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35 Artigos MISTICA E PROfECIA UM ESTILO DE VIDA E “NOVOS AREÓPAGOS” Ciro Garcia, OCD * “Que bom eu saber que a fonte emana e corre, ainda que seja noite” (São João da Cruz) RESUMO: Mística e profecia constituem uma descoberta gozosa das fontes da salvação para a da vida consagrada. Elas são uma experiência baseada na fé, que se alimenta visceralmente de Deus. Os religiosos são chamados a recriar o carisma místico-profético na Igreja, através da experiência viva, concreta de Deus e sua Palavra, numa espiritualidade contemporânea, que assinala a urgência desse testemunho, sobretudo em novos areópagos que aparecem para e na vida consagrada. O inseparável binômio se torna testemunho porque importa no seguimento afirmativo de Jesus, o apaixonado por Deus e pela humanidade. A mística aponta para alguns areópagos concretos (vivencia pessoal da fé, escuta da Palavra, experiência de Deus), enquanto a profecia se faz em outro estilo ( desde de uma situação de exílio, capaz de criar comunhão, humanizar, descobrir a sabedoria dos pequenos sinais). E por consequência a VC se torna uma canção de almas enamoradas do Senhor. PALAVRAS CHAVE: Mística. Profecia. Experiência de Deus. Escuta da Palavra. Consagração humanização. Areópago. ABSTRACT: Mystic and prophecy, a non-separable binomial of the consecrated life (CL) constitute a joyful discovery of the sources of the salvation. They are an experience based on the faith, which viscerally itself of God. The religious ones are required to recreate the mystic-predictive charisma in the Church, through the alive experience, certain of God and his Word, in a contemporary spirituality, which designates the urgency of this certification, over all in new areopagus that appear for and in the consecrated life. The Non-separable binomial becomes a testimonial because it matters in the affirmative pursuit of Jesus, the passionate one for God and humanity. The mystic indicates to some sure aeropagus (personal existence of the faith, listening of the Word, God’s experience), while the prophecy is made in another style (ever since a exile situation, capable to create communion, in order to humanize, to discover the wisdom of small signals). The consequence is that the CL becomes a song of the Lord’s enamored souls. KEYWORDS: Mystic. Prophecy. Experience of God. Listening of the Word. Consecration humanization. Areopagus. * Professor de Teologia Dogmática e Antropologia na faculdade de Teologia do Norte da Espanha,Sede de Burgos. Lecionou em Roma, Madrid, México, haifa e honduras.

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Artigos

MISTICA E PROfECIA UM ESTILO DE VIDA E “NOVOS AREÓPAGOS”

Ciro Garcia, OCD *

“Que bom eu saber que a fonte emana e corre, ainda que seja noite” (São João da Cruz)

RESUMO: Mística e profecia constituem uma descoberta gozosa das fontes da salvação para a da vida consagrada. Elas são uma experiência baseada na fé, que se alimenta visceralmente de Deus. Os religiosos são chamados a recriar o carisma místico-profético na Igreja, através da experiência viva, concreta de Deus e sua Palavra, numa espiritualidade contemporânea, que assinala a urgência desse testemunho, sobretudo em novos areópagos que aparecem para e na vida consagrada. O inseparável binômio se torna testemunho porque importa no seguimento afirmativo de Jesus, o apaixonado por Deus e pela humanidade. A mística aponta para alguns areópagos concretos (vivencia pessoal da fé, escuta da Palavra, experiência de Deus), enquanto a profecia se faz em outro estilo ( desde de uma situação de exílio, capaz de criar comunhão, humanizar, descobrir a sabedoria dos pequenos sinais). E por consequência a VC se torna uma canção de almas enamoradas do Senhor.

PALAVRAS CHAVE: Mística. Profecia. Experiência de Deus. Escuta da Palavra. Consagração humanização. Areópago.

ABSTRACT: Mystic and prophecy, a non-separable binomial of the consecrated life (CL) constitute a joyful discovery of the sources of the salvation. They are an experience based on the faith, which viscerally itself of God. The religious ones are required to recreate the mystic-predictive charisma in the Church, through the alive experience, certain of God and his Word, in a contemporary spirituality, which designates the urgency of this certification, over all in new areopagus that appear for and in the consecrated life. The Non-separable binomial becomes a testimonial because it matters in the affirmative pursuit of Jesus, the passionate one for God and humanity. The mystic indicates to some sure aeropagus (personal existence of the faith, listening of the Word, God’s experience), while the prophecy is made in another style (ever since a exile situation, capable to create communion, in order to humanize, to discover the wisdom of small signals). The consequence is that the CL becomes a song of the Lord’s enamored souls.

KEYWORDS: Mystic. Prophecy. Experience of God. Listening of the Word. Consecration humanization. Areopagus.

* Professor de Teologia Dogmática e Antropologia na faculdade de Teologia do Norte da Espanha,Sede de Burgos. Lecionou em Roma, Madrid, México, haifa e honduras.

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InTRODUçãO

• “Que bom eu saber que a fonte que emana e corre...”

O maior dom, o presente mais precioso que o Senhor pode dar à vida consagrada e a cada religioso, é fazer-lhes provar (fazer gostar) essa fonte secreta de água viva -»coisa tão bonita que o céu e a terra bebem dela»-, beber e cantar seu rico caudal - «caudalosas correntes que regam infernos, céus e gentes» - e saciar a sede das criaturas - «as criaturas que aqui são chamadas e fartam desta água, embora no escuro». foi isto que aconteceu na vida de frei João da Cruz, místico, cantor e profeta, que se delicia ao conhecer os mistérios da fé (fonte), que irrompem na história como um torrente (Cristo) e inundam toda a vida (céu e terra). Esta irrupção é como a dos rios abertos no deserto anunciados pelo profeta (cf. Is 43,19), que fazem a reverdejar a terra e dão frutos abundantes (cf. Ez 47, 8-9).

Assim experimentou e cantou João da Cruz sua fé em Deus, enquanto esteve perseguido, marginalizado e preso no calabouço mais sombrio da prisão de Toledo (novembro de 1577- agosto de1578). Ali num lugar escuro e tenebroso, nasceu o poema da fonte, cheio de vida, de luz e de cor, que canta sua experiência de conhecer a Deus na fé, superando a hostilidade, a escuridão e até mesmo a morte.. Penso isto como uma parábola para a vida consagrada, enraizada nas fontes da salvação, como a fonte escondida, como manancial secreto, cujas águas torrenciais são chamadas a fecundar nossas planicies ressequidas e nossos desertos estéreis, fazendo germinar neles a vida, florescer as plantas e amadurecer os frutos para a vida do mundo. E isto, ainda que seja noite e trevas se adensen e asdificuldades se avolumem.

Não é outro não é o significado que inclui a experiência mística e profética da vida consagrada. É a descoberta gozosa das fontes da salvação, a descoberta do tesouro escondido, o encontro com Cristo e o anúncio profético do seu Reino. Mística e profecia são acima de tudo uma experiência que vamos tentar descrever não tanto teologicamente quanto existencialmente.

