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Relatório Final de Estágio Mestrado Integrado em Medicina Veterinária CARDIOLOGIA CLÍNICA EM EQUINOS E ANIMAIS DE COMPANHIA Paula Sofia Freire Neves Orientador Prof. Tiago de Melo Silva Ramos Pereira Co-Orientadores Drª Ana Margarida Silva Drª Erin Byrne Dr. Gustavo Abuja Porto, 2020

CARDIOLOGIA CLÍNICA EM EQUINOS E ANIMAIS DE COMPANHIA · Hérnia Inguinal 2 - Parafimose 1 - Placentite 1 - Rotura da artéria uterina 1 - Oftalmologia Abcesso/massa no canto medial

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

CARDIOLOGIA CLÍNICA EM EQUINOS E ANIMAIS DE COMPANHIA

Paula Sofia Freire Neves

Orientador Prof. Tiago de Melo Silva Ramos Pereira

Co-Orientadores Drª Ana Margarida Silva Drª Erin Byrne Dr. Gustavo Abuja

Porto, 2020

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Relatório Final de Estágio

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária

CARDIOLOGIA CLÍNICA EM EQUINOS E ANIMAIS DE COMPANHIA

Paula Sofia Freire Neves

Orientador Prof. Tiago de Melo Silva Ramos Pereira

Co-Orientadores Drª Ana Margarida Silva Drª Erin Byrne Dr. Gustavo Abuja

Porto, 2020

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RESUMO (300 palavras, resumos dos estágios)

Este relatório é o resultado do trabalho de 4 meses de estágio em duas grandes áreas da

medicina veterinária: Medicina e Cirurgia de Pequenos Animais e Medicina e Cirurgia de

Equinos.

A primeira parte do meu estágio foi realizada em Medicina e Cirurgia de Pequenos Animais

na Clínica Veterinária de Francelos onde impera o espírito de equipa. Aqui tive a oportunidade

de assistir e participar em consultas, acompanhar casos clínicos em diferentes áreas, assistir e

participar em cirurgias, fazer monitorização anestésica e cuidar dos animais internados.

A segunda parte do meu estágio em Medicina e Cirurgia de Equinos consistiu em 6 semanas

no hospital Rhinebeck Equine em Nova Iorque. Este hospital localiza-se em Rhinebeck, e sendo

um hospital de referência tinha uma grande variedade de clientes e de casos, sendo que a

Fibrilhação Atrial despertou o meu interesse. A minha rotina baseava-se na realização dos

tratamentos da manhã e da tarde, assistência de várias consultas, cirurgias eletivas e de

urgência e acompanhamento dos clínicos em saídas de ambulatório. Tive também a

oportunidade de participar em vários congressos e seminários realizados dentro e fora do

hospital.

A terceira parte do meu estágio foi em Los Olivos, Califórnia, no Alamo Pintado Equine

Medical Center. Este hospital dispõe todo o tipo de métodos de diagnóstico, incluindo

ressonância magnética, tomografia computorizada e cintigrafia. Aqui tive a oportunidade de

assistir a várias consultas em diversas áreas bem como cirurgias.

Os objetivos estipulados para este estágio basearam-se sobretudo na aprendizagem,

desenvolvimento do raciocínio clínico e consolidação de tudo o que aprendi ao longo do curso.

Para além de tudo isto ter sido alcançado, esta foi sem dúvida uma experiência bastante

enriquecedora para o meu futuro como Médica Veterinária e como pessoa.

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Casuística de Clínica de Equinos Hospital Rhinebeck Equine Hospital Alamo Pintado Sistema Respiratório

Empiema das Bolsas Guturais - 1

Hemiplegia laríngea 2 - Pneumonia - 2

Sinusite 4 -

Sistema Digestivo Cólica de causa indeterminada - 5

Cólica por obstrução do intestino

por lipoma

2 2

Colite 2 1

Deslocamento e/ou torção do

cólon maior

1 1

Encarceramento nefroesplénico 4 1 Espessamento do intestino

delgado

- 3

Hiperplasia da mucosa gástrica - 1 Impactação cecal 1 -

Impactação cólon maior 2 2

Impactação Gástrica - 1 Obstrução esofágica 6 -

Prolapso retal - 1

Rotura Gástrica - 1 Síndrome de Reabsorção

Odontoclástica Equina e

Hipercimentose

- 1

Úlcera gástrica 2 2

Volvo 1 -

Sistema Cardíaco Bloqueio atrioventricular 1 -

Dilatação da aorta - 1

Fibrilhação Atrial 3 - Insuficiência válvula mitral 1 1

Insuficiência válvula tricúspide - 1

Sistema Musculoesquelético

Abcesso subsolar 1 6 Desmite do ligamento suspensor

do boleto

- 2

Fratura da tíbia 1 - Fratura do 1º osso metacarpiano 1 1

Fratura do úmero - 1

Hemartrose 1 - Laminite 2 2

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iii

Osteoartrite aguda 2

Osteoartrite crónica 1 1

Osteocondrite dissecante/Osteocondrose

3 4

Síndrome de constrição do

ligamento anular

- 1

Sobrecana - 1

Sistema Urinário e Reprodutor

Abcesso uterino 1 -

Cálculo vesical 1 - Deslocamento prematuro da

placenta

1 -

Hérnia Abdominal 1 - Hérnia Inguinal 2 -

Parafimose 1 -

Placentite 1 - Rotura da artéria uterina 1 -

Oftalmologia

Abcesso/massa no canto medial do olho

1 -

Catarata - 1

Conjuntivite 3 - Glaucoma 1 -

Queratite 1 -

Queratite imunomediada 4 - Úlcera indolente 4 2

Traumatologia

Fratura dentária 1 3 Hematoma - 1

Hérnia de hiato 1 -

Laceração de tecidos moles (pele

músculo e tendões)

2 6

Úlcera de decúbito 2 -

Infecciologia

MRSA 1 - Toxicologia

Mordedura de aranha - 1

Mordedura por cobra 1 - Oncologia

Linfoma 1 1

Melanoma 2 1 Sarcóide 1 2

Neonatologia

Contração congénita dos tendões flexores

1 -

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iv

Defeito do septo nasal - 1

Deformação angular 2 1

Diarreia neonatal - 1 Impactação por mecónio 1 1

Ossificação incompleta 1 -

Prematuridade/dismaturidade - 2 Septicemia neonatal - 2

Tetralogia de Fallot 1 -

Dermatologia

Celulite 2 2 Linfagite 2 -

Micose - 1

Pólipo - 1 Seroma 1 -

Endocrinologia

Disfunção da parte intermédia da pituitária (PPID)/cushing

2 1

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v

Procedimentos

Hospital Rhinebeck Equine Hospital Alamo Pintado Cirurgias

Artroscopia das articulações

do carpo, boleto e tarso

5 6

Bursoscopia - 1

Cesariana 1 -

Cólica 3 2

Laparotomia exploratória 1 2

Orquiectomia 3 -

Ovariectomia 1 1

Queratectomia 2 -

Outros procedimentos

Abdominocentese 10 8

Cintigrafia 2 4

Colheita de medula óssea 1 -

Colocação de cateter

subpalpebral

2 -

Diagnóstico de gestação 9 4 Ecocardiografia 4 1

Ecografia abdominal 20 18

Electrocardiograma 3 1

Eletroquiomioterapia - 1

Endoscopia 8 5

Endoscopia dinâmica 1 -

Enema 1 1

Enxerto de pele 1 - Eutanásia 10 3

Extração dentária 4 2

Gastroscopia 4 7

Grosagem dentária 5 2

Inseminação artificial com

sémen congelado

1 -

Inseminação artificial com sémen fresco

1 -

Lavagem das bolsas

guturais

- 2

Lavagem uterina 5 1

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vi

Mielograma - 3

Necrópsia 2 -

Parto assistido 1 -

Recobro em piscina - 1

Recolha de plasma rico em

plaquetas para injetar nos

tendões

2 1

Recolha e avaliação de

sémen

- 1

Ressonância magnética - 4

Sinoscopia 6 -

Testes cutâneos para

alergénios

- 1

Tomografia

computadorizada

- 7

Transfusão Sanguínea 1 1

Traqueostomia 1 -

Tratamento oftalmológico a

laser/fotodinâmico

4 1

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Casuística de Clínica de Animais de Companhia Clínica Veterinária de Francelos Cão Gato Abcesso sub-cutâneo 1 1

Carcinoma das células

escamosas

- 1

Carcinoma pancreático - 1 Cardiomiopatia Hipertrófica - 1

Cardiomiopatia restritiva - 1

Catarata 1 -

Coriza - 1

Doença Mixomatosa da Válvula

Mitral

1 -

Dermatite alérgica à picada da pulga

2 -

Displasia da Anca 1 -

Doença inflamatória intestinal

(IBD)

2 -

Entropion 1 -

Espondiloartrose degenerativa 1 -

FIV - 1

FLUTD - 2 Fratura da tíbia 1 -

Gastroenterite 1 -

Hemangiossarcoma 1 -

Hérnia discal 1 -

Hérnia inguinal 2 -

Hiperadrenocorticismo 1 -

Hipertiroidismo - 1

Hipotiroidismo 1 - Infeção do trato urinário 2 1

Ingestão de corpo estranho 1 1

Insuficiência renal aguda - 1

Insuficiência renal crónica - 5

Intoxicação por chocolate 1 -

Intoxicação por dicumarínicos 1 -

Laceração cutânea 2 1 Leishmaniose 1 -

Leptospirose 1 -

Linfoma - 1

Lipidose hepática - 1

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viii

Luxação coxofemoral - 1

Luxação patelar 1 -

Mastocitoma 2 -

Osteossarcoma 1 -

Otite externa 5 -

Otite média 2 -

Otohematoma 2 - Pancreatite - 1

Panleucopénia felina - 1

Parvovirose 1 -

Piodermite 3 -

Piómetra 1 -

Piotórax - 1

Pneumonia - 1

Pododermatite 1 - Rutura do ligamento cruzado

cranial

1 -

Sarna demodécica 1 -

Tosse do canil 2 -

Úlcera da córnea 2 -

Urolitíase - 1

Procedimentos Cão Gato Enterotomia 1 1

Blefaroplastia de resolução de

entropion

1 -

Destartarização 5 3

Eutanásia 4 2

Extração dentária 3 2

Orquiectomia 10 15 Osteotomia de nivelamento da

meseta tibial (TPLO)

2 -

Ovariohisterectomia 15 20

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ix

AGRADECIMENTOS Quero agradecer do fundo do coração ao Professor Dr. Tiago Pereira por toda a paciência,

dedicação e disponibilidade durante esta última etapa.

Agradeço também a todos os restantes professores do ICBAS que, de uma forma ou de outra,

contribuíram para a minha formação.

A toda a equipa do Serviço de Cirurgia e Urgência de Equinos da faculdade de medicina

veterinária de Lisboa e por me terem recebido e introduzido da melhor forma no mundo dos

cavalos.

À Drª Ana Margarida Silva e a toda a equipa da Clínica Veterinária de Francelos por toda a

generosidade, carinho e paciência que tiveram comigo durante os 4 meses que lá estive.

Obrigada por me terem feito apaixonar pela clínica de pequenos animais. Têm, sem dúvida, um

papel muito importante na minha formação enquanto médica veterinária e como pessoa.

A toda a equipa do hospital Rhinebeck Equine, que me recebeu de braços abertos e me fez sentir

parte da casa desde o primeiro minuto. Um especial agradecimento ao Dr. Nutt, Drª Fake, Drª

Catalano, Drª Berman e Drª Holley por toda a paciência, ensinamentos e por me terem feito sentir

um elemento essencial na equipa.

A toda a equipa do hospital Alamo Pintado Equine Medical Center pela oportunidade que me

deram.

A todos os meus amigos, principalmente às minhas 4 companheiras do ICBAS que estiveram

sempre presentes e me proporcionaram todas as boas memórias que levo deste curso. Obrigada

pela vossa amizade, paciência e por me terem apoiado em todas as minhas crises.

Ao Pico, o meu maior apoio desde o primeiro dia desta grande aventura, por toda a paciência,

carinho, dedicação e compreensão ao longos destes 6 anos.

Por fim, à minha família, principalmente à minha mãe e ao meu pai que, apesar do meu mau

feitio, nunca me deixaram desamparada e sempre me apoiaram incondicionalmente em todas

as minhas loucuras. Aos meus companheiros de quatro patas, Bia e Lucky, por terem sido os

melhores professores e companheiros de estudo.

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x

LISTA DE SÍMBOLOS, ABREVIATURAS E SIGLAS b - Beta

µg - micrograma

µm - micrómetro

% - percentagem

® - produto registado

< - inferior

> - superior

º - grau

ºC - grau celsius

α - alfa

A AD - Átrio Direito

AE - Átrio Esquerdo

ALB - Albumina

ATPase - Adenosinatrifosfatase

AV - Atrioventricular

AVC - Acidente Vascular Cerebral

aVIC - miofibroblastos ativados

B BID - duas vezes ao dia

bpm - batimentos por minuto

BUN – azoto ureico sanguíneo

C CAP - contração atrial prematura

Cl- - Cloro

cm - centímetros

CMH - Cardiomiopatia Hipertrófia

CMHO - Cardiomiopatia Hipertrófica

Obstrutiva

CO2 - Dióxido de Carbono

CREA - Creatinina

CVF - Clínica Veterinária de Francelos

D DC - Débito Cardíaco

dL - decilitros

DMVM - Doença Mixomatosa da Válvula Mitral

E e.g. - exemplo geral

ECG - Eletrocardiograma

EI - Espaço Intercostal

F FA - Fibrilhação Atrial

PO - via oral

PT - Proteínas Totais

FAP - Frequência Atrial Paroxística

FAS - Fibrilhação Atrial Sustentada

FASo - Fibrilhação Atrial Solitária

FC - Frequência Cardíaca

G g - grama

GLU - Glucose

GQ - Gluconato de Quinidina

H h - horas

HP - Hipertensão Pulmonar

HVE – Hipertrofia do Ventrículo Esquerdo

I ICC - Insuficiência Cardíaca Congestiva

IECA - Inibidor da Enzima de Conversão da

Angiotensina

IV - via intravenosa

J J – Joules

K K+ - Potássio

kg – kilograma

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xi

L L – litros

M m - metros

mEq - miliequivalente

mg - miligrama

Min - minutos

min – minutos

ml – mililitro

mm - milímetro

mmHg - milímetros de mercúrio

mmol – milimol

N Na+ - Sódio

ng – nanogramas

O ODTSVD – Obstrução Dinâmica do

Trato de Saída do Ventrículo

Direito

OTSVE – Obstrução do Trato de Saída

do Ventrículo Esquerdo

P PA - Pressão Arterial

pg - picograma

ppm - pulsos por minuto

Q q - a cada

R RM - Regurgitação da válvula mitral

rpm - respirações por minuto

S s - segundos

SA – Sinoatrial

SAM – Movimento sistólico anterior

SID – uma vez ao dia

SIV – Septo Interventricular

SNP - Sistema Nervoso Parassimpático

SNS - Sistema Nervoso Simpático

SQ - Sulfato de Quinidina

SRD – Sem Raça Definida

T TEA – Tromboembolismo Aórtico

TID - três vezes ao dia

TRC - Tempo de Repleção Capilar

TVEC - Cardioversão elétrica transvenosa

V VD - Ventrículo Direito

VE - Ventrículo Esquerdo

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xii

ÍNDICE

RESUMO .............................................................................................................................................. I

