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A Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com o Ministério da Cultura, apresenta 8 8

cinema indígena

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catálogo mostra cinema e direitos humanos

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A Secretaria de Direitos Humanos, em parceria com o Ministério da Cultura, apresenta

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8a Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul - Catálogo da Mostra8va Muestra Cine y Derechos Humanos en Sudamérica - Catálogo de la MuestraBrasília, DF / Niterói, RJ: Universidade Federal Fluminense, 2013. Organização / Organización: Cezar Migliorin, Alexandre Guerreiro, Isaac Pipano, Luiz Garcia.

138p.

ISBN: 978-85-87959-17-1

Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul.Muestra Cine y Derechos Humanos en Sudamérica.

1a edição: outubro de 2013

Universidade Federal Fluminense - UFFInstituto de Arte e Comunicação Social - IACSDepartamento de Cinema e VídeoKUMã- Laboratório de Pesquisa e Experimentação em Imagem e Som

R. Prof. Lara Vilela - São Domingos, Niterói - RJ, BRASIL24210-590.

LEGENDAS PARAFICHAS TÉCNICAS

ROTEIROGUIÓN

FOTOGRAFIAFOTOGRAFIA

MONTAGEMMONTAJE

EMPRESA PRODUTORA EMPRESA PRODUCTORA

ELENCOELENCO

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MOSTRA CINEMA INDÍGENAMUESTRA CINE INDÍGENA

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CINEMA INDÍGENA NO BRASIL

Quando escolhemos trazer para a 8˚ Mostra Cinema e Direitos Humanos na América do Sul uma míni-ma parte do que as populações indígenas produzem hoje no continente, desejávamos, antes de tudo,

compartilhar com os espectadores da Mostra uma dupla invenção que atravessa esses filmes. Com os filmes podemos estar próximos de modos de vida, de formas de inventar o cotidiano e de lidar com a tradição que expressa, não apenas a riqueza e a diversidade dos índios no Brasil, mas a capacidade de invenção do humano. Mas, mais do que ser representado ou se autorrepresentar, o cinema indígena desenvolveu técnicas, estilos, formas de incorporar o cinema à comunidade, formas de pensar a si com o cinema e de fazer do cinema um instrumento de resistência através de imagens e sons que singularizam a experiência cinematográfica indígena.

Os modos de vida e as formas de fazer cinema apresentados nesses filmes vêm sendo acompanhados por esforços reflexivos de pesquisadores que têm se ocupado em refletir sobre o cinema indígena e, alguns destes, incluídos neste catálogo.

Reunidos em Diamantina, durante o 45o Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, os cineastas indígenas nos lembram que: “Há na sociedade brasileira uma persistente invisibilidade das tradições culturais indígenas, e poucos instrumentos de difusão desta realidade. As imagens veiculadas na grande mídia são reiterativas de preconceitos e informações equivocadas sobre o universo indígena. Tal situação contradiz o que determina a Constituição Federal em relação às populações indígenas e o que a mesma expressa sobre a necessidade de democratização dos meios de comunicação, como nos trechos: 1) o Artigo 231, que assegura às populações indígenas o “reconhecimento de sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições”; 2) os princípios declarados no Artigo 221, segundo os quais “A produção e a programação das emissoras de rádio e televisão” darão “preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas”, à “promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação”, e à “regionalização da pro-dução cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei”; 3) o Artigo 215, que assegura que o Estado garantirá “a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”, citando especificamente a proteção das “manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras.”

De alguma maneira, a Mostra Cinema e Direitos Humanos já é uma forma de debate e conversa entre o estado, a universidade, os direitos humanos e a produção cinematográfica indígena. Mas, ainda é pouco. Os filmes que aqui apresentamos nos mostram uma parte da força inventiva desses povos, uma força que pode se desdobrar em polí-ticas específicas para as populações indígenas, programas de capacitação e espaço na TV e nas salas de cinema.

Muito mais do que uma curiosidade, é com o cinema indígena também que aprendemos sobre a diversidade e a força que o cinema pode ter.

Cezar Migliorin e Luana Farias Curadoria da Mostra Cinema Indígena

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CINE INDÍGENA EN BRASIL

Cuando decidimos traer para la 8va Muestra de Cine y Derechos Humanos en Sudamérica una pequeña parte de lo que los pueblos indígenas producen en el continente hoy, deseábamos, en primer lugar,

compartir con los espectadores de la Muestra un doble invención que atraviesa estas películas. Con las pelícu-las podemos estar cerca de las maneras de lidiar con la tradición que expresa no sólo la riqueza y diversidad de los indios en Brasil, pero la capacidad de invención del ser humano. Pero más que ser representada o auto-rrepresentarse, el cine indígena ha desarrollado técnicas, estilos, formas de incorporación del cine a la comu-nidad formas de pensar acerca de sí mismos con el cine y de hacer del cine un instrumento de resistencia a través de imágenes y sonidos que singularizan la experiencia cinematográfica indígena.

Las formas de vida y formas de hacer cine que se presentan en estas películas han sido acompañados por esfuerzos de reflexión de los investigadores que se han ocupado en pensar en el cine indígena, algunos de ellos, incluidos en este catálogo.

Reunidos en Diamantina, durante el 45o Festival de Invierno de la Universidad Federal de Minas Gerais, los realizadores indígenas nos recuerdan que: “Hay en la sociedad brasileña una persistente invisibilidad de las tra-diciones culturales indígenas y pocos instrumentos para la difusión de esta realidad. Las imágenes difundidas por los medios de comunicación son reiterativas de los prejuicios y la desinformación sobre el universo indígena. Esta situación contradice lo que determina la Constitución Federal en relación con los pueblos indígenas y que se ex-presa la necesidad de democratización de los medios de comunicación, como en los pasajes: 1) El artículo 231, que garantiza a los pueblos indígenas “el reconocimiento de su organización, costumbres sociales, lenguas, creencias y tradiciones, 2) los principios establecidos en el artículo 221, según el cual “la producción y la programación de la radio y la televisión “darán“ preferencia a finialidades de educación, artística, cultural e informativa”, a la “promo-ción de la cultura y el fomento de producciones independientes nacionales y regionales para la divulgación y regio-nalización de los porcentajes culturales, artísticos y periodísticos según lo establecido por la ley”, y 3) del artículo 215, que dispone que el Estado garantizará “a todos el pleno ejercicio de los derechos culturales y el acceso a las fuentes de la cultura nacional, y apoyará y fomentará la valoración y la difusión de expresiones culturales”, citando específicamente la protección de “las manifestaciones de las culturas populares, indígenas y afro-brasileñas”.

De alguna manera, la Muestra de Cine y Derechos Humanos es ya una forma de debate y discusión entre el Estado, la universidad, los derechos humanos y la producción de cine indígena. Pero, todavía es poco. Las películas que presentamos acá muestran una parte de la fuerza inventiva de esos pueblos, una fuerza que puede desarollar en politicas especificas para las poblaciones indigenas, programas de capacitación y espa-cio en la tele y en las salas de cine.

Mucho más que una curiosidad es con el cine indígena también que aprendendemos acerca de la diversi-dad y la fuerza que el cine puede tener.

Cezar Migliorin e Luana Farias Curadoria de la Muestra Cine Indígena

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Temendo a morte da esposa idosa, um velho pede que seu sobrinho realize o Jamurikumalu, o maior ri-tual feminino do Alto Xingu (MT), para que ela possa cantar uma última vez. As mulheres do grupo come-çam os ensaios, enquanto a única cantora que de fato sabe todas as músicas se encontra gravemente doente.Premiado no festival de Gramado com os prêmios Especial do Júri e Melhor Montagem.

Temiendo la muerte de su mujer anciana, un ancia-no le pide a su sobrino que lleve a cabo el Jamuriku-malu, el mayor ritual femenino del Alto Xingu (MT), para que ella pueda cantar por última vez. Las mu-jeres comienzan los ensayos, mientras que la única cantante que realmente sabe todas las canciones se encuentra gravemente enferma.Premiada en el Festival de Gramado con el premio Especial del Jurado y Mejor Montaje.

AS HIPER-MULHERESLAS HIPER-MUJERES

Takumã Kuikuro, Carlos Fausto, Leonardo Sette Brasil, 2011, 80’, doc

R - Carlos Fausto, Leonardo Sette, Takumã Kuikuro

M - Takumã Kuikuro EP - Carlos Fausto, Vincent Carelli

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Este artigo sistematiza observações etnográ-ficas esparsas sobre mulheres, feminino,

sexo(s) e sexualidade entre os Kuikuro, povo Kanb do Alto Xingu1, recolhidas às margens de uma pes-quisa de outra natureza e com outros objetivos2. [...] A sequência da minha narrativa acompanha de modo bastante isomórfico o desenrolar de minha experiência de trabalho e vivência numa aldeia indí-gena de umas trezentas pessoas entre 1976 e 1982. Percorre-se um trajeto que me afastou aos poucos do estranhamento inicial devido ao meu ser estran-geiro e mulher. Um ser inicialmente andrógino aca-ba sendo arrastado para uma identidade feminina construída no contraditório entre a mulher do lado de cá e a mulher que se experimenta do lado de lá. A necessidade de sobrevivência emocional impulsiona uma vez lá a uma feminilização aparentemente ar-caica, convivendo com a recusa ou reação diante de um ser mulher que de novo aparentemente revela cruamente algo que nós do lado de cá identificamos como marginalização, inferiorização, uma condição sofrida. Finalmente se dá a descoberta das mulhe-

1. A região do Alto Xingu, situada no Estado de Mato Grosso consti-tui uma unidade dos pontos de vista ecológicos, político e cultural, resultado de uma longa história de migrações e ajustamento de diversos povos indígenas - que acabaram formando uma sociedade intertribal e plurilíngue compartilhando muitos elementos da orga-nização social e cosmológicos. No Alto Xingu convivem grupos de língua Kanb, Aruak, Tupi.

2. Minha pesquisa foi e é de natureza linguística e o objetivo do trabalho de campo realizado num período de um ano e meio foi a documentação, descrição e análise da língua Kuikuro - uma das variantes do Kanb alto xinguano. Minha tese de Doutorado foi um estudo propriamente etnolinguístico onde além da estrutura são considerados valores e usos da língua no contexto social e cultural.

MULHERES ENTRE OS KUIKURO* MUJERES ENTRE LOS KUIKURO

Bruna Franchetto (Museu Nacional-UFRJ)

Este artículo sintetiza las observaciones etno-gráficas dispersas sobre las mujeres, femenino,

sexo (s) y la sexualidad entre personas Kuikuro, pueblo Kanb del Alto Xingu1, reunidas en las orillas de un estu-dio de otro tipos y otros objetivos2. [...] La secuencia de mi narración acompaña de modo bastante isomorfo el desarollo de mi experiencia de trabajo y vivencia en una aldea indígena de alrededor de trescientas per-sonas entre 1976 y 1982. Atraviesa un camino que me alejaba lentamente de la extrañeza inicial, debido a mi condición de extranjera y mujer. Un ser inicialmente andrógino termina siendo arrastrado a una identidad femenina construida en contradicción entre la mujer de este lado y la mujer que vive allí. La necesidad de supervivencia emocional conduce una vez allí a una feminización aparentemente arcaica, convivendo con la negación o la reacción a ser una mujer de nuevo, aparentemente revela descarnadamente algo que te-nemos en este lado identificado como la alienación, la inferioridad, una condición sufrida. Finalmente se dá el descubrimiento de las mujeres, una vez logrado el

1. El Alto Xingu, es una región en el estado de Mato Grosso que constituye una unidad de puntos de vista ecológicos, políticos y culturales resultado de una larga historia de migraciones y ajustes de varios pueblos indígenas - que con el tiempo formaron una sociedad intertribal y plurilingüe compartiendo muchos elementos de la organización social y la cosmología. En el Alto Xingu conviven grupos de lenguas vivas como Kanb, Arawak, Tupi.