Neste sentido é que vamos abordar os novos areópagos da mística e da profecia:

a) são uma experiência baseada na fé, alimentada pela Palavra, que descobre Deus em meio à vida e se sente a urgência de testemunhá- la (areópago do mística);

b) são igualmente o anúncio a partir de uma situação de exílio (noite), que cria comunhão, que humaniza através de pequenos sinais e do serviço da caridade (areópago da profecia).

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Tudo isso prorrompe num canto de louvor, que faz sua «as alegrias e

esperanças» da família humana e profeticamente recria a vida consagrada.

• Chamados para ser profetas e místicos

Todos os nossos fundadores e co-fundadores eram místicos e profetas.

Somos chamados a recriar seu carisma místico-profético na Igreja. Sem místicos e

profetas a vida consagrada não tem futuro. Mística e profecia são duas vertentes

essenciais de toda identidade religiosa, da vida cristã e da vida consagrada,

estreitamente relacionadas. A primeira se projeta mais diretamente rumo à união

com Deus; a segunda concentra-se mais imediatamente no cumprimento de sua

vontade aqui e agora. Só uma sábia combinação de uma e outra pode forjar uma

identidade religiosa genuína de Deus e o ser humano. Não há autêntica nística se

não desemboca a um compromisso ético e profético; nem é concebível em uma

profecia que não se alimenta num relacionamento profundo com o divino1.

Todo homen-toda mulher, todo consagrado-toda consagrada, estão

chamados a ser místicos e profetas, ou seja, ter uma experiência de Deus e sua

Palavra, que hão de transmitir; ambos também são chamados a comprometer-se

com a história da Igreja e do seu tempo. O verdadeiro caminho, portanto, reside

na conjugação destas duas identidades: não tanto ser místico “ou” ser um profeta,

mas ser místico ”e” profeta.

Partindo pois deste pressuposto e da própria experiência pessoal:

1) iremos desenvolver cada uma das duas identidades religiosas como duas

identidadesbásicas daexperiênciacristã, observandoaomesmotempoadinâmica

das relações entre elas; 2) descreveremos brevemente o ressurgir da mística e

profética da espiritualidade contemporânea; 3) realçaremos sua incidência

na vida consagrada, na sua dupla dimensão mística e profética, assinalando a

urgência do testemunho místico e profético na igreja atual; 4) indicaremos, por

fim, alguns os novos areópagos da mística e da profecia que aparecem no cenário

da vida consagrada.

1. DUAS exPeRIênCIAS báSICAS DA VIDA CRISTã

Mística e profecia são duas experiências, duas realidades fundamentais da

vida cristã, porque elas respondem a duas dimensões essenciais da revelação de

Deus ao homem e a duas dimensões essenciais também pelas quais o ser humano

1 Ultimamente muito se tem escrito sobre o assunto. Remetemos à bibliografia final.

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entra em relação com Deus. Do ponto de vista bíblico estas duas dimensões são expressas pelos termos Ruah (espírito) e Dabar (palavra)2.

Mística e profecia não são identidades religiosas estáticas, mas dinâmicas. Isso significa que elas ocorrem dentro de um processo religioso de maturação e purificação da pessoa (as noites de São João da Cruz), resultado de uma história complexa de identificações, caracterizado por este empenho pessoal de dar plenitude e sentido à própria existencia. No horizonte místico, esta plenitude só se alcança no encontro com Deus (a união mística), que é o desejo mais profundo do ser humano (cf. GS 19): «se a alma procura Deus, muito mais o olhar do seu amado se volta para ela» (Llama de amor viva 3.28).

Costuma-se dizer que todos nós carregamos dentro de nós um místico( e um profeta), como todos nós um pequeno buda, que encarna as necessidades e os desejos mais profundos, que busca o sentido da vida, que aspira por um futuro de mudança e novidade e pela realização utópica final. Se isso for verdade antropológica e religiosamente falando, muito mais o é desde o ponto de vista da fé cristã e da vida consagrada. Na verdade, o cristianismo é primordialmente uma mística, e não um código de ético ou moral; é a mística do seguimento de Jesus e a configuração batismal com ele. Da mesma forma, a vida consagrada é uma mística e uma profecia; é essencialmente uma consagração a Cristo (mística) e anúncio da boa nova (profecia).

1.1. A experiência mística

A experiência mística, qualquer que seja sua expressão, parece ter como principal objetivo a busca de uma união que rompe os limites do Eu e, assim, mergulha em uma realidade vivida como plenificante, que é a união mística. Experiência mística é essencialmente pati divini, isto é, experiri a presença de Deus e “sofrer”, “sentir” acolher sua ação transformadora em nós; é portanto, vínculo, relação, «olhar amoroso», contato amoroso com uma realidade imensamente valorizada e concebida como o centro secreto mais íntimo da existência e como fonte permanente da mesma, que faz o mísitico exclamar: «Oh chama de amor viva / que com ternura feres / minha alma no centro mais profundo!» (São João Cruz, Llama de amor viva).

2 Ruah (feminino) faz o ser humano tornar-se participante da realidade de Deus e tende à união com Ele. Dabar (masculino) estabelece o diálogo entre Deus e os seres humanos, respeitando a distância. Daqui pro- vém a seguinte articulação entre mística e profecia, segundo Carlos Domínguez:“mística e profecia, espírito que une e palavra que assume a distância, aparecem como dois modos básicos que têm necessariamente de articular-se para configurar a identidade religiosa, tanto como uma a identidade de relação, como de uma ‘religação’ em comunhão (espírito) e diálogo (palavra) entre o humano e o divino. Nesse encontro e religação, Ruah que não desemboca em Dabar, a mística que não incorpora a dimensão profética, facilmen- te deriva em pura subjetividade, numa dinâmica de regressão, em puro extravío… “Por sua vez, Dabar, a palavra profética como palavra ouvida e transmitidos, dificilmente poderia chegar a estabelecer-se de modo autentico se não está fortificada pela Ruah, o espírito que impulsiona e olha para o encontro e a união”. CAR- LOS DOMÍNGUEZ MORANO. Místicos y profetas: dos entidades religiosas, 48 Proyección 48 (2001) p. 357.

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A experiência mística vai além do conhecimento conceitual; não se aprende lendo ou pensando, mas vivendo e sentindo. São João dla Cruz fala do “saber por experiência” frente ao “saber por ciencia” (Cântico espiritual, Pról. 3). Sua realidade fundante é a experiência amorosa de Deus, a quem João da Cruz chamada “mãe nutritiva”3. A primeira preocupação de uma mãe para com o filho são“necessidades”, não seus“deveres”. Perante este Deus do amor, a única resposta sadia e madura é aprender a amar a deixar-se amar e deixar-se curar as feridas.

