo que se disse, que é uma aciência que teoriza o ente enquanto ente. Pois todas as coisas ou são contrários ou feitas decontrários, e os princípios dos contrários são o uno e o múltiplo. Mas todos pertencem auma única ciência, quer sejam ditos segundo uma unidade ou, como provavelmentetambém é verdade, quer não. Todavia, se o uno também é dito de muitas modos, é relativoao primeiro que os outros são ditos, assim como os contrários, e por isso (e se não for oente ou o uno um universal e o mesmo para todos, ou seja: separado, de modo queprovavelmente não é, mas sim, ou relativo a uma unidade ou ao que a segue), também porisso não cabe ao geômetra teorizar o que é o contrário ou o perfeito ou o uno ou o ente ou omesmo ou o outro, a não ser como supostos. Que assim, então, cabe a uma única ciênciateorizar o ente enquanto ente e o que recai sob seu próprio domínio enquanto ente, éevidente, e que esta é uma ciência teorética, não apenas das vigências, mas também dassuas propriedades, tanto dos que já mencionamos quanto acerca do anterior e posterior, dogênero e da espécie, do todo e da parte, e dos outros como tais.

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É preciso, porém, dizer se há uma única ou duas diferentes ciências para, de um lado, o que,na matemática, chamamos de axiomas, e para a vigência. Esta claro que cabe àquela ciênciauna do filósofo também a investigação destes axiomas: pois recaem sobre todos os entes, enão a algum gênero separado dos demais por alguma particularidade. E servem a todos,porque são próprios do ente enquanto ente, e cada gênero é ente, porém cada um se servetanto quanto lhe é suficiente, isto é: o quanto se estende o gênero acerca do qual conduzemas demonstrações; conseqüentemente, é claro que pertencem a todas as coisas enquantoentes (pois isto é o que têm em comum), assim, ao que se empenha em conhecer o enteenquanto ente cabe também esta teorização. Por isso, nenhum dos que investigam poralgum setor particular empreende dizer algo acerca destes, se verdadeiros ou não, nem ogeômetra, nem o aritmético, mas, por outro lado, alguns dentre os físicos (que investigam anatureza do real) agiram justamente assim, pois acreditavam-se os únicos a investigar anatureza em sua totalidade e o ente. Contudo, ainda há alguém acima do físico (pois anatureza é somente um gênero do ente), é o teórico do universal e da vigência primeira, e aeste caberia a investigação também daqueles [axiomas].

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A física também é uma certa sabedoria, mas não é a primeira. Porém, tantos quantoempreenderam demonstrá-los, dentre os que falaram acerca de como deve ser demonstradaa verdade, assim agiram por falta de educação nos procedimentos analíticos; é precisoquanto aos axiomas chegar anteciente (com um prévio e provedor saber), e não aprendê-lospela investigação.

Que , de fato, cabe ao filósofo, isto é, àquele que por natureza teoriza acerca de todas asvigências, também investigar acerca dos princípios silogísticos (de articulação dalinguagem) é evidente.. Mas concerne ao que mais e melhor conhece em cada gênero dizer

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os princípios mais firmes das coisas que trata, de modo que ao que trata dos entes enquantoentes cabe dizer o princípio mais firme de todas as coisas. Este é o filósofo.

Porém, é o mais firme de todos os princípios, aquele acerca do qual é impossível iludir-se;pois é necessariamente o mais conhecido (pois todos se enganam naquilo que nãoconhecem) e incondicionado. Pois o que deve possuir quem queira compreender os entes,isto não é uma suposição (condição hipotética): mas o que é necessário conhecer para todoaquele que conhece, este já chega possuindo necessariamente. Que, assim, de fato, este sejao mais firme de todos os princípios é evidente.

Digamos, a seguir, que princípio é este: Pois é impossível o mesmo simultaneamente recaire não recair ao mesmo e segundo o mesmo (e todas as demais determinações queacrescentássemos, acrescentaríamos por conta das dificuldades do discurso); este é, detodos, o princípio mais seguro: pois tem a determinação conveniente a um tal princípio.Pois é impossível para alguém sustentar que o mesmo é e não é, como alguns crêem queHeráclito diz; pois não é necessário que o mesmo que alguém diz isto também venha asustentar. Porém, caso não se admita que os contrários simultaneamente recaiam no mesmo(consideremos ainda nossas mesmas e costumeiras premissas) e também que uma opinião écontrária à opinião que a contradiga, é claro que é impossível para o mesmosimultaneamente sustentar ser e não ser o mesmo; pois teria simultaneamente opiniõescontrárias este que se enganasse neste ponto. Por isso todos os que demonstram chegam aesta última opinião: pois ela é um princípio por natureza também dos outros axiomas.

