55
O ASSÉDIO MORAL EM TI: fábricas de software Henrique Lobo Weissmann Serpa de Andrade [email protected] http://devkico.itexto.com.br Belo Horizonte Junho 2013

Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Neste trabalho é exposto o fenômeno do assédio moral e o modo como este pode se manifestar em fábricas de software no Brasil.

Citation preview

Page 1: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

O ASSÉDIO MORAL EM TI: fábricas de software

Henrique Lobo Weissmann Serpa de Andrade

[email protected]

http://devkico.itexto.com.br

Belo Horizonte

Junho – 2013

Page 2: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

Agradecimentos

Este trabalho é derivado da minha monografia de fim de curso (Ciência da

Computação) apresentada em junho de 2013 na Universidade FUMEC. A palavra

“monografia” me soa incorreta pois sem o suporte de alguns personagens chave

dificilmente (provavelmente não) este trabalho chegaria à esta forma que está em

suas mãos agora.

Agradeço ao professor Osvaldo M. Corrêa por ter aceito e acreditado na

minha proposta de trabalho sobre um tema que, ao menos em um primeiro momento,

não parece estar relacionado diretamente à Ciência da Computação. Sua paciência e

direção foram fundamentais para que esta missão pudesse ser levada à cabo.

À Professora Mércia Cristina Scarpelli Reis de Souza por ter participado

da banca examinadora deste trabalho, e cujas críticas e sugestões acredito terem sido

fundamentais para a melhoria obtida no resultado final.

Ao Dr. Rafael Morais Carvalho Pinto, cuja dissertação de mestrado

“Assédio Moral No Ambiente de Trabalho E A Política Empresarial de Metas”, assim

como livro homônimo foram a principal inspiração por trás deste trabalho. A leitura do

seu trabalho despertou em mim a percepção de que a questão do assédio moral como

um dos principais problemas enfrentados pelas fábricas de software. A série de

leituras originada a partir do contato inicial com sua obra me levou por um caminho

profissional completamente inesperado e do qual não pretendo me afastar após a

entrega deste trabalho.

À Universidade FUMEC que tão bem me acolheu em 2008 e me fez ver

que a vida acadêmica pode ser e é uma prática pragmática, agradável e

extremamente enriquecedora tanto do ponto de vista intelectual quanto humano.

A Maria Angélica Álvares da Silva e Silva, minha esposa, a “Nanna”, que

desde 2004 tem sido minha inspiração e mola impulsionadora de tudo o que faço. O

fato de ter acreditado e investido tanto em mim desde o segundo momento é a

principal razão pela qual consegui finalizar no ano de 2013 o curso de Ciência da

Page 3: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

Computação na FUMEC, iniciado por linhas muito tortas em 2001 no curso de Filosofia

pela UFMG.

Muito obrigado a todos vocês.

Page 4: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

SUMÁRIO

Agradecimentos.......................................................................................... 2

INTRODUÇÃO ........................................................................................... 8

Contra fábricas de software? ................................................................ 10

Objetivo final ......................................................................................... 10

CONCEITUANDO O ASSÉDIO MORAL .................................................. 12

Desenvolvimento histórico na Psicologia .............................................. 12

Desenvolvimento do conceito na Administração................................... 14

Desenvolvimento jurídico do conceito de assédio moral ...................... 14

Dano Moral ........................................................................................ 14

Elementos característicos ................................................................. 17

Espécies de assédio moral................................................................ 19

Diferença do assédio moral em relação a outros institutos ............... 20

O Assédio Moral na Jurisdição Brasileira ................................................. 22

Projetos de Lei ...................................................................................... 22

Leis Regionais ...................................................................................... 24

Mecanismos Jurídicos .......................................................................... 26

Apresentação de provas ....................................................................... 28

A Fábrica de Software .............................................................................. 29

Conceituação ........................................................................................ 29

Modelo Industrial Japonês................................................................. 30

Modelo Europeu: software genérico .................................................. 31

Fábrica de componentes baseada em experiência (Estados Unidos da

América) ............................................................................................................. 32

Capability Maturity Model (CMM) – (Estados Unidos da América) .... 33

Page 5: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

O Modelo Brasileiro ........................................................................... 34

Modelos Administrativos ....................................................................... 35

3.2.1 Taylorismo/Fordismo ................................................................... 36

Toyotismo ............................................................................................. 39

Política de Metas .................................................................................. 41

Percepção Ordinária do Fenômeno.......................................................... 44

Obtenção de dados estatísticos ............................................................ 44

O Questionário .................................................................................. 44

Resultados obtidos ............................................................................ 46

Relatos .................................................................................................. 48

Obtidos através do nosso questionário ............................................. 48

Jurisprudência ................................................................................... 51

Considerações finais ................................................................................ 53

O que pode ser feito? ........................................................................... 53

Bibliografia ................................................................................................ 56

Page 6: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

8

INTRODUÇÃO

Um software é bem mais que um conjunto de instruções a serem

executadas por um computador: é o fruto de um processo complexo composto por

atributos tecnológicos e humanos, sendo o segundo o foco deste trabalho. Para que

um projeto seja realmente bem sucedido, mais que um bom design é necessário que

as pessoas que o constroem possuam boas condições de trabalho a fim de obter

sucesso no caminho que começa com uma necessidade e termina com um cliente

bem atendido por um sistema computadorizado. O sucesso vai além da mera entrega:

deve incluir também a satisfação de todos os membros da equipe na execução do

projeto.

Dentre as possíveis formas de se produzir software, no Brasil se

popularizou bastante a partir da década de 1990 as chamadas fábricas de software,

que são empresas com foco no desenvolvimento de software customizado para o

público em geral, normalmente sem foco em um nicho específico de mercado. Apesar

de suprir bem uma fatia significativa do mercado, tal como será exposto neste trabalho

o ambiente da fábrica de software muitas vezes propicia a ocorrência do assédio

moral, cujo evitar é um dos maiores desafios da administração atual.

Esta pesquisa se motivou pela minha percepção de que claramente há algo

de errado com o modo como lidamos com o ato de produzir software em fábricas.

Percepção baseada na minha própria experiência e, ainda mais importante, dos

inúmeros relatos com os quais tomo conhecimento vindos de amigos, grupos de

discussão na Internet, blogs e toda forma de comunicação que rodeia este segmento

do mercado.

Uma percepção isolada não é suficiente para motivar alguém a escolher

como tema do seu trabalho de conclusão de curso em Ciência da Computação uma

área aparentemente tão distante como o Direito. A decisão pelo tema se deu por

acaso: o sócio da minha esposa, Rafael Moraes estava defendendo sua dissertação

de mestrado intitulada “O Assédio Moral e a Política Empresarial de Metas” que

chegou às minhas mãos por acaso. Lendo aquele trabalho imediatamente minha

percepção isolada tomou cara: tive um insight que tornou claro pra mim que nosso

Page 7: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

9

ambiente de trabalho muitas vezes não facilita a ocorrência do fenômeno do assédio

moral: implora por ele.

Conforme lia a dissertação de Rafael Moraes (e seu subsequente livro

homônimo eram muito claros os paralelos entre o fenômeno por ele descrito e as

situações que chegavam à mim por vias direta e indireta. Claro: um único texto ainda

não era suficiente para que eu pudesse ter certeza do que estava acontecendo. Isto

iniciou uma pesquisa bibliográfica extensa que virou minha visão e postura profissional

de ponta-cabeça. O trabalho de conclusão de curso caiu como uma luva para que eu

pudesse responder ao seguinte questionamento: como ocorre o assédio moral em

fábricas de software? Fábricas de software propiciam a ocorrência do assédio moral?

Esta aventura intelectual mostrou-se surpreendente para mim conforme

auto criticava minha própria postura profissional e também as que observava em

colegas e nos relatos que recebia. Ficava claro que o assediador muitas vezes não se

tornava assediador por livre iniciativa, mas sim era levado a isto a partir da cultura

empresarial, mercado ou inúmeros outros fatores.

Ao analisar o conceito de fábrica de software tive uma série de surpresas.

Tal como será exposto neste trabalho, aquela percepção de que muitos tem de que o

termo não é apropriado confirma-se. Para tal fiz uma análise histórica que me levou a

1969 quando o termo é cunhado pela primeira vez com sucesso na Hitachi japonesa,

não surpreendentemente com um significado bastante distinto conforme está exposto

neste trabalho.

Apenas uma pesquisa bibliográfica não me saciava: precisava também

observar o fenômeno se concretizando. Para isto publiquei e divulguei na Internet um

formulário no qual os trabalhadores de fábricas de software pudessem relatar suas

experiências a fim de que fosse possível traçar um perfil do assediado e assediador

estatisticamente. Talvez tenha sido a parte mais emocionante desta jornada

acadêmica quando percebi claramente o medo que as pessoas têm de tratar o

assunto. Enquanto os posts no meu blog (http://devkico.itexto.com.br) geravam

milhares de acessos, observei apenas dezenove relatos fornecidos pelo formulário,

incluindo algumas “pseudo-ameaças” para que eu não levasse a cabo este trabalho

ou tornasse-o público. Infelizmente dado o pequeno número de relatos não foi possível

satisfazer o objetivo de ter uma estatística melhor sobre o fenômeno ainda, porém já

Page 8: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

10

estou articulando uma nova estratégia que me levará ao sucesso neste objetivo,

espero, em muito breve.

Contra fábricas de software?

No desenvolvimento deste trabalho, que tornei público através do meu blog

(http://devkico.itexto.com.br) e redes sociais (Twitter, Facebook) diversas pessoas me

procuraram perguntando se eu era contra fábricas de software. Vê-las como um

monstro é tolice na minha opinião: por mais que hajam críticos a este segmento do

mercado, é inegável que ele atende uma fatia significativa dos consumidores

atualmente.

Um leitor bastante infeliz me procurou em determinado momento dizendo

que meus posts e a publicação deste trabalho seria meu suicídio profissional por estar

criticando tão abertamente aqueles que poderiam contratar meus serviços. Minha

resposta a este tipo de questionamento é simples: o resultado deste trabalho não visa

acabar com as fábricas de software, mas sim aprimorar este segmento do mercado

apontando suas falhas a fim de que não seja minado o principal elemento por trás do

seu produto: sua força de trabalho. Às empresas que não queiram me contratar por

eu estar expondo pontos de melhoria peço portanto para que realmente não me

procurem (mesmo por que muito provavelmente conforme será exposto até o final da

leitura deste trabalho devem ser ambientes muito propícios à ocorrência do assédio

moral).

Objetivo final

Faço parte de uma pequena parcela da população que se entretêm por

horas lendo a publicação de trabalhos acadêmicos como dissertações de mestrado,

doutorado e trabalhos de conclusão de curso. Para minha tristeza, raríssimos destes

trabalho vejo sair dos muros da instituição de ensino. Ao chegar o momento da

escolha do meu trabalho de conclusão de curso haviam dois caminhos: eu poderia

escrever algum artigo técnico sobre uma área que domino ou criar algo que pudesse

ser publicado posteriormente e trazer um impacto positivo para a sociedade.

Minha grande paixão é a computação e sinceramente não a vejo sendo

tratada com o respeito e paixão que acredito esta área do conhecimento receber em

grande parte devido a equívocos do próprio mercado, que mesmo após mais de

cinquenta anos ainda é bastante imaturo em nosso país. Quero que a geração que

Page 9: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

11

me suceda primeiro se inspire em seus compatriotas, o que não observo hoje. Ao

mesmo tempo, não acredito que seja correto simplesmente reclamar do mercado sem

apresentar soluções ou mesmo tornar explícito o problema.

Neste trabalho não apresento a solução, mas sim explicito o problema. Ao

tomar este caminho este se tornará claro e, com isto, acredito que boas soluções

surgirão, melhores ambientes de trabalho serão construídos e com isto teremos um

melhor mercado para todos nós profissionais da computação.

