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Revisão de Informativos do STF e STJ – 2º Semestre de 2013 Material de apoio complementar ao aluno Prof. Márcio André Lopes Cavalcante 1 DIREITO DO CONSUMIDOR 1. CONCEITO DE CONSUMIDOR 1.1 DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CONSUMIDOR Teoria finalista O art. 2º do CDC prevê o seguinte: Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. Em regra, a jurisprudência do STJ afirma que o art. 2º deve ser interpretado de forma restritiva e que deve ser considerado destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Com isso, em regra, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço (Min. Nancy Andrighi). Para ser considerada uma relação de consumo, o bem ou serviço não pode ter sido adquirido com finalidade lucrativa ou para integrar a cadeia de produção (atividade negocial). Essa é a aplicação da concepção finalista. Teoria finalista mitigada, abrandada ou aprofundada Embora consagre o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência do STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor desse critério para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre os adquirentes e os fornecedores em que, mesmo o adquirente utilizando os bens ou serviços para suas atividades econômicas, fique evidenciado que ele apresenta vulnerabilidade frente ao fornecedor. Diz-se que isso é a teoria finalista mitigada, abrandada ou aprofundada. Em suma, a teoria finalista mitigada, abrandada ou aprofundada consiste na possibilidade de se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa, mesmo sem ter adquirido o produto ou serviço como destinatária final, possa ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade. Nesse sentido: REsp 1.195.642/RJ, Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 13/11/2012. Portanto, saber se um destinatário final de um produto ou serviço se enquadra no conceito de consumidor é compreender, além da sua destinação, se a relação jurídica estabelecida é marcada pela vulnerabilidade daquele (pessoa física ou jurídica), que adquire ou contrata produto ou serviço diante do seu fornecedor (Min. Villas Bôas Cueva). Em que consiste essa vulnerabilidade? Segundo lição da Min. Nancy Andrighi (REsp 1.195.642-RJ), existem quatro espécies de vulnerabilidade: a) técnica; b) jurídica; c) fática; d) informacional. Vejamos cada uma delas com base na teorização.

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DIREITO DO CONSUMIDOR 1. CONCEITO DE CONSUMIDOR 1.1 DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE CONSUMIDOR Teoria finalista O art. 2º do CDC prevê o seguinte:

Art. 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Em regra, a jurisprudência do STJ afirma que o art. 2º deve ser interpretado de forma restritiva e que deve ser considerado destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Com isso, em regra, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço (Min. Nancy Andrighi). Para ser considerada uma relação de consumo, o bem ou serviço não pode ter sido adquirido com finalidade lucrativa ou para integrar a cadeia de produção (atividade negocial). Essa é a aplicação da concepção finalista. Teoria finalista mitigada, abrandada ou aprofundada Embora consagre o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência do STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor desse critério para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre os adquirentes e os fornecedores em que, mesmo o adquirente utilizando os bens ou serviços para suas atividades econômicas, fique evidenciado que ele apresenta vulnerabilidade frente ao fornecedor. Diz-se que isso é a teoria finalista mitigada, abrandada ou aprofundada. Em suma, a teoria finalista mitigada, abrandada ou aprofundada consiste na possibilidade de se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa, mesmo sem ter adquirido o produto ou serviço como destinatária final, possa ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade. Nesse sentido: REsp 1.195.642/RJ, Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 13/11/2012. Portanto, saber se um destinatário final de um produto ou serviço se enquadra no conceito de consumidor é compreender, além da sua destinação, se a relação jurídica estabelecida é marcada pela vulnerabilidade daquele (pessoa física ou jurídica), que adquire ou contrata produto ou serviço diante do seu fornecedor (Min. Villas Bôas Cueva). Em que consiste essa vulnerabilidade? Segundo lição da Min. Nancy Andrighi (REsp 1.195.642-RJ), existem quatro espécies de vulnerabilidade: a) técnica; b) jurídica; c) fática; d) informacional. Vejamos cada uma delas com base na teorização.

