Aristotelismo No Século XX

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Aristóteles foi um importante personagem da história, descubra seus feitos lendo este texto.

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Aristotelismo no Sculo XX

Aristotelismo no Sculo XX

Fernando Santoro

Universidade Federal do Rio de Janeiro

Aristteles sem dvida um dos filsofos mais presentes no sc. XX, seja pelas profundas transformaes ocorridas nos estudos de suas obras e na interpretao de seu pensamento, seja pela influncia direta na formao e discusso das principais correntes de filosofia contemporneas, entre as quais a fenomenologia, a filosofia analtica, o pragmatismo, o neotomismo e a nova retrica, para citar apenas algumas das correntes onde as fontes aristotlicas das questes e dos mtodos so evidentes.

Do sc. XVII at o sc. XVIII, o pensamento de Aristteles havia sido interpretado pela Segunda Escolstica Tomista, a base filosfica da Contra-Reforma, dentro de um sistema de questes e respostas em que o filsofo tornara-se um dos pilares da filosofia crist e do ensino universitrio europeu mas tambm o alvo predileto da filosofia moderna que se pretendia no dogmtica. O Iluminismo, a Nova Cincia, a Filosofia Crtica s salvavam em Aristteles a sua lgica. No Brasil esta influncia exerceu-se por vias jesuticas sobre a formao da maioria dos cursos de filosofia (segundo um programa denominado Ratio Studiorum) at o sc. XX, inclusive na fundao da Universidade do Brasil. Tratava-se de um Aristteles latinizado, cujas expresses traduzidas em conceitos chaves marcaram os principais problemas da metafsica: as quatro causas, a substncia, a equivocidade e analogia do ser, a filosofia primeira entendida como teologia etc.

A partir do final do sc. XIX, na Alemanha, Aristteles comea a ser estudado fora do contexto catlico-tomista, e menos intermediado pelo latim. Para isto contriburam a edio de suas obras completas por I. Bekker e todo o empenho da cincia filolgica e do esprito helenizante do Idealismo Alemo. J Hegel observava um carter mais especulativo e menos dogmtico nos textos do Filsofo, nas suas Prelees sobre a histria da Filosofia (1805-1830). Uma polmica entre o filsofo de inspirao escolstica Franz Brentano e o fillogo e historiador da filosofia Eduard Zeller, que contestava a atribuio a Aristteles das teses da criao e imortalidade pessoal da alma, um dos exemplos que marcaro o despertar das discusses interpretativas do aristotelismo no sc. XX.

Revirando as bases da interpretao escolar, A obra de Werner Jaeger de 1923, Aristteles: bases para a histria do seu desenvolvimento intelectual, minar a idia mesma de um sistema dogmtico fechado, abrindo as vias para o redimensionamento de todas as principais questes do Filsofo, posto que se provava uma transformao das suas concepes ao longo de diversos momentos de investigao, interpretados segundo uma proximidade maior ou menor da teoria platnica das idias. Destaca-se nesta via o trabalho de P. Aubenque, O problema do ser em Aristteles (1962), que levanta a tese de as investigaes ontolgicas dos livros da Metafsica serem essencialmente aporemticas, desenvolvendo e aprofundando as questes fundamentais da plurivocidade do ser e da determinaco de um primado do ente como ente sem alcanar respostas conclusivas, ficando muito longe de uma doutrina completa e de um sistema integrador de todos os campos de investigao do real.

Outra referncia nas transformaes dos estudos aristotlicos passa a ser o problema da determinao de uma metodologia Aristotlica, a partir da obra de Jean Marie Le Blond, Lgica e mtodo em Aristteles, de 1939. A obra acendeu nova polmica com a perspectiva tradicional, representada por A. Mansion, de Louvain, por separar os diversos mtodos de investigao nos diferentes domnios dos escritos do Filsofo (ticos, fsicos, biolgicos etc.) problematizando a perspectiva que se tinha at ento de uma exclusividade dos mtodos cientficos indutivo e dedutivo, tais como foram expostos nas obras : Primeiros Anliticos e Segundos Analticos, do Organon. De grande importncia para estes estudos foram os Simpsios Aristotlicos, iniciados em Oxford por I. Dring, em 1957; principalmente a partir do segundo em 1960, com o tema "Aristteles e os problemas de Mtodo" em Louvain (tradicional centro de estudos neotomistas), onde foram apresentadas duas clebres conferncias: "Sobre a noo aristotlica de aporia" de P. Aubenque e "Tithenai ta phainomena (estabelecer o que se mostra)" de G.E.L. Owen, estudiosos oriundos de duas das grandes correntes de filosofia no sc. XX, a fenomenologia e a filosofia analtica da linguagem.