Se o leitor ao menos um dia conversar a respeito do assunto com seus

amigos ou colegas sobre este tema motivado por este trabalho, acredito que minha

missão tenha sido cumprida com êxito.

Page 10: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

12

CONCEITUANDO O ASSÉDIO MORAL

Para uma compreensão deste trabalho se faz obrigatória a compreensão

do fenômeno assédio moral. Neste capítulo exporemos como o tema é tratado pelo

Direito, Psicologia e Administração, salientando que neste trabalho o foco dado será

a conceituação dada na área jurídica, que servirá como base para tratarmos o modo

como o fenômeno pode ocorrer no ambiente da Tecnologia da Informação (TI) com

foco nas fábricas de software.

Desenvolvimento histórico na Psicologia

O conceito de assédio moral começa a ser desenvolvido a partir do trabalho

pioneiro desenvolvido na Suécia pelo psicólogo do trabalho Heinz Leymann na década

de 1980. Sua pesquisa inicial baseou-se em uma série de tentativas e ocorrências de

suicídios de enfermeiras motivados por eventos ocorridos em seu ambiente de

trabalho. O desenvolvimento desta pesquisa acabou por gerar a primeira definição de

assédio moral, inicialmente cunhado de mobbing ou terror psicológico pelo autor,

caracterizado por:

Comunicação hostil ou antiética que é direcionada de forma sistemática por um ou mais indivíduos contra um indivíduo que, devido ao mobbing ou terror psicológico, é colocado em uma situação indefesa facilitando assim a continuidade do fenômeno. (LEYNMANN, 1992 – Tradução nossa)

O conceito de mobbing será posteriormente evoluído por Leynmann,

definindo de forma mais precisa a duração que caracteriza o fenômeno, tal como pode

ser observado na obra de Noa Davenport intitulada Mobbing: Emotional Abuse in The

American Work Place, aonde o fenômeno é definido como:

A situação em que uma pessoa ou um grupo de pessoas exercem uma violência psicológica extrema, de forma sistemática e frequente (em média uma vez por semana) e durante um tempo prolongado (em torno de uns 6 meses) sobre outra pessoa, a respeito da qual mantém uma relação assimétrica de poder no local de trabalho, com o objetivo de destruir as redes de comunicação da vítima, destruir sua reputação, perturbar o exercício dos seus trabalhos e conseguir, finalmente, que esta pessoa acabe deixando o emprego. (PRATA, 2008)

Page 11: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

13

Esta evolução de Leymann no entanto apresentava duas falhas: a primeira

diz respeito à definição rígida do espaço de tempo usado para configurar o mobbing.

Com a popularização do assunto e o acúmulo de casos tornou-se evidente que o

período de tempo a que uma vítima era submetida ao fenômeno variava bastante de

acordo com o caso tornando assim muito difícil padronizar o período caracterizador

do fenômeno. A segunda crítica diz respeito à relação assimétrica do poder. Conforme

veremos neste capítulo, o fenômeno pode ocorrer também entre colegas que ocupem

cargos hierarquicamente equivalentes dentro de uma organização ou mesmo partir de

subordinados contra seus superiores.

A grande popularização do assédio moral virá a ocorrer de fato com a

publicação do livro Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano publicado em

2002 por Marie-France Hirigoyen. Este é o momento no qual o tema ganha força. Na

edição brasileira de 2006 do seu livro Mal-Estar no trabalho: redefinindo o assédio

moral Hirigoyen nos fornece a seguinte definição do fenômeno:

O assédio moral no trabalho é definido como qualquer conduta abusiva (gesto, palavra, comportamento, atitude...) que atente, por sua repetição ou sistematização, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de uma pessoa, ameaçando seu emprego ou degradando o clima de trabalho. (HIRIGOYEN, 2006)

Observa-se uma evolução sensível do conceito quando comparado à

definição de Leymann. O termo assédio é escolhido propositalmente pela autora com

o objetivo de salientar o caráter repetitivo do fenômeno. O objetivo é trazer o

significado literal do termo: submeter repetidas vezes e sem tréguas a pequenos

ataques a vítima da violência. O mesmo cuidado foi adotado na escolha do termo

moral na composição do nome do fenômeno. A opção pelo termo foi baseada em uma

tomada de posição: “do que é considerado aceitável ou não em nossa sociedade”1.

O estudo desenvolvido pela Psicologia é de fundamental importância por

expor a gravidade dos efeitos do fenômeno sobre suas vítimas, geradores de

cicatrizes psicológicas terríveis que em casos mais extremos podem mesmo levar à

morte da vítima pelo desenvolvimento de doenças psicossomáticas ou até mesmo

pelo suicídio causado por sua situação desesperadora.

1 HIRIGOYEN, 2002.

Page 12: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

14

Desenvolvimento do conceito na Administração

A visão que a Administração possuí do assédio moral é profundamente

influenciada pelo trabalho desenvolvido na Psicologia e não chega a agregar ao

conceito conforme podemos ver, por exemplo, na definição dada pela professora da

Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas,

Maria Ester Freitas que é basicamente uma paráfrase do que foi proposto por

Hirigoyen:

O assédio moral é uma conduta abusiva, intencional, frequente e repetida que ocorre no ambiente de trabalho e que visa diminuir, humilhar, vexar, constrangir, desqualificar e demolir psiquicamente um indivíduo ou um grupo, degradando as suas condições de trabalho, atingindo a sua dignidade e colocando em risco a sua integridade pessoal e profissional. (FREITAS, 2011)

O grande diferencial trazido pela teoria Administrativa foi sua visão mais

pragmática sobre o assunto, propondo uma série de procedimentos que podem ser

tomados internamente pelas empresas a fim de evitar a ocorrência do fenômeno do

assédio moral ou mesmo de como lidar com este internamente. Observa-se, por

exemplo, a definição de estatutos internos empresariais que definem a postura ética

que as empresas esperam de seus colaboradores.

Desenvolvimento jurídico do conceito de assédio moral

É no Direito que o conceito de assédio moral se encontra melhor

desenvolvido baseando-se no trabalho desenvolvido pela Psicologia. Dada a natureza

reparativa do Direito, faz-se necessário que primeiro seja feita uma digressão a

respeito do tipo de dano direto com o qual interage o jurista ao lidar com este

fenômeno que é o dano moral.

Dano Moral

O dano direto gerado pelo fenômeno tratado neste trabalho é o moral.

Segundo o Juiz de Direito André Augusto C. de Andrade em seu artigo A Evolução do

Conceito de Dano Moral o conceito passa por três estágios que se seguem

evolutivamente2.

2 ANDRADE, 2008.

Page 13: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

15

Conceito negativo

A definição negativa de dano moral o define como aquele que não recai

sobre o patrimônio da vítima. Seu efeito é a dor moral à vítima, causando-lhe dor.

Conforme observado por Andrade (2008), o grande problema desta definição é o fato

desta nada esclarecer a respeito do dano moral por apenas definir o que este não é.

Dano moral como dor ou alteração negativa do estado anímico, psicológico ou

espiritual da pessoa

Esta segunda concepção identifica o dano moral com o efeito causado por

este na vítima. Só é considerado dano moral aquele que altera negativamente o

estado psicológico da sua vítima, o que passa a ser condição necessária para a sua

identificação. Não há dano moral sem dor ou sofrimento na vítima.

O problema desta concepção é que esta tende a confundir o dano moral

com a impressão que outros danos possam causar no indivíduo. Um bom exemplo

deste tipo de confusão ocorre, por exemplo, em situações nas quais uma dívida não

é paga. Dado que o credor sente alteração em sua alma devido à inadimplência do

credor, não raro o jurista pode confundir o dano patrimonial (que é o caso) com dano

moral.

Dano moral enquanto lesão dos direitos de personalidade

Estágio final da evolução do conceito de dano moral, o identifica como o

lesionar dos direitos personalíssimos do sujeito. Direitos de personalidade são

aqueles tidos pelo Código Civil Brasileiro em seu segundo capítulo como

irrenunciáveis e intransmissíveis, adquiridos pelo indivíduo no início de sua existência

física tal como pode ser visto a seguir:

Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária. Art. 12. Pode-se exigir que cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.

Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau.

Page 14: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

16

Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes. Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.

Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.

Art. 15. Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.

Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.

Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.

Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.

Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.

Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma. (Código Civíl Brasileiro, Cap. II)

Estes direitos pressupõe três condições essenciais: alteridade, autonomia

de vontade e dignidade. A alteridade nos garante o direito à diferença, ou seja, o direito

Page 15: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

17

às características que garantem a individualidade de cada um. A autonomia da

vontade nos garante a liberdade do agir e, finalmente, a dignidade é derivada dos dois

atributos anteriormente citados: alteridade e autonomia da vontade.

Diversos são os direitos que se enquadram nesta categoria: honra,

individualidade, imagem, dignidade, privacidade, integridade física e mental, etc.

Resumindo, são todas as características que garantem a identidade do indivíduo e

não possuem valor econômico direto, ou seja, atributos que não podem ser vendidos

por não serem passíveis de serem cotados financeiramente.

É importante observar que, apesar de não serem direitos passíveis de

serem tratados economicamente, sua violação pode gerar danos patrimoniais. Um

exemplo que ilustra bem este fato é um indivíduo que ao ter sua imagem manchada

em uma calúnia encontra dificuldade em encontrar emprego posteriormente.

Elementos característicos

Para que seja caracterizado juridicamente, o assédio moral

obrigatoriamente deve possuir três características fundamentais tal como exposto por

Rafael Morais Carvalho Pinto em sua tese de mestrado Assédio Moral no Ambiente

de Trabalho e Política de Metas:

A. Degradação das condições de trabalho de forma

deliberada e intencional.

B. Repetição sistemática do ato de forma continuada no

tempo

C. Direcionamento do ato a uma pessoa ou grupo

Degradação das condições de trabalho de forma deliberada e

intencional

Juridicamente o assédio moral é tratado na maior parte das vezes pelo

direito trabalhista. Um dos objetivos mais comuns do assediador é a remoção da

vítima do ambiente de trabalho. Para tal uma das ferramentas mais eficientes

encontradas pelo assediador consiste em tornar a vítima ineficiente na execução de

suas tarefas.

Para tal é comum a degradação do ambiente de trabalho: atividades

comuns como por exemplo privar o trabalhador das ferramentas apropriadas,

Page 16: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

18

ridicularizá-lo publicamente, promover a destruição da sua imagem ou qualquer outra

atividade que dificulte ao máximo possível a execução do seu trabalho.

É importante observar que nem sempre a degradação das condições de

trabalho possuí como objetivo principal a remoção do indivíduo. Muitas vezes esta é

motivada visando a manutenção de poder ou mero sadismo.

A intencionalidade do ato do agressor também é fundamental. Ao acusar

determinado indivíduo de assediador, a vítima deve apresentar evidências que

comprovem a intenção consciente do agressor, caso contrário este pode ser visto

meramente como uma pessoa incapaz de interagir eficientemente com seus colegas

de trabalho.

É considerado agressor portanto aquele indivíduo cuja atuação intencional

é capaz de desequilibrar o ambiente de trabalho com atitudes desumanizadoras,

maliciosas e constrangedoras alterando diretamente a qualidade de vida e satisfação

do empregado no trabalho.

Repetição sistemática do ato de forma continuada no tempo

A repetição está intrinsecamente ligada ao próprio nome do fenômeno:

assédio, que carrega consigo a ideia da repetição sistemática. É considerado um

assediador aquele indivíduo que repetidas vezes agride sua vítima portanto.

Uma ofensa isolada não pode ser considerada assédio portanto. Pode sim,

ser considerada um dano moral ao indivíduo, mas apenas isto. O mal causado à vítima

do assédio moral se dá em grande parte devido à repetição do ato. É importante

mencionar que não há um padrão definido para a repetição ou duração das agressões

pois cada indivíduo reage de uma maneira de acordo com o assédio sofrido.

