Construcao Historica Do Caboclo - Amazonia

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  • A CONSTRUO HISTRICADO TERMO CABOCLO

    SOBRE ESTRUTURAS EREPRESENTAES SOCIAIS NO

    MEIO RURAL AMAZNICO

    Deborah de Magalhes Lima

    O termo caboclo amplamente utilizado na Amaznia brasileiracomo uma categoria de classificao social. tambm usado na literaturaacadmica para fazer referncia direta aos pequenos produtores ruraisde ocupao histrica. No discurso coloquial, a definio da categoriasocial caboclo complexa, ambgua e est associada a um esteretiponegativo. Na antropologia, a definio de caboclos como camponesesamaznicos objetiva e distingue os habitantes tradicionais dosimigrantes recm-chegados de outras regies do pas. Ambas asacepes de caboclo, a coloquial e a acadmica, constituem categoriasde classificao social empregadas por pessoas que no se incluem nasua definio.

    Este artigo discute como a construo histrica do termo e o usoda palavra caboclo refletem a histria da formao da sociedadeamaznica, com sua estrutura de classes e a representao social das

    1 Doutora em Antropologia e Professora do Departamento de Antropologia e do Ncleo deAltos Estudos Amaznicos, Universidade Federal do Par.

    Novos Cadernos NAEA vol. 2, n 2 - dezembro 1999

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    2 O artigo baseado em trechos da dissertao de doutorado (cf. Lima Ayres, 1992), cuja pesquisafoi realizada na zona rural do mdio Solimes, Amazonas. A discusso final foi apresentada emuma mesa redonda (Museu Goeldi, outubro de 1999) sobre a questo da identidade amaznica.

    categorias e grupos que a compem. Este sentido do termo abordadopara questionar as implicaes do uso acadmico da palavra caboclo2.

    OS USOS DA PALAVRA CABOCLO

    Na fala coloquial, o caboclo uma categoria de classificaosocial complexa que inclui dimenses geogrficas, raciais e de classe.Considerando a dimenso geogrfica, o caboclo reconhecido comoum dos tipos regionais do Brasil (cf. IBGE, 1975). Entre esses tiposgerais esto os gachos do sul, as baianas da Bahia e os sertanejos donordeste, para citar alguns. A distino de cada tipo regional estrelacionada com a geografia, a histria da colonizao e as origenstnicas da populao. Nesse sentido, os caboclos so reconhecidospelos brasileiros em geral como o tipo humano caracterstico dapopulao rural da Amaznia.

    Enquanto outros tipos regionais constituem representaesestereotipadas mais restritas (aparecendo em descries gerais e nofolclore, para exibir as identidades regionais), o caboclo tambm umacategoria de mistura racial e refere-se ao filho do branco e do ndio.A combinao de um tipo racial especfico e uma regio geogrficaest relacionada histria da Amaznia. Em contraste com outras regiesdo Brasil, a colonizao da Amaznia incluiu polticas para integrar (ouseja, escravizar, estimular casamentos mistos e civilizar) a populaoindgena sociedade colonial.

    A influncia do portugus tambm foi maior na Amaznia. Devidoa condies climticas, bem como a oportunidades econmicas,imigrantes de outros pases europeus preferiram se estabelecer no suldo Brasil. Em comparao com o nordeste e o sudeste, o nmero deescravos negros na Amaznia tambm foi pequeno, e a economiacolonial, voltada para a extrao de produtos florestais, dependiaprincipalmente de trabalho indgena3.

    Alm do caboclo, existem no Brasil outras categorias popularesde raa mista, tais como o mulato (o filho do branco e do negro) e o

    3 Por esse motivo, as influncias portuguesas e indgenas so mais fortes na Amaznia do que emoutras regies brasileiras. A mistura dos dois grupos tnicos est condensada na definio raciale cultural do caboclo. De fato, a principal caracterstica apontada por vrios autores como definidorade uma cultura cabocla a presena integrada de traos portugueses e indgenas (Galvo, 1955).

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    cafuzo (filho do ndio e do negro). Mas, enquanto tais categorias raciaisno se associam a uma regio brasileira especfica, os caboclos, sim.E, em contraste com outros tipos regionais, o nome caboclo tambm usado como categoria de classificao social. Embora a associaoentre os conceitos coloquiais de raa e de classe no seja sempre realou precisa, ela usada na construo de uma representao da classesuperior amaznica como branca, enquanto se faz referncia classebaixa rural como cabocla.

    Na regio amaznica, o termo caboclo tambm empregado comocategoria relacional. Nessa utilizao, o termo identifica uma categoriade pessoas que se encontra numa posio social inferior em relaoquela com que o locutor ou a locutora se identifica. Os parmetrosutilizados nessa classificao coloquial incluem as qualidades rurais,descendncia indgena e no civilizada (ou seja, analfabeta e rstica),que contrastam com as qualidades urbana, branca e civilizada. Comocategoria relacional, no h um grupo fixo identificado como caboclos.O termo pode ser aplicado a qualquer grupo social ou pessoaconsiderada mais rural, indgena ou rstica em relao ao locutor ou locutora. Nesse sentido, a utilizao do termo tambm um meio de olocutor ou a locutora afirmar sua identidade? No cabocla ou branca.

    No entanto, nem a natureza conceitual nem a relacional do termoso explicita. Como resultado, o uso coloquial do termo leva suposiode que existe uma populao concreta que pode ser imediatamenteidentificada como cabocla e carrega a identidade de caboclos. Almdisso, nas ltimas dcadas, a literatura antropolgica tem feito uso dotermo, mas sem considerar a diferena entre o seu significado e o usocoloquial. Da a necessidade de distinguir cada uso do termo e sequestionar sobre a possibilidade de se instaurar um significado neutropara um termo consagrado pelo uso popular.

    Em contraste com o uso coloquial, o conceito de caboclosempregado na antropologia aponta uma categoria social fixa, ao invsde relacional: o campesinato histrico da Amaznia. A definio decamponeses, assim como a de caboclos, tambm problemtica erequer especificao. As politicas coloniais, implementadas durante osculo XVIII, explicitamente objetivaram a constituio de umcampesinato amaznico que viria a produzir bens para o mercadoeuropeu. Nos seus trezentos anos de existncia, o campesinatoamaznico mostrou perodos de intensa participao no mercado,alternados com perodos de baixa participao, quando predominaramas atividades de subsistncia.

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    O uso objetivo do termo caboclo pretende especificar umacategoria social qual falta um termo prprio de autodenominao eaponta para o processo histrico de sua constituio. Embora o termotransmita um significado preciso aos leitores em potencial dessestrabalhos acadmicos, ele deixa uma pergunta a ser respondida: se umtermo de identificao do observador, qual a identidade prpria daspessoas s quais o termo se refere? Os chamados caboclos, isto , ospequenos produtores rurais amaznicos, no tm uma identidadecoletiva, nem um termo alternativo e abrangente de autodenominao.A nica categoria de autodenominao comumente empregada por todaa populao rural a de pobre. Noes mais fortes de identidadebaseiam-se no parentesco, na religio, na ecologia do assentamento ena ocupao econmica do grupo e do indivduo, como ser discutidoabaixo. Esses parmetros no constituem uma base de unificao, masde diferenciao no interior da prpria populao rural. As famliasconstituem a base da formao de pequenos grupos e esto diretamenterelacionadas organizao das comunidades rurais. E, dentro de cadacomunidade, grupos familiares diferentes freqentemente disputam aliderana local. Portanto, como os camponeses em geral, a categoriasocial caboclo caracterizada pela ausncia de uma identidade coletivaforte. A populao rural tem, ao contrrio, identidades locais, do pontode vista de uma observao externa que nela percebe traos comuns.