Esta atitude se manifesta em um particular estado de consciência de confiança e abandono na realidade crida e amada de Deus, na qual não somente joga papel decisivo a graça mas também psicologia pessoal de cada um e sua própria condição de homem ou mulher. Diz-se que as mulheres têm maior predisposição para o místico e os homens para a profecia. «A mãe cria vida, o pai a história» (G. Van der Leuw). Embora os componentes místico-proféticos ocorram tanto entre as mulheres quanto os homens, historicamente as atitudes e comportamentos proféticos mais estreitamente estão ligados aos componentes masculinos da personalidade: direito, requisito, denúncia e castigo...

1.2. A experiência profética

Assim como a vivencia mistica se caracteriza pela experiência da presença envolvente do outro, a vivencia profética caracteriza-se por ouvir a palavra que vem da divindade e que o profeta se vê forçado, frequentemente mesmo com relutância, a transmitir. O profeta é o porta-voz de uma mensagem divina; a divindade irrompe nele, não tanto para se comunicar em sua intimidade, quanto para fazê-lo dizer sua palavra salvífica. A palavra ouvida e transmitida sempre envolve a exigência de uma ação transformadora na história, com o ouvido no coração de Deus e a mão sobre o pulso da história e os olhos nEle (cf. Subida 2,22).

O espaço simbólico da identidade profética não serão espaço intimo e interior da céla, como no caso da experiência mística. Seu espaço paradigmático será o da praça, onde acontece a vida social, nesta rede de relações interpessoais tecidas pela vida política, económica e cultural.

Mas a dinâmica do profetismo está intimamente ligada a uma experiência de comunhão com Deus, a qual deve ser qualificada como genuinamente mística.

Neste sentido, vemos como o profetismo bíblico evolui desde um decifrar enigmas até a descoberta de uma missão e uma responsabilidade histórica, comprometida com a coletividade. Assim, preocupação pela justiça,

3 “Deus se comunica com a alma com tantas forças de amor, que não há nenhum distração de”mãe”, com tanta ternura acaricia seu filho, que nem o amor de ‘irmão’, nem a amizade de ‘amigo’ se possa comparar” (Cântico espiritual 27.1).

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pelo estabelecimento de uma sociedade digna de Deus e de seus filhos, os seres humanos, vão se tornando o centro do profetismo judaico4.

1.3. A irrupção do “outro” e a experiência da alteridade

Místicos e profetas, em suas distintas vertentes, têm algo em comum: ambos são testemunhas da irrupção do Outro, que os transcende e em cujo nome se transformam, modificando sua identidade pessoal. O místico já não é mais o mesmo depois da visita do Outro, com quem agora se sente amorosamente vinculado. Também o profeta se vê invadido pela presença deo Outro que irrompe em sua vida causando um transtorno profundo em seu ser e sua atuação. O Eu dá lugar a outro e outro.

O místico experimenta o Outro que irrompe nele desde o mais profundo de sua interioridade. O profeta, em troca, descreve esta irrupção do Outros não tanto como emergindo de seu interior, mas como uma voz que vem de fora. Uma voz inesperada, surpreendente e, de um modo geral, inquietante, que chama a uma missão difícil: “Ai de mim! Eu homem de lábios impuros” (Os 6.5). Ah, meu Senhor! Vê que eu não sei falar, que eu sou apenas um menino (Jr 1.6). “Ai evangelizar se não evangelizar! “(1Cor 9,16).

A experiência mística tem uma tonalidade emocional e amorosa. Por outro lado, a experiência profética aparece como palavra que exige e convoca à realização de um empreendimento difícil.

A experiência da irrupção do Outro vai acompanhada de uma experiência de desapego radical de si mesmo, que é antes de mais nada uma experiência de abertura ao outro, ou seja, a alteridade é que autentica a experiência mística. A alteridade é, por sua vez, o“esquecimento de si”(saída do nosso mundo encerrado em apegos e conforto) e «radical abertura ao outro»5.

Desta forma, a experiência mística se torna realmente significativa, converte-se em uma experiência profética.

Porém tantos místicos quanto profetas desencadeiam suspeita, resistência e rejeição daqueles que estão relacionados com eles…

4 Cf. J. L. SICRE, Profetismo em Israel, Verbo Divino, Estella (Navarra) 1992. 5 Assim, para João da Cruz, no início de qualquer experiência de Deus há sempre um“êxodo”, uma“saída”, uma

experiência de desapego radical.

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2. O DeSPeRTAR MíSTICO e PROFéTICO DA eRA COnTeMPORâneA

Se a mística e a profecia respondem a duas dimensões básicas da experiência religiosa, estas dimensões ainda continuam presentes nos nossos dias, embora elas também tenham perfis e padrões diferentes das figuras históricas dos profetas da antiguidade e diferentes também dos grandes místicos dos tempos de efervecencia religiosa, como as da Reforma e Contrarreforma.

O século XX apesar de seu processo de secularização e crise religiosa - pelo menos no mundo ocidental - é caracterizado por um crescente interesse tanto pelo estudo quanto pela vivencia mística. É fato constatável o atual renascimento das experiencias místicas, bem como o estudo e interesse por elas no campo das ciências humanasl. Nesta nova revalorização da experiência mística, se destaca também a sua dimensão utópica e sua ubicação no próprio coração da história e não à margem dela.

Este movimento de renovação, que emergiu no ar profético dos movimentos bíblico, patrístico e litúrgico, foi chamado «novimento místico» e está amplamente documentado nos estudos que citamos na nota abaixo6. Ele tende a promover a vida mística como a plenitude da vida cristã e a denúncia profética da cultura secularista e materialista da nossa sociedade.

Nós todos fomos e sãmos protagonistas, em maior ou menor medida, desta situação religiosa do século passado e do nosso século, caracterizado por uma série de mudanças rápidas e profundas, que marcam nossas vidas: secularismo, modernidade, pós-modernidade, juntamente com clamorosas situações de injustiça e de marginalização. face a estas situações e mudanças profundas, tivemos que reajustar os parâmetros da nossa vida consagrada, seguindo as diretrizes conciliares de um «retorno constante às fontes de toda a vida cristã e à inspiração original de nossos institutos e uma adaptação deles às novas condições dos tempos “. (2 PC)

Tenho seguido pessoalmente muito de perto a evolução da situação religiosa contemporânea, através do estudo das correntes de espiritualidade e de minhas próprias tarefas pastorais. Por isso quero caracterizareste estudo mais desde minha própria experimência do que desde as abordagens teóricas, teológicas ou pastorais.

Minha experiência tem sido profundamente marcada por estes dois pólos: o da volta às fontes da revelação e o da abertura às necessidades do mundo contemporâneo, com suas situações de pobreza, marginalização, violência

6 Permita-se-nos referirnos aos nossos próprios estudos, onde o leitor encontrará documentação abundante: CIRO GAECIA, Corrientes nuevas de teologia espiritual, Studium, Madrid, 1971; ID.,Teologia espiritual contemporânea. Corrientes y perspectivas. Editoroal Monte Carmelo, Burgos, 2002; ID., La mística do Carmelo, Editorial Monte Carmelo Burgos 2002; ID., Mística, mistério y teologia, Leccion inaugural do ano lectivo 2003-2004 faculdade de Teologia do Norte de Espanha, Burgos 2003; ID., Mística no diálogo. Congreso Internacional de Mistica. Seleción y síntesis, Editorial Monte Carmelo Burgos 2004.