Direcionamento do ato a uma pessoa ou grupo

Todo assédio moral tem como princípio fundamental a discriminação. Nas

palavras de Hirigoyen:

Poderíamos praticamente dizer que todo assédio é discriminatório, pois ele vem ratificar a recusa de uma diferença ou uma particularidade da pessoa. A discriminação é habitualmente dissimulada, tendo em vista o fato de ser proibida por lei e, por isso, muito

Page 17: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

19

frequentemente se transforma em assédio moral. (HIRIGOYEN, 2006)

O ponto de partida do assédio moral consiste na identificação, por parte do

assediador, de uma ou mais características do ser assediado que serão usadas como

pontapé inicial do fenômeno. São a justificativa inicial do agressor. Não é raro que

estas características discriminadoras sejam defeitos físicos, trejeitos, opção sexual ou

religiosa ou mesmo raça.

É importante ter em mente esta característica do fenômeno para evitar que

este seja confundido com outras situações. Um indivíduo que trata igualmente mal

todos os seus subordinados não pode ser considerado um assediador devido à

ausência do direcionamento, mas sim simplesmente um profissional com sérias

dificuldades no seu relacionar com os colegas, o que não exclui, naturalmente, a

possibilidade de estar a gerar sérios danos morais àqueles com quem atua no

ambiente de trabalho.

Espécies de assédio moral

As espécies de assédio moral são identificadas de acordo com os níveis

hierárquicos envolvidos em sua ocorrência dentro de uma empresa.

Assédio moral vertical

Envolve membros pertencentes a posições hierárquicas distintas dentro de

uma empresa. Pode ser vertical ascendente ou descendente. O primeiro caso ocorre

quando o assediador é o subordinado e o assediado seu superior hierárquico. É muito

comum, por exemplo, em situações nas quais um novo gerente é alocado para uma

equipe que não aceita seu modo de trabalho por motivos diversos. Já o assédio moral

vertical descendente é o mais comum, que ocorre quando o superior hierárquico

persegue um subordinado ou grupo de subordinados.

Assédio moral horizontal

Envolve membros pertencentes à mesma posição hierárquica na empresa.

Normalmente é motivado por competições internas, inveja ou ciúmes.

Assédio moral misto

Ocorre quando a vítima é assediada por membros de hierarquias distintas

e também por aqueles pertencentes ao seu nível hierárquico.

Page 18: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

20

Diferença do assédio moral em relação a outros institutos

Para melhor compreender o fenômeno do assédio moral, é importante que

sejam traçadas algumas diferenças entre este e outros fenômenos comuns no

ambiente de trabalho. Como veremos nos exemplos expostos, sempre estas

diferenças estarão baseadas nas três características fundadoras do assédio moral.

Stress

O stress não pode ser confundido com o assédio moral pelo fato de que

todo trabalho possuí seu nível de dificuldade inerente. Apesar de muitos gestores

adotarem táticas baseadas em stress dos subordinados, degradando o ambiente de

trabalho, esta prática ainda assim não pode ser considerada assédio moral por não

ser direcionada. Neste caso o stress exagerado dos subordinados causados por esta

prática é devido unicamente à incompetência do gestor na execução o seu trabalho.

Imposições profissionais

Toda empregador possuí o direito de definir as regras de funcionamento

interno do seu negócio. A partir do momento em que o funcionário aceita a proposta

de trabalho que lhe é oferecida, este também está de acordo com as imposições

profissionais definidas pelo modo de trabalho da firma.

Portanto, apesar de muitas vezes parecerem ser abusivas, as imposições

profissionais também não podem ser consideradas assédio moral pelo fato de não

serem direcionadas a um indivíduo ou grupo. Não são discriminatórias. Imposições

abusivas, quando detectadas, serão tratadas de outra forma de acordo com a

interpretação dos juristas envolvidos.

Más condições de trabalho

Se as más condições de trabalho forem compartilhadas por todos os

funcionários da empresa, não há como ser enquadrada como assédio moral.

Novamente, entra a questão da discriminação que não ocorreu.

Dano moral

O assédio moral gera um dano moral, porém o dano moral isoladamente

não pode ser considerado assédio pelo fato de ser uma ofensa isolada e, portanto,

não satisfazer a condição de temporalidade do fenômeno tratado neste texto.

Page 19: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

21

Gestão por injúria

Como último exemplo podemos citar a gestão por injúria. Esta caracteriza-

se pela postura agressiva do gestor em relação aos seus subordinados. Apesar de

lesar os direitos personalíssimos do indivíduo, novamente não poderá ser

caracterizada como assédio moral por não ser direcionada.

Page 20: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

22

O Assédio Moral na Jurisdição Brasileira

Apesar de se tratar de um assunto popular atualmente, ainda não existe no

Brasil uma legislação específica para o assédio moral no trabalho. É muito importante

que exista a tipificação do fenômeno dado que muitos casos são julgados sem a

devida sanção, buscando apenas a indenização das vítimas, o que não causa uma

impressão forte o suficiente no agressor ao ponto de fazê-lo temer maiores

represálias. Além disto, a ocorrência deste tipo de situação, aonde o foco é dado

apenas à parte indenizatória do processo acaba por desmoralizar o fenômeno ante

juízes, que muitas vezes, devido à ausência de uma definição jurídica mais rígida para

o fato, acabam por não darem a atenção necessária à sua ocorrência.

Mesmo com esta ausência de tipificação mais rígida, o país caminha em

sua direção conforme veremos neste capítulo a partir de uma série de projetos de leis

propostos a partir de 2001, além de leis regionais e mesmo recursos presentes na

Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), Código Civil e Constituição Federal, que

fornecem aos juristas embasamento legal para que possam atuar de maneira justa

em situações nas quais o fenômeno do assédio moral se manifeste.

Projetos de Lei

A partir de 2001 observa-se a aparição de projetos de lei com o objetivo de

trazer para o nosso cabedal jurídico ferramentas que possibilitem a tipificação mais

precisa e eficiente do assédio moral. Dentre estes projetos de lei é importante destacar

o pioneiro trabalho desenvolvido pelo deputado federal Marcos de Jesus do Partido

Liberal (PL) com seu projeto de lei 4472/2001. Este projeto propõe um acréscimo ao

Código Penal Brasileiro da seguinte forma:

Art. 136-A. Depreciar, de qualquer forma e reiteradamente, a imagem ou o desempenho de servidor público ou empregado, em razão de subordinação hierárquica funcional ou laboral, sem justa causa, ou trata-lo com rigor excessivo, colocando-o em risco ou afetando sua saúde física ou psíquica. Pena – detenção de um a dois anos.

A importância deste projeto de lei se manifesta no fato de em 11 de abril de

2012 este ainda estar em discussão para que seja feito o adendo ao nosso código

penal. Como pode ser visto, o objetivo principal é criminalizar a prática do assédio

moral, propondo pena sob a forma de detenção ao agressor. Se aprovada, com

Page 21: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

23

certeza forneceria divulgaria de forma vasta o fenômeno na população brasileira além

de também causar profundo impacto nos assediadores, que agora passariam a ver

ameaçada sua liberdade a partir desta tipificação penal.

Também é importante mencionar o projeto de lei 5971/2001 proposto no

mesmo ano pelo deputado federal Inácio Arruda do Partido Comunista do Brasil (PC

do B) que, assim como a proposta 4472/2001 acima citada também propõe a

criminalização do assédio moral.

É importante salientar que a partir do momento em que a penalização do

agressor vai além da indenização, comprometendo sua própria liberdade individual,

evita-se também a ocorrência de abusos do fenômeno por parte dos supostamente

assediados. Observa-se em anos recentes um crescente número de processos por

assédio moral que não passam de tentativas desonestas de se tirar proveito da

recente visibilidade do fenômeno.

Tão importante quanto a criminalização do assédio moral é a

regulamentação trabalhista do instituto. É importante citar quatro projetos de lei nos

quais vê-se claramente a evolução conceitual do fenômeno. São estes o 5970/2001

de Inácio Arruda (PC do B), 2369/2003 de Mauro Passos do Partido dos

Trabalhadores (PT), 4593/2009 de Nelson Goetten (Partido Republicano – PR) e,

finalmente, 6625/2009, proposto por Aldo Rabelo, também do PC do B.

Este último, na opinião de Rafael Morais de Carvalho Pinto3 pode ser

considerado o mais adequado a ser aprovado pela câmara dos deputados, por

apresentar a definição mais precisa e próxima da obtida a partir dos estudos

desenvolvidos pela Psicologia que vimos no primeiro capítulo deste trabalho e

também por corrigir alguns equívocos das propostas anteriores, “como a omissão

quanto ao assédio moral ascendente, aquele praticado pelos subordinados em face

de seu superior hierárquico”. Infelizmente este projeto encontra-se paralisado desde

2010 na Câmara dos Deputados, quando em 19 de janeiro deste ano entrou em

regime de tramitação ordinária.

3 PINTO, Rafael Morais de Caravalho, Assédio Moral no Ambiente de Trabalho e a Política

Empresarial de Metas, página q00

Page 22: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

24

É interessante observar que nesta mesma lei podemos ver nos seus artigos

segundo e terceiro definições mais precisas dos conceitos de assediador, assediado

e assédio moral, tal como podemos ver a seguir:

Art 2º. Para efeito desta lei, considera-se: I – assediador: aquele que pratica atos de assédio moral, seja como empregador ou preposto deste, ou qualquer funcionário que pratique assédio moral em relação ao colega de trabalho, ainda que superior hierárquico. II – assediado: aquele que sofre assédio moral de qualquer colega de trabalho ou empregador ou seu preoposto.

Art 3º. O assédio moral é toda conduta que cause constrangimento ao trabalhador por parte de seus superiores hierárquicos ou colegas, resultantes de atos omissivos ou comissivos que resultem ao trabalhador: I – atentado contra a dignidade; II – danos à integridade; III – exposição do empregado a efeitos físicos ou mentais adversos com prejuízos à carreira profissional. (Projeto de Lei Federal . 6625/2009)

Leis Regionais

Apesar de não haver uma legislação em âmbito nacional específica para o

assédio moral, o mesmo não se pode dizer regionalmente. Destacamos o trabalho

pioneiro desenvolvido pela Lei Municipal n. 1163 de 24 de abril de 2000 do munícipio

de Iracemópolis (SP) que são definidos os procedimentos a serem adotados pela

prefeitura na ocorrência do fenômeno. É interessante observar que são definidas

inclusive medidas a serem tomadas, medidas estas que podem facilmente ser

aplicadas a qualquer estatuto interno empresarial conforme podemos ver na redação

do primeiro artigo desta lei.

Artigo 1º. Ficam os servidores públicos municipais sugeistos às seguintes penalidades administrativas na prática de assédio moral, nas dependências do local de trabalho. I – Advertência II – Suspensão, impondo-se ao funcionário a participação em curso de comportamento profissional. III – Demissão. Parágrafo único – Para fins do disposto nesta Lei, considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à

Page 23: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

25

estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis, passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de ideias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros; sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços. (Lei Municipal n. 1.163 do Município de Iracemópolis – SP)

Este trabalho pioneiro acabou por influenciar diversas outras prefeituras

pelo Brasil, como por exemplo Americana (SP), Campinas (SP), Natal (RN), Porto

Alegre (RS) e muitas outras. Interessante observar que o texto apresentado pela lei

municipal n. 13.288, de 10 de janeiro de 2002 da cidade de São Paulo possuí texto

praticamente idêntico ao de Iracemópolis, sendo as únicas diferenças a inclusão de

um terceira penalidade sob a forma de multa conforme podemos ver em seu artigo

primeiro abaixo:

Artigo 1º. Ficam os servidores públicos municipais sujeitos às seguintes penalidades administrativas na prática de assédio moral nas dependências do local de trabalho: I – curso de aprimoramento profissional; II – suspensão; III – multa; IV – demissão.