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Há aqueles, como falamos, que dizem aceitar e, ainda por cima, sustentar, que a

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mesma coisa seja e não seja. Adotam este discurso muitos dos que tratam da Natureza. Nós,neste caso, há pouco, ativemo-nos à impossibilidade de ser e não ser simultaneamente e,assim, mostramos o mais firme de todos os princípios. Contudo, alguns requisitam, porfalta de educação, que isto seja demonstrado: de fato, é falta de educação de alguns nãoconhecerem aquilo de que é preciso buscar uma demonstração e isto de que não é preciso.Pois é impossível uma demonstração total de todas as coisas (que assim correria ao infinito,de modo que nem assim haveria demonstração), além do mais, se de certas coisas não épreciso buscar demonstração, não poderiam apresentar um princípio que julgassem precisarmenos do que esse. Há porém como demonstrar, por refutação, até este princípio acerca doque é impossível. Basta que o contraditor diga algo, se no entanto nada diz é ridículo trocarpalavra com quem mantém um discurso de nada, pois enquanto não tem discurso algum,este que assim age mais se assemelha a uma planta. Digo que o demonstrar por refutaçãodifere do simples demonstrar porque, de um lado, aquele que vai demonstrando pareceriarequisitar para si em princípio o próprio princípio de não-contradição, porém, por outrolado, em acusando a requisição no adversário, haveria então refutação e não demonstração.O princípio, em relação a todos esses casos, não é o juízo em que se diz que algo é ou não é(pois isto logo alguém sustentaria ser a petição de princípio), mas o ponto de partida deve

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ser ao menos significar algo, tanto para si quanto para outrem: pois isto é necessário caso sediga algo. Porque, se não fosse assim, não haveria um discurso, nem para o próprio emrelação a si nem em relação a um outro. Porém, se alguém conceder isso, haverádemonstração: pois já haverá algo determinado. Mas assim o responsável não será quemdemonstra, mas quem dele se defende: pois destruindo um discurso defende um discurso.

[Além do mais, quem conceder isto já concedeu que algo é verdadeiro independentementede demonstração, de modo que não se manteria que tudo é tanto assim como não assim.]

Em primeiro lugar, é manifestamente verdadeiro que o nome significa o ente ou o não ente,de modo que não ficaria sendo assim e não assim. Então, se "homem" significa umaunidade, digamos: "animal bípede", entendo significar a unidade o seguinte: se por "isto"está "homem", desde que "um homem" seja isto, isto é para o homem seu "ser". Nada mudanem mesmo se alguém disser que este significa mais coisas,

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basta que seja determinado, pois poderia ser estabelecido para cada significado um nomediferente (como, por exemplo, se alguém não dissesse que "homem" significa uma únicacoisa, mas muitas, dentre as quais uma delas teria como único significado "animal bípede",ainda existiriam várias outras, porém limitadas em número, e ao significado de cada uma seestabeleceria um nome particular) caso não se estabelecesse mas se afirmasse que significaum conjunto de coisas ilimitadas, é claro que não haveria significado algum: pois que nãosignificar uma coisa única é nada significar. E, sem a significação dos nomes, fica abolida aação de dialogar uns com os outros e, na verdade, também consigo mesmo: pois nada épossível pensar, quando nada se pensa de único, e se for possível pensar algo, para estarealidade única já se estabeleceria um nome.

Seja, pois, tal como se disse desde o começo, que o nome, em significando algo, significaalgo de uno. E assim, não é possível que o ser de "homem" signifique o mesmo que o quenão é o ser de "homem", se o nome "homem" significa não um atributo apenas de algoúnico mas também algo único. Por isso não consideramos que o atributo de algo únicosignifique esse tal um, uma vez que, deste modo, os nomes "músico" e "branco" e "homem"significariam uma só coisa, de tal forma que seriam todos um só, pois seriam sinônimos. Enão será o mesmo "ser" e "não ser" senão pela relação de homonímia: como se o que nósestamos chamando de "homem" outros chamassem de "não homem". Mas o impasse nãoconsiste em se é possível que o mesmo simultaneamente seja e não seja "homem" quantoao nome, mas sim quanto ao real. Ao contrário, se "homem" e "não homem" não significamalgo de diferente, é evidente que também o que não é o ser de "homem" não significaráalgo diferente do que é o ser de "homem", de sorte que o que é ser de "homem" será o quenão é ser de "homem": pois será uma coisa só; pois isso é o que significa ser uma só coisa,tal como "traje" e "roupa", se o significado é um só. Mas se forem uma só coisa, uma sócoisa significará o ser de "homem" e o de "não homem". Mas já havia sido demonstradoque significam algo diferente. É necessário portanto que, sendo verdadeiro dizer de algoque é homem, este algo seja um "animal bípede" (pois era isto o que significava o nome"homem"). Se isto é necessário, não é possível que esta mesma coisa não seja, neste caso,