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e injustiça. O elo ou o laço de união entre estes dois pólos tem sido minha preocupação com mística e especificamente, a mística carmelitana. Isso me deu a síntese vital-existencial da minha teologia e minha consagração religiosa e aviva em mim uma renovada consciência das situações descrença (primeiro mundo) e pobreza (terceiro mundo).

A partir destas considerações, tenho tentado dar uma resposta aos problemas colocados hoje pela fé e pelo anúncio da mesma;e u também tenho tentado responder aos desafios da consagração e da missão da vida religiosa na Igreja, sensíveis às situações de pobreza e a exclusão de amplos setores da humanidade.

A este respeito, gostaria de expressar algumas convicções:

1ª. Vida cristã e, em particular, a vida consagrada, não podem ser vividas à margem da situação contemporanea que atinge hoje a fé e espiritualidade em geral; igualmente é preciso conhecer para responder profeticamente tanto aos desejos e perguntas mais profundos do ser humano quanto às situações dramáticas da pobreza e a marginalização.

2ª. Além disso, é nenessário fundamentar-se nas fontes bíblica e litúrgica; e também em uma séria reflexão teológica, que nos ajude a penetrar no mistério revelado da nossa fé, superando, assim, o divórcio entre a teologia e a espiritualidade. Às vezes se fala do deficit espiritual da vida religiosa; mas nós não deveriamos falar também em alguma medida do deficit da formação teológica?

3ª. finalmente, a vida consagrada deve basear-se na dupla abertura: mística e profético, que nós descrevemos. A experiência mística representa a plenitude da vida cristã; é a experiência vivida não só no silêncio da oração, mas também no cotidiano da existência, no dinamismo teologal.

4ª. A experiência profética, que se alimenta a experiência mística, urge o compromisso ético e social, que se traduz não tanto nas grandes causas da humanidade quanto nos pequenos gestos da humanização: atenção aos pobres, doentes e marginalizados. A experiência de Deus não pode acontecer no isolamento, na indiferença, na falta de atenção para o sofrimento dos homens.

3. A InTeRPelAçãO MíSTICA e PROFéTICA DA VIDA COnSAGRADA

Quero começar esta seção com um texto de Albert Nolan, que fala da vida consagrada como testemunho profético: “a vida consagrada não é apenas um modo de vida que dá testemunho da realidade de Deus..., senão também uma maneira de viver que contradiz os valores do mundo, os valores da maior

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parte da nossa sociedade. É um testemunho profético, porque denuncia, como fazem todos os profetas…, porque se atreve a enfrentar os valores do mundo que a maioria das pessoas dão como certos. É profético porque quer superar a cultura do sexo, a cultura do dinheiro e a cultura do individualismo. “Desta forma, atesta que um outro mundo é possível, que há uma alternativa, que é possível um mundo de amor e justiça, paz e felicidade” (p. 139).

A expressão deste testemunho profético da vida religiosa são os votos ou promessas de nossa consagração: pobreza, castidade e obediência. Nossos votos podem ser vistos como um testemunho profético contra os valores do mundo e como um sinal de esperança para um mundo melhor para todos, destacando-nos na nossa sociedade como pessoas esperançosas. A base da nossa esperança não são sinais ou falta de sinais que encontramos em nosso mundo atual, mas Deus e somente Deus: “Esperança contra toda a esperança” (S. Paulo).

Para fazer isso devenos apenas superar o pessimismo de muitas pessoas, mas também a “culpa cultural”. Quando algo vai mal, nós tendemos a culpar alguém, em vez de ver as possibilidades de cura, perdão e amor, imitando assim a Jesus.

Todos conhecemos e experimentamos as mudanças na vida consagrada, com suas luzes e sombras, com seus pontos fortes e fracos, suas realizações e suas limitações. Sem querer fazer um balanço, hoje temos uma compreensão melhor do que é a vida consagrada, de seus valores fundamentais, de sua teologia, de sua espiritualidade e de sua missão na Igreja; e também uma melhor compreensão do carisma específico de nossos fundadores.

Pressuposto tudo isso, nos perguntamos em que sentido a vida religosa se sente interpelada hoje na sua dupla dimensão: mística e profética. É do conhecimento de todos o texto de VC sobre o profetismo da vida consagrada (cf. VC 84-85). Centremos nossa reflexãono valor da consagração e no sentido da missão7, fazendo uma referência ao Congresso Internacional da vida consagrada de 2004.

3.1. A mística da consagração

A consagração religiosa não é compreendida à margem da mística do seguimento de Jesus e a configuração com ele. O seguimento é uma memoria Iesu, que torna presente Jesus, sua maneira de viver e comportar-se, em virtude dos votos de pobreza, castidade e obediência. Implica uma união e uma familiaridade com ele, como os discípulos, que marca profundamente a vida religiosa. Baseia-

7 Existem bons estudos sobre a teologia da Vida Consagrada. Aqui nos fazemos eco da obra de GABINO URIBARRI. Portar las marcas de Jesùs. Teologia y espiritualidad de la vida consagrada, Comillas, Madridd, 2008 (4ª Ed.)

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se no encontro, no contato, na familiaridade com a sua vida e sua pessoa, na reprodução de seu estilo de vida, con sua prática pessoal, livre, escolhida e amada, de pobreza, castidade e obediência. É o fundamento verdadeiro, firme e inconestável de nossa vida consagrada (cf. VC 88-90).

Evidentemene a vida consagrada é mais do que os votos; mas os votos ainda continuam sendo parte essencial e significativa deste modo de vida, chamada a viver os votos de uma maneira integrada como um fator de identidade pessoal, como um lugar de encontro com Deus e a dimensão missionária da própria existência, como parte da profecia que é. Se isso não nos identificas e não se constata em seus efeitos no dia a dia, se nós aburguesamos e diminuimos o sentido evangélico dos votos estaremos, em definitivo, enterrando o talento recebido por medo de pô-lo em prática.

3.2. A profecia da missão

Não existe consagração sem missão. A vida consagrada é para a missão. A consagração mesma, vivida como entrega a Deus, como o amor a Jesus e como um serviço para o povo de Deus, já é uma missão: a missão por excelência de anunciar Cristo, de torná-lo presente, reproduzindo as características existenciais de sua vida por conselhos evangélicos (cf. VC 72-75). Esta é a dimensão profética da vida consagrada.

hoje se entende particularmente de forma afirmativa, como o foi a vida de Jesus, isto é, anunciando a Boa Nova: “A missão do VC é converter-se por seu modo de vida fraternal, sua forma de governo, sua simplicidade de vida, suas realizações missionárias, educacionais, caritativas e contemplativos precisamente como antecipação profética do Reino. Assim, se tornará um sinal eloqüente do Evangelho,tanto para a sociedade onde se insere quanto para a Igreja na qual floresce. Diante das vocações, a profecia afirmativa, que mostra alternativas evangélicas visíveis aos males da sociedade, parece mais necessária do que a profecia negativa”8.