2. Mi investigación ha sido y es de carácter lingüístico y el fin del trabajo de campo llevado a cabo durante un período de un año y medio fue la documentación, descripción y análisis del lenguaje Kuikuro - una de las variantes del Kanb alto Xinguano. Mi tesis doctoral fue un estudio donde propiamente etnolingüístico más allá de la estructura se consideran valores y usos de la lengua en su contexto social y cultural.

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res, uma vez alcançado o domínio básico da língua nas conversas, no trabalho de entendimento de pa-lavras, expressões narrativas, cantos, a descoberta enfim do coletivo feminino e do seu poder. [...]

Entre os homens, observando as mulheres

A primeira fase de vivência na aldeia Kuikuro ca-racterizou-se pela solidão e por um sentimento duro de estar às margens de uma sociedade em que eu era absolutamente estrangeira e estranha. Coloca-ram-me no lugar surreal de um ser andrógino. [...] Há duas características definidoras do ser mulher entre os Kuikuro (mas não apenas): o sangue (essencial-mente o menstrual) e um cheiro particular inconfun-dível, excitante e nojento, perigoso para homens e indivíduos em situações liminares (transformações na iniciação e na doença, integridade do lutador e do pajé). A menarca é um fato iniludível da vida da mulher marcando uma passagem crítica de seu ciclo biológico e social, uma metamorfose que se proces-sa ao longo do período da reclusão pubertária3. [...] O corpo é fabricado para a beleza nos cânones cul-turais específicos e para uma estética do consumo sexual. O ideal da beleza feminina é representado pelo corpo da reclusa que já manifesta as formas de um trabalho de escultura em carne viva. [...]

3. Por uma escolha motivada, trato aqui apenas da reclusão pu-bertária feminina. Há uma reclusão paralela para os meninos que, todavia, ingressam nela em momentos diferentes, já que não existe para eles o sinal manifesto de um primeiro sangue. O adolescente também é feito (yi) durante a reclusão num processo com caracte-rísticas muito semelhantes àquelas que descrevo para as mulheres. Eduardo B. Viveiros de Castro faz desse tema uma questão central para o entendimento do locus da pessoa entre os Yawalapiti, outro grupo alto xinguano (“A Fabricação do Corpo na Sociedade Xingua-na”. In: OLIVEIRA FILHO, João Pacheco, de Sociedades Indígenas e Indigenismo no Brasil. Rio de Janeiro: Ed. Marco Zero/UFRJ, 1987 {p.31-42}). Patrick Menget fala de uma espécie de terceiro sexo, uma condição que faz do recluso uma categoria quase indiferenciada sexualmente ou genericamente feminilizada [..].

dominio básico del idioma en las conversaciones, en el trabajo de la comprensión de las palabras, frases, canciones, narraciones finalmente descubrimos del colectivo femenino y de su poder [...]

Entre los hombres, observando las mujeres

La primera fase de la vida en la aldea Kuikuro se caracterizó por la soledad y por un sentimiento duro de estar en los márgenes de una sociedad en la que yo era absolutamente extraña y ajena. Me pusieron en un lugar surrealista de un ser andrógino. [...] Hay dos características que definen el ser una mujer entre kuikuro (pero no sólo): la sangre (esencialmente mens-trual), y un olor particular, inconfundible, emocionante y repugnante, peligrosos para los hombres y aquellos en situaciones liminares (cambios en el inicio y com-batiente de la enfermedad y la integridad del chamán). La menarquia es un hecho ineludible de la vida de las mujeres que marcan un pasaje crítico de su ciclo de vida y la metamorfosis social que se lleva a cabo durante el período de aislamiento pubertário. [...] El cuerpo está fabricado con los cánones de belleza en especificidades culturales y una estética de consumo sexual. El ideal de belleza femenina está representada por el cuerpo de la reclusa que ya se manifiestan en las formas de trabajo de escultura en carne viva [...]3.

La sangre y el olor definen mujer fértil sexual, y

3. Para una elección motivada, se trata aquí sólo de aislamiento pubertad femenina. Tiene una reclusión paralela para los niños, que entran en ella en momentos diferentes ya que no existe para ellos el signo manifiesto de la primera sangre. El adolescente también se hace (yi) durante su encarcelamiento en un proceso con caracte-rísticas muy similares a los que describo de las mujeres. Eduardo B. Viveiros de Castro hace de este tema una cuestión central para la comprensión del lugar de la persona entre los Yawalapiti, outro grupo del alto Xingu (“La fabricación del cuerpo en la Sociedad Xinguana.” En: Oliveira Filho, João Pacheco: Sociedades Indíge-nas e Indigenismo en Brasil . Río de Janeiro: Ed. Zero / UFRJ, 1987 {p.31-42}). Patrick Menget habla de una especie de tercer sexo, una condición que hace del recluso una categoría casi sexualmente indiferenciada o generalmente feminizada [..].

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Sangue e cheiro definem a mulher fértil sexuada, e por isso desejada e temida ao ser controlada no interior dos limites do seu universo voraz. [...] Crianças e velhas (até os oito anos e depois dos quarenta aproximadamen-te) existem também às margens. Não-mais-férteis gozam de alguns privilégios não concedidos às outras como um certo e tranquilo acesso aos territórios e aos corpos mas-culinos. [...] Naquele espaço/tempo somente poderia ser amada por homens e mulheres se eu me reconhecesse mulher aceitando aquelas regras do jogo.

[...] Às mulheres, sobretudo, é atribuído o poder da fala criativa da mentira4 e elas detêm o poder oculto de criar, desfazer, intervir nas relações sociais através do uso da fala não pública5. Alijadas da fala pública, elas detêm em muitas ocasiões a palavra final em decisões importantes e na resolução de disputas faccionais em nível tanto dos grupos fami-liares como da própria aldeia, podendo ultrapassar as fronteiras locais e intervir em alianças e conflitos inter-aldeias. A fofoca é perigosa. Há um continuum que liga os dois extremos da vida política: a fofoca e a acusação. Esta ultima é um ato de extrema gravida-de que pode instigar vinganças mortais.

4. Por um lado, os Kuikuro consideram que a linguagem/fala ordinária é capaz de uma inventividade ilusória infinita dada a sua capacidade de criar objetos verbais separados de seus referentes e dar-lhes vida própria na comunicação de boca-a-boca - bem como de subordinar a construção de universos verbais a objetivos prefigurados. Assim, os Kuikuro concebem a linguagem/fala muito claramente pelos seus aspectos representacionais e intencionais conjugando as funções básicas ideativa e pragmática. Nesse sen-tido falar é inerentemente, até prova em contrário, mentir. Mentir é criar e é poder.

5. Os mestres da arte narrativa dos discursos cerimoniais da oratória são homens. Há mulheres consideradas boas contadoras, mas seu estilo narrativo se distingue por ser mais condensado, mais dramá-tico e com um uso mais restrito das repetições e dos paralelismos. As mulheres com status de chefia (herdado e exercido) ou as mais velhas podem executar falas públicas, outro estilo com suas próprias características formais essencialmente formuláico. [...] Eu era uma velha, mas sem poderes, eu era uma mulher sexuada mantida a distância pelo seu cheiro e pelo seu sangue.

así deseada y temida al ser controlada dentro de los límites de su universo voraz. [...] También exis-ten niños y mayores (de hasta ocho años de edad y después de unos cuarenta años) en los márgenes. No - más-fértiles disfrutan de algunos privilegios no concedidos a otras como un cierto y tranquilo ac-ceso a los territorios y los cuerpos masculinos. [...] Ese espacio / tiempo sólo puede ser amado por los hombres y mujeres si yo me reconociese como mu-jer aceptando esas reglas del juego.

[...] Para las mujeres, sobretodo, se les da el po-der del habla creativa de la mentira4 y ellas poseen el poder oculto de crear, deshacer, intervenir en las relaciones sociales a través del uso del habla no pú-blico5. Desechadas de la oratoria, ellas poseen en muchas ocasiones la última palabra en las decisio-nes importantes y la resolución de disputas entre facciones, tanto a los grupos de la familia como el pueblo en sí, pudiendo superar los límites locales y participar en alianzas y conflictos entre los pueblos. El chisme es peligroso. Hay un continuum que conec-ta los dos extremos de la vida política: los chismes y la acusación. Este último es un acto de extrema

4. Por un lado, los Kuikuros consideran que el lenguaje / habla ordi-naria es capaz de una inventiva ilusoria infinita dada a su capacidad de crear objetos separados de sus referentes verbales y darles la vida misma en la comunicación boca-a-boca -, así como hacer que la construcción de los universos verbales objetivos prefigurados. Así, los Kuikuro conceben el lenguaje / habla muy claramente em sus aspectos representacionales y intencionales que combinan las funciones básicas ideacionales y pragmáticas. En este sentido ha-blar es inherentemente hasta que se demuestre lo contrario, mentir. Mentira es crear y es poder.

5. Los maestros en el arte narrativo del discurso oratorio ceremo-nial son hombres. Hay mujeres consideradas buenas contadoras, pero su estilo narrativo se distingue por ser más condensado, más dramático y con un uso más limitado de repeticiones y paralelismos. Las mujeres com status de liderazgo (heredado y ejercido) o las mayores pueden realizar discursos públicos, otro estilo con sus pro-pias características esencialmente formales formulistas. [...] Yo era una vieja, pero sin poderes, yo era una mujer sexuada mantenida a distancia por su olor y por su sangre.

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[...] O tema da circulação vital e perigoso dos boa-tos é recorrente nos cantos tolo executados princi-palmente por ocasião das festas Jamurikumalu e Kwampy. [...] A maioria das festas são executadas para domesticar hiper-seres, digamos, sobrenaturais causadores de doenças, mortes e destruição. [...]

Entre as mulheres, observando os homens

Com o tempo sofri uma metamorfose que as mu-lheres estavam esperando com certa ansiedade. [...] As Kuikuro estavam muito interessadas em nossas conversas, em entender minhas experiências en-quanto mulher do lado de cá e compará-las com as suas próprias. Perguntavam-me sobre dor, a primei-ra relação sexual, o que os homens pagam para as mulheres, o assunto sexo era central. Diziam-me que suas vidas são atravessadas pela experiência da dor (sini), a mesma dor de todos e que todos aprendem a suportar ate minimizá-la como fato iniludível. Há uma dor feminina, associada em particular ao sexo e ao parto. A dor do parto é sem dúvida mais violenta, a mais aguda e intensa que um ser humano pode sen-tir, me diziam. Para as mulheres, é um drama ines-quecível. [...]

Sexo é também dor para as mulheres - e essa dor está associada à penetração. Ousaria falar de pene-tração traumática como dizia uma feminista radical na Alemanha dos anos 70. Quando conversávamos so-bre a primeira vez havia sempre duas perguntas ini-ciais: “Doeu?” e “Qual foi o pagamento (ihipy)?”. A par-tir das respostas se desenrolavam discussões sobre sexo, dor e prazer que revelavam sempre uma con-tradição entre o mal necessário e o bem conquistado.

O prazer para as mulheres Kuikuro é relativo e depende de raras ocasiões e de certas e raras po-sições. Mulheres e homens seduzem, mas somente os homens manifestam um comportamento violen-

gravedad que puede instigar a la venganza mortal.[...] El tema de la circulación vital y peligrosa de

los rumores es recurrente en los cantos tolo (com itálico), ejecutados principalmente durantes las ce-lebraciones Jamurikumalu y Kwampy [...] La mayoría de los festivales se llevan a cabo para domar hiper-seres, por ejemplo, las causas sobrenaturales de la enfermedad, la muerte y la destrucción. […]

Entre las mujeres, mirando a los hombres

Con el tiempo sufrió una metamorfosis que las mujeres esperaban con cierta ansiedad. [...] Las kuikuro estaban muy interesadas en nuestras con-versaciones, en entender mis experiencias como mujer en este lado y compararlos con las propias. Me preguntaron sobre el dolor, la primera relación sexual, lo que los hombres pagan por las mujeres, la cuestión del sexo era central. Me dijeron que sus vidas están impregnadas de la experiencia del dolor (sini), el mismo dolor para todos y que todo el mun-do aprende a enfrentarse a encogerse de hombros, como un hecho ineludible. Hay un dolor femenino, asociado en particular, al sexo y el parto. El dolor del parto es, sin duda, el más violento, el más agudo e intenso que un ser humano puede sentir, me decían. Para las mujeres, es un drama inolvidable. [...]

