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  1 ESCOAMENTO DOS FLUIDOS 3.1 Introdução Define-se escoamento de um fluido como o processo de movimentação de suas moléculas, umas em relação às outras e aos limites impostos ao escoamento. Os escoamentos são descritos por parâmetros físicos e pelo comportamento desses parâmetros ao longo do espaço e do tempo. 3.1.1. Parâmetros usados na descrição dos escoamentos Provavelmente um dos parâmetros mais importantes no estudo dos escoamentos seja a velocidade, ela mede a alteração da posição de um elemento do fluido em função do tempo. Em um fluido cada partícula ou molécula tem ou pode ter velocidade diferente. Considerando um sistema cartesiano de coordenadas, a velocidade em um ponto, ou em uma partícula do fluido, pode ser representada pela equação:  z  z  y  y  x  x  e V e V e V V   . . .    (3.1) A variação da velocidade nesse campo, associada ao tempo e/ou ao espaço, é definida pela aceleração. Em um campo de velocidade, a aceleração é calculada pela derivada total ou substancial da velocidade em relação ao tempo. Assim, a aceleração, como função do espaço e do tempo, é calculada, no sistema cartesiano, como: t  x  x V dt V d a  . t  y  y V . t  z  z V . t V   (3.2) t V V V a ) . (  (3.3) A classificação dos escoamentos depende da velocidade, mas prende-se à forma  pela qual ocorre. Essa forma se sujeita ao comportamento das moléculas de fluido, que adotam um padrão de movimento denominado estrutura interna do escoamento. O estudo

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1

ESCOAMENTO DOS FLUIDOS

3.1 Introdução

Define-se escoamento de um fluido como o processo de movimentação de suasmoléculas, umas em relação às outras e aos limites impostos ao escoamento. Os

escoamentos são descritos por parâmetros físicos e pelo comportamento desses parâmetros

ao longo do espaço e do tempo.

3.1.1. Parâmetros usados na descrição dos escoamentos

Provavelmente um dos parâmetros mais importantes no estudo dos escoamentos

seja a velocidade, ela mede a alteração da posição de um elemento do fluido em função do

tempo. Em um fluido cada partícula ou molécula tem ou pode ter velocidade diferente.

Considerando um sistema cartesiano de coordenadas, a velocidade em um ponto, ou em

uma partícula do fluido, pode ser representada pela equação:

 z z y y x x eV eV eV V 

... (3.1)

A variação da velocidade nesse campo, associada ao tempo e/ou ao espaço, é

definida pela aceleração. Em um campo de velocidade, a aceleração é calculada pela

derivada total ou substancial da velocidade em relação ao tempo. Assim, a aceleração,

como função do espaço e do tempo, é calculada, no sistema cartesiano, como:

 x

 x

dt 

V d a .

 y

 y

V .

 z

 z

V .

(3.2) 

V V V a

).(   (3.3)

A classificação dos escoamentos depende da velocidade, mas prende-se à forma

pela qual ocorre. Essa forma se sujeita ao comportamento das moléculas de fluido, que

adotam um padrão de movimento denominado estrutura interna do escoamento. O estudo

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da estrutura interna dos escoamentos foi iniciado por Osborne Reynolds, em 1883, por um

experimento que consistia na injeção de um corante líquido na posição central de um

escoamento de água interno a um tubo circular de vidro transparente. O comportamento do

filete de corante ao longo do escoamento no tubo define três características distintas.

Quando o corante não se mistura com o fluido, permanecendo na forma de um filete

no centro do tubo (a uma baixa velocidade), recebe o nome de escoamento  laminar.

Quando o filete apresenta alguma mistura com o fluido, deixando de ser retilíneo e

sofrendo ondulações (a uma média velocidade), recebe o nome de escoamento de

transição. Quando o filete de corante apresenta uma mistura transversal intensa, com

dissipação rápida no seio do fluido (a uma rápida velocidade), recebe o nome de regime

turbulento.

Figura 3.1 Regime laminar.

Figura 3.2 Regime de transição.

Figura 3.3 Regime turbulento.