No Sínodo sobre a vida religiosa, o cardeal J. Ratzinger ofereceu uma contribuição magistral para o verdadeiro significado do profetismo, recolhido na Proposição n. 39. Os valores da profecia estão radicados precisamente na experiência de Deus e de sua palavra, na amizade com Deus que amadurece no diálogo da oração, na paixão por sua santidade e sua glória, na busca apaixonada de sua vontade e no testemunho da verdade. Uma ação profética que pede a coragem no anúncio e na denúncia, na coerência de vida até a selar a mensagem de Deus com seu próprio sangue. Uma ação profética que exigem também a busca apaixonada de novos caminhos para construir o Reino de Deus, a comunhão

8 G. Uribarri. o.c., p. 305

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eclesial. Por isto o verdadeiro profetismo se alimentad a palavra de Deus e da contemplação de sua presença e sua ação na história.

3.3 Mística e profecia na“Paixão por Cristo e paixão pela humanidade”

Em novembro de 2004, foi realizado em Roma o Congresso Internacional da Vida Consagrada sob o slogan:“Paixão por Cristo e paixão pela humanidade”9. Nele se abordou a dimensão mística e profética à luz de dois ícones bíblicos: o encontro de Jesus com a samaritana junto ao poço de Jacó (Jn 4, 1-42) e a parábola do bom samaritano (Lc 10:29-37). Os dois ícones pretendem harmonizar de modo fecundo: mística e profecia, contemplação e ação, experiência e missão. Na verdade, no encontro com Deus, vida consagrada descobre a fonte de um amor que faz a entrega e serviço ao próximo, especialmente aos pequenos e fracos. E desde aqui se sente referido tanto à dignidade da pessoa, muitas vezes menosprezada, quanto ao Deus de amor e misericórdia.

À luz dos dois ícones bíblicos indicados, o tema mística e profecia adquire um profundo sentido evangélico e representa um impulso de renovação da vida consagrada no terceiro milénio. O primeiro ícone – o da samaritana com o Senhor- destaca o amor e a paixão de Cristo: é concretamente a adoração, conversa íntima da samaritana com o Senhor. O segundo - o do bom samaritano - enfatiza a compaixão, amor e a atenção aos feridos de sarjetas da vida. Mas não são elementos justapostos ou desarticulados; mas sim, desde a raíz do encontro com o Deus da vida, com o Senhor das Misericórdias. Este é o critério com que o Senhor vai nos ensinando a articular a adoração agradecida ao Mistério fundante com compaixão comprometida pela humanidade ferida, como vamos ver no próximo item.

4. OS nOVOS AReóPAGOS De MíSTICA e PROFeCIA

A Exortação Apostólica de VC, falando sobre a missão da vida consagrada (“Servitium caritatis”) indica os seguintes campos: missão ad gentes, inculturação, opção para os pobres e cuidado com os enfermos (nn. 77-83). Mas alargando o horizonte apostólico e missionário da Igreja: inclui novos areópagos, nos quais se há de se fazer presente a vida consagrada: a presença no mundo da educação e os meios de comunicação (nn. 96-99) e também o compromisso de diálogo

9 CONGRESO INTERNACIONAL DE LA VIDA CONSAGRADA, Pasión por Cristo, pasión por la humanidad, Publicaciones Claretianas, Madrid 2005.O Congresso deu origem a vários comentários: JOSEPh ChALMERS, Pasión por Cristo, pasión por la humanidad, Vida Religiosa 98 (2005) 274-280; GABINO URIBARRI, El encanto de una pasión escatológico. Glosa a las “conclusiones” del Congreso, Cf. 44 (2005) 387-399; ID., La vida consagrada mira al futuro, Rozón y fe 251 (2005) 59-75. Nós fazemos eco deste último.

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ecumênico e inter-religioso (nn. 100-103). Estes areópagos mantêm toda sua atualidade e podemos dizer que eles são mais urgentes do que nunca. Mas para sejam realmente uma presença evangelizadora, são chamados a revestir-se de uma força profética capaz de tornar sua missão realmente significativo.

Ao falar aqui dos novos areópagos, o fazemos desde a dupla perspectiva da mística e da profecia. Isso quer dizer que não vamos tratá-los tanto como como campos de ação ou apostolado, mas sim como um estilo ou forma de vida, como atitudes básicas, chamadas a permear toda a atividade apostólica. Portanto, embora expostos separadamente, eles formam uma unidade inseparável, como pode ser visto em nossa exposição anterior. Identidade mística e profética são duas perspectivas de vida consagrada que se fundem na mesma realidade e que, portanto, não podem viver nem ser cultivaadas separadamente. Desvirtuar-se-ia, então, seu verdadeiro significado. Só o místico é profeta e todo profeta tem que ser místico. Unidade de vivência também leva também à unidade de cultivo dos caminhos que representam os novos areópagos hoje.

São atitudes básicas que se aplicam a todos os areópagos, embora, obviamente, se cultivem uns mais do que outros, de acordo com o carisma de cada Instituto e o próprio campo da missão. Vamos assinalar aqui aqueles que nos parecem mais fundamentais.

4.1. Os areópagos da mística

Constatamos os seguintes: a vivencia pessoal de fé; a escuta da Palavra; a experiência de Deus “em meio da vida”; a urgência do testemunho.

a) A vivencia pessoal de fé

Num mundo - particularmente europeu - em que somos chamados a viver nossa fé sob a intempérie, sem apoios sócio-culturais ou religiosos, as pessoas consagradas - juntamente com os outros cristãos - sentimos a necessidade urgente de avivar nossa fé ante as perguntas de Jesus a seus discípulos: “por que são tão covardes? Vocês ainda não têm fé?» (Mc 4.40). «Vocês também querem ir embora?» (Jo 6,67).

Parece algo evidente e que nós normalmente damos por óbvio, porém, convém não nos esquecermos. A vida consagrada se origina e se alimenta da fé. O centro é Jesus Cristo, vivo e dela se alimenta, que a envia generosamente em missão para um mundo que têm sede de espiritualidade, que a enche de seu Espírito, para que seja um hino de louvor a Deus e Pai de todas as criaturas e

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expressão de sua compaixão. Uma vez mais há que se dizer: a fecundidade e a alegria de nossa vida passa mpela familiaridade com Deus, pelo encontro com Cristo, a experiência mística da fé.

Neste contexto, o texto de K. Rahner adquire asentido: «O cristão do futuro será um místico, ou seja, uma pessoa que experimentou algo, ou não será cristão. Porque a espiritualidade do futuro não se apoiará mais numa convicção pública, evidente e unânime, nem em um ambiente religioso generalizado, prévios à experiência e a decisão persoais»10.