Parágrafo único – Para fins do disposto nesta lei considera-se assédio moral todo tipo de ação, gesto ou palavra que atinja, pela repetição, a auto-estima e a segurança de um indivíduo, fazendo-o duvidar de si e de sua competência, implicando em dano ao ambiente de trabalho, à evolução da carreira profissional ou à estabilidade do vínculo empregatício do funcionário, tais como: marcar tarefas com prazos impossíveis; passar alguém de uma área de responsabilidade para funções triviais; tomar crédito de ideias de outros; ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros, sonegar informações de forma insistente; espalhar rumores maliciosos; criticar com persistência; subestimar esforços. (Lei Municipal n. 13.288 da cidade de São Paulo)

Como pode ser observado, iniciou-se um procedimento de tipificação do

assédio moral na esfera pública de forma bastante homogênea: não há grandes

variações entre as leis municipais que vão além das penalidades impostas aos

funcionários públicos agressores. É importante observar também que, na medida em

que a municipalidade funciona de forma similar a uma empresa, estas leis municipais

Page 24: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

26

muitas vezes servem de modelo para estatutos de estabelecimentos privados

também, auxiliando departamentos de recursos humanos a tratar melhor a ocorrência

do fenômeno do assédio moral.

Mecanismos Jurídicos

Apesar de não haver uma legislação nacional específica para o fenômeno

assédio moral, o advogado trabalhista pode contar com a Consolidação das Leis do

Trabalho (CLT), o Código Civil e a Constituição Federal a fim de obterem

fundamentação jurídica ao lidarem com esta questão. No caso do assédio moral é

importante salientar que este é, antes de mais nada, a ocorrência repetida do dano

moral por parte do agressor que ferem dois direitos individuais básicos do cidadão

listados nos parágrafos V e X do artigo quinto da Constituição Federal aonde são

listados os direitos fundamentais de todo cidadão brasileiro:

V. é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

X. são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (Artigo 5 da Constituição Federal)

Os parágrafos V e X garantem ao assediado o direito a ser indenizado por

dano moral ou à sua imagem, que são os principais efeitos decorrentes do dano moral

ou violação de seus direitos personalíssimos, direitos estes que vimos com detalhes

no primeiro capítulo deste trabalho. Com esta base, o advogado pode com segurança

afirmar que o assediado teve seus direitos básicos garantidos pela constituição

violados.

Um aspecto importante do assédio moral é o fato deste ocorrer

normalmente devido à omissão dos gestores. De acordo com o artigo 186 do Código

Civil, é considerado praticante de ato ilícito “aquele que, por ação ou omissão

voluntária, negligência ou imprudência, violar o direito ou causar dano a outrem, ainda

que exclusivamente moral”. É fundamental mencionar aqui que para provar a omissão

voluntária do empregador, a vítima obrigatoriamente deve provar a sua consciência

do fato ocorrido, o que normalmente se dá através de prova documental como envio

de e-mails, cartas ou mesmo testemunhal.

Page 25: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

27

Finalmente, devemos citar aqui o artigo 483 da CLT, no qual encontram-se

descritas as condições que possibilitem ao empregado “considerar rescindido o seu

contrato e pleitear a devida indenização” que citamos em sua totalidade a seguir:

Art. 483 - O empregado poderá considerar rescindido o contrato e pleitear a devida indenização quando:

a) forem exigidos serviços superiores às suas forças, defesos por lei, contrários aos bons costumes, ou alheios ao contrato;

b) for tratado pelo empregador ou por seus superiores hierárquicos com rigor excessivo;

c) correr perigo manifesto de mal considerável;

d) não cumprir o empregador as obrigações do contrato;

e) praticar o empregador ou seus prepostos, contra ele ou pessoas de sua família, ato lesivo da honra e boa fama;

f) o empregador ou seus prepostos ofenderem-no fisicamente, salvo em caso de legítima defesa, própria ou de outrem;

g) o empregador reduzir o seu trabalho, sendo este por peça ou tarefa, de forma a afetar sensivelmente a importância dos salários.

§ 1º - O empregado poderá suspender a prestação dos serviços ou rescindir o contrato, quando tiver de desempenhar obrigações legais, incompatíveis com a continuação do serviço.

§ 2º - No caso de morte do empregador constituído em empresa individual, é facultado ao empregado rescindir o contrato de trabalho.

§ 3º - Nas hipóteses das letras "d" e "g", poderá o empregado pleitear a rescisão de seu contrato de trabalho e o pagamento das respectivas indenizações, permanecendo ou não no serviço até final decisão do processo. (Incluído pela Lei nº 4.825, de 5.11.1965)

Tal como observado por Rafael Morais de Carvalho Pinto (2003), todas as

hipóteses elencadas no artigo podem ser relacionadas de alguma forma ao assédio

moral.

a) (serviços superiores às forças ou alheios ao contrato), b) (rigor excessivo), c) (perigo manifesto de mal considerável), d) (não cumprir o empregador as obrigações do contrato), e) (ato lesivo da honra e boa fama),

Page 26: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

28

f) (ofender fisicamente) e g) (reduzir o trabalho de forma a afetar o salário). (PINTO, Rafael Morais Carvalho, 2012, p. 123)

Com base na CLT o advogado consegue, portanto, validar a rescisão de

contrato do assediado a partir do artigo 483 sem grandes dificuldades. Um bom

exemplo é o item b do artigo supra citado: dado que uma das principais estratégias

adotadas pelo assediador é o rigor excessivo na verificação das tarefas. Dado que o

assédio moral é em sua essência uma ofensa à honra do profissional, este caracteriza

perigo manifesto à integridade do funcionário.

Apresentação de provas

Dada a natureza fria do assédio moral uma das maiores dificuldades

enfrentadas pelos assediados é a obtenção de provas que comprovem a ocorrência

do fenômeno. Muitas vezes o assediador não se comunica diretamente com o

assediado, mas sim através de intermediários ou mesmo através de atos que,

enquanto isoladamente podem aparentar serem meramente mal entendidos, quando

vistos em sua totalidade em um período mais prolongado de tempo acabam por

exporem sua face maligna ao vitimado.

Dadas as três características básicas do assédio moral: degradação do

ambiente de trabalho, continuidade e repetição e direcionamento a um indivíduo ou

grupo de trabalhadores, as principais provas que o assediado pode apresentar em

sua defesa consistem em conteúdo testemunhal ou apresentação de documentos que

comprovem a ocorrência do assédio.

No caso de prova documental os advogados recomendam que o assediado

sempre anote quando e como a agressão ocorreu em mínimos detalhes,

preferencialmente listando pessoas que se encontravam presentes naquele momento.

Um conselho normalmente dado ao assediado é evitar ao máximo contato isolado

com o assediador: a vítima deve, sempre que possível, entrar em contato com este

acompanhado, gerando assim prova testemunhal que poderá ser usada no caso da

vítima procurar a justiça em busca de reparação aos atos cometidos contra sua

pessoa.

Page 27: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

29

A Fábrica de Software

O termo “fábrica de software” aplicado em território nacional refere-se ao

ramo comercial responsável pelo desenvolvimento e manutenção de sistemas de

computador customizados. Dado o foco neste trabalho ser a ocorrência do fenômeno

do assédio moral neste ambiente, faz-se necessário que neste capítulo tracemos os

atores envolvidos neste cenário e como é estruturado internamente este ramo de

atividade comercial.

Conceituação

A definição mais comum de fábricas de software no Brasil é aquela que

encontramos na Wikipédia (2013):

Fábrica de software é um conjunto de recursos (humanos e materiais), processos e metodologias estruturados de forma semelhante àqueles das indústrias tradicionais, utilizando as melhores práticas criadas para o processo de desenvolvimento, testes e manutenções dos softwares

O termo fábrica de software adotado no Brasil é na realidade uma distorção

grosseira do modo como é aplicado no exterior. Fora do nosso país a ideia de fábrica

de software está diretamente ligada ao de linha de produtos de software (software

product line), ou seja, um conjunto de técnicas de engenharia de software que tem por

objetivo a criação de uma série de softwares similares, voltados para o mesmo

nicho de mercado tendo como base ativos (componentes) reaproveitáveis que são

integrados de tal forma que possibilitem atender às demandas de seus clientes.

O termo fábrica desde sua introdução sempre foi alvo de intensa

argumentação dado que gera a impressão de estramos lidando com a produção em

massa, algo distante da natureza real da produção de software. Entretanto, tal como

exposto por Aaen (1997), o emprego da palavra na realidade tinha por objetivo

sinalizar o comprometimento em se obter melhorias na produção de software através

do aprimoramento de processos com foco no reuso e integração de componentes.

Para melhor compreender como o conceito se enquadra na realidade brasileira, é

interessante conhecer as quatro conceituações apresentadas por Aaen et al em seu

artigo The Software Factory: Contributions and Illusions de 1997, artigo

importantíssimo para que possamos compreender como se desenvolve

Page 28: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

30

historicamente o conceito de fábricas de software (software factory) no exterior para

que fique clara a distorção que o termo recebe em território nacional.

Modelo Industrial Japonês

A primeira fábrica de software que se tem notícia foi criada em 1969 pela

empresa japonesa Hitachi com o objetivo de melhorar o modo como seus sistemas

eram internamente desenvolvidos. Este foi um trabalho pioneiro que acabou por criar

uma categoria própria de fábricas de software: a industrial4 que é o modelo dominante

no Japão até os dias de hoje. A fábrica da Hitachi foi inovadora ao apresentar três

elementos estratégicos fundamentais:

A construção de edifícios apenas para acomodar o processo de

desenvolvimento de software, identificando assim portanto a

atividade como uma disciplina independente.

Criação de ambientes de desenvolvimento com o objetivo de

facilitar a criação e integração dos componentes de software

gerados e mantidos pela fábrica.

Instituição de uma entidade focada no controle e monitoramento dos

processos de produção e software.

O ponto fundamental da fábrica de software industrial japonesa está na

criação de elementos de software reutilizáveis. Qualquer código novo desenvolvido

internamente só é válido e aceito pela instituição se for passível de ser reaproveitado

em outras situações. Este reuso, naturalmente, só se fez possível pelo fato da unidade

de produção de sistemas da Hitachi ser completamente focada no nicho de mercado

da empresa, que na época consistia em dispositivos eletrônicos de controle, tal como

observado por Aaen (1997).

Este modelo se mostrou extremamente bem sucedido, possibilitando

índices de 90% de reaproveitamento de software e aumento significativo na

produtividade da organização e qualidade do software gerado, dado que os

componentes, por serem adotados em uma grande gama de situações, acabam com

isto sendo testados exaustivamente e, consequentemente, adquirindo altíssimo nível

de qualidade.

4 AAEN, 1997, pp. 411-413

Page 29: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

31

A história da fábrica de software criada pela Hitachi e desenvolvida pelas

empresas japonesas é fascinante: mostra como o Japão em 1969 se encontrava

décadas à frente de todos no desenvolvimento de processos e engenharia de

software. Apenas como um comparativo, em 1969 os mainframes desenvolvidos pela

Hitachi eram compatíveis com os da IBM e superiores em performance e custo, em

grande parte devido às técnicas desenvolvidas neste período. Conceitos hoje

populares entre os desenvolvedores como ambiente integrado de desenvolvimento

(IDE: Integrated Development Environment), ferramentas CASE (Computer-Aided

Software Engineering) e muitos outros tem seus germes no trabalho pioneiro

desenvolvido pela Hitachi.

Acredito que ler a respeito da história deste trabalho pioneiro da Hitachi

seja uma experiência incrivelmente enriquecedora para qualquer um que se interesse

pelas áreas de engenharia de software, processo ou desenvolvimento de software em

geral. Recomendo a leitura do artigo “Hitachi: Pioneering the “Factory” Model for

Large-Scale Software Development5” de Michael A. Cusumano publicado em 1987

pelo M.I.T.