CASUÍSTICA DE CLÍNICA DE EQUINOS ............................................................................................... II

CASUÍSTICA DE CLÍNICA DE ANIMAIS DE COMPANHIA ................................................................... VII

AGRADECIMENTOS ........................................................................................................................... IX

LISTA DE SÍMBOLOS, ABREVIATURAS E SIGLAS ................................................................................. X

CARDIOLOGIA CLÍNICA EM EQUINOS ................................................................................................ 1

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 1

1. ELETROFISIOLOGIA .................................................................................................................... 2

2. ARRITMIAS CARDÍACAS .............................................................................................................. 3

3. PATOFISIOLOGIA DA FIBRILHAÇÃO ATRIAL ............................................................................... 4 3.1. Fatores Predisponentes da Fibrilhação Atrial ........................................................................................... 5 3.2. Diagnóstico de Fibrilhação Atrial ............................................................................................................... 6 3.2.1. Auscultação ............................................................................................................................................... 6 3.2.2. Electrocardiograma ................................................................................................................................... 7 3.2.3. Ecocardiografia .......................................................................................................................................... 8 3.2.4. Outros exames complementares .............................................................................................................. 8 3.3. Tratamento da Fibrilhação Atrial .............................................................................................................. 9 3.3.1. Quinidina ................................................................................................................................................... 9 3.3.1.1. Sulfato de Quinidina ................................................................................................................................ 10 3.3.1.2. Gluconato de Quinidina .......................................................................................................................... 12 3.3.2. Digoxina ................................................................................................................................................... 12 3.3.3. Cardioversão elétrica .............................................................................................................................. 12 3.3.3.1. Cardioversão elétrica transtorácica ........................................................................................................ 13 3.3.3.2. Cardioversão Elétrica Transvenosa (TVEC) .............................................................................................. 13 3.4. Prognóstico ............................................................................................................................................. 14 3.5. Cuidados após a cardioversão ................................................................................................................. 15

4. CASOS CLÍNICOS ....................................................................................................................... 16 4.1. Caso Clínico nº 1 ...................................................................................................................................... 16 4.2. Caso Clínico nº 2 ...................................................................................................................................... 17

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xiii

5. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO ...................................................................................................... 18

6. BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................... 20

CARDIOLOGIA CLÍNICA EM ANIMAIS DE COMPANHIA .................................................................... 21 Caso Clínico nº1 .......................................................................................................................................................... 21 Caso Clínico nº2 .......................................................................................................................................................... 26

ANEXOS ............................................................................................................................................ 31

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1

CARDIOLOGIA CLÍNICA EM EQUINOS

INTRODUÇÃO

As arritmias são distúrbios na frequência cardíaca (FC), ritmo e condução do impulso

nervoso16. Podem surgir como resultado de outras patologias: alterações anatómicas no coração,

alterações metabólicas ou endócrinas, inflamação sistémica, hipotensão, hemorragia, anemia,

isquémia, intoxicações, fármacos, entre outras9.

A fibrilhação atrial (FA) é a disritmia supraventricular mais comum e importante em

cavalos, estando na origem da remodelação elétrica e contrátil do átrio4. A explicação para que

haja uma maior prevalência desta doença em equinos em comparação com outras espécies, é

o facto de estes apresentarem uma anatomia cardíaca muito característica que os predispõe

naturalmente á fibrilhação atrial2,7. A ausência de sinais clínicos é bastante comum sendo que

pode ser identificada através da auscultação pela presença de um ritmo irregularmente irregular,

que é caracterizado por um pulso onde os batimentos cardíacos são espaçados de forma

irregular, sem haver um padrão. O diagnóstico definitivo é feito através da realização de um

eletrocardiograma (ECG)16 onde se observa a ausência da onda P, presença de ondas f e

espaçamento irregular dos complexos QRS.

O tratamento pode ser feito através da utilização de fármacos como o sulfato de quinidina

(SQ) e gluconato de quinidina (GQ), que continuam a ser duas opções viáveis, ou através da

cardioversão elétrica transvenosa (TVEC). O tratamento farmacológico tem-se mantido

inalterado há várias décadas, no entanto, a disponibilidade dos fármacos tem vindo a diminuir,

pelo que se acredita que o desenvolvimento de novas terapêuticas venham ajudar a um maior

sucesso e menos complicações no tratamento desta patologia12. Por outro lado, este sucesso

depende, em grande parte, da duração da FA2.

O prognóstico é, na maioria dos casos, favorável6. No entanto, também irá depender do

estado geral do animal e patologias cardíacas estruturais subjacentes que possam estar

presentes16.

Independentemente do sucesso ou não do tratamento da fibrilhação atrial, é importante

que se faça monitorização frequente do ritmo cardíaco, pois a taxa de recorrência varia entre

20% a 30% 20. Para além disso, é importante garantir que, caso o animal seja utilizado para a

prática desportiva, o cavaleiro tenha consciência dos riscos que corre ao fazê-lo16.

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2

1. ELETROFISIOLOGIA

As células do miocárdio são especializadas em contração e

condução do impulso nervoso, no entanto, a maioria delas não

é responsável pela produção deste último. O batimento cardíaco

começa no nó sinoatrial (SA) que é uma estrutura

subepicárdica, fusiforme e localizada entre a veia cava cranial e

o átrio direito. O potencial de ação gerado no nó SA ocorre de

forma espontânea e espalha-se rapidamente pelo átrio direito

(AD) e esquerdo (AE) (através do feixe de Bachmann). Este

acontecimento produz a onda P, sendo esta tipicamente positiva13. O impulso vai, então, em

direção ao nó atrioventricular (AV), pelo qual é conduzido lentamente havendo assim um atraso.

Este fenómeno produz o segmento PR no ECG e o grau de atraso no impulso é determinado/

controlado pelo estímulo vagal (atrasa) ou pelo sistema nervoso simpático (aumenta)9. Quando

o impulso sai do nó AV incorpora um sistema complexo que é o feixe de His e as suas fibras de

Purkinje. Estas últimas estão amplamente espalhadas pelo miocárdio ventricular.

Para além do nó SA, também o nó AV e as fibras de Purkinje são capazes de desencadear

um potencial de ação espontâneo. No entanto, são as células constituintes do nó SA que o fazem

de forma mais rápida. O sistema nervoso simpático (SNS) e o sistema nervoso parassimpático

(SNP) controlam o nó SA e, como tal, determinam a FC, numa situação fisiológica normal.

Desta forma, o músculo cardíaco comporta-se como um sincício, sendo que todas as células

cardíacas possuem três características essenciais ao seu funcionamento. São estas a

excitabilidade, que é a capacidade que o miocárdio tem em reagir quando é estimulado; a

refractariedade, que consiste no facto de uma vez iniciado o potencial de ação, não possa haver

despolarização novamente sem que a célula passe pela fase de repouso. Esta propriedade

protege o músculo cardíaco, fazendo com que este mantenha o padrão de despolarização e não

desenvolva tetania. Por fim, a condutibilidade é outra característica essencial que se traduz na

capacidade de todos os cardiomiócitos conduzirem o estímulo às células vizinhas.

Todas as células, incluindo as do miocárdio, apresentam uma carga elétrica interior negativa

e uma carga elétrica exterior positiva, sendo que a esta diferença se dá o nome de potencial de

membrana. No interior das células existe uma grande quantidade de potássio e uma baixa

quantidade de sódio e cálcio. O que difere as células cardíacas das outras é o facto de possuírem

canais membranares, que funcionam consoante o estímulo fornecido. Deste modo, os iões

deslocam-se provocando alterações no potencial de membrana13.

Figura 1: Relação entre o potencial de ação nas diferentes regiões do coração e o ECG13.

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2. ARRITMIAS CARDÍACAS

As arritmias cardíacas são distúrbios na FC, ritmo ou condução do impulso. São classificadas

com base no ECG, tendo em conta a frequência atrial e ventricular, origem anatómica do impulso,

método de formação do impulso e sequência de condução deste16.

As alterações dos eletrólitos são uma importante causa de arritmias. Cavalos exaustos com

graves problemas gastrointestinais ou doença renal estão predispostos a sofrer desequilíbrios

eletrolíticos, em particular nos níveis de cálcio, potássio, magnésio e sódio9.

Existem três mecanismos que podem explicar a origem de uma arritmia: Falha na geração do impulso: há uma falha na automaticidade do nó SA e por isso não há um número de impulsos

suficientes, resultando em bradicardia. Os sintomas aparecem quando o coração já não é capaz

de produzir a FC necessária às necessidades do organismo. Caso esta falha seja muito

pronunciada as outras células marcapasso entram em ação. Distúrbios na condutividade: Podem ser funcionais ou estruturais, sendo que, em ambos os casos, a velocidade de condução

do miocárdio é afetada pela amplitude do potencial de ação, pelo ritmo da fase 0 da

despolarização, pelo limiar potencial e pela condutividade elétrica interna e externa. Este

conjunto de acontecimentos irá afetar as propriedades condutoras do miocárdio e

consequentemente a formação do impulso elétrico. Os cardiomiócitos afetados fazem parte de

uma área de condução lenta, ou seja, o potencial de ação das células atriais e ventriculares

afetadas torna-se semelhante ao das células marcapasso e, nessas circunstâncias, uma vez

criado o impulso numa dessas células, este propaga-se normalmente. Posto isto, há uma

heterogeneidade da despolarização dos cardiomiócitos, perdendo-se o efeito de “onda de

propagação” do impulso dos átrios para os ventrículos. Este impulso pode ser bloqueado durante

um curto período de tempo, sendo que o tecido se pode voltar a despolarizar ou o bloqueio pode

ser unidirecional. Este último é algo que ocorre normalmente no nó AV, mas se ocorrer nos átrios

ou ventrículos, pode levar a um circuito de re-entrada. Mecanismo de re-entrada: numa

situação fisiológica normal o impulso elétrico (despolarização) é gerado espontaneamente no nó

SA e é conduzido até ao nó AV. O período que se segue a cada despolarização designa-se por

período refratário e impede que a onda de despolarização retorne ao nó SA. Este período pode

ser afetado mediante certas condições, originando-se zonas de condução lenta e bloqueios

unidirecionais. Desta forma, a onda pode voltar para trás e formar um círculo contínuo (re-

entrada). Este fenómeno tem sido utilizado para explicar a patofisiologia da fibrilhação atrial9.

As principais preocupações quando se está perante uma arritmia são as consequências

hemodinâmicas (diminuição da pressão, fluxo e perfusão) e a potencial instabilidade elétrica

(fibrilações, morte súbita). Desta forma, quando se suspeita que um cavalo possa ter uma

arritmia deve-se fazer uma ecocardiografia, eletrocardiograma (em estação, dinâmico e Holter),

hemograma e bioquímica. É necessário ter em conta que num cavalo normal, em repouso, é

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possível encontrar um ritmo bradicárdico devido ao estímulo vagal, arritmias ou até mesmo

bloqueios. No entanto, perante um estímulo repentino, o mesmo animal pode desenvolver uma

taquicardia sinusal, estimulada pelo SNS16. Desta forma, é extremamente importante distinguir

uma arritmia fisiológica de uma arritmia patológica por uma doença valvular, do miocárdio ou

sistémica9. Os anestésicos, situações de hipóxia, tração de uma víscera abdominal, manipulação

ocular, hipotermia, aumento da pressão intracranial e hipertensão podem provocar uma

depressão no nó SA que, juntamente com a despolarização de outras células marcapasso,

podem estar na origem de focos ectópicos16.

3. Patofisiologia da Fibrilhação Atrial

A FA é comum em cavalos adultos, sendo que tem vindo a ser

bastante reportada nas raças Standardbred, Warmblood e cavalos de

tração15. Não parece haver uma predisposição de género, mas tem

uma maior prevalência em cavalos de corrida com mais de 4 anos de

idade 7. O exercício vigoroso também tem vindo a ser associado com

o desenvolvimento deste tipo de arritmia em cavalos atletas.

É a disritmia supraventricular mais importante em cavalos 4 e tem vindo a ser explicada com

base no mecanismo de re-entrada. O círculo contínuo mencionado anteriormente pode ser

demonstrado como uma onda de despolarização (ponta da seta preta) que realiza um movimento

circular e que vai progressivamente entrando na área refratária (zona preta). No final da onda de

despolarização, o tecido recupera gradualmente (zona cinzenta) e recupera a polarização total,

entrando no espaço excitável (zona branca). Desde que a ponta da seta não atinja o seu fim, ou

seja, desde que continue a haver zona de recuperação e espaço excitável, a onda de

despolarização continua a propagar-se. Esta propagação pode ocorrer por três razões diferentes: Aumento das vias de condução, ou seja, há um aumento das fibras de condução (em corações

dilatados, por exemplo) e, por isso, há tempo para que as células repolarizem antes que a frente

de onda despolarizante termine. Diminuição da velocidade de condução, ou seja, o impulso

demora mais tempo a percorrer as fibras, havendo tempo para que as células repolarizem. Este

processo ocorre em bloqueios, tecido isquémico, fibrose ou hipercaliémia. Diminuição do período refratário, que ocorre como resposta à utilização de certos fármacos ou por estimulação

elétrica repetida.

Assim, todo este ciclo irá depender do tamanho do átrio e do tamanho do próprio círculo,

sendo que este mecanismo irá persistir mais facilmente em átrios aumentados ou com fibrose e

quando o círculo de re-entrada é pequeno 7,9. No entanto, existe uma incongruência nesta teoria

do mecanismo de re-entrada no que diz respeito à FA, pois os bloqueadores dos canais de sódio

diminuem a velocidade de condução e o comprimento do impulso despolarizante e, como tal,

não deveriam converter a FA, mas sim promovê-la.

Figura 2: Imagem representativa do mecanismo de re-entrada9.

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5

Quando temos apenas uma onda despolarizante a

circular no átrio estamos perante um flutter atrial9.

Neste caso, contrariamente ao que acontece na

FA, há coordenação no átrio, sendo que este

contrai a uma frequência muito elevada (170 a 250 bpm). O ECG de um flutter atrial mostra um

padrão dentes de serra no qual cada ondulação representa uma onda despolarizante9.

No entanto, numa FA existem várias ondas despolarizantes ao mesmo tempo, provocando

um verdadeiro caos no átrio. Com a perda de coordenação no átrio, deixa de haver eficiência na

sua contração provocando um ritmo ventricular irregular. Este por sua vez provoca deficiências

no enchimento do ventrículo, pois muitos dos impulsos que chegariam ao nó AV estão

bloqueados devido a um aumento do período refratário6. Esta patologia pode ser aguda ou

crónica e pode ainda ser classificada como:

• Paroxística: ocorre quando o átrio contém um pequeno número de ondas que podem

terminar todas ao mesmo tempo. É caracterizada por um episódio isolado e baixa

performance que desaparece espontaneamente em 24-48 horas (FAP).

• Sustentada: ocorre quando existe um grande número de ondas (devido ao aumento do

átrio, condução lenta ou diminuição do período refratário), sendo que é pouco provável

que estas terminem todas ao mesmo tempo e, como tal, a fibrilhação atrial não converte

espontaneamente. Esta pode ser persistente (resolve com tratamento adequado) ou

permanente (não resolve com tratamento adequado)7,16. Este tipo de FA,

independentemente de ser persistente ou permanente, apesar de menos comuns, são

mais fáceis de diagnosticar, uma vez que a arritmia é sustentada (FAS)15.