A motivação apontada de Rahner hoje se mostra muito mais radical. Não é tão somente um ambiente adverso à fé cristã que exige uma experiência pessoal, mas a própria natureza da fé cristã, que não é uma formulação doutrinária, mas uma experiência, uma adesão plena a Deus, um encontro pessoal com Ele, a resposta a seu convite amoroso (cf. DV 2.5).

A experiência de fé, como assinala o grande teólogo De Lubac, «não é um aprofundamento de si mesmo; é o aprofundamento da fé; não é uma tentativa de evasão para o interior, é o cristianismo mesmo». A novidade do mística cristão está na peculiaridade da adesão a Deus pela fé: «fora a mística, o Mistério se exterioriza e corre o risco de perder-se em pura fórmula”11.

b) A escuta da Palavra

O alimento essencial de fé é a Palavra de Deus, consignada na Sagrada Escritura, fonte primária da mística cristão. Nela, se nos é oferecida ainda a história da salvação em chave de aliança, encarnada pela tipologia do misticismo cristão. Por isso a Palavra de Deus como fonte de vida não pode faltar na vida das pessoas nem em suas comunidades e congregações. Os dois ícones - o bom samaritano (Jesus Cristo) e a samaritana (nós) – nos falam do encontro com ele, como Mestre comunicador e fonte de água viva, admiravelmente descrita por Santa Teresa de Ávila (Vida, 30, 19). Portanto, Um caminho de renovação é colocar as Escrituras no centro da vida, servir-se dela em oração, dialogar com ela, compartilhá-la, celebrá-la, escutá-la (cf. VC 94). O último Sínodo sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja (cf. Sínodo dos Bispos, de outubro de 2008) deixou-nos preciosas recomendações a este respeito.

Porém, a nova evangelização urge abrir-nos aos novos areópagoa, entre eles o mass midia e particularmente a internet, colocandoos novos meios de comunicação à serviço da Palavra.

10 K RAhNER, La natureza y la gracia. In Escritos teológicos, IV, pp. 215-243. 11 h. DE LUBAC, em prefácio a RAVIER (ed.), mística et les mystiques, DDB, Paris, 1964, p. 24-27.

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c) A experiência de Deus “em meio a vida”

hoje se fala de uma experiência mística “em meio à vida”12. Sua base antropológica é “essa experiência fundamental de uma atração para Deus” que existe em cada homem, em cada mulher, e que K.. Rahner chama “existencial- sobrenatural”13. Do ponto de vista histórico-existencial, a pessoa humana está constitutivamente aberta para o trascendencia.

Tal experiência não é algo excepcional; pelo contrário, é dada sempre que a pessoa humana percebe os fatos cotidianos da vida com lucidez: sua repugnância interior ao mal, seu amor irrevogável a um tu contingente, a paixão pelo trabalho bem feito, protesto contra a injustiça, oa aposta na fraternidade efetiva, pela convivência humana... Todas essas experiências, as mais plenamente humanas e humanizadoras, são sempre experiências de graça.

Esta experiência remete às profundezas da vida, ao melhor que nós temos como seres humanos. Mas, em nossa sociedade escaceiam as vivencias profundas e verdadeiras de qualquer realidad, não só de Deus. Vivemos muitas emoções e sensações, mas nós não temos experiência no singular, não só de Deus, nem sequer a experiência profunda da própria vida.

Chega-se a essa experiência através da contemplação e do olhar teologal da fé: “longe de exigir carismas extraordinários e graças espetaculares, o cristão deve, sim, habituar-se a contemplar a realidade de todos os dias através dos olhos da fé. Assim fazendo, será capaz de rastrear e detectar, ao seu redor, a constante poderosa e reconfortadora (ao mesmo tempo discreta e velada) presença de Deus”14. A experiência de Deus não é uma experiencia à margem da vida no seu dia-a-dia, mas é justamente - diz Zubiri - a maneira de experienciar em toda ela «a condição divina em que o homem existe»15.

A experiência de Deus no humano e no real não é viver no mundo «como se Deus não existisse» (etsi Deus non daretur), como proclamam os teólogos da secularização e da morte de Deus, mas sim “como se Deus existisse” (etsi Deus daretur)16. Esse Deus é que se manifestou na carne, na fraqueza humana, na dor da Cruz; que ele ainda está presente onde há dor humana; e que remiu o mundo, em meio à sua aparente impotência, pelo poder do Espírito, que Jesus ressuscitou dentre os mortos (Rm 1, 4).

12 Estudos dos últimos anos, diante das mudanças cultural e religiosa de nosso tempo, têm prestado atenção especial aos novos caminhos da experiência de Deus, ajudando a discernir sua presença nesta situação de mudança. Eles são uma mistagogía verdadeira ou uma verdadeira iniciação no Mistério. Remetemos à bibliografia específica.

13 K Rahner. Natureleza y gracia, in Escritos de Teologia, IV, PP, 215-243 14 J.L.RUIZ DE LA PEñA. El don de Dios. Antropologia especial. Sal Terrae, Santander, 1991, p. 400

15 . “A experiência subsistente em Deus não é uma experiência à margem da vida cotidiana..., mas é a maneira de viver como um todo a condição divina em que o homem subsiste” (X. ZUBIRI, El hombre y Dios, fax, Ma- drid, 1984, p. 333).

16 SANTIAGO DEL CURA ELENA. A tiempo y al destiempo. Elogio del Dios (in)tempestivo. faculdad de Teologia del Norte de España, Burgos, 2001.

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Não teremos futuro nem como congregação nem como Igreja se não houver um cultivo da experiência de Deus. Precisamos de pessoas com experiência interna de Deus, homens e mulheres de espírito que possan responder à pergunta que João da Cruz continua a fazer todos nós: «Dizei se por vós existe passado».

d) A urgência eclesial de testemunho

Mundo de hoje precisa de testemunho. Já Paulo VI tinha recordado oportunamente que o homem de hoje está cansado de ouvir, enfastiado dos discursos e quase imunizado contra as palavras; e que, por essa razão, prefere testemunhas antes que mestres, até o ponto que, se ainda escuta os mestres, é porque eles são testemunhas ao mesmo tempo. O homem de hoje compreende melhor a linguagem dos fatos e a vida do que a linguagem das palavras (cf. EN 41-42). [O que não se manifesta no cotidiano da vida vai deixando de existir para outros e também para mim] E acrescentou: “Para a Igreja, o primeiro meio de evangelização consiste no testemunho” (EN 41 ).

João Paulo II, fazendo eco a essas palavras, afirmou em sua Encíclica Redemptoris Missio:“O homem contemporâneo acredita mais nas testemunhas do que nos mestres; crê mais na experiência que na doutrina, na vida e nos fatos do que nas teorias. O testemunho da vida cristã é a primeira e insubstituível forma de missão: Cristo, de cuja missão todos nós somos continuadores, é a “Testemunha» por excelência e o modelo do testemunho cristão. O Espírito Santo acompanha o caminho da Igreja e a associa ao testemunho que ele dá de Cristo. “A primeira forma de testemunho é a vida do missionário” (RM 42).