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Reynolds determinou que há um valor da relação entre a massa específica (), o

diâmetro (D), a velocidade média (V) e a viscosidade dinâmica () para o qual o

escoamento passa do regime de escoamento laminar ao turbulento, valor este denominado

crítico. O parâmetro estabelecido pela relação das três grandezas citadas é atualmente

conhecido como número de Reynolds (Rey) e é definido por:

 

  VD y Re (3.4)

Um campo de velocidades é dependente do espaço e do tempo, e os escoamentos

representados por um campo de velocidades apresentam também um comportamento

espaço-temporal. De acordo com a dependência temporal, os escoamentos podem serpermanentes ou não-permanentes.

Escoamento permanente é aquele cujas todas as propriedades e grandezas

características do escoamento são constantes no tempo. Conseqüentemente, escoamento

não-permanente é aquele onde ao menos uma grandeza ou propriedade é função do tempo.

Entre os vários tipos de escoamentos não-permanentes nós encontramos os

escoamentos periódicos, não periódicos e os escoamentos verdadeiramente aleatórios:

-Transientes: são os escoamentos que ocorrem na fase inicial, correspondendo à fase deaceleração da velocidade de uma situação permanente até uma nova situação, também

permanente.(Ex.: as descargas em vasos sanitários).

-Periódicos: são os escoamentos nos quais a variação temporal segue um padrão que se

repete continuamente em função do tempo, estabelecendo uma função periódica.(Ex.: gases

de combustão eliminados pelos motores).

-Não periódicos: Um exemplo de escoamento não periódico transitório é aquele produzido

no fechamento uma torneira usualmente este processo transitório e as forças desenvolvidas

como resultado deste processo transitório não precisam ser analisados. Entretanto, se o

escoamento é interrompido subitamente os efeitos transitórios podem ser significativos.

-Aleatórios: são os escoamentos nos quais a variação da velocidade ocorre de forma

aleatória em relação ao tempo, dificultando seu equacionamento, que depende de variáveis

estatísticas para alguma previsão de cálculo.(Ex.: movimentos atmosféricos).

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O tratamento da transitoriedade, da identificação do tipo de transitoriedade e sua

inclusão, no modelo teórico não é uma tarefa simples.

Há diferentes modos de descrever os escoamentos, dependendo do enfoque dado à

forma de descrição escolhida.

-Escoamento unidimensional: é o escoamento que pode ser descrito apenas por uma

coordenada espacial. O escoamento apresenta simetria axial e o perfil de velocidades pode

ser descrito apenas em função do raio, conforme a equação:

 

 

 

  

  

 

2

1 R

r V V  m (3.5)

-Escoamento tridimensional: os escoamentos normalmente são fenômenos

tridimensionais, transitórios e complexos,V(x, y, z, t). Entretanto, em muitos casos, é

normal utilizarmos hipóteses simplificadoras pala que seja possível analisar o problema e

sem sacrificar muita a precisão dos resultados da análise. Uma destas hipóteses é a de

considerar o escoamento real como unidimensional ou bidimensional.

O campo de velocidade, na maioria dos casos, apresenta três componentes (por

exemplo: u, v e w) e, em muitas situações, os efeitos do caráter tridimensional do

escoamento são importantes. Nestes casos é necessário analisar o escoamentotridimensionalmente, pois se desprezarmos um dos componentes do vetor velocidade na

análise do escoamento obteremos resultados que apresentam desvios significativos em

relação aqueles encontrados no escoamento real.

Existem muitas situações onde um dos componentes do vetor velocidade é pequeno

demais em relação aos outros dois componentes. Nestas situações, pode ser razoável

desprezar este componente do vetor velocidade e admitir que o escoamento é

bidimensional, ou seja, V = u i + v j; onde V é função de x e y e, possivelmente, do tempo.Às vezes também é possível simplificar ainda mais a análise do escoamento

admitindo que dois componentes do vetor velocidade são muito pequenos e aproximar o

escoamento como unidimensional, ou seja, V = u i . Como nós veremos ao longo desta

apostila, o número de escoamentos verdadeiramente unidimensionais é mínimo (talvez eles

nem existam), mas nós encontramos muitos escoamentos que podem ser modelados como

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unidimensionais (os resultados obtidos com o modelo são próximos daqueles encontrados

por via experimental). É interessante ressaltar que esta hipótese não é adequada para um

numero muito grande de escoamentos.