    Tal evidncia permite perceber melhor a natureza do conceito decaboclo. O caboclo uma categoria de classificao social empregadapor estranhos, com base no reconhecimento de que a populao ruralamaznica compartilha um conjunto de atributos comuns. Mas esta no uma categoria social homognea nem absolutamente distintiva. importante frisar a natureza conceitual do termo pois existe o perigode tomar-se o termo caboclo como uma identidade e desse modo criarfronteiras absolutas para um grupo social que no encontrado na vidareal. Ao contrrio, o termo caboclo deve ser entendido como umacategoria geral de referncia e identificao.

    A natureza do termo caboclo portanto conceitual e consiste emuma categoria social de pensamento analtico. Sendo uma categoriasocial, o termo uma abstrao, uma unidade de um sistema declassificao social projetado para retratar as diferenas entre as pessoasna sociedade. Em contraste com um grupo social, uma categoria socialconsiste em uma agregao artificial de pessoas baseada na identificaode atributos comuns compartilhados por indivduos que no se engajamnecessariamente em um relacionamento social em razo dessasimilaridade. Os atributos que definem uma categoria social podem ser

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    biolgicos, sociais ou culturais. Um grupo social, por outro lado,consiste em uma agregao humana real, que definida por interaesestreitas e relacionamentos pessoais (ver Keesing, 1975: 9-10).

    Assim, habitantes da comunidade Nogueira, uma pequenalocalidade da regio do mdio Solimes, no Amazonas, formam umgrupo social. Eles interagem regularmente e esto ligados por relaesde parentesco. Os habitantes de Vila Alencar, localizada a apenas 4 horasde distncia de Nogueira, formam um grupo social semelhante. Mas,enquanto os moradores da cidade de Tef podem fazer referncia a ambasas localidades como sendo comunidades caboclas (porque ambasapresentam os atributos que definem a categoria social caboclo), osmoradores desses dois lugares no fazem parte de um mesmo gruposocial, uma vez que no tm e provavelmente no tero no futuroprximo, qualquer tipo de relacionamento peridico.

    Os atributos que definem a categoria social caboclos soeconmicos, polticos e culturais. Nesse sentido, o termo refere-seaos pequenos produtores familiares da Amaznia que vivem daexplorao dos recursos da floresta. Os principais atributos culturaisque distinguem os caboclos dos pequenos produtores de imigraorecente so o conhecimento da floresta, os hbitos alimentares e ospadres de moradia. Devido a seus atributos econmicos similares, noentanto, os dois, caboclos e imigrantes, podem ser alocados na categoriasocial mais ampla de camponeses.

    O ESTERETIPO DO CABOCLO: PARMETROS DECLASSIFICAO SOCIAL

    Existem pelo menos duas etimologias diferentes para a palavracaboclo. Costa Pereira (1975:12) cita Teodoro da Silva, que afirmaque caboclo deriva do tupi caa-boc, que quer dizer o que vem dafloresta. Parker (1985a: xix) sugere outra etimologia, encontrada noDicionrio de Aurlio B. Ferreira (Ferreira, 1971). Ferreira sugere queo nome vem da palavra tupi kariboka, que significa filho do homembranco. Ambas as etimologias so especulativas, mas na minha opinioa primeira tem mais probabilidade de estar correta. Isso porque, naAmaznia, caboclo foi inicialmente usado como sinnimo de tapuio,termo genrico de desprezo que os povos indgenas usavam quando sereferiam a indivduos de outros grupos. Em tupi, de acordo comVerssimo (1970 [1878]:14), a palavra tapuio significa o hostil, oinimigo, o escravo. Aps a colonizao, o termo foi usado para designar

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    o amerndio assentado e trazia as mesmas conotaes de desprezo quetinha quando usado entre os ndios4.

    Como tapuio, caboclo tambm um termo de desprezo emrelao ao outro, e um tal significado de alteridade encontrado naprimeira etimologia. Isso expresso pela aluso a uma espcie deexpatriao: um outro cuja origem selvagem (o que vem dafloresta). A referncia a casamento misto, por outro lado, parece-memenos provvel porque s subseqentemente caboclo adquiriu osignificado de um cruzamento entre branco e amerndio, e isso foi porextenso. Verssimo e outros autores criticaram essa evoluosemntica, mantendo que o uso popular da palavra tapuio ou caboclopara designar a mistura de amerndio e branco foi errnea (Verssimo,1970 [1878]: 13; Costa Pereira, 1975: 12).

    A utilizao recente do termo caboclo caracterizada por umareferncia similar ao outro e excluso. Em apenas algumas instnciascaboclo usado como termo de auto-atribuio (ver abaixo). Na maiorparte das vezes, o termo rejeitado por aqueles que designam.Considerando-se a ampla regio geogrfica em que caboclo usadocomo termo coloquial, pode-se observar que ele aplicado a umaseqncia de grupos sociais menos abrangentes de uma maneirasegmentada. Tanto Ribeiro (1970: 375) quanto Wagley (1976: 105)descrevem essa segmentao, e, na minha experincia no mdioSolimes, tambm constatei a pertinncia dessa interpretao.

    Para a populao urbana das cidades maiores da Amaznia, Belme Manaus, a populao do interior - incluindo a populao urbana dascidades menores como Tef - pode ser considerada cabocla. Assim,nessas cidades maiores, numa conversa, poder-se-ia discutir sobre ocaboclo de Tef. Entre a populao urbana de Tef, como nas cidadesamaznicas menores, so principalmente os membros da classe superiorque se referem freqentemente aos habitantes rurais como caboclos. Aclasse superior urbana pode s vezes se referir tambm camada pobredas cidades como caboclos. A populao rural rejeita o rtulo cabocloe considera que ele no se refere a ela, mas aos ndios5.

    4 O termo tapuio foi tambm aplicado ao amerndio tribal, quando se o distinguia do amerndioassentado pelo acrscimo do adjetivo brabo (selvagem), em oposio a manso (domesticado) oucivilizado. A etimologia de tapuio tambm controversa. Ingls de Souza (1973 [1876]: 144)diz que deriva das palavras tupi tapa e puir, o que quer dizer o que foge de casa. Essaetimologia semelhante primeira etimologia de caboclo mencionada acima.

    5 Na pesquisa de Wagley, os habitantes da zona rural diferenciavam-se por ocupao. Os fazendei-ros rurais designavam os seringueiros com o termo caboclo. Os seringueiros, por outro lado,usavam o termo caboclo para se referirem ao amerndio (Wagley 1976: 105-5).

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    Em Roraima, o termo caboclo (deformado para caboco) refere-se queles considerados ndios civilizados. De acordo com Rivire(1972: 28-31), o termo tambm rejeitado por aqueles a quem se referee dirigir-se a uma pessoa chamando-a de caboclo altamentedepreciativo e o termo carrega um sentido pejorativo definido(Rivire; 1972: 29).

    Wagley (1976: 105) conclui: O caboclo amaznico... s existeno conceito dos grupos de status mais elevado referindo-se aos destatus inferiot. Ribeiro (1970: 375) concorda com isso, afirmandoque o caboclo sempre o outro. O termo transferido para a categoriasocial seguinte que se situa numa posio inferior do orador, at quealcance o ndio. Como o termo caboclo transmite o significado de queo outro inferior ao locutor ou locutora, sua utilizao tambmconstitui um meio de atribuir a identidade de branco a si prprio6.