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Vulnerabilidade técnica Significa a ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço por parte do adquirente. A vulnerabilidade técnica é presumida no caso do consumidor não-profissional (ex: uma família que adquire uma geladeira). O consumidor profissional pode, excepcionalmente, ser considerado tecnicamente vulnerável nas hipóteses em que o produto ou serviço adquirido não tiver relação com a sua formação, competência ou área de atuação. Ex: uma escola de idiomas que contrata uma empresa para o desenvolvimento e instalação de um sistema de informática. Vulnerabilidade jurídica (ou científica) A vulnerabilidade jurídica ou científica pressupõe falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico. A vulnerabilidade jurídica é presumida no caso do consumidor não-profissional. Por outro lado, se a pessoa que adquiriu o produto ou serviço for profissional ou uma pessoa jurídica, a presunção é de que não é vulnerável juridicamente, uma vez que pratica os atos de consumo ciente da respectiva repercussão jurídica, contábil e econômica, seja por sua própria formação (no caso dos profissionais), seja pelo fato de, na consecução de suas atividades, contar com a assistência de advogados, contadores e/ou economistas (no caso das pessoas jurídicas). Obviamente, essa pessoa poderá provar que, no caso concreto, ela era vulnerável juridicamente. Vulnerabilidade fática (ou socioeconômica) A vulnerabilidade fática ou socioeconômica abrange situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em desigualdade frente ao fornecedor. Vulnerabilidade informacional Trata-se de uma nova categoria, antes enquadrada como vulnerabilidade técnica. A vulnerabilidade informacional ocorre quando o consumidor não detém as informações suficientes para realizar o processo decisório de aquisição ou não do produto ou serviço. Precedente que destoa da posição majoritária explicada acima Em 2013, a 4ª Turma do STJ proferiu um julgado que se afasta do entendimento majoritário da Corte acima explicado (teoria finalista aprofundada). No caso examinado pelo STJ, um fornecedor de máquinas de xerox de grande porte e uma sociedade empresária de pequeno porte firmaram um contrato para utilização das copiadoras. Após uma divergência empresarial, a empresa de pequeno porte ingressou com ação contra a fornecedora e pediu para ser considerada consumidora, invocando o art. 29 do CDC:

Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas.

A 4ª Turma do STJ não concordou com a tese e afirmou que a empresa de pequeno porte não poderia ser considerada vulnerável, de modo a ser equiparada à figura de consumidor (art. 29

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do CDC), uma vez que o fornecedor não teria violado quaisquer dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 do CDC. Para o Min. Relator, o art. 29 está inserido nas disposições gerais do Capítulo V do CDC, que se refere às “Práticas Comerciais”, e faz menção também ao Capítulo VI (capítulo seguinte), que trata da “Proteção Contratual”. Assim, para o reconhecimento da situação de vulnerabilidade, o que atrairia a incidência da equiparação prevista no art. 29, seria necessária a constatação de que a fornecedora violou algum dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54, que correspondem aos Capítulos V e VI, do CDC. Nesse contexto, afirmou o Relator, caso não tenha se verificado práticas abusivas na relação contratual examinada, a natural posição de inferioridade do destinatário de bens ou serviços não possibilita, por si só, o reconhecimento da vulnerabilidade. Resumindo: Em uma relação contratual avençada com fornecedor de grande porte, uma sociedade empresária de pequeno porte não pode ser considerada vulnerável, de modo a ser equiparada à figura de consumidor (art. 29 do CDC), na hipótese em que o fornecedor não tenha violado quaisquer dos dispositivos previstos nos arts. 30 a 54 do CDC. STJ. 4ª Turma. REsp 567.192-SP, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 5/9/2013 (Info 530). É importante que você conheça esse julgado da 4ª Turma porque algumas vezes o CESPE cobra apenas um precedente isolado. No entanto, é preciso ressaltar que ele não reflete a jurisprudência prevalecente no Tribunal. Isso porque, conforme explicado acima, o STJ adota a teoria finalista mitigada, por meio da qual mesmo a pessoa jurídica não tendo adquirido o produto ou serviço como destinatária final, pode ser equiparada à condição de consumidora por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade. Desse modo, não é necessário invocar o art. 29 do CDC para que a pessoa jurídica seja considerada consumidora. Basta o art. 2º do Código, com a interpretação mitigada que é conferida pelo STJ. 1.2 APLICAÇÃO DO CDC NO CONTRATO DE ADMINISTRAÇÃO IMOBILIÁRIA É possível aplicar o CDC à relação entre proprietário de imóvel e a imobiliária contratada por ele para administrar o bem. Em outras palavras, a pessoa que contrata uma empresa administradora de imóveis pode ser considerada consumidora. STJ. 3ª Turma. REsp 509.304-PR, Rel. Min. Villas Bôas Cueva, julgado em 16/5/2013 (Info 523). Imagine a seguinte situação: João, proprietário de um apartamento, contrata uma empresa administradora de imóveis para que ela alugue o bem, receba os aluguéis do locatário e fiscalize o contrato.