Modelo Europeu: software genérico6

Motivado pelo sucesso do modelo industrial japonês a Europa

desenvolveu o projeto Eureka (Eureka Software Factory) entre 1987 e 1996. Assim

como o modelo japonês, seu foco consistiu em prover tecnologia, padrões e suporte

organizacional para que as fábricas de software europeias pudessem ser criadas

usando como base componentes de terceiros, alimentando assim seu mercado

interno de desenvolvedores terceirizados independentes (ISV: Independent Software

Vendors).

Percebe-se claramente o foco infraestrutural no reuso de componentes

através da criação de padrões de comunicação, ambientes de desenvolvimento

integrados e técnicas de integração.

É interessante observar que, a partir do momento em que o foco da fábrica

se abrangeu - ao contrário do modelo japonês que era extremamente focado na área

5 Interessante observar que já nesta época o termo “fábrica” visto como controvérsia no

próprio título do artigo. 6 AAEN, 1997, pp. 413-416

Page 30: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

32

de atuação da empresa – ao buscar a criação de um mercado continental europeu

para produtores de componentes de software, o modelo fracassou, ao ponto de ser

difícil hoje encontrar artigos a respeito desta iniciativa.

A iniciativa Eureka apesar do seu fracasso deixou um legado considerável.

Como uma tentativa de se criar uma arquitetura de componentes universal voltada

para componentes genéricos, podemos ver sua influência em diversos padrões

arquiteturais existentes atualmente como por exemplo o SOA (Software Oriented

Architecture).

Fábrica de componentes baseada em experiência (Estados Unidos da

América)

O terceiro modelo apresentado por Aaen7 foi desenvolvido nos Estados Unidos

da América em um consórcio envolvendo NASA8, Goddard Space Flight Center,

Universidade de Maryland e Computer Science Corporation possui como principais

objetivos “(1) entender o processo de desenvolvimento de software no ambiente de

produção, (2) determinar o impacto das tecnologias disponíveis e (3) difundir novas

metodologias no processo de desenvolvimento de software”9. Observamos aqui uma

mudança no foco que passa a ser voltado para a área de processo de

desenvolvimento.

Seus principais elementos estratégicos consistem em buscar um paradigma

evolucionário de desenvolvimento baseado na melhoria contínua, maior atenção é

dada na gestão do conhecimento e a inclusão de planos de contingência que, aliados

à gestão do conhecimento propiciam às empresas melhor se adaptarem às situações

conforme estas ocorrem. Observa-se a ausência de investimento em tecnologias de

infraestrutura tal como observamos nos modelos anteriores (japonês e europeu): há

uma intensidade muito menor em esforços na direção de criação de novos ambientes

de desenvolvimento ou padrões de comunicação. Percebe-se agora uma visão mais

generalista, evidenciando-se a fábrica de software não mais como uma atividade

sempre focada para um nicho específico de mercado tal como presente no modelo

japonês e europeu.

7 AAEN, 1997, pp. 416-418 8 Agência espacial norte-americana: National Aeronautics and Space Agency) 9 AAEN, 1997, p 416, tradução nossa

Page 31: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

33

Capability Maturity Model (CMM) – (Estados Unidos da América)10

O último modelo abordado por Aaen é o CMM: desenvolvido pelo

Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América. A principal motivação por

trás da sua criação foi o excessivo número de fracassos na execução de projetos de

desenvolvimento de sistemas. Seu objetivo inicial consistiu em fornecer ao

Departamento de Defesa norte-americano formas de avaliar seus fornecedores de

software a fim de minimizar a ocorrência destes fracassos.

O modelo CMM é baseado em estágios evolutivos que devem ser seguidos por

todos os fornecedores dispostos a adotá-lo como paradigma organizacional. Todos

estes estágios objetivam a obtenção de três características por todo fornecedor:

Previsibilidade: o fornecedor de software deve ser capaz de

apresentar estimativas mais precisas de prazo e custo.

Confiança: o processo é bem conhecido pelo cliente e pelo próprio

fornecedor.

Melhoria contínua: o processo de desenvolvimento encontra-se em

desenvolvimento eterno.

A obtenção destes atributos é feita de forma evolutiva. Para tal o modelo

CMM propõe cinco estágios evolutivos: (1) Inicial, que corresponde à ausência de

processos organizacionais por parte do fornecedor, (2) Repetitivo, no qual

competências básicas já se encontram presentes, (3) Definido, quando o processo

interno da empresa já se encontra bem definido e confirmado, (4) Gerenciado, quando

o processo é gerenciado através de métricas internas definidas pela empresa e,

finalmente, (5) Otimizado, no qual o estabelecimento já possuí indicadores mais

avançados e inicia seu processo de amadurecimento contínuo eterno.

Para comprovar seu nível de maturidade, o fornecedor deve se submeter a

um processo de certificação no qual são verificadas a ocorrência de práticas chave11

correspondentes a cada estágio de maturidade. Para obter o nível mais básico de

maturidade do CMM, que é o 2, faz-se necessário, por exemplo, a comprovação das

10 AAEN, 1997, pp. 419-423 11 Estas práticas chave são chamadas no CMM de KP: Key Practice

Page 32: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

34

práticas de gerenciamento de requisitos, planejamento, contratação, qualidade,

configuração e rastreio.

É interessante observar que no modelo CMM um aspecto que facilita a

ocorrência do assédio moral dentro das empresas: trata-se do seu foco na melhoria

contínua. Tal como observado por AAEN, o foco está sempre na implementação da

melhoria contínua, que deve ser buscada sempre da seguinte maneira:

Elementos chave na melhoria do processo são o comprometimento da gerência, identificação da resistência na organização e permitindo que as pessoas próximas do processo em questão os aprimorem. (AAEN, 1997, p. 423)12

Um aspecto comum a diversas vítimas de assédio moral é justamente o

fato de apresentarem opiniões conflitantes com as do assediador, o que muitas vezes

inicia o processo de discriminação do assediado. Como bem observa AAEN no trecho

acima citado, o CMM deve também permitir que as pessoas próximas ao processo em

questão o aprimorem. Cabe ao implementador do processo saber portanto mediar

entre os extremos da resistência injustificada e o respeito à capacidade técnica do

trabalhador.

O modelo CMM foi posteriormente evoluído para o padrão CMMI, aplicado

em contratos internacionais. No Brasil foi criado o modelo de maturidade MPS.br

(Modelo de Processos do Software Brasileiro), cujo objetivo é adaptar o padrão

internacional à realidade nacional, reduzindo o custo de padronização das empresas

e divulgando boas práticas de gerência e engenharia de software.

O Modelo Brasileiro

No Brasil observa-se claramente a adoção do padrão CMM a partir da sua

localização sob a forma do MPS.br. As fábricas de software não apresentam o foco

vertical observado, por exemplo, na definição de fábrica presente nos modelos

japonês e europeu mas sim uma visão claramente generalista: o nicho passa a ser o

mercado como um todo. O componente deixa de ser visto como um software

propriamente dito e passa a ser apresentado como experiência da equipe em projetos

anteriores.

12 Tradução e grifos nossos.

Page 33: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

35

Esta característica, no entanto, não nega a existência de fábricas verticais,

focadas em apenas um nicho de mercado. Estas existem, mas muitas vezes não

adquirem tanta visibilidade pelo fato de serem departamentos internos de Tecnologia

da Informação ou empresas cujo foco seja um nicho de mercado bem específico e

não são o foco deste trabalho. Talvez um termo melhor que pudesse ser aplicado a

este segmento não seja “fábrica”, mas sim consultoria ou outsourcing.

Fica claro portanto que o termo fábrica de software muito pouco tem a ver

com sua origem fora do território nacional. Enquanto no exterior é visto como uma

metodologia de desenvolvimento, aqui passa a ser visto como um modo

administrativo. Dado que nossa visão do mundo é claramente influenciada pelo uso

que fazemos da linguagem, sem sombra de dúvidas esta distorção será refletida no

modelo administrativo adotado por estes estabelecimentos comerciais, levando a uma

menor eficiência e possibilitando a ocorrência do fenômeno do assédio moral tal como

veremos a seguir na descrição das duas principais correntes administrativas que

influenciam este nicho do mercado.

Modelos Administrativos

Com a explosão da globalização e do neoliberalismo tornou-se

necessária a reestruturação produtiva decorrente do aumento da competição das

empresas com o mercado internacional. No Brasil, esta abertura se mostrou de forma

mais acentuada a partir da década de 1990 com o Governo Collor e ampliada no

Governo Fernando Henrique Cardoso com a abertura das importações13.

Com a abertura das importações observou-se no mercado nacional o

fechamento de fábricas, modernização tecnológica e um significativo aumento nas

terceirizações, decorrentes da necessidade das empresas em reduzir

significativamente os seus gastos com pessoal. Neste aumento das terceirizações

observou-se o crescimento das fábricas de software em território nacional, uma vez

que as empresas contratantes não mais possuíam recursos para manter internamente

suas equipes de desenvolvimento.

Tal como observado por FREITAS (2009), esta crise econômica colocou

em risco o emprego dos trabalhadores, propiciando o aumento dos casos de assédio

13 FREIRE, 2009, p. 383

Page 34: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

36

moral na indústria como um todo devido ao fato do trabalhador passar a ser visto como

peça substituível e, portanto, mais propenso a suportar humilhações a fim de manter

seu emprego ou mesmo de não passar a fazer parte do processo assediante.

Os dois modelos administrativos dominantes no mercado mundial,

influenciados por ideias Tayloristas/Fordistas ou Toyotista fornecem um ambiente

propício para a ocorrência do assédio moral quando mal gerenciados. Nesta seção

analisaremos como estes dois modelos atuam diretamente sobre fábricas de software

propiciando este fenômeno.

3.2.1 Taylorismo/Fordismo

O modelo de administração taylorista, também conhecido como

administração científica foi criado pelo engenheiro norte-americano Frederick Taylor

(1856-1915) com o objetivo de modernizar a organização de trabalho norte-americana

durante a revolução industrial.

É importante compreender o contexto no qual a administração científica

surge: durante a revolução industrial observa-se o aumento significativo da carga de

trabalho dos operários, facilmente chegando a 16 horas por dia. Este aumento da

carga horária aliado a péssimas condições de trabalho e higiene acabou por contribuir

significativamente com a queda da produtividade das empresas, que passavam a

enfrentar enormes dificuldades na manutenção de mão de obra (DEJOUR, 1992).

Frederick Taylor publica em 1911 seu livro Princípios da Administração

Científica que apresenta uma solução revolucionária para estes problemas: propõe a

redução da carga horária e o aumento do salário dos operários a partir da sua teoria

da administração científica baseada em quatro princípios fundamentais:

Planejamento: substituição dos métodos empíricos por científicos e

testados.

Seleção e preparo: os trabalhadores são direcionados para as suas

melhores aptidões.

Controle: supervisiona-se se o trabalho está sendo executado tal

como estabelecido.

Execução: aumento da disciplina do trabalho.

Page 35: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

37

Taylor introduz a ideia de que toda tarefa deve ser medida com máxima

precisão a fim de se reduzir o tempo ocioso. Para tal, propõe a substituição do operário

artesão pelo meramente treinado, alienando o trabalhador do conhecimento geral do

seu ofício e afastando-o das tomadas de decisão referentes ao seu modo de trabalho.

Seu objetivo com isto é aumentar o poder do patrão, que passa a ser menos

dependente dos artesãos que de fato dominavam o conhecimento relacionado ao

processo produtivo e, com isto, reduzir a complexidade das tarefas ao mínimo

necessário para que todo trabalhador pudesse ser facilmente substituído por outro

caso necessário.

As tarefas passam portanto a ser definidas com maior rigidez e precisão

dentro das fábricas: cria-se uma série de tarefas extremamente bem definidas a fim

de que os trabalhadores não tivessem qualquer tipo de dúvida a respeito do que

precisariam fazer em sua jornada de trabalho. Taylor propõe também práticas

gerenciais impostas aos operários como, por exemplo definir que à gerência caberia

definir a jornada de trabalho de forma completamente controlada, supervisionada e

sem interrupções, de tal modo que o trabalhador só pudesse parar para descansar

quando lhe fosse permitido. Esta definição mais agressiva da jornada de trabalho tinha

como objetivo fundamental facilitar a medição do tempo e custo, a fim de que se

tornasse possível um melhor planejamento a respeito das tarefas que precisassem

ser executadas pelos trabalhadores.

