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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ
FACULDADE CEARENSE GRADUAÇÃO EM SERVIÇO SOCIAL
IARA SUHETT CAMELO UCHÔA
A FAMÍLIA E A PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL: UM ESTUDO DE CASO
FORTALEZA – CE 2014
IARA SUHETT CAMELO UCHÔA
A FAMÍLIA E A PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL: UM ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao curso de
Serviço Social da Faculdade Cearense,
como requisito parcial para obtenção do
grau de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª. Ms. Virzângela Paula
Sandy Mendes.
FORTALEZA – CE
2014
U17f Uchôa, Iara Suhett Camelo
A família e a pessoa com transtorno mental: um estudo de caso / Iara Suhett Camelo Uchôa. Fortaleza – 2014.
68f.
Orientador: Prof.ª Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes.
Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2014.
1. Transtorno mental. 2. Direito e garantias. 3. Família. I. Mendes, Virzângela Paula Sandy. II. Título
CDU 364
Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274
IARA SUHETT CAMELO UCHÔA
A FAMÍLIA E A PESSOA COM TRANSTORNO MENTAL: UM ESTUDO DE CASO
Monografia apresentada ao curso de
Serviço Social da Faculdade Cearense,
como requisito parcial para obtenção do
grau de bacharel em Serviço Social.
Aprovada em ____ / _____ / ______.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________
Profª. Ms. Virzângela Paula Sandy Mendes (Orientadora)
Faculdade Cearense (FAC)
___________________________________________________________________
Prof. Ms. Mário Henrique Castro Benevides
Faculdade Cearense (FAC)
___________________________________________________________________
Profª. Esp. Richelly Barbosa de Medeiros
Faculdade Cearense (FAC)
À VIDA,
porque sem ela não poderia sonhar...
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao grande ser superior que fez surgir a vida, porque sem ela
não poderia sonhar. Ao meu amado esposo, José Airton Almeida Uchoa, que trouxe
por meio da sua simplicidade e companheirismo a alegria de sorrir sem medo do
futuro.
Aos meus pais, Antônio Marcondes Camelo e Elisabete Suhett Camelo,
por terem permitido a minha chegada a esse mundo. Aos meus irmãos.
Aos meus queridos sogros, Maria das Dores Almeida Uchoa e João
Nogueira Uchôa, pela preocupação com a minha qualidade de vida e pelas noites
que têm me aguardado chegar sempre com muitas rezas de proteção.
Agradeço o apoio inquestionável da minha querida orientadora Virzangela
Sandy, que muitas vezes tentou entender meus momentos difíceis de crise e falta de
tempo.
Aos meus amigos (as) de trabalho Izolda Maria, Ivanildo Almeida, José
Luiz, Rosangela Maria, Lidiane Melo, Sandra Castelo, Joana D’arc, Leidiana Castro
e Meirandir Jardim, pelas vezes que entenderam a minha ausência nas rodas de
conversas.
Aos meus amigos pessoais, Ícaro Magalhães e Edenilde Anjos, pelas
vezes que emprestaram seus ouvidos para escutar minhas crises e lamentações.
Às minhas colegas de faculdade Juliana Araújo, Aline Melo, Hortência
Michelle, Josivanda Costa e Glaudenia Pinheiro, que me acompanharam até o 6º
semestre e me fizeram crescer.
Às minhas colegas de faculdade Jéssica Lima, Jamile Ximenes, Maíra,
Inácia e Germana, por terem me acolhido em seu grupo no momento mais difícil
dessa conquista.
Aos meus amados (as) professores (as) Radamés Rogerio, Mário
Henrique, Daniel Rogers, Bruno Lopes, Hamilton Teixeira, Virzangela Sandy, Rubia,
Sandra, Eveline, Valney, Talitta, Raylene, Joelma, Leticia, Moíza, Leonardo,
Socorro, Igor, Homero, Leila, Remi, Elizangela, Verbena, Richelle Barbosa, Mariana,
Denílson e Vivian, dentre outros que construíram parte do que me tornei.
Às minhas queridas técnicas de estágio Luciene e Cristina, pelo apoio e
confiança no meu potencial e conhecimentos agregados.
A todos que estiveram de alguma forma ligados à concretização dessa
conquista.
9
RESUMO
A família, como principal entidade cuidadora da pessoa com transtorno mental,
muitas vezes, desconhece os direitos que estes acumularam ao longo da história.
Isto ocorre, muitas vezes, pelas dificuldades do dia a dia ou mesmo pela dificuldade
de acesso a essas informações, tendo em vista que a pessoa com transtorno mental
ainda é alvo de preconceito e discriminação. Nesse sentido, questiona-se: como é o
cotidiano da família de um paciente psiquiátrico que além do transtorno mental
convive com a relação loucura e crime? Assim, esta pesquisa é um estudo de caso
que objetiva analisar o cotidiano de uma família que convive com paciente
psiquiátrico, a partir da reflexão sobre os direitos fundamentais dispostos no artigo 5º
da Constituição Federal, bem como a visão da própria pessoa com transtorno mental
a respeito do tema. O procedimento metodológico baseou-se na pesquisa
bibliográfica em livros e periódicos e, primordialmente, na pesquisa empírica por
meio da história oral. Buscamos enfatizar, nesta pesquisa, a história da loucura, o
nascimento dos locais destinados aos loucos, os transtornos mentais mais
conhecidos pela sociedade, a justiça penal para a pessoa com transtorno mental, o
processo de exclusão desse público, bem como a forma como estes e seus
familiares se colocam frente aos questionamentos citados acima. Os resultados
dessa pesquisa apontaram que a loucura se tornou uma via de mão dupla para as
pessoas com transtorno mental. Se, por um lado, o sujeito agrega direitos de ser
tratado conforme o princípio da equidade, por outro, convive com o isolamento e a
exclusão social permanente. Ou seja, ao mesmo tempo em que ela (a loucura)
encerra a imputabilidade do sujeito com transtorno mental, (a loucura) também
agrega sentimentos de preconceito e exclusão social, apontando o sujeito como
incapaz e não confiável, fortalecido aqui, pela própria família.
Palavras-chave: Transtorno Mental. Direito e garantias fundamentais. Família.
10
ABSTRACT
The family as a main caregiver authority of the person with a mental disorder, often,
unaware of the rights they have accumulated throughout history. This is often the
difficulties of day to day or even from lack of access to this information in order that
the person with mental disorder is still the target of prejudice and discrimination. In
this sense the question is: How is the daily life of the family of a psychiatric patient
that besides the mental disorder coexists with insanity and crime relationship? This
research is a case study which aims to analyze the daily life of a family living with
psychiatric patients, from the debate on the fundamental rights provisions of Article 5
of the Federal Constitution and the vision of that person with a mental disorder about
theme. The methodological approach was based on the literature in books and
periodicals, and primarily on empirical research through oral history. We seek to
emphasize in this research the history of madness , the birth of the sites for the
insane, the company best known for mental disorders , criminal justice for the person
with mental disorder , the process of exclusion to that audience as well as how these
and their family members to put forward these questions . The results of this research
show that the madness has become a two-way street for people with mental
disorder. On one hand, the subject adds rights to be treated according to the
principle of equity, on the other hand, living with permanent isolation and social
exclusion. That is, while she (madness) terminates the liability of the person with a
mental disorder, it (madness) also adds feelings of prejudice and social exclusion,
subject touted as incapable and unreliable, strengthened here by the family.
Key words: Mental Disorder, Law and Fundamental Guarantees and family.
11
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO – METODOLOGIA E CATEGORIAS ............................................ 9
2 LOUCURA: UMA HISTÓRIA NECESSÁRIA ....................................................... 17
2.1 Fases e aparições .............................................................................................. 17
2.2 Breve comentário do local para loucos .............................................................. 21
2.3 Direitos fundamentais previstos na Constituição Federal 1988 ......................... 24
2.4 Uma breve definição de crime, imputabilidade e inimputabilidade .................... 28
2.5 Justiça penal para o portador de doença mental: um direito a ser respeitado ... 30
3 O SEGUNDO LADO DA MOEDA ......................................................................... 35
3.1 A lei e a realidade ............................................................................................... 35
3.2 Os incapazes na contra mão do direito garantido .............................................. 38
3.3 A exclusão: antes, agora e depois ..................................................................... 40
4 CRIME, LOUCURA E EFETIVAÇÃO DE DIREITOS: UM ESTUDO DE CASO .. 45
4.1 A pesquisa e os sujeitos envolvidos ................................................................... 45
4.2 A coleta e análise de dados ............................................................................... 46
4.3 A discussão das narrativas ................................................................................. 48
4.4 O crime e o discurso familiar .............................................................................. 54
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 61
REFERÊNCIAS ..................................................................................................... 64
ANEXO 1 - Roteiro Orientador para a Pesquisa (familiares) ........................... 68
ANEXO 2 - Roteiro Orientador para a Pesquisa (pessoa com transtorno
mental) ..................................................................................................................... 70
9
1. INTRODUÇÃO
Os resultados de um estudo exploratório apresentado no 8º Congresso
Brasileiro de Assistentes Sociais, no I Encontro de Pesquisadores da (UFPI) e,
ainda, no V Encontro Nacional de Pesquisadores em Serviço Social no Rio de
Janeiro, apontaram que a convivência com a pessoa com transtorno mental dificulta
a vivência harmoniosa entre familiares (ROSA, 2011).
Com efeito, a família – a principal entidade de cuidado da pessoa com
transtorno mental – encontra-se com dificuldades por diferentes motivos, seja pelo
comprometimento mental de seus parentes, seja pela ineficiência das politicas
públicas. Assim, a convivência harmoniosa é apontada por esta pesquisa como
principal desafio dos familiares.
Contudo, conforme a renomada autora citada acima, a família tem se
configurado como principal ator nas lutas políticas em busca de melhores condições
para as pessoas com transtorno mental, embora o peso do cuidado causam
modificações nas rotinas familiares, trazendo consequências negativas ao seu
cotidiano, uma vez que a ineficiência das politicas públicas agrava ainda mais a
convivência harmoniosa entre familiares e seus parentes com transtorno mental.
Desse modo, não são raros os relatos de violação de pessoas com
transtorno mental por parte da própria família, do Estado e da sociedade, como por
exemplo: isolamentos, exclusão social, políticas públicas ineficientes, internamentos
compulsórios, dentre outros.
Assim, sem pretensão de aqui encontrar culpados, pretende-se conhecer
a rotina de uma família com pessoa com transtorno mental que cometeu ato
qualificado como crime. O estudo de caso abordado por esta pesquisa tem por
objetivo analisar, a partir de discussões e narrativas, o cotidiano de uma família
moradora do bairro José Walter, onde convive com uma pessoa com transtorno
mental e que num momento da vida cometeu ato qualificado como crime. Diante
disso, o objetivo geral deste estudo está calçado numa reflexão mais apurada que
busca compreender de que forma os direitos e garantias fundamenteis estão sendo
respeitados no cotidiano da vida de uma pessoa com transtorno mental.
10
No que tange aos objetivos específicos, pretendeu-se refletir sobre a
história da loucura e suas fases de aparição, conhecer os aspectos que validam o
preconceito e a discriminação, bem como analisar os discursos da vida real com
vistas a compreender como esses aspectos incidem na vida de uma família com
pessoa com transtorno mental.
O transtorno mental, anteriormente conhecido como loucura ou doença da
mente, segundo Michel Foucault (2012), é entendido como
Uma alienação do espírito, um desarranjo da razão que nos impede de distinguir o verdadeiro do falso e que, através de uma agitação continua do espirito, deixa aquele que é por ela atingido sem condições para poder dar qualquer consentimento. [...] O essencial, portanto é saber se a loucura é real e qual o seu grau: quanto mais profunda for, mais a vontade do individuo será considerada inocente. (FOUCAULT, 2010, 140)
Desse modo, a pessoa com transtorno mental, a depender do seu grau de
comprometimento, torna-se um sujeito incapaz de responder por seus atos
necessitando de tratamento diferenciado com posicionamento obrigatório para o
princípio da equidade, ou melhor, deve ser tratado com respeito conforme a sua
diferença. Devemos ressaltar para o leitor, que nenhuma condição do indivíduo, seja
ela qual for: mental, intelectual, social, espiritual, entre outras, não se confundem
com a negação dos direitos inerentes ao homem: de liberdade, igualdade, direito à
vida digna e tratamento humanizado.
Para complementar essa discussão, Ilana Strozemberg, antropóloga e
professora da Escola de Comunicação da UFRJ (ECO), na publicação “O estigma da
loucura” para o globo.com, nos adverte pontuando que
A concepção da loucura é, antes de tudo, uma construção cultural. As variações acontecem de sociedade para sociedade, e, dentro delas, podem se modificar com o tempo. A própria concepção ocidental não é única. Há aqueles, por exemplo, que acreditam na origem física (corporal) dos distúrbios – que deveriam, assim, ser tratados através de medicamentos. Por outro lado, há os que liguem as doenças psiquiátricas a questões do inconsciente, vendo suas origens na ligação entre o corpo e alma ou entre corpo e estruturas psíquicas. A antropologia pode nos ajudar a compreender a ideia de loucura a partir do momento em que põe a investigação das origens dessa construção cultural, fornecendo um
11
instrumental de crítica a determinadas ideias que são amplamente aceitas pela a sociedade. (STROZEMBERG, 2005)
Ou seja, a pessoa com transtorno mental ou, conforme queira, a loucura,
associa-se à cultura e evolução de um povo. É o conjunto das pessoas que vão dar
definição e características a essa condição da mente. Essa mesma professora
enfatiza que em determinados lugares e situações, o louco ou a pessoa com
transtorno mental perde a condição de sujeito cidadão, capaz de exercer sua
cidadania, estando à mercê da vontade de outrem.
Tratando do mesmo assunto, Maria Tavares, diretora adjunta de
assistência do Instituto de Psiquiatria da UFRJ (IPUB), explica que a pessoa com
transtorno mental sofre com o preconceito e discriminação, vindo de diversos
segmentos da vida, seja ela por parte de família, da sociedade, e até mesmo de
profissionais da saúde que lidam com o tema. A respeito do assunto esta psiquiatra
salienta:
Em primeiro lugar é preciso dizer que o preconceito contra o doente mental é enorme, e acontece em diversos níveis. Há desde o preconceito do próprio doente contra a sua doença, a dificuldade no relacionamento dele com a família, no trabalho, com amigos. Se por um lado as pessoas não sentem dificuldades em procurar o médico para tratar diabetes ou hipertensão, para o esquizofrênico, por exemplo, será difícil aceitar a própria doença e procurar um psiquiatra. Na verdade, isso reflete o pensamento da sociedade, cujo preconceito está baseado num profundo desconhecimento do assunto. (TAVARES, 2005)
Dito de outro modo, o transtorno mental, ou melhor, o conceito de loucura,
ao longo dos séculos, evoluiu carregado de preconceito e discriminação pelo fato do
desconhecimento da própria origem da loucura e seu grau de comprometimento.
Torna-se oportuno salientar, que a pessoa acometida por transtorno mental tem
seus direitos e deveres garantidos como todo e qualquer cidadão pela Constituição
Federal de 1988, muito embora, em alguns momentos, este sujeito não consiga
diferenciar atos que comprometam ou prejudiquem a coletividade de um povo, como
por exemplo, o cometimento de um ato qualificado como crime.
12
A fim de melhor contribuir para o entendimento desta pesquisa,
abordaremos de forma breve o conceito de crime. Sobre esse termo, Greco (2010)
nos adverte que o Código Penal vigente não estabelece conceito definido para
crime, contudo nos esclarece que crime é todo fato humano proibido pelas regras
pré-estabelecidas por um grupo social, ou ainda todo ato que fira ou comprometa as
condições de sobrevivência de um povo como um todo. Nesse contexto, o mesmo
autor continua dizendo que crime é ainda toda ação contrária à Lei Penal.