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um animal bípede (pois isso é o que significa "ser necessário": o fato de ser impossível nãoser homem); logo, não é possível dizer que seja simultaneamente verdadeiro esta mesmacoisa ser não ser homem. Mas o mesmo

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argumento também se aplica ao "não ser homem": pois o "ser de homem" e o "ser de nãohomem" significam outra coisa, ainda que também o "ser branco" e o "ser de homem"sejam outros; porque aqueles se opõem muito mais, já que significam uma outra coisa. Masse, por outro lado, disser que o branco significa a mesma e única coisa, voltaríamos àmesma questão anteriormente dita: que tudo seria um e não somente os contrários. Se, poroutro lado, isto não for possível, coincide-se com o que já foi dito, caso responda ao que foiperguntado. Mas se acrescentar também as negações, não responderá à pergunta. Pois nadaimpede que a mesma coisa seja tanto "homem" quanto "branco" quanto outras tantasmilhares de coisas; mas, de modo semelhante, para alguém que pergunte se é verdadeirodizer que este algo é homem ou não, se deve responder significando uma única coisa e nãose deve acrescentar que também é branco e grande. Pois que, de fato, é impossível percorrernos entes os seus ilimitados coincidentes; portanto, ou percorremos todos ou nenhum. Domesmo modo pois, ainda que milhares de vezes a mesma coisa seja "homem" e "nãohomem", não se deve responder à quem pergunta "se isso é homem" que isso ésimultaneamente também "não homem", a menos que também, para tudo o mais quantocoincidiu, deva responder todo o que tal coisa é ou não é; mas se fizer isto, não dialogamais. Os que dizem isso destroem inteiramente a entidade e nisto o que-havia-de-ser. Pois,é necessário para eles afirmar que tudo é coincidente e que não existe aquilo queprecisamente seria, para o homem e para o animal, o seu ser. Se houver algo queprecisamente seja o ser de homem, isso não será o ser de "não homem" nem o "não ser" dehomem (ainda que essas sejam negações disso); pois, o que significava o seu ser era uma sócoisa, e isto era a entidade deste algo. E significar a entidade é, em tal coisa, o que é o ser, enão algo diferente. Mas se for significado para um mesmo algo o que é o ser de "homem"ou o ser de "não homem" ou o não ser de "homem", aquele, então, será outro que si mesmo,de modo que será necessário, para eles, dizer que este seria um discurso sobre coisanenhuma, e que, ao invés, tudo seria apenas enquanto coincidente; pois assim foramdistinguidos a entidade e o coincidente, pois o branco coincide no homem porque, de umlado, este é o branco mas não o que é o branco. Mas se todas as coisas forem ditas porrelação coincidente, o universal primeiro será coisa nenhuma, caso o predicado sempresignifique o coincidente de algum sujeito.

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Assim seria necessário prosseguir indefinidamente, o que, no entanto, é impossível, poisnão se acoplam nem mesmo mais do que dois, uma vez que o coincidente não é coincidentede um coincidente, a não ser quando ambos coincidem sobre um mesmo. Como, porexemplo, quando o branco é músico e este também é branco, porque ambos coincidemsobre o homem. Mas não é deste modo que Sócrates é músico, isto é: como se amboscoincidissem em um mesmo. Uma vez que os coincidentes efetivamente são ditos, ora deste