El sexo es también dolor para las mujeres - y este dolor se asocia a la penetración. Osaría a hablar de la penetración traumática, como dijo una feminista radical en Alemania de los 70. Cuando hablamos de la primera vez, siempre había dos preguntas iniciales: “¿Te dolió?” y “¿Cuál fue el pago (ihipy)?”. De las respuestas se de-sarrollaban las discusiones sobre el sexo, el placer y el dolor, que siempre puso de manifiesto una contradic-ción entre el mal necesario y el bien conquistado.

El placer de las mujeres Kuikuro es relativo y de-pende de raras ocasiones y certas y raras posicio-

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to. [...] Com essas características, a primeira relação sexual pode ocorrer quando a mulher é ainda pré-a-dolescente, antes da menarca por iniciativa de ho-mens bem mais velhos. Após o acontecido, a meni-na permanece alguns dias praticamente escondida dentro de sua casa envergonhada (ihysu) debaixo de um cobertor que a protege como um manto, com um semblante tristonho, sem falar. Passada essa espécie de iniciação e essa reclusão reduzida, tudo volta ao normal, [...] não restando marcas aparentes se não na lembrança da dor reavivada pelas conversas [...].

Jamurikumalu, as Hiper-Mulheres

Jamurikumalu é mito, é rito. Por esse nome é co-nhecida, inclusive pelos não índios, uma das princi-pais festas intra e inter-tribais do Alto Xingu, rito com personagens femininas executado por mulheres que rememora e atualiza anualmente o mito homônimo. [...] Jamurikumalu é a palavra em língua Aruak ( jamu-ri-kuma- lu, “mulher-hiper-feminino”); em Kuikuro, lín-gua Karib e itao kwery mulher hiper6. A glosa hiper que proponho para os modificadores Kuma e kwery é apenas uma aproximação na tentativa de traduzi-los. Sobre seu significado, já temos exegeses inte-ressantes por parte de etnólogos que conhecem as sociedades alto-xinguanas7. Neste contexto é sufi-ciente dizer que todo ser, digamos, mítico, se define pela distância cognitiva e pelo excesso; ele é hiper num sistema de relações diferenciais com os seres atuais (“reais”) que são adequados na medida cer-ta ou inadequados por deficiência. Os seres hiper pertencem ao domínio da fabulação coletiva que

6. O Alto Xingu é um sistema sócio-cultural multilíngüe onde são faladas línguas Kanb, Aruak e Tupi por nove povos distintos em dez aldeias. Boa parte do vocabulário mítico e ritual é em língua Aruak.

7. Veja-se, por exempl,o o artigo de Eduardo Batalha Viveiros de Castro, “Alguns Aspectos do Pensamento Yawalapiti (Alto Xingu) classificações e transformações”. In: Sociedades Indigenas e Indige-nismo no Brasil. Rio de Janeiro: Marco Zero/UFRJ, 1987 (p. 43- 83).

nes. Mujeres y hombres seducen, pero sólo los hom-bres presentan un comportamiento violento. [...] Con estas características, la primera relación sexual pue-de ocurrir cuando la mujer es todavía impúber antes de la menarquia, por iniciativa de hombres mucho más viejos. Después del incidente, la niña perma-nece unos días prácticamente escondida dentro de su casa avergonzada (ihysu) bajo una manta que la protege como un manto, con un semblante tristón, sin hablar. Pasada este tipo de iniciación y ese en-carcelamiento reducido, todo vuelve a la normali-dad, [...] sin dejar marcas evidentes sino del recuer-do del dolor revivado por las conversaciones [...]

Jamurikumalu, las Hiper-Mujeres

Jamurikumalu es mito, es rito. Por ese nombre es conocida, incluso por los no-indios, uno de los prin-cipales festivales intra e inter-tribal del Alto Xingu, ritos con personajes femeninos realizados por muje-res que recuerdan y actualizan anualmente el mito homónimo. [...] Jamurikumalu es la palabra en len-gua Aruak ( jamuri-kuma-lu, “mujer hiper-femenina”), en Kuikuro lengua Karib e Itao kwery mujer hiper6. La glosa hiper que propongo para la modificadores kwery y Kuma es sólo una aproximación para tratar de traducirlas. En cuanto a su significado, tenemos exégesis interesantes por los etnólogos que cono-cen las sociedades de alto xinguanas7. En este con-texto, es suficiente decir que cada ser, digamos, mí-tico, se define por la distancia cognitiva y el exceso, él es hiper en un sistema de relaciones diferencia-les con seres actuales (“reales“) que son apropiados

6. El Alto Xingu es un sistema sociocultural multilíngüe donde son ha-bladas lenguas Kanb, Aruak y Tupi por nueve pueblos distintos en diez aldeas. Buena parte del vocabulario mítico y ritual es en lengua Aruak.

7. Véase, por ejemplo el artículo de Eduardo Batalha Viveiros de Castro, “Algunos Aspectos del Pensamiento Yawalapiti (Alto Xingu) clasificaciones y transformadociones”. En: Sociedades Indígenas e In-digenismo en Brasil. Rio de Janeiro: Marco Zero/UFRJ, 1987 (p. 43- 83).

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discorre sobre as origens, são cosmogônicos mas contemporâneos. Existem em algum espaço/tempo e poderiam ser pensados como modelos, ideias ca-tegorizadoras gerativas - como hiper-canoa, hiper-pequi, hiper-gente, hiper-onça, hiper-peixe, hiper-caraiba8, hiper-mulher etc. [...]

Há, todavia, no caso das Jamurikumalu9, um des-compasso em pathos entre mito e rito. Enquanto a narrativa é trágica e mobiliza contador e audiência na emoção de uma viagem cognitiva através de um ce-nário virtual - a possibilidade - a festa redimensiona o imaginado/imaginável numa espécie de peça tragicô-mica que alterna momentos solenes a outros de ab-soluta comicidade catártica. O mito é história, e o rito repete a história como farsa. No mito dominam as mu-lheres, no ritual dominam os homens por serem não atores, mas diretores em última instância. As mulheres representam com empenho e seriedade, enquanto os homens assistem, avaliam, dirigem, detentores das normas da tradição, a sequência das danças e can-tos, os movimentos. O clima geral não é o mesmo de outras festas, já que deboche e risos acompanham as críticas masculinas ao desempenho feminino.

Uma revisitação do mito da revolta feminina

[...] As mulheres Kuikuro falam a contento do que as distinguem dos homens, da diferença, e ao mes-mo tempo discorrem a contento sobre a sua posição desigual numa relação hierárquica que elas não in-

8. O termo caraíba em português é usado em todo o Alto Xingu para referir-se aos brancos em Kuikuro e Kagatha.

9. Jamurikumalu é também a akinha (estória narrativa) das Hiper-Mulheres que existiram entre os alto-xinguanos e existem hoje nos confins do mundo, quem sabe nas cidades dos caraíbas, dizem os Kuikuro. A festa Jamurikumalu é reencenação periódica de um fato fundador, a primeira execução dos cantos femininos que consti-tuem a transformação das Hiper-Mulheres; definitiva e primordial no mito, momentânea e representacional no ritual. O ritual rememora e atualiza no parêntese cerimonial uma possibilidade imaginada dramaticamente na narrativa.

en la medida cierta o inadecuados por deficiencia. Los seres hiper pertenecen al dominio de la fabula-ción de colectiva que trata sobre los orígenes, son cosmogónicos pero contemporáneos. Existen en un espacio/tiempo y podrían ser considerados como modelos, ideas categorizadoras generativas - como hiper-canoa, hiper-pequi, las hiper-gente, hiper-onza, hiper-pez, hiper-caraiba8, hiper-mujer, etc. [...]

Hay, sin embargo, en el caso de Jamurikumalu9, un desajuste del pathos entre el mito y el ritual. Aunque la historia es trágica y moviliza al público en la emo-ción de un viaje cognitivo a través de un escenario virtual - la posibilidad - la fiesta re-dimensiona lo ima-ginario/imaginable en una especie de juego tragicó-mico que alterna con momentos solemnes de catarsis cómica absoluta. El mito es historia y el ritual repite la historia como farsa. Dominan las mujeres en el mito, en el ritual dominan los hombres, ya que no son acto-res, sino en última instancia son directores. Las muje-res representan compromiso y seriedad, mientras que los hombres miran, evalúan dirigen las normas de la tradición, de la secuencia de danzas y canciones, los movimientos. El clima general no es lo mismo que en otras fiestas, ya quela burla y la risa acompañan las críticas masculinas para el rendimiento femenino.

Revisando el mito de rebeldía femenina

[...] Las mujeres kuikuro hablan con la satisfacción de los distinguidos hombres de la diferencia, mien-

8. El término caraíba en portugués es usado en todo el Alto Xingu para referirse a los blancos en Kuikuro y Kagatha.

9. Jamurikumalu es también akinhá (historia narrativa) de Hiper-Mu-jeres que existían entre el Alto Xingu y existen en la actualidad en los confines del mundo, tal vez en las ciudades de los caríbas, dicen los kuikuro. La fiesta Jamurikumalu es recreación periódica de un hecho fundador, la primera ejecución de los cantos femeninos que componen la transformación de las Hiper-Mujeres; mito definitivo y primordial, momentáneo y representacional en el ritual. El ritual rememora y actualiza enel paréntesis ceremonial una posibilidad imaginada drásticamente en la narración.

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terpretam como dominação ou opressão, conceitos e sentimentos de uma condição feminina e de um discurso feminista que são produtos históricos e cul-turais específicos ocidentais e modernos10. Falei em imperativos biológicos que redundam em hierarquia, é disso que falam as mulheres Kuikuro. Nisso nós nos reconhecemos próximas. Mencionei o sentido especí-fico que para elas têm a experiência do prazer sexual. Nisso nós nos reconhecemos diferentes e próximas ao mesmo tempo. Ressaltam-se assim os momentos e os espaços de poder feminino (o mercado, a fofoca, os amantes), a fabulação feminina, a construção de um coletivo feminino que se opõe ao masculino em verda-deiras guerras de gênero. É aí que as Kuikuro sentem prazer e riem plenamente.

O mito/rito das Jamurikumalu tematiza essen-cialmente o encontro/desencontro de homens e mulheres enquanto coletivos distintos e opostos e a possibilidade imaginada, mas experenciada com intensidade na narrativa e na festa [...]. As Jamuriku-malu continuam nos limites do mundo, senhoras de suas aldeias perigosas e fascinantes (fascínio que é perigo, sonho e desejo).