Desse modo, a prática do crime por pessoa com transtorno mental atende
à lei específica, visto sua inimputabilidade penal, tema que será mais aprofundado
no próximo capítulo deste estudo. Contudo, não queremos dizer com isso que a
pessoa com transtorno mental não venha a sofrer as penalidades do Código Penal.
Para tanto, esta segue o mesmo rito de privação da liberdade, seja em asilos, seja
em Manicômios Judiciários, seja em Hospitais para tratamento.
Com efeito, a Constituição Federal de 1988 em seu art. 5º vem nos
lembrar de que “todos são iguais perante a Lei sem distinção de qualquer natureza,
[...] garantindo-se a inviolabilidade do direito a vida, a liberdade, a igualdade, a
segurança e a propriedade”. Em outras palavras, o artigo 5º compreende o
compromisso que o Estado tem em oferecer medidas de defesa à sociedade em
qualquer situação da vida do sujeito cidadão, inclusive em momentos de violações
de regras pré-estabelecidas pela coletividade de seus membros.
No que concerne ao Direito e Garantias Fundamentais, Lenza (2011) traz
sua contribuição discutindo a diferença entre um e outro. Segundo ele,
Os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (preventivamente) ou prontamente os repara, caso violados. (LENZA, 2011, p.863)
O que esse renomado autor tentar nos dizer é que os direitos são
inerentes a todo e qualquer cidadão e as garantias existem para fazer valer esse
direito, bem como os deveres no sentido de compreendermos que o direito de um
encerra quando o direito do outro se inicia. Vale lembrar que a vida em sociedade só
é possível quando os sujeitos respeitam a necessidade de observar os direitos e
13
deveres de um e de outro, independente de sua condição social, intelectual, mental,
espiritual e econômica.
Lenza (2011) encerra essa discussão nos lembrando de que os direitos e
garantias fundamentais perpassam a saúde como direito universal, acesso garantido
aos serviços públicos em todos os níveis, igualdade de atendimento livre de
preconceito e discriminação, garantia do respeito e valorização da vida.
Nesse ponto, a família, entidade principal de cuidado da pessoa com
transtorno mental, vela – ou pelo menos deveria velar – por parte desses direitos e
pelo bem estar dos seus entes incluídos na sociedade.
Conforme os resultados de um estudo apresentado no Congresso
Internacional de Florianópolis no ano de 2004,
[...] identificamos a família enquanto um grupo que constitui um campo de relações entre pessoas que compartilham significados de suas experiências existenciais. Este grupo atravessa os tempos passando por inúmeras transformações e críticas, sem afastar-se, ao menos em tese, da responsabilidade e das exigências dos papéis socialmente atribuídos a ela de procriar e criar filhos saudáveis e preparados para assumir o mercado profissional e a vida em coletividade. (COLVERO, COSTARDI IDE e ROLIM, 2004, p. 198)
Com efeito, segundo os autores, a família, apesar de todas as
transformações ao longo dos tempos, tem a responsabilidade maior de cuidar e
tratar seus parentes com transtornos mentais independente de seu grau de
comprometimento.
No entanto, não podemos negar que o cuidado da pessoa com transtorno
mental na família também ganha novo significado e grandes transformações.
Enquanto no passado se retirava o direito da família de cuidar de seus entes
institucionalizando-os, na atualidade, algumas famílias sentem-se assoberbadas e
cansadas pela exaustão desse cuidado, dado apontado por esta pesquisa, como se
poderá ver em capítulos seguintes.
Advertem-nos, ainda, Galera e Luís (2002) que
[...] a relação entre a dinâmica familiar e uma problemática de saúde é complexa, sendo impossível distinguir claramente os efeitos diretos de uma sobre a outra. Pode-se, porém, observar uma co-evolução na qual, a dinâmica familiar influencia a evolução da doença e esta, por sua vez,
14
influencia a dinâmica da família que sendo outra irá interferir na evolução da doença, num processo contínuo ao longo do tempo. (GALERA E LUÍS, 2002, p. 2)
Com efeito, o que esses autores tentam nos dizer é que a família não está
autoimune ao cansaço, à fadiga ou mesmo à exaustão. O transtorno mental no meio
familiar ora traz aspectos negativos, ora traz aspectos positivos em relação ao
cuidado permanente. É o que abordaremos com maior profundidade no quarto
capítulo deste estudo.
No que concerne às metodologias, vale ressaltar que esse trabalho trata-
se de um estudo de caso, que conforme Gil (2002) é uma modalidade de pesquisa
que pretende “explorar situações da vida real cujos limites não estão claramente
definidos”, ou melhor, nos permitem enxergar para além de como a realidade se
apresenta.
Como forma de conhecer o caso a ser estudado, utilizamos o método da
história de vida, levantando questões acerca dos direitos fundamentais da pessoa
com transtorno mental e violação desses direitos, bem como questões referentes ao
preconceito e à discriminação por parte da família, da comunidade, dentre outros.
Optamos pela técnica de entrevista aberta com vinte e oito (28) perguntas
orientadoras para membros da família em questão e onze (11) perguntas para a
pessoa com transtorno mental. Devemos ressaltar que as entrevistas respeitaram a
disponibilidade de horário dos entrevistados.
Este estudo tem aspectos de pesquisa qualitativa por tratar de questões
da vida cotidiana dos sujeitos, tratar das percepções individuais, bem como a forma
como estes sujeitos se veem e descrevem fatos da sua história de vida.
O método de coleta de dados fez-se por meio de entrevistas abertas e da
observação participante registradas em diário de campo no período do Estágio
Supervisionado e Obrigatório do Curso de Serviço Social. Além disso, por meio da
história oral da pessoa com transtorno mental e de seus parentes que se
disponibilizaram para a concretização deste estudo.
Devemos lembrar ao leitor que, diante das inúmeras dificuldades de
contato no período da pesquisa a um dos membros familiares que acompanhou o
processo judicial da pessoa com transtorno mental, personagem desse estudo, não
nos foi possível abordar esse tema com maior propriedade.
15
Segundo François (1987), a história oral é mais que um registro de falas,
leva em consideração os sentimentos, atenta-se a maneira de ver, de agir e
comportamentos do indivíduo, bem como seus posicionamentos e relações com o
mundo exterior.
Complementando a discursão, Montagner (2007) afirma que a história e a
biografia encontram-se na discursão do indivíduo frente às suas ações individuais e
coletivas, bem como no contexto em que está inserido, como o mesmo vê e
descreve seu mundo.
No que se refere ao critério de participação das entrevistas, esta se deu
exclusivamente pela disponibilidade de horário dos membros da família. Já o critério
de escolha da família se deu pelo interesse de um caso especifico que conhecemos
no Estágio Supervisionado Obrigatório do Curso de Serviço Social no CAPS Geral
Bom Jardim, no 1º semestre de 2013.
Todas as entrevistas e relatos orais seguiram a regra de gravação,
respeitando o princípio do sigilo absoluto, de forma a proteger a privacidade dos
envolvidos nesta pesquisa, foram garantidos também o relato anônimo e voluntário
das informações necessárias à conclusão deste estudo de todos os envolvidos
nesse processo.
Esta pesquisa teve em sua essência o objetivo de conhecer um pouco da
história da loucura, bem como a história oral e o cotidiano da pessoa com sofrimento
mental e de seus familiares, com vistas a refletir sobre os direitos e garantias
respeitados ou violados de modo tácito.
Os personagens desta pesquisa moram há quarenta e dois anos no bairro
José Walter, em uma rua estreita e em casa própria. Neste ponto, devemos chamar
a atenção do leitor para o fato de que a pessoa com transtorno mental abordado por
esta pesquisa é acometida de transtorno de comportamento afetivo bipolar (F 31),
Caracterizado por dois episódios ou mais episódios nos quais o humor e o nível de atividade do sujeito estão profundamente perturbados, sendo que este distúrbio consiste, em algumas ocasiões, na elevação do humor e no aumento da energia e da atividade (hipomaníaca ou mania), e em outras no rebaixamento do humor e na redução da energia e da atividade (depressão). (Organização Mundial da Saúde, 2007).
16
Dito de outro modo, o transtorno afetivo bipolar caracteriza-se através de
sintomas psicóticos eventuais e perturbação afetiva, no qual a pessoa tem manias
de fazer as mesmas coisas variadas vezes. Trata-se de doença que pode trazer
sérios riscos ao paciente, pois se constitui como a forma mais grave de mudança de
humor, diminuindo a qualidade de vida do paciente.
Este sujeito não vive juntamente com seus parentes, mora em casa
separada ao lado de seus familiares e não tem permissão para adentrar na casa de
seus parentes a qualquer momento, bem como participar da dinâmica familiar. De
forma detalhada, a rotina do sujeito da pesquisa será retomada adiante.
Para melhor apreciação, este estudo está dividido e cinco capítulos:
No primeiro capítulo, introduzimos e apresentamos o estudo. No segundo
capítulo, situamos a história da loucura por meio de um apanhado bibliográfico,
enfatizando a forma como eram tratados os considerados loucos, nos quais o
sofrimento, a dor, a exclusão social e o isolamento andavam lado a lado como única
forma de tratamento. Neste capítulo, enfatizamos também as justificativas da
sociedade em trancafiar e isolar seus loucos, bem como as dificuldades de manter
esse sistema por meio da classificação dos transtornos mentais. São abordados,
ainda, os direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de
1988, bem como as nomenclaturas do direito penal, os quais dão entendimento aos
procedimentos jurídicos adotados à pessoa com transtorno mental.
No terceiro capítulo, abordamos a realidade dos manicômios judiciários
balizados pelo direito a ser garantido pelo artigo 5º da CF/88, bem como as
violações dos direitos da pessoa com transtorno mental que comete ato qualificado
como crime. Abordamos, ainda, o fenômeno da exclusão social e sua naturalização
ao longo dos séculos.
No quarto capítulo: Crime, loucura e efetivação de direitos: um estudo de
caso – apresentamos os resultados deste estudo, os quais apontaram que a relação
da família com a pessoa com transtorno mental se encontra esgarçada, resultando
no fortalecimento do isolamento e exclusão social.
Por fim, no quinto capítulo, fazemos as considerações finais do trabalho, a
fim de apontar o alcance dos resultados pretendidos desde o início da investigação.
17
2. LOUCURA: UMA HISTÓRIA NECESSÁRIA
2.1 Fases e aparições
Desde que apareci nesta numerosa assembleia, desde que me dispus a falar, não vi de repente brilhar em vossas faces um contentamento vivo e extraordinário? Não vi vossas frontes se desfranzirem imediatamente? E as gargalhadas que se fazem ouvir de todos os lados, não anunciam o delicioso contentamento... (ROTTERDAM, 2012, p. 11)
Antes da patogenia da loucura humana, a loucura esteve misturada a
mendigos, leprosos, vândalos, ou seja, a todos os tipos de sujeitos que distorciam a
ordem pré-estabelecida pela sociedade, não sendo difícil encontrar relatos de
exclusão, desprezo e maus tratos. Proibidos de acesso às igrejas, mantidos em
prisões, expulsos de suas casas, a loucura humana caminhava na contra mão da
perspectiva da igualdade entre homens (FOUCAULT, 2012).
Em um trecho do livro “A história da loucura”, esse mesmo autor relata
que os loucos eram
Alojados e mantidos pelo o orçamento da cidade, mas não tratados: são pura e simplesmente jogados na prisão [...]. A preocupação de cura e exclusão juntavam-se numa só. [...]. Eram chicoteados publicamente, e que no decorrer de uma espécie de jogo fossem a seguir perseguidos numa corrida simulada e escorraçados das cidades a bastonadas. Outro dos signos de que a partida dos loucos se inscrevia entre os exílios rituais. (FOUCAULT, 2012, p.11)
Esse fato descrito pelo estudioso, em meados do século XV, nos dá uma
ideia dos primeiros tratamentos oferecidos aos ditos loucos do passado e séculos
subsequentes. Eram silenciados e arrancados de seu “próprio corpo”, iniciando-se aí
a exclusão natural dos loucos.
No entanto, não podemos deixar de lembrar que a história da loucura
inicia-se na antiguidade com uma íntima relação entre as questões de magia e
religião. De acordo com Corrêa (1999), os primeiros homens acreditavam em deuses
18
que castigavam e que também abençoavam, sendo a loucura consequência desses
atos divinos, atribuindo a isso as manifestações da loucura e as influências
malignas.
Com efeito, ao longo da história, os nossos antepassados tentaram
descobrir métodos de cura para diversas doenças do corpo. Porém, a loucura
tornou-se uma incógnita, pois se manifestava sem motivo aparente constituindo uma
frequente ameaça para todos.
Desse modo, segundo o mesmo autor, o homem passou a procurar meios
de compreender a origem da loucura, como tratá-la (leia-se bani-la) e o porquê de
sua existência.
Corrêa (1999) descreve os três métodos mais conhecidos da época. O
primeiro deles, o método mágico, é explicado por meio de magias e influências dos
fenômenos naturais. O homem primitivo não conseguia explicar a doença mental
porque não se manifestava de modo único e passou a utilizar o método mágico para
afastar supostas maldições da mente.
Conforme as precisas palavras desse autor
O curandeiro primitivo lidava com os seres e com os maus espíritos, torturando seu paciente com recursos humanos, como apelo, reverencia súplica, suborno, intimidação, apaziguamento, confusão e punição através do exorcismo, rituais mágicos e encantamentos. Achava que a doença era causada pelo o acréscimo de algo supérfluo, que era geralmente atirado para dentro do corpo por um feiticeiro ou um deus, com o emprego de tubos ou dardos soprados. (CORRÊA, 1999, p.42)
Destarte, o método mágico trouxe uma ascensão significativa da crença e
da religião entre os séculos XVIII e XIX, provocando grande mal à sociedade, além
de milhões de vítimas dos fanatismos e injustiças, condenando muitos à própria
sorte.
Em fins do século XIX, com a descoberta da microbiologia, a loucura
passou a ser conhecida como doença mental orgânica, surgindo, então, o segundo
método para o tratamento das doenças da mente. Foi nesse período que se
descobriu a suposta ligação entre a doença mental e deficiências de vitaminas
essenciais ao corpo. Por meio do controle dessas deficiências, era possível evitar
um futuro retardo mental (CORRÊA, 1999).
19
Diante disso, em 1922, iniciou-se o primeiro tratamento para pacientes
psiquiátricos por meio da administração da insulina, muito combatido na época por
suas explicações vagas e ineficientes em fases mais crônicas. Desse modo, o
método orgânico conquistou seu espaço rompendo com as barreiras das crenças e
das superstições, avançando para novas descobertas de tratamento e/ou cura para
a doença mental.
Dentre estas descobertas de tratamento para a doença mental desse
período está o eletrochoque, que consistia em altas voltagens ligadas à cabeça do
paciente (CORRÊA, 1999). Outra espécie de tratamento era à lobotomia, uma
prática cirúrgica que mutilava uma parte do cérebro, causando sérios danos ao
paciente, logo, foi amplamente criticada.
Esta (a lobotomia) era uma das técnicas utilizadas com resultados
irreversíveis, sem esquecer as grandes instituições totais, termo utilizado por Erving
Goffman, para explicar o lugar daqueles que deveriam estar separados da
sociedade, um modelo que até bem pouco tempo era, ou é, sinônimo de exclusão e
total desrespeito aos direitos e garantias fundamentais do homem e da mulher.
(MATTOS, 2006).