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modo, ora daquele; enquanto ditos assim, por exemplo, como o branco para Sócrates, nãopodem ascender infinitamente, como se ao Sócrates branco se acrescentasse um outrocoincidente; pois de todos os coincidentes não se gera unidade alguma. Nem ainda serácoincidente ao "branco" algo outro como, por exemplo, o músico; pois nem coincidiu maiseste àquele do que aquele a este, como também foi simultaneamente determinado que oracoincidiu assim, ora como o músico para Sócrates: mas, desta maneira, não há umcoincidente que coincidiu em um coincidente, mas somente daquela outra maneira; vistoque nem todas as coisas serão ditas como coincidentes. Neste caso, pois, haverá tambémalgo que significa uma entidade. Mas se é assim, fica apontado que é impossível oscontrários serem predicados simultaneamente. Além disso, se todos os contrários de umamesma coisa forem simultaneamente verdadeiros, é evidente que todas as coisas serão uma.Pois o mesmo será tanto uma trirreme quanto um muro e um homem, caso seja possívelafirmar ou negar algo de tudo, tal como é necessário para aqueles que proferem o discursode Protágoras. Pois, se, para alguém, o homem parece não ser uma trirreme, claro que não éuma trirreme, visto que também é, desde que a contraditória seja verdadeira. Então, de fato,ocorre o que diz Anaxágoras, "todas as coisas junto", de modo que não subsiste nadaverdadeiramente uno. Parecem, pois, dizer o indefinido, e, pensando dizer o ente, falamacerca do não ente pois o indefinido é o ente em potência, i.e., não consumado. Aindaassim, do conjunto de todas as coisas eles precisam expressar seja a afirmação, seja anegação, pois é descabido que a negação de si mesmo subsista, e não subsista a negação deoutra coisa. Digo por exemplo que, se é verdadeiro dizer que o homem é um não-homem, éevidente que é verdadeiro dizer que é uma trirreme. Se, de fato, há afirmação de algo, énecessário também dizer a sua negação, mas se não lhe cabe a afirmação então ao menos anegação lhe caberá bem mais do que não lhe caberia a negação de si mesmo.

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Se, de fato, lhe cabe aquela negação, caberá também a de trirreme; ora, se cabe estanegação de trirreme, então cabe a afirmação. Estas palavras também coincidem com os quedizem este discurso, que nem é necessário seja afirmar seja negar. Pois se é verdadeirodizer que algo é um homem e um não-homem evidentemente que também não será nemhomem nem não-homem. Pois às duas afirmações correspondem duas negações, mas seuma das duas proposições é aquele primeiro par, a outra seria este par que lhe é oposto.Além disso, certamente, ou é assim para todas as coisas, e existe algo tanto branco quantonão branco, e também sendo e não sendo, como de modo semelhante, para as outrasafirmações e negações; ou bem não é assim para todas, mas para umas sim, para outras não.E se para nem todas for assim, estas que assim não forem estariam concordando com oprincípio; mas se for assim para todas, então novamente com certeza de todas quantoafirmar, tantas também há de negar e de tantas quanto negar tantas também há de afirmar,ou então, por um lado, daquilo que afirmar também há de negar, mas de tantas quantonegar, dessas nem todas há de afirmar. E se assim for, haveria algo que com certeza não é, eesta será uma opinião segura, e se o não ser for algo seguro e cognoscível, mais cognoscívelainda seria a afirmação oposta; mas se, de modo semelhante, também se pode afirmar o quequer que se pode negar, então é necessário, ou bem dizer o verdadeiro em expressõesseparadas como, por exemplo, "que algo é branco" e outra vez "que é não branco", ou bemnão. E se, por um lado, o dizer não é verdadeiro quando se diz expressões separadas, então

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não se as diz e assim também não existe nada (mas, por outro lado, estas coisas que nãosão, como poderiam balbuciar ou caminhar?). E tudo ademais seria um, como foi dito antes,e será o mesmo e homem e deus e trirreme e seus contrários; se assim for para cada coisa,nada distinguirá uma coisa de outra; pois, se houver esta distinção, isto é o que será overdadeiro e próprio de cada uma. Do mesmo modo, se também é possível dizer verdadeem afirmações e negações separadas, volta-se, além do mais, ao que se disse, que todosdiriam verdade e todos mentiriam; e este mesmo que diz isto concorda que se engana. Aomesmo tempo, é claro que, em vista disto, a afirmação é sobre nada, pois nada se diz. Pois,deste modo, nem diz assim nem não assim, mas diz assim como também não assim e, emsentido inverso, então nega ambos, dizendo que "nem assim nem não assim", pois, se não,de pronto algo já seria definido. Se, ainda, quando a declaração for verdadeira, a negação éfalsa, tanto quanto, quando esta for verdadeira, a afirmação falsa, não será possível dizer erefutar a mesma coisa, ao mesmo tempo, de modo verdadeiro.