-Escoamentos uniformes e não-uniformes: escoamento uniforme é aquele para o qual a

velocidade é constante em qualquer seção normal ao escoamento. Escoamentos não-

uniformes são aqueles para os quais a velocidade varia na seção transversal ao escoamento.

a bFigura 3.5 Exemplos de: (a) escoamento uniforme; b) escoamento não uniforme.

-Escoamento estabelecido e não-estabelecido: na entrada de um tubo, o escoamento

inicia-se com um perfil uniforme. A condição de não-deslizamento na parede provoca, a

partir da entrada do tubo, modificação do perfil de velocidades de uma seção para outra, até

adquirir um perfil que não se modifique. A distância na qual isso ocorre é denominada

“comprimento de entrada”. O escoamento que não mais se modifica entre as seções

transversais localizadas ao longo do eixo longitudinal é denominado escoamento

estabelecido. A região na qual há variação do perfil de velocidades ao longo do escoamento

é a região de escoamento não-desenvolvido ou não-estabelecido. Note que o perfil de

velocidade permanecer constante ao longo do eixo z (Fig. 3.6).

Figura 3.6 Exemplo de escoamento estabelecido.

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-Escoamentos compressíveis e incompressíveis: os escoamentos que ocorrem com

variações ou flutuações desprezíveis da massa especifica são considerados incompressíveis.

Quando essa variação não pode ser desprezada, o escoamento é considerado compressível.

A turbulência, como visto por intermédio da experiência de Reynolds, é

caracterizada por uma estrutura interna de escoamento que pode ser muito bem definida

como caótica.

No regime turbulento, a velocidade em um ponto apresenta-se como a velocidade

média acrescida de uma perturbação aleatória, variando continuamente ao longo do tempo.

O sinal obtido permite definir um valor médio Vm, e a diferença entre o valor médio e o

valor da velocidade é a velocidade de perturbação ou flutuação v’. A velocidade real é

denominada velocidade instantânea e é representada pela soma da velocidade média e da

flutuação.

'vV V  m   (3.5) 

A velocidade média, durante um período T é obtida pela equação 3.6:

T

0

dt)t(VT

1Vm (3.6)

3.1.2 Abordagem sobre sistema de fluidos.

Vimos que existem muitos casos onde o fluido está imóvel ou apresentando

deslocamentos tão pequenos que podem ser desprezados. Entretanto, os fluidos

normalmente apresentam a tendência de escoar é muito difícil “segurar” um fluido e

restringir o seu movimento. Por menor que seja a tensão de cisalhamento aplicada num

fluido ela induzirá um movimento no fluido. De modo análogo, um desbalanço apropriado

das tensões normais também provocará o movimento nos fluidos. Assim, a finalidade

principal da hidrodinâmica é o estabelecimento das leis que regem o movimento dos

fluidos. A condição física de um fluido é totalmente determinada se forem conhecidas as

componentes u, v e w da velocidade (relativas aos eixos cartesianos x, y e z,

respectivamente), assim como os valores da densidade ρ e da pressão p, para qualquer

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tempo t e todos os pontos ocupados pelo fluido. Há, portanto, cinco incógnitas (u, v, w, p e

ρ) e quatro variáveis independentes (x, y, z e t) no problema relativo ao escoamento dos

fluidos. As cinco equações necessárias para que haja possibilidade de resolução do sistema

são:

Uma equação de conservação de massa. Uma expressão que se baseie na

continuidade espacial e temporal da matéria.

Três equações gerais do movimento. Relações de causa-efeito que exprimam as leis

que regem o movimento nas direções dos três eixos ortogonais cartesianos.

Freqüentemente, são utilizadas as equações resultantes da projeção de d'Alambert1.