    No entanto, Wagley (1985: viii) no est completamente certoem sua afirmao de que caboclo nunca usado como termo de auto-designao (Ningum, nem mesmo o ndio inocente, usa o termo parase identificar). H grupos indgenas que usam, eles prprios, o termocaboclo como autodenominao. Por exemplo, no mdio rio Tocantins,os gavio falam de si mesmos como caboclos. O contexto para essautilizao a oposio e o conflito em relao aos brancos, a quem osgavio se referem usando um termo especfico: kupen (Laraia e DaMatta, 1967: 122-3). Cardoso de Oliveira (1972a) e Fgoli (1985) dooutros exemplos do uso de caboclo como termo de auto denominao.At os anos oitenta, os ticuna do alto Solimes e as tribos do alto rioNegro em contato com os brancos, definiam-se como caboclos emoposio tanto aos ndios isolados (selvagens), quanto aos brancos.Tambm no Acre e em outras regies onde predominou a extrao daborracha, como no sudoeste do Amazonas, o termo caboclo aindausado por grupos indgenas, e nessas reas os brancos so chamadoscari. No mdio Solimes, os descendentes dos grupos indgenasremanescentes (cambeba, ticuna, maioruna, uitoto, miranha e cocama)ocasionalmente usam o termo caboclo como um rtulo de auto-identificao, embora o faam apenas quando relembram o passado.No contexto de eventos contemporneos, esses grupos identificam-secomo ndios, uma vez que esta uma categoria que adquiriu valorizaopoltica (ver Faulhaber, 1987a e 1987b).

    6 Van Den Berghe (1979) apresenta uma anlise da classificao coloquial de grupos tnicos naColmbia como ndios, mestios ou cholos. Essa classificao, com trs categorias tnicas, apresentauma complexidade anloga do termo caboclo.

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    Deve-se acrescentar que o uso da palavra caboclo como termo deautodesignao por alguns grupos indgenas est sempre ligado aocontexto de sua oposio e conflito intertnico com os brancos. Entresi, eles empregam palavras nativas para gente ou os nomes indgenaspelos quais so conhecidos - como os gavio, ticuna, miranha, etc. somente no contexto local de contato intertnico entre populaesindgenas e brancas que o termo caboclo reconhecido como um rtulode identificao e/ou um termo de autodenominao para os gruposindgenas. Em outros contextos, o termo caboclo est associado populao amaznica rural no ndia.

    Caboclo e ndio so termos equivalentes no sentido de que ambosso essencialmente rtulos de identificao que podem ou no ser usadospara a auto-identificao. Embora uma identidade ndia correntementetenha significao poltica, at recentemente o termo (que se origina,como se sabe, de um erro histrico) foi apenas uma categoria genricade identificao utilizada pelos brancos e no tinha relao com asidentidades dos povos indgenas aos quais se referia7. A analogia entreos conceitos de ndio e caboclo til, pois a validade do termo ndioh muito se estabeleceu e assim ajuda a compreender como um rtulode identificao, semelhante ao de caboclo, ganhou significado concretoe foi aceito por quem o recebeu.

    Atualmente, no mdio Solimes, a populao rural ainda chamadade caboclos. Escutam-se ocasionalmente outros nomes genricos, taiscomo trabalhadores rurais, ribeirinhos ou agricultores, mas estes nocarregam a mesma conotao regional que caboclo. O caboclo mencionado sempre que o homem amaznico tpico est emdiscusso. Embora o termo seja s vezes aplicado aos pobres das cidades,a imagem desse amaznida tpico essencialmente rural e ribeirinha.Um calendrio de 1988 de uma grande companhia multinacional foipreparado com material fotogrfico sobre tipos brasileiros e ilustrouo caboclo com uma fotografia de um homem forte remando uma canoa,mostrando uma floresta tropical ao fundo. Essa imagem do caboclo recorrente. O termo evoca a figura de um homem associado com omeio ambiente amaznico.

    O simbolismo masculino do caboclo no s conseqncia doartigo masculino (O caboclo). Enquanto outras categorias sociais,tais como campons, poderiam evocar a imagem de uma famlia eatividades de subsistncia, a conotao masculina do caboclo est

    7 Ver discusso sobre o esteretipo ndio em Cardoso de Oliveira (1972b). Ver tambm em Laraia eDa Mana (1967: 122) o esteretipo regional dos gavio.

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    relacionada com o papel econmico dos homens na execuo dasatividades de subsistncia mais prximas da natureza: a caa e a pesca.Conforme se discute abaixo, o meio ambiente amaznico e ocomportamento econmico do caboclo so componentes centrais doseu esteretipo. Embora a mulher cabocla desempenhe um papeleconmico chave, ela s aparece em associaes secundrias aoprottipo. Em relao ao papel do homem, o dela menos extico emais prximo da cultura, isto , a agricultura e as atividades domsticas.Ela apresentada, entretanto, em outro contexto: como a caboclinha,simbolizando uma sensualidade mansas8.

    O arqutipo do caboclo tambm composto de traos culturaisque distinguem seu modo de vida de uma existncia branca e urbana. Ascaractersticas de uma arquitetura distinta, os meios de transporte queusa seus instrumentos de trabalho, seu conhecimento e modo de manejaros recursos da floresta, seus hbitos alimentares, sua religiosidade,mitologia, sistema de parentesco e diversos maneirismos sociaisexpressam a existncia de uma cultura cabocla que bsica para oconceito desse tpico amaznida.

    De fato, a existncia de uma populao rural que tem um estilo devida distinto, em estreito relacionamento com a floresta, justifica queela seja agrupada como uma categoria social especifica. Alm disso, aspolticas coloniais iniciais induziram criao de uma classe amaznicasubalterna, com a qual a categoria social caboclo est intimamenteassociada. No entanto, o conceito regional do caboclo mais que umareferncia a essa populao rural ou ao seu estilo de vida. Inclui umesteretipo que sugere que esse habitante da Amaznia preguioso,indolente, passivo, criativo e desconfiado. E os mesmos traos culturaisque distinguem os caboclos (a casa de paxiba, a agricultura de rodzio,os mtodos indgenas de pesca e caa, entre outros) so tomados comoevidncia de inferioridade, pois so vistos como primitivos. Almdisso, as qualificaes negativas tambm se relacionam ao fato de quecaboclos so considerados pobres.

    Como no caso do termo caboclo, pobreza tambm um conceitocultural. O caboclo no s pobre em relao a padres de vida urbanosou internacionais, mas tambm em relao a uma expectativa elevadapara a performance econmica e social deste neobrasileiro na Amaznia.

    8 Podem-se interpretar os esteretipos de gnero atravs da histria da colonizao. Os colonizadoresportugueses foram principalmente homens, que tomaram as ndias como esposas ou concubinas.A histria da conquista masculina da Amaznia est simbolizada em ambos os esteretipos: oesteretipo masculino do extico caboclo caador e pescador, que enfrenta a natureza selvagem, eo esteretipo feminino, que representa a domesticao masculina da sexualidade indgena.

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    Essa expectativa deriva da inteno colonial de se estabelecer umcampesinato empresarial na Amaznia. Tambm se relaciona ao mitode que o meio ambiente amaznico um reino de riquezas, que ocampesinato ideal iria explorar materialmente. No entanto, a populaorural era e ainda confrontada com ambos: um meio ambiente duro,que s abundante na aparncia, e condies econmicas e polticasdesfavorveis institudas desde o incio do perodo colonial.

    A idia de que os caboclos devem levar a culpa por sua situaosocial baseia-se no esteretipo tnico do amerndio9. Como os caboclosso os herdeiros de uma bagagem cultural indgena, acredita-se em queeles sigam a mesma indisposio que se atribui ao ndio paradesempenhar trabalhos rduos. Nessa extenso do preconceito,considera-se que os caboclos possuem a caracterstica estereotipadada ociosidade indgena (em oposio ao ideal de produtividade).Comprova-se essa indolncia fazendo referncia modstia de suamoradia e s suas poucas conquistas econmicas. Suas condies devida, por outro lado, no so levadas em conta. A exuberncia da florestae a magnitude do meio ambiente amaznico impem um contraste emrelao pobreza e, junto com a questo da raa, essa comparao responsvel pelo fato de os caboclos serem julgados preguiosos e,em muitos juzos, como fracassos.O CABOCLO NA LITERATURA AMAZNICA

    Na literatura amaznica, o tema do contraste entre o povoamaznico e seu meio ambiente recorrente. Como Richard Preto-Rodas aponta em sua reviso da fico amaznica, o tpico do homemem relao ao meio ambiente atravessa as principais fases estilsticasdessa literatura (Preto-Rodas, 1974). O material literrio uma fontede dados especialmente relevante para a anlise do esteretipo docaboclo, no s devido a seu potencial informativo, mas tambm porque,nesse caso, o espectro de interpretaes apresentadas dado por pessoasurbanas letradas que representam a essncia do ponto de vista nocaboclo10.