Com efeito, não podemos deixar de lembrar a psicofarmacologia
descoberta em 1826 e somente fortalecida em 1930, através da qual se utilizavam
plantas medicinais para o tratamento de diversas doenças, dentre elas as doenças
mentais.
É oportuno dizer que a trajetória da loucura revela o horror vivido por
esses sujeitos. Os castigos físicos e as ameaças, técnicas utilizadas para o
tratamento da loucura, partiam da crença de que os loucos seriam animais a serem
domesticados (CORRÊA, 1999).
Com passar das décadas, as técnicas se tornaram ainda mais doloridas,
pois se acreditava que por meio da dor intensa os pensamentos distorcidos pelos
loucos seriam banidos. A indução de vômitos, as sangrias (danos cerebrais),
afogamento, amputação do clitóris e a retirada do útero eram algumas das violações
do direito à intimidade e poder sobre o corpo feminino (MATTOS, 2006).
Vale ainda lembrarmos a hidroterapia, as “injeções de extratos e
testículos, glândulas pituitárias e tireoides dos mais variados animais” (MATTOS,
2006, p.43), esterilização masculina, a extração de dentes, o choque térmico
20
induzido pela hibernação, coma induzido pela administração de alta taxa de glicose,
convulsoterapias e ainda o eletrochoque, que segundo Virgílio de Mattos (2006)
ainda hoje é “largamente utilizado no mundo inteiro”.
O terceiro e último método ficou conhecido como método psicológico e
conforme as precisas palavras de Corrêa (1999),
O método psicológico à essência da perturbação mental é precisamente a incapacidade do homem para enfrentar a si próprio, e reconhecer os sentimentos e motivações que sua consciência repudia. Nesse fenômeno central que Freud chama de repressão reside à razão da diferença de tempo entre o desenvolvimento da psiquiatria e do resto da medicina. As emoções e impulsos inaceitáveis que o homem exclui de sua consciência não deixam de existir e de influenciar o comportamento. Esse método procura encontrar explicações psicológicas para as perturbações mentais. (CORRÊA, 1999, p. 51)
Assim, o método psicológico explica que o transtorno mental reside nas
interações do indivíduo consigo mesmo, ou melhor, são manifestações do
inconsciente e comportamentos retraídos, resultado de sentimentos confusos e
interiores (CORRÊA, 1999).
Desse modo, a loucura vai se fortalecendo em meio aos homens
“normais” exigindo novos olhares, afastando a ideia de castigo e destacando-se
como doença, necessitando cada vez mais de local apropriado para seu estudo e
tratamento.
Nesse contexto de dores, castigos e experiências mal sucedidas, surge a
figura do médico Philippe Pinel (século XVIII), que imprime para a loucura o status
de doença mental capaz de ser tratada e curada, o qual explica que “o louco não é
essencialmente diverso do homem sadio, pois qualquer um pode ser indiferente à
razão ou ao bom senso, sendo uma possibilidade humana, de qualquer ser racional”
(GABBAY e VILHENA, 2010).
Dito de outro modo, a loucura – para esse autor – é uma condição que
todos os seres humanos estão sujeitos a sofrer e, independente da raça, cor, religião
e condição social, pode acontecer em qualquer época ou em qualquer lugar.
Nesse ponto histórico da loucura como doença mental, tem-se a ideia de
isolar e tratar os loucos em instituições asilares a partir da classificação e
sistematização da loucura. É o que veremos no próximo tópico, sobre o nascimento
21
dos locais destinados às pessoas com transtornos mentais, novo método que
continuava a excluir e maltratar as pessoas com transtornos mentais ou, como
queiram, os loucos.
2.2 Um breve comentário do local para loucos
É a partir do século XVII que se tem o conhecimento dos primeiros
estabelecimentos destinado aos loucos. Esses locais surgem como resposta do
poder público em resolver o problema das desordens e do caos social que se
estabelecia nas cidades (MILLANI e VALENTE, 2008).
Em 1656, em Paris, um Hospital Geral foi erguido para receber doentes,
mendigos, vândalos, arruaceiros, infratores e os loucos, todos considerados pela
sociedade como perturbadores da ordem social. Misturados e entregues à própria
sorte, eram símbolo da exclusão e violação aos direitos do homem (MILLANI e
VALENTE, 2008).
Conforme publicação na revista eletrônica “Saúde mental, álcool e
drogas”, de 2008,
Essas instituições (as casas de internação) foram criadas com a pretensão de se implantar a prática da correção e do controle sobre ociosos, no intuito de proteger a sociedade de possíveis revoltas, no entanto, essa prática estava também comprometida com a punição dos internos, a fim de manter o equilíbrio e evitar a tensão social. Nessas instituições também vêm se misturar muitas vezes não sem conflitos, os velhos privilégios da igreja na assistência aos pobres e nos ritos da hospitalidade, seguidos da preocupação burguesa de por em ordem o mundo da miséria, do desejo de ajudar e a necessidade de reprimir, do desejo da caridade e a vontade de punir, de toda uma prática equivocada, cujo sentido é necessário isolar, sentido simbolizado por esses leprosários vazios e reativos com a loucura, mas contidos por obscuros poderes. (MILLANI e VALENTE, 2008)
Desse modo, a criação dos estabelecimentos destinados aos loucos
significou mais uma prática de continuidade de higienização das cidades empregada
anteriormente aos leprosos e aos portadores de doenças venéreas do que uma
preocupação com o louco e seus sofrimentos psíquicos. A loucura torna-se apenas
22
mais um alvo a ser combatido do meio social embasado em questões “políticas,
sociais, religiosas, econômicas e morais” (MILLANI e VALENTE, 2008).
Com o passar das décadas, os loucos tornaram-se novamente alvo da
sociedade, desta vez em favor de local reservado apenas para loucos. Sem a
pretensão de aliviar seus sofrimentos, a sociedade exigia a separação dos
mendigos, prostitutas, vândalos e outros sujeitos, conforme nos relatam Millani e
Valente (2008), em artigo publicado na revista eletrônica “Saúde mental, álcool e
drogas, o caminho da loucura e a transformação da assistência aos portadores de
sofrimento mental”.
Tais manifestações se deram porque a sociedade acreditava que os
loucos representavam “humilhação” para os internos e estes não mereceriam tal
injustiça (MILLANI E VALENTE, 2008).
De igual modo, no Brasil, conforme Corrêa (1999), os estabelecimentos
para loucos surgiram pelas exigências da sociedade em trancafiar e isolar aqueles
que perturbavam o sossego das cidades. Em 1837, já era grande o número de
solicitações para a implantação de local destinado aos loucos.
De acordo com Corrêa (1999), nessas solicitações,
Destaca-se o caráter preventivo no sentido de proteção social nitidamente presente nas mais antigas ações em relação ao presumido doente mental. A proteção social, nesse caso, era preservar a vida e a segurança dos indivíduos e a integridade de seus bens, ameaçados pelo furor e pelo desatino dos doentes mentais. (CORRÊA, 1999 p.66)
Dito de outro modo, os loucos estavam sendo protegidos deles mesmos,
importava apenas a tranquilidade e a paz das cidades, embora o cerceamento da
liberdade fosse seu único recurso. Nesse período, o estabelecimento exclusivo para
loucos significava conquistas e avanços na base histórica da assistência psiquiátrica
no Brasil.
Em 1852, foi inaugurado o primeiro hospital psiquiátrico do Brasil
exclusivo para o tratamento dos loucos. Situado no Rio de Janeiro, abriu suas portas
com 144 internos. Passando-se décadas de seu funcionamento, o Hospício D. Pedro
II, como foi batizado, já começava a demostrar seus primeiros traços de abandono e
desrespeito aos loucos internados (CORRÊA, 1999).
23
De acordo com o mesmo autor, os primeiros cuidados com a pessoa com
transtorno mental no Brasil registram-se a partir da criação de uma enfermaria em
hospital clínico exclusivo para pessoas com transtornos mentais.
Em 1860, iniciaram-se os atendimentos médicos, valendo destacar que a
essa época as casas destinadas aos loucos (pessoas com transtorno mental) já
viviam superlotados, aguardando a cada ano novas soluções dos governantes da
época. (CORRÊA, 1999).
Até o ano de 1877, novos estabelecimentos já haviam sido construídos,
outros reformados, porém as deficiências e a superlotação tornavam inviável a
permanência de alguns loucos (pessoas com transtorno mental) nesses locais.
No Hospício da Visitação de Santa Isabel, ouvia-se o clamor das
deficiências da administração pública, um verdadeiro horror marcado pela
superlotação e deficiências dos elementos mais vitais à sobrevivência humana, ao
ponto de se constatar mortes de metade dos internos (CORRÊA, 1999). Esse
histórico de precárias condições de tratamento oferecido aos loucos revela, segundo
mesmo o autor, a saga de exclusão social que perpassa os séculos, desde os
primórdios, quando os nossos antepassados trancafiavam e tratavam de forma
inadequada os loucos das cidades.
No final do século XVIII, inúmeras críticas foram levantadas, revelando as
recorrentes violações dos direitos do homem e da mulher, iniciando um movimento
de mudança dos velhos moldes de tratamento da loucura, o então chamado
movimento de reforma psiquiátrica.
Essa reforma trouxe para o doente mental um novo olhar por parte da
sociedade em compreender que o louco não necessariamente deveria estar isolado,
enclausurado, sofrendo todas as humilhações de uma vida encarcerada, poderia ser
sim, tratado e cuidado no âmbito familiar e comunitário.
Em 1978, no Brasil, surgiram as primeiras formas de lutas pelos direitos
da pessoa com transtorno mental. Profissionais da saúde, grupos familiares e
pacientes psiquiátricos travaram inúmeros movimentos, denunciando as antigas
formas de maus tratos e descaso pelo poder público aos internos dos grandes
hospitais e asilos. Esse período foi marcado pela ânsia de reforma do modelo
assistencial psiquiátrico longe dos velhos moldes hospitalocêntricos. (Brasília,
24
novembro de 2005. Conferência Regional de Reforma dos Serviços de Saúde
Mental: 15 anos depois de Caracas).
É sabido que a loucura avançou na história, definindo-se por novos
conceitos, representada por novas normas, novos métodos e novas práticas. Por
meio da classificação de transtornos mentais e de comportamento pela CID 10
(classificação internacional das doenças), hoje já é possível tratar a loucura e/ou
curá-la por meio das novas descobertas da medicina, faz-se necessário então
conhecer algumas das principais doenças mentais para melhor entendimento desta
pesquisa. É o que abordaremos no próximo tópico.
2.3 Direitos fundamentais previstos na Constituição Federal
Registra-se na história dos direitos do homem variados movimentos de
luta em favor da inclusão das liberdades democráticas, do direito de ser ou estar e
do poder de decisão sobre sua vida. A conquista dos direitos individuais, coletivos e
sociais, dentre outros, foi resultado de muitas lutas, greves, mortes e prisões.
Conforme Araújo (1999) apud Dias (1977),
Pode-se dizer, sem receio de desmentido, que de 1903 a 1930 não houve sindicato que tivesse vida regular e livre de intervenções policiais. As greves declaradas – e houve muito nesse atormentado período – se foi bem organizadas e conseguiram as diversas corporações proletárias sair vencedoras, deve-se isso à tática dos lideres de então e ao trabalho subterrâneo e gigantesco de um grupo de abnegados e temerários operários conscientes. Os cárceres policiais sempre estiveram cheios de trabalhadores, passando por terríveis padecimentos, martirizados sem qualquer espirito de respeito pelo o ser humano expulsos do país ou então mandados para lugares onde a morte os esperava irremissivelmente, deixando a família ao desamparo. [...] Hoje, o trabalhador tem leis que lhe garantem uma porção de direitos. E disso podemos orgulhar-nos sem duvida. Mas tais direitos, para serem reconhecidos, custaram muito sangue, muita lagrima e muito sofrimento (p. 20).
Nota-se, a partir do trecho acima, que os sujeitos são protagonistas
diretos dos direitos e garantias fundamentais descritos na carta magna de 1988.
Portanto, a violação dos mesmos está para além de apenas uma violação
25
constitucional, mas sim um claro desrespeito às lutas e movimentos travados ao
longo dos séculos.
Os direitos e garantias fundamentais devem ter a proteção e ser
obrigação continua do poder público conforme o que descreve Pinho (2011):
Direitos fundamentais são os considerados indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecer direitos formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia a dia dos cidadãos e de seus agentes (p.96).
Diante disso, é direito também da pessoa com transtorno mental requerer
junto ao estado o cumprimento de todos os direitos a ele devidos independente da
sua condição mental por ser um sujeito de direitos, conforme artigo 5º da CF/88.
Com efeito, ao analisarmos o princípio da igualdade, verificamos que este
resguarda esse direito quando obriga o tratamento igual para os iguais e tratamento
diferente para os diferentes, não no sentido de aflorar a desigualdade entre homens
ou inferiorizar sujeitos, mas no sentido de respeitar as diferenças e limitações de
cada um (LENZA, 2011).
O artigo 5º da CF/88 descreve que todos são iguais perante a lei,
garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros o pleno usufruto desses direitos
conquistados, independente da raça, cor, religião, condição social, etc.
Por esse mesmo artigo, são garantidos o direito à vida, à liberdade, à
igualdade, à segurança e à propriedade nos termos dessa lei, bem como à
observância dos tratados internacionais que o país integra (LENZA, 2011).
Seguindo essa análise, estão contemplados no título II da CF/88 os
direitos e garantias fundamentais dos sujeitos cidadãos, estando dispostos no
capítulo I os direitos e deveres individuais e coletivos, no capítulo II os direitos
sociais, no capítulo III os direitos de nacionalidade, no capítulo IV os direitos políticos
e no capítulo V os direitos dos partidos políticos. Consideramos relevante para esta
pesquisa apenas o disposto no artigo 5º da CF/88, já enfatizado acima.
Nesse sentido, os direitos e garantias fundamentais não podem ser
violados em hipótese alguma, pois possuem caráter histórico conforme as
26
necessidades humanas, tendo característica de universalidade e não permitindo a
discriminação e o preconceito (LENZA, 2011).
Dado o objetivo principal desse trabalho, é oportuno tecermos um breve
comentário ao que prevê o artigo 5º da CF/88 como direito e garantias fundamentais.
No que tange ao direito à vida, previsto no art. 5º, José Afonso da Silva
explica que
O direito à vida deve ser compreendido de forma extremamente abrangente, incluindo o direito de nascer, de permanecer vivo, de defender a própria vida, enfim, de não ter o processo vital interrompido senão pela morte espontânea e inevitável. (SILVA apud PINHO, 2011, p.80)
Assim, o direito à vida comporta todos os meios possíveis para a
manutenção de uma vida digna, proibindo-se a inviolabilidade de direitos que
prejudique o sujeito em qualquer uma das fases de sua vida. O direito à vida,
segundo o autor, é o principal direito individual, dependendo dele todos os outros.
Já o direito à liberdade comporta a decisão de fazer ou não fazer
determinada ação, o que não se confunde com a liberdade de agir conforme o que
bem entender, esta liberdade de que trata o artigo 5º depende primordialmente do
respeito ao direito do outro. Pinho (2011) esclarece esse ponto dizendo que
Para que uma pessoa seja livre é indispensável que os demais respeitem a sua liberdade. Em termos jurídicos, é o direito de fazer ou não fazer alguma coisa, senão em virtude da lei. Um indivíduo é livre para fazer tudo o que a lei não proíbe. Considerando o princípio da legalidade (art. 5º, II), apenas as leis podem limitar a liberdade individual. (p. 114)
Para esse autor, portanto, o direito à liberdade limita-se ao direito do
outro, devendo obedecer aos dispostos das leis em vigor. O livre arbítrio é direito de
todos, bem como as consequências dos atos.