É comum que esta patologia seja um achado clínico e a maioria dos cavalos apresenta um

DC normal. Porém, se estivermos a falar de cavalos utilizados para exercício intenso estes, para

além da intolerância (devido à limitação da libertação de dióxido de carbono (CO2) e baixa

performance, podem ainda apresentar hemorragia pulmonar induzida pelo exercício, dificuldades

respiratórias, ICC, ataxia, miopatias7, síncope e até mesmo morte devido a disritmias

ventriculares2.

A maioria dos cavalos com FA, quer seja paroxística ou sustentada, não tem evidência de

outras patologias cardíacas e como tal é comum que se faça um diagnóstico único de fibrilhação

atrial (Fibrilhação atrial solitária - FASo). No entanto, isto pode significar que não existiram meios

para detetar uma patologia subjacente7.

3.1. Fatores Predisponentes da Fibrilhação Atrial

Os cavalos são animais que estão particularmente predispostos a FA, mesmo que

apresentem um tecido atrial normal (FASo)7. Isto deve-se ao facto de possuírem naturalmente

Figura 3: ECG de um cavalo com flutter atrial, onde cada ondulação representa uma onda despolarizante9.

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uma elevada massa atrial e um elevado tónus vagal em repouso2. Em póneis, e outras espécies,

esta aparece apenas na presença de alterações estruturais, diferenças na refractariedade e

velocidade de condução do impulso7. Ao contrário do que acontece nas outras espécies, que

perante uma FA desenvolvem taquicardia, um cavalo apresenta, normalmente, uma FC normal

(24-48 bmp)5ou baixa. Este facto reflete a capacidade que estes animais tem de controlar o nó

AV através do SNP11. Caso a FC esteja aumentada em repouso, o clínico deverá pensar noutras

lesões cardíacas (alterações estruturais) ou distúrbios que aumentem o tónus simpático (dor,

anemia, febre, infeção)16. A FA ocorre quando existem fatores de desencadeamento e fatores de manutenção20.

Qualquer evento que predisponha a complexos prematuros atriais (CAP’s) ou rápida estimulação

atrial pode estar na origem de uma FA. Deste modo, há vários fatores que devem ter sidos em

conta, tais como o aumento dos átrios (sendo que o aumento do AE é considerado a principal

predisposição a FA), desequilíbrios vagossimpáticos durante o exercício, depleção transitória de

potássio (principalmente em cavalos tratados com furosemida, bicarbonato ou pela libertação

excessiva de suor em exercício intenso), miocardite, fibrose, entre outros16. A perda de

contractibilidade atrial é um outro fator associado a esta patologia, estando muito bem descrito

em humanos, nos quais este processo ocorre devido a alterações no fluxo de cálcio celular. Esta

perda pode levar a parálise e aumento atrial. No entanto, no estudo realizado em cavalos pela

universidade de Gent, apesar de se ter observado a perda de contração atrial, não foram

encontradas alterações significativas no tamanho do átrio 2.

Embora não seja comum, os cavalos podem colapsar após início repentino de FA durante o

exercício. Isto pode ocorrer devido à diminuição repentina de CO2. Recentemente também foi

demonstrado que a prevalência do QRS e do fenómeno R em T é alta em cavalos com FA,

mesmo quando o animal é submetido a níveis de exercício baixos.

Estes eventos são considerados fatores de risco para o desenvolvimento de arritmias

ventriculares, podendo explicar episódios de fraqueza, colapso ou até mesmo morte súbita.

Assim que possível deve-se determinar a duração da FA16, pois esta provoca alterações

elétricas, contráteis e estruturais que induzem uma remodelação no átrio que, por sua vez,

provoca uma disfunção contrátil4. Deste modo, o grau de remodelação atrial afeta o prognóstico

em termos de sucesso da conversão e probabilidade de recorrência. São fatores de prognóstico

negativo a presença de uma alteração estrutural, crises recorrentes de FA, FA de longa data e

falha na conversão com quinidina. No entanto, a presença de um destes fatores não indica

necessariamente que o animal se encontre em perigo iminente, apenas indicam que a conversão

será difícil ou que, mesmo que esta ocorra, pode não ser permanente16.

3.2. Diagnóstico de Fibrilhação Atrial

3.2.1. Auscultação

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A suspeita da presença de FA começa quando, durante a auscultação, é identificado um

ritmo irregularmente irregular, com intensidade variável havendo intensificação do primeiro20 e

ausência do quarto som cardíaco, que corresponde à contração atrial6. O pulso arterial pode

variar na sua intensidade ou até mesmo apresentar um défice, especialmente quando a

frequência ventricular é elevada16. Na maioria dos casos é difícil diferenciar FA de outras

arritmias cardíacas, especialmente de um bloqueio AV de 2º grau, sendo que neste último é

possível ouvir um quarto som durante o ciclo cardíaco. A presença deste quarto som exclui a

possibilidade de FA, uma vez que não há contração atrial ativa. No entanto, a sua ausência não

é suficiente para fazer um diagnóstico preciso. O terceiro som que se ouve representa o

enchimento ventricular passivo que é, muitas vezes, proeminente nestes cavalos e resulta de

um aumento do volume diastólico atrial. Este som é tipicamente ouvido em cavalos com aumento

do AE devido a regurgitação da válvula mitral. No entanto, também ocorre na FA devido a um

esvaziamento ativo atrial (não há contração)11.

3.2.2. Electrocardiograma

Existem várias formas de colocação dos elétrodos, sendo que a derivação I, base-ápice, é a

mais comum. Nesta os elétrodos são colocados paralelamente ao impulso de forma a otimizar o

sinal, sendo que é costume colocar-se o elétrodo negativo (RA) sobre a escápula direita, o

elétrodo positivo (LA) no ápice cardíaco e o outro elétrodo em qualquer sítio, sendo muitas vezes

colocado no pescoço, perto da jugular9,18. O diagnóstico definitivo é feito através da realização

de um ECG, sendo que num cavalo saudável deverá apresentar deflexões de ondas P,

complexos QRS e ondas T na linha isoeléctrica16. Perante uma FA, observa-se espaçamento

irregular dos complexos QRS, ausência das ondas P e presença das ondas f. As ondas f

(fibrilhação) correspondem ao somatório da atividade elétrica que ocorre dentro dos átrios.

Nesta patologia, o ECG para além de ser o

método de diagnóstico predileto, permite

perceber se existe outro tipo de arritmia, tais

como: uma arritmia sinusal que também pode

ter um ritmo irregularmente irregular, no

entanto desaparece com exercício ligeiro e a

onda P precede todos os QRS no ECG; um

bloqueio AV de 2º grau que também deverá

desaparecer com exercício ligeiro. Neste

último, o ECG revela a presença de ondas P a

preceder todos os QRS e pontualmente ondas P sem QRS correspondente6.

Devido à condução aberrante, o complexo QRS e a onda T podem mostrar polaridades

alteradas e por isso opostas. Tal acontecimento não deverá ser confundido com uma contração

prematura ventricular. Estes podem ser encontrados em cavalos que se encontrem em repouso

Figura 4: Em cima temos um ECG em repouso de um cavalo com um bloqueio AV de 2º grau, onde podemos observar as ondas p que representam as contrações atriais. Em baixo o ECG de um cavalo com fibrilhação atrial, onde estão presentes ondas f11.

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ou em exercício e, na ausência de distúrbios eletrolíticos ou sistémicos, podem indicar uma

doença miocárdica subjacente que, por sua vez, poderá estar na origem da FA, sendo esta então

secundária20. Em certas situações existe recomendação para a realização de um ECG em

movimento. Cavalos com FA apresentam um rápido aumento de frequência cardíaca exagerada

para o nível de exercício que realizam. A FC de um cavalo normal a trote deverá ser 90-120

bpm, a galope normal 140-160 bpm e a galope a um esforço máximo 200-240 bpm6. No entanto,

existem autores que consideram que a FC máxima durante um exercício exagerado

(comparando com a atividade normal do cavalo) não deverá exceder os 220 bpm, pois acima

desta FC, o risco de colapso aumenta16.

3.2.3. Ecocardiografia

A realização de uma ecocardiografia permite avaliar a presença ou não de doenças

estruturais, tais como insuficiência valvular e dilatação das câmaras cardíacas. A presença de uma

insuficiência valvular de grau moderado-severo, principalmente se em conjunto com dilatação

atrial, é capaz de contribuir para o desenvolvimento de FA6. O parâmetro mais importante a ser

avaliado é a dimensão do AE, já que este em situações normais deverá ter 11,4 cm (+/- 0,5 cm)16.

Caso se encontre aumentado (acima de 14 cm) representa um fator de pior prognóstico no que

diz respeito ao tratamento com quinidina e está comumente relacionado com insuficiência

valvular AV, daí a importância da realização de uma ecocardiografia em cavalos com sopros

cardíacos devido a insuficiência da válvula mitral ou tricúspide 4,11. Não é incomum encontrar um

cavalo com uma ligeira diminuição da fração de encurtamento do VE (normalmente a 24-32%),

esta volta ao normal após a cardioversão (32-45%). Esta diminuição, possivelmente, deve-se ao

facto de a pré-carga estar diminuída devido à perda da contribuição do átrio para o enchimento

do ventrículo16.

3.2.4. Outros exames complementares

Deve-se inspecionar a veia jugular de forma a descartar uma insuficiência cardíaca direita17,

uma vez que um pulso jugular proeminente indica um aumento da pressão no AD e por sua vez

ICC ou outra deficiência na drenagem venosa. No entanto, em cavalos com FA há ausência de

contrações atriais e por isso um aumento do volume de sangue no átrio. Assim, a pressão da

sístole ventricular é parcialmente transferida através da válvula tricúspide e visível na veia

jugular. Deste modo, num cavalo com FA, o pulso jugular proeminente não indica

necessariamente uma ICC ou um pior prognóstico11.

A medição da troponina I permite descartar uma lesão no miocárdio14,17. Também é

importante que se realize um hemograma e um perfil bioquímico que inclua os valores séricos

de potássio e de magnésio, uma vez que a diminuição destes (hipocalemia e hipomagnesiémia,

respetivamente) pode predispor a FAP. Para tal, deve-se recolher uma amostra de urina,

preferencialmente antes do exercício e da refeição matinal, de forma espontânea7.

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3.3. Tratamento da Fibrilhação Atrial

Esta patologia muitas vezes não requer tratamento, pois numa grande maioria dos casos o

animal consegue converter espontaneamente para o ritmo sinusal normal 24 a 48 horas após o

início da fibrilhação atrial (FAP)20. Neste caso, é na mesma aconselhada a realização de um perfil

bioquímico que inclua as medições de potássio e magnésio e fração de excreção de potássio

(principalmente em cavalos de corrida), ecocardiografia e Holter16. Se permanecer após 72

horas, o mais provável é que a conversão não ocorra de forma espontânea e se torne

permanente (FAS). Neste caso, antes de se pensar num tratamento, deve-se proceder a todos

os métodos de diagnóstico descritos anteriormente, de forma a perceber se há alguma doença

que esteja a predispor a esta patologia como dilatação atrial, regurgitação valvular ou falha

cardíaca20. A realização de cardioversão para um ritmo sinusal normal é recomendada em

cavalos com FA persistente sem evidencia de doença estrutural subjacente, com alterações

cardíacas estruturais, tais como aumento ligeiro a moderado do AE, e em cavalos com respostas

ventriculares excessivamente rápidas, arritmias ventriculares que estão presentes durante o

exercício ou secundárias a um estímulo do SNS. Não está recomendada em cavalos com

regurgitação valvular severa, cardiomiopatias graves ou ICC, não só pelos riscos que acarreta,

mas também pela baixa taxa de sucesso e elevada probabilidade de recorrência. O mais

frequente é que o animal apresente FASo associada a história de baixa performance. Este

quadro clínico requer intervenção veterinária e é aconselhado que se tente a conversão para um

ritmo sinusal. Mesmo que o animal não apresente sinais clínicos, o tratamento está aconselhado

devido ao risco que o animal corre, principalmente durante o exercício. No caso de o dono não

estar de acordo com o tratamento, deve ser, pelo menos, aconselhada a realização de um ECG

durante o exercício, uma vez que este deve estar livre de R em T20.

Enquanto que em humanos a FA predispõe a tromboembolismo e AVC, em cavalos não há

evidência que estas complicações sejam um risco e como tal o uso de anticoagulantes não está

indicado.

3.3.1. Quinidina

A quinidina é um antiarrítmico da classe IA e o fármaco de eleição para o tratamento da FA6.

Este fármaco bloqueia os canais de sódio prolongando assim o potencial de ação. Por outro lado,

devido ao seu efeito inotrópico negativo e bloqueio α-adrenérgico, apresenta efeitos

hipotensores. Tem também um efeito vagolítico que provoca um aumento na frequência

ventricular durante o tratamento20. Devido ao seu efeito vasodilatador, o animal poderá

apresentar fraqueza durante o tratamento e, por esta razão, deverá permanecer num ambiente

calmo, idealmente dentro da box12, sendo recomendado restringir o acesso a água e alimento

durante o processo17, uma vez que a biodisponibilidade da quinidina é maior e mais previsível

quando os animais fazem jejum durante a noite12. O animal deverá ter uma via intravenosa aberta

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para o caso de ser necessário administrar algum fármaco20, sendo comum a colocação de um

cateter intravenoso na veia jugular12.

3.3.1.1. Sulfato de Quinidina

O Sulfato de Quinidina (SQ) é o fármaco de eleição para o tratamento da FA, apresentando

88% de taxa de sucesso. Devido ao facto de apresentar um sabor amargo e de ser bastante

irritante para a mucosa oral6 e esofágica12, é necessário colocar um tubo nasogástrico para que

seja administrado6. Antes de se administrar a dose total, é aconselhada fazer uma administração

de 10 mg/kg de SQ de forma a perceber se o cavalo poderá vir a desenvolver reações adversas.

A administração da dose total (22 mg/kg) deverá ser feita a cada duas horas, sendo que a dose

máxima diária são 6 doses. O objetivo deste tratamento é que o SQ atinja concentrações de 2-5

µg/L em circulação. Quanto mais tempo for possível manter os níveis do fármaco em circulação,

maior será a probabilidade de sucesso de cardioversão19. Se for possível obter a concentração

plasmática de SQ, esta deverá ser feita uma hora após a quarta dose, de forma a determinar se

é necessário continuar o tratamento. Neste caso, se as concentrações plasmáticas forem

superiores a 4 µg/L, está recomendado que o tratamento passe a ser realizado a cada seis horas,

sendo que existe uma grande probabilidade que o animal sofra cardioversão durante este

período. Se não for possível fazer essa medição, deve-se proceder exatamente da mesma forma.

Algo que também se deve ter em conta é que uma grande maioria dos cavalos não tolera mais

que 4 doses de SQ sem apresentar sinais de toxicidade17 pois, como todos os fármacos, o SQ

tem efeitos adversos. No entanto, muitos deles estão relacionados com a dose administrada

podendo ser controlados ou até mesmo evitados6. Deste modo, é necessário distinguir entre

efeitos secundários ligeiros (comportamento bizarro, depressão, úlceras na cavidade oral,

edema nasal, taquicardia ligeira, parafimose, urticária) de efeitos secundários graves

(convulsões, cólica, diarreia, laminite, ataxia, hipotensão, edema pulmonar, insuficiência

cardíaca congestiva, colapso ou aumento da frequência ventricular acima de 120/min)17,20.