    9 A questo da pobreza do caboclo constantemente associada com a idia coloquial de raa, isto ,como resultado de caractersticas inatas, herdadas do amerndio. Como o tema da misria social, aquesto da composio racial da populao pobre tratada em termos extremamente ambivalentes.

    10 A utilizao de material literrio tambm importante devido escassez de pesquisa etnogrficasobre os caboclos. Criticando essa ausncia, Salles e Isdeboki (1969: 258) dizem: [at o final dosanos 60], a fico literria foi a nica fonte de conhecimento... sobre os caboclos. Na discussode Motta Maus (1989) da identidade amaznica, a literatura amaznica tambm usada parailustrar construes regionais e representaes negativas do caboclo e do meio ambiente amaznico.

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    Como Preto-Rodas afirma, a literatura amaznica caracterizadapor uma tendncia a retratar o que peculiar e extico para o leitorbrasileiro urbano mdio (Preto-Rodas, 1974: 182). Na caracterizaoda regio, os elementos exticos retratados so a exuberncia da florestae o folclore amaznico. Por outro lado, inclui-se a misria social comotema de especulao. Comparadas s narrativas do sculo XIX e aosrelatos dos viajantes estrangeiros do incio do sculo XX, que preferiamdescrever o amerndio como o representante humano da Amaznia, asobras dos autores brasileiros s ocasionalmente se referem populaoaborgene (Preto-Rodas, 1974: 195). Na literatura amaznica, o caboclo o principal tipo humano descrito. Essa concentrao provavelmentese relaciona ao fato de que o caboclo representa a desiluso de umaAmaznia civilizada. Enquanto o ndio no julgado pobre, o tema dapobreza est diretamente associado com o caboclo11.

    Embora o fracasso humano que o caboclo simboliza sejaconstantemente associado com o meio ambiente amaznico, essaassociao no deixa de ser ambivalente. Na literatura amaznica, tantoo caboclo quanto o meio ambiente so representados de maneirascontraditrias. Alm de ser retratada como paraso tropical, a Amazniatambm representada como inferno verde (ver Preto-Rodas, 1974).

    Um exemplo de tal desacordo encontra-se em Terra Imatura, deAlfredo Ladislau, originalmente publicado em 1923. O primeiro ensaiodo livro apresenta algumas das opinies contrastantes sobre a populaoe o meio ambiente amaznico na forma de um dilogo entre dois tiposregionais. Os dois interlocutores tm vises opostas sobre o potencialde desenvolvimento da regio. Ambos, porm, concordam com o fatode que falta aos caboclos energia e vontade para levar a cabo essa tarefapor eles prprios.

    Um dos interlocutores mantm que no s o meio ambiente, mastambm as pessoas so inadequadas. A terra julgada imatura, nopreparada ainda para sustentar uma populao civilizada e as pessoasso consideradas de uma cepa racial precria. A raa mista frgil considerada incapaz de empreender a dura tarefa de domesticaruma natureza resolutamente selvagem (Ladislau, 1971 [1923]: 17).A nica soluo entrevista para desenvolver a Amaznia atravs daintroduo de uma raa mais forte.11

    O amerndio foi muitas vezes julgado preguioso ou inapto para a civilizao, mas sua distinotnica lhe conferia uma justificativa, como se assim fosse, para apresentar um comportamentoeconmico diferente do comportamento do branco. A diferena tnica, por sua vez, foi, e emmuitos locais da Amaznia ainda , vista em termos evolutivos, quando a tal indolncia doamerndio considerada resultado do primitivismo de sua raa.

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    O segundo tipo discorda disso. Acredita que a Amaznia umaterra rica, capaz de sustentar um programa econmico bem-sucedidose os polticos parassem de negligenciar a regio. Esse interlocutordiz: [A Amaznia ] ainda terra estrangeira na conscincianacional (Ladislau, 1971 [1923]: 18). Ao contrrio do primeiro tipo,o segundo interlocutor mantm que a tarefa de desenvolver a Amazniano deve ser entregue a migrantes de uma nao aliengena, mas aosbrasileiros. No entanto, a idia expressa mina o potencial do amazniconativo de alcanar esse desenvolvimento sozinho. O caboclo no considerado suficientemente forte nem determinado. A soluovislumbrada organizar um influxo de sangue forte, e ele sugereque deveria vir da migrao de colonos do nordeste do Brasil.

    A associao ambivalente entre pessoas e seu ambiente continuaem outras obras literrias amaznicas. Para simplificar a exposio,pode-se dizer que o espectro de opinies invariavelmente adota, emdiferentes combinaes, as seguintes oposies binrias: populaocabocla capaz/incapaz, com meio ambiente amaznico rico/adverso. Areviso de Preto-Rodas (1974) d uma sntese simples da controvrsiana literatura. Aqui, eu gostaria de abordar um tema relacionado: adistino entre caboclos e nordestinos na Amaznia.

    CABOCLOS E MIGRANTES NORDESTINOS: CONTRASTES ECOMPARAES

    At a primeira metade deste sculo, ocorreu uma migrao emgrande escala de colonos do nordeste do Brasil, principalmente emassociao com a economia da borracha. O nmero exato de migrantesno conhecido. At 1910, as estimativas vo de 300.000 a 500.000(ver Santos, 1980: 99). Seja como for, o nmero de nordestinos foigrande o suficiente para prover uma clara distino entre o caboclo e aspopulaes nordestinas durante a primeira metade deste sculo, e umasrie de obras literrias daquela poca se concentraram nessa distino.

    A separao entre caboclos e nordestinos histrica e importante consider-la nesse sentido. Examinando-se o contextoliterrio em que a comparao entre as duas populaes feita, podemosobservar como o esteretipo do caboclo se torna o tema do debate.Alm disso, dando anlise dessa distino uma dimenso temporal, possvel notar a evoluo do significado do termo caboclo.

    Um exemplo que pode ser tomado para analisar a distino entrecaboclos e nordestinos encontrado nas obras de Alfredo Ladislau

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    (1971 [1923]) e Vianna Moog (1975 [1936]). Esses dois autoresmostram a mesma preocupao em classificar tipos de populaoamaznica em termos de suas origens, enfatizando assim a separaoentre caboclos e nordestinos. Entretanto, esses dois autores diferemnas opinies que tm de cada populao. Mais especificamente em Moogencontramos uma tentativa de definir quem o genuno caboclo.Comparando sua definio com outras, anteriores e subseqentes,observa-se a dimenso histrica do conceito de caboclo.

    No ensaio Os Mongo-Malaios e os Sertanejos (1971 [1923]),Ladislau expressa insatisfao com a aplicao geral do esteretipocaboclo populao rural amaznica. Mas no tenta negar o preconceitogeral de caboclos; sua crtica tem apenas a inteno de criar uma clusula:a de que o esteretipo se aplica apenas a um subgrupo da populaorural amaznica, pois no consegue distinguir entre o caboclo quedescende da populao amaznica aborgine e omigrante nordestino(Ladislau, 1971 [1923]: 73).

    Para Ladislau, os dois constituem categorias sociais diferentes,classificadas por ele como os mongo-malaios (aludindo a uma teoriadas origens raciais da populao aborgine), e os sertanejos (osinterioranos do nordeste). Ladislau prossegue explicitamentedenegrindo o caboclo atravs do que ele chama de provas. O caso realde um caboclo apresentado de tal modo que corrobora o esteretipo.Infelizmente, diz ele, a representao convencional do caboclopreguioso e indolente confirmada (Ladislau, 1971 [1923]: 74). Acultura e o temperamento de um homem do nordeste (dado que tambmestaria apoiado em um caso real), por outro lado, diferemsubstancialmente dos do caboclo, e os dois homens so comparadosem termos antitticos12.