Vale lembrar que os estudos sobre a Metafsica, principalmente a partir da obra de F. Brentano : Das diversas determinaes do ente em Aristteles (1862), esto na origem da Fenomenologia de Husserl e no projeto de Heidegger para uma ontologia como desconstruo da mtafsica, onde decisiva sua interpretao da teoria aristotlica da verdade em Ser e Tempo (1927), 44 e em Da essncia da Verdade (1943) buscando o fundamento da noo tradicional de adequao na livre manifestao prvia da coisa mesma, em seu aparecer como fenmeno.

Por outro lado, os estudos sobre racionalidade e linguagem do Estagirita influenciaram decisivamente o desenvolvimento das investigaes acerca da linguagem ordinria empreendidas pelos alunos oxonianos de Wittgenstein, sobretudo no campo da semntica e da pragmtica: principalmente Austin, com sua teoria dos atos de fala, inspirada na Retrica de Aristteles, cujos discpulos mantm a tradio anglo-saxnica de estudos peripatticos : G.E.L. Owen, J. Ackrill, J. Barnes ; tambm um oxoniano aristotlico Ryle, o impulsionador das investigaes filosficas da mente (cf. O conceito de mente, 1949), entre outros : Strawson, Kripke etc. Igualmente importante no campo da lgica simblica a reinterpretao da teoria dos silogismos feita por Lukasiewicz em A silogstica de Aristteles do ponto de vista da moderna lgica formal (1951) e toda a problematizao da lgica modal, do silogismo prtico e da intencionalidade retomada por E. Anscombe, em Inteno (1957).

Tambm inspirada pelas obras do Filsofo foi toda a retomada das investigaes ticas e da filosofia prtica nos anos 60 e 70, sobretudo nas discusses suscitadas pelo no-pragmatismo norte-americano, sob influncia das teorias crticas da sociedade formuladas na escola de Frankfurt. Fazem parte desta tendncia, na Alemanha, filsofos como K. O. Apel (Transformao da Filosofia, 1973) e J. Habermas (Teoria do agir comunicativo, 1981), e tambm filsofos de linhagem hermenutico-fenomenolgica como H. Gadamer (Verdade e Mtodo, 1960) e H. Arendt (A Condio humana, 1958), que trabalharam especialmente a tica do discurso. Do lado anglo-americano temos: A. McIntyre (Depois da Virtude, 1981) contrapondo-se teoria poltica de Rawls, o economista A. Sen (Igualdade de qu?, 1982) e H. Jonas, que trata dos recentes problemas com o meio ambiente, entre os pragmatistas que defendem posies da tica aristotlica.

Mais preocupados com o funcionamento da efetividade mesma do discurso do que com seus efeitos tico-polticos tambm temos a nova abordagem da Retrica e dos Tpicos de Aristteles pela Nova Retrica de C. Perelman (Tratado da Argumentao, 1958) e, entre os alunos de Aubenque, as anlises das estratgias argumentativas de fundao da verdade na linguagem, do ponto de vista de uma disputa sofstica pela consolidao da palavra como sentido, por M. Narcy e B. Cassin (A deciso do sentido, O livro Gamma da Metafsica de Aristteles, 1989).

Por ltimo, preciso lembrar que a hegemonia da interpretao no-tomista foi abalada mas os centros de filosofia de Louvain, e das Universidades Italianas continuam produzindo poderosos filsofos e historiadores da filosofia sempre afiados no conhecimento e na reflexo dos pensamentos aristotlicos e de suas interpretaes contemporneas. Entre eles, L. Couloubaritsis, que trouxe de volta cena filosfica a Fsica de Aristteles; G. Reale, um dos maiores pensadores contemporneos da histria da filosofia antiga e o tambm historiador da filosofia E. Berti, (As Razes de Aristteles, 1989).

Bibliografia:

BERTI, Enrico, Aristteles no sculo XX, trad. D. Macedo, So Paulo, Loyola, 1997.

REALE, Giovanni, Introduzione a Aristotele, Roma, Laterza, 1974

AUBENQUE, Pierre, BRUNSCHWIG, Jacques, tudes aristoteliciennes, Paris, Vrin, 1985.