O verdadeiro testemunhao não é que outra coisa senão a mesma vida vivida intensamente, que irradia para fora sua plenitude interior. Só se é realmente testemunho quando se vive o que se anuncia, ou seja, quando se parte da própria experiência. Bento XVI, em uma das suas primeiras intervenções sobre a vida consagrada (Roma, 10 de Dezembro de 2005) propôs aos religiosos serem “testemunhas da presença transfigurante de Deus». E em um discurso subsequente incentivou-os a serem «pioneiros proféticos», como seus fundadores (discurso na Assembleia Plenária da UISG, Roma, em 7 de Maio de 2007).

4.2. Os areópagos da profecia

a) desde uma situação de exílio

Vivemos em uma época em que alguns comparam com o exílio. Tal como Israel que se encontrava despojado de todas as suas seguranças (o templo, lugar da presença de Deus), também na vida consagrada, especialmente no Ocidente,

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perdemos muitos pontos de segurança, perda que abriu caminho à busca. O exílio é também uma experiência espiritual: «saí atrás de tí gritando e tu te tinhas ido» (Joâo da Cruz); uma ocasião para retonar o caminho da consagração e da missão com renovada esperança.

Assim dizem não poucas vozes: «Evangelizar a partir das margens»17. Outros descreveram a situação nova como uma experiência pascal: a passagem das “estufas” às intempéries, das clausuras a percorrer caminhos onde há um próximo ferido; a passagem dos “ que venham” a que nós os “busquemos”, etc18. Outros, finalmente, falam de ocultação de Deus frente o sofrimento humano. Onde está Deus num mundo que sofre sua ausência por tantas situações de pobreza, a injustiça e a dor?19

b) Criar família (casa-lar), comunhão

Vivemos em um mundo em que o lar e a família estão em uma enorme crise intercontinental e intercultural. O modelo tradicional de família está falindo em todos os continentes. O desejo e a necessidade de um lar, de acolhida, de escutam crescem em toda parte. Isto é por que um dos principais sinais de que a vida consagrada pode oferecer hoje , como sinal evangélico pobre e humilde, é simplesmente a casa: ali onde há consagrados, haja uma casa aberta, acolhedora, fraterna, como um sinal da comunhão da Igreja (cf. VC 41ss.)

A casa, o lar (a comunidade), é também o local de uma leitura compartilhada da nossa história pessoal, comunitária, onde nos encontramos com o Senhor Jesus nosso médico que cura: nossas carencias, em nossas fraturas, nossas falhas, nossas justificações. Esta leitura compartilhada de nossa historia pessoal, comunitária e congregacional, é uma fonte de alegria, de encontro com Deus, de capacidade missionária e profética.

Nesta linha, uma das grandes chamadas da vida religiosa é saber escutar. Escutar Deus, escutar sua Palavra. Mas também escutar o mundo, a sociedade, escutar especialmente os pobres, com suas tristezas e alegrias, com suas condições de vida e a sua dignidade. Escutar dentro da Igreja: escutar os bispos, escutar os leigos de quem tanto falamos, escutar os sacerdotes diocesanos. Escutar em nossas comunidades, escutar os jovens e os de outras gerações, àqueles que pensam de forma diferente. A escuta supõe receptividade e humildade, paciência e hospitalidade, generosidade de coração para deixar-se habitar pelo outro. Neste sentido, mantém toda a sua validade a Encíclica Ecclesiam suam de Paulo VI (1964), que nos oferece toda uma teologia de escuta e de diálogo como exigencia de renovação.

17 Cf. PhILIP L.WICKERI, Mision from the margins. The Missio Dei in the crisis of Word Christianity, International Review of Mission 93 (2004) 182-198.

18 Cf. AMELIA BELTRÁN, Radicalidad y tolerancia en la vida religiosa feminina, Pastoral Misionera 192 (1994) 20-24 19 Cf. AA. VV., ¿Donde está Dios? Un clamor en la noche oscura, Concilium 242 (1992) 571-697.

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Num mundo desconjuntado e que anseia por um lar, por comunhão, fraternidade, a vida consagrada pode oferecer um magnífico sinal evangélico. Daqui surge, com força, uma identidade que se constitui fortemente como ”ser-com”: ser com Jesus Cristo, ser com a Igreja, ser com os companheirosde comunidade e de congregação, ser com os pobres. Ser sinal de comunhão é um dos desafio evangelizadores que coloca o Novo Millennio Ineunte (n. 43).

c) Humanizar

- humanizar frente às escravidões

humanizar frente às escravidões do nosso mundo é outra das tarefas proféticas da vida consagrada hoje, identificando as forças do maligno nos os ídolos da nossa cultura. Alguns são fáceis de reconhecer: a recompensa a curto prazo, o prazer imediato, o consumo irresponsável e o individualismo, a exaltação da identidade pessoal fragmentada, etc. Outros aparecem mais sofisticadamente sob a capa do bem: o «Eu» como centro de definição dos fins últimos sob o ideal de auto-realização.

A vida consagrada somente será capaz de humanizar a nossa cultura e nossa sociedade se ela mesma se tornar humanizadora de seus membros. Aqui se coloca um grande desafio. Também aqui se joga grande parte do encontro ou do desencontro da fé com a cultura. Como definimos a qualidade das nossas instituições ou o sucesso de nossas empresas apostólicas? Se adotarmos a cultura do marketing e da gestão, acabaremos caindo nas redes dos seus valores e seus ídolos: eficiência, desempenho, objetivos alcançados, cotas de mercado. Toda essa trama desconhece por completo a sabedoria das Bem-aventuranças. Ela funciona de acordo com a eficácia e não de acordo com a fecundidade.

- humanizar frente ao sofrimento

Nossa sensibilidade frente ao sofrimento indica o nosso grau de humanidade e um dos gestos proféticos da vida religiosa, particularmente feminina, por sua capacidade de ternura: humanizar desde a ternura. Desde a ternura de Deus: “Como um pai sente ternura para com os seus filhos, o Senhor sente ternura para com seus” (Sal 103,13). Desde a ternura e compaixão de Jesus, expressas no evangelho e desde a vivencia pessoal de ternura de cada um de nós. À luz das ciências humanas, ela se torna uma necessidade básica para o desenvolvimento normal da nossa condição humana e gesto profético em um mundo sofredor.

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d) A sabedoria de pequenos sinais

O mundo sangra intensamente , internet nos conecta com tudo e nos deixa sós diante da tela. O que fazer, como reagir? O Congresso Internacional sobre vida consagrada apontou para a sabedoria dos pequenos passos e sinais humildes, porém reais. Ante as enormes quantidades de males que enfrentamos, corremos a tentação de desprezar as coisas pequenas, de querer implantar uma solução global. Mas esse não é caminho do Pai das misericórdias. Pois o que descobrimos na história da salvação é que Deus atua através do pequeno: escolhe umpovo pequeno: Israel (7.7 Dt); confia num resto ainda menor deste povo.