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Mas, poder-se-ia igualmente dizer que isto é o que se está supondo desde o princípio.Todavia, será que enganou-se quem sustenta que algo ou bem esteja assim ou não esteja,enquanto aquele que sustenta ambos diz a verdade? Pois, se diz verdade, o que se estariadizendo com "esta é a natureza dos entes"? Porém, se não diz verdade, mas antes, dizverdade o que sustenta daquele outro modo, já se manteriam os entes de um certo modo, eisto seria verdadeiro, e não seria simultaneamente algo também não verdadeiro. Mas se, domesmo modo, todos estão tanto enganados quanto dizendo verdadeiro, não é possível paraeste nem balbuciar nem falar, pois ele diz serem simultaneamente isso e não isso. Ainda, senada sustenta, mas crê como do mesmo modo não crê, o que o diferenciaria das plantas?Donde, nada é mais manifesto de que ninguém se dispõe assim, nem entre os que dizem taldiscurso, nem entre os outros. Por que caminha, pois, para Megara mas não fica a repousar,quando crê caminhar? E por que ventura não caminha desde a aurora, direto para um poçoou precipício mas, ao invés, mostra-se precavido, como quem não considera o despencarser tão semelhantemente bom quanto não bom? Fica evidente então que ele admite haver,de um lado, o "melhor", de outro, o "não melhor". Mas se é assim, admite tambémnecessariamente, de um lado, haver homem e, de outro, não-homem como também, de umlado o doce e, de outro, o não-doce; pois quando, ao considerar ser melhor o beber água ever um homem, logo em seguida busca estas coisas, não busca e supõe indiferentementetodas as coisas; como, em verdade, seria de fato preciso, se o mesmo fosse de modosemelhante tanto homem quanto não-homem. Mas, como foi dito, não há ninguém que nãose mostre precavido quanto a umas coisas e quanto a outra não; visto que, como parece,todos admitem, se não acerca de todas as coisas, pelo menos acerca do melhor e do pior,que estes tem um modo simples de ser. Porém, se não estão sabendo, mas opinando, muitomais preocupado se deveria estar com a verdade, assim como quem está doente preocupa-semais com a saúde do quem está saudável; pois aquele que opina, frente a quem tem ciência,não esta higidamente disposto ante a verdade. Além do que, se é mais verdadeiro que tudoseja "assim" e " não assim", há, todavia, na natureza dos entes o "mais" e o "menos", poisnão diríamos do mesmo modo que é par o "dois" e o "três", nem engana-se do mesmomodo, quem acredita que é cinco o quatro, como quem acredita que é mil. Se de fato, não

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se enganam do mesmo modo, é evidente que um dos dois se engana menos, de modo quediz mais verdade.

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Se de fato o "mais" é mais próximo, haveria então algo verdadeiro do qual o maisverdadeiro está mais próximo. E se não há, contudo já existe algo mais firme e maisverdadeiro, estaríamos dispensados deste discurso destemperado e que impede que algoseja determinado pelo pensamento.

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E também o discurso de Protágoras é proveniente da mesma opinião, e é necessáriosemelhantemente que estes dois ou sejam ou não sejam; assim, se todas as opiniões sãoverdadeiras, como são verdadeiras as coisas manifestas, é necessário que tudo sejasimultaneamente verdadeiro e falso, pois muitos sustentam coisas contrárias, uns frente aosoutros, e consideram estarem enganados aqueles que não opinam o mesmo que elespróprios; de modo que é necessário que o mesmo seja e também não seja, e se é assim, énecessário que as opiniões sejam todas verdadeiras, pois opinam coisa contrárias uns frenteaos outros, os que se enganam e os que dizem verdade; com efeito, se os entes secomportam assim, todos dirão verdade. Porque, sem dúvida, de um lado, é evidente queambos os discursos são provenientes do mesmo pensamento, porém, de outro lado, nãocabe o mesmo modo de abordagem para todos; pois uns devem ser enfrentados compersuasão e outros com coerção. Pois, de um lado, é fácil de curar a ignorância de quantosem perplexidade assim admitiram: pois a refutação destes não é contra o discurso mascontra o seu pensamento. Quanto aos que, por outro lado, falam pela graça do discurso, suacura é a refutação do discurso que está na voz como também nos nomes.