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8/2/2019 Bignotto, Newton. Um Conceito Em Evolucao
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Um conceito em evoluo
Newton Bignotto
Professor do departamento de Filosofia da UFMG
Originalmente, o conceito de cidadania referia-se condio daqueles que, pertencendo ao
corpo poltico das cidades gregas, tinham o direito no apenas de viver em seu territrio, mas
tambm de participar diretamente das decises que determinavam os rumos da vida da cidade. Para
que isso fosse possvel, era necessrio que os cidados fossem iguais, se no em tudo, o que
impossvel, pelo menos em relao ao respeito das leis e quanto liberdade de agir no interior das
instituies que governavam os destinos da polis. Podemos, portanto, associar ao conceito de
cidadania grega dois outros conceitos: o de igualdade e o de liberdade.Maria do Cu Diel
Sem eles, ficamos apenas com a idia de pertencimento a um corpo poltico, o que no seria
suficiente para separar o cidado grego dos sditos de reinos governados por monarcas com poderes
absolutos. Os romanos iriam radicalizar ainda mais a idia da isonomia entre os cidados,
transformando-os em sujeitos de direito. Cada cidado passa a ser considerado como tal no apenas
por poder participar das decises importantes da vida poltica da cidade, mas tambm por ser
possuidor de direitos, que os capacitam a realizar contratos ao abrigo da lei e sem o consentimento
direto de governantes e outros mandatrios. O direito ocupa, assim, um lugar fundamental na
definio do que seja uma sociedade poltica para os romanos e consolida a idia de cidadania.
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A concepo grego-romana de cidadania encontrou limites no aparecimento do indivduo
moderno. Se a idia de que os cidados devem ser livres e iguais perante a lei se manteve como um
marco essencial para a definio do conceito, o aparecimento do indivduo moderno colocou em
questo a forma como os antigos se relacionavam com o corpo poltico. O pertencimento de um
grego a uma cidade era, na maior parte das vezes, determinado por critrios como o nascimento e afiliao, o que criava um fator de excluso e de limitao da cidadania, deixando de fora
estrangeiros, mulheres e crianas. Como diz Aristteles em Poltica (1275 a 25), um cidado no
sentido absoluto se define pela participao nas funes judicirias e na funo pblica em geral.
O importante para o cidado era o que acontecia dentro da esfera pblica, o mundo da casa e das
relaes desiguais no contava para ele como cidado.
Na esfera privada Essa definio serviu como ponto de partida para a cidadania moderna, mas
ela no leva em conta o fato de que a esfera privada, que, na Antigidade estava fora da esfera dapoltica, passou a ocupar um lugar diferente na vida desde o incio da modernidade. Se, antes, ela
estava fora do espao da cidadania, englobando, por isso, relaes assimtricas e desiguais como
aquelas entre esposo e esposa e entre senhor e escravo agora, ela considerada um territrio
essencial da existncia do indivduo e de sua afirmao, passando a englobar direitos e deveres
semelhana da esfera pblica.
Essa mudana na relao entre o pblico e o privado alterou a forma como os indivduos se
relacionam com o Estado e os levou a reivindicar direitos que, antes, no faziam sentido. luz
dessas observaes que podemos compreender as anlises de Marshall a respeito do
desenvolvimento da noo de cidadania na Inglaterra. Como mostra o autor, aos direitos polticos
tradicionalmente associados cidadania se seguiram os direitos civis e, por fim, os direitos sociais.
Se esse esquema no descreve um processo histrico necessrio em sua ordem cronolgica para
todas as naes como mostrou Jos Murilo de Carvalho em estudo sobre a cidadania no Brasil ,
pelo menos serve para mostrar a grande complexidade que a questo alcanou na modernidade.
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Ora, a modernidade no extinguiu inteiramente os fatores de limitao da cidadania, pois, na
maior parte das naes, ela continuou a ser associada ao pertencimento a um determinado corpo
poltico, segundo regras estabelecidas pelas leis. No entanto, os fatores de excluso dos no-
cidados das esferas mais importantes da vida poltica foram acompanhados pelo movimento
contrrio de universalizao dos direitos. Assim, por exemplo, a limitao do acesso justia por
parte dos estrangeiros, comum entre os gregos, deixou de fazer sentido. No interior das cidades, a
tendncia universalizao resultou, tambm, no acesso progressivo das mulheres vida poltica.
Esse movimento foi bastante lento no curso dos ltimos sculos, o que fez com que, na maior
parte dos pases ocidentais, o direito de voto, essencial para definir a participao na vida poltica
moderna, s tenha sido alcanado por todos os membros do corpo poltico no sculo XX. Porm, ao
conceder-se o direito de voto a todos os que possuem direitos polticos, foi ultrapassada uma
barreira fundamental, realizando-se, na prtica, o que vinha sendo apontado, desde o sculo XVIII,
pelos tericos entre os quais Condorcet como um passo decisivo para a construo de formas
polticas efetivamente livres.
De forma resumida, podemos dizer que dois modelos tericos serviram para pensar nossa
questo na modernidade. De um lado, esto os que, como Montesquieu, acreditam que a cidadania
se organiza medida que os poderes so bem distribudos e que a pluralidade dos cidados pode se
guiar por um ordenamento jurdico estvel, que garante a todos o direito de fazer o que a lei
permite. No outro plo, esto os seguidores de Rousseau, para quem o cidado a fonte primeira e
definitiva da lei e, por isso, deve guardar uma relao de intimidade com o corpo poltico de que a
origem e nico destinatrio. claro que esses dois modelos conheceram muitas variantes, mas eles
nos ajudam a pensar a tenso contnua que acompanhou os tericos da cidadania entre unidade e
pluralidade do corpo dos cidados.
Sociedades multiculturais
Nos dias atuais, o debate sobre cidadania tornou-se ainda mais agudo diante do desafio
levantado pelas transformaes sofridas pelas sociedades industriais. Em primeiro lugar, a
associao entre cidadania e nao, que presidiu a vida poltica do Ocidente nos ltimos sculos,
questionada pelo fato de que a constituio de comunidades transnacionais exige uma nova
compreenso da relao do cidado com o corpo poltico. O que, antes, era definido por fronteiras
conquistadas por meio de longas lutas e guerras, agora, passa a se referir a blocos de pases e a
ordenamentos jurdicos muito mais amplos. Em segundo lugar, est o fato de que a migrao
intensa de populaes culturalmente muito diversas, que passaram a habitar o mesmo territrio, fez
nascer uma demanda por novos direitos, que podemos chamar de culturais e expem a face
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complexa das sociedades multiculturais. Por fim, o progresso do individualismo e a apatia crescente
que domina a vida das sociedades democrticas pem em questo um conceito que foi
essencialmente poltico em sua origem e que se desenvolveu pela extenso progressiva de direitos
totalidade dos componentes do corpo poltico.
Fonte: http://www.ufmg.br/diversa/8/artigo-umconceitoemevolucao.htm