No que confere ao direito da igualdade, esta baseia-se no tratamento
igual dos sujeitos, de modo a garantir o acesso aos direitos de forma satisfatória,
atendendo às suas necessidades, independente das particularidades de cada um.
27
A preocupação principal em legislar sobre esse assunto, segundo Pinho
(2011), é justamente o não fortalecimento da desigualdade em nosso país. O direito
de igualdade é afirmado através dos outros direitos, a fim de fortalecer o processo
da igualdade entre homens e mulheres, a exemplo dos direitos sociais que “veda a
diferença de salários, de exercício de funções ou de critérios de admissão por
motivos de sexo, idade, cor, estado civil ou deficiência física” (CF/88 art. 7º, XXX e
XXXI).
A igualdade torna-se base de boa convivência entre sujeitos, todos com
direitos e obrigações responsáveis por seus atos e submetidos à força da lei. Ainda
de acordo com o mesmo autor, é necessário que as leis tratem os diferentes de
forma diferentes e os iguais de forma igual.
Em se tratando da segurança, esta se refere ao dever que o estado tem
em proteger os direitos e garantias fundamentais dos sujeitos cidadãos. Conforme
Pinho (2011), não basta que o direito esteja garantido em lei, é necessário que o
Estado se disponha a protegê-lo. Nas palavras precisas desse autor,
Segurança é a tranquilidade do exercício dos direitos fundamentais. Não basta ao Estado criar e reconhecer direitos ao indivíduo; tem o dever de zelar por eles, assegurando a todos o exercício, com a devida tranquilidade, do direito a vida, integridade física, liberdade, propriedade etc. (PINHO, 2011, p. 131)
Desse modo, o papel do Estado é contundente na garantia desse direito,
se traduz na garantia que o sujeito tem pelo Estado, de uma vida digna, da
inviolabilidade da intimidade e da vida privada, honra, imagem, comunicações
pessoais, dos direitos jurídicos, dentre tantos outros direitos.
E, finalmente, o direito à propriedade, que naturalmente se alinha aos
outros princípios constitucionais do direito e garantias fundamentais, consiste,
conforme Pinho (2011), no direito que o sujeito tem de “utilizar a coisa de acordo
com a sua vontade, com a exclusão de terceiros, de colher os frutos da coisa e de
explorá-la economicamente e no direito de vender ou doar a coisa” (p. 151).
Dito de outro modo, é o direito que o indivíduo tem de escolher o melhor
destino de sua propriedade observando a conveniência social. O mesmo autor
descreve que o direito de propriedade se beneficia de duas garantias fundamentais
28
resguardadas pela lei. Primeiro, o direito de não privação de seus bens, salvo o
previsto na CF/88 e segundo, se privado, tem o direito de indenização equivalente à
perda.
Em síntese, o direito e as garantias fundamentais são uma forma de evitar
que o Estado atue de forma vertical e autoritária, preservando o direito de cada
sujeito individualmente, levando sempre em consideração suas particularidades
(PINHO, 2011).
O direito e garantias fundamentais atrelam-se a outros direitos previstos
na CF/88, como por exemplo o direito penal da pessoa com transtorno mental. Esse
direito perpassa por todos os princípios, como o direito à vida digna, à liberdade de ir
e vir, à igualdade de tratamento, à segurança nos termos da lei e à inviolabilidade da
propriedade, assunto que será discutido no próximo tópico. Para começarmos essa
discussão, apresentamos os conceitos de crime, imputabilidade e inimputabilidade,
para melhor entendimento desse estudo.
2.4 Uma breve definição de crime, imputabilidade e inimputabilidade
Antes de tercemos considerações sobre o direito da pessoa com
transtorno mental ao cometer ato qualificado como crime, optamos por iniciar com
uma reflexão sobre as definições de crime, imputabilidade e inimputabilidade, para
melhor compreensão dessa pesquisa.
Greco (2010) nos revela que não há uma definição precisa descrita pelo o
código penal para o termo crime, no entanto, esse autor explicita que o crime é todo
ato que traz prejuízos para a sociedade ou compromete acordos coletivamente
elegidos para determinadas ações ou situações. Trata-se de uma clara violação da
ordem preestabelecidas por um grupo social.
Para esse mesmo autor, “se há uma lei penal editada pelo Estado,
proibindo determinada conduta, e o agente a viola, se ausente qualquer causa da
exclusão da ilicitude ou dirimente da culpabilidade, haverá crime”. Em outras
palavras, crime é tudo que viola ou pode comprometer o bem estar, a tranquilidade e
o curso da vida em sociedade (GRECO, 2010).
29
O termo de imputabilidade é definido pelo Código Penal de 1940 como
responsabilidade que o sujeito tem pela conduta ou pela prática de um fato que
esteja tipificado como infração penal, ou melhor,
A imputabilidade é constituída por dois elementos: um intelectual (capacidade de entender o caráter ilícito do fato), outro volitivo (capacidade de determinar-se de acordo com esse entendimento). O primeiro é a capacidade (genérica) de compreender as proibições ou determinações jurídicas. O segundo, a capacidade de dirigir a conduta de acordo com o entendimento ético-jurídico. (GRECO apud BRODT, 2010, p.33).
Nesse sentido, trata-se da capacidade de o sujeito entender e
autodeterminar-se frente ao ato cometido, tendo consciência das penalidades
coletivamente acordadas no contrato social entre homens. Sendo “imputabilidade a
regra; a inimputabilidade, a exceção” (GRECO, 2010).
Corrêa (1999) trata a imputabilidade “como conjunto de requisitos
pessoais que conferem ao indivíduo capacidade para juridicamente lhe ser atribuído
fato delituoso (...)”. O que esse autor tenta dizer é que o sujeito tem o livre arbítrio
para escolher a prática da ilicitude ou não, conhecendo antes do fato praticado todas
as consequências que poderão lhe incorrer.
Já a inimputabilidade suspende a culpa do agente, entendendo a
limitação mental de compreender a gravidade do ato praticado. Para esse assunto
cabe uma ressalva dita por Corrêa (1999): “o delito é ofensa à sociedade e a pena,
consequentemente, atua em função dos seus interesses”. Desse modo, o crime
praticado por pessoa com transtorno mental, apesar de causar dano à sociedade
não confere pena ao agente do fato, no sentido de culpabilidade do dano causado.
Em outras palavras, a inimputabilidade é causa de exclusão de
culpabilidade do agente que cometeu algum fato ilícito por não ser capaz de
entender e de agir com o discernimento de sua conduta. Mesmo que o fato seja
típico e antijurídico, não ocorre à imposição de pena, apenas o tratamento da
doença do agente pela conduta, afastando sua culpa (GRECO, 2010).
Assim, a inimputabilidade penal absorve o sujeito da culpa aplicando-se a
medida de segurança como processo legal, direcionando-o para Manicômios
Judiciários de característica prisional e hospitalar. É, portanto, a consequência da
30
inimputabilidade de acordo com o código penal, a adoção da medida de segurança,
direcionando o agente para instituições judiciárias de características hospitalares.
Vale frisar que é direito da pessoa com transtorno mental
independentemente do ato praticado ser tratado e/ou recuperado e reinserido na
sociedade, tema que será abordado no próximo tópico.
2.5 Justiça penal para o portador de sofrimento mental: um direito a ser respeitado
A evolução dos direitos da pessoa com transtorno mental ao longo da
história culminou com a aprovação da Lei de proteção das pessoas com algum
transtorno mental, Lei 10.216/2001. Marcada por movimentos de trabalhadores,
pacientes psiquiátricos e organizações familiares, essa conquista aguardou longos
doze anos para ser aprovada.
A ideia de proteção dos direitos dos pacientes psiquiátricos surgiu no final
da década de 1970 na Itália, encabeçados por movimentos de grupos de
profissionais trabalhadores da área da saúde, grupos de famílias e pacientes
psiquiátricos em busca de um novo modelo de tratamento e respeito integral aos
direitos humanos.
A década de 80 provocou o despertar da população para a luta por direitos humanos no Brasil, sobretudo por causa do período do regime militar, que restringiu e violou uma serie de direitos fundamentais, bem como pelo o forte descaso sofrido pela maior parte da população, que, sem acesso aos direitos sociais, teve que conviver com a precariedade das poucas políticas públicas realizadas à época, como era o caso do direito á saúde. (CORRÊIA, 2013, p. 257)
Assim sendo, o conjunto de restrição dos direitos fundamentais do
homem, a saúde garantida de forma precária e as longas internações, fortalecendo a
lógica de mercado, corroborou para que a Lei 10.216/2001 se tornasse um clamor
da sociedade em prol de um tratamento digno e de base comunitária (CORRÊIA,
2013).
31
É importante ressaltar que, durante esses longos doze anos, a política de
saúde mental travou luta em busca de tratamento humano, digno e exequível,
conquistando pela primeira vez na história, em 1987, a I Conferencia Nacional de
Saúde Mental no Rio de Janeiro, um espaço de discussão dos direitos de tratamento
digno da pessoa com transtorno mental (Brasília, novembro de 2005. Conferência
Regional de Reforma dos Serviços de Saúde Mental: 15 anos depois de Caracas).
Fruto dessa luta, após doze anos de tramitação no Congresso Nacional, nasce a Lei nº 10.216/2001, intitulada Lei da Reforma Psiquiátrica, que além de regulamentar os direitos das pessoas com sofrimento mental e garantir a extinção progressiva dos manicômios, é considerada como marco legal de um processo social e político que reorientou a atenção á saúde mental no país, reafirmando a cidadania das pessoas em sofrimento mental. (CORRÊIA, 2013, p. 258)
Desse modo, a Lei 10.216/2001 trouxe avanços no que se refere à
proteção da pessoa com transtorno mental e a posicionamentos frente ao
tratamento, considerando de maior relevância o tratamento de base comunitária e no
convívio de familiares e sociedade, afastando a noção de exclusão social e
preconceito. Traz ainda a garantia do melhor tratamento de acordo com as
necessidades da pessoa com transtorno mental, tratamento humano e digno e plena
proteção ao abuso ou exploração de qualquer natureza.
No que se refere à pessoa com transtorno mental, autor de ato
classificado como crime, a Lei 10.216/2001 não contempla de forma explícita os
direcionamentos que devem ser empregados, no entanto prevê tratamento digno e
humanizado.
Destarte, o direito penal de 1940 discute o assunto e prevê a medida de
segurança como alternativa de um direito a ser garantido, levando em consideração
a particularidade mental do indivíduo.
Com efeito, o termo Medida de Segurança visa a proteger a pessoa com
transtorno mental das penalidades da lei. Esta é uma ação de cunho preventivo, tem
como objetivo a garantia do tratamento de saúde adequado, e não se confunde com
penalização em nenhum aspecto, embora tenha teor de prevenir possível crime
futuro, visto que a permanência do indivíduo em manicômios judiciários cumprindo
medida de segurança depende da presunção de periculosidade, ou seja, do grau de
32
capacidade do sujeito vir a cometer ato classificado como crime novamente
(COSTA, 2004).
A medida de segurança se configura como determinação de direito até
que cesse a periculosidade que a originou. A periculosidade, por sua vez, sugere o
perigo iminente do sujeito, reincidência da ação, ou simplesmente perigo subjetivo
disposto nos campos jurídicos do direito penal.
Devemos ressaltar que pena e medida de segurança não se confundem.
Com a finalidade de reprovar e prevenir práticas delituosas comprovadas pelo o
artigo 59 do Código Penal, o significado de Pena se difere da Medida de Segurança,
não se confundido com castigo ou punição. Esta foi criada com a finalidade de
oferecer ao paciente psiquiátrico que comete crime assistência médica reabilitadora
(GRECO, 2010).
Ao inimputável que pratica um injusto penal o Estado reservou a medida de segurança, cuja finalidade será levar a efeito o seu tratamento. Não podemos afastar da medida de segurança, além da sua finalidade curativa, aquela de natureza preventiva especial, pois, tratando o doente, o Estado espera que este não volte a praticar qualquer fato típico ilícito. (GRECO, 2010, p.641)
Desse modo, a pessoa com transtorno mental que cometeu crime e foi
submetido à Medida de Segurança poderá ser internado em Manicômio Judiciário
com caráter de custodia e hospitalar (internação) ou ir para tratamento ambulatorial.
Vale acrescentarmos que o prazo da medida de segurança, segundo
Greco (2010), não tem tempo certo de duração, “terá duração enquanto não for
constatada, por meio de pericia médica, a chamada cessação de periculosidade do
agente, podendo, não raras vezes, ser mantida até o falecimento do paciente”. Ou
melhor, o sujeito é mantido com privação de liberdade por tempo indeterminado com
vistas à prisão perpétua, aguardando a vontade do Estado em conceder seus
direitos de tratamento adequado e no seio familiar (GRECO, 2010).
Diante de tudo já dito anteriormente, a pessoa com transtorno mental
deverá ser isento de pena e adotada medida de segurança, devendo esta medida
também respeitar os princípios do direito e garantias fundamentais previstos no
artigo 5º da CF/88, afastando o fortalecimento da exclusão social, a quebra de
33
vínculos familiares, enaltecendo assim, o valor da vida, da liberdade e da igualdade
de direitos.
Outra consideração importante deve ser feita: para que a pessoa com
transtorno mental tenha o benefício da medida de segurança, é preciso mais que
uma anomalia mental, de acordo com Alves (1998). Para ser decretada a
inimputabilidade é necessária comprovação de manifestação de transtorno mental
no ato da ação delituosa, incapacidade de entendimento das consequências da ação
e o grau de vontade do agente (ALVES, 1998).
Portanto, mais do que a mera presença de um fator de anomalia mental, o que importa, em verdade, perante a devida interpretação do sistema ou do texto do art. 26 do CP é a falta ou desvio de inteligência ou de vontade do agente como resultante da doença mental ou do desenvolvimento mental incompleto ou retardado. (ALVES, 1998, p. 16)
Confere-se, então, que a pessoa com transtorno mental que não
obedecer a tais exigências do artigo 26º terá como consequência a imputabilidade,
vindo a sofrer as sanções penais correspondentes ao delito praticado (ALVES,
1998).
Conhecida a inimputabilidade, apoiada pelo o Código de Processo Penal
em seu artigo 386 inciso IV, a pessoa com transtorno mental tem sua absolvição
decretada por magistrado competente, aplicando-se a Medida de Segurança
baseada no artigo 99 do Código Penal vigente, o qual trata da imposição de medida
de internação ou tratamento ambulatorial.
O que cabe a nós refletir é a garantia desse direito de modo plausível,
destacando o recolhimento da pessoa com transtorno mental em estabelecimento
adequado com características hospitalares e de melhor tratamento, a fim de não
livrar a sociedade de uma suposta periculosidade, mas garantir tratamento e o
retorno desse sujeito ao convívio social.
O artigo 3º do Código de Execução Penal assegura todos os direitos e
garantias fundamentais, ainda que não alcançados pela sentença, independente do
sujeito da ação, no recorte aqui citado, ao portador de sofrimento mental.
Nesse sentido, vale salientar que as regras do direito devem primar por
condições necessárias à defesa da sociedade, excluído o descaso do poder público,
34
devendo oferecer a devida assistência a seus membros. Desse modo, é oportuno
conhecermos como na prática essa medida foi se consolidando ao longo dos anos.
35
3. O SEGUNDO LADO DA MOEDA
3.1 A lei e a realidade
A loucura teve suas primeiras formas de aprisionamento baseadas no
cerceamento da liberdade, em prol de uma paz camuflada pela discriminação e
preconceito. O confinamento de pessoas ditas como loucas criminosas surgiu do
clamor da sociedade em manter-se longe da suposta periculosidade de loucos
infratores (CORRÊA, 1999).