    Entretanto, embora Ladislau seja de opinio de que os migrantesnordestinos tinham posio superior dos caboclos, na verdade, entreeles, as posies eram inversas. Assim, o grande nmero de nordestinosque migrou para a Amaznia nas primeiras quatro dcadas deste sculoera chamado pela populao nativa por termos como arigs,nordestinos, colonos, cearenses e brabos. Em associao com essestermos, a populao autctone mantinha seus prprios esteretiposnegativos dos migrantes. O nordestino era representado como umhomem firme e violento, ignorante das formas de vida da floresta e nohabituado abundncia de gua.12

    Ladislau era ele prprio nordestino, e isso provavelmente influenciou sua avaliao dos doispovos. No entanto, sua opinio no era apenas pessoal: o favoritismo em relao aos migrantesnordestinos (considerados uma raa melhor que o caboclo) era generalizado.

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    Em contraste com Ladislau, Vianna Moog concorda com aclassificao regional. Assim, em O Ciclo do Ouro Negro (1975 [1936]),o caboclo comparado ao nordestino em termos favorveis. A base dadistino de Moog entre os dois povos sua origem diferente. Emcontraste com a comparao de Ladislau, Moog no os diferencia combase em qualificaes morais e intelectuais.

    Na anlise de Moog da constituio da populao amaznica, ocaboclo apresentado junto com o amerndio como um dos povosautctones amaznicos. A apresentao do nordestino, por outro lado,enfoca sua experincia de vida contrastante: do nordeste rido para aregio amaznica fluvial. Tendo assim descartado o nordestino dapopulao autctone, Moog critica o fato de os caboclos seremrepresentados como grupo uniforme e prope sua prpria classificaode tipos de caboclos: o mameluco de Agassiz (uma referncia descriofeita pelo naturalista, cf. Agassiz, 1868), o mongomalaio definido porLadislau e o caboclo genuno que, para ele, s representado pela raamista. Volto a essa definio de caboclo depois de apresentar acomparao que faz Moog entre o que define como caboclo genuno eo nordestino.

    Criticando aqueles que seguem o favoritismo de Ladislau emrelao ao nordestino, Moog (1975 [1936]: 74) afirma: tempo defazermos justia aos caboclos amaznicos genunos, que at agoratm sido depreciados em comparaes feitas com o cearense dos riossuperiores. A defesa de Moog da raa mista cabocla baseia-se nasteorias de raa que dominavam o pensamento intelectual de seu tempo(ver Schwarcz, 1993). Seguindo a linha otimista de interpretao damiscigenao, Moog considera o caboclo um bom equilbrio racial.As qualidades das raas ndia e branca so combinadas e produzem umaraa hbrida bem adaptada, capaz de conviver com o meio ambiente sociale ecolgico amaznico. E embora Moog confirme a falta de ambiodo caboclo, s para exaltar o fato de que essa qualidade lhe deu osmeios para levar a vida no vale amaznico. Enquanto muitos migrantesnordestinos retornaram para casa depois do colapso da economia daborracha, o caboclo permaneceu, apesar das condies econmicasdesfavorveis. Se no fosse pelo caboclo sem ambies, no teriasido difcil prever o futuro da populao amaznica. Graas ao[caboclo]... a civilizao amaznica continua sua marcha (Moog,1975 [1936]: 74).

    Moog no est s em sua exaltao do caboclo. Tanto na literaturaquanto no discurso regional, o que est representado como preguia considerado sabedoria. O caboclo um homem feliz, ouvifreqentemente dos negociantes urbanos em Tef. Na idealizao

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    positiva, o caboclo designado como alegre e sbio, como se diz, porquese satisfaz com a pura existncia e portanto capaz de aproveitar a vidacom mnimo esforo. Preto-Rodas refere-se a Leo (1956: 207 eseguintes) como outra exaltao literria do caboclo13.

    Voltando definio de Moog do caboclo genuno, importanteconsiderar seu contexto temporal. Em 1878, Verssimo afirmou que apopulao rural deveria ser considerada como formada por tapuios ecaboclos. A preocupao acadmica de Verssimo era preservar o queera ento o significado tradicional do termo, isto , o ndio civilizado.A incluso da raa mista na mesma categoria, para ele, era errada. Deacordo com Verssimo, o termo certo para a raa mista era curiboca oumameluco.

    Em Moog, como em Ladislau, o esforo est em distinguir onordestino dos caboclos. E especificamente em Moog, a preocupao tambm definir quem so os caboclos genunos. Em contraste comVerssimo, Moog afirma que o termo se refere apenas raa mista,enquanto o amerndio civilizado considerado o verdadeiro tapuio.Assim, em 1936, Moog expressa a viso de que tapuio e caboclo noso mais sinnimos.

    Hoje a distino entre o caboclo representante de uma raamista e a segunda e a terceira geraes de imigrantes nordestinos vaga. S em umas poucas regies amaznicas, onde o nmero demigrantes era grande e eles se concentraram em um assentamento (porexemplo, em Colnia, um assentamento perto da cidade de Santarm),ou no constituram uma populao miscigenada (como em regies deantiga extrao de seringa), as duas populaes esto ainda separadas.Assim, em Santarm, os migrantes e seus descendentes foram at agoraconhecidos como nordestinos, colonos ou cearenses. J no mdioSolimes e em outras regies amaznicas, essa distino desapareceu.

    Tambm se desfez a diferenciao entre caboclos e tapuios. Hojeem dia o termo tapuio usado raramente. Os amerndios queabandonaram a vida indgena tradicional e adotaram uma vida ditacivilizada, j no so chamados de tapuios. Ironicamente, mais provvelque sejam eles os nicos a se referirem a si mesmos e a serem referidoscomo caboclos.

    13 Avaliaes positivas do caboclo tambm se encontram na literatura acadmica. Moran (1974:136), por exemplo, v o caboclo como o sistema adaptado humano mais importante [da Amazniabrasileira]. A viso negativa do caboclo corresponde crtica mais geral contra o nativopreguioso. Sahlins (1988) fez a crtica antropolgica mais influente da sndrome do nativopreguioso, substituindo-a pela idia de afluncia da subsistncia. Ver tambm em Bauer(1979) uma reviso da explicao de historiadores da indolncia camponesa que aponta adiferena entre o tempo de trabalho dos camponeses (trabalho sazonal) e dos trabalhadoresindustriais (trabalho orientado pelo tempo cronolgico).

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    Essa definio contempornea do caboclo adotada na literaturaacadmica. Na primeira publicao acadmica que adotou o cabocloamaznico como ttulo e tema central, The Amazon Caboclo: Historicaland Contemporary Perspectives, editada por Eugene Parker (1985),os caboclos so definidos como um grupo de sangue misto resultantedo casamento entre os amerndios e os primeiros colonosportugueses e, mais tarde, nordestinos (parker, 1985b: 6). Emcontraste com as primeiras dcadas deste sculo, nos anos 80, osnordestinos j no esto separados dos caboclos. De fato, nesse mesmovolume, Barbara Weinstein apresenta um relato histrico do que chamaa caboclizao dos nordestinos. Uma classificao de tiposcontemporneos de populaes amaznicas tambm apresentada. Deacordo com Parker: no interior da Amaznia h trs populaesdistintas: os amerndios, os caboclos amaznicos e os Pioneiros/migrantes camponese (parker, 1985a: xxxvii).