Uma equação complementar. Uma equação que traduza a dependência entre duas

ou mais variáveis dependentes, levando em conta a natureza do fluido. Também é chamada

de equação de estado.Analisaremos neste capítulo vários aspectos do movimento dos fluidos

considerarmos as forças necessárias para produzir o escoamento; a análise da velocidade e

a aceleração no fluido e é claro a descrição e a visualização do movimento. É muito fácil

observar escoamentos fascinantes como aquele associado com a fumaça descarregada por

uma chaminé ou o escoamento da atmosfera indicado pelo movimento das nuvens. O

movimento das ondas num lago ou a mistura de tintas numa balde também são exemplos de

visualização de escoamentos. Muitas informações úteis destes escoamentos podem serobtidas a partir de sua análise cinemática e sem considerar as forças que os provocam.

3.2 O Campo de Velocidade

Os fluidos apresentam movimentos moleculares, ou seja, as moléculas do fluido

sempre estão se movimentando de um ponto para outro ponto. Uma porção típica de fluido

contém tantas moléculas que ficaria totalmente inviável descrever o movimento de todas as

moléculas individuais (exceto em alguns casos). Em vez disto, nós formulamos a hipótese

de meio contínuo e consideramos o fluido como composto por partículas fluidas que

interagem entre si e com o meio. Cada partícula contém muitas moléculas, Assim, nós

1 Jean le Rond d'Alambert (1717-1783). Matemático e enciclopedista francês. Foi quem esclareceu o conceitode limite. Publicou Traité de Dynamique em 1743, onde consta seu princípio de projeção, deduzido a partir daterceira lei de Newton. Trata-se de um método geral de redução dos problemas dinâmicos a problemasestáticos, por meio da superposição de forças adicionais correspondentes às acelerações.

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podemos descrever o escoamento de fluido em função do movimento das partículas fluidas

(velocidade e aceleração) em vez do movimento das moléculas.

Figura 3.7 Localização da partícula com o vetor posição.

As partículas infinitesimais de fluido são compactas (é uma decorrência da hipótese

de meio contínuo). Assim, num dado instante, a descrição de qualquer propriedade do

fluido (massa especifica, pressão, velocidade e aceleração) pode ser formulada em função

da posição da partícula.

A apresentação dos parâmetros do fluido em função das coordenadas espaciais é

denominada representação do campo de escoamento. É claro que a representação do campo

de escoamento pode ser diferente a cada instante e, deste modo, nós precisamos determinar

os vários parâmetros em das coordenadas espaciais e do tempo para descrever totalmente o

escoamento. Assim, para especificar a temperatura, T, do ar contido numa sala nós

precisamos especificar o campo de temperatura, T = T (x, y, z, t), na sala (do chão ao teto e

de parede a parede) ao longo do tempo uma das variáveis mais importantes dos

escoamentos é o campo de velocidades,

V = u (x, y, z, t) i + v (x, y, z, t) j + w (x, y, z, t) k; (3.7)onde u, v e w são os componentes do vetor velocidade nas direções x, y e z. Por definição,

a velocidade da partícula é igual a taxa de variação temporal do vetor posição desta

partícula. A Fig. 3.7 mostra a posição de uma partícula A em relação ao sistema de

coordenadas é dada pelo seu vetor posição rA, e que este valor é uma função do tempo se a

partícula está se movimentando. A derivada temporal do vetor posição fornece a velocidade

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da partícula, ou seja, drA /dt = VA. Nós podemos descrever o campo vetorial de velocidade

especificando a velocidade de todas as partículas fluidas, ou seja, V = V (x, y, z, t).

A velocidade é um vetor, logo ela apresenta módulo, direção e sentido. O módulo de

V é representado por V = 2

1222

wvuV 

. Nós mostraremos na seção 3.4 que umamudança na velocidade provoca uma aceleração e que esta aceleração pode ser devida a

uma mudança de velocidade e/ou direção. 