Devido aos riscos inerentes a este

tratamento, o animal deve ser

hospitalizado para que seja

monitorizado e receba cuidados

intensivos. Deve-se prestar a

máxima atenção a qualquer efeito

secundário mesmo que seja algo ligeiro, uma vez que pode progredir rapidamente para algo

mais severo. A FC e o ECG devem ser monitorizados permanentemente, sendo que a colocação

de um Holter é a melhor opção. É importante ter atenção aos complexos de QRS, uma vez que

taquicardias ventriculares fatais (e.g. Torsades de pointes) podem começar com apenas um

alargamento destes. Caso se observe alargamento do QRS ou aumento da FC (> 80 bpm) o

tratamento deve ser alterado ou interrompido. Existem alguns hospitais que para além disto

Figura 5: ECG de um cavalo com fibrilhação atrial que, após receber seis doses de SQ, desenvolveu Torsades de pointes. Foi tratado de imediato com sulfato de magnésio7.

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também monitorizam a PA na base da cauda6. Está descrito um tratamento de emergência, caso

se observem efeitos secundários graves devido à utilização do SQ, que inclui fluidoterapia IV e

administração de bicarbonato de sódio (1 mEq/Kg, IV), de forma a aumentar a ligação de

proteínas à quinidina.

Quando é detetada a presença de

taquicardia, a primeira coisa a fazer é tentar

perceber se se trata de uma taquicardia

supraventricular ou de uma taquicardia

ventricular. Pode ser bastante complicado

fazer esta distinção, uma vez que o animal

apresenta FA e, por isso, ausência das

ondas P, e também porque o tratamento com quinidina está associado a um ligeiro alargamento

do QRS20. A ocorrência de taquicardia supraventricular é mais comum17 e tem na sua origem

uma remoção súbita do tónus vagal no nó AV7. Se for sustentada com uma FC superior a 100

bpm pode ser resolvida com a administração de digoxina (0,0022 mg/kg IV ou 0,001 mg/kg PO)

ou diltiazem (125 mg/kg IV lentamente em bólus, monitorizando-se a PA); se for sustentada mas

com uma FC superior a 150 bpm ou o animal estiver hipotenso, procede-se da mesma forma e

acrescenta-se bicarbonato de sódio (1 mEq/kg IV) . Se a FC permanecer alta e a PA baixa, é

aconselhado o uso de propanolol (0,03 mg/kg IV lentamente; não administrar antes da

metabolização do diltiazem estar completa), fenilnefrina (1µg/kg/min) de forma a aumentar a PA

e por isso diminui a FC, verapamil (0,025-0,05 mg/kg IV a cada 30 minuto, não ultrapassando a

dose total de 0,2 mg/kg)17. A detomidina (agonista alfa-2-adrenérgico) também é bastante eficaz

a diminuir a FC, não estando indicada em casos de hipotensão20. A taquicardia ventricular pode

ser tratada com sulfato de magnésio (1-2,5 g/450 kg/min IV, não ultrapassando os 25g/450kg;

pode ser administrado rapidamente IV ou em bólus - tratamento de eleição para Torsades de

pointes), lidocaína (0,25-0,5 mg/kg lentamente IV a cada 5-10 minutos, não ultrapassando um

total de 2-4 mg/kg), procainamida (1 mg/kg/min, não ultrapassando os 20 mg/kg), propafenona

(0,5-1 mg/kg em 5% de dextrose lentamente IV, a cada 5-8 minutos), bretilio (3-5 mg/kg IV,

podendo ser repetido desde que não se ultrapasse a dose de 10 mg/kg)17.

Se o animal estiver hipotenso, para controlar esse efeito administram-se cristaloides IV ou

fenilnefrina IV (0,1-0,2 µg/Kg/min, não ultrapassando os 0,01 mg/Kg)20.

Quando começam a aparecer efeitos secundários e o animal ainda não sofreu cardioversão

existe ainda a possibilidade de aumentar o intervalo de administração (a cada 6 horas). Se após

o segundo dia de tratamento o animal ainda não tiver sofrido cardioversão e estiver a tolerar o

tratamento, está recomendada a associação de digoxina (0,011 mg/Kg PO BID ou juntamente

com a quinidina pelo tubo nasogástrico)17 que diminui a condução no nó AV. O seu uso

combinado permite reduzir a dose de quinidina, no entanto, a associação destes fármacos

Figura 6: A: ECG de um cavalo com FA que demonstrou taquicardia supraventricular durante a cardioversão farmacológia. B: ECG de um cavalo com FA que demonstrou taquicardia ventricular durante a cardioversão farmacológia12.

A

B

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12

diminui a excreção renal e os locais de ligação da digoxina, levando a um aumento da sua

concentração sérica e, por isso, também a um aumento do risco de efeitos adversos. Também

está descrita a possibilidade de um segundo ciclo de tratamento no caso deste não resultar à

primeira tentativa. Porém, o tratamento deverá terminar assim que se conseguir um ritmo sinusal

normal, haja um alargamento de 25% do QRS ou quando ocorrem efeitos secundários graves20.

3.3.1.2. Gluconato de Quinidina

O Gluconato de Quinidina (GQ) é efetivo no tratamento de FA aguda, principalmente se não

houver uma causa subjacente e se a patologia persistir há menos de 7 dias. Apresenta uma taxa

de sucesso de 75%, logo menos efetivo que o SQ. É administrado 1-1,5 mg/kg IV durante um

minuto, podendo ser repetido a cada 10-15 minutos até que se consiga a cardioversão, que pode

ocorrer durante o tratamento ou nas 24 horas seguintes17, haja alargamento de 25% do QRS, o

animal apresente efeitos secundários ou que se atinja uma dose total de 12 mg/kg20. Caso não

ocorra e o animal não apresente sinais de toxicidade pelo fármaco17 (anorexia, depressão, cólica

ou disritmia cardíaca7) pode-se proceder ao tratamento com SQ. Este tratamento, apesar de

mais conveniente, acarreta um maior risco de efeitos adversos.

3.3.2. Digoxina

A Digoxina é um digitálico e inibe a bomba Na+/K+ ATPase. Deste modo, o sódio que se

encontra dentro das células não sairá através da bomba, mas sim em troca com o cálcio havendo

uma maior força de contração. Esta troca de sódio pelo cálcio também ocorre nos nervos, o que

provoca uma libertação de acetilcolina que, por sua vez, provoca uma diminuição da frequência

cardíaca10. Assim, este fármaco não é utilizado para fazer cardioversão, mas sim para controlar

a frequência ventricular em cavalos com FA. Esta, por vezes, está aumentada porque o animal

apresenta uma causa subjacente à FA. No entanto, o animal também pode desenvolver

taquicardia durante o tratamento com quinidina e, neste caso, na ausência de outros efeitos

adversos, é possível continuar o tratamento com quinidina associada a digoxina tomando-se

particular atenção aos efeitos adversos uma vez que a digoxina e a quinidina competem pelo

mesmo local de ligação e como tal pode ocorrer uma overdose de digoxina20. Neste caso, pode-

se reverter os seus efeitos com a administração de potássio10.

3.3.3. Cardioversão elétrica

A cardioversão elétrica pode ser usada para tratar FA sem causa subjacente, FA com ligeiro

aumento do AE ou em cavalos que não toleram/está contraindicado o tratamento com quinidina.

Como é um processo doloroso e resulta em solavancos repentinos de todo o corpo do animal,

este procedimento deve ser realizado sob anestesia geral16.

Em medicina humana a cardioversão elétrica, realizada através de um choque elétrico de

corrente direta, é usada para converter fibrilhação atrial e ventricular. O mecanismo exato não é

conhecido, mas pensa-se que este choque provoque uma despolarização completa no

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miocárdio, obrigando-o a entrar na fase refratária. Assim, todas as ondas de fibrilhação são

bloqueadas e dá-se a oportunidade de se restaurar um ritmo sinusal normal16. É necessário que

se atinja uma grande área do miocárdio e, para isso, tem que haver uma enorme corrente elétrica

a fluir no átrio. Esta depende da área de superfície dos elétrodos, distância e resistência entre

elétrodos e posição destes em relação ao átrio e da energia aplicada (J). Outro fator a ter em

conta é a morfologia da onda da corrente elétrica, pois as ondas bifásicas são mais eficientes

que as monofásicas. Uma vez que o choque de corrente elétrica atinge todas as câmaras

cardíacas, é extremamente importante que este não seja fornecido durante uma onda T, pois

pode-se induzir uma fibrilhação ventricular que pode ser fatal. Deste modo, o choque deve ser

sincronizado com uma onda R. Porém, pode resultar em bradicardia temporária ou assístole e,

como tal, recomenda-se estimulação ventricular de apoio durante a cardioversão elétrica20.

3.3.3.1. Cardioversão elétrica transtorácica

Este método é utilizado em medicina humana com sucesso e estima-se que a energia

necessária para o fazer será semelhante à energia necessária para reverter uma fibrilhação

ventricular (4J/kg). Por comparação, percebe-se que a energia necessária para cardioverter

eletricamente um cavalo é extremamente alta e os desfibrilhadores comercializados são capazes

de fornecer um máximo de 360 J6.

Num cavalo, devido à sua enorme massa torácica e ao facto de os pulmões se encontrarem

ao redor do coração, a corrente elétrica que chega ao átrio não é suficiente para se restaurar um

ritmo sinusal20. No entanto, tentou-se este tratamento em três cavalos, havendo sucesso num

deles. Pensa-se que parte deste sucesso se deve ao facto de a FA ter tido uma curta duração e

ao facto de ter sido administrada quinidina antes deste procedimento. A posição dos elétrodos

tem também uma grande influência, uma vez que estes devem estar colocados em cima do átrio

de cada lado do tórax e, para tal, o animal deve estar posicionado em decúbito dorsal sob

anestesia geral6.

3.3.3.2. Cardioversão Elétrica Transvenosa (TVEC)

Este tratamento tem uma taxa de sucesso de 98%6 e tem vindo a ser muito utilizado em

inúmeros centros de referência quer como tratamento de primeira escolha da FA quer como

alternativa a uma resposta inadequada/insucesso do tratamento com quinidina16. No entanto,

para a sua realização é necessário equipamento adequado, uma equipa bem treinada, bem

como um médico veterinário especializado em cardiologia. Para a colocação dos elétrodos o

animal deve-se encontrar em estação, sob sedação e anestesia local16. A colocação destes é

um processo ecoguiado através da veia jugular20, sendo que um dos elétrodos deverá ficar na

artéria pulmonar e o outro no AD,16. Assim que se confirma por raio-x que estão na posição

correta, o cavalo é anestesiado e colocado em decúbito lateral esquerdo12. Deve ser feito novo

raio-x após o animal estar sob anestesia geral forma a confirmarmos o seu posicionamento8,16.

Os choques elétricos deverão começar a 125 J, aumentando-se gradualmente20, a cada dois

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minutos12, e não ultrapassando o limite máximo de 360 J. No entanto, a cardioversão elétrica

com ondas bifásicas é, normalmente, conseguida com 160 J20.

As complicações associadas a este tratamento

são poucas e normalmente estão relacionadas com

a anestesia geral. Foi reportado um bloqueio AV

transitório que poderá estar relacionado com a

posição dos elétrodos16 e explica a necessidade de

estimulação ventricular durante o tratamento21. A outra complicação, já referida anteriormente,

está relacionada com a falta de sincronização da onda de choque com a onda R. A recorrência

imediata de FA nas 24h seguintes, apesar de infrequente, é mais comum do que com o

tratamento com quinidina. De forma a reduzir esta recorrência, está descrito o uso de fármacos

antiarrítmicos antes, durante ou depois da cardioversão elétrica. Para este efeito é costume ser

utilizado sotalol e amiodarona16. O sotalol é um b-bloqueador e como tal bloqueia a libertação de

adrenalina e por isso controla a frequência cardíaca ventricular. É também um antiarrítmico de

classe III cujos efeitos, combinados com os da quinidina, resultam em cardioversões de

sucesso17. Este fármaco provoca aumento do intervalo QT, diminuição da FC, prolongamento do

período refratário do nó AV e aumento do intervalo PQ. Em medicina veterinária é comumente

utilizado como tratamento a longo prazo em arritmias ventriculares em cães e gatos, ao contrário

do que acontece em cavalos3. Pode ser utilizado inicialmente a uma dose de 1 mg/kg PO e

mantido a uma dose de 2-3 mg/kg PO q1216.

3.4. Prognóstico

A taxa de recorrência de FA tem sido reportada como sendo 20% em cavalos de corrida20.

No entanto alguns estudos que indicam que existe um maior risco de recorrência de FA em

cavalos Warmblood 6 (30%)20. A FA, geralmente, tem um bom prognóstico e grande parte dos

cavalos recuperam a performance que tinham anteriormente. A taxa de recorrência pode ser

influenciada pelo método de tratamento, duração da FA, estado geral do animal6, presença de

átrios aumentados, regurgitação mitral, entre outras17. Perante esta taxa, não há recomendação

para o uso de antiarrítmicos após a restauração do ritmo sinusal.

Cavalos com FA de curta duração, normalmente, após a cardioversão voltam rapidamente à

sua vida normal. No entanto, em situações onde existem alterações funcionais ou situações em

que o cavalo esteve em FA por mais de 8 semanas é recomendado um maior período de

descanso antes que estes voltem ao trabalho. A avaliação do cavalo após a cardioversão é

essencial para determinar o prognóstico e perceber qual o futuro da sua carreira. Para tal, está

recomendada a colocação de um Holter de forma a avaliar possíveis arritmias atriais, uma vez

que a presença de focos ectópicos no átrio indica que o animal precisará de mais descanso;

Figura 7: ECG após o choque elétrico mostra que continua a haver FA mas não há complexos QRS devido a um bloqueio AV de 3º grau temporário21.

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realização de ecocardiografia de forma a avaliar todas as estruturas cardíacas, tendo em conta

que fibrilhações atriais que se mantiveram por algum tempo podem provocar disfunções6.

3.5. Cuidados após a cardioversão

Após uma cardioversão de sucesso, independentemente do método de tratamento utilizado,

o animal deverá permanecer em repouso. Em casos de FA de curta duração, é recomendada

uma semana de descanso após a cardioversão. Caso contrário, o tempo de descanso deverá

variar entre 4-6 semanas, pois temos que dar tempo ao coração para que este recupere a sua

contractilidade20. Enquanto que os valores eletrofisiológicos normalizam em 10 dias após a

cardioversão, o tamanho do átrio e a função contrátil demoram cerca de um a dois meses a voltar

ao normal4. Em cavalos de alta competição nem sempre se consegue o período de repouso

desejável. Por outro lado, nestes cavalos o mais comum é que a FA tenha sido descoberta com

alguma rapidez, uma vez que estes animais apresentam logo uma baixa na performance. Assim,

é aconselhada uma semana de repouso e um retorno gradual (durante 2-4 semanas) à sua

atividade normal, sendo que durante este período deverá haver monitorização regular do ritmo

cardíaco20. Este período de repouso é importante para que haja reversão da remodelação atrial

provocada pela FA, de forma a diminuir a recorrência desta4. Muitas vezes é pedida uma

monitorização da FC a longo prazo, que pode ser feita pelo dono através da utilização de

dispositivos que permitem facilmente distinguir entre uma FA e um ritmo sinusal1. A realização

de um Holter uma semana após a cardioversão é algo bastante útil para determinar a presença

de CAP’s, que são conhecidas como uma das causas de recorrência de FA. Quando estas estão

presentes em grande número, deve-se aumentar o período de descanso e considerar o uso de

corticosteroides20 na sua dose anti-inflamatória, caso haja suspeita de miocardite16.