Acreditava-se que os loucos eram um constante perigo para a sociedade
e que deveriam ser isolados para garantir a ordem pública. Desse modo, surgiu a
ideia da criação de instituições que pudessem abrigar loucos criminosos. Conforme
Correa (1999), essa proteção social só poderia ser concedida por meio de leis que
garantissem o isolamento e consequentemente o suposto tratamento para os loucos.
Nas precisas palavras desse autor,
Só a lei pode conceder e autorizar o isolamento levando em consideração não só o interesse da ordem pública, capaz de ser perturbada por alienados irresponsáveis, mas ainda, o beneficio para os insanos, decorrentes de um tratamento regular da enfermidade que os aflige. A colocação dos loucos nas prisões pelas as autoridades públicas enquadra-se perfeitamente com a situação e realidade da época: o mais importante era a ordem pública. [...]. Até hoje é usado tal expediente, mas atualmente eles são encarados nos hospitais psiquiátricos para tratamento visando à velha ordem pública. (CORREA, 1999, p.66)
Com efeito, e respondendo às solicitações da sociedade, o primeiro
manicômio judiciário brasileiro surgiu em meados do século XX, pelo decreto 1.431,
de 25 de maio de 1921, e desse período em diante outros manicômios foram
erguidos, muitos deles com precárias condições de funcionamento.
Essas instituições têm o dever de oferecer tratamento diferenciado aos
sujeitos loucos, no entanto, e não raramente, escutamos relatos de pessoas com
36
transtornos mentais presas por cometerem crimes, submetidos à “prisão” quando na
verdade deveriam estar em tratamentos psiquiátricos (CORRÊA, 1999).
É relevante destacar que os manicômios judiciários recebem pessoas
consideradas inimputáveis: no entanto, elas são tratadas como presas criminosas
(CARRARA, 2010).
Carrara (2010) aponta em um estudo para a revista Brasileira de
Desenvolvimento Humano que os internos em tratamento se consideravam presos
pela justiça. Salienta que
Os internos se viam então colocados frente a uma estranha encruzilhada: inocentes, mas tutelados e sem direitos de um lado; culpados, mas sujeitos de certos direitos e deveres de outro. Um período de interdição menos, mas que podia se estender por toda a vida, de um lado, um período de interdição legal, mas com saída incerta, de outro. (CARRARA, 2010, p.18)
O que Carrara (2010) tenta nos dizer é que os loucos não têm sequer o
direito de cumprir sua pena, ou melhor, ser responsabilizado por seus atos,
responder por eles e voltar a viver em liberdade, mesmo que em tratamento. Na
maioria das vezes, são penalizados por uma periculosidade incerta, que vive apenas
na mente dos sãos.
Nesse contexto, os resultados de uma pesquisa monográfica no ano de
1999, realizada por Fernanda Otoni de Barros no Manicômio Judiciário Jorge Vaz,
no estado de Minas Gerais, concluiu que a violação de direitos das pessoas
enviadas aos manicômios judiciários para cumprir medida de segurança
configurava-se um escândalo para o processo punitivo brasileiro. Ela nos informa
que
Além de todas as mazelas identificadas quanto á estrutura física, ás precárias condições de tratamento, á ausência de medicação etc., ainda era possível agregar a esses horrores todos os outros que se apresentavam invariavelmente como consequência da superlotação institucional. O único manicômio judiciário mineiro, o Manicômio judiciário Jorge Vaz, àquela época, havia fechado suas portas para a entrada de novos pacientes judiciários. (BARROS, 2010, p. 21)
37
Esse cenário que a autora revela é uma clara violação dos direitos da
pessoa humana, um verdadeiro conflito entre direito à saúde e direito à justiça.
Quatorze anos se passaram e a notícia se repete. Notícia veiculada no Jornal online
globo.com, em fevereiro de 2013, relata cenas de torturas em espaços que deveriam
dar assistência às pessoas com transtornos mentais encaminhados pela justiça
judiciária.
Nessa matéria, o subcomitê da ONU concluiu “altas doses de
medicamentos psicotrópicos ministrados a 95% dos pacientes” (BARROS, 2010).
Além disso, os pacientes seguiam normas de condutas saltando aos olhos o poder
silencioso sobre esses sujeitos. No que se refere à equipe profissional, o subcomitê
constatou profissionais estressados, mal remunerados, desmotivados e submissos
aos agentes penitenciários, o que comprometia a qualidade dos serviços prestados.
Vale acrescentar que São Paulo, um dos maiores estados do Brasil,
abriga hoje três Manicômios Judiciários. Segundo relatos do glogo.com/2013, todos
estão com suas capacidades acima do normal, contando com pouco mais de 900
pessoas encaminhadas pela justiça e aguardando vagas.
As cenas de torturas e administração de altas doses de medicamentos
comentadas nessa reportagem não são relatos antigos, mas fatos da realidade.
Relatos indicam, portanto, que a realidade é dura para as pessoas com transtorno
mental que cometem crime, ou seja, um claro desrespeito aos direitos e garantias
fundamentais. Segundo Vinícius Sassine (2013), por exemplo, existe uma média de
4mil pessoas nessa situação.
Nesse contexto, a espera por um laudo pericial pode levar dias e até
meses. É o que se confere em publicação de Vinícius Sassine: tortura e abandono
em hospitais de custódia pelo o Brasil.
Um censo sobre manicômios, concluído no fim do ano passado pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero (Anis) e financiado pelo Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, revelou que 21 % das pessoas estão internadas há um tempo superior ao de uma eventual pena máxima pela infração cometida. Os hospitais de custodia contradizem a Lei Antimanicomial, que prevê há 12 anos internações mínimas para loucos infratores. (SASSINE, 2013, p. 2).
38
Essa situação revela o descaso pelas legislações existentes de proteção
à pessoa com transtorno mental, bem como ao artigo 5º da CF/88, que prevê a
liberdade como direito e garantia fundamental da vida. Desse modo, a entrada das
pessoas com transtorno mental nessas instituições ironicamente é algo difícil, e sua
saída é quase um milagre.
Diante disso, estamos certos de que a discursão sobre os manicômios
judiciários é ampla e requer rigoroso estudo. No entanto, o que queremos ressaltar é
o modelo arcaico de tratamento aos loucos criminosos, nos quais, permanecem
encarcerados e esquecidos, com vistas à prisão perpétua e com seus direitos sendo
violados diariamente.
Com efeito, por meio de uma ideia de presunção de periculosidade,
indivíduos com transtorno mental se veem em instituições judiciárias cerceados de
seus direitos, pagando preços altíssimos por condutas ditas criminosas. Na maioria
dos casos sem entender a diferença entre o ato de caráter lícito e não lícito,
reservando-se ao louco infrator “apenas o silêncio, o isolamento, o massacre
cotidiano da sua condição subjetiva e o sequestro institucional dos direitos
fundamentais válidos para qualquer pessoa”, conforme Barros (2010).
Diante dessas discussões, teceremos breve comentário a respeito da
exclusão social que paira sobre a pessoa com transtorno mental ao longo da
história, com seus direitos negados e naturalmente aceitos pela sociedade.
3.2 Os incapazes na contra mão do direito garantido
Em fins do século XIX, o aumento da criminalidade se tornou um fato a
ser estudado com extrema urgência. Com a acelerada urbanização das cidades e o
advento da imprensa popular que insistentemente veiculava fatos criminosos
envolvendo os mentalmente loucos causando agitações populares, iniciou-se um
processo de cobrança das autoridades por soluções permanentes para o impasse
crime e loucura (CARRARA, 2010).
Essa necessidade de ajustamento social exigiu soluções adequadas para
crimes praticados pelos considerados loucos. Nesse caso, a garantia de uma ordem
39
pública era o único clamor que se podia ouvir da sociedade e em nada se confundia
com o respeito aos direitos humanos ou preocupação com o bem estar dos sujeitos
loucos.
Desde o início das internações para loucos, o que se vê na história é o
puro descaso e o isolamento violento com precárias situações de sobrevivência,
horror, desprezo e direitos violados, desde o nascimento dos tratamentos até os dias
atuais. Corrêa (1999) apud Cerqueira (1968) nos diz que
Hospícios, colônias, asilos, todos se mostravam insuficientes para garantir, digna e descente, abrigo e vestuário, fazendo surgir nestas instituições, diversos pavilhões de doentes: pavilhão dos moribundos, pavilhão dos sórdidos, pavilhão dos nus, geladeira, designativos dos recantos onde a norma era o leito chão (CORRÊA, 1999, p. 71).
Essa é uma realidade comum aos locais destinados aos loucos,
demostrando a precariedade do serviço oferecido a esses sujeitos, lançados a
própria sorte. Se de um lado tem-se o direito garantido de a sociedade viver livre dos
incômodos dos loucos, por outro temos a violação do direito à vida, à dignidade e à
igualdade desses sujeitos aprisionados.
Corrêa (1999) apud Minzoni (1975) comenta que a “assistência
psiquiátrica ao paciente deve focalizá-lo como cliente e não como internado”. Para
ele, o inverso desses termos provoca uma inferioridade do internado frente ao
médico, colocando para escanteio os direitos natos do sujeito cidadão.
Num claro exemplo de violação dos direitos, temos relatos das grandes
instituições de internamento relatadas por Goffman (2010), nas quais tiram do
internado todas as suas características de mundo social impondo-lhe regras, lhes
jogando ao chão da degradação e da humilhação, desapropriando-o do eu em seu
próprio eu. Constituindo-se um sujeito sem direitos.
Conforme Corrêa (1999), outro ponto a ser citado é a situação econômica
dos pacientes loucos, pois esta influencia bastante no tratamento e na garantia de
seus direitos de cidadão. De acordo com esse autor, conforme a situação
econômica, o sujeito não será submetido ao completo isolamento e à situação
precária, além disso, seu retorno à sociedade na maioria das vezes está livre do
preconceito e da discriminação.
40
Ocorre que ao mundo do horror, preconceito, discriminação e abandono,
sejam pelo poder público, sejam pelos próprios familiares, cabe àqueles que vivem à
margem da sociedade sem contribuição produtiva, amargam a triste
institucionalização perpétua. É como um grande labirinto nos quais os sujeitos vivem
em um constante tatear (CORRÊA, 1999).
Nesse sentido, o direito garantido no art. 5º inciso III da Constituição
Federal (1988) prevê exatamente o contrário do que está posto, “ninguém será
submetido à tortura nem tratamento desumano ou degradante”. Porém, o que
percebemos é um claro desrespeito aos direitos das pessoas com transtornos
mentais, um sequestro da liberdade sem precedentes, sem nada a dizer ou explicar.
Não há o direito de entender, taxado apenas como louco (CORRÊA, 1999).
Concordamos com Costa (2004) quando sugere que o louco, antes da
loucura, é um sujeito cidadão, e que “o tratamento psiquiátrico deve contribuir para o
crescimento emocional, e superação das dificuldades” mantendo as portas abertas
para seu pleno retorno à sociedade.
Com efeito, a violência tácita reduz essas pessoas ao seu eu inexistente,
sem vez e sem voz, impedidos do exercício de ir e vir, condenados à exclusão do
meio social, ora pelo preconceito, ora pela discriminação e/ou medo de uma suposta
periculosidade que vive na mente apenas dos sãos, em virtude do transtorno mental
que o acompanha, em outras palavras, um suposto perigo iminente para si e para os
outros (CORRÊA, 1999).
3.3 A exclusão: antes, agora e depois.
Como expulsar de vez esse fantasma da exclusão social que atormenta
nossas vidas diariamente? Como conviver no meio de pessoas, se essas pessoas
nos querem longe e em silêncio?
Conforme Maciel (2008), a exclusão social é um fenômeno compreendido
como o resultado de processos advindos do mundo exterior que se choca com
aspectos do eu, afirmada cotidianamente por meio de atitudes estranhas e
naturalizadas por indivíduos da sociedade em geral.
41
O mesmo autor explica que, se de um lado a sociedade que exclui
convive tranquilamente exercendo esse papel, do outro a pessoa com transtorno
mental, obriga-se a aceitar para si o status de diferente como normal, consolidando
cada vez mais a exclusão silenciosa e natural.
Nesse contexto, e no que concerne à loucura, essa naturalização da
exclusão social surgiu da ideia da compreensão que o louco seria incapaz de
administrar sua vida e, sendo perigoso para a vida coletiva, deveria estar longe do
convívio das pessoas, isolado “da família e da sociedade em instituição
especializada, argumentando-se que o isolamento era necessário para sua proteção
e da sociedade” (MACIEL, 2012).
Conforme ressaltamos anteriormente, e para compreendermos o início
dessa exclusão social, é necessário retroceder aos tempos em que os ditos loucos
eram excluídos do convívio social, sendo importante lembrar-se que o cerceamento
da liberdade partiu da necessidade de a sociedade ver-se livre do incômodo que
perturbava a ordem pública.
Nas palavras de Corrêa (1999),
A violência, a agressividade, “a classe desgraçada dos loucos, embuçados com grotescos andrajos”, ridicularizada pelos circunstantes, constituíram escândalos intoleráveis pela cidade naquela época, justificando seu encarceramento para garantir a ordem. (CORRÊA, 1999, p.66).
Desse modo, durante muito tempo, os loucos se viram acorrentados,
presos e abandonados por todos, misturados a mendigos, vândalos e arruaceiros,
sofrendo toda espécie de humilhação e violação dos direitos do homem. Apenas no
século XVIII houve a ideia de que esse quadro poderia mudar com a separação dos
excluídos e classificação dos tipos de doença mental (GABBAY E VILHENA, 2010).
Para tanto, a sistematização e classificação dos loucos não afastou de
vez o sentimento de exclusão social. Como exemplo, em meados do século XIX, no
Brasil, a loucura passou a conviver com os princípios religiosos, aliada ao governo,
aos ensinamentos espirituais e mais uma vez se aprisionava e enclausurava o louco
e sua loucura em celas e prisões como forma de eliminar a perturbação social.
42
Nessas instituições, a loucura era objeto de suporte espiritual e de correção moral. O que prevalecia, no entanto, eram os maus tratos, a repressão física e a falta de condições de higiene, o que condenava a maioria dos loucos à morte. (VECHI, 2004, p. 2)
Como podemos perceber, o fantasma da exclusão social persegue
historicamente o louco e sua loucura insistentemente como uma aliada da ordem
natural das coisas.
Em fins do século XIX e início do século XX, os estudos científicos
trouxeram para a loucura novos modelos de tratamentos baseados em diagnósticos
clínicos, a psiquiatria apareceu como importante ramo da ciência para lidar com as
questões da loucura, agora vista como doença da mente (VECHI, 2004).
Nessa perspectiva, o hospital psiquiátrico surgiu da ideia de que o louco
necessitava de tratamento especializado e integral, desse modo fortaleceu-se ainda
mais a exclusão social, agora sob aspectos clínicos e específicos (VECHI, 2004).
Conforme publicação de Luís Gustavo Vechi, da Universidade São
Marcos para Estudos de Psicologia (2004),
O louco continuou “encarcerado”, ou seja, permaneceu numa condição social semelhante àquela produzida, quando o discurso religioso era o orientador. O gerenciamento científico da loucura com o discurso manicomial correspondeu, em grande parte, à exclusão e à tutela social da loucura. (VECHI, 2004, p.3)
Embora esse novo método de lidar com a loucura tenha caráter inovador
e metodologias “mais humanas”, não se confunde com novas alternativas de
respeito ao direito e garantias fundamentais (COSTA, 2004).