Durante o escoamento, uma determinada partícula, que se encontra em um ponto P

no tempo t, é dotada de uma velocidade instantânea v. Devido à tridimensionalidade do

escoamento, essa velocidade varia tanto temporal como espacialmente, tanto em

intensidade como em direção e sentido. O escoamento é dito  permanente quando os

parâmetros envolvidos são temporalmente invariantes em todo e qualquer ponto do

escoamento. Um conceito importante é o da velocidade média, quando se pretende

conceituar o movimento permanente em média:

t t 

m dt V t 

V 1

(3.8)

onde ∆t é o intervalo de tempo considerado. Analogamente, podem-se definir valores

médios e instantâneos para as outras grandezas que intervêm no escoamento, como a

pressão e a densidade. Em alguns métodos de simulação numérica de escoamentos não

permanentes, utiliza-se este conceito de escoamento permanente em média, durante

pequenos intervalos de tempo.

3.3 Descrições Euleriana e Lagrangeana dos Escoamentos

Existem dois modos para analisar os problemas da mecânica dos fluidos (ou de

outras áreas da física). O primeiro método, denominado método de Euler2 ou Euleriano,

utiliza o conceito de campo apresentado na seção 3.2. Neste caso, o movimento do fluido é

descrito pela especificação completa dos parâmetros necessários (por exemplo, pressão,

massa específica e velocidade) em função das coordenadas espaciais e do tempo. Neste

método nós obtemos informações das grandezas físicas do fluido no decorrer do tempo, em

2 Leonhard Euler (1707-1783). Matemático suíço. Discutiu Mecânica, Cálculo, Álgebra, Teoria dos Númerose a maioria dos tópicos matemáticos de seu tempo. Foi aluno de Johann Bernoulli, na juventude. Morreu cegona Alemanha. 

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um determinado volume de controle, fixo no espaço. No método de Euler, o problema é

enunciado da seguinte forma:

“Conhecida a velocidade (u1 , v1 , w1 ), a pressão p1 e a massa específica ρ1 no instante t1 , emum dado ponto (x y, z), determinar a pressão p, a densidade ρ e a velocidade (u,v,w) nessemesmo ponto, no tempo t.” 

O segundo método, denominado método de Lagrange3 ou Lagrangeano, envolve

as partículas fluidas e determina como as propriedades das partículas variam em função do

tempo. Ou seja, as partículas são “rotuladas” (identificadas) e suas propriedades são

determinadas durante o movimento. Consiste no acompanhamento das partículas

individuais em seu movimento ao longo de suas trajetórias. Segundo este critério, resolve-

se o seguinte problema:

"Conhecida a posição (x1, y1, z1), a pressão p1 e a densidade ρ1 de uma partícula líquida, no

instante t1 , determinar sua pressão p, sua densidade ρ e sua posição (x, y, z) no instante t."

A diferença entre os dois métodos de analisar os escoamentos pode ser vista no

exemplo da fumaça descarregada de uma chaminé. No método Euleriano uma pessoa pode

instalar um dispositivo para a medir a temperatura no topo da chaminé (ponto 0) e registrar

a temperatura neste ponto em função do tempo. Note que o termômetro indicará a

temperatura de partículas diversas em instantes diferentes. Assim podemos obter a

temperatura, T, neste ponto (x =xo; y = yo e z = zo) em função do tempo. A utilização de

vários termômetros fixos em diversos pontos nos fornecerá o campo de temperatura doescoamento, T(x, y, z, t). A temperatura da partícula em função do tempo não pode ser

determinada a menos que conheçamos a posição da partícula em função do tempo.

No método Lagrangeano, nós instalaríamos um dispositivo de medir a temperatura

numa partícula fluida (partícula A) e registraríamos a sua temperatura durante o

movimento. Assim, nós a temperatura da partícula, T = TA (t). A utilização de um conjunto

de dispositivos de medir a temperatura em várias partículas forneceria a história das

temperaturas destas partículas. Nós não poderíamos determinar a temperatura em função da

posição a menos que a localização de cada partícula fosse conhecida em função do tempo.

É importante ressaltar que se dispusermos das informações suficientes para a descrição

3 J. L. Lagrange (1736-1813). Matemático naturalizado francês, nascido em Turim (Itália). Um dosfundadores da École Polytechnique, onde trabalhou em Teoria dos Números e na solução sistemática deequações diferenciais. Seu maior trabalho foi Mécanique Analytique.

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Euleriana é possível determinar todas as informações Lagrangeanas do escoamento em

questão e vice-versa.