    Comparando as definies apresentadas em Verissimo (1878) eMoog (1975, [1936]) (uma que Parker (1985) tambm adota), vemos adimenso histrica de termo caboclo. O caboclo uma construo dequem nativo num dado momento da histria. O amaznida tpico dapoca sempre definido em contraste com aqueles que so migrantesrecentes e os povos indgenas, de um lado, e o grupo social identificadocomo branco, urbano e rico, de outro. O termo constitui uma categoriaintermediria no sistema de classificao social, situada entre categonassocias opostas. Inicialmente, a oposiao era designada exclusivamenteem termos de raa. Agora, a definio de caboclo implica uma srie deoposies: pobre versus rico, selvagem versus civilizado, florestaversus cidade e, na avaliao moral, indolente versus empreendedor.

    Vimos que no discurso coloquial amaznico o termo caboclo temdois usos - um objetivo e um relacional. O uso objetivo mais restrito,aparecendo na mdia, na fico literria e nos discursos polticos, quandodesigna a populao rural indgena amaznica. Apesar de se referir auma populao concreta, esse uso est associado a uma avaliaosubjetiva e ambivalente da populao rural. Tanto na literatura quantono discurso regional, o retrato do caboclo vai de um fracasso humano,um tipo preguioso e atrasado, a um indivduo sbio e racional,perfeitamente adaptado ao meio ambiente social e ecolgico daAmaznia. O meio ambiente amaznico em si outra fonte de desacordoe definido ora como abundante, ora como agressivo. Um fator comuma essas vises opostas a questo da pobreza do caboclo. O esteretipocaboclo e as opinies que se tm sobre as qualidades do meio ambienteso usados para explicar a pobreza humana e o subdesenvolvimento daAmaznia.

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    A forma relacional de utilizao a mais comum. Nessamodalidade, caboclo poderia designar um ndio, um habitante da zonarural ou uma pessoa pobre do meio urbano, dependendo do status relativoentre o orador e o indivduo ou a populao a que se refere. Assim, autilizao mais comum do termo caboclo caracterizada por umadefinio ambgua da populao a que se refere. Como resultado, osistema de classificao regional de indivduos ou enquanto caboclosou brancos (as principais categorias de classificao social na regiodo mdio Solimes) no coerente. Para ilustrar esse ponto, em suapesquisa, Wagley pediu aos habitantes de um assentamento no baixoAmazonas para classificar vinte bem conhecidos membros dacomunidade de acordo com as categorias tnicas usadas pelo povo local(branco, moreno, caboclo e negro). No houve consenso nas respostasrecebidas (Wagley, 1976: 134).

    A QUESTO DA IDENTIDADE CABOCLAO termo caboclo usado no discurso coloquial no se refere

    exclusivamente a um grupo social, nem corresponde a um grupo tnico.De acordo com Barth (1969: 13), os traos crticos para a definio deum grupo tnico so autodenominao e denominao pelos outros.Seguindo a definio de Barth, nem mesmo a populao dos amerndiosassentados a que se chamou de caboclos durante os tempos coloniaispoderia ser considerada um grupo tnico. Embora esses primeiroscaboclos fossem claramente distintos dos europeus a partir de uma basetnica, eles no constituram um grupo poltico nem possuram umaidentidade coletiva.

    O fato do caboclo no ser um termo de autodesignao estrelacionado, em primeiro lugar, com a conotao pejorativa do termo eo significado de ndio domesticado (e no o de uma raa cruzada entrebranco e ndio), que ele transmite entre a populao rural.

    Quando caboclo usado por certos grupos amerndios comotermo de autodesignao, a conotao pejorativa est subentendida.Como afirma Cardoso de Oliveira (1972a), o uso de caboclo comotermo de auto-identifIcao uma maneira de os ndios assumirem umaposio social inferior em relao aos brancos. Discutindo o uso dotermo entre os ticuna, Cardoso de Oliveira afirma que uma identidadenegativa (ou seja, a do ndio que se v do ponto de vista do branco). Poressa razo, os ndios que individualmente migram do alto rio Negropara a cidade de Manaus no reproduzem sua identidade cabocla atravsdas geraes, mas apenas a usam para si (ver Fgoli, 1985).

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    Uma segunda razo por que caboclo no utilizado como termode autodesignao deriva do fato de nunca ter sido associado a ummovimento politico. H outros casos de termos utilizados para aidentificao de grupos sociais que ou ganharam ou desenvolveram umvalor politico positivo e por esse motivo foram aceitos enquanto termosde autodesignao. A classificao social ndio um exemplo bemconhecido14.

    Enquanto a populao rural v sua relao com grupos sociais destatus mais elevado com base em concepes coletivas vagas, como ade pobre, encontram-se entre eles mesmo noes mais afirmativas deidentidade.

    A ecologia dos assentamentos constitui um importante atributode identidade, e esta uma das bases sobre as quais a populao rural sedistingue entre si. As duas principais paisagens regionais so a vrzea,a plancie inundada sazonalmente, e a terra firme, as terras mais altas,livres de inundao. Esses dois cenrios ecolgicos impem condiesde vida contrastantes. Eles apresentam ciclos sazonais diferentes epermitem a ocorrncia de um conjunto de atividades econmicasdiversas. Dadas essas diferenas, os moradores locais se distinguementre si como vargeiros, ou pessoas da vrzea, e terra firmeiros, oupessoas da terra firme.

    A atividade econmica constitui outro nvel de auto-identificaoe distino. A maioria dos habitantes da zona rural se define comoagricultor. Os moradores afirmam que a agricultura a sua profisso,apesar de empreenderem outras atividades econmicas, como a extraode madeira, a coleta de castanha-do-par e a pesca, e apesar de, emmuitos casos, essas atividades constiturem sua principal fonte de renda.No contexto de sua dependncia de um patro ou negociante, as pessoastambm falam de seu status de fregueses e discutem as deficinciasdessa posio econmica desfavorvel.

    A noo de identidade mais intrnseca ao habitante da zona rural encontrada no nvel da comunidade. Nesse nvel, os principaisparmetros de sua definio de qualidade de si mesmo e qualidade deoutro so: residncia comum, relao de parentesco, lugar denascimento, devoo religiosa e nomes pessoais. A combinao entreesses atributos individuais constitui a base sobre a qual as pessoasinteragem entre si.

    Os assentamentos rurais so chamados comunidades, seguindoum programa de organizao politica dos assentamentos rurais14

    Dois outros casos so os termos posseiro, discutido por Esterci (1987), e campons, analisadopor Sigaud (1978).

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    introduzido pela igreja catlica. Antes da introduo do termocomunidade, eram empregadas as palavras povoado, localidade oustio. Os habitantes locais usam a palavra comunidade (freqentementedita nossa comunidade) para transmitir a noo de direitos comunsde residncia e uso comunal dos recursos terra e gua relacionadosao territrio de sua localidade.

    Na regio do mdio Solimes, parentesco e residncia estofortemente relacionados. Todas as comunidades rurais so identificadaspor referncia a um ou mais grupos de parentesco dominantes. Nascomunidades, embora nem todos os indivduos tenham relaes deparentesco locais, a afirmao somos todo, parentes aqui lugar-comum. A distino entre os de dentro e os de fora feita emdois nveis: considerando o indivduo isoladamente e levando em contaa unidade domstica. Assim, a afirmao acima freqentementecomplementada por s x lares no so de parentes.

    Os indivduos entram na comunidade principalmente atravs docasamento, mas mantm seu status individual de forasteiros. O lar emque vivem, entretanto, reconhecido como casa de parentes. S totalmente considerada de forasteiros a casa onde nenhum dos cnjugespossui relaes de consanginidade com alguma das famlias dominantesou em que nenhum deles oriundo do local. Os indivduos no nascidosna localidade, mas que tm uma ligao de parentesco reconhecida comuma famlia local tm garantidos os direitos aos recursos dacomunidade.

    A maioria dos povoados rurais na regio do mdio Solimes catlica. H um nmero crescente de comunidades protestantes naregio, assim como casos de uma minoria de protestantes que vivemem comunidades predominantemente catlicas. Embora haja uma sriede igrejas protestantes na regio (Pentecostal, Testemunhas de Jeov,Adventista do Stimo Dia, Batista e outras), os protestantes soconhecidos em termos coloquiais pelo nome genrico crente. Aconstruo da identidade crente depende de seu contraste com ocatolicismo (em termos de reivindicaes recorrentes desuperioridade), enquanto a identidade do catlico comparativamentemais autocentrada15.