A partir do momento em que medidas mais precisas pudessem ser

tomadas, mais fácil tornava-se para o empregador maximizar a produção de cada

operário reduzindo a sua jornada de trabalho e, com isto, aumentar consideravelmente

seus lucros reduzindo os gastos desnecessários.

As ideias de Taylor serão colocadas em prática por Henry Ford ao introduzir

a sua linha de montagem. O sucesso é extremo: durante a década de 1920 a fábrica

de automóveis Ford chega a produzir 2 milhões de carros por ano. Os princípios de

Taylor são levados ao extremo: a linha de produção evita a movimentação

desnecessária dos operários: a situação se inverte pois não mais os operários se

dirigem ao seu ferramental, mas sim o contrário: este caminha em sua direção pela

esteira sob a forma da peça que precisa ser trabalhada de forma cirúrgica como por

exemplo o mero apertar de um parafuso ou polimento de sua superfície.

Page 36: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

38

Entretanto, apesar de todo ganho produtivo oferecido pelo modelo

Taylorista, este não veio sem um alto custo emocional para os trabalhadores. Tal

como observado por CIGOLINI (2004): o alienamento do trabalhador do seu modo de

trabalho o leva a uma relação de dor com o processo produtivo por se sentir

desvalorizado e dispensável.

(...) organizações que possibilitam negociação para os seus trabalhadores são propiciadoras de prazer em decorrência da integração e globalização dos processos, métodos e instrumentos de trabalho, do conteúdo significativo das tarefas, da autonomia, do uso das competências técnicas e criativas e das relações hierárquicas baseadas na confiança, cooperação, participação e definição das regras pelo coletivo de trabalho (CIGOLINI, 2004)

O Taylorismo cria um ambiente propício ao assédio moral ao nos

apresentar um ambiente marcado por “pressões pelo desempenho quantitativo, além

da despersonalização do trabalhador – tratado como objeto de produção” (FREIRE,

2009).

Em fábricas de software observa-se a influência do Taylorismo sob a forma

do processo de desenvolvimento baseado em cascata, esquematizado na Imagem 1.

Imagem 1: Modelo de desenvolvimento em cascata

O modelo de desenvolvimento em cascata, documentado pela primeira vez

por Wynston Royce em 1970 apresenta de forma clara os princípios básicos por trás

Page 37: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

39

do pensamento Fordista/Taylorista. Este se caracteriza por simular uma linha de

produção composta por basicamente cinco etapas: obtenção de requisitos, projeto do

sistema, implementação, verificação (testes) e manutenção. Tal como na linha de

montagem de Ford, o trabalhador não precisa buscar o insumo do seu trabalho: este

lhe é fornecido como o resultado da operação que lhe antecede.

Fica nítida também a divisão mais rígida de tarefas: surge a figura do

analista de requisitos (requisitos), do arquiteto (projeto), programador

(implementação), analista de testes (verificação) e implantador (manutenção). Assim

como na administração científica o trabalhador é alienado do processo como um todo,

o mesmo observa-se no modelo de desenvolvimento em cascata, no qual

normalmente o único elemento da equipe capaz de conhecer todo o processo

encontra-se fora da cadeia sob a forma do gestor, responsável por definir de forma

mais rígida e precisa a carga de trabalho e papel dos demais membros da equipe.

Dada a alta pressão decorrente dos fatores econômicos este modelo de

desenvolvimento acaba por gerar maior pressão sobre os membros da equipe, que se

percebem obrigados a trabalhar de forma totalmente sincronizada a fim de que todas

as metas sejam cumpridas, aumentando portanto a tensão entre os membros da

equipe e, portanto, fornecendo um ambiente propício para a ocorrência do assédio

moral.

No modelo Taylorista/Fordista nota-se claramente a ocorrência do assédio

moral vertical descendente, ou seja, que parte dos níveis hierárquicos superiores em

direção aos inferiores.

Toyotismo

O modo de produção toyotista14 surge no Japão após a segunda guerra

mundial na fábrica da Toyota idealizado por Taiichi Ohno. Este aparece como uma

adaptação do Fordismo em um país devastado pela guerra com escassez de matéria

prima, mercado consumidor e mão de obra qualificada. Enquanto no modelo Fordista

observa-se a produção em larga escala e a construção de enormes estoques, o oposto

observa-se no modelo toyotista: produção em baixa escala com foco na redução do

desperdício. Este modo de produção, nascido da ausência de recursos mostra-se

14 O Toyotismo também é conhecido como modelo de produção lean, especialmente nos

EUA.

Page 38: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

40

extremamente bem sucedido durante a segunda metade do século XX, especialmente

após a crise do petróleo da década de 1970 pelo fato de ser um modo de produção

que consome uma quantidade significativamente inferior de matérias primas e energia

se comparado com o modelo de linha de produção Fordista/Taylorista.

O foco na redução dos custos se apresenta em seis características básicas

do modelo toyotista. O primeiro aspecto diz respeito à produção no estilo just in time:

ao contrário do fordismo no qual há a produção em massa gerando estoques

gigantescos, observa-se agora a produção apenas do estritamente necessário

produzindo estoque próximo a zero: produz-se apenas o que será vendido. O

Toyotismo nos apresenta novas ferramentas para a obtenção deste objetivo, como

por exemplo o kanban que fornece aos trabalhadores uma visão geral do estado

produtivo da fábrica, além de técnicas como o kaizen, que propõe a melhoria contínua

do processo tal como observamos nos modelos americano e CMM de fábricas de

software.

A mão de obra, por ser mais escassa, passa a ser melhor aproveitada: ao

contrário do taylorismo no qual o trabalhador desempenha apenas uma tarefa, no

Toyotismo observa-se a multifuncionalização do operário: que passa muitas vezes a

conhecer todo o processo produtivo, evitando-se assim períodos de inatividade

decorrentes de atraso na linha de produção, tal como exposto neste trabalho quando

foi apresentado o modelo de desenvolvimento em cascata. Como resultado observa-

se uma maior pressão sobre o trabalhador, que passa a se ver executando tarefas

para as quais não possuí o perfil apropriado (PINTO 2012). O operário que se via

alienado do controle sobre o modo de produção volta a ter voz ativa sobre o mesmo.

Nas fábricas que adotam este modo de produção todos são incentivados a, em

encontros periódicos, apresentar suas sugestões de melhoria a respeito da

organização do trabalho.

A redução do desperdício se dá também com um programa de qualidade

total. Produtos defeituosos requerem um maior custo de manutenção. As fábricas

toyotistas passam a empregar maior atenção em seus sistemas de qualidade e

verificação: ao contrário do sistema fordista no qual a qualidade é medida a partir de

uma amostragem, no Toyotismo a atenção aos detalhes de cada peça é muito maior,

assim como a pressão em cima dos funcionários, que passam a receber uma maior

cobrança sobre a qualidade do seu trabalho (PINTO 2012).

Page 39: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

41

Nas fábricas de software a influência toyotista se faz sentir de forma mais

acentuada com a emergência do desenvolvimento ágil, que consiste em uma série de

princípios com o objetivo de aumentar a produtividade da equipe responsável pelo

desenvolvimento, apresentando uma mudança radical no modo de trabalho tradicional

e dominante até então que era o baseado em cascata apresentado na seção 3.2.1.

Na metodologia ágil a rigidez dos papéis é substituída pela

multidisciplinaridade tal como ocorre no Toyotismo. Todos passam a ser responsáveis

pela qualidade do produto final através da prática de testes automatizados, integração

contínua e revisão de código (SHORE, 2008).

Observa-se também a aplicação de ferramentas apresentadas pelo

Toyotismo, especificamente o uso do kanban no planejamento das tarefas a serem

desenvolvidas e do kaizen na busca por melhorias contínuas no processo de

desenvolvimento. É interessante observar que, apesar de apresentar significativos

ganhos de produtividade e na qualidade de vida dos membros da equipe, as

metodologias ágeis, por possuírem sua herança toyotista, se não forem bem aplicadas

também podem gerar ambientes propícios à ocorrência do assédio moral devido aos

mesmos fatores descritos nesta seção.

Tal como observado por PINTO(2012), a partir do momento em que a

multidisciplinaridade entre os membros da equipe se apresenta, o trabalhador se

encontra submetido a uma pressão muito maior para que aprenda uma quantidade

significativamente maior de conteúdo técnico, conteúdo este que muitas vezes não é

aquele para o qual possuí aptidão natural.

No modelo toyotista observa-se claramente, de acordo com a experiência

de advogados acostumados a lidar com o assédio moral a ocorrência do assédio

horizontal, na medida em que ocorre a maior cobrança entre os colegas pertencentes

ao mesmo nível hierárquico.

Política de Metas

Uma das principais ferramentas competitivas disponíveis para as empresas

que buscam aumentar a sua produtividade para assim poderem competir e sobreviver

em um mercado cada vez mais difícil consiste na implantação de uma política de

metas. No caso de fábricas de software este é um fato comum: propor, por exemplo,

Page 40: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

42

a distribuição dos lucros da empresa caso determinado objetivo seja concretizado

pelas diferentes equipes que compõem a empresa.

Para melhor compreendermos a questão, faz-se necessário que primeiro

seja definido o que vêm a ser uma meta. Encontramos uma excelente definição na

tese de mestrado de Rafael Morais de Carvalho Pinto a seguir:

Metas são objetivos quantificados, ou seja, o objetivo é a descrição de algo que se deseja alcançar. Por sua vez, a meta quantifica, em tempo e valores, o objetivo almejado. Assim, a meta é mais precisa, em valores e em datas, do que o objetivo. (...) Os parâmetros para o estabelecimento de metas seguem algumas regras, como serem específicas e consistentes, bem como serem desafiantes, sem, contudo, deixarem de ser aceitáveis ou realistas. (...) A meta, como planejamento estratégico das organizações, consiste em estabelecer o marco de produtividade que deve ser alcançado pelo empregado em determiando lapso temporal. (...), caso atingido esse patamar fixado pelo empregador, haverá uma compensação econômico. Logo, essa premiação torna-se uma forma de incentivar o empregado a aumentar sua produtividade e, via de consequência, melhorar os resultados finais da empresa. (PINTO, 2011, pp. 107-108)

Portanto, para que uma meta seja justificável, esta primeiro precisa ser

factível, ou seja, deve poder ser atingida pela equipe à qual foi proposta. Por se tratar

de um desafio, esta possuí a vantagem de tornar o trabalhador seu próprio fiscal

(PINTO, 2011), reduzindo assim ainda mais os custos operacionais da empresa na

busca por uma melhor produtividade.

Tal como observado por Rafael Morais de Carvalho Pinto (2011, pp. 108),

a partir do momento em que se formam grupos de trabalho em que seu êxito passa a

depender da participação de cada indivíduo, o grupo também passa a fiscalizar cada

membro, o que pode aumentar a cobrança individual sobre aqueles que apresentarem

um resultado menos satisfatório.

A política de metas quando mal aplicada facilita a discriminação de um

funcionário ou grupo quando, por exemplo, este ao atingir as metas estabelecidas pela

empresa, passa a ser exposto como um exemplo pela gerência aos demais

funcionários da empresa, que por sua vez começam a ser pressionados para atingir

resultados similares. Com a evidenciação do funcionário ou grupo, este

Page 41: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

43

automaticamente já é alvo de discriminação, que pode gerar resultados negativos para

este motivados pelos sentimentos de inveja ou competição entre os demais membros

da equipe (PINTO, 2011).

Em fábricas de software é comum a política de metas ser apresentada, por

exemplo, objetivando motivar o aumento da qualidade dos produtos gerados

definindo-se metas de qualidade como redução de bugs, entregas no prazo ou

obtenção de maior lucratividade do projeto.