Desse modo, a produção da exclusão social não deixou de mostrar-se
cada vez mais fortalecida e natural, o discurso de proteção e tratamento
especializado desse período trouxe a naturalização da internação, alta e
reinternação, um tratamento baseado apenas no encarceramento, exclusão e tutela
da loucura (VECHI, 2004).
43
Diante disso, concordamos com Maciel (2008) quando trata a exclusão
social como um fenômeno que acompanha a evolução da história com novas
roupagens, repercutindo em todas as áreas da vida social. De acordo com esse
autor, mudam-se os conceitos, as explicações, porém o método é o mesmo.
Para tanto, esse comportamento não difere muito dos dias atuais.
Vejamos: Em meados do século XV, já era possível observar a relação entre cura e
exclusão. Foucault (2012), em “A história da loucura” descreve que “a preocupação
de cura e de exclusão juntava-se numa só”.
Ou melhor, a loucura sempre esteve rotulada e marcada pelo isolamento,
obedecendo a princípios ditos normais e representada por visões arcaicas de
pessoas que não conseguiram se libertar do antigo preconceito, reforçando cada vez
mais o velho método da exclusão social.
Mattos (2006), por sua vez, também descreve em seu livro “Crime e
psiquiatria: preliminares para a desconstrução das medidas de segurança”, o
tratamento fingido destinado ao portador de sofrimento mental: um “tratamento que
não cura, a inclusão que só exclui”, concordando com o que já anunciava Foucault
(2012) e Goffman (2010) em seus estudos sobre o louco e sua loucura.
O que esses autores nos revelam é que a exclusão e a noção de cura
sempre estiveram atreladas e a pessoa com transtorno mental caminha lado a lado
com o sentimento de exclusão antes, durante e após o tratamento.
Como nos mostra Salles e Barros (2009) em artigo publicado para “Acta
Paulista de Enfermagem da Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP, Vida
cotidiana após adoecimento mental: desafio para atenção em saúde mental”,
É possível identificar que as pessoas com transtornos mentais ainda estão, entre as mais excluídas da sociedade. Na complexa relação entre exclusão social e doença mental muitos dos elementos característicos da exclusão social (como desemprego, baixa renda e falta de rede social) são ao mesmo tempo, causas e consequências da doença mental. (SALLES E BARROS, 2009, p.2)
Essas consequências influenciam na rotina de vida da pessoa com
transtorno mental, bem como de membros de sua família, levando esses indivíduos
44
a serem “desvalorizados e excluídos de seu contexto social” (SALLES E BARROS,
2009).
Desse modo, mais que a criação de novos espaços, faz-se necessário
abolir de vez a noção de exclusão social reconhecendo a loucura como
particularidade do indivíduo, sem impedi-lo de conviver livre e igualmente no seio da
sociedade como sujeito de direito apoiado pelo o artigo 5º da CF/88.
No entanto, sem a pretensão de exaurir as narrativas do cotidiano do
portador de sofrimento mental inserido na vida em sociedade, o próximo capítulo
traz acontecimentos registrados na história de membros de uma família moradora do
bairro José Walter, que conviveu com a relação entre loucura e crime.
45
4. CRIME, LOUCURA E EFETIVAÇÃO DE DIREITOS: UM ESTUDO DE CASO
4.1 A pesquisa e os sujeitos envolvidos
Iniciamos essa pesquisa contatando os familiares por via telefônica, visto
que a mesma foi realizada na residência própria dos sujeitos envolvidos. Inúmeros
foram os contatos, necessitando do apoio da Assistente Social do CAPS Geral Bom
Jardim para fazer a ponte de ligação entre o pesquisador e os sujeitos a serem
pesquisados.
Desse modo, realizamos quatro visitas, durante as quais foi aplicada a
técnica da entrevista, que de acordo com o professor Dr. Antônio Cesar de Almeida
Santos, do Departamento de História da Universidade Federal do Paraná,
Conforma-se a uma comunicação articulada por associações mais ou menos livres. [...]. Tecnicamente entrevistar é estabelecer uma relação comunicativa, que está presente ‘em todas as formas de coleta dos relatos orais, pois estes implicam sempre um colóquio entre o pesquisador e narrador’. (SANTOS, 2005, p. 4)
Diante disso, a entrevista permitiu que os pesquisados relatassem de
forma tranquila suas histórias de vida e realizações cotidianas, contribuindo de forma
significativa para os resultados dessa pesquisa.
O método da história oral nos orientou em todo o processo de construção
do quarto capítulo, pois, conforme Jorge Eduardo Aceves Lozano (1994), a história
oral é mais que um jogo de palavras, configura-se um contato direto com a realidade
dos fatos e não se confunde com o mero registro, por meio de gravador, de fatos da
vida real. Pelo contrário, ela traz uma consistente análise histórica oferecendo
“interpretações qualitativas de processos histórico-sociais” (LOZANO, 1994).
Os sujeitos desta pesquisa são três mulheres de uma família moradora do
bairro José Walter há quarenta e dois anos. O bairro José Walter está situado no
município de Fortaleza, na regional V. Optamos por utilizar nomes fictícios como
meio de preservar a identidade das entrevistadas.
46
A primeira, D. Lua, é uma mulher idosa com aproximadamente oitenta e
quatro anos, aposentada e viúva. Por ocasião das visitas, ela nos relatou
dificuldades de locomoção, de saúde e insônias noturnas.
A segunda, D. Saúde, com aproximadamente quarenta e cinco anos de
idade, é solteira e professora; relatou-nos que deixou a profissão para se dedicar
aos cuidados de sua mãe.
A terceira, D. Estrela, com aproximadamente sessenta anos de idade,
vive sozinha, aposentada por invalidez, pois tem transtorno de comportamento
bipolar (ver tópico 2.3).
As três mulheres são parentes de primeiro grau, sendo que a terceira, D.
Estrela, mora em casa separada das duas primeiras por questões de dificuldades de
convivência. Esse ponto não foi relatado, mas observado por nós durante as
entrevistas.
As entrevistas se deram no mês de outubro de 2013, no período da tarde.
Foram observadas as regras de gravação e respeitado o sigilo das informações
prestadas. As três mulheres entrevistadas se apresentaram satisfeitas com nossa
presença e demonstraram bastante interesse em cooperar com a pesquisa. Em todo
o processo, foram respeitadas as limitações e disponibilidade de cada uma. As três
foram informadas sobre a pesquisa e consentiram em participar dessa pesquisa,
sendo-lhes assegurado o anonimato, conforme salientado anteriormente.
4.2 A coleta e análise de dados
Na expectativa de obtermos os melhores resultados, utilizamos
equipamento de gravação de voz e entrevista semiestruturadas para estabelecer
comunicação livre entre pesquisador e pesquisado.
No sentido de compreendermos a técnica da entrevista, trouxemos como
referência os escritos de MARTINS & BICUDO (1989), citados por Maria Ângela
Silveira Paulilo, Assistente Social, Professora do Departamento de Serviço Social da
UEL (Universidade Estadual de Londrina) e Doutora em Serviço Social pela PUC-
SP:
47
A entrevista pode ser construída como um “encontro social”, cujas características, entre outras, seriam a empatia, a intuição e a imaginação; ocorre nela uma penetração mútua de percepções, sentimentos, emoções. De fato, todas as entrevistas são formas especiais de conversação e, neste sentido, interativas. As narrativas produzidas podem ser limitadas, se resultantes de surveys com respostas fechadas, ou elaboradas como são os relatos orais de histórias de vida (HOLSTEIN & GUBRIUM, 1997); a diferença se estabelece nos níveis de interação criados. No âmbito das representações e da produção de sentido, as entrevistas são tratadas como encontros sociais, nos quais conhecimentos e significados são ativamente construídos no próprio processo da entrevista; entrevistador e entrevistado são, naquele momento, co-produtores de conhecimento. Participação, neste nível de interação, envolve ambos em um trabalho de produção de sentido, trabalho, no qual, o processo de produção de sentido é tão importante para a pesquisa como o é o sentido produzido. (MARTINS & BICUDO, 1989 apud PAULILO, p. 6)
Desse modo, o entrevistador cria um ambiente favorável à entrevista,
explorando o mundo histórico do entrevistado sem perguntas forçadas, fluindo assim
uma interação adequada entre eles sem a marca do constrangimento.
As entrevistas aconteceram em quatro dias com duração cada uma de
aproximadamente uma hora e meia, nos quais utilizamos perguntas-chave, ou seja,
direcionando o diálogo para obtenção de dados relevantes ao tema.
Desse modo, e objetivando analisar criticamente as narrativas de
membros familiares da pessoa com transtorno mental, bem como a narração da
mesma, optamos por utilizar a técnica de análise de conteúdo por compreender que
a história de vida está para além de um relato de palavras, ela abrange mais do que
o pesquisador pode ouvir, ou seja, capta impressões visuais e sentimentos implícitos
de relatos e depoimentos da vida do pesquisado.
Para tal, Moraes (1999) explica o termo:
A análise de conteúdo constitui uma metodologia de pesquisa usada para descrever e interpretar o conteúdo de toda classe de documentos e textos. Essa análise, conduzindo a descrições sistemáticas, qualitativas ou quantitativas, ajuda a reinterpretar as mensagens e a atingir uma compreensão de seus significados num nível que vai além de uma leitura comum. Essa metodologia de pesquisa faz parte de uma busca teórica e prática, com um significado especial no campo das investigações sociais. Constitui-se em bem mais do que uma simples técnica de análise de dados, representando uma abordagem metodológica com características e possibilidades próprias. (Moraes, 1999, p. 7-32)
48
Nesse sentido, a técnica de análise de conteúdo pretende perceber a
forma que a narração é posta pelo pesquisado, como se comportam e os
sentimentos que se expressam por meio da fala. Por meio dessa técnica, as
narrativas desta pesquisa foram sistematizadas e agrupadas, a fim de melhor
compreender e analisar as significações colocadas por cada entrevistado. É o que
trataremos no tópico seguinte.
4.3 A discussão das narrativas
Ao longo desta pesquisa, tratamos do tema loucura, contando sua história
e as transformações no decorrer das décadas. Acontece que, por meio da loucura,
nos deparamos com indivíduos que, antes de louco, são sujeito de direitos
plenamente reconhecidos pelo artigo 5º da CF/88, amplamente debatido por este
estudo.
Dessa forma, essas pessoas têm “direitos iguais”, independente da sua
condição mental, intelectual, social e econômica. Com isso, esta pesquisa se pautou
no desejo de ouvir e compreender o discurso e o sentimento da pessoa com
transtorno mental, o que este tem a dizer sobre a sua vida, bem como, sua
percepção enquanto sujeito de direitos.
A pesquisa também procurou considerar o entendimento da família da
pessoa com transtorno mental frente aos direitos e garantias fundamentais, e como
estes entendem esses direitos. Faz-se necessário lembrar que todos os nomes
usados desse ponto em diante são nomes fictícios, a fim de preservar a identidade
dos entrevistados.
De acordo com Foucault (2012),
Desde a Idade Média, o louco é aquele cujo discurso não pode circular como os dos outros: pode ocorrer que sua palavra seja considerada nula e não seja acolhida, não podendo autenticar um ato ou um contrato, não podendo nem mesmo, no sacrifício da missa, permitir a transubstanciação e
49
fazer do pão um corpo; pode ocorrer também, em contrapartida, que se lhe atribua, por oposição a todas as outras, estranhos poderes, o de dizer uma verdade escondida, o de pronunciar o futuro, o de enxergar com toda ingenuidade aquilo que a sabedoria dos outros não pode perceber. (p.10 - 11)
O que Foucault traz em sua fala concorda plenamente com as atitudes
observadas por nós na primeira visita à família de Estrela. Atualmente, Estrela é
vizinha de sua família e não tem permissão para entrar na casa ao lado da sua (da
família) a qualquer momento, pois o cadeado no portão é vinte e quatro horas
fechado. Estrela mora sozinha em companhia da sua cachorra lise. A sensação que
tivemos foi de isolamento por parte da família em relação à Estrela.
Ao chegarmos à casa de D. Lua (mãe de Estrela - ver tópico 4.1), fomos
recebidos por Estrela com muita satisfação: ela estava sentada na calçada. Essa
sensação de isolamento ficou explícita no primeiro diálogo:
“Vocês vieram me visitar foi? Eu moro aqui. O portão aí é fechado”.
(Estrela)
“Sai daí Estrela, elas vieram foi pra cá conversar com a gente”. (Saúde,
irmã de Estrela - ver tópico 4.1).
É oportuno ressaltar que, em nossa sociedade, a exclusão naturalizada
cega muitas vezes os olhos das famílias para perceber a carência de afeto de seus
pares. Conforme nos adverte Rosa (2011), esta forma de lidar com a pessoa com
transtorno mental varia de família para família, dependendo principalmente das
condições sociais e história de cada uma. No entanto, diversas situações da vida
dos indivíduos, especialmente às relacionadas à questão financeira e à pobreza,
tornam o cuidado da pessoa com transtorno mental tão complexo que, por vezes,
nos parece que é mais fácil isolá-lo do que cuidá-lo.
Conversando com outros membros familiares fora da formalidade das
entrevistas, descobrimos o cansaço e a exaustão do cuidado. A família de Estrela
demonstra para nós que não é mais possível conviver com a mesma, pela
dificuldade de entendimento entre os familiares. Em uma das falas, a família colocou
que são cinquenta e oito anos de labuta e que não é mais possível viver em função
de uma mesma pessoa para sempre. Citaram que cada pessoa tem sua vida, sua
família e que Estrela deveria tomar para si suas responsabilidades e cuidados com
sua saúde.
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Desse modo, a família inicia um processo de naturalização da exclusão
social e a pessoa com transtorno mental começa a perder o seu lugar social no
grupo, ou melhor, a família passa a ignorar a importância daquele membro no seio
familiar (ROSA, 2011).
Após as devidas apresentações, solicitamos à D. Lua que contasse um
pouco da história de vida de Estrela.
Até os dois anos ela era uma criança adorável, foi crescendo e ficando muito danada, não lembro como começou esse problema todo. Na adolescência conheceu um rapaz da aeronáutica, todos aqui eram contra, mas ela não dava ouvidos, os irmãos falavam, mas ela nem ligava. De repente, ela apareceu grávida e a família do rapaz não queria aceitar... Ofereceu até dinheiro pra ela botar fora! Daí pra frente nossos problemas só aumentaram. Ela teve a criança e com pouco tempo apareceu grávida de novo do mesmo rapaz. O rapaz era muito bom, minha filha, mas não quis assumir. Muito difícil. Ele deixou ela. Uma amiga arranjou um trabalho pra ela, mas as crises não deixavam ela trabalhar. Também não tomava os remédios direito nem aceitava a doença. Foram muitas internações, depois da primeira a gente já perdeu foi as contas. Aí endoidou de vez... Perdeu tudo. Aposentamos ela por causa da doença. Claro... Ela não queria tomar os remédios direito aí endoidava. Nós morava aqui tudo junto aí uma vez ela inventou de ir morar sozinha com os meninos, foi nas lojas e montou uma casa, de tudo. Eu não sei como uma pessoa dessa consegue comprar um monte de coisa e a gente cidadão não consegue... Com três meses ela voltou, a dona da casa veio aqui cobrar água, luz e aluguel de três meses, aí a gente disse pra ela ir pra justiça de pequenas causas. Uma vez, quando ela foi internada, a gente dividiu a casa rapidinho, por isso ela mora aí do lado. Cada uma na sua. Um inferno. Ela não nos deixa em paz. (D. Lua)
A fala da família de Estrela demonstra um preconceito implícito, velado
por palavras, gestos e atitudes familiares já naturalizadas, expressas em
sentimentos de reprovação da pessoa com transtorno mental no ambiente familiar,
reforçando cada vez mais o preconceito silencioso.