Quando a cardioversão não ocorre após várias tentativas, os cuidados médico-veterinários

variam consoante o uso que é dado ao animal. Deste modo, em animais que não são utilizados

para a prática desportiva não é necessário fazer mais nada, uma vez que nestes, normalmente,

esta patologia não provoca sinais clínicos nem progride para uma insuficiência cardíaca.

Em cavalos que apresentem uma performance elevada não é algo que o médico veterinário

deva procurar com regularidade, uma vez que animais com FA terão baixa performance e

quando levados ao limite podem mesmo apresentar sinais clínicos como epistaxis, ataxia ou até

mesmo colapso.

O uso de antiarrítmicos em cavalos com FA secundária a outra patologia não é o mais

aconselhado. Estes animais deverão permanecer em repouso com tratamento de suporte. No

entanto, há quem defenda que alguns cavalos possam beneficiar do tratamento com inibidores

da enzima de conversão da angiotensina (IECA)20.

Uma grande maioria dos cavalos que apresentam recorrência de FA fazem-no em média um

ano após a cardioversão e, quando o tempo de duração do ritmo sinusal começa a ser cada vez

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mais curto, é aconselhada uma mudança de carreira do animal. Outros tornam-se refratários à

cardioversão, quer esta seja através do uso de fármacos ou elétrica. Isto deve-se,

provavelmente, à presença de fibrose que se vai instalando de forma progressiva no átrio. Estes

animais podem ser mantidos em exercícios de baixa performance, desde que tenham sido feitos

exames de forma a garantir que a sua prática não representa um risco. Neste caso, é necessário

garantir que o cavalo é montado por um adulto que entende os riscos que corre ao fazê-lo. O

animal pode ainda ser utilizado como animal de reprodução ou apenas como animal de pasto,

de companhia16.

4. CASOS CLÍNICOS 4.1. Caso Clínico nº 1

Caracterização do paciente: Macho castrado, de 11 anos, Standardbred com 650 kg, com

aptidão como trotador e a competir ativamente.

Motivo da consulta: Foi referenciado pelo veterinário de campo para o hospital Rhinebeck

Equine devido a diminuição da performance nas últimas duas semanas.

Exame físico inicial: O cavalo apresentava-se alerta e responsivo. As mucosas estavam

rosadas, húmidas e brilhantes e o TRC <2 segundos. Desidratação <5% e apirético (38,5°C).

Durante a auscultação cardíaca foi possível verificar um ritmo irregularmente irregular com FC

de 32 bpm. O pulso periférico foi caracterizado como forte e sincrónico; não foi verificado pulso

jugular, sendo que o seu tempo de repleção era inferior a 3 segundos. Auscultação pulmonar

costoabdominal, sem auxílio dos músculos acessórios da respiração e com uma FR de 14 rpm.

Exames complementares: O hemograma e perfil bioquímico (Anexo I: tabela 1) realizados não

revelaram alterações significativas. O hematócrito e as proteínas totais eram de 46,8% e 7,1

g/dL, respetivamente. No ECG (Anexo I: figura 1), realizado em repouso, foi possível verificar a

presença de FA. Foi também realizada uma ecocardiografia (Anexo I: figura 2), onde não foi

observado aumento nem disfunção das câmaras cardíacas. A fração de encurtamento era de

42% (Anexo I: tabela 2), pelo que também se encontrava dentro dos valores normais (32-45%).

Diagnóstico: Fibrilhação Atrial.

Tratamento: O animal esteve no hospital durante o fim-de-semana, sendo que sempre

apresentou um excelente apetite, fezes e urina normais. Na segunda-feira seguinte, às 10h00min

foi colocado um holter e o animal foi entubado para dar início à cardioversão com sulfato de

quinidina, por via nasogástrica. Foi estabelecida uma dose de 22 mg/kg, pelo tubo nasogástrico,

a cada 2 horas. 1ª e 2ª Doses: o animal encontrava-se estável e sem reações adversas. No

entanto, ainda se verificava a presença de FA. Devido a um erro técnico do hospital, a 2º e 3º

doses foram dadas num intervalo de 30 minutos, pelo que a partir deste pequeno incidente, o

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animal foi observado permanentemente. Outro erro que ocorreu foi a via de administração da 3º

dose ter sido PO, pelo que se procedeu de imediato à lavagem da cavidade oral com água e

administração de sucralfato PO. Após 4 horas da administração da 1ª dose, a conversão

cardíaca ocorreu, no entanto, foi possível observar um bloqueio AV de 2º grau (Anexo I: figura

3), ao qual não foi dada importância e ficou resolvido ao fim de uma hora. Mesmo após a última

dose o coração do animal continuou a ser monitorizado durante 24 horas. Durante a noite

permaneceu estável, sem sinais de idiossincrasia e ritmo sinusal normal.

Prognóstico: O prognóstico é bom pois houve cardioversão com sulfato de quinidina.

Evolução: Uma semana após o tratamento, foi repetida a auscultação pelo veterinário de campo

revelando um ritmo sinusal normal. No dia 6.03.2020 foi comunicado que o animal continuava

com um ritmo sinusal normal e que estava qualificado para uma corrida na semana seguinte. Recomendações: O animal pôde voltar à sua dieta normal logo após o tratamento, recomendou-

se suplementação com cloreto de potássio, evitar qualquer tratamento com furosemida de forma

a impedir que volte a reverter para uma FA, e um período de descanso de 24 h de na box do

hospital após o tratamento, sendo que este deve ser prolongado por mais uma semana em casa. 4.2. Caso Clínico nº 2

Caracterização do paciente: Macho castrado, de 7 anos, Standardbred com 497 kg, com

aptidão para corrida de galope e a competir ativamente.

História clínica: Nos últimos dois anos teve dois episódios de FA, que foram revertidos com SQ,

e um episódio de FA que, após o insucesso de reverter com o mesmo fármaco, foi

reencaminhado para o New Bolton Center para uma cardioversão elétrica (TVEC).

Motivo da consulta: O animal foi diagnosticado com FA, pelo veterinário de campo, durante

uma corrida a 17.02.2020. Foi referido para o hospital Rhinebeck Equine para ser avaliado.

Exame físico inicial: O animal encontrava-se alerta e responsivo. As mucosas estavam

rosadas, húmidas e brilhantes, TRC era de 2-3 segundos. Desidratação <5% e apirético (38°C).

A auscultação cardíaca revelou um ritmo irregularmente irregular com uma FC de 44 bpm. Foi

também auscultado um sopro holossistólico de grau I com PMI no 4º EI direito, coincidente com

a área da válvula tricúspide, o que poderá indicar uma regurgitação desta mesma válvula. O

pulso periférico revelou-se forte e sincrónico, não foi notado pulso jugular e o seu tempo de

repleção era de menos de 3 segundos. Auscultação pulmonar costoabdominal normal, sem

auxílio dos músculos acessórios da respiração e com uma FR de 12 rpm.

Exames complementares: A bioquímica realizada (Anexo II: tabela 3) não tinha nenhum valor

fora dos limites normais. O hematócrito e as proteínas totais eram de 48% e 6.8 g/dL,

respetivamente. Foi também recolhida urina para ver qual a fração de excreção de potássio que

se revelou de 22% (Anexo II: tabela 3), sendo melhor que a última análise realizada em Julho de

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2019, no entanto continua a não ser o ideal, pois deverá ser superior a 30%. Os valores da

troponina estavam normais (0.02 ng/ml) (Anexo II: tabela 3). Após 24 horas da sua entrada no

hospital foi realizado um ECG (Anexo II: figura 4) em repouso, que confirmou a FA. Foi também

realizado uma ecocardiografia onde se verificou que não havia disfunção ou aumento das

câmaras cardíacas; o doppler (Anexo II: figura 13) revelou uma leve regurgitação da válvula

tricúspide e alguma regurgitação da válvula mitral e válvula aórtica.

Diagnóstico: Fibrilhação Atrial, Regurgitação das válvulas tricúspide, mitral e aórtica.

Tratamento: O animal foi submetido a cardioversão dois dias após a entrada no hospital. Devido

à sua história clínica, foi administrada digoxina (0.011 mg/kg) por via nasogástrica juntamente

com a primeira dose de sulfato de quinidina. O sulfato de quinidina (22 mg/kg) foi administrado

por via nasogástrica a cada duas horas. 1ª e 2ª Doses o animal encontrava-se estável e sem

reações adversas, sendo ainda verificada a presença de FA. 3ª Dose: após a administração da

3º dose, o animal desenvolveu taquicardia, sendo ainda verificada a presença de FA. 4ª Dose:

após a 4º dose de SQ, o animal desenvolveu edema nasal e continuava com FA, pelo que se

resolveu dar por terminado o tratamento com este fármaco. O animal pernoitou no hospital,

permanecendo estável e sem qualquer efeito secundário após a retirada do fármaco.

Prognóstico: reservado, tendo em conta que é a quarta vez que o animal desenvolve FA,

sendo que da última vez foi necessário recorrer à cardioversão elétrica.

Evolução: O animal foi reencaminhado para o New Bolton Center para TVEC. Recomendações: Foi recomendado que o animal permanecesse em repouso e que não

fossem administradas quaisquer medicações até à consulta no New Bolton Center.

Paralelamente foi recomendada atenção a qualquer sinal de cólica.

5. DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

Os casos clínicos descritos anteriormente representam duas abordagens de tratamento e

prognóstico em dois cavalos com a mesma patologia.

Em relação ao caso clínico nº1, constatou-se que reunia todas as condições para que o

prognóstico fosse favorável, uma vez que o animal não apresentava nenhuma alteração no

exame físico, com exceção do ritmo cardíaco irregularmente irregular. Deste modo, tudo indicava

que o animal padecesse de FASo, que veio a ser confirmada pela realização de um ECG em

repouso e uma ecocardiografia que comprovou a ausência de alterações estruturais. Posto isto,

deu-se início ao tratamento com SQ e, apesar do sucesso, o animal desenvolveu um bloqueio

AV de 2º grau. Este bloqueio é uma arritmia fisiológica comum no cavalo que está relacionada

com o elevado tónus vagal que estes animais apresentam naturalmente, sendo que geralmente

desaparece com a realização de exercício5. Tendo em conta que a quinidina tem um efeito

vagolítico20, este bloqueio não deveria ser algo esperado. No entanto, desapareceu ao fim de

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uma hora, restabelecendo-se um ritmo sinusal normal. No que diz respeito às recomendações

feitas, o aconselhamento da suplementação de cloreto de potássio prende-se com o facto de

que uma hipocalemia poderá estar na origem de uma arritmia cardíaca, nomeadamente da FA.

A paragem da furosemida tem exatamente a mesma explicação, pois é um diurético expoliador

de potássio22. Uma vez que a FA deste animal teve um período de duração curto (2 semanas),

foi aconselhado um período de descanso de uma semana, sendo que o ideal seria um retorno

gradual durante 2-4 semanas, havendo monitorização constante do ritmo cardíaco20.

Em relação ao caso clínico nº 2, ao contrário do anterior, era um cavalo que apresentava

história de recorrência de FA, que por si só já é um fator de mau prognóstico. Para além da

identificação de um ritmo cardíaco irregularmente irregular, foi também identificado um sopro

holossistólico com PMI ao nível do 4º EI direito, o que levou a uma forte suspeita de regurgitação

da válvula tricúspide. Foi, então, realizado um ECG que confirmou a FA e uma ecocardiografia

que confirmou uma leve regurgitação da válvula tricúspide e também das válvulas mitral e

aórtica. A regurgitação destas válvulas, principalmente quando em conjunto com dilatação atrial,

contribui para o desenvolvimento de FA6. Muitas vezes, o aumento dos átrios está relacionado

com a regurgitação das válvulas atrioventriculares4,11. No entanto, neste caso não se verificou

esse aumento possivelmente por a regurgitação ser leve. Foi ainda constatado que a fração de

excreção do potássio se encontrava abaixo do limite aceitável, o que pode indicar que há uma

retenção desse eletrólito a nível renal devido a um baixo nível de potássio sérico (hipocalemia)7

que, como já foi referido anteriormente, pode estar na origem da FA. A hipocalemia, por sua vez,

pode levar a um aumento da excreção de sódio na urina, tal como foi possível observar neste

caso. Apesar do mau prognóstico, procedeu-se ao tratamento fazendo uma associação de

digoxina ao SQ de forma a fazer um controlo da frequência ventricular durante o tratamento.

Como após a 4º dose o animal desenvolveu efeitos secundários e a FA já era recorrente, foi

decidido que a administração destes fármacos ficaria por ali e o animal seria reencaminhado

para um hospital onde fosse possível fazer TVEC. Apesar de ter convertido, novamente, para

um ritmo sinusal normal com a TVEC, devido à sua história clínica, o mais provável é que o

animal volte a desenvolver FA, uma vez que é comum haver recorrência após um ano da

cardioversão com sucesso16. Tendo em conta a história clínica deste animal e o facto de ter

episódio de recorrência de ano a ano, nos últimos três anos, o mais correto seria afastar este

animal da sua carreira desportiva, uma vez que é um risco ser montado16.

Em suma, a fibrilhação atrial é uma patologia cujo sinal clínico mais frequente é a

diminuição da performance desportiva e o seu prognóstico irá variar consoante diversos fatores,

sendo que a duração da FA e o facto de ser solitária ou apresentar uma causa subjacente

parecem ser os principais. Posto isto, e apesar de o tratamento não se ter alterado nos últimos

anos, é importante que se analise caso a caso e se tenha em conta a carreira do animal.

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21

CARDIOLOGIA CLÍNICA EM ANIMAIS DE COMPANHIA

Caso Clínico nº1

Caracterização do doente e motivo da consulta: A Fofinha é uma cadela esterilizada com 10

anos de idade e sem raça determinada, de porte pequeno/médio com 23,5 kg de peso. Os tutores

levaram-na à CVF por apresentar tosse seca há cerca de três semanas.

Anamnese: A Fofinha era uma cadela de interior com acesso ao exterior privado que vivia no

Porto. Estava devidamente vacinada e desparasitada interna e externamente. Era alimentada

com comida comercial seca e tinha livre acesso a água. Não tinha acesso a tóxicos nem a lixo

nem tinha por hábito roer objetos estranhos. Não tinha passado médico ou cirúrgico, com

exceção da ovariohisterectomia, e na altura da consulta não estava a ser medicada. Começou

por apresentar tosse seca e progressiva há três semanas sem que a sua aparição tivesse relação

com o momento do dia.

Exame de estado geral e cardiovascular: Estado mental alerta, temperamento nervoso,

condição corporal 4/5, grau de desidratação <5%, pulso regular, forte com 140 ppm. Não foi

observado pulso jugular. FR de 35 rpm, movimentos respiratórios costoabdominais normais, sem

auxílio dos músculos acessórios. Mucosas rosadas, húmidas, TRC < 2 segundos e apirética

(38,3oC). Por auscultação cardíaca foi identificado um sopro sistólico de grau III/VI, com PMI no

5ºEI esquerdo, no ápex cardíaco. Na auscultação pulmonar foram identificados ruídos

expiratórios (crepitações húmidas). Os restantes parâmetros do exame físico estavam normais.