    O catolicismo praticado pela populao rural essencialmentepopular, com nfase na devoo aos santos e em poucos sacramentos erituais ortodoxos. A maior parte das comunidades celebra um ou maissantos padroeiros, considerados guardies da comunidade. Festas anuais

    15 Sobre a expanso do pentecostalismo na Amaznia, ver Boyer, 1999a.

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    celebram seus santos padroeiros com um ritual tradicional. Por constituirum foco comum de devoo, o santo padroeiro confere comunidadesua identidade metafisica.

    Para o indivduo, a identificao social e a identidade pessoal estoassociadas ao nome pessoal. No mdio Solimes, a maioria dosindivduos tem dois nomes: um nome cristo e um apelido. A diferenaentre o nome cristo da pessoa e o seu apelido bem marcada e o uso(ou a atribuio) de um ou de outro constitui um sinal importante deproximidade ou distncia interpessoal.

    O nome cristo o nome da pessoa, distinto do apelido, que como a pessoa chamada ou, como eles dizem, como ns o (a)chamamos. Enquanto o nome cristo exclusivamente uma atribuiode parentes e guardies da criana, o apelido a identidade conferidapela sua comunidade.

    Vizinhos, parentes e conhecidos ao mesmo tempo se referem ese dirigem pessoa por seu apelido, ao ponto de mal se conhecer onome cristo de alguns indivduos. Os apelidos em geral derivam danatureza (nomes de animais, peixes, frutas ou plantas). Geralmente, oapelido explicado atravs de uma histria pessoal, freqentementeum evento engraado ou satrico envolvendo a pessoa. Disseram-meque somente os homens tm apelidos e, de fato, a maioria deles tem.No entanto, embora comparativamente com menor freqncia, algumasmulheres tambm tm apelidos.

    O nome cristo s dado depois do batismo. Antes disso, os bebsno tm nomes (pode-se referir a eles como anjinhos). comumencontrar irmos com nomes semelhantes, todos comeando com amesma letra ou sendo combinaes dos nomes do pai e da me. Emcomparao com o apelido, o nome cristo formal. Disseram-me que dado a estrangeiros e autoridades, como o padre, o servio de extenso,o MEB, etc.

    Em resumo, contrastando com a objetividade postulada no uso dotermo caboclo, s pessoas a que se faz referncia atravs do termofalta uma identidade coletiva que lhes daria uma noo abrangente eimediata da diferena entre elas prprias e outras categorias sociaispertencentes sociedade amaznica. Em relao sua posio nasociedade em geral, a populao rural do mdio Solimes v-se comopobre. Essa identidade a base de seu relacionamento com a lideranapoltica do mdio Solimes. Em nveis sociais menos abrangentes, aidentidade do grupo local e as identidades pessoais baseiam-se nosatributos da ecologia do povoado, na profisso, na residncia comum,no status de parentesco dentro da comunidade, na localidade do

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    nascimento, na religio e no nome. Esses parmetros so mais relevantespara o relacionamento interno da populao rural do que para o seurelacionamento com gente de fora (moradores das cidades e dasclasses mais altas), para quem o uso do rtulo caboclo em si estabelecea principl fronteira para se traar diferenas sociais e culturais.

    UMA ANTROPOLOGIA DO CABOCLO?

    Dada a complexidade do conceito coloquial, pode-se perguntarcomo a antropologia do caboclo define seu objeto. Na literaturaacadmica, o termo caboclo essencialmente uma categoria terica,um tipo ideal, no sentido weberiano. Essa literatura no extensa. Asprincipais obras foram escritas nos anos 50 por Charles Wagley (1976[1953]) e Eduardo Galvo (1955). Ambos adotaram o termo caboclopara referir-se populao rural. Trabalhos subseqentes que trataramdo campesinato da Amaznia (tais como Moran, 1974; Parker, 1981;1985; Parker et al., 1983; Nugent, 1981) seguiram com o uso do termo.Nos anos oitenta, a literatura geral sobre a Amaznia, cobrindo tpicoscomo ecologia, desenvolvimento e histria econmica (por exemplo,Forewaker, 1981; Weinstein, 1983; Sioli, 1984; Bunker, 1985), tambmfez referncia aos caboclos, traduzindo o termo como o campesinatoamaznico nativo. Em 1993, Nugent publicou o livro AmazonianCaboclo Sociery - an essay on invisibiliry and Peasant Economy,que foi seguido de trs artigos tratando especificamente da identidadedo caboclo: um do prprio Nugent (1997), um de Harris (1998) e ooutro de Saillant e Forline (2000).

    Comentando a complexidade do significado do termo, Wagley(1985) explicou que o termo fora imposto a ele e a Galvo, por seuscolegas, autoridades governamentais e pessoas da cidade de Belm.Sempre que os dois pesquisadores esboavam seu programa de pesquisa,ouviam a resposta: Ento o senhor vai estudar os caboclos (Wagley,1985: vii). Durante minha prpria pesquisa sobre a populao rural domdio Solimes, ouvi os mesmos comentrios (incluindo formulaesmais duras como o que voc vai fazer no meio dos caboclos?) e,acompanhando os trabalhos de Wagley e Galvo, adotei o termocaboclos para definir o sujeito da minha tese, mesmo tendo tido ocuidado de analisar a complexidade de significados e apesar de, naconcluso do trabalho, apresentar nota sobre o carter provisional dotermo - dado que no havia termo genrico de autodenominao16. Hoje16

    Cf. Lima Ayres, 1992; ver tambm Harris, 1996, para uma etnografia sobre uma comunidadecabocla do Par.

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    abandono essa opinio, mesmo a de que possvel tom-lo como termoprovisrio. Como mencionei, no creio que possa existir um uso neutropara uma palavra que tem na memria coletiva um conjunto to densode significados.

    Como se viu acima, uma referncia ao termo caboclo evoca vriossignificados, sendo os prncipais relacionados a noes de geografia(Amaznia, interior, rural), de descendncia e raa (indgena, mestia),das hierarquias e relaes sociais (conquista ibrica, submisso, arelao de dvida e de crdito no aviamento, o par patro & fregus) todas ligadas histria da ocupao europia da Amaznia. Entre essessignificados, predomina o sentido pejorativo do termo, decorrente darepresentao negativa do indivduo ou grupo que ocupa uma posiosocial inferior. Embora haja tambm uma valorao positiva nofolclore, que retrata o caboclo como o homem da terra, e em cultosde possesso, em que aparece como esprito forte (Boyer, 1999b) o esteretipo predominante negativo. Corresponde a figuras como omatuto e o caipira do interior sulista. Por esse motivo, qualquerreferncia ao termo no pode ser inteiramente inocente, pois sempreremete conotao pejorativa de domnio pblico, apreendido pelosenso comum , ao ponto do nome mesmo no ser senoexcepcionalmente usado como autodenominao. A forma singela ehumilde de pr a mo no peito e anunciar, como reconhecimento deinferioridade, eu sou apenas um caboclo dirigi-se especificamentea um interlocutor branco, rico ou de outra regio que no a Amaznia.

    No h uma identidade clara, forte e socialmente valorizadarelacionada ao termo, e mesmo a forma acima mencionada no senouma encenao pr-fabricada, uma aceitao dissimulada da nomeaoque imputada ao locutor e que este s adota para uma platia especfica:uma que lhe seja (ou que ele considere) superior. Internamente, oindivduo constri sua noo de pessoa com outros referenciais, citadosacima, como sendo ligados sua condio social (pobre), principalatividade econmica (pesca artesanal, agricultura de pequeno porte,coleta de castanha), ao ambiente que ocupa (vrzea ou terra firme), aoslaos de parentesco locais (as comunidades de parentes), cosmologiae religio que professa (o mundo dos encantados, o catolicismo popularou as seitas pentecostais de vrias denominaes). Essas noes deidentidade esto presentes no seu discurso direto, quando falam de si epor si.

    De maneira geral, entretanto, a palavra caboclo usada emdiscursos indiretos, quando se fala de algum ou de algum grupo. Onome caboclo carrega uma histria particular: surgiu ao longo do

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    processo em que se formou o segmento campons amaznico, nocontexto de uma estrutura social altamente hierarquizada, como foi asociedade amaznica colonial. E surgiu no s para referir a essa classeinferior como para definir suas qualidades e seu valor. Vimos como apalavra inicialmente denotava o ndio genrico, destribalizado, passandoposteriormente a significar o hbrido, o miscigenado. Que o termo tema funo de classificar categorias e definir posies sociais comprovado pelo fato de a palavra ter sido mantida, apesar da evoluoda composio tnica da populao que nomeia. A manuteno do nomeimplica que, embora seu significado parea ter mudado (seconsiderarmos que teve fundamentalmente a conotao de atributosraciais), ele na verdade uma categoria de referncia para a posioinferior na estrutura social do meio rural principalmente.

    Uma forma de expressar a dominao de uma classe sobre outra o exerccio do poder de dar nomes. E a prpria nominao no destituda de poder, pois passa a influir no curso da formao do gruponomeado, como argumentou Bourdieu (1990). Sobre o poder daspalavras de efetivamente construir espaos sociais, Bourdieu (1990:167) sintetiza em uma frase: possvel fazer coisas com palavras.

    As palavras criadas para servir como categorias de classificaosocial no apenas descrevem como criam a estrutura social. A definiodos nomes das classes, privilgio dos grupos que ocupam posiessuperiores, reflete e configura a estrutura social. O caso do caboclo um exemplo entre outros. Na prpria Amaznia ps-colonial h outroscasos. Grande nmero dos nomes pelos quais muitos povos indgenasficaram conhecidos fruto de tais processos de nominao, como onome macu, derrogatrio e pejorativo, que engloba os hupda, dow eoutros subgrupos afins, situados em posio inferior no sistemahierrquico dos povos do rio Negro. J entre povos indgenas politizados,os nomes de atribuio foram abolidos e ao lado de seu processo deautodeterminao figura em destaque sua nfase na autodenominao,como o caso dos ashaninka (ex-campa), no Acre, entre outros. E, comomencionado acima, o prprio termo caboclo tem na sua etimologia osignificado de alteridade (aquele que vem do mato).

    A nominao, como a nomeao, um ato de definio deidentidades e atributos sociais. No caso de uma palavra com sentido deexcluso como caboclo (em muitos aspectos o pria da sociedadecolonial amaznica), o nome atribui uma identidade que prende o grupoe os sujeitos a uma imobilidade social. A permanncia do nome restringeas possibilidades de emancipao. No toa que nos movimentospolticos atuais, notadamente os ligados problemtica ambiental,

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    apresentam-se com novas identidades sociais, seja como Povos daFloresta, Populaes Tradicionais, Pescadores Artesanais, ou Mulheresda Floresta, mas no como caboclos. Como mostrou Lygia Sigaud(1978), no artigo A Morte do Caboclo, os moradores das grandesfazendas de Pernambuco que eram conhecidos (mas tambm no seautodenominavam) como caboclos at os anos 60, quando seorganizaram politicamente, passaram a ser chamados e a se chamar decamponeses.

    nesse sentido que me refiro responsabilidade presente no usodos nomes, pois as palavras no apenas criam, mas conservam as coisasque criam, como as estruturas e as representaes sociais. Porquecarrega a histria colonial de subordinao, a palavra caboclocompromete o destino de uma populao. O efeito do nome sobre aidentidade inegvel o nome condensa a prpria essncia da identidade.Aceitar o nome caboclo aceitar a derrogao. como o caboclismoque Cardoso de Oliveira descreveu para os ticuna, quando o fato dereferirem-se a si mesmos como caboclos significava olhar a simesmos com os olhos do branco. , portanto, essa histria da palavracaboclo que me faz refletir sobre a pretenso antropolgica de subtrairsua carga simblica consagrada pelo uso popular e supor que podeempreg-la com um novo sentido. Podemos falar em cabocloimpunemente, atribuindo palavra um significado neutro (e no casopretender tambm o exerccio da nominao)?

    Por certo precisamos de uma palavra para falar sobre os sujeitosda realidade social e referir a eles e, para nos fazer inteligveis, nadamais direto do que tomar emprestadas palavras com significadoestabelecido no vocabulrio popular. Tambm reconhecemos serem ostempos atuais, momentos de correo, em que as palavras esto sendosubmetidas a uma reviso excepcional, medidas e pesadas com cuidadoantes de serem empregadas. O excesso de rigor faz-nos correr risco deparalisar a fala. S neste campo temtico, reunimos uma srie deconceitos submetidos a uma severa reviso crtica: campons, culturae a prpria etnografia. No vocabulrio cotidiano, so as palavras nomasculino, as maneiras de fazer referncia a um indivduo que apresentealgum estigma social, que nos fazem diminuir a velocidade da fala esair em busca de outras palavras para empregar. Mas, no caso do nomecaboclo, no h razo para no adotar novos nomes em seu lugar, mesmoporque cabe a ns um papel importante de legitim-los. A nova identidadeecolgica surge no como em Pernambuco dos anos sessenta, com amorte do caboclo, mas com a morte do patro. Com a transformaodas relaes sociais de produo no meio rural, abriu-se um novo espao

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    poltico para as populaes rurais. Nesse contexto, criaram seus prpriosmovimentos polticos, como o das populaes tradicionais. Emboratenhamos que reconhecer algumas incongruncias nessas novasdenominaes - alguns autores chegam ao ponto de caracterizar essespovos como neo-tradicionais devido ao carter inovador de suaspropostas para uma ecologia poltica amaznica -, nossaresponsabilidade conhecer o significado poltico do uso das palavras17.

    nesse sentido que se justifica a necessidade de desistir de fazeruso da palavra caboclo, especialmente se pretendemos falar deidentidades rurais na Amaznia contempornea. Como mostrou Baktin(1979), a palavra o primeiro meio da conscincia individual. Arealidade da palavra, como a de qualquer signo, resulta do consensoentre indivduos. Constitui o material semitico da vida interior, daconscincia, do discurso interno. Nesse sentido, a palavra caboclo uma representao, e, tambm segundo Baktin (1979), a representao o modo pelo qual vemos as coisas. Mas as representaes no sonecessariamente identidades, nem devem ser confundidas com elas. Aidentidade uma forma de representao dirigida a si prprio. a visode si, que em um contexto social diferenciado relacionada a umaidentidade coletiva. O grupo informa seus membros sobre o significadoda pertena, e sua particularidade construda a partir da comunicaoentre os indivduos que formam o grupo de modo a constituir suaidentidade comum. A identidade de um grupo no est fora da existnciade seus membros, no algo metafsico ou exterior aos indivduos,mas sim uma produo coletiva da somatria das contribuiesindividuais, no contexto de uma formao social particular.

    O que fazer ento se nossa representao do outro entra emconflito com a sua prpria representao de si, sua prpria identidade?E como falar de uma identidade cabocla, se essa palavra, cujo sentidoaponta para uma representao alegrica, impe. uma distncia socialmuito grande entre o locutor e o personagem a que faz referncia?Manter o uso da palavra caboclo demonstra que desconhecemos asformas com que eles prprios se apresentam/representam. Nessesentido, o nome caboclo vive hoje apenas no discurso que ns fazemossobre uma outra categoria social.

    17 Para uma anlise do significado da categoria social populaes tradicionais e sobre seu processopoltico de auto-constituio, ver Carneiro da Cunha e Barbosa, 2000.

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