No caso de metas envolvendo redução de defeitos, torna-se comum, tal

como evidenciado em um dos casos exposto neste trabalho, a ocorrência de atritos

entre os papéis de programador e analista de testes, ou mesmo analista de testes e

de requisitos.

Page 42: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

44

Percepção Ordinária do Fenômeno

Para obter um panorama sobre a ocorrência do fenômeno do assédio moral

nas fábricas de software foram traçadas duas frentes de trabalho. A primeira consistiu

na publicação de um formulário na Internet aonde os visitantes do blog15 mantido pelo

autor deste trabalho pudessem de forma anônima reportar experiências que tivessem

vivenciado relacionadas ao fenômeno. O preenchimento deste formulário possui duplo

objetivo: capturar a visão que o público possuí sobre o fenômeno e extrair alguns

dados estatísticos que forneçam uma visão de modos como o assédio pode ocorrer.

Paralelamente foi também desenvolvida uma pesquisa de jurisprudência a

fim de expor casos nos quais o assédio moral tenha se manifestado no ambiente das

fábricas de software. Para tal foram feitas pesquisas em sentenças de processos

trabalhistas usando para tal as ferramentas disponibilizadas pelos tribunais

trabalhistas na Internet.

Obtenção de dados estatísticos

A fim de obter a percepção que os trabalhadores da Tecnologia da

Informação possuem a respeito do assédio moral foi disponibilizado na Internet um

formulário com o objetivo de coletar as experiências que estes pudessem ter

vivenciado.

O Questionário

A fim de obter relatos a respeito da ocorrência de assédio moral a primeira

tentativa do trabalho consistiu em publicar no blog do autor um post intitulado “Dano

e assédio moral em TI”16 no dia 10 de fevereiro de 2013. Neste post foi exposta de

forma geral o tema e ao final do post foi disponibilizado o endereço de e-mail do autor

para que seus leitores fornecessem suas experiências. Logo após a publicação deste

post um dos leitores procurou o autor dizendo que não teria coragem de fornecer suas

experiências com medo destas serem divulgadas e que isto deveria ser feito

anonimamente. Sendo assim, nod ia 11 de fevereiro de 2013 foi publicado um

15 Os posts relacionados ao tema podem ser acessados em

http://www.itexto.net/devkico/?cat=63 (data do acesso: 1/jun/2013) 16 http://www.itexto.net/devkico/?p=1306 (data do acesso: 1/mar/2013)

Page 43: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

45

questionário baseado na tecnologia Google Docs17 que possibilitava maior anonimato

aos participantes da pesquisa.

Na Tabela 1 podemos ver as perguntas que compunham este formulário e

suas respectivas justificativas.

Pergunta Objetivo

Área de atuação da empresa ou equipe aonde ocorreu o fato Opções: Fábrica de Software, Departamento de TI, Outra

Situar a área comercial na qual o fenômeno ocorreu. A opção “Departamento de TI” e “Outra” foi incluída devido ao fato de no Brasil, tal como pode ser visto no capítulo 3 deste trabalho, o conceito de “Fábrica de Software” não se encontrar ainda plenamente difundido e definido entre os trabalhadores da área de Tecnologia da Informação.

Nível hierárquico do agressor em relação a você ou colega(s) agredito(s) Opções: Superior, Mesmo Nível, Inferior

Obter estatísticas a respeito do aspecto vertical do assédio moral.

Função desempenhada pelo agressor (ou agressores) na empresa/equipe Opções: Gerente de Projeto, Coordenador, Analista de Requisitos, Analista de Testes/QA, Arquiteto, Desenvolvedor/Programador, Gerente de Configuração, Coordenador de Operações

Identificar estatisticamente qual o papel dentro de uma fábrica de software aonde surjam com mais frequência profissionais com perfil assediador.

Periodicidade da agressão Opções: Evento isolado, Ocorreu repetidas vezes

Separar os relatos que não fossem propriamente assédio moral, mas sim dano moral, tal como exposto no primeiro capítulo deste trabalho, um dos desafios na identificação do fenômeno assédio moral é o fato deste muitas vezes ser confundido pela vítima como sendo um dano moral.

Descrição do ato A descrição da experiência sofrida pelo assediado. É importante mencionar que no cabeçalho do questionário está explícito que de forma alguma o nome da empresa aonde o evento ocorreu

17 http://www.itexto.net/devkico/?p=1312 (data do acesso: 1/jun/2013)

Page 44: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

46

devesse ser divulgado a fim de manter o anonimato da vítima.

O que na sua opinião ocasionou a situação?

Tal como exposto no primeiro capítulo deste trabalho, todo assédio moral possuí um ponto de partida, um momento de atrito no qual o assediador inicia seus ataques à vítima. O objetivo desta pergunta foi justamente buscar um padrão entre os entrevistados a fim de poder tratar melhor o fenômeno.

Quais as consequências do assédio ou dano moral?

Obter os efeitos do dano moral na vítima.

Localização geográfica A cidade aonde o evento ocorreu.

Tabela 1: Perguntas que compõem o questionário

Resultados obtidos

A maior dificuldade na obtenção dos dados ficou evidenciada pelo medo

dos participantes de se mancharem no mercado ao exporem suas experiências, o que

ficou evidenciado diversas vezes no momento em que as vítimas eram procuradas

pelo autor e relatavam esta dificuldade. Mesmo o formulário ocultando qualquer dado

que pudesse levar o relato a vítima infelizmente até a conclusão deste trabalho apenas

19 relatos foram fornecidos.

Relatos identificados como assédio moral

Uma das grandes dificuldades enfrentadas na identificação do assédio

moral consiste no fato deste normalmente ser confundido com o dano moral. Como

tratado no primeiro capítulo deste trabalho, três são os aspectos que caracterizam o

assédio moral: sua repetição ao longo do tempo, o fato de ser direcionado a um grupo

ou indivíduos e os danos causados ao ambiente de trabalho da vítima.

Em nosso formulário o direcionamento do assédio fica evidente pelo próprio

relato da vítima, assim como o dano ao seu ambiente de trabalho. O ponto chave que

diferencia o assédio moral do dano moral é justamente portanto o fator periodicidade,

representado no questionário pela questão “periodicidade do evento”.

Com base nestes critérios, constatou-se que 19% dos relatos (4) não eram

assédio moral, mas sim dano moral decorrente de se tratarem apenas de eventos

isolados. Com base nestas informações, todas as estatísticas expostas a seguir são

relativas apenas aos 15 relatos restantes que correspondem a 81% da pesquisa.

Page 45: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

47

Área de atuação da empresa

No questionário ao ser questionada a área de atuação da empresa aonde

ocorreu o assédio moral tinha por objetivo executar uma segunda filtragem dos dados,

de tal modo que pudéssemos lidar apenas com os relatos ocorridos em fábricas de

software. Dos 15 relatos restantes, apenas um não havia ocorrido dentro de fábricas

de software. Consequentemente, as estatísticas abaixo correspondente aos 14 relatos

obtidos pelo formulário são apenas os casos devidamente caracterizados como

assédio moral que tenham ocorrido em uma fábrica de software.

Perfil do agressor

Com base nos 14 relatos restantes, foi possível obter o seguinte perfil do

agressor: 31% dos casos o assediador se encontrava no mesmo nível hierárquico que

a vítima. Pelos relatos, nestes casos normalmente o ponto de partida do assédio era

motivado por disputas internas dentro da própria equipe ou sentimentos negativos

como inveja. Todos os demais relatos, que correspondem a 69% dos casos observou-

se que o assediador pertencia a um nível hierárquico superior ao da vítima.

Dado que o assédio moral poderia envolver mais de um assediador, nosso

questionário permitia que o participante da pesquisa marcasse mais de um cargo.

Com isto, obteve-se um total de 19 assediadores, configurando mais de um caso no

qual o assédio era feito por mais de um membro da equipe. Acreditamos que uma

melhoria futura em nossos resultados poderá ser a inclusão de uma pergunta que

identifique qual o membro da equipe que foi o responsável por iniciar o processo de

assédio ou mesmo limitar o participante da pesquisa de tal modo que este apenas

selecione uma opção nesta pesquisa. Na tabela a seguir podemos ver qual o resultado

obtido no que diz respeito ao cargo desempenhado pelo assediador:

Cargo Total Porcentagem

Analista de testes/QA 2 10,53

Arquiteto 3 15,79

Coordenador 1 5,26

Desenvolvedor/Programador 4 21,05

Diretoria 3 15,79

Gerente de Projeto 6 31,58

Page 46: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

48

O que se observa com este resultado é que apesar de 69% dos casos o

assediador inicial ser proveniente de um nível hierárquico superior, uma vez aplicado

o assediador pode exercer forte influência sobre o restante da equipe contra o

assediado, pois na distribuição dos cargos do assediador observa-se uma distribuição

homogênea entre os papéis gerenciais (coordenador, diretoria, gerente de projetos) e

operacional (analista de testes, arquiteto, desenvolvedor).

Relatos

A melhor maneira de identificar o assédio moral no ambiente de fábricas de

software sem sombra de dúvidas é a partir da coleta de relatos. Os relatos expostos

nesta seção do trabalho dividem-se em dois grupos: o primeiro contém alguns

coletados por nossa pesquisa e o segundo ações judiciais relacionadas ao tema.

No caso dos relatos pertencentes ao primeiro grupo partes do texto podem

ter sido alteradas pelo autor deste trabalho com o fim de garantir o anonimato do

participante da pesquisa.

Obtidos através do nosso questionário

Isolamento da equipe

Relato

Basicamente um isolamento total pois eu era "incompetente" mais porradas homéricas em reuniões.

Essa história de minha incompetência foi espalhada para toda a empresa.

Na sua opinião, o que ocasionou a situação?

Nada, foi a partir do momento zero na equipe

Quais as consequências do assédio moral em você?

Eu me fechei e entrei em um processo de depressão, Burnout.

O pior ponto foi quando eu não conseguia entender mais nenhuma linguagem de programação. Depois de 10 anos trabalhando com diversas linguagens, eu não conseguia entender. Eu lia, e a linha sumia da minha mente imediatamente. Foi uma época de broxadas infinitas.

Cargo do assediador: Desenvolvedor/Programador. Mesmo nível hierárquico.

Page 47: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

49

Page 48: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

50

Desmoralização do trabalhador

Relato

Piadinhas repetitivas, "zuação" todo dia.

Gostava de desdenhar de uma forma agressiva, que fazia todo mundo achar graça.

Praticamente um bullying, do tipo: "claro que deu errado porque era você". O cara gostava de me diminuir na frente dos outros.

O agressor era mais antigo na empresa que eu, portanto ele tinha mais moral.

Tipicamente, o perfil de um babaca.

Na sua opinião, o que ocasionou a situação?

Ego, infantilidade, vingança.

Eu vejo que na infancia o cara sempre foi o nerdão que se fodia na escola, e quando pôde, teve a chance de sacanear alguém.

Quais as consequências do assédio moral em você?

Era uma merda. Eu sentia mal de ter que ir trabalhar por conta de ser preciso lidar com o escroto. Não me sentia feliz ao trabalhar com ele. Até hoje faço questão de não o encontrar quando rola um evento em que ele está.

Meus colegas de república, em tom de brincadeira, diziam que era preciso dar um "coro" no cara pra que eu pudesse chegar em casa menos desanimado. Obviamente, isso não aconteceu.

Cargo do assediador: Arquiteto, Desenvolvedor/Programador. Mesmo nível

hierárquico.

Rejeição pela equipe

Relato:

Foi bizarro, veio direto da equipe. A partir do momento zero que entrei nesta equipe, o comportamento geral era ignorar totalmente o que eu falava, pois qualquer coisa que eu dizia estava errado.