Lista de problemas: Tosse seca, taquipneia, taquisfigmia, sopro sistólico de grau III/VI,

crepitações pulmonares.

Diagnósticos diferenciais: Insuficiência cardíaca congestiva, valvulopatia mitral com dilatação

do AE, cardiomiopatia dilatada, neoplasia na base do coração, bronquite, pneumonia, neoplasia

pulmonar, edema pulmonar e derrame pleural. Exames complementares: Perfil bioquímico e ionograma: sem alterações (Anexo III, Tabela 6).

Pressão arterial: sistólica (150 mmHg), Diastólica (100 mmHg), Média (115 mmHg), estando por

isso dentro dos limites fisiológicos. Radiografia torácica: Padrão alveolar marcado nas zonas

dorsal e hilar, com aumento da silhueta cardíaca (Anexo III, Figura 14). Ecocardiografia:

Dilatação severa do AE, aumento do diâmetro diastólico normalizado do VE, espessamento e

insuficiência severa da válvula mitral com prolapso da cúspide anterior (sugestivo de rutura da

corda tendinosa). Dilatação AV direita ligeira, prolapso da cúspide septal da válvula tricúspide

associado a insuficiência valvular moderada, aumento do gradiente de pressão AV direito,

indiciando hipertensão pulmonar (HP) severa. Disfunção diastólica severa evidenciada pela

presença de fluxo transmitral com padrão restritivo. Efusão pericárdica ligeira (Anexo III, Figura

16).

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Diagnóstico: Doença mixomatosa da válvula mitral (estádio C), com hipertensão pulmonar

severa e edema pulmonar. Tratamento: Foi prescrita a seguinte medicação: benazepril (0,5 mg/kg PO SID) como IECA,

pimobendan (0,3 mg/kg PO BID) como inotrópico positivo e vasodilatador, furosemida (2 mg/kg

PO TID) como diurético, e espironolactona (2 mg/kg PO SID) como antagonista da aldosterona. Acompanhamento: 1ª consulta de controlo: após uma semana, a Fofinha apresentava menos

tosse, FR em repouso de 28 rpm e diminuição dos ruídos expiratórios, mas tinha desenvolvido

episódios de diarreia. Fez-se novamente medição da pressão arterial (PA) sistólica (81 mmHg)

diastólica (55 mmHg) e média (60 mmHg), bastante mais baixa do que na apresentação. Foi

reduzida a dose de furosemida para 1 mg/kg BID de forma a controlar os episódios de diarreia e

prevenir hipotensão, mantendo-se a dose da benazepril, espironolactona e pimobendan. 2ª

consulta de controlo: Após mais uma semana, a Fofinha apresentava um aumento da PA sistólica

(162 mmHg), diastólica (118 mmHg) e média (127 mmHg). Os tutores tinham assistido a dois

episódios de polipneia, com FR em repouso de 35 rpm. Durante o exame físico foi comprovada

a existência de polipneia sem aumento dos ruídos pulmonares, o que poderia ser compatível

com agravamento do edema pulmonar. Devido à contenção de custos, nesse dia não se realizou

uma radiografia torácica, apenas se aumentou a frequência da furosemida para TID. 3ª consulta

de controlo: Decorrida nova semana a FR em repouso era de 28 rpm e a radiografia torácica

revelou redução do edema pulmonar (Anexo III, Figura 15). A medicação foi mantida e ficou

agendada nova consulta 3 meses depois.

Discussão: A doença mixomatosa da válvula mitral (DMVM) é caracterizada por uma

degeneração progressiva5 com acúmulo de glicosaminoglicanos4, fibras de colagénio e elastina

desorganizada6 nas cúspides e cordas tendinosas. Esta degeneração pode provocar uma

alteração na coaptação das cúspides, regurgitação valvular e por vezes insuficiência cardíaca

congestiva (ICC). Pensa-se que a sobrevivência de miofibroblastos ativados (aVIC) possa

contribuir para a fisiopatologia da DMVM, como consequência da senescência aumentada ou

apoptose reduzida1. É a doença cardíaca mais prevalente nos cães (75-80%) e, apesar de ser

encontrada em todas as raças e mesmo em cães SRD como é o caso da Fofinha, é mais

prevalente em cães de porte pequeno/médio, com especial predisposição da raça Cavalier King

Charles Spaniel. Vários estudos indicam que existe uma componente genética e que a idade e

o sexo são fatores a ter em conta, uma vez que para além de a prevalência aumentar com a

idade5 (30-70% em cães >10 anos6), a doença é mais prevalente em machos. O nível de

exercício, condição corporal e dieta não parecem ter papéis importante no desenvolvimento

desta patologia5.

Uma alteração na arquitetura valvular e correspondentes cordas tendinosas leva a aposição

anormal das cúspides e eventual prolapso valvular, permitindo que parte do volume sanguíneo

ejetado pelo ventrículo esquerdo (VE) regresse ao átrio esquerdo (AE) - regurgitação mitral (RM).

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Esta regurgitação provoca danos no endotélio valvular e ativação dos aVIC’s. Todos estes

fatores provocam stress na válvula e predispõem a rotura das cordas tendinosas e aumento do

volume de regurgitação (VR) – Regurgitação gera regurgitação4. Com a progressão da doença

a coaptação das cúspides torna-se cada vez mais anormal e por isso cada vez se observa mais

regurgitação para o átrio. Assim, a severidade e progressão da RM depende da severidade e

progressão das lesões valvulares4. Inicialmente é de baixo grau e não provoca alteração

aparente no tamanho ou função cardíaca, o volume de ejeção é mantido e o VR é suportado

pelo AE. Com a progressão das lesões o AE dilata de forma a manter a pressão intra-atrial baixa

mesmo com a passagem de sangue para o seu interior durante a sístole ventricular. Esta

adaptação permite proteger o leito vascular pulmonar da HP. Nos casos de progressão lenta de

DMVM há um grande aumento do AE e, por isso, a HP e edema desenvolvem-se mais tarde.

Quando a progressão é aguda (e.g. rotura de uma ou mais cordas tendinosas), o AE não tem

tempo para se adaptar5, há uma diminuição do débito cardíaco (DC)4 e aumento muito rápido da

pressão no AE e nos capilares pulmonares, resultando no desenvolvimento rápido de HP e

edema. Assim, quanto maior for a pressão no AE, que se pode desenvolver devido a uma

insuficiência cardíaca esquerda, maior é o risco de desenvolvimento de HP5,4. De forma a

compensar a perda de volume, o VE sofre alterações estruturais para que seja possível aumentar

o volume diastólico. A sobrecarga de volume ventricular provoca aumento da respetiva câmara

com manutenção da espessura da parede (hipertrofia excêntrica), preservando a pressão e o

volume de ejeção adequados. Este e outros mecanismos compensatórios são benéficos apenas

no início da doença pois permitem um suporte hemodinâmico de forma a manter o DC5.

O diagnóstico de DMVM é obtido pela identificação de um sopro durante a auscultação

cardíaca e pela observação das alterações ecocardiográficas. Pode ser difícil perceber se a RM

é a verdadeira causa dos sinais observados, tendo em conta que estes variam conforme o

estádio da doença (Anexo III, Tabela 5)4. Em animais sem sinais clínicos observáveis é possível

ouvir um clique mesossistólico entre S1 e S25. O sopro começa por ser sistólico, leve, de grau I-

II/VI e com PMI no ápex esquerdo no 5º EI, podendo ser intermitente4,5. Com a progressão da

doença ele altera-se em intensidade e duração, podendo passar a ser holossistólico5, de grau

IV-VI/VI. A sua ausência, porém, não exclui a presença de uma leve regurgitação valvular4.

A Fofinha apresentava tosse que, apesar de ser um sinal clínico comum de DMVM, não é

específica e, como tal, também deveria ter sido explorado o aparelho respiratório. Pode

desenvolver-se por compressão do tronco bronquial esquerdo pelo AE aumentado, explicando-

se assim a sua presença na ausência de HP e/ou edema pulmonar. A redução do volume de

ejeção ventricular pode provocar fraqueza e intolerância ao exercício. O aumento do VD e da

pressão venosa sistémica podem provocar efusão pleural e ascite. No caso de uma

descompensação aguda (e.g. rutura de corda tendinosa) pode haver morte súbita. A taquipneia

e dispneia são visíveis na presença de HP e/ou edema e, em casos de ICC muito avançados, o

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animal poderá apresentar caquexia cardíaca. Outros sinais clínicos relatados são: prostração,

temperamento nervoso, preferência do decúbito esternal e síncopes5. Na presença de ICC, os

sons pulmonares são mais pronunciados e particularmente audíveis no fim da inspiração. Na

presença de HP e edema a FR está com frequência acima de 30 rpm. Alterações nas mucosas

e no pulso não são habituais na ausência de ICC. A ascite é pouco comum, exceto na presença

de doença progressiva onde há uma tendência para o envolvimento do lado direito do coração

como consequência da HP. A pressão arterial deve ser medida, uma vez que um aumento da

pós-carga pode agravar a RM e a hipotensão pode indicar falha no DC.

O hemograma e o perfil bioquímico normalmente não apresentam alterações significativas.

No caso da Fofinha, devido a contenção de custos, apenas se realizou um perfil bioquímico que

não apresentou alterações. Teria sido útil um hemograma uma vez que pode indicar a presença

de comorbilidades (e.g. anemia). Os péptidos natriuréticos seriam úteis para avaliar a severidade

da doença, pois as suas concentrações plasmáticas podem ajudar na diferenciação de cães com

patologia respiratória devido a ICC de casos por outras causas. A troponina I é outro biomarcador

muito útil na identificação de dano do miocárdio (e.g. isquémia, miocardite, infarte)4. A radiografia

é importante numa primeira abordagem para se avaliar as consequências hemodinâmicas5. No

caso da Fofinha, foi possível observar uma padrão alveolar, sugestivo de edema pulmonar.

Porém, o método de diagnóstico e estadiamento não invasivo mais útil4 é a ecocardiografia, onde

é possível observar o aumento da espessura e/ou prolapso da válvula AV e identificar um jato

de regurgitação com o doppler, como no caso da Fofinha. Assim, o doppler não só é útil para

estadiamento como também para determinar a severidade da RM. Para estadiamento é

necessário fazer uma avaliação do AE e estimar a possível hipertrofia excêntrica do VE4.

Atualmente não existe terapia que iniba ou previna a degeneração valvular e na maioria dos

locais não existem meios para fazer uma reparação valvular cirúrgica. A implementação de um

tratamento médico, exclusivamente paliativo, apenas está indicada na presença de sinais

clínicos. Em animais com tosse sem evidência de ICC está recomendada dieta baixa em calorias

e pobre em sódio, exercício leve, e vasodilatadores arteriais como a amlodipina que permitem

uma redução da pós-carga, do VR e possivelmente do tamanho do átrio. Pode-se prescrever um

antitússico (e.g. codeína) caso se tenha descartado patologia cardiorrespiratória. No caso de ICC

a terapia varia consoante a severidade e, conhecendo a fisiopatologia da DMVM, é direcionada

à redução da pressão venosa para aliviar edemas e efusões, manter o DC adequado para

prevenir fraqueza, letargia e azotemia pré-renal, reduzir o trabalho cardíaco e a regurgitação

valvular e, por fim, proteger o coração dos efeitos negativos das neuro-hormonas. Em pacientes

com edema pulmonar deve ser iniciada furosemida (2-4 mg/kg IV/IM/SC q8-12h, 2-3 dias) e

suplementação com oxigénio4. O pimobendan (0,25 mg/kg PO q12h)5 é uma benzimidazol-

piridazinona7 que tem um efeito inotrópico positivo e vasodilatador5. O seu efeito inotrópico é

conseguido pelo aumento da sensibilidade da troponina C ao cálcio e pela inibição da

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fosfodiesterase III7, permitindo redução da pressão no AE pela diminuição do VR e aumento do

volume de ejeção ventricular5 pois aumenta a função diastólica e sistólica do VE. Atrasa ainda

as alterações no AE consequentes à regurgitação. É comum associar-se um IECA, como o

benazepril no caso da Fofinha, pois promove melhorias dos sinais clínicos, maior tolerância ao

exercício e maior esperança média de vida7. Os IECA’s induzem uma diminuição da aldosterona

circulante, que contribui para a progressão da fibrose e hipertrofia cardíaca2. A espironolactona

é um antagonista da aldosterona e um poupador de potássio5 utilizada em conjunto com um

IECA, uma vez que pode atrasar a progressão da doença cardíaca em caso de DMVM por

supressão do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA)7. Tem também propriedades

antifibróticas e, por esse motivo, muitos autores defendem que deveria ser iniciada numa fase

mais precoce do tratamento. A digoxina é um inotrópico positivo mais fraco do que o pimobendan

mas, por vezes, é utilizada porque permite reduzir a atividade do SNS controlando situações de

taquicardia e prevenindo síncopes5.

O prognóstico da DMVM é bastante variável, sendo a idade, raça e sexo fatores

determinantes. A Fofinha, apesar de ser uma cadela SRD, já tinha 10 anos e foi observado um

aumento severo do AE e uma insuficiência severa da válvula mitral associada a rutura de uma

corda tendinosa. Estes achados ecocardiográficos, juntamente com a presença de HP, suportam

um prognóstico reservado. No entanto, a terapia também influência o prognóstico e, quando bem

aplicada, aumenta a esperança média de vida4.

Bibliografia: 1. Blake RR, Markby GR, Culshaw GJ, Martinez-Pereira Y, Lu C, Corcoran BM (2019) “Survival of activated

myofibroblasts in canine myxomatous mitral valve disease and the role of apoptosis” Research in Veterinary Science, nº128, 99-106

2. Borgarelli M. et al. (2020) “Delay of Appearance of Symptoms of Canine Degenerative Mitral Valve Disease Treated with Spironolactone and Benazepril: the Delay study” Journal of Veterinary Cardiology, 27, 34-53

3. Boswood A. et al. (2020) “Temporal changes in clinical and radiographic variables in dogs with preclinical

myxomatous mitral valve disease: The EPIC study” Journal of Veterinary Internal Medicine, 1-11 4. Häggström J. (2010) “Myxomatous mitral valve disease “ in (Fuentes VL, Johnson LR, Dennis S) BSAVA

Manual of Canine and Feline Cardiorespiratory Medicine, 2ª Ed, 186-193

5. Ljungvall I, Häggström J (2017) “Adult-Onset Valvular Heart Disease” in (Ettinger SJ, FeldmanEC, Côté E) Textbook of Veterinary Internal Medicine: Diseases of the dog and the cat, 8ª Ed, Elsevier, 3033-3056

6. Oyama MA, Elliot WC, Loughran KA, Kossar AP, Catillero E, Levy RJ, Ferrari G (2019) “Comparative Pathology of Human and Canine Myxomatous Mitral Valve Degeneration: 5HT and TGF-β Mechanisms”

Cardiovascular Pathology, Elsevier 7. Sarcinella F, Neves J, Maddox TW, Hodgkiss-Geere HM, Bode EF, Dukes-McEwan J (2019) “Effect of

pimobendane on left atrial function in dogs with preclinical myxomatous mitral valve disease” Open Veterinary Journal, Vol.9, 375-381

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Caso Clínico nº2

Caracterização do doente e motivo da consulta: O Pablo é um gato Persa, macho castrado

com 5 anos de idade e 3,6 kg de peso. Foi levado pelos tutores a uma consulta na CVF por se

apresentar mais prostrado e não comer desde a manhã do dia anterior.