O termo destacado na fala acima reforça a ideia de sujeito incapaz
fortalecido pela família de Estrela, um sujeito de comportamentos estranhos e
violentos, na maioria das vezes incompreendido, sendo intoleráveis suas atitudes,
reforçando a ideia de que a pessoa com transtorno mental (Estrela) é incapaz de
exercer sua cidadania (MACIEL, MACIEL C., BARROS, NOVA SÁ E CAMINO,
2008).
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Rosa (2011) complementa esta discussão salientando que para a pessoa
com transtorno mental deve ser garantida uma “cidadania especial”, no qual, o
mesmo possa se sentir parte da sociedade na qual vive.
Outro ponto marcante desse trecho da entrevista é a forma como a família
de Estrela resolveu o problema do desconforto de sua presença no meio familiar,
isolando e impondo-lhe a condição de conviver longe da dinâmica da família.
Nesse universo pesquisado, observamos a perda do sentimento de
família em relação à Estrela pela labuta diária. Uma forte insatisfação da presença
da pessoa com transtorno mental salta aos olhos e os primeiros contatos nos
revelaram uma imagem negativa em relação à Estrela.
Conforme Rosa (2011),
Nem tão mocinhos, nem tão vilões, a relação entre o PTM e sua família se constrói no interior de relações dadas, dentro das quais a Família influi e é influenciada. A família se apropria das condições dadas e as ressignifica conforme suas necessidades e leitura da realidade social. (ROSA, 2011, p. 135)
Nesse sentido, o que a autora tenta nos dizer é que a família tende a
resolver seus problemas de convivência com a pessoa com transtorno mental de
acordo com sua realidade. Muitas vezes, os laços familiares são rompidos pela
sobrecarga e inúmeras preocupações colocando os membros familiares a esquivar-
se do cuidado permanente.
Retornamos a entrevista perguntando à D. Lua se conhecia algum direito
da Estrela enquanto pessoa com transtorno mental e se reconhecia que o Estado
tem o dever de garantir a proteção e o direito de ser tratada com dignidade e
igualdade, esta respondeu:
Olhe, eu ficava muito feliz quando ela ia para o hospital de Messejana, lá ela escovava os dentes, arrumava o cabelo, lanchava, almoçava... muito bom, eu acho. A gente não se preocupava. Ela tem diabetes e não se trata. Anda muito e a gente se preocupa sabe. Ela bota o som alto e perturba os vizinhos. Não toma os remédios direito. (D. Lua)
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A nós pareceu que D. Lua desconhecia que a reforma psiquiátrica veio
para mudar esse quadro de institucionalização dessas pessoas com transtorno
mental. Diante disso, resolvemos nesse ponto da entrevista, esclarecer a ela que,
enquanto no passado esses indivíduos eram internados e abandonados, hoje, de
acordo com a nova Lei 10.216/2001, o tratamento para as pessoas com transtorno
mental deve ser prioritariamente de base comunitária e familiar.
Dona Lua nos respondeu ser bastante difícil, pois os CAPS (Centro de
Apoio Psicossocial) não estão devidamente equipados com profissionais de saúde e
medicação a contento. As palavras de dona Lua concordam com análise feita por
Rosa (2011), quando nos diz que o “sofrimento da família não é acolhido” de forma
integral e de modo a capacitá-la para lidar com o agravo da situação.
Conforme essa renomada autora,
É nesse contexto, ainda, que o hospital psiquiátrico figura como um lugar de segurança, abrigo, guarda, um lugar que se sabe onde o PTM está, mesmo que represente risco. Entre a rua e o hospital psiquiátrico, o menos degradante é o hospital, em função de a família saber o paradeiro do PTM, sobretudo daqueles com “tendência de andarilho” (deambulando compulsiva, com fuga de casa, no termos médicos), tendo a sensação de que está cuidando dele. (ROSA, 2011, p.321)
De fato, a maioria das famílias não está preparada para esse novo
modelo de tratamento, muito menos para lidar com pessoas com transtornos
mentais para o resto de suas vidas. É comum, nessas situações, a sobrecarga das
famílias, aparecendo, em determinadas situações, o desejo de ver essas pessoas
internadas em unidades psiquiátricas.
Nesse ponto da entrevista, perguntamos para Dona Lua como era a
relação de Estrela com os outros membros da família:
Tive muito problema com Estrela, só Deus sabe o quanto lutei pra ela terminar os estudos. Você não sabe o quanto eu andei à procura de escola. Acordava muito cedo para conseguir uma vaga. Tudo foi um inferno, não tínhamos paz, nem sossego, até que mudamos ela para aqui do lado. Foi muito difícil a vida com Estrela, complicado demais a convivência, moravam aqui dez pessoas e a Estrela dificultava a nossa vida. Ligava som alto. Ainda liga aí na casa dela. Deixava as portas abertas. Deixava a luz acesa e ficava pra dentro e pra fora o tempo todo. A nossa relação aqui é cada um
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na sua. Antes não tinha quem tivesse sossego. Um inferno, porque morava tudo junto. Agora não, ela fica lá e nós aqui. Mulher, era um inferno. Teve uma vez que ela quebrou o quadro de energia. Quando eu cheguei, tava todo mundo no escuro. É muito difícil, a boa convivência só depende dela. Ela acha que a gente tem obrigação de fazer as coisas pra ela. Ela não aceita a doença, e não toma os remédios direito. Quem cuidava dessa parte era a Fadinha (filha de D. Lua), mas ela tá viajando agora. (D. Lua)
Nesse trecho da entrevista, encontramos oito vezes a menção de
dificuldades de convivência familiar. De acordo com os estudos de Rosa (2011),
esse fato apresentado pela família de Estrela reforça a ideia de que a convivência
com a pessoa com transtorno mental provoca um descompasso na vida familiar em
grupo.
Desde os primórdios, vivenciamos uma evolução do cuidado da pessoa
com transtorno mental, e o que podemos concluir na prática são profundas
mudanças no contexto social e tratamento das pessoas com transtorno mental,
acontece que as precárias condições, ou melhor, as deficiências das políticas
públicas, colocam para a família a responsabilidade de conviverem com seus
parentes com transtorno mental sem o apoio assistencial adequado.
Dessa forma, o que encontramos na vida cotidiana de Estrela
possivelmente seja o retrato da situação de outras pessoas com transtorno mental
vivendo à margem da sociedade, excluídos, invisíveis e naturalizados.
Nesse contexto, devemos lembrar que a família, em tese, tem a
responsabilidade de cuidar de seus parentes com transtornos mentais, apoiando-os
em todas as fases de sua vida, bem como o Estado deve dar apoio por meio de
políticas públicas para que as famílias acolham de forma digna seus parentes
(MORENO E ALENCASTRE, 2003).
A família, conforme Rosa (2011), deve estar capacitada, ou melhor, deve
se capacitar para o cuidado da pessoa com transtorno mental, no entanto, e na
maioria das vezes, o próprio sistema de saúde exclui a família desse processo.
O sentimento de incurabilidade do paciente leva a família a violar direitos
então garantidos pela CF/88, ou melhor, troca-se o direito à liberdade pelo
isolamento, à igualdade pela diferença negativa, à segurança pelo internamento em
hospitais psiquiátricos, do direito de exercer cidadania pelo estigma de ser incapaz,
dentre outros direitos inerentes a toda e qualquer pessoa independente da condição
social, mental, intelectual ou espiritual.
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Com vistas a analisar o discurso familiar frente à relação loucura e crime,
o próximo tópico traz algumas observações do que foi possível colher nas
entrevistas de membros familiares disponíveis. Devemos ressaltar que por
indisponibilidade de alguns membros familiares não foi possível aprofundar o tema a
seguir.
4.4 O crime e o discurso familiar
No universo pesquisado, muito embora o ponto principal deste trabalho
fosse compreender a loucura e o crime no contexto dos direitos e garantias
fundamentais disposto no artigo 5º da CF/88, não tivemos a oportunidade de
aprofundar esse tema, tendo em vista a impossibilidade de entrevistar o membro
familiar que cuidou de todo o processo judicial de Estrela, principal personagem da
nossa pesquisa.
Todavia, descreveremos aqui, o que foi possível identificar, embora
tenhamos notado certo receio por parte dos outros membros familiares em relatar-
nos a história tal como aconteceu. Colhemos os seguintes depoimentos:
Essa parte aí a gente não sabe, só a Fadinha (irmã de Estrela) que sabe. Ela que tomou conta de tudo, mas ela tá viajando agora. Ela passou três dias na delegacia de captura e depois desceu pro presídio. Ela não deu trabalho. A fadinha (irmã) quem cuidou de tudo. (D. Saúde) Minha filha ela é louca por dinheiro. Cinco e meia da manhã do dia primeiro de cada mês ela já está na frente do banco. Faz empréstimo, aí o banco tira tudo e ela fica só com aquele tantinho de nada. Vive pedindo dinheiro emprestado a todo mundo e não paga. É um problema. Esse homem que chamou a polícia é dono de um depósito. Ela tinha costume de ir lá pedir dinheiro emprestado. O rapaz mandou ela ir pegar uma caixinha. Ela trouxe a caixinha pra casa e guardou dentro da geladeira. Quando a polícia chegou, procurou e encontrou lá. Na verdade, a gente nem sabia que ela ia ser presa. Não conheço nenhum direito, só depois ficamos sabendo que ela não era pra ser presa. (D. Lua)
De modo geral, podemos dizer que a família, por motivos desconhecidos
por nós, se colocou fora da situação do processo judicial enfrentado pela pessoa
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com transtorno mental, ficando a responsabilidade do cuidado e desenrolar do
processo com apenas um membro familiar.
Esse posicionamento da família de Estrela em manter-se distante do
processo judicial pode ser explicado de acordo com Rosa (2011).
Como um mecanismo de defesa porque a família compartilha dos valores da sociedade e sabe que o transtorno mental é estigmatizado e estigmatizável e ela também é um agente no processo de estigmatização. [...] A intensificação dos sintomas – comportamentos desviantes (Perrusi, 1995), a perda de seu controle, o desconhecimento da enfermidade e as dificuldades de seu manejo vão ativando na família as explicações que conjugam o físico e o moral. (ROSA, 2011, p. 245)
Dito de outro modo, a família tende a manter-se o mais distante possível
ou camuflar os comportamentos diferentes dos normatizados em sociedade para
não correrem o risco de também serem discriminados, apontados ou rejeitados por
terem um membro familiar com transtorno mental e que ainda viola as regras da boa
convivência em sociedade.
Por outro lado, a repetição de comportamentos que causam mal estar
familiar frente à sociedade pode ter determinado essa falta de interesse em
apropriar-se das questões jurídicas adotadas à pessoa com transtorno mental, bem
como outras situações cotidianas e familiares. Vale salientar que a convivência
familiar com a pessoa com transtorno mental não é de toda harmoniosa e acontece
de um membro familiar envolver-se mais que outros. Na maioria das vezes, a
responsabilidade recai mais a um que a outro.
Conforme Rosa (2011), os comportamentos dessas pessoas podem
afastar ou aproximar parentes familiares, bem como construir conflitos de múltiplas
interpretações. Pode ainda suscitar o desejo do cuidado ou o desprezo silencioso
observado nesta pesquisa.
Nesse contexto de falas, apresentaremos a seguir o depoimento de uma
pessoa com transtorno mental, bem como suas expressões, sentimentos e
características, sujeito principal dessa pesquisa.
Para iniciarmos essa analise devemos ressaltar o desconforto dos
membros familiares na nossa primeira conversa de apresentação em grupo, ficando
explícito o sentimento de dominação sobre a fala de Estrela por parte de seus
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familiares, quando a todo o momento pediam para que Estrela silenciasse.
Impossível também negar o nosso sentimento apreensivo em entrevistar uma
pessoa com transtorno mental. Não poderíamos deixar também de enfatizar o
sentimento de espanto ao comunicar a família do nosso interesse em ouvir Estrela.
Superado essa fase, iniciamos uma conversa agradável. Embora
comprometida por um transtorno mental, Estrela é uma mulher de sessenta anos de
idade que aparenta ter apenas quarenta e cinco, de pele morena, cabelos grisalhos,
curtos, de estatura mediana e não é muito magra.
As entrevistas aconteceram no jardim da casa de sua mãe por escolha da
própria Estrela. Em alguns momentos da entrevista, Estrela baixava a voz sendo
quase impossível ouvi-la. Pedimos que a mesma contasse um pouco da sua vida
cotidiana e ela nos respondeu:
“Minha vida é tão ruim, é estranha...” (pausou e pensou com olhar
disperso).
Carregadas de sentimentos, essas palavras trouxeram a nossa lembrança
a história da loucura descrita por Michel Foucault (2012), quando os loucos eram
discriminados, sofriam preconceitos e viviam à margem da sociedade. Essa
discriminação e preconceito dirigidos à pessoa com transtorno mental não foram
banidos da convivência familiar. Com a explosão da reforma psiquiátrica, esta
questão diminuiu, mas não desapareceu.
Podemos observar essa questão por dois pontos: o primeiro foi no âmbito
familiar, no qual a pessoa com transtorno mental é tratada como sujeito incapaz de
administrar sua vida sozinha, tratada, na maioria das vezes, como criança, ou seja,
suas palavras não têm credito, torna-se um indivíduo dependente total de seu
cuidador (ROSA, 2011). O segundo ponto é observado no ambiente hospitalar,
quando é despido do seu eu, de suas características e de seus sentimentos.
Outro ponto que nos chamou atenção foi o descompasso da fala de
Estrela com a de seus familiares.
Eu sou bipolar, já foi confirmado e tudo, sou do Dr. Frederico, tenho transtorno de comportamento e sou diabética. Todo mundo me acha nova. Eu num tenho uma ruga! Estou tomando todas as medicações bem certinhas e me trato no CAPS, só as medicações que nunca tem, às vezes eu fico ligando, ligando, até descarrega o celular! Ligo lá pro IAPB pra ver se tem, se não tiver ligo pra minha tia ela é boa comigo e compra tudo, ela é médica sabia? No CAPS? Lá nunca tem. Foi assim, liguei disseram que tinha o remédio, quando eu cheguei lá não tinha. (Tô cansada de falar).
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Nunca mais fui internada, tomo o remédio bem certinho, aumentei a dose e me sinto bem. (Estrela)
Essas respostas foram retiradas de parte da entrevista em que
conversávamos sobre os cuidados que tinha com a saúde. Os relatos de Estrela se
contrapõem à fala de seus familiares quando colocam que a mesma não adere ao
tratamento de saúde, causando problemas de convivência.
Com efeito, a família da pessoa com transtorno mental atribui todos os
comportamentos, sentimentos de alegria, medo, raiva, tristeza, dentre outros
próprios dos seres humanos, à doença mental, culpando todo e qualquer
comportamento aos problemas mentais do sujeito.
Contudo, deve-se ressaltar que na fala de Estrela aparecem nítidas as
deficiências do Estado no trato à assistência à pessoa com transtorno mental, tais
como a falta de medicação, causando-lhe prejuízos a sua estabilidade mental.