A força da oposição homens/mulheres operativa na sociedade, como já disse, é tão produtiva quanto a famosa complementaridade. Aliás, não há comple-mentaridade sem oposição. O mito/rito das Jamu-rikumalu isola o tema da diferença e trabalha-o até as últimas consequências; uma diferença absoluta, metabolizada finalmente numa nova ordem não mais baseada numa complementaridade que forçada-mente diria pela inevitável sujeição aos imperativos biológicos redunda em hierarquia sexual, mas sim

10. Veja se a propósito de um exercício de relativização antropoló-gica do feminismo o artigo de B Franchetto M L Viveiros de Castro Cavalcanti e M L Heilborn, “Antropologia e Feminismo”. In: FRAN-CHETTO B. (org.) et ais Perspectivas Antropologicas da Mulher. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1981, v.1, (p. 11-47)

tras que al mismo tiempo sufren sobre su situación de desigualdad en una relación jerárquica que ellas no interpretan como dominación y la opresión, con-ceptos y sentimientos de una condición de mujer y de un discurso feminista que son productos históri-cos y culturales occidentales y modernos10. Hablé en imperativos biológicos que dan lugar a la jerarquía, es de eso que hablan las mujeres que Kuikuro. En eso nosotras nos reconocemos próximas. Mencioné el sentido específico que para ellas tiene la experien-cia del placer sexual. En eso nos reconocemos dife-rentes y próximas al mismo tiempo. Se destacan así los momentos y espacios del poder femenino (el mer-cado, el chisme, los amantes), la mujer legendaria, la construcción de un colectivo femenino que se opone al género masculino en las guerras de género. Ahí es donde las Kuikuro sienten placer y ríen plenamente.

El mito/ritual de las Jamurikumalu reflexionn esencialmente el encuentro/choque de hombres y mujeres como colectivos distintos y opuestos y la posibilidad imaginada, pero experenciada intensa-mente en la narrativa y en la fiesta [...]. Las Jamuriku-malu permanecen dentro de los límites del mundo, señoras de sus aldeas peligrosas y fascinantes (fas-cinación que es peligro, el sueño y el deseo).

La fuerza de la oposición hombre/mujer opertativa en la sociedad como ya he dicho, es tan productiva como la famosa complementariedad. Por cierto, hay una complementariedad sin oposición. El mito/ritual de Jamurikumalu aísla el tema de la diferencia y lo trabaja hasta sus últimas consecuencias, una diferen-cia absoluta, finalmente metabolizada en un nuevo orden no más basado en la complementariedad y que

10. Véase a propósito de un ejercicio de relativización antropológi-ca del feminismo el artículo de B Franchetto M L Viveiros de Castro Cavalcanti y M L Heilborn, “Antropología y Feminismo”. En: FRAN-CHETTO B. (org.) Perspectivas Antropológicas de la Mujer. Rio de Janeiro: Editora Zahar, 1981, v.1, (p. 11-47)

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baseada na homogeneidade (feminina). É a invenção da única ordem igualitária possível para as mulheres, fantasia antiga e frequentemente tematizada. É a criatividade coletiva (feminina) a serviço da ideação de um paraíso de uma terra sem males. Assim, a nar-rativa fala de e o rito encena fragmentariamente um antagonismo irredutível, uma ordem feminina possí-vel, contrastando com uma reversão animalesca dos homens. Não há Hiper-Homens, mas SIM Hiper-Por-cos e Hiper-Mulheres. As Jamurikumalu rompem a aliança, se afastam definitivamente, eliminam no ex-terior e absorvem no interior a seu modo a diferença, o masculino. Elas são seres hermafroditas; os clitóris se transformam em pênis, esfregando-se com casca de pequi intensificam seu cheiro vaginal na superfí-cie de todo o corpo; apoderam-se das insígnias mas-culinas, neutralizam todas as proibições, não somen-te sexuais (as flautas kagutu), como também as que atingem todos os indivíduos em sociedade.

Penso nas consequências do uso nesse contex-to do classificador hiper: a distância e capacidade gerativa, cognitivamente falando, de uma catego-ria hiper fazem com que seja possível pensar num mundo virtual feminino de densidade máxima e na decantação deste até o mundo real adequado (mas empobrecido), existente (mas apenas suficiente). Este é o mundo real em que existem homens, não só mulheres, diferença pênis e vaginas, divisão sexual do trabalho, espaços, proibições e medos destina-dos exclusivamente às mulheres, o destino familiar. Quantas mulheres já sonharam com essa viagem?

Entre os Kuikuro aprendi a gostar da diferença.

Extratos retirados do artigo “Mulheres entre os Kuikuro”, publicado originalmente/Extractos tomados del artículo “Mulheres entre los Kuikuro”, publicado originalmente(in) Estudos Feministas, Rio de Janeiro: UFRJ/IFCS, v. 4, n. 1, p. 35-54, 1996.

forzosamente diría por el sometimiento inevitable a los imperativos biológicos de los resultados en la je-rarquía sexual, pero sin basarse en la homogeneidad (femenina). Se trata de la invención del único orden igualitario posible posible para las mujeres, de la fan-tasía antigua y a menudo tematizada. Es la creatividad colectiva (femenina) al servicio de la ideación de un paraíso en la tierra sin males. Por lo tanto, la narrati-va habla del rito partido fragmentariamente un en un antagonismo irreductible, una orden que puede ser femenina, en contraste con una inversión animalesca de los hombres. No hay Hiper-Hombres, pero SÍ Hi-per-Cerdos e Hiper-Mujeres. Las Jamurikumalu rom-pen la alianza, se apartan definitivamente, eliminan en el exterior y absorben en el interior la diferencia a su manera, lo masculino. Son seres hermafroditas, los clítoris se convierten en penes, frotandose con la cáscara de Pequi, intensifican su olor vaginal en la su-perficie de todo el cuerpo, se apoderan de las insig-nias masculinas, neutralizan todas las prohibiciones, no sólo sexuales (flautas kagutu), así como también las que afectan a todos los individuos en la sociedad.

Pienso en las consecuencias del uso de este con-texto clasificador hiper: la distancia y la capacidad generativa, cognitivamente hablando, una categoría hiper hacen posible pensar en un mundo virtual fe-menino de densidad máxima y en la liquidación de ésta a la derecha del mundo real adecuado (pero em-pobrecido), existente (pero sólo lo suficiente). Este es el mundo real, donde hay hombres, no sólo las muje-res, diferencia penes y vaginas, la división sexual del trabajo, espacios, prohibiciones y temores destina-dos exclusivamente a las mujeres, el destino de la fa-milia. ¿Cuántas mujeres ya han soñado con este viaje?

Entre los Kuikuro aprendí a gustar de la diferencia.

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Uma Imersão na espiritualidade presente no coti-diano dos Mbya-Guarani da aldeia Koenju, em São Miguel das Missões no Rio Grande do Sul.

Una Inmersión en la espiritualidad presente en lo co-tidiano de los Mbya-Guarani de la aldea Koenju, en San Miguel de las Misiones en Rio Grande del Sur.

BICICLETAS DE NHANDERÚBICICLETAS DE NHANDERÚ

Patrícia Ferreira e Ariel Ortega Brasil, 2011, 48’, doc

F - Patricia Ferreira e Ariel Ortega M - Tiago Campos Torres EP - Vídeo nas Aldeias

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MUDAR DE MUNDO, COM O CINEMA GUARANICAMBIAR DE MUNDO, CON EL CINE GUARANÍ

César Guimarães (UFMG)

Pequeninos e pequeninaspara manter e fortalecer o que nos cura,

o contentamento em nossos corações,dancemos na fonte da eterna alegria

(Canto Mbyá-Guarani sobre a Opý, a Casa de Reza1)

Em Bicicletas de Nhanderú há uma passagem na qual Ariel Ortega, jovem cineasta do cole-

tivo Mbyá-Guarani, relata um sonho: vários guarani bebiam no bar, acompanhados de “caras bravos” que lhes ofereciam pães recheados com facas. “A gente comia sangue no meio do sanduíche”, conta Ariel. Um dos ouvintes, Mariano Aguirre, depois de afirmar que “é sinal que estavam querendo nos controlar”, inda-ga: “porque será que você sonhou isso?” E ele mesmo responde: “é porque não está bem”. Ariel diz então que as festinhas realizadas na aldeia (ocasiões para dançar, jogar baralho e beber), embora tenham a con-cordância da maioria do grupo, representam a “brecha para as coisas ruins”. Tendo filmado o evento recen-temente, a preocupação do cineasta revela a situa-ção paradoxal vivida pelos Mbyá-guarani. Insidiosa, a presença dos brancos não apenas cerceia a aldeia de Koenju – pois eles matam o espírito das árvores com motosserras e espantam os animais para outro mundo (como diz Palermo, uma das crianças do filme) –, mas a corta por dentro, tanto em seu território quanto na subjetividade dos que a habitam.

1. LUCAS, Maria Elisabeth; STEIN, Marília (Org). Yvý Poty, Yva’á. Flo-res e frutos da terra. Cantos e danças tradicionais Mbyá-Guarani. Porto Alegre: Iphan/Grupo de Estudos Musicais/PPGMUS/UFRGS, 2012, p. 55.

Pequeñitos y pequeñitaspara mantener y fortalecer lo que nos cura,

el contentamiento de nuestros corazones bailemos en la fuente de la eterna alegría

(Canto Mbyá-Guarani sobre la Opý, la Casa de Reza1)

En Bicicletas de Nhanderú hay un pasaje en el que Ariel Ortega, joven cineasta del colectivo

Mbyá-Guaraní, relata un sueño: muchos Guaraní bebían en el bar, acompañados de “tipos valientes” que les ofrecían panes rellenos con cuchillos. “Nosotros bebe-mos la sangre em medio del sandwich”, dice Ariel. Uno de los oyentes, Mariano Aguirre, tras afirmar que “es una señal de que estaban tratando de controlarnos”, se pregunta, “¿por qué será que usted soñó eso?” Y él dice, “es porque no está bien.” Ariel dice que luego de las fiestitas realizadas en el pueblo (ocasiones para bai-lar, jugar a las cartas y beber), aunque haya un acuerdo de la mayoría del grupo, representan “la brecha para las cosas malas.” Después de haber filmado reciente-mente el evento, la preocupación del cineasta revela la paradójica situación experimentada por los Mbyá-Guaraní. Insidiosa, la presencia de los blancos, no sólo restringe el pueblo de Koenju - matan el espíritu de los árboles con motosierras y asustan a los animales para otro mundo (como dice Palermo, un niño de la película) -, pero la corta en el interior, tanto en su territorio, como en la subjetividad de las personas que lo habitan.

1. LUCAS, Maria Elisabeth; STEIN, Marília (Org). Yvý Poty, Yva’á. Flo-res e frutos da terra. Cantos e danças tradicionais Mbyá-Guarani. Porto Alegre: Iphan/Grupo de Estudos Musicais/PPGMUS/UFRGS, 2012, p. 55.

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Como notou muito bem André Brasil, este filme tem uma tessitura complexa que entrelaça dois tipos de extracampo: um, mitológico ou cosmológico, pre-sente na relação com os deuses e espíritos; outro, geopolítico ou cultural, que põe os guarani em es-treito e vulnerável contato com a nação brasileira: “o extracampo não está fora mas dentro, ele é, como se diz, intrínseco e coextensivo ao campo: vez ou outra, faz-se notar por meio de seus respingos, por meio de suas lascas, ou da errância das crianças; alinha-se também ao cotidiano, através das palavras ditas com vagar e atenção pelos Guarani”.2

Conhecemos muito bem como a nação brasileira promove o cerco aos Guarani: ora ela procura “inte-grá-los” para anular a diferença que portam consigo, ora os expulsa e os isola em diminutas extensões de terra - quando não os obriga a viver sob barracas de plástico à beira das estradas, como tem aconteci-do com os Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Como então ouvir e compreender realmente Nhan-derú, se os corpos e os sentidos são atraídos por outros sons, entregues a outras danças? Como ofe-recer hospitalidade aos espíritos se a aldeia não tem uma Casa de Reza?

Sem se deixar asfixiar por dicotomias entre o seu universo e o dos brancos, o filme se faz lugar de passagem entre mundos distintos, ou melhor, ele se pergunta como é possível buscar um outro mundo (A Terra sem Males) ainda neste mundo, sem que os espíritos se separem dos homens, preparados para acolher os sinais que aqueles lhes enviam. Se os deu-ses não podem ser vistos ou escutados é porque são portadores de uma palavra que somente chega ao karaí (o líder religioso) em estado de meditação, tor-nado assim puro veículo para a manifestação divina:

2. BRASIL, André. Bicicletas de Nhanderú: lascas do extracampo. Devires: Cinema e Humanidades. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, v. 9, n.1, jan/jun 2012, p. 103-104.