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Que espécie de contrato foi celebrado entre João e a empresa? Um contrato de administração de imóveis (contrato de administração imobiliária). Em que consiste esse contrato? É um contrato de prestação de serviços, por meio do qual o proprietário do imóvel (ou o condomínio) confere a um administrador (pessoa física ou jurídica), por meio de mandato ou autorização, o poder de gerir o imóvel ou de dirigir seus interesses, mediante o pagamento de uma contraprestação. Nessa relação jurídica firmada com a imobiliária, João pode ser considerado consumidor? Esse contrato poderá ser regido pelo CDC? SIM. A 3ª Turma do STJ decidiu que é possível a aplicação do CDC à relação entre proprietário de imóvel e a imobiliária contratada por ele para administrar o bem. Isso porque o proprietário do imóvel é, de fato, destinatário final fático e também econômico do serviço prestado. Ademais, existe uma presunção de que o contratante é vulnerável por força de três fatores:

o contrato firmado é de adesão;

trata-se de uma atividade complexa e especializada;

e o mercado imobiliário se comporta de forma diferenciada e específica em cada lugar e período, de modo que o contratante não detém esse conhecimento técnico.

Ao tratar sobre o tema, Cláudia Lima Marques afirma que, no caso de contratos de administração imobiliária, o contratante é consumidor porque apresenta vulnerabilidade fática, técnica, informacional e jurídica. Isso fica ainda mais claro nas hipóteses em que a pessoa só possua um imóvel para alugar (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. 5ª ed., São Paulo: RT, 2005, p. 430-431). Natureza jurídica complexa do contrato de administração imobiliária O contrato de administração imobiliária possui natureza jurídica complexa, em que convivem características de diversas modalidades contratuais típicas - corretagem, agenciamento, administração, mandato -, não se confundindo com um contrato de locação, nem necessariamente dele dependendo. No cenário caracterizado pela presença da administradora na atividade de locação imobiliária se sobressaem pelo menos duas relações jurídicas distintas: a de prestação de serviços, estabelecida entre o proprietário de um ou mais imovéis e essa administradora, e a de locação propriamente dita, em que a imobiliária atua como intermediária de um contrato de locação. Na primeira, o dono do imóvel ocupa a posição de destinatário final econômico daquela serventia, vale dizer, aquele que contrata os serviços de uma administradora de imóvel remunera a expertise da contratada, o know how oferecido em benefício próprio. A atividade da imobiliária, que é normalmente desenvolvida com o escopo de propiciar um outro negócio jurídico, uma nova contratação, envolvendo uma terceira pessoa física ou jurídica, pode também se resumir ao cumprimento de uma agenda de pagamentos (taxas, impostos e emolumentos) ou apenas à conservação do bem, à sua manutenção e até mesmo, em casos extremos, ao simples exercício da posse, presente uma eventual impossibilidade do próprio dono, tudo a evidenciar a sua destinação final econômica em relação ao contratante.

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2. RESPONSABILIDADE PELO FATO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO 2.1 VIOLAÇÃO DO DEVER DE INFORMAÇÃO E REAÇÃO ALÉRGICA CAUSADA PELO PRODUTO No caso em que consumidor tenha apresentado reação alérgica ocasionada pela utilização de sabão em pó, não apenas para a lavagem de roupas, mas também para a limpeza doméstica, o fornecedor do produto responderá pelos danos causados ao consumidor na hipótese em que conste, na embalagem do produto, apenas pequena e discreta anotação de que deve ser evitado o "contato prolongado com a pele" e que, "depois de utilizar" o produto, o usuário deve lavar e secar as mãos. STJ. 4ª Turma. REsp 1.358.615-SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/5/2013 (Info 524). Imagine a seguinte situação adaptada: Maria adquiriu determinado sabão em pó para lavar suas roupas e também para lavar os cômodos da casa e, após certo período de tempo, começou a sentir coceira e queimação nas mãos, tendo o desconforto evoluído para vermelhidão e grandes bolhas até se diagnosticar que estava com “dermatite de contato” causada pelo produto. Diante disso, ajuizou ação de indenização por danos materiais, morais e estéticos, alegando que a fabricante possui responsabilidade objetiva em virtude da ocorrência de fato do produto, nos termos do art. 12 do CDC:

Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos. § 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais: I - sua apresentação; II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam; III - a época em que foi colocado em circulação.

Argumentos da ré A fabricante defendeu-se apresentando dois argumentos principais: a) A consumidora fez o uso inadequado do produto, considerando que usou o sabão em pó

não apenas para lavar roupas, mas também para limpar os cômodos da casa (culpa exclusiva da consumidora – inciso III do § 3º do art. 12 do CDC);

b) A consumidora possui hipersensibilidade ao produto, não se podendo dizer que este apresente defeito (inciso II do § 3º do art. 12).