Nesse sentido, e com bastante cuidado, introduzimos em nossa conversa
o tema crime. Perguntamos a Estrela o que aconteceu para que fosse presa:
Foi um equívoco, eu nunca roubei, nem matei ninguém, nem arrumei confusão. Eu cheguei, ele (o dono do depósito de construção) disse “eu vou já”. Nós estava na loja. Lá vende porta, janela. Aí ele (o dono do depósito de construção) foi e disse assim “pegue uma caixinha que tem cinquenta reais” aí eu peguei..., quando balancei pensei que era de moedas, aí quando eu cheguei em casa que eu abri (baixou o tom de voz) era só nota de cem, daquelas azulzinhas, amarradas com uma liga, aí eu botei embaixo da cama, aí eu ia buscar ele (o dono do depósito de construção), chamar ele... (o dono do depósito de construção). Tomei um susto com o dinheiro. Aí lá vem ele dizendo “meu nove mil...” Aí eu otária, porque não era pra ter deixado o portão aberto não, aí lá se vem a mãe dele (do dono do depósito de construção), já vinham com a polícia, todo mundo entrou e acharam, aí me levaram, eu fui no carro da polícia atrás, mas num fui algemada não.Ele (o policial) disse “tia sente aqui”, pronto aí me levou pro trigésimo, aí cheguei lá, não fui maltratada nem nada. Eles (os policiais) contaram o dinheiro. Acho... que eu num devolvi o dinheiro? Não era pra eu ter ido presa não. Mas o processo já foi arquivado e a moça (do Fórum) foi maravilhosa já provou pra justiça que eu tenho insanidade mental. Aí nem vou pra julgamento nem nada. Agora vou ficar esperando vir a perícia. Tá provado pra juíza que eu tenho problema mental, porque eu nunca feri ninguém, nunca matei ninguém, nunca briguei na rua. Aí vai vir um negócio. O rapaz do Fórum disse que eu não podia botar som alto depois das dez da noite. Aí agora eu só boto som até as nove, ele (do Fórum) disse que só vou voltar lá entre o dia quinze e dia vinte, vou lá pra assinar, pra eles (do Fórum) saber como eu estou, e vai processar o Estado sabia? Porque não era pra eu ter ido para o presídio porque eu sou bipolar, mudança de comportamento, sabe né? (Estrela)
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Não temos aqui a pretensão de fazer longo estudo sobre a questão de
inimputabilidade ou imputabilidade de Estrela (ver tópico 2.6), tampouco o que
poderia estar certo ou errado no procedimento judicial do caso acima descrito, o que
queremos enfatizar é a responsabilidade do Estado e da família frente ao direito e
garantias fundamentais do indivíduo.
Conforme o artigo 99 da CF/88, é direito do portador de doença mental
ser recolhido em local adequado e que atenda a suas particularidades de condição
mental. O artigo 96 reforça afirmando que a medida de segurança (ver tópico 2.6)
deve ser cumprida em hospital de custódia com característica hospitalares e na falta
deste, local adequado que atenda aos pré-requisitos para atenção a saúde mental
do indivíduo.
Estrela é mais uma pessoa com transtorno mental que cometeu um crime,
no entanto, muitas outras pessoas com a mesma condição que cometeram crimes
têm seus direitos violados, conforme constata uma publicação do globo.com (2013),
sobre inúmeras pessoas com transtorno mental que cumprem penas superiores à
eventual pena máxima da infração cometida, submetidos a situações degradantes e
inconstitucionais.
No entanto, independente de o juiz competente decretar imputabilidade
ou inimputabilidade penal, ao agente deve ser garantido a igualdade de direitos,
ampla defesa, respeito à integridade física e moral e a plena observância e respeito
aos direitos humanos.
No caso de Estrela, não conseguimos por meio da história oral
compreender os procedimentos da prisão, se fora adotada ou não a medida de
segurança e o motivo pelo qual a mesma se encontrava em liberdade provisória, no
entanto, em pesquisa via internet descobrimos que a mesma foi posta em liberdade
provisória, com decisão proferida pelo juízo competente, mediante o cumprimento
das medidas cautelares do artigo 319, incisos I e IV do Código de Processo Penal:
Artigo 319 - São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas
pelo juiz, para informar e justificar atividades; (...) IV - proibição de ausentar-
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se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para
a investigação ou instrução. (CF/1988).
O que importa dizer é que a justiça penal, estando de acordo com os
princípios do artigo 5º da CF/88 e em parceria com os direitos humanos, torna
legítima sua prática. Em outras palavras, exige-se da justiça o tratamento
humanizado e digno a todo e qualquer ser humano em qualquer fase da sua vida,
respeitando o “direito constitucional à igualdade na sua diferença” (VIRGÍLIO, 2006).
Outro ponto bastante relevante que queremos enfatizar é a questão do
preconceito e discriminação da família estudada explícita na fala de Estrela, quando
nos disse que escutou sua mãe pedir aos seus parentes para ter cuidado com a sua
presença:
(Baixou o tom de voz e sussurrou) “A minha mãe disse... Toma cuidado
pra ela não mexer nas coisas, cuidado pra ela não roubar. Mas eu não ligo sabe, ela
tem problema de saúde”. (Estrela)
O comportamento dos membros da família de Estrela diante do ato
qualificado como crime nos lembra da definição de periculosidade: “qualidade ou
estado de perigoso” imprimindo estado de alerta constante em relação à pessoa
com transtorno mental (XIMENES, 2000).
Vale salientar que as famílias agem dessa forma por medo e insegurança
do que possa ocorrer no futuro, muitas vezes são cobrados pela sociedade desse
alerta contínuo e acabam por isolar, excluir e até discriminar seus parentes doentes
mentais (MACIEL, MACIEL, BARROS, CAMINO e NOVA SÀ, 2008).
Na contramão da exclusão, Estrela nos parece insistir em manter-se ativa
na sociedade e banir para longe suas diferenças que tanto a discriminam.
Observamos em todo seu discurso o interesse em deixar claro que não é louca, uma
vez que é capaz de administrar sua vida. Atualmente, vive num constante embate,
em um confronto diário por seus direitos mínimos: o de viver em sociedade.
Até o último dia de consolidação final desta pesquisa, não medimos
esforços para conhecer quais os procedimentos jurídicos adotados a Estrela.
Atualmente, a família de Estrela mudou-se do bairro José Walter, local que
aconteceu as entrevistas, e Estrela está morando sozinha com sua cachorra lise.
Ficamos sabendo porque continuamos a manter contato por telefone. No que se
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refere ao membro familiar que se responsabilizou por todo o processo judicial de
Estrela, não obtivemos contato positivo.
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5. CONDIDERAÇÕES FINAIS
Embora não tenhamos a pretensão de esboçar conclusões definitivas, a
partir desse estudo, percebemos a necessidade de harmonizar a convivência entre a
sociedade e a pessoa com transtorno mental, bem como o entendimento da família
em acolher de forma digna seus familiares, de forma a reverter situações de
discriminação, preconceito e exclusão social. É necessário que se compreenda com
a máxima urgência que a pessoa com transtorno mental também é um cidadão, com
direitos plenamente reconhecidos pela Carta Magna de 1988.
Desse modo, ainda que preliminarmente, discutimos sobre a relação:
loucura e os direitos e garantias fundamentais, relacionando-a com os direitos da
pessoa com transtorno mental e que cometeu um ato qualificado como um crime. Ao
longo desta pesquisa, conhecemos, à medida do possível, o cotidiano da família e
da pessoa com transtorno mental levando em consideração a isonomia de direitos,
bem como a forma como estes sujeitos compreendem o seu papel na sociedade
enquanto sujeitos de direitos e deveres.
No que tange à loucura, podemos concluir que no momento em que a
ciência tomou para si a responsabilidade de explicar as causas desta, fortaleceu-se
um novo processo de exclusão social plenamente aceito pela sociedade,
naturalizando a negação de direitos individuais e coletivos por meio do cerceamento
da liberdade, do descrédito da livre expressão e do direito de exercer sua cidadania.
Sabemos que o preconceito e a exclusão social acompanhou a evolução
da loucura desde seu aparecimento, rotulando o louco como sujeito incapaz de
administrar sua vida e de viver em sociedade.
Essa pesquisa mostrou que a família da pessoa com transtorno mental é
a principal entidade de fortalecimento do preconceito e exclusão social, embora seja
também a parte principal na luta e defesa dos direitos desse membro familiar
mentalmente adoecido. Para melhor compreendermos esse fato, podemos concluir
que a relação da família com a pessoa com transtorno mental é bastante complexa,
pois, se por um lado e de alguma forma tenta minimizar os conflitos de convivência
familiar, por outro se sente inerme frente às precárias políticas assistenciais. Desse
modo, tende a violar regras do direito fundamental: da igualdade, da liberdade, da
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vida digna no ambiente familiar, pelo cerceamento e isolamento social, impondo à
pessoa com transtorno mental a distância do convívio e dinâmica familiar.
É oportuno enfatizar ao leitor que, nesse caso específico pesquisado, a
família de Estrela se mostrou cansada de lidar com a pessoa com transtorno mental,
abandonando-a a sua própria sorte. Esse fato foi constatado por meio telefônico,
dias antes da defesa desta monografia, quando soubemos que a usuária ficou
morando sozinha, enquanto sua família mudou-se de bairro.
A pesquisa identificou que a justificativa da família de Estrela para o
isolamento da usuária baseia-se na sobrecarga do cuidado e da dificuldade de
convivência harmoniosa, explicando não ter mais condições de lidar com tal
situação, preferindo o internamento em instituições psiquiátricas. Desse modo,
percebemos a continuação e fortalecimento do isolamento e preconceito que
marcaram ou ainda marcam as grandes instituições psiquiátricas do Brasil.
Diante dos resultados, podemos concluir que a pessoa com transtorno
mental – em pleno século XXI – ainda luta pela sua colocação, ou melhor, pela
recolocação no convívio familiar e na sociedade, tendo em vista termos o
conhecimento de inúmeras ligações telefônicas da pessoa com transtorno mental
para sua família bem, como para a pesquisadora deste estudo após a mudança
inesperada da família.
Torna-se oportuno citar um último contato com um quarto membro de
Estrela por meio telefônico. Este membro, ao fazer colocações a respeito do
convívio com Estrela, trouxe ainda mais confirmação dos resultados dessa pesquisa.
Ele justificou a ausência no cuidado pela dificuldade de convivência. Enfatizou a
ideia de que cada membro familiar, em certo ponto da vida, assume
responsabilidades e cada um segue seu caminho dificultando os cuidados com
Estrela. Esse cuidado além de sobrecarregar a família gera despesas, além de
adoecer os que vivem ao redor da pessoa com transtorno mental.
Diante disso e apesar de estar incluída na Carta Magna de 1988, segundo
a qual todos têm o direito à igualdade, à liberdade, à segurança e ao direito a vida,
inclusive amparados pela Lei 10.216/2001, que trata da proteção do “portador de
doença mental” e prevê um modelo assistencial humanizado, digno, de base
comunitária e familiar, esse grupo da população brasileira vê-se, ainda, isolado,
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discriminado e abandonado pelo seu grupo familiar, comprometendo muitas vezes
sua qualidade de vida.
Em relação ao crime, devemos ressaltar que esse estudo nos trouxe a
compreensão de que a inimputabilidade atribuída ao doente mental não
necessariamente significa tratamento e garantia dos direitos mais elementares para
a manutenção da qualidade de vida, dentro e fora do manicômio judiciário.
Este estudo mostrou, ainda, que a família, sendo a primeira entidade de
maior responsabilidade para os cuidados e defesa dos direitos e garantias
fundamentais da pessoa com transtorno mental, sente-se insegura e temerosa em
lidar com a relação loucura e crime, bem como, de reivindicar os direitos garantidos
pela CF/88, em alguns momentos pelo desconhecimento da mesma, em outros pelo
descrédito na sua eficiência. Nessas situações, foi possível perceber que o
isolamento e a exclusão social são seus principais aliados.
Diante desse debate, esperamos que esta pesquisa possa influenciar
novos pesquisadores a respeito desse tema ainda pouco discutido, que possa ainda
incentivar a realização de mais estudos acerca da família e os processos de
cuidado, bem como a luta pela publicação e efetivação dos direitos da pessoa com
transtorno mental que comete ato qualificado como crime.
Concluímos esta pesquisa lembrando que todo e qualquer cidadão,
independente da raça, cor, etnia, credo religioso, condição mental, intelectual, social
ou econômica devem ser tratados isonomicamente conforme, artigo 5º da
Constituição Federal/88 que se propaga em todo o ordenamento jurídico, seja ele de
natureza penal ou civil. E ainda, que a família é entidade responsável por seus
parentes doentes mentais, bem como é dever do Estado apoiar essa população em
qualquer fase de sua vida.
Queremos enfatizar ao leitor a importância de novos aprofundamentos de
estudos relacionados aos direitos e deveres da família, na proteção e cuidado da
pessoa com transtorno mental que cometeram ato qualificado como crime,
reconhecendo esses sujeitos com igualdade de oportunidades e capazes de exercer
cidadania.
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REFERÊNCIAS
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ANEXO 1 - Roteiro Orientador para a Pesquisa (FAMILIARES)
1) Nome, idade, do informante principal da entrevista.
2) Nome, idade da pessoa com transtorno mental.
3) Quantas pessoas moram na residência?
4) Há quanto tempo mora no bairro José Walter?
5) Como foi detectado o Transtorno Mental? Conte um pouco da história.
6) Como é a relação da pessoa com transtorno mental com a família?
7) Como é a relação da pessoa com transtorno mental e a comunidade?
8) Quais as maiores dificuldades de relacionamento entre a família e a pessoa
com transtorno mental?
9) A pessoa com transtorno mental recebe algum tipo de benefício do governo?
O que faz com o dinheiro?
10) Conte um pouco do cotidiano da família.
11) A pessoa com transtorno mental faz algum tipo de tratamento para a saúde?
12) Quais as maiores dificuldades no dia a dia em lidar com parente com
transtorno mental?
13) A pessoa com transtorno mental já sofreu algum tipo de violência?
14) Como foi o contato com o suposto crime? Conte um pouco da história.
15) Como aconteceu a prisão? Para onde foi? Como foi recebido (atendido)?
16) Quanto tempo ficou presa?
17) Quais as principais dificuldades?
18) Conte um pouco do período em que acompanhou a pessoa com transtorno
mental no presídio.
19) Comente um pouco sobre a alimentação, saúde, acomodação e
relacionamento com as outras presas.
20) Conhece algum procedimento sócio jurídico para a pessoa com transtorno
mental que se envolve com algum tipo de crime?
21) Os direitos de seu parente foram respeitados?
22) Na volta pra casa, como a pessoa com transtorno mental foi recebida pela a
família? E a comunidade, como reagiu?
23) Reiniciou o tratamento no Centro de Atenção Psicossocial CAPS?
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24) Qual sua opinião sobre o atendimento sócio jurídico na situação em que seu
parente se encontrava?
25) Em sua opinião, quais as responsabilidades dos órgãos do governo com as
pessoas com transtornos mentais? E em relação a cometer um crime?
26) Quais os sentimentos que surgiram no processo de encarceramento da
pessoa com transtorno mental? O que mudou?
27) O que a família espera dos governos?
28) O que sentiu respondendo a estes questionamentos?
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ANEXO 2 - Roteiro Orientador para a Pesquisa (PESSOA COM TRANSTORNO
MENTAL)
1) Conte um pouco da sua vida cotidiana. Tem esposo? Filhos?
2) Tem alguma dificuldade de relacionamento com sua família? Com os
vizinhos? Tem amigos?
3) Já sofreu algum tipo de violência? Rejeição? Discriminação? Preconceito?
4) Faz algum tipo de tratamento? Onde?
5) Como foi o contato com o suposto crime? Conte um pouco da história.
6) Como aconteceu a prisão? Para onde foi? Como foi recebida (atendida)?
7) Conte um pouco do período em que esteve presa.
8) Comente um pouco como era a alimentação, acesso ao serviço de saúde,
acomodação e relacionamentos com as outras presas.
9) Reconhece que seus direitos foram respeitados?
10) Na volta pra casa, como se sentiu em relação a sua família? Amigos?
Vizinhos?
11) Como se sentiu respondendo a esses questionamentos?