Como bien notó André Brasil, esta película tiene un tejido complejo que entrelaza dos tipos de extra-campo: uno, mitológico o cosmológico, presente en la relación con los dioses y espíritus, otro geopolítico o cultural, que pone a los guaraníes en vulnerable y es-trecho contacto con la nación brasileña, “el extracam-po no está fuera sino dentro, que es, como se suele decir, intrínseco y extensivo: de momento u otro, se hace notar a través de sus salpicaduras, por medio de sus astillas, o del vagabundeo de los niños; se alinean también al día a día, a través de las palabras que se hablan lentamente y con atención por los guaraníes”2.

Sabemos muy bien cómo la nación brasileña pro-mueve el asedio Guarani: ahora se trata de “integrar-los” para cancelar la diferencia que puede tener con ellos, a veces, se los expulsados y aisla en pequeñas extensiones de tierra - cuando no los obliga a vivir en tiendas de plástico en el borde de la carretera, como ha sucedido con los Guarani-Kaiowá en el Mato Grosso del Sur. Entonces, ¿cómo escuchar y enten-der realmente Nhanderú si los cuerpos y los sentidos se sienten atraídos por otros sonidos, entregados a otras danzas? ¿Cómo ofrecer hospitalidad a los espí-ritus si el pueblo no tiene una Casa de Oración?

Sin dejarse asfixiar por dicotomías entre su uni-verso y el de los blancos, la película convierte en un lugar de paso entre mundos diferentes, o más bien, se pregunta cómo es posible buscar otro mundo (la tierra sin males) todavía en este mundo, y sin separar a los espíritus de los hombres, preparado para recibir las señales que aquellos les envían. Si los dioses no pueden ser vistos o escuchados es porque son por-tadores de una palabra que sólo llega al Karai (líder religioso) en un estado de meditación, se convier-te así en vehículo puro para la manifestación divina:

2. BRASIL, André. Bicicletas de Nhanderú: lascas do extracampo. Devires: Cinema e Humanidades. Belo Horizonte: UFMG/FAFICH, v. 9, n.1, Enero/jun 2012, p. 103-104.

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uma bicicleta dos deuses, como poeticamente define o Karaí Solano Tataendy em conversa com Ariel. As belas palavras dos Guarani, como vemos, não temem se apropriar do mais corriqueiro.

Sob o regime de uma conversação musical e flui-da, que envolve o líder religioso, as crianças e outros moradores da aldeia, o filme instaura um processo de mediação que tenta vincular, sob nova forma, o que é ameaçado se romper. Os jovens cineastas di-rigem suas indagações a uns e a outros, sondando diferentes modalidades de experiência: a do karaí Tataendy que, lutando contra as imperfeições, se empenha em construir a Casa de Reza que Nhan-derú lhe encomendou em sonho; a das crianças, Pa-lermo e Neneco, que saem para apanhar lenha ou comprar sabão na casa do vizinho fazendeiro; a de Pauliciana (avó de um dos cineastas), que fabrica co-lares a partir da lasca que um raio tirou da árvore próxima à aldeia (interpretado como um aviso envia-do por Tupã, descontente com o comportamento dos Mbyá-Gurani); é ela também quem benze as primei-ras frutas da estação, as guabirobas, soprando nelas a fumaça do seu cachimbo.

Que o coletivo de cineastas se coloque justamen-te no meio, entre uns e outros (velhos e crianças, homens e mulheres), entre falas e espaços distintos (o do sagrado e o da diversão emprestada aos bran-cos) não é algo gratuito nem ocasional. Essa manei-ra de filmar faz das imagens, dos sons, das falas e, sobretudo, da presença dos corpos os componentes de um Comum que não se encerra na figura do Um. O cinema se faz meio de experimentação partilhada; em consonância com o princípio cosmológico que rege a sociedade Guarani, ele procura por aquilo que impede a comunidade de se fechar em si mes-ma, o seu fora longínquo e invisível.

Ainda com os primeiros segundos em negro, e com os trovões que ecoam, o vento, prenunciando

una bicicleta de los dioses, como poéticamente de-fine el Karai Solano Tataendy en una conversación con Ariel. Las hermosas palabras del guaraní, como vemos, no temen de apropiarse de lo más común.

Bajo el régimen de una conversación musical y fluida, que rodea al líder religioso, los niños y otros residentes de la aldea, la película establece un pro-ceso de mediación que intenta vincular, en una nue-va forma, lo que es amenazado a romperse. Los jóve-nes cineastas dirigen sus preguntas a unos y a otros, probando diferentes tipos de experiencia: la del karai Tataendy que luchando contra las imperfeccio-nes, se esfuerza por construir una casa que Oración Nhanderu que se le encargó en un sueño; la de los niños, Palermo y Neneco que salen a recoger leña o comprar jabón en el agricultor vecino; la de Paulician (la abuela de uno de los cineastas), que fabrica colla-res de la astilla que un rayo tomó del árbol cerca de la aldea (interpretado como una advertencia enviada por Tupa, descontento con el comportamiento de los Mbyá-Gurani), también es ella la que bendice los pri-meros frutos de la temporada, guabirobas soplando el humo de su pipa.

Que el colectivo de cineastas se pone a sí mismo en el centro, entre ellos (viejos y jóvenes, hombres y mujeres), entre las diferentes líneas y espacios (de lo sagrado y la diversión prestada a los blancos) no es algo gratuito o casual. Esta forma de filmar hace de las imágenes, los sonidos, las palabras, y sobre todo la presencia de los cuerpos, los componentes de Común que no se encierra en la figura de Uno. La película se lleva a cabo a través del ensayo com-partido, de conformidad con el principio cosmológico que rige la sociedad guaraní, que busca que lo que impide que la comunidad se cierre sobre sí mismo, fuera de su lejanía e invisible.

Incluso con los primeros segundos en negro, y el eco de un trueno, el viento, presagiando la lluvia

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a chuva iminente, raspa ruidosamente o plano de abertura do filme. Enquanto as nuvens se movem, adensadas pelo cinza, ouvimos a voz de Solano: “Os Tupã são assim. Eles não vêm só para trazer chuva, vêm também para nos proteger. Eles não caminham em vão. Pois nós não vemos os seres que nos fa-zem mal. Somente eles podem ver os seres que nos fazem mal”. Indagar o invisível com os recursos do visível, não será isso – tão somente – que está ao alcance do cinema? Não porque ele seja voltado à decifração de algo enigmático ou ao desvelamento do oculto: trata-se simplesmente de bem distribuir o sentido (entre o in e o off, o campo e o fora-de-cam-po, a presença e a ausência).

O segundo plano do filme mostra Solano senta-do perto de um tronco, no qual está encostado um comprido facão; um gato e um cão estão próximos; o vento balança o milharal ao fundo e as folhas da árvore onde duas crianças estão empoleiradas. De início, o karaí Tataendy olha para além da borda do quadro; em seguida, ele e as duas crianças se viram suavemente e se deixam filmar, de frente. Esse plano equivale a uma aproximação calma, própria do modo Guarani de iniciar uma conversa: não perguntar tudo de uma vez, não explicar de uma vez só; esperar, em vez de se precipitar. Desde o seu início, o filme ganha algo do ritmo da conversação, pontuada pela sonoridade peculiar da língua, salpicada aqui e ali de alguns vocábulos em português ou espanhol. Enca-deadas pouco a pouco, as conversas transitam livre-mente entre assuntos diversos, e as palavras, assim trocadas, repõem o liame entre homens e espíritos, reafirmado na construção da Casa de Reza.

Quanto ao espectador que habita espaços despro-vidos dessas passagens entre o cotidiano e o cosmo, ele também é convidado a mudar de mundo, solicita-do a adentrar neste outro, inventado pelo filme.

inminente, raspa ruidosamente el plano de apertura de la película. A medida que las nubes se mueven, engrosadas por la ceniza, se oye la voz de Solano: “La Tupa es así. Ellos vienen no sólo para atraer la lluvia, vienen también para protegernos. Ellos no ca-minan en vano. Porque no vemos los seres que nos hacen daño. Sólo ellos pueden ver a los seres que nos hacen daño”. Indagar lo invisible con caracte-rísticas visibles ¿no será eso-solamente- que está al alcance de cine? No porque esté dirigido a descifrar algo enigmático, o algo para dar a conocer lo ocul-to: es simplemente distribuir el sentido (entre el in y el off campo y fuera de campo, la presencia y la ausencia).

El segundo plano de la película muestra a Solano sentado cerca de un tronco, en el cual está apoyado un largo machete, un gato y un perro se encuentran cerca, el viento sacude el maizal al fondo y las hojas de los árboles donde dos niños están encaramados. Inicialmente, el Karai Tataendy mira más allá del bor-de del cuadro, entonces él y los dos niños inmediata-mente se dan vuelta y se dejan filmar de frente. Ese plano equivale a una aproximación calma, propia de la manera guaraní para iniciar una conversación: no preguntar pedir todo a la vez, no explicar de una vez, esperar, en lugar de apresurarse. Desde su creación, la película gana algo del ritmo de la conversación, interrumpida por el sonido peculiar de la lengua, sal-picada aquí y allá por algunas palabras en portugués o español. Encadenadas poco a poco las conversa-ciones pasan libremente entre diferentes temas, y las palabras, así intercambiadas, reponen el vínculo entre los hombres y espíritus, reafirmado en la cons-trucción de la Casa de la Oración.

En cuanto al espectador que habita espacios despro-vistos de esos pasajes entre lo cotidiano y el cosmos, ele también es invitado a cambiar de mundo, solicitado a adentrarse en este otro, inventado por la película.

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Ao tentar reverter o abandono das tradições do seu povo e seguindo as pesquisas do seu pai, professor e escritor Joaquim Maná, Zezinho Yube corre atrás dos conhecimentos dos grafismos tradicionais das mulheres Huni Kui auxiliado por sua mãe.

Al tratar de revertir el abandono de las tradiciones de su pueblo y siguiendo las investigaciones de su padre, profesor y escritor Joaquim Maná, Zezinho Yube corre detrás de los conocimientos del arte tra-dicional de grafismos de las mujeres Huni Kui ayu-dado por su madre.

KENE YUXI, AS VOLTAS DO KENE KENE YUXI, LAS VUELTAS DEL KENE

Zezinho Yube Brasil, 2006, 48’, doc

R - Ernesto de Carvalho, Vincent Carelli F - Zezinho Yube, Gilson Siã

M - Amandine Goisbault, Ernesto de Carvalho, Gabriel Mascaro, Marcelo Pedroso

EP - Vídeo nas Aldeias

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KENEYUXI(N) - AS VOLTAS DO KENEKENEYUXI(N) - LAS VUELTAS DEL KENE

Els Lagrou (PPGSA-UFRJ)

Marco Antonio Gonçalves (PPGSA-UFRJ)

Kene Yuxi, As voltas do kene é um filme que re-trata a viagem, iniciada por um jovem estudan-

te Kaxinawa, em busca do “verdadeiro” conhecimento sobre o kene, a arte gráfica dos Hunikuin (Kaxinawa), numeroso povo de língua pano que habita ambos os lados da fronteira entre o Peru e o Brasil, no Acre. Os Kaxinawa se consideram um “povo com desenho” (keneya). É o estilo particular do seu grafismo que os distingue dos seus vizinhos. A arte dos kene é uma especialidade feminina que se manifesta principal-mente na tecelagem e na pintura corporal, mas tam-bém na cestaria, na cerâmica e na pintura dos bancos.