Um exemplo clássico foi um momento em que na construção de um player de video na procura por um ponto especifico, digamos 16 segundos, o player ignorava e ia

Page 49: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

51

direto aos trinta segundos. Expliquei que isso era esperado por causa do player só pular para keyframes. A pessoa a quem expliquei, respirou fundo, não respondeu e foi direto perguntar a outra pessoa de outro time, que respondeu a mesma coisa. Isso era todo dia, o dia todo, o tempo inteiro. As reuniões de retrospectiva eram um terror, levava porrada e nem sabia o motivo.

Era estranho, eu me fechei e entrei em um processo de depressão, Burnout.

O pior ponto foi quando eu não conseguia entender mais nenhuma linguagem de programação. Depois de 10 anos trabalhando com diversas linguagens, eu não conseguia entender. Eu lia, e a linha sumia da minha mente imediatamente. Foi uma época de broxadas infinitas.

Na sua opinião, o que ocasionou a situação?

Não sabe.

Quais as consequências do assédio moral em você?

Depressão, Burnout.

Cargo do assediador: a própria equipe. Mesmo nível hierárquico.

Jurisprudência

Apesar de no Brasil o número de processos por assédio moral estar ter

crescido significativamente nos últimos anos o mesmo não se pode dizer quando

aplicados ao nicho das fábricas de software. Nesta seção do trabalho será exposto

um caso que encontramos em nossa pesquisa de jurisprudência que caracteriza a

ação do assédio moral envolvendo fábricas de software.

Isolamento da vítima

O relato a seguir diz respeito ao processo de número 0233100-

21.2009.5.02.0048 originado na 48º Vara de Trabalho de São Paulo/SP. As partes

correspondem à empresa LINX SISTEMAS E CONSULTORIA LTDA e o reclamante

Rafael Araújo de França Bueno. No caso, a vítima após a fusão da empresa se vê

isolada de suas funções e do restante da empresa, de tal modo que seu ambiente de

trabalho ao ser completamente anulado a força a pedir demissão conforme pode ser

visto no depoimento do reclamante:

“(...); que depoente e reclamante, com a fusão, não recebiam o mesmo tratamento que os funcionários que já

Page 50: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

52

eram da reclamada; que os superiores hierárquicos os tratavam da mesma forma que os funcionários já existentes, mas a diferença era feita entre os funcionários que lá trabalhavam e os que estavam chegando; que em 2008, um pouco antes do desligamento da reclamante, a reclamante era líder da área e coordenadora e não era chamada para as reuniões; que as reuniões eram convocadas pelos gerentes superiores à reclamante; que o tratamento era como se a reclamante já não fizesse mais parte do quadro; que a reclamante questionava a situação e que lhe era dito que nada ia mudar se a reclamante estivesse presente ou não; que era necessária a presente da reclamante na reunião, mas ela não era chamada; que a reclamante ficava chateada e o depoente chegou a surpreendê-la por duas vezes chorando, quando as pessoas voltavam para o setor terminada a reunião; (...)”

Percebe-se claramente os sinais claros do assédio moral: sua repetição no

decorrer do tempo, a deterioração do ambiente de trabalho da vítima e o seu

direcionamento. No momento do recurso a indenização imposta pelo juiz à empresa

foi de R$ 30.000,00, reduzindo do valor inicial de R$ 100.000,00.

Page 51: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

53

Considerações finais

O objetivo deste trabalho consistiu em analisar a ocorrência do fenômeno

do assédio moral no ambiente das fábricas de software. Para tal, partimos da própria

definição do que vêm a ser o assédio moral, passando para o modo como é tratado

pela legislação brasileira. Com esta base, pudemos analisar o modo como as fábricas

de software operam no Brasil e como seus modelos administrativos facilitam a

ocorrência do fenômeno.

Entretanto, a parte realmente interessante deste trabalho consistiu em

nossa pesquisa de campo aonde pudemos constatar a ocorrência real do fenômeno

a partir da nossa coleta de dados e pesquisa à jurisprudência. Acreditamos entretanto

que este é um trabalho que pode ainda ser melhorado, especialmente no nosso

questionário aonde coletamos os relatos dos participantes da pesquisa e na

divulgação do mesmo. Observamos uma forte resistência dos trabalhadores de

fábricas de software em participarem da pesquisa devido ao medo que apresentam

de se “queimarem no mercado”. Este medo é na realidade um indício de que

possivelmente a ocorrência do fenômeno seja muito mais comum do que imaginamos

originalmente.

Foi interessantíssimo observar também que muitas pessoas, devido ao

pouco contato com o tema, confundem o assédio moral com dano moral, o que as

leva muitas vezes à tomar decisões precipitadas baseadas em seu mal

esclarecimento sobre o assunto.

O que pode ser feito?

Finalizada a leitura deste trabalho o leitor deve estar se perguntando a

respeito do que pode ser feito para evitar a ocorrência do fenômeno em seu ambiente

de trabalho. Em conversas com diversos advogados no desenvolver deste trabalho

pude ter contato com algumas opções que, acredito, seja interessante transmitir para

vocês.

Em conversa muitos advogados mencionam que um dos principais fatores

que alimentam a ocorrência do assédio é a cultura empresarial. Muitas empresas

buscando maior lucratividade acabam por incentivar exageradamente a competição

entre funcionários e departamentos. Esta é uma prática que, infelizmente, costuma

Page 52: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

54

funcionar e, exatamente por isto, alimenta significativamente a ocorrência do assédio.

Nestes casos, em que uma cultura do assédio se estabelece, o funcionário possuí

apenas duas alternativas caso seja vítima do fenômeno: procura outro emprego ou

entra na justiça contra a empresa. Caso a vítima opte pela segunda opção, serão

adotadas estratégias jurídicas similares às apresentadas neste artigo.

Um bom departamento de Recursos Humanos também costuma minimizar

bastante a possibilidade de ocorrência do fenômeno do assédio moral. Este

departamento deve agir de forma imediata assim que o fenômeno ocorra a fim de

tornar mínimas as consequências do ato tanto para a vítima quanto para a própria

empresa, que terá sua força de trabalho afetada pela ocorrência do fenômeno.

Conversar sobre o fenômeno e divulgar sua ocorrência também é

fundamental, entretanto, ainda mais importante é saber diferenciar o assédio do dano

moral, tal como foi exposto na conceituação do fenômeno presente neste trabalho.

Muitos advogados se queixam do fato de diversas das ações por assédio moral nas

quais atuam não se enquadrarem no fenômeno, tirando assim sua credibilidade e,

consequentemente, enfraquecendo as vítimas que passam a ser desacreditadas

pelos juízes de forma injusta.

Acredito que no caso das fábricas de software seja essencial seja a

mudança de nome. Tal como exposto neste trabalho, o termo “fábrica de software”

pouco tem a ver com sua origem. Esta foi uma descoberta que fiz acidentalmente ao

buscar ocorrências de assédio moral (bullying) em fábricas de software no exterior e

não encontrar caso algum. A partir do momento em que uma terminologia mais

adequada seja aplicada, nossa visão a respeito do nosso ofício torna-se mais precisa

e, consequentemente, acredito que os modelos administrativos tendem a melhorar

significativamente também.

Ainda mais importante: o funcionário deve exigir seus direitos. Se

constatou-se que é vítima de assédio moral, deve procurar inicialmente o

departamento de Recursos Humanos ou equivalente da empresa relatando o ocorrido

e não havendo mudança, consulte um advogado. Há o medo de se queimar no

mercado com isto, entretanto se a postura acuada for geral, a ocorrência do assédio

se banalizará limitando o espaço de defesa das vítimas.

Page 53: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

55

A auto crítica é fundamental. É da natureza humana ter maior facilidade em

se identificar como vítima do que como assediador. Policie o modo como interage com

seus colegas de trabalho. O assediador pode ser você. Se for o caso, avalie se sua

postura é consequência da sua própria índole ou da cultura da empresa na qual você

se encontra inserido.

Mais importante: acredito que devemos nos lembrar sempre que o

desenvolvimento de software é uma atividade essencialmente humana, que requer

inteligência, criatividade e gosto. Somente a partir do momento em que o ser humano

for posto no centro como o item mais valioso poderemos ter a segurança de que nosso

país figurará também no topo da área internacionalmente.

Espero que com este trabalho a questão do assédio moral seja melhor

divulgada em nossa área e com isto minimizada a sua ocorrência. Meu trabalho não

termina com a publicação deste artigo: pretendo publicar mais material a respeito e,

quem sabe, neste, talvez até mesmo algumas soluções e respostas aos problemas

levantados aqui neste artigo.

Belo Horizonte, 22 de junho de 2013

Page 54: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

56

Bibliografia

AAEN, Ivan et al. The Software Factory: Contributions and Illusions. Em Proceedings of the Twentieth Information Systems Research Seminar in Scandinavia, Disponível em <http://www.larsmathiassen.org/17.pdf> em 1/6/2013, Oslo, 1997.

ANDRADE, André Gustavo C. A Evolução do Conceito de Dano Moral. Disponível em < http://www.tjrj.jus.br/c/document_library/get_file?uuid=74bfc8dc-8125-476a-88ab-93ab3cebd298&groupId=10136> em 1/6/2013, 2008.

BARRETO, Margarida. Uma jornada de humilhações. São Paulo: Editora Fapesp, PUC, 2000.

BRASIL. Projeto de Lei 4472/2001. Dep. Federal Marcos de Jesus.

CIGOLINI, Giovana, Assédio Moral: Um Novo (Velho) Mal-Estar no Trabalho, , Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Trabalho de Conclusão de Curso. Disponível em <http://www.assediomoral.org/IMG/pdf/Assedio_Moral_um_novo_velho_mal_estar.pdf> em 1/6/2013. São Leopoldo, RS: 2004

DEJOUR, Cristophe. A Loucura do Trabalho: estudo da psicopatologia do trablaho. São Paulo: Editora Cortez-Oboré, 1992.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Editora LTR, 2011.

DELGADO, Maurício Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego – entre o paradigma da destruição e os caminhos de reconstrução. São Paulo: Editora LTR, 2006.

FREIRE, Paula Ariane. O Assédio Moral Como Corolário dos Sistemas Fordista/Taylorista e Toyotista e os Danos à Saúde Mental do Trabalhador – Revista da SJRJ, n. 25, p. 377-394, Rio de Janeiro: 2009.

FREITAS, Maria Estar et al. (Coord.). Assédio moral no trabalho. São Paulo: Editora Cengage Learning; 2011. (Coleção debates em administração).

HIRIGOYEN, Marie-France. Assédio Moral: a violência perversa do cotidiano. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2002.

HIRIGOYEN, Marie-France. Mal-Estar no Trabalho: Redefinindo o Assédio Moral. Rio de Janeiro: Editora Bertrand Brasil, 2006.

LEYNMANN, Heinz; Mobbing and Psychological Terror at Workspaces, Violence and Victims. Vol 5. 1990, Disponível em <http://www.mobbingportal.com/LeymannV&V1990(2).pdf> - 1/4/2013.

LEYNMANN, Heinz; The Definition of Mobbing at Workplaces, Disponível em <http://www.leymann.se/English/12100E.HTM> - 1992.

PINTO, Rafael Morais Carvalho; Assédio Moral no Ambiente de Trabalho e Política Empresarial de Metas: PUC-MG: Programa de Pós-Graduação em Direito, Belo Horizonte: 2011.

Page 55: Assédio Moral em TI: Fábricas de Software

57

PINTO, Rafael Morais Carvalho; Assédio Moral no Ambiente de Trabalho e Política Empresarial de Metas: Belo Horizonte: Editora RTM; 2012.

PRATA, Anatomia do assédio moral no trabalho: uma abordagem transdisciplinar. São Paulo: LTR, 2008.

ROYCE, Wynston, Managing the Development of Large Software Systems, Proceedings of IEEE, WESCON 26, Estados Unidos da América, 1970

SHORE, Warden, A Arte do Desenvolvimento Ágil, São Paulo: Editora Alta Books, 2008.

WIKIPEDIA, Fábrica de Software, Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%A1brica_de_software>, acessado em 1/6/2013.