Ele nos convida a um passo menor, mas real; um sinal humilde, mas expressivo. Os milagres são sinais do Reino. Jesus não organizou uma espécie de «Seguridade Social» para toda a Palestina, mas manifestou através de alguns sinais eloquentes que o Reio de Deus estava chegando através de sua pessoa. A salvação de Deus ir rompia através da vitória de Jesus sobre Satanás, sobre a doença e morte, como manifestações concomitantes do afastamento de Deus e a ausência da salvação.

Seguindo este caminho, a vida consagrada é chamada a mostrar sinais do Reino de Deus, a ser ela mesma ,no seu próprio ser, em sua vida, um sinal do Reino de Deus: a irrupção da graça , que gera fraternidade, filiação, alegria, esperança, acolhida, generosidade, adoração, entusiasmo, gratuidade.

e) O serviço da caridade: Um “coração que vê”

“A fé que atua pela caridade”(Gal 5,6).“O programa do cristão - o programa do bom Samaritano, o programa de Jesus - é um”coração que vê.” Este coração vê onde o amor é necessário e, em consequencia, age (Deus caritas est, 31 c).

“Os seres humanos precisam sempre mais do que uma atenção tecnicamente correto. Eles precisam de humanidade. Eles precisam de atenção cordial. Todos aqueles que trabalham nas instituições caritativas da Igreja devem distinguir-se não por limitar-se a executar com destreza o que é mais conveniente em cada momento, mas por dedicar-se ao outro com o toque que lhe sai do coração, para que o outro experimente sua riqueza de humanidade. Por conseguinte, esses agentes, além da preparação profissional, necessitam também e acima de tudo uma «formação do coração»: que os guie ao encontro com Deus em Cristo, que suscite neles o amor e abra seu espírito ao outro, de modo que , para eles, o amor ao próximo já não seja um mandamento por assim dizer, imposto de fora, mas uma consequencia que se depreende sua fé, que age pela caridade « (Deus caritas est, 33).

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COnClUSãO: UMA CAnçãO De lOUVOR

• Oração da alma enamorada

Tanto o poema da Fonte quanto o do Cântico espiritual de São João da Cruz terminam com uma doxologia, um cântico de louvor. É um louvor que abarca toda a criação: «meus são os céus e minha é a terra” minhas são as gentes, os justos são meus e meus os pecadores; os anjos são meus, e a Mãe de Deus e todas as coisas são minhas; e o próprio Deus é meu e para mim, porque Cristo é meu e todo para mim» (Oración de la alma enamorada, 27).

É o louvor enamorado que brota de uma plenitude de vida, em que o mundo da natureza é integrado à beleza divina e prorrompe em um canto alegre e esperançoso. Este é o grande testemunho profético-místico que se espera hoje da vida consagrada. Ela, fazendo suas «as alegrias e esperanças» da família humana deve ser um «canto», uma vida de «encanto», de «júbilo», para louvar ao Senhor. É como um corolário da fé, de crer e de seguir Jesus. Uma vida religiosa triste e enlutada não tem futuro algum.

• experiência festiva: alegria interior e abertura para o outro

Experiência mística é uma experiência festiva. Deus se comunica na alegria da vida, no gozo, na apreciação do vinho novo (cf. Mt 9.17). Experiências de festa e alegria, gozo e prazer interior são experiências fundantes. O gozo e a alegria de viver estão na base da experiência feita por João da Cruz. Não apenas seus poemas - em que se condensa sua experiência - transpiram alegria, mas também o caminho espiritual traçado em suas obras.

Seu centro não é a mística de dor, de sacrifício ou renúncia (embora façam parte do caminho), mas a mística da união gozosa e esponsal, na qual desemboca a noite escura que ilumina nossas sombras: “Noite feliz” (N 2, 9.1).A “noite” é uma “presença amorosa de Deus na alma” (N 2,5,1) que dá origem a um processo de libertação e cura; é uma transformação profunda; é um caminho para uma nova experiência incrível de alegria e liberdade.

• A mística de uma presença, que faz a profecia

A vida consagrada do futuro será feliz e humilde, se vivida unida a essa presenca - iluminadora e transformadora - do Senhor que canta São João da Cruz: «Mil gracas derramando/ passou ligeiro por esses bosques e, estendendo seu olhar / tão somente com um gesto / os vestiu de formosura» (Cântico espiritual, estrofe 5). É a presença de Deus na criação e na história; presença viva e pessoal; presença sacramental, especialmente na Eucaristía; presença nos pobres;

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presença na missão; presença nos irmãos e irmãs da Congregação; presença na Igreja; presença em oração e na leitura da Palavra de Deus; presença na família humana.

A experiência mística desta presença tem um caráter performativo, isto é, produz efeitos ou atitudes sustentáveis em conexão com a vida real: certo contentamento interior, sentido positivo e esperançoso frente ao que acontece, porém sobretudo experiencia de desprendimento radical e abertura ao outro. Esta experiência é que convalida a experiência mística. É então - e só então - que a experiência mística se traduz em «sentimentos sustentáveis» do tipo positivo, alimentados sempre com alegria e amor20. Então - e só então-que a experiência mística torna-se significativa, isto é, torna-se profética.

Que a experiência mística desta presença ilumine o rosto da nossa esperança e dinamize criativamente nossa missão profética.

Mística e Profecia

Perguntas

1. Crês que a mística e a profecia são uma realidade essencial da vida consagrada? Como se concretiza na situação cultural e religiosa em que vives?

2. Em que medida a mística e a profecia são uma urgência eclesial que interpela à vida consagrada? Como valorizas esta necessidade urgente dentro da Igreja particular a que tenhas sido enviado?

3. Quais são, em tua opinião, os novos areópagos da mística e da profecia tendo em conta, por um lado, a situação da vida religiosa em tua região e, por outro lado ,o carisma de teu Instituto? Assinale uma ordem ou congregação de tua preferência.

4. Quais são os sinais que defi hoje o místico-profeta e com que fi as os identifi

bIblIOGRAFíA GeRAl

AA. VV., Profetismo, en Dizionario degli Istituti di Perfezione, vol. VII, Edizioni Paoloine, Roma 1983, 972-993; Enzo BiAnchi, La vidareligiosa,¿signoproféticocreíble? Confer 40 (2001) 43-56; JEsús cAstEllAno cErVErA, Esigenze odierne di spiritualità: memoria e profezia, en Aa. Vv., Impegni e testimonianza di spiritualità alla luce della lettera apostolica “Novo millennio ineunte”, Teresianum, Roma 2001, p. 75-197; cArlos DomínguEz morAno, Místicos y profetas: dos entidades religiosas, Proyección

20 “Andar dentro e fora do partido é trazer a alegria do grande Deus, como um canto novo, envolvido em alegria e amor” (Llamade amor viva 2.26).

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bIblIOGRAFíA eSPeCíFICA

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