Figura 3.8 Descrição Euleriana e Lagrageana da temperatura num escoamento.

3.3 Descrição de um Campo de Escoamento

Até agora, os escoamentos formam representados, nas diversas classificações e

definições, por perfil de velocidade, que permite algum entendimento do escoamento, mas

não indica seu comportamento, muitas vezes necessário no estudo em curso. Assim, para

representar um escoamento graficamente foram desenvolvidos os conceitos de trajetória,linha de emissão e linha de corrente.

3.3.1 Trajetória

Define-se trajetória como o lugar geométrico ocupado por determinada partícula em

função do tempo. A trajetória pode ser obtida marcando-se as diversas posições que uma

molécula de fluido ocupa ao longo do tempo. A visualização prática da trajetória é

conseguida por meio de um traçador colocado no escoamento, o qual representará uma

molécula, mas que pode ser facilmente visível. Esse traçador pode ser, por exemplo uma

pequena bóia flutuando em um curso d’água. A trajetória pode ser obtida a partir de uma

fotografia de múltipla exposição, feita a partir de um ponto fixo. As diversas imagens do

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traçador representarão a posição da partícula em cada instante e a linha que une os pontos

indicará a trajetória, como na Fig. 3.9.

Figura 3.9 Visualização de trajetória.

Considerando a nomenclatura apresentada na Figura 3.9, a velocidade obtida pela

derivada do vetor posição R(t) em relação ao tempo, portanto, uma equação matemática da

trajetória é dada pela expressão:

dt V t  Rd 

)( (3.9)

em que R = (x, y, z) é o vetor posição no instante t e V é a velocidade da partícula naqueleinstante. A equação vetorial 3.9 pode ser representada por três equações escalares, uma para

cada coordenada, permitindo escrever a equação da trajetória conforme apresentado na

equação 3.10.

dt 

t  z y xV 

dz

t  z y xV 

dy

t  z y xV 

dx

 z y x

,,,,,,,,,

(3.10)

3.3.2 Linha de Emissão

Define-se a linha de emissão de um ponto P = (xo, yo), num instante t1 genérico,

como o lugar geométrico ocupado pelas partículas que passaram pelo ponto P antes do

instante t1, isto é, para t < t1.

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13

Figura 3.10 Visualização de linha de emissão.

3.3.3 Linha de corrente

Uma linha de corrente é uma linha imaginária num campo de escoamento tal que

para um dado instante de tempo, a velocidade em qualquer ponto é obtida pela tangente a

esta linha em cada ponto.

Figura 3.11 Definição de linha e visualização de um tubo de corrente.

Um filamento de corrente é uma família de linhas de corrente que formam uma

passagem de seção reta infinitesimal. Um tubo de corrente é limitado por um número

infinito de linhas de corrente que formam uma superfície finita através da qual não existe

escoamento.

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14

3.4. O Campo de Aceleração.

Nós mostramos na seção 3.3 que podemos descrever os escoamentos de dois modos:

(1) seguindo as partículas fluidas (descrição Lagrangeana) e (2) analisando o que acontece

num ponto fixo no espaço, ou seja, observando partículas diferentes que passam por este

ponto (descrição Euleriana). Para aplicar a segunda lei de Newton (F = m a), nos dois tipos

de descrição de escoamento, é necessário especificar a aceleração da partícula de modo

apropriado. Para o método de Lagrange (cuja utilização não é freqüente) nós especificamos

a aceleração do fluido do mesmo modo utilizado na mecânica dos corpos rígidos. Já para a

descrição Euleriana, nós vamos especificar o campo de aceleração (função da posição e do

tempo) e não vamos analisar o movimento de uma partícula isolada. Isto é análogo a

descrever o escoamento com o campo de velocidade, V = V(x, y, z, t), e não com o

conjunto de velocidades das partículas. Nesta seção nós mostraremos como obter o campo

de aceleração a partir do campo de velocidade.

A aceleração de uma partícula é a taxa de variação de sua velocidade. Para

escoamentos em regime transitório, a velocidade numa dada posição (ocupada por

diferentes partículas) pode variar com o tempo e, deste modo, proporcionar uma aceleração.