Anamnese: O Pablo era um gato de interior que vivia num apartamento sem coabitantes e sem

acesso ao exterior. Estava devidamente vacinado e desparasitado (interna e externamente), era

alimentado com ração seca e tinha acesso livre a água. A sua história incluía urolitíase por

estruvite diagnosticada dois meses antes. Não tinha passado cirúrgico, com excepção da

orquiectomia electiva. O Pablo apresentava-se prostrado e segundo o tutor não comia desde a

manhã do dia anterior. Não foi relatada informação relativamente às idas à caixa de areia.

Exame de estado geral: Estado mental alerta, temperamento nervoso e condição corporal de

3/5. Desidratação < 5%, pulso forte e regular de 196 ppm. Não foi observado pulso jugular.

Movimentos respiratórios costoabdominais, sem auxílio dos músculos acessórios, com FR de 45

rpm. Apirético (38,9oC) as mucosas estavam pálidas, húmidas e o TRC era cerca de 3 segundos.

Na palpação abdominal a bexiga encontrava-se vazia e o animal não manifestou dor. Na

auscultação cardíaca e respiratória não foram encontradas alterações, nem no restante exame

físico. Tendo em conta que o animal tinha história de urolitíase pensou-se que pudesse ser este

o problema e a causa da prostração e anorexia. Deste modo, procedeu-se à realização de uma

radiografia abdominal, que permitiria também avaliar o trato gastrointestinal.

Lista de problemas: Prostração, anorexia, taquisfigmia, taquipneia Diagnósticos diferenciais: Patologia urinária (e.g. urolitíase), patologia gastrointestinal (e.g.

ingestão de corpo estranho, pancreatite), efusão pleural, edema pulmonar, pneumonia.

Exames complementares: Hemograma, perfil bioquímico e ionograma: sem alterações

significativas (Anexo IV, tabelas 7 e 8). Pressões arteriais: sistólica (150mmHg) diastólica (99

mmHg) média (115 mmHg), dentro dos limites normais. Radiografia abdominal: sem alteração.

Ecografia abdominal e torácica: bexiga vazia, pelo que não foi possível recolher urina. No

entanto, foi notada uma efusão pleural sendo recomendada uma ecocardiografia.

Ecocardiografia: Hipertrofia generalizada das paredes do VE e presença de um falso tendão no

seu interior, interligando a porção média do SIV à parede livre. Sem dilatação do AE. Imagens

de insuficiências valvulares mitral, tricúspide e pulmonar ligeiras. Presença de Linhas-B

pulmonares, efusão pleural moderada e pericárdica ligeira sem tamponamento associado. Ritmo

e cinética cardíaca normais. (Anexo IV, figura 17).

Diagnóstico: Fenótipo de cardiomiopatia hipertrófica, insuficiências valvulares mitral, tricúspide

e pulmonar ligeiras. Tratamento: Foi instituída terapia com pimobendan (1,25 mg/gato PO BID) como inotrópico

positivo e vasodilatador, clopidogrel (18,75 mg/gato PO SID) como antiagregante plaquetário e

furosemida (1,5 mg/kg PO BID) como diurético.

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Acompanhamento: Um mês depois, o Pablo voltou para consulta de controlo, apresentando um

aumento de peso de 0,3 kg, temperamento nervoso, pulso forte, regular de 214 ppm, FR 40 rpm.

Foi realizada uma ecocardiografia de controlo onde se observou hipertrofia ligeira das paredes

e músculos papilares do VE, ausência da dilatação do AE, presença de movimento sistólico

anterior da válvula mitral (SAM), provocando uma severa obstrução dinâmica do trato de saída

do VE e insuficiência moderada da mesma válvula. Cinética e ritmo cardíaco normais

permanecendo a opinião de fenótipo de cardiomiopatia hipertrófica obstrutiva (Anexo IV, figura

18). Foram diminuídas as doses dos fármacos (furosemida para 0,75 mg/kg PO SID durante uma

semana e parar; pimobendan para 0,65 mg/kg PO BID) mantendo-se a dose do clopidogrel. O

perfil bioquímico e ionograma foram repetidos não demonstrando nenhuma alteração (Anexo IV,

tabelo 8).

Discussão: A cardiomiopatia hipertrófica (CMH) é a doença cardíaca mais diagnosticada em

gatos e tem uma prevalência de 68%. É caracterizada por uma hipertrofia concêntrica2, isto é,

aumento da massa cardíaca do VE sem dilatação e na ausência de outras patologias como

hipertensão, hipertiroidismo1, acromegália6, estenose aórtica e neoplasias infiltrativas6. Há um

defeito nos sarcómeros dos cardiomiócitos2 e vários graus de desarranjo das fibras do miocárdio,

associados a aterosclerose das coronárias intra-murais e fibrose intersticial do miocárdio. É mais

comum em gatos machos entre os 5-7 anos1, havendo elevada prevalência nas raças Maine

Coon, Ragdoll e Persa7, onde se enquadra o Pablo. A CMH familiar tem vindo a ser descrita em

gatos e a ser associada a uma mutação na proteína de ligação à miosina C (MYBPC3) em

algumas raças. Apesar de ser não ser congénita é hereditária2, pelo que está aconselhada a

realização de testes genéticos e ecocardiografias em animais utilizados para reprodução, de

forma a evitar a propagação da doença5.

Até que sejam feitos mais exames para diagnóstico de uma causa primária, diz-se que o

animal tem um fenótipo de cardiomiopatia hipertrófica3. Este é bastante variável, sendo mais

comum a hipertrofia do VE (HVE) difusa, podendo envolver apenas uma parte ou todo o septo

interventricular (SIV) ou a parede livre do VE com hipertrofia dos músculos papilares e

consequente redução da correspondente cavidade. Afeta amiúde a base do SIV cujo

espessamento pode interferir com o fluxo do VE provocando obstrução – Cardiomiopatia

hipertrófica obstrutiva (CMHO), com maior representação na raça Persa que nas outras raças1.

Para compreender o impacto da cardiomiopatia e determinar o tratamento e prognóstico, é

importante fazer um estadiamento (Anexo IV, tabela 97) baseado na presença de sinais clínicos,

grau de dilatação atrial, função sistólica do VE e grau de hipertrofia do VE3. Em casos leves a

moderados o AE está geralmente normal, enquanto que os casos severos estão associados a

um aumento ligeiro a severo.

As principais consequências da CMH são arritmias ventriculares, disfunção do miocárdio e

obstrução do trato de saída do VE (OTSVE). A disfunção diastólica ocorre no início da doença

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mesmo antes de haver remodelação cardíaca detetável pelo doppler, e resulta num aumento

progressivo da pressão no AE com dilatação deste e ICC (edema pulmonar). Como a pleura

visceral drena no AE em gatos, o aumento da pressão atrial também provoca efusão pleural. O

aumento do AE aliado à hipercoagulabilidade encontrada em gatos com CMH predispõe a estase

sanguínea com formação de trombos e consequente tromboembolismo aórtico (TEA), que tem

uma incidência de 33% e uma taxa de mortalidade de 35% em gatos com CMH. Por isso está

recomendada terapia com anticoagulantes quando se considera que há risco de TEA. No caso

do Pablo, apesar de não haver dilatação atrial e de o pulso femoral ser forte, decidiu-se iniciar

clopidogrel1 (18,75 mg/gato PO q24h, com comida3). Um mês após a primeira consulta, foi

verificada ainda a presença de movimento sistólico anterior (SAM) mitral, que estava na origem

da severa obstrução dinâmica do trato de saída do VE e insuficiência da válvula mitral. Este

fenómeno é encontrado amiúde em gatos com CMH (29-67%) e o comprimento da cúspide

anterior da válvula mitral e a prevalência de um falso tendão são maiores em gatos com CMHO

do que em gatos com CMH não-obstrutiva (41 e 22%, respetivamente), sugerindo que estes dois

fatores possam contribuir para o desenvolvimento da OTSVE1.

O diagnóstico de CMH é de exclusão5, sendo essencial que seja precoce para que haja um

bom controlo da doença6. No entanto, nem sempre é óbvio porque a maioria dos casos não

demonstra sinais clínicos (46,4%7), e apenas se verificam alterações durante a auscultação no

exame físico que remetem para uma ecocardiografia1. A presença de ICC é a principal causa

dos sinais clínicos verificados em gatos com CMH3 e, ao contrário do que se verifica em cães, é

rara a presença de tosse cardíaca, sendo mais comum a anorexia, letargia, síncopes e dispneia

associada a edema pulmonar e/ou efusão pleural. Nestes casos não é possível ouvir sons

respiratórios e cardíacos anormais, pois estão camuflados pela efusão2. A taquicardia pode ou

não estar presente em gatos com CMH, não sendo frequentemente valorizada uma vez que pode

ser influenciada por vários fatores2. Outro sinal muito associado a CMH é o TEA (detetado em

cerca de 4-17% dos gatos com CMH com ou sem ICC associada) que pode provocar paresia1

ou paralisia3 dolorosa dos membros pélvicos. Nestes casos é imperativa a avaliação do pulso e

das extremidades para avaliar o grau de perfusão periférica2 que, na ausência de TEA, estes

devem ser forte e quentes, respectivamente6.

A medição da pressão arterial é bastante importante, pois o seu aumento pode ser a causa

da hipertrofia concêntrica do VE2,3. Esta causa foi excluída no caso do Pablo uma vez que se

encontrava dentro dos valores normais.

A auscultação é anormal na maioria dos gatos com CMH, podendo encontrar-se ritmos de

galope, arritmias e sopros cardíacos sistólicos1 de grau III-IV/VI3, com PMI no ápice esquerdo ou

no esterno cranial, que resultam de RM, OTSVE1 ou ODTSVD7. A causa mais comum de um

sopro em gatos é OTSVE associado a SAM da válvula mitral, podendo haver ainda obstrução

dinâmica do trato de saída do ventrículo direito (ODTSVD)4. O sopro não caracteriza nem é

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diagnóstico de CMH, podendo até ser benigno (como o sopro devido a OTSVD), pelo que a sua

presença justifica a realização de uma ecocardiografia.

A ecocardiografia é o método de diagnóstico mais indicado para diagnóstico de CMH,

visualizando-se uma hipertrofia concêntrica que é definida como um espessamento da parede

livre do VE ou do SIV superior a 6 mm. Esta hipertrofia pode ser classificada como ligeira (6-6,5

mm), moderada (6,6-7,5 mm) ou severa (>7,5 mm), havendo sempre o cuidado de confirmar que

o animal está devidamente hidratado para que não se tirem falsas conclusões. Utiliza-se o modo

M ou 2D, com vista do eixo curto para-esternal direita, ao nível dos músculos papilares, fazendo-

se a medição durante a onda R2. É importante ter em conta que nem sempre a hipertrofia é

generalizada e por isso devem ser avaliadas todas as estruturas5. A avaliação do AE também

deve ser feita, pois a sua dilatação denuncia aumento da pressão diastólica e é algo que prevê

ICC e TEA. O Pablo apresentava um AE normal mas SAM da válvula mitral, que é um indicador

de prognóstico negativo2.

Foi descrita uma ligeira regurgitação das válvulas cardíacas mesmo em gatos saudáveis sem

lesões ecocardiográficas4. No caso do Pablo, para além da regurgitação mitral, foi observada

regurgitação tricúspide e pulmonar, que poderão ser apenas um achado ecocardiográfico sem

significado clínico.

A radiografia não é tão útil para diagnóstico de CMH, uma vez que a hipertrofia não implica

o aumento do tamanho do coração, a não ser que também se verifique uma dilatação atrial2. No

entanto, é o método de diagnóstico de eleição para confirmar a presença de edema pulmonar

cardiogénico3.

O hemograma, perfil bioquímico1 (incluindo a concentração sérica da tiroxina, especialmente

em gatos com mais de 6 anos3), urianálise e ECG também são métodos diagnósticos úteis para

descartar doenças concomitantes ou primárias que possam ser a causa desta hipertrofia1,5. A

avaliação sérica da troponina I, péptidos natriuréticos (NT-proBNP) e endotelina-I poderão ser

úteis na identificação de assintomáticos, monitorização terapêutica e identificação de doença

progressiva6. No caso do Pablo, devido à contenção de custos e ao facto de ser um gato de

apenas 5 anos de idade, não se solicitou a concentração sérica destes biomarcadores nem da

tiroxina. De referir que durante o exame físico se palpou a glândula tiroidea e esta não pareceu

aumentada, eliminando-se assim o hipertiroidismo como causa primária da CMH. No entanto,

esta glândula nem sempre se encontra aumentada em gatos com hipertiroidismo pelo que teria

sido interessante uma investigação mais precisa2.

O tratamento, que tem como objetivo amenizar os sinais clínicos e proporcionar uma melhor

qualidade de vida6, depende do estádio em que o animal se encontre, podendo ser controverso

(Anexo IV, tabela 9). Para além da mencionada administração de clopidogrel, os gatos com

edema pulmonar ou efusão pleural, provocada por ICC, apresentam taquipneia, sendo

necessária suplementação com O2 e, por vezes, sedação com butorfanol. Independentemente

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de o animal estar azotémico ou não, deverá ser administrada furosemida (0,5-2 mg/kg PO q8-

12h) para controlar a formação de edema pulmonar e efusão pleural3. Se o animal apresentar

elevado stress respiratório está aconselhada uma toracocentese, que no caso do Pablo não se

justificava. A fluidoterapia IV está contraindicada nestes animais uma vez que agrava os sinais

de ICC. Gatos com sinais de baixo débito cardíaco (hipotensão, hipotermia, bradicardia ou

mucosas pálidas, como no caso do Pablo) podem ser medicados com pimobendan (0,625-1,25

mg/gato q12h PO) que tem um efeito inotrópico positivo e vasodilatador, desde que não haja

obstrução do trato de saída do VD. Uma vez estabilizados, os animais devem ter alta assim que

possível e voltar para reavaliação 3-7 dias depois para avaliar o grau de ICC, a função renal e

as concentrações séricas de eletrólitos. O tutor deverá monitorizar a FR (que deverá ser ≦ 30

rpm) do animal e trazê-lo para reavaliação a cada 2-4 meses3.

O prognóstico da CMH em gatos é muito variável1 e depende de diversos fatores tais como:

idade, presença de síncopes3, diminuição da função sistólica (fração de encurtamento), função

do AE, dilatação e hipocinesia da parede do VD, presença de trombos e enchimento diastólico

restrito. O aumento do AE está intimamente associado a diminuição da esperança média de vida,

quer em gatos assintomáticos quer sintomáticos1. A progressão da CMH é bastante imprevisível,

já que um gato com esse diagnóstico pode ainda viver mais 2-13 anos7.