Veja os dispositivos invocados pela fabricante:

§ 3º O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: (...)

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II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

A questão chegou até o STJ. O que decidiu a Corte? 1º argumento da fabricante: uso inadequado (culpa exclusiva da consumidora) Não foi aceito. Segundo o STJ, a utilização do sabão em pó para limpeza do chão dos cômodos da casa, além da lavagem do vestuário, por si só, não representou conduta descuidada apta a colocar a consumidora em risco, uma vez que não se trata de uso negligente ou anormal do produto, sendo, inclusive, um comportamento de praxe nos ambientes residenciais. 2º argumento da fabricante (hipersensibilidade da consumidora): Também não foi aceito. O art. 12 previu três modalidades de defeitos dos produtos: a) defeito de concepção; b) defeito de produção e c) defeito de informação. No caso em tela, não houve defeito de concepção nem de produção. Contudo, é de se notar que a responsabilização da fornecedora não se deu por defeito intrínseco (o produto realmente não apresentou falha material), mas ao contrário, por defeito extrínseco, qual seja, defeito de informação. Para o STJ, houve violação ao direito da autora de ser devidamente informada, tendo em vista a falta de informação clara e suficiente de que o produto só poderia ser utilizado na lavagem de roupas, de que o contato com a pele deveria ser por um curto lapso de tempo, bem como que o produto poderia vir a causar irritação ou qualquer outro problema alérgico. Ressalte-se que, na embalagem do produto, havia dois avisos: “Evite contato prolongado com a pele” e “Depois de utilizar o produto, o usuário deve lavar e secar as mãos”. No entanto, o STJ considerou que tais advertências não eram suficientes para alertar os consumidores de forma eficiente quanto aos riscos do produto. A embalagem do sabão em pó deveria conter advertência destacada acerca dos riscos que o produto poderia acarretar, bem como informações sobre o modo e tempo de uso aconselhável do produto. 2.2 CONTAMINAÇÃO POR CAUSA DE TRANSFUSÃO DE SANGUE OCORRIDA EM HOSPITAL O hospital que realiza transfusão de sangue observando todas as cautelas exigidas por lei não é responsável pelo fato de o paciente ter sido contaminado com hepatite C, ainda que se considere que essa contaminação ocorreu por conta do fenômeno da janela imunológica. STJ. 4ª Turma. REsp 1.322.387-RS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 20/8/2013 (Info 532).

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Imagine a seguinte situação adaptada: Roberto realizou uma cirurgia e, após o procedimento, precisou receber uma transfusão de sangue. Algum tempo depois, foi diagnosticado que ele contraiu o vírus HCV (hepatite C) por conta da referida transfusão de sangue. Diante disso, Roberto ajuizou ação de indenização por danos morais contra o hospital, afirmando que houve fato do serviço (o serviço foi defeituoso), nos termos do art. 14 do CDC:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

Doador de sangue não tinha hepatite Durante a instrução probatória, ficou comprovado que o doador do sangue utilizado na transfusão não tinha hepatite C e que o hospital adotou todas as cautelas exigidas pelos protocolos médicos e hospitalares. Janela imunológica Como os exames do doador, na época, deram negativo, chegou-se a conclusão de que, quando ele foi fazer a doação do sangue, estava em um período de “janela imunológica”. Janela imunológica é um período em que a pessoa já está contaminada pelo vírus e pode transmiti-lo a outras pessoas, mas, apesar disso, os exames feitos ainda não conseguem detectar a doença. Assim, se a pessoa está no período da janela imunológica, o resultado do exame será um falso negativo. Nesse caso concreto, houve defeito na prestação dos serviços por parte do hospital? NÃO. A 4ª Turma do STJ entendeu que o hospital, para permitir a transfusão de sangue, adotou todas as cautelas razoáveis e possíveis, de modo a garantir a segurança do paciente. Não se pode dizer que o hospital tenha incorrido em defeito na prestação dos serviços se a contaminação ocorreu em virtude da “janela imunológica”. A doutrina especializada esclarece que mesmo que se adotem todos os testes adequados à análise sanguínea, ainda assim não é possível a eliminação total dos riscos de transfusão de sangue contaminado. Desse modo, o consumidor, ao fazer um procedimento de transfusão de sangue, deve saber que não há absoluta segurança no procedimento por conta de limitações técnicas. Não se pode responsabilizar o hospital caso ele adote todos os procedimentos recomendados e, mesmo assim, haja a contaminação, uma vez que, segundo o estado atual da técnica, não existe possibilidade de se eliminar por completo os riscos na transfusão. Em seu voto, o excelente Min. Luis Felipe Salomão traz a opinião