Mas uma partícula fluida também pode ser acelerada enquanto escoa de um ponto para

outro devido à variação de sua velocidade.Com o tratamento euleriano, as variações infinitesimais de velocidade devem ser

expressas em termos de derivadas parciais, já que cada componente é afetado tanto pelo

espaço quanto pelo tempo. Assim, observando que x, y, z são funções do tempo, podemos

estabelecer o campo de aceleração pelo emprego da regra da cadeia da diferenciação parcial

da seguinte maneira:

 

  

 

 

  

 

dt 

dz

 z

dt 

dy

 y

dt 

dx

 x

V t  z y xV 

dt 

d a ,,, (3.11)

como x, y e z são coordenadas de qualquer partícula, é claro que dx/dt, dy/dt e dz/dt devem

ser as mesmas componentes escalares da velocidade de uma partícula qualquer e podem ser

designadas por Vx, Vy, Vz, respectivamente. Assim,

 

  

 

 

  

 

 z

V V 

 y

V V 

 x

V V a  z y x (3.12)

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15

As três equações escalares, correspondentes à Eq. 3.12 nas três direções de coordenadas

cartesianas, são

 

  

 

 

  

 

 z

V V 

 y

V V 

 x

V V a x x

 z

 x

 y

 x

 x x (3.13)

 

  

 

 

  

 

 z

V V 

 y

V V 

 x

V V a

y y

 z

 y

 y

 y

 x y (3.14)

 

  

 

 

  

 

 z

V V 

 y

V V 

 x

V V a z z

 z

 z

 y

 z

 x z (3.15)

A aceleração das partículas fluidas em um campo de escoamento por ser imaginada pela

superposição de dois efeitos, que são dados a seguir.

1.  Em um dado instante t, admite-se que o campo fique permanente. A partícula,

em tais circunstâncias, está para mudar de posição nesse campo permanente.

Dessa forma, ela está efetuando uma mudança de velocidade porque a

velocidade em várias posições neste campo será, em geral, diferente em cada

instante t. Essa razão de variação de velocidade com o tempo devida à mudança

de posição no campo é chamada de aceleração de transporte, ou aceleração

convectiva, e é dada pelos termos nos primeiros parênteses das equações de

aceleração precedentes. Por exemplo, a água que está escoando

permanentemente, numa mangueira de jardim apresentará uma aceleraçãoquando escoar da mangueira, onde a velocidade é relativamente baixa, para a

seção de descarga do bocal da mangueira (onde a velocidade é relativamente

alta).

2.  O termo dos segundos parênteses, nas equações de aceleração, não aparece

devido à mudança de posição da partícula, mais sim pela razão de variação do

campo de velocidade na posição ocupada pela partícula no instante t. Ela é

chamada de aceleração local.

A diferenciação efetuada na Eq. 3.12 é chamada de substancial, ou total. A fim de enfatizar

o fato de que a derivada em relação ao tempo é efetuada quando se segue a partícula, a

notação D/Dt é freqüentemente usada no lugar de d/dt. Dessa forma, a derivada substancial

da velocidade é dada por DV/Dt. A complexidade crescente, além da experimentada na

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mecânica das partículas, é o preço que temos de pagar por usarmos, por necessidade,

coordenadas espaciais para identificarmos partículas em um meio contínuo deformável.

Derivada material ou substancial

Figura 3.12 Velocidade e posição de uma partícula A no instante t.

Considere a partícula fluida que se move ao longo da trajetória mostrada na Fig.