Bibliografia: 1. Chetboul V (2017) “Feline Myocardial Diseases” in (Ettinger SJ, FeldmanEC, Côté E) Textbook of

Veterinary Internal Medicine: Diseases of the dog and the cat, 8ª Ed, Elsevier, 3092-3106

2. Côté E, MacDonald KA, Meurs KM, Sleeper MM (2011) “Hypertrophic Cardiomyopathy” Feline Cardiology, 1ªEd, 103-167

3. Fuentes VL, Abbott J, Chetboul V, Côté E, Fox PR, Häggström J, Kittleson MD, Schober K, Stern JA (2020)

“ACVIM consensus statement guidelines for the classification, diagnosis, and management of cardiomyopathies in cats” Journal of Veterinary Internal Medicine, 1-16

4. Häggström J, Fuentes VL, Wess G (2015) “Screening for hypertrophic cardiomyopathy in cats” Journal of Veterinary Cardiology, 17, 134-149

5. Schipper T, Peelman LJ, Smets P, Broeckx BJG (2020) “An overview of the current genetic and phenotypical selection strategies to reduce the prevalence of feline hypertrophic cardiomyopathy” Vlaams Diergeneeskundig Tijdschrift, 89, 69-80

6. Silveira SMS, Palma HE (2019) “Cardiomiopatia Hipertrófica Felina” Revista Interdisciplinar de Ensino, Pesquisa e Extensão, vol. 7, 72-77

7. Sukumolanan P, Petchdee S (2020) “Feline hypertrophic cardiomyopathy: genetics, current diagnosis and management” Veterinary Integrative Sciences, 18(2), 61-73

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Figura 8: Eletrocardiografia do caso clínico nº1 realizada aquando a sua entrada no Hospital Rhinebeck Equine. É possível observar a presença de ondas f, que indicam a presença de fibrilhação atrial.

ANEXOS

Anexo I Hemograma Perfil Bioquímico

Tabela 1: Resultados do Hemograma e Perfil Bioquímico do caso clínico nº1 aquando a sua entrada no Hospital Rhinebeck Equine.

Teste Resultado obtido

Valores de Referência

RBC (M/µL) 10,16 6,40 - 10,40

HCT (%) 46,8 30,00 - 47,00

HGB (g/dL) 17,0 10,70 - 16,50

MCV (fL) 46,1 41,10 - 52,40

MCH (pg) 16,7 14,10 - 18,60

MCHC (g/dL) 36,3 32,80 - 38,60

RDW (%) 29,0 24,60 - 33,30

WBC (K/µL) 5,77 4,90 - 11,10

% Neutrófilos (%) 63,5

% Linfócitos (%) 31,0

% Monócitos (%) 4,2

% Eosinófilos (%) 1,0

% Basófilos (%) 0,3

Neutrófilos (K/µL) 3,66 2,50 - 6,90

Linfócitos (K/µL) 1,79 1,50 - 5,10

Monócitos (K/µL) 0,24 0,20 - 0,60

Eosinófilos (K/µL) 0,06 < 0,80

Basófilos (K/µL) 0,02 < 0,10

PLT (K/µL) 118 100,00 - 250,00

MPV (fL) 10,7 5,60 - 10,40

PDW (fL) 7,5

PCT (%) 0,13

Teste Resultado obtido

Valores de Referência

GLU (mg/dL) 109 64,00 - 150,00

CREA (mg/dL) 1,7 0,80 - 2,20

BUN (mg/dL) 20 10,00 - 25,00

BUN/CREA 12

CA (mg/dL) 11,4 10,40 - 12,90

PT (g/dL) 7,1 5,60 - 7,90

ALB (g/dL) 3,3 1,90 - 3,20

GLOB (g/dL) 3,8 2,40 - 4,70

ALB/GLOB 0,9

AST (U/L) 314 100,00 - 600,00

ALKP (U/L) 109 10,00 - 326,00

GGT (U/L) 21 < 87,00

TBIL (mg/dL) 2,9 < 3,50

CK (U/L) 106 10,00 - 350,00

LDH (U/L) 340 250,00 - 2070,00

Na (mmol/L) 145 133,00 - 150,00

K (mmol/L) 4,3 3,00 - 5,30

Na/K 34

Cl (mmol/L) 109 97,00 - 109,00

Osm Calc (mmol/Kg) 291

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Medidas para-esternais do lado direito

Diâmeto interno do ventriculo direito no final da diástole 3 cm

Diâmeto interno do ventriculo esquerdo no final da diástole 10,7 cm

Diâmeto interno do ventriculo esquerdo no durante a sístole 5,9 cm

Fração de encurtamento 42%

Espessura da parede do ventrículo esquerdo no final da diástole 2,8 cm

Espessura da parede do ventrículo esquerdo durante a sístole 5,4 cm

Espessura do septo interventricular no fim da diástole 3,2 cm

Espessura do septo interventricular durante a sístole 5,4 cm

Diâmetro da Aorta no final da diástole 6,4 cm

Diâmetro da artéria pulmonar no final da diástole 4,8 cm

Diâmetro do átrio esquerdo 12,3 cm

Tabela 2: Medidas para-esternais do lado direito realizadas durante a ecocardiografia do caso clínico nº1, cedidas pelo hospital Rhinebeck Equine.

Figura 9: Ecocardiografia do caso clínico nº1 com medição do diâmetro do átrio esquerdo, cedida pelo hospital Rhinebeck Equine.

Figura 10: Eletrocardiografia do caso clínico nº1 realizada após o tratamento com Sulfato de Quinidina, com sucesso. É possível observar a presença de um bloqueio Atrioventricular de 2º grau.

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Anexo II Análise da Urina Perfil Bioquímico

Resultado do teste da troponina: 0,02 ng/mL(valores de referência: 0,00 – 0,06 ng/mL)

Teste Resultado obtido

Valores de Referência

Creatinina (mg/dL) 1,30 1,00 - 2,00 Fósforo (mg/dL) 3,50 2,00 - 5,10 Cálcio (mg/dL) 11,30 10,80 - 13,50 Sódio (mEq/L) 133 132,00 - 146,00

Potássio (mEq/L) 4,40 2,40 - 4,70 Cloro (mEq/L) 99 95,00 - 110,00

Teste Resultado obtido

Valores de Referência

Fósforo (urina) (mq/dL) 10,00 Creatinina (urina) (mq/dL) 166,00

Sódio (urina) (mEq/L) 171,00 Potássio (urina) (mEq/L) 120,00

Cloro (urina) (mEq/L) 208,00 Fósforo % 2,24 < 7,00 Sódio % 1,01 < 0,60

Potássio % 21,36 10,00 - 50,00 Cloro % 1,65 < 1,90

Cálcio (urina) (mg/dL) 45,30 Cálcio % 3,14 < 7,00

Tabela 3: Resultados da Análise da Urina, Perfil Bioquímico e valor da troponina do caso clínico nº2 aquando a sua entrada no hospital Rhinebeck Equine.

Figura 11: Eletrocardiografia do caso clínico nº2 realizada aquando a sua entrada no hospital Rhinebeck Equine. É possível observar a presença de ondas f, que indicam a presença de fibrilhação atrial.

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Medidas Para-esternais do lado direito em longo eixo

Diâmeto interno do ventriculo direito no final da diástole 2,84 cm

Diâmeto interno do ventriculo esquerdo no final da diástole 11,25 cm

Diâmeto interno do ventriculo esquerdo no durante a sístole 7,4cm

Fração de encurtamento 34%

Espessura da parede do ventrículo esquerdo no final da diástole 2,84cm

Espessura da parede do ventrículo esquerdo durante a sístole 4,46 cm

Espessura do septo interventricular no fim da diástole 4,16 cm

Espessura do septo interventricular durante a sístole 5,37 cm

Diâmetro da Aorta no final da diástole 6,41 cm

Diâmetro da artéria pulmonar no final da diástole 5,3 cm

Tabela 4: Medidas Para-esternais do lado direito realizadas durante a ecocardiografia do caso clínico nº2, cedidas pelo hospital Rhinebeck Equine.

A B

C

Figura 13: Ecocardiografia do caso clínico nº2 com Doppler no plano para-esternal direito em longo eixo. A: Leve regurgitação da válvula Tricúspide. B: Leve regurgitação da válvula aórtica. C: Leve regurgitação da válvula Mitral.

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Anexo III

Tabela 5: Estadiamento de cães com DMVM, de acordo com o consenso do American College of Veterinary Internal Medicine5. Perfil Bioquímico e Ionograma

Estadio A Estadio B Estadio C Estadio D Cão com risco de

desenvolver doença cardíaca, mas,

atualmente, sem nenhuma anomalia

cardíaca (e.g. Cavalier King Charles

Spaniel sem um sopro cardíaco)

Cão sem sinais clínicos, mas com um clique mesossistólico ou um

sopro sistólico

Cão com sinais clínicos de ICC associados a

doença cardíaca estrutural. A severidade

dos sinais de ICC podem ser leves a moderados.

Casos moderados podem requerer terapia

agressiva.

Cão com sinais clínicos graves de ICC devido a RM refratária ao tratamento típico

de ICC. B1 B2

Cão com evidência de

ligeira RM mas sem sinais de cardiomegália

Cão assintomático

com significativa RM e sinais de cardiomegália

Parâmetros Resultado obtido Valores de Referência

Creatinina (mg/dl) 1,20 0,30 – 1,50 BUN (mg/dl) 25,60 7,00 – 29,00 BUN/CREA 22

Fósforo (mg/dl) 5,10 2,00 – 6,00 Sódio (mmol/L) 153,00 138,00 – 158,00

Potássio (mmol/L) 4,40 3,20 – 5,50 Cloro (mmol/L) 110,00 107,00 – 122,00

Na+/K+ 35,00 27,00 – 100,00

Tabela 6: Resultado do Perfil Bioquímico e Ionograma da Fofinha, realizado durante a primeira consulta.

Figura 14: Radiografia torácica em projeção latero-lateral em decúbito direito. Observa-se uma padrão alveolar marcado na zona dorsal e na zona hilar, com aumento da silhueta cardíaca.

Figura 15: Radiografia torácica, de controlo, em projeção latero-lateal em decúbito direito. Observa-se menos edema relativamente à primeira radiografia, no entanto a silhueta cardíaca permanece aumentada.

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Figura 16: Ecocardiografia da Fofinha, realizada na 1ª consulta. A: imagem bidimensional,

corte para-esternal esquerdo apical de 4 câmaras. Observa-se espessamento da válvula

mitral. B: projeção para-esternal direita em eixo curto da base do coração ao nível do átrio

esquerdo e da aorta. Dilatação severa do AE. C: imagem em modo M do VE em que é retirado um corte para-esternal direito de eixo curto. D: doppler espectral continuo que

evidencia regurgitação da válvula mitral.

Anexo IV

Hemograma

Parâmetros Resultado Obtido

Valores de Referência

Leucócitos (103/mm3) 10,50 5,00 – 11,00 Linfócitos (103/mm3) 2,80 1,00 – 4,00 Monócitos (103/mm3) 0,30 0,00 – 0,50

Granulócitos (103/mm3) 7,40 3,00 – 12,00 Eosinófilos (103/mm3) 0,26 0,00 – 0,60

Linfócitos % 14,10 0,00 – 100,00 Monócitos % 1,90 0,00 – 100,00

Granulócitos % 84,00 0,00 – 100,00 Eosinófilos % 1,30 0,00 – 100,00

RBC (106/mm3) 5,93 5,00 – 10,00 HGB (g/dl) 8,70 8,00 – 17,00

HCT % 28,00 27,00 – 47,00 MCV (µm3) 41,00 40,00 – 55,00 MCH (pg) 14,60 13,00 – 17,00

MCHC (g/dl) 35,50 31,00 – 36,00 RDW % 17,10 17,00 – 22,00

PLT (103/mm3) 251,00 180,00 – 430,00 MPV (µm3) 13,90 6,50 – 15,00

Tabela 7: Hemograma do Pablo aquando a sua entrada na CVF.

A B C D

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Perfil Bioquímico e Ionograma

Parâmetros Resultado Obtido 1ª Consulta

Resultado Obtido na consulta de

controlo

Valores de Referência

GLU (mg/dl) 90,00 - 74,00 – 152,00 CREA (mg/dl) 0,70 0,80 0,70 – 2,10 BUN (mg/dl) 18,60 18,80 15,00 – 37,00 BUN/CREA 27,00 23,00

PT (g/dl) 6,70 - 5,80 – 9,10 ALB (g/dl) 2,50 - 2,20 – 4,10

GLOB (g/dl) 4,20 - 2,60 – 5,10 A/G 0,60 -

ALT U/L 55,00 - 13,00 – 109,00 ALP U/L 10,00 - 9,00 – 109,00 P (mg/dl) - 4,20 2,60 – 6,40

Na+ (mmol/L) - 154,00 140,00 – 160,00 K+ (mmol/L) - 5,50 3,20 – 5,50 Cl- (mmol/L) - 112,00 109,00 – 128,00

Na+/K+ - 28,00 27,00 – 100,00

Figura 17: Ecocardiografia realizada na 1ª consulta do Pablo: A: corte para-esternal direito

em eixo longo do trato de saída do VE. Hipertrofia generalizada das paredes do VE com

presença de falso tendão. B: corte para-esternal direito de eixo curto da base do coração ao nível da aorta/AE Ausência de dilatação do átrio esquerdo. C: modo M do VE. D: doppler

espectral continuo da insuficiência tricúspide.

Tabela 8: Perfil Bioquímico e Ionograma do Pablo aquando a sua entrada na CVF e na consulta de controlo.

A B C D

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Tabela 9: Estadiamento, tratamento e recomendações de cardiomiopatia em gatos7.

Estádio Definição Tratamento Recomendações

A

Risco de desenvolver cardiomiopatia sem sinais

clínicos e alterações estruturais

Não está indicado Reavaliação ecocardiográfica uma vez por ano

B1

Cardiomiopatia subclínica, átrio de dimensões normais

ou ligeiramente dilatado

Se ODTSVD severa: atenolol 6,25-12,5 mg/gato q 12-24h PO

Reavaliação ecocardiográfica uma vez por ano

B2 Cardiomiopatia subclínica

com dilatação atrial moderada-severa

Prevenção de TEA: Clopidogrel 18,25 mg/gato SID PO ou Aspirina 5-81 mg/gato q3-5d PO. Focos ventriculares ectópicos: Atenolol 6,25 mg/gato q12h PO ou Sotalol 10-20 mg/gato q12h PO. Fibrilhação atrial: Diltiazem 1-3 mg/kg q8h ou Atenolol 6,25 mg/gato q12h PO ou Sotalol 10-20 mg/gato q12h PO

Monitorização da progressão da doença e desenvolvimento

de sinais clínicos.

C Gatos com sinais clínicos prévios ou recorrentes de

CMH ou TEA

Descompensação cardíaca aguda: Furosemida 1-2 mg/kg em bólus. Insuficiência cardíaca crónica: Furosemida 0,5-2 mg/kg q8-12h PO, Benazepril 0,25-0,5mg/kg q12-24h PO, clopidogrel 18,75 mg/gato/dia P, Pimobendan 0,625-1,25 mg/kg q12h PO

Reavaliação a cada 2-4 meses fazendo-se monitorização renal e da FR (≦30rpm)

D Gatos refratários ao tratamento de CMH

Torsemida 0,1-0,2 mg/kg q24h PO, Espironolactona 1-2 mg/kg q12-24h PO, Pimobendan 0,625-1,25 mg q12h PO, suplementação com taurina 250 mg q12h PO

Restrição de sódio na dieta e suplementação de taurina,

monitorização da concentração do potássio

sérico

Figura 18: Ecocardiografia de

controlo do Pablo. A: corte para-

esternal direito em eixo longo do trato de saída do VE. Hipertrofia

ligeira das paredes do VE. B: eixo curto do VE. C: modo M da

imagem B onde se observa hipertrofia dos músculos

papilares. D: corte para esternal

esquerdo apical do trato de saída do VE onde se observa

turbulência nas válvulas aorta e

mitral (SAM).

A B C D