O kene é tão central na vida Kaxinawa que ocupa o lugar do que seria o próprio “conhecimento” - um conhecimento que tem sua origem nos ensinamen-tos da anaconda mítica, xamã por excelência. A ana-conda ensinou a arte de fazer kene às mulheres e a arte de ter visões através da ingestão da ayahuasca aos homens, mas nas visões os homens veem mui-tos kene, os kene que se encontram na pele da ana-conda e que se transformam em visões. O kene liga os homens às mulheres, o mundo visível ao mundo invisível.

É através do kene que se aprende. O movimen-to do kene é uma percepção estética que permite compreender os caminhos, as voltas que o rio dá, a particular visão de mundo ensinado pelo xamanis-mo. Não parece ser um acaso, portanto, que o filme trate do kene como uma busca de aprendizado, de conhecimento, que culmina com a proposta de pa-trimonialização e registro do mesmo, inscrevendo-o

Kene Yuxi, las vueltas del kene es una película que retrata el viaje, iniciado por un joven es-

tudiante, Kaxinawa, en busca de conocimiento “real” acerca del kene, el arte gráfico de Hunikuin (Kaxina-wa), numeroso pueblo de lengua pano que habita en ambos lados de la frontera entre Perú y Brasil, en Acre. Los Kaxinawa se consideran un “pueblo con dibujo” (Keneya). Es el estilo particular de sus gráficos lo que los distingue de sus vecinos. El arte de kene es una especialidad femenina que se manifiesta principal-mente en el tejido y la pintura del cuerpo, sino también en la cestería, la cerámica y la pintura de los bancos.

El kene es tan central en la vida Kaxinawa que ocupa el lugar de lo que equivaldría al “conocimien-to” - un conocimiento que tiene su origen en las en-señanzas de la mítica anaconda, shaman por exce-lencia. La anaconda enseñó el arte de hacer kene a las mujeres y el arte de tener visiones a través de la ingestión de ayahuasca a los hombres, pero en las visiones los hombres ven mucha kene, el kene que se encuentra en la piel de la anaconda y se convierte en visiones. El kene une los hombres a las mujeres, el mundo visible al mundo invisible.

Es a través del kene que se aprende. El movi-miento del kene es una percepción estética que nos permite entender los caminos, las vueltas que el río da, una visión particular del mundo impartido por el chamanismo. No es una coincidencia, entonces, que la película trate de la kene como una búsqueda del aprendizaje, el conocimiento, que culmina con la propuesta de la patrimonialización y mediante su

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como marca distintiva do ser Kaxinawa, traço diacrí-tico de sua cultura.

O filme apresenta o paradoxo vivido pelas culturas indígenas na contemporaneidade: a tensa dinâmica de perda e atualização da tradição como modo de se pensar o mundo sempre em relação ao mundo dos brancos. O kene cumpre o papel, não apenas de co-locar os diferentes grupos Kaxinawa em relação, nos moldes de uma viagem iniciática que vai agregando cada vez mais pessoas, homens e mulheres, jovens e maduros, na busca pelo conhecimento do kene, mas também de repensar as relações com o mundo dos brancos e o lugar da tradição nesta relação.

Se a escrita dos brancos é também kene, o kene dos brancos, a escrita do kene propriamente hunikuin é a fala dos yuxin (espíritos). As voltas que o kene dá são compreensíveis somente para os iniciados, que só podem ser ensinados no próprio contexto do fazer. As detentoras do segredo das voltas do kene não cedem o conhecimento assim tão facilmente, sem questionar os viajantes sobre os reais motivos desta sua busca. Visto que o traço do kene aponta para a relação, relação entre as linhas e entre mun-dos diferentes de percepção e compreensão, a bus-ca por seu significado implica também na exploração da qualidade das relações entre grupos que vivem longe uns dos outros.

Zezinho Yube, o diretor, vive no rio Tarauacá e, seguindo os passos de seu pai, Joaquim Mana, que fez sua dissertação de mestrado sobre o kene na Universidade de Brasília, segue por sua vez o kene como forma de buscar uma compreensão do que considera ser a arte que mais caracteriza seu povo. A decadência e ascensão do kene, seus usos e prá-ticas, variam de acordo com as relações estabeleci-das pelos diferentes grupos Kaxinawa com os bran-cos: do quase esquecimento e abandono completo durante os duros tempos da empresa extrativista de

incripción como marca distintiva de ser Kaxinawa, trazo diacrítico de su cultura.

La película presenta la paradoja vivida por las cul-turas indígenas en la contemporaneidad: la tensa di-námica de pérdida y actualización de la tradición como modo de pensar el mundo siempre en relación al mun-do de los blancos. El kene cumple el papel, no sólo de colocar los diferentes grupos Kaxinawa en relación en los moldes de un viaje iniciático que va agregando cada vez más personas, hombres y mujeres, jóvenes y adultos en la búsqueda por el conocimiento del kene, pero también de repensar las relaciones con el mundo de los blancos y el lugar de la tradición en esta relación.

Si la escritura de los blancos es también kene, el kene de los blancos, la escritura en sí del kene hu-nikuin es el discurso de yuxin (espíritus). Las vueltas que da el kene son comprensibles sólo para los ini-ciados, que sólo se pueden ser enseñados en el con-texto adecuado para hacerlo. Los titulares del secreto de las vueltas del kene no producen conocimiento tan fácilmente, sin cuestionar a los viajeros sobre sus verdaderos motivos para esta búsqueda. Dado que el dibujo kene punta a la relación, la relación entre las lí-neas y entre los diferentes mundos de la percepción y la comprensión, la búsqueda de su significado implica también en la exploración de la calidad de las relacio-nes entre los grupos que viven lejos unos de otros.

Zezinho Yube, el director, vive en el Río Tarauacá siguiendo los pasos de su padre, Joaquim Mana, que hizo su tesis doctoral sobre la kene en la Universidad de Brasilia, sigue a su vez kene como una manera de conseguir una comprensión de lo que se considera como el arte que más caracteriza a su gente. El des-censo y ascenso de kene, sus usos y las prácticas varían de acuerdo a las relaciones establecidas por los diferentes grupos Kaxinawa con los blancos: el olvido casi total y el abandono durante los tiempos difíciles de la empresa de extracción de caucho en

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borracha no Acre até o movimento de revitalização cultural na época das cooperativas, culminando com o presente momento em que se busca um registro e patrimonialização do kene em um projeto financiado pelo IPHAN.

Para os parentes de Zezinho a fonte da tradição do kene está no Purús, onde moram os descendentes diretos dos últimos Kaxinawa que fugiram do Brasil e do extrativismo para as cabeceiras dos rios no Peru, para voltar a travar contato com os brancos somente bem mais tarde. Deste modo, estes “antigos” não fo-ram afetados pelo extrativismo, não moraram em co-locações e nunca deixaram de viver em aldeias. Uma das voltas do kene, e do rio que o carrega, é a busca por esta tradição. Zezinho Yube ajuda as mulheres de sua aldeia, incluindo sua própria mãe, a entrarem em contato com o que seria o “verdadeiro” kene. Isso o leva até o Purus, onde algumas mulheres mais idosas, consideradas mestres, ao ver os kene das tecelãs de Tarauacá os chamam, de modo agonístico, de “kene-zinho”, feito só para ganhar dinheiro, enquanto outras, mais receptivas, apontam falhas, voltas que ainda fal-tam para se chegar ao desenho completo e verdadei-ro “kuin”.

Neste mesmo Rio Purus, onde foi buscar as ori-gens do kene na forma de uma tradição ritual e ar-tística onde a cadeia de transmissão inter-geracio-nal nunca tinha sido interrompida, Zezinho encontra também a maior transformação e alteração da cul-tura Kaxinawa, representada pela forte presença da conversão à religião evangélica. Deste modo, as voltas do kene são como as muitas voltas que o rio dá e levam Zezinho à relativização da sua própria idéia de tradição com a qual iniciou a viagem: a de que existiria um lugar onde a verdade sobre o kene poderia ser encontrada. O paradoxo da continuida-de e da mudança o faz avaliar de modo diferente sua própria aldeia no rio Tarauacá. Se no passado a

Acre hasta el movimiento de revitalización cultural, en el momento de las cooperativas, que culmina en el momento presente en que se busca un registro del kene y su patrimonialización en un proyecto fi-nanciado por el IPHAN.

Para los familiares de Zezinho el origen de la tradi-ción de kene es el Purús, donde habitan los descen-dientes directos de la última Kaxinawa que huyó de Brasil y la extracción de las cabeceras en Perú para volver a entrar en contacto con los blancos hasta mu-cho más tarde . Por lo tanto, estos “antiguos” no se vieron afectados por la explotación, no vivían en las colocaciones y nunca dejaron de vivir en los pueblos. Una de las vueltas del kene, y del río que lo lleva, es la búsqueda de esta tradición. Zezinho Yube ayuda a las mujeres de su pueblo, incluyendo a su propia ma-dre, para estar en contacto con lo que sería el “ver-dadero” kene. Esto lleva a la Purus, donde algunas mujeres mayores, consideradas maestras, para ver los kene de las tejedoras de Tarauacá las llamadas, de modo agonístico de “kenezinho”, hecho sólo para ganar dinero, mientras que otras, más receptivas, señalan los defectos , vueltas que faltan para alcan-zar el diseño completo y verdadero “kuin”.

En este mismo río Purus, donde fue a buscar los

orígenes del kene como una tradición ritual y artís-tica en la que la cadena de transmisión intergenera-cional nunca se ha interrumpido, Zezinho encuentra también la mayor transformación y cambio de la cul-tura Kaxinawa, representada por la fuerte presencia de conversión a la religión evangélica. Por lo tanto, las vueltas del kene son como las tantas vueltas que el río da y y llevan a Zezinho a relativizar su propia idea de la tradición con la que se inició el viaje: la de que habría un lugar donde se puede conocer la verdad sobre el kene. La paradoja de la continuidad y el cambio no evalúan de forma diferente su propio pueblo en el río Tarauacá. Si en el pasado la vida del

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vida na aldeia foi interrompida pelas colocações do seringal, que suspendeu rituais e tecelagens, hoje a mesma passa por um processo de revitalização cul-tural que se processa pelos caminhos do kene. E se o Purus era considerado o lugar da tradição, hoje o lugar passa por um processo de alteração em que uma das mulheres reconhece não saber nem a meta-de do que sabiam as velhas e que suas filhas não se interessariam mais no aprendizado do kene.

O filme nos incita assim a uma reflexão importante sobre as idas e voltas na transmissão e ressignifica-ção de uma “cultura”, seus caminhos e descaminhos tão bem simbolizados nas voltas do kene. O kene e suas “voltas”, a viagem iniciática pelos seus cami-nhos, ensinaram a Zezinho Yube uma compreensão mais complexa de quem são os Kaxinawa. Deste modo, ouvimos sua observação resignada de que na viagem encontrou parentes que só deixam entrar no território se receberem pagamento, velhos que não querem partilhar mais suas tradições e jovens que não querem aprender. Mas esse não é o “fim” do kene: as imagens finais revelam, pelo contrário, uma sessão de pintura corporal em que os kene e o mun-do Kaxinawa aparecem em toda a sua potência. As voltas do kene continuarão a aparecer em corpos, tecidos e no mundo cada vez com mais força, como que se multiplicando ao infinito.

pueblo se vio interrumpida por la colocación del ár-bol de caucho, que suspendió los rituales y el tejido, hoy es sometido a un proceso de revitalización cul-tural que se lleva a cabo en los caminos de kene. Y si el Purus era considerado el lugar de la tradición, hoy en día el lugar está en un proceso de cambio en el que las mujeres reconocen que no saben ni la mitad de lo que las mujeres ancianas y que sus hijas no se interesan más en aprender el kene.

La película nos anima por lo tanto una importante reflexión sobre las idas y venidas en la transmisión y la reinterpretación de una “cultura”, sus caminos y desvíos tan bien simbolizado por las vuetas del kene. El kene y sus “vueltas” el viaje iniciático por sus ca-minos, enseñaron a Zezinho Yube una comprensión más compleja de lo que son los Kaxinawa. Así, es-cuchamos su observación resignada de que en el via-je encontró familiares que sólo dejan entrar en el terri-torio sólo si reciben el pago, ancianos que no desean compartir más las viejas tradiciones y las personas más jóvenes que no quieren aprender. Pero este no es el “fin” de kene: las imágenes finales revelan, sin embargo, una sesión de pintura corporal en el mundo kene y el mundo Kaxinawa aparecen en todo su po-tencialidad. Las vueltas del kene seguirán aparecien-do en los cuerpos, tejidos y el mundo cada vez con más fuerza, como una multiplicación hasta el infinito.

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Desde 2002, Divino Tserewahú tenta produzir um filme sobre o ritual de iniciação feminino, que já não se pratica em nenhuma outra aldeia Xavante, mas desde o começo das filmagens todas as tentativas foram interrompidas. No filme, jovens e velhos de-batem sobre as dificuldades e resistências para rea-lização desta festa.

Desde 2002, Divino Tserewahú trata de producir una película sobre el ritual de iniciación femenina, que ya no has practicado en cualquier otro pueblo Xavante, pero desde el comienzo de la filmación to-dos los intentos fueron interrumpidos. En la película, jóvenes y adultos debaten acerca de las dificultades y resistencias para lograr esta fiesta.

PI´ÕNHITSI, MULHERES XAVANTES SEM NOME PI´ÕNHITSI, MUJERES XAVANTES SIN NOMBRE

Divino Tserewahú, Tiago TorresBrasil, 2009, 54’, doc

R - Divino Tserewahú, Tiago Campos Torres, Vincent Carelli, Amandine Goisbault

F - Divino Tserewahú, Tiago Campos Torres M - Tiago Campos Torres

EP - Vídeo nas Aldeias

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Se, como temos defendido, os filmes reali-zados por coletivos indígenas são manifes-

tações daquilo que Manuela Carneiro da Cunha (2009) chamou de “cultura com aspas”, digamos em seguida que, em inúmeros casos, estas aspas se ma-terializam formalmente na exposição do antecampo em cena. Trata-se do espaço atrás da câmera, com os sujeitos que abriga (o realizador, a equipe, os equipamentos), espaço que, não raro, explicita-se como lugar de negociação, seja entre os membros da aldeia, seja entre a equipe de trabalho (formada por indígenas e não indígenas). Expor o antecampo significa não apenas revelar o caráter construído e mediado da imagem cinematográfica, mas também, principalmente, conceber o cinema como prática entre outras práticas culturais, inserida na vida da aldeia (em suas relações internas e externas).

A estratégia guarda, a princípio, semelhanças com a tradição do documentário moderno, de viés anti-ilusionista, mas aqui seu escopo é mais abran-gente: ela permite ao diretor implicar-se na cena, simultaneamente, como diretor do filme e como membro da aldeia; como membro da aldeia e como mediador entre a aldeia e o que está fora dela. Se ainda se trata de “reflexividade”, ela se endereça não apenas ao cinema, mas às práticas e processos culturais – interétnicos – mais amplos

Digamos ainda que, ao propiciar o posicionamen-to interno daquele que filma, a explicitação do ante-campo participa do abalo do regime representativo clássico (tal como construído historicamente no oci-dente). Nele, sabemos, ver significa objetivar (tornar

ENTRE CULTURA E “CULTURA”: A EXPOSIÇÃO DO ANTECAMPO EM PI’ÕNHITSIENTRE CULTURA Y “CULTURA”: EXPOSICIÓN EN ANTECAMPO DE PI’ÕNHITSI

André Brasil (UFMG)

S i, como hemos argumentado, las películas realizadas por colectivos indígenas son ma-

nifestaciones de lo que Manuela Carneiro da Cunha (2009) llamó como “cultura de citas”, y luego decir que, en muchos casos, estas citas se materializan formalmente en la exhibición en antecampo de la escena. Este es el espacio detrás de la cámara, con los sujetos que envuelve (el director, el personal, equipos), el espacio, a menudo, de manera explícita se define como lugar de negociación sea entre los miembros de la aldea, sea entre el equipo de trabajo (formado por indígenas y no indígenas). Exponer el antecampo significa no sólo revelar el carácter cons-truido y mediado de la imagen cinematográfica, sino sobre todo concebir el cine como una práctica entre otras prácticas culturales, inserta en la vida del pue-blo (en sus relaciones internas y externas).

La estrategia mantiene en principio, similitudes con la tradición del documental moderno, el sesgo anti-ilusionista, pero en este caso su alcance es más amplio: permite al director involucrarse en la escena tanto como director de la película y como miembro de la aldea, como miembro de la aldea y como me-diador entre el pueblo y lo que está más allá. Si sigue siendo reflexividad, esta no sólo aborda el cine, sino también las prácticas y procesos culturales - interét-nicos - más amplios.

Supongamos que todavía al establecer el posicio-namiento interno de aquél que filma, la explicación del antecampo participa de huida del régimen repre-sentativo clásico (como históricamente construido en occidente). En ella, se sabe, ver significa objetivar

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objeto), pressupondo um recuo, um ocultamento do próprio ato de olhar (e do corpo daquele que olha). Inversamente, a exposição do antecampo torna o olhar situado, participante, engajado; olhar que não apenas contempla, mas sofre, concretamente em cena, os afetos do mundo.

Em Pi’õnhitsi, Mulheres Xavante sem Nome (2009), o filme em si – aquele a que se propõe o diretor – não se realiza. Feito por Divino Tserewahú, da aldeia de Sangradouro (MT), em coautoria com Tiago Campos Torres, da equipe do Vídeo nas Al-deias, o filme nasce da tentativa de se registrar o ritual de iniciação das mulheres (a festa Nome das Mulheres), que já não se via em nenhuma das al-deias Xavante, senão em Sangradouro. O problema é que, desde 1995 (a última vez em que foi encenada integralmente) e em outras tentativas, o ritual é sem-pre interrompido em suas etapas preliminares, por conta de inúmeros acidentes e da resistência de par-te da comunidade. Diante do fracasso em retomar o ritual, o diretor recorre então às imagens de arquivo, do seu e de outros acervos, para evocá-lo junto aos membros da comunidade.

Pi’õnhitsi se constrói assim sobre um fracasso, sobre uma impossibilidade, uma ausência: se não é possível reencenar o ritual, retomá-lo integralmente no filme, ele será evocado, por meio de registros de rituais passados, das conversas e performances que suscitam, principalmente entre os velhos da aldeia1. Essa retomada precária e entrecortada se dá no an-tecampo do filme, nos espaços de sua produção, ali onde se vê a equipe, a câmera, os monitores de TV e outros equipamentos de edição. Em algumas se-

1. Guardadas as diferenças, Pi’onhitsi nos lembra Pour la suite du monde, de Michel Brault, Marcel Carrière e Pierre Perrault (1963). Em certo sentido, um filme é avesso do outro: primeiro, porque é filmado pelos próprios nativos. Segundo, porque, diferentemente do filme canadense, nesse caso, o “ritual” acaba não se realizando.

(tornar objeto), presuponiendo un retroceso, ocultan-do la propia acción de mirar (y el cuerpo del que que mira). Por el contrario, la exposición del antecampo crea una mirada participante involucrada, mirada que no sólo contempla, sino que sufre, concretamente en la escena, los afectos del mundo.

En Pi’õnhitsi, Mulheres Xavante sem Nome (2009), la película en sí - que propone el director - no se rea-liza. Hecho por el Divino Tserewahú, del pueblo de Sangradouro (MT), co-autor con Tiago Campos Tor-res, del equipo de Video en las aldeas, la película nace del intento de registrar el ritual de iniciación de las mujeres (la fiesta Nombre de las Mujeres), que ya no se veían en cualquiera de los pueblos Xavante, pero sí en Sangradouro. El problema es que desde el año 1995 (la última vez que fue puesta en escena por completo) y en otros intentos, el ritual siempre se interrumpe en sus etapas preliminares, debido a los numerosos accidentes y la resistencia por parte de la comunidad. Ante el fracaso en el hecho de reanu-dar el ritual, el director utiliza imágenes de archivo, suyas y sus otras colecciones, para evocarlas junto con los miembros de la comunidad.

Pi’õnhitsi por lo tanto se basa en un fracaso, una ausencia: si no se puede volver a representar el ritual, se reanuda por completo en la película, que se evoca a través de los registros de los rituales pasados, con-versaciones y actuaciones que causan, sobre todo entre los viejos de la aldea1. Esta recuperación preca-ria y vacilante del antecampo de la película, en los es-pacios de su producción, allí donde se ve el equipo, la cámara, los monitores de televisión y otros equipos de edición. En algunas secuencias, Divino Tserewahú

1. Guardando las diferencias, Pi’onhitsi nos recuerda Pour la suite du monde, de Michel Brault, Marcel Carrière y Pierre Perrault (1963). En cierto sentido, una película es lo opuesto de otra: primero, por-que es filmada por los propios nativos. En segundo lugar, porque, a diferencia de la película canadiense, en este caso, el “ritual” acaba no siendo realizado.

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quências, Divino Tserewahú tenta mobilizar a aldeia para a realização do ritual; em outras, exibe imagens aos membros da comunidade; conversa com eles na busca de subsídios para sua pesquisa (e essa busca já é, ela mesma, o filme); em mais de uma sequência, Divino compartilha a ilha de edição com o codiretor, não-índio, a comentar o ritual, assim como as lembran-ças que guarda dele. Situado no extracampo, o ritual “virtual”, que nunca chega a ser integralmente realiza-do, move a narrativa do filme. A ausência é, repetimos, constituinte; é ela que faz com que o filme “se lance” ao antecampo, exibindo-se como busca e negociação permanentes.

Em Pi’õnhitsi, o antecampo é constantemente interpelado e Divino deve se expor aos parentes e afins, às circunstâncias de filmagem, às negociações em torno do ritual e do filme (Fig. 1). Quase todas as imagens e estratégias do filme são, então, subme-tidas à relação com os demais sujeitos implicados. Antes de tudo, há as imagens de arquivo de nature-zas e tempos distintos (o filme de 67, feito pelos mis-sionários; as imagens de 95, realizadas por Vincent Carelli e pelo próprio Divino, aprendiz de cineasta; as imagens feitas pelo diretor em 2003 e 2007...). Notável como, ali, os arquivos são recolocados em

intenta movilizar al pueblo para llevar a cabo el ritual, en otras exhibo imágenes a los otros miembros de la comunidad; conversa con ellos en la búsqueda de subvenciones para su investigación (y esa búsqueda es, en sí misma, la película); en más de una secuencia, Divino comparte la sala de edición con el codirector, no indígena, para revisar el ritual, así como los re-cuerdos que guarda de él. Situado en el extracampo, el ritual “virtual”, que nunca llega a realizarse plena-mente, mueve la narrativa de la película. La ausencia es, repetimos, constituyente, es ella que hace que la película “se lance” al antecampo, mostrándose como búsqueda y negociación permanentes.

En Pi’õnhitsi, el antecampo está constantemente cuestionado por Divino y se debe exponer a la fami-lia y amigos, las circunstancias del rodaje, las nego-ciaciones en torno al ritual de la película (Fig. 1). Casi todas las imágenes y las estrategias de la película, entonces, presentan la relación con los demás su-jetos implicados. En primer lugar, hay imágenes de archivo de naturalezas y tiempos distintos (la película de 67, hecha por los misioneros, las imágenes de 95, tomadas por Vincent Carelli y el proprio Divino en sí, aprendiz director de cine, las imágenes realizadas por el director en 2003 y 2007...). Es notable cómo, allí,

Fig. 1: Os velhos vêem as imagens/ Los viejos ven las imágenes Fonte/ Fuente: Frame do filme / Cuadro de la película

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cena, exibidos ao coletivo, com desdobramentos inesperados para a vida na aldeia e para o próprio filme (Figs. 2 e 3).

De fato, a realização do filme e a realização do ritual imbricam-se, um processo intervindo no outro, a ponto de constituírem-se mutuamente. A própria feitura do filme – que exige a mobilização da comu-nidade para a realização do ritual – depende desse engajamento do diretor, compartilhando em cena as negociações e dificuldades da empreitada. Em uma sequência emblemática, entrecruzam-se o desejo de retomar a festa (ainda que “resumida”, para o filme);

as resistências e tabus em torno do ritual; a urgên-cia de finalização do trabalho, e até a necessidade de prestação de contas a um edital cinematográfico. Na reunião com membros da comunidade, o diretor argumenta:

Se vocês decidirem fazer a festa, tudo bem. Pode ser uma semana, três ou quatro dias, mas nós não estamos pedindo isso para vocês. O dinheiro do projeto foi gasto no tempo da festa. O prazo já acabou e agora tem a prestação de contas. Esta-mos fazendo a edição e a finalização, não pode-mos mais gastar com outra coisa para não sujar o nome do Vídeo nas Aldeias.

los archivos se sustituyen en la escena, exhibidos co-lectivamente, con consecuencias inesperadas para la vida en el pueblo y para la propia película (Figs. 2 e 3).

De hecho, la realización de la película y la reali-zación del ritual se superponen un proceso intervie-ne en el otro, al punto de constituirse mutuamente. La propia realización de la película - que requiere la movilización de la comunidad para el ritual - que de-pende del compromiso del director, compartiendo en escena las negociaciones y las dificultades de la obra. En una secuencia se entrecruza el deseo de reanudar la fiesta (aunque sea “resumida” para la

película), a la resistencias y los tabúes de todo el ritual, la urgencia de concluir el trabajo, e incluso la necesidad de la rendición de cuentas una editora ci-nematográfica. En la reunión con miembros de la comunidad, el director afirma:

Si ustedes deciden ir de fiesta, está bien. Puede ser una semana, tres o cuatro días, pero no es-tamos pidiendo esto para ustedes. El dinero del proyecto se destinó al tiempo de la fiesta. El plazo ha terminado y ahora tienen la responsabilidad de rindir cuentas. Estamos haciendo la edición y fina-lización, no podemos gastar en otra cosa para no

ensuciar el nombre del Video en las aldeas.

Figs. 2 e 3: Exibição do filme de 1967 / Proyección de la película de 1967Fonte / Fuente: Frame do filme / Cuadro de la película

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Há, por fim, uma camada narrativa, de viés “me-talingüístico”, na qual o diretor reflete sobre a reali-zação do filme, sobre a festa, os interditos na aldeia e, indiretamente, sobre a própria experiência como cineasta, em suas relações com índios e não-índios. Diante da ilha de edição, junto ao codiretor, Divino revê as imagens, passando, vez ou outra, ao papel de entrevistado. (Fig. 4) Se com os velhos da aldeia, a relação é interna, agora, com Tiago, ela é interétni-ca, voltando-se para fora da aldeia.

O diretor é assim uma espécie de mediador entre mundos, assumindo corpos diferentes quando passa

de um a outro: entre passado e presente, entre o cotidiano da aldeia e a cena fílmica; entre índios e não índios. Participante da cena, a câmera é dispo-sitivo operador dessas passagens, impedindo tam-bém que elas sejam totalmente fluentes, provocan-do desconcertos e cisões.

O efeito que se produz, afinal, é o de mise-en-aby-me. Há sempre uma cena dentro da cena e sempre uma câmera a filmar outra câmera. Não poderíamos conferir a esse efeito estilístico um sentido cultural amplo? Digamos, em primeiro lugar, que, assim como o diretor do filme, os sujeitos estão simultaneamente

Hay, finalmente, un sesgo narrativo de tipo “me-talingüístico” en el que el director reflexiona sobre la realización de la película, de la fiesta, las prohibicio-nes en el pueblo y, de manera indirecta, de su propia experiencia como cineasta, de sus relaciones con los indios y no indios. Antes de la sala de edición, junto al Co-Director Divino, pasando al papel de en-trevistado. (Fig. 4) Si con los ancianos del pueblo, la relación es interna, ahora, con Tiago, es interétnica, yendo de la aldea.

El director es como una especie de mediador en-

tre los mundos, asumiendo cuerpos diferentes cuan

do pasan de uno a otro: entre el pasado y el presen-te, entre lo cotidiano de la aldea y la escena fílmica, entre indígenas y no indígenas. Participante de la es-cena, la cámara es un dispositivo en funcionamiento entre estos pasajes, también les impide ser total-mente fluidos, causando divisiones y desconcertos.

El efecto que produce, después de todo, es la mi-se-en-abyme. Siempre hay una escena dentro de la escena y siempre una cámara para filmar otra cámara. ¿No podíamos dar a estos efectos estilísticos un sen-tido cultural amplio? Digamos, en primer lugar, que, así como el director de la película, los sujetos están

Fig. 4: Mediador entre os mundos/ Mediador entre os mundosFonte/ Fuente: Frame do filme / Cuadro de la película

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dentro da cultura – “a rede invisível na qual esta-mos suspensos” – e fora dela – podem tomar certa distância, para citá-la reflexivamente, colocá-la entre aspas e em relação com outras culturas.

Poderíamos então nos perguntar: o cinema indí-gena, não nos permite ele experimentar, muito con-cretamente, essa mútua contaminação e constituição entre a cultura e a “cultura”?2 Como prática reflexiva da “cultura”, o cinema teria “efeitos dinâmicos tanto sobre aquilo que [ele] reflete – cultura, no caso – quanto sobre as próprias metacategorias” utilizadas para se definir e pensar a cultura (Carneiro da Cunha, 2009, p. 363). Ou seja, ao se dedicar a um fato cul-tural – a festa – Pi’õnhitsi é um filme que não apenas tematiza este fato cultural, mas intervém nas próprias formas como ele pode ser praticado e pensado, re-configura as próprias categorias que o permitem pra-ticar e pensar. É profunda a performatividade nesse caso: o filme confere visibilidade e devolve proble-maticamente à comunidade não apenas as negocia-ções em torno da cultura, mas também em torno da “cultura” (as categorias coletivas da auto-reflexão). A mise-en-abyme cinematográfica pode ser assim de-

2. A linguagem ordinária, nos diz Manuela Carneiro da Cunha, “mo-vimenta-se sem solução de continuidade entre cultura e ‘cultura’” (2009, p.373). A primeira é tida como um conjunto de “esquemas interiorizados que organizam a percepção e a ação das pessoas e que garantem um certo grau de comunicação em grupos sociais” (p. 313); como “um complexo unitário de pressupostos, modos de pensamento, hábitos e estilos que interagem entre si, conectados por caminhos secretos e explícitos com os arranjos práticos de uma sociedade, e que, por não aflorarem à consciência, não encontram resistência à sua influência sobre as mentes dos homens” (Trilling, L. citado por Carneiro da Cunha, 2009, p. 357). Ou ainda, de modo mais conciso, como a “rede invisível na qual estamos suspensos” (Carneiro da Cunha, 2009, p. 373). A segunda – “cultura”, com aspas – “tem a propriedade de uma metalinguagem: é uma noção reflexiva que de certo modo fala de si mesma” (p. 356). Trata-se da maneira como um grupo performa e cita reflexivamente a própria cultura, ultilizando-a “como recurso e como arma para afirmar identidade, dignidade e poder diante de Estados nacionais ou da comunidade internacional”. (2009, p. 373)

al mismo tiempo dentro de la cultura - “la red invisible en la que estamos suspendidos” - y más allá - pueden tomar cierta distancia, citarla reflexivamente, ponerla entre comillas en relación con otras culturas.

Podríamos entonces preguntarnos: ¿el cine indí-gena, no permite experimentar, muy concretamen-te, esa mutua contaminación y constitución entre la cultura y la “cultura”?2 Cómo la práctica reflexiva de la “cultura”, el cine tendría “efectos dinámicos, tanto en lo que [él] refleja - cultura en el caso - como en las mismas metacategorías “utilizados para definir la cultura y el pensamiento” (Carneiro da Cunha, 2009, p 363.). Es decir, para participar en un hecho cultu-ral – la fiesta - Pi’õnhitsi es una película que no sólo tematiza este hecho cultural, sino que interviene en las proprias formas de cómo puede ser practicado y pensado, reconfigura las mismas categorías que le permiten practicar y pensar. Es profunda la perfor-matividad en este caso: la película da visibilidad y devuelve problemáticamente a la comunidad no sólo los aspectos de la cultura, sino también en torno a la “cultura” (las categorías de auto-reflexión colectiva). La mise-en-abyme cinematográfica puede estable-

2. El lenguaje ordinario, dice Manuela Carneiro da Cunha, “se mueve sin interrupción entre la cultura y la ‘cultura’” (2009, p.373). La primera se toma como un conjunto de “esquemas internalizados que organizan la percepción y la acción de las personas y que garantizan un cierto grado de comunicación en los grupos sociales “(p. 313), como “un complejo unitario de presupuestos, formas de pensar, hábitos y estilos que interactúan entre sí, conectados por caminos secretos y explícitos con las modalidades prácticas de una sociedad, y al no brotar de la conciencia, no encuentran ninguna re-sistencia a su influencia sobre las mentes de los hombres “(Trilling, citado por L. Carneiro da Cunha, 2009, p. 357). O, de forma más concisa, ya que la “red invisible en la que estamos suspendidos” (Carneiro da Cunha, 2009, p. 373 ). El segundo - “cultura” entre comillas - “tiene la propiedad de un metalenguaje: es una noción reflexiva que de alguna manera habla de sí misma” (p. 356). Esta es la forma en que un grupo lleva a cabo y cita reflexivamente a la propia cultura, ultilizándola “como recurso y como arma para afirmar la identidad, la dignidad y el poder en la cara de los estados nacio-nales y la comunidad internacional” (2009, p. 373).

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senhada: trata-se da cena da “cultura” (com aspas) sobre a cena da cultura (sem aspas), que por sua vez se volta sobre a cena da “cultura” (com aspas), em transformações sucessivas: o cinema filma o ritual, que é assistido pela comunidade, via cinema. Esta por sua vez tece comentários sobre o ritual, mas tam-bém sobre a maneira como o ritual se percebe, se define e mesmo se filma. Esse comentário retorna e incorpora-se ao filme, que será novamente exibido à comunidade (Figs. 5, 6, 7).

cerse: es la escena de la “cultura” (con las comillas) en la escena de la cultura (sin comillas), que a su vez está de envuelta en la escena “cultura” (con comil-las) en sucesivas transformaciones: el cine filma el ritual, asistido por la comunidad, a través del cine. Esto a su vez crea comentarios sobre el ritual, pero también sobre la forma en que el ritual se percibe, define y se filma. Este comentario se incorpora a la película, que una vez más se mostrará a la comuni-dad (Figs. 5, 6, 7).

Figs. 5, 6, 7: cultura e “cultura”/ cultura y “cultura”Fonte/ Fuente: Frame do filme / Cuadro de la película

Referências Bibliográficas / Referencias

BRASIL, A. Formas do antecampo: notas sobre a performatividade no documentário brasileiro contemporâneo. Texto apre-sentado no XXII Encontro Anual da Compós, Salvador, UFBA, jun.2013.

_______. Bicicletas de Nhanderu: lascas do extracampo. In: Revista Devires – Cinema e Humanidades, Belo Horizonte, v.9, n.1, jan./jun.2012, p.98-117.

CARNEIRO DA CUNHA, M. “Cultura” e cultura: conhecimentos tradicionais e direitos intelectuais. In: Carneiro da Cunha, M. Cultura com aspas. São Paulo: Cosac Naify, 2009.