3.12. Normalmente, a velocidade da partícula A, VA é uma função de sua posição e do

tempo, ou seja,

t t  zt  yt  xV t r V V   A A A A A A A ,,,, (3.16)

onde xA = xA (t), yA = yA (t), zA = zA (t) definem a posição da partícula fluida. Por

definição, a aceleração da partícula é igual a taxa de variação de sua velocidade. Como a

velocidade pode ser uma função da posição e do tempo, seu valor pode ser alterado em

função de variações temporais bem como devido a mudanças de posição. Assim, se nós

utilizarmos a regra da cadeia da diferenciação para obter a aceleração da partícula A,

obteremos;

dt 

dz

 z

dt 

dy

 y

dt 

dx

 x

dt 

dV t a A A A A A A A A

 A

(3.17)

Podemos reescrever a equação, lembrando que uA = dxA /dt, vA = dyA /dt, wA = dzA /dt, nós

podemos reescrever a equação anterior do seguinte modo:

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z

Vw

y

V

x

Vu

t

V

Dt

VDta A

AA

AA

AA

A

(3.18)

As componentes vetoriais desta equação são:

 z

uw

 y

uv

 x

uu

ut a x

(3.19)

 z

vw

 y

vv

 x

vu

vt a y

(3.20)

 z

ww

 y

wv

 x

wu

wt a z

(3.21)

onde ax, ay e az são os componentes do vetor aceleração nas direções x, y e z.

O resultado anterior muitas vezes é escrito como

 Dt 

 DV a (3.22)

onde o operador

 z

w y

v x

ut  Dt 

 D

(3.23)

é denominado derivada material ou derivada substantiva. Um outra notação utilizada para o

operador derivada material é

t  Dt 

 D(3.24)

O produto escalar do vetor velocidade V, com o operador gradiente,

k  ji ˆ / ˆ / ˆ /  (é um operador vetorial) fornece uma notação

conveniente para as derivadas espaciais que aparecem na representação cartesiana da

derivada material. Note que a notação V  representa o operador

zw yv xuV  /  /  /  . O conceito de derivada material é muito útil na

análise de vários parâmetros do escoamento e não apenas na análise da aceleração.

Antes de passarmos para o próximo capítulo vamos fazer alguns comentários sobre

os três tipos de derivadas com respeito ao tempo que foram utilizadas no texto. Para ilustrar

isto utilizaremos um exemplo simples, como o problema de definir a concentração de

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peixes no Rio Negro. Pois os peixes estão em movimento, sua concentração c será uma

função da posição (x, y, z) e do tempo t.

Derivada parcial com respeito ao tempo, t c /   

Suponhamos que estamos sobre uma ponte e observamos como varia a

concentração de peixes exatamente debaixo de nós com o tempo. Estamos, pois,

observando como varia a concentração com o tempo, para uma posição  fixa no espaço. De

acordo com isto, indica t c /  a parcial de c com respeito a t, mantendo constante x, y e

z .

Derivada total com respeito ao tempo,  dt dc /   

Suponhamos agora que em vez de estar sobre a ponte, vamos numa lancha a motor

que se move no rio em todas as direções, uma vez contra a correnteza, outra vez na mesma

velocidade da corrente, e outras vezes a favor da corrente. Ao medir a variação da

concentração dos peixes com respeito ao tempo, os números que resultam devem refletir

também o movimento da lancha. A derivada total com respeito ao tempo é dada por

dt 

dz

 z

c

dt 

dy

 y

c

dt 

dx

 x

c

c

dt 

dc

(3.25)

onde dx/dt, dy/dt e dz/dt são os componentes da velocidade da lancha.Derivada substancial com respeito ao tempo,  Dt  Dc /   

Suponhamos que vamos numa canoa na qual não se aplica qualquer tipo de energia

mecânica, apenas flutua. Neste caso a velocidade do observador é exatamente a mesma

velocidade da correnteza v. Ao medir a variação da concentração de peixes com respeito ao

tempo, os números dependem da velocidade local da correnteza. Esta derivada é uma clase

especial de derivada total com respeito ao tempo que se denomina derivada substancial

ou, as vezes (mais logicamente), derivada seguindo o movimento . Está

relacionada com a derivada parcial com respeito ao tempo da seguinte forma:

 z

cv

 y

cv

 x

cv

c

 Dt 

 Dc z y x

(3.26)

onde vx, vy e vz, são os componentes da velocidade local do fluido v.

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O leitor deverá entender perfeitamente o significado físico destas três derivadas. Recorde-se

que t c /  é a derivada para o ponto fixo no espaço e  Dt  Dc /  é a derivada calculada por

um observador que flutua com a correnteza na mesma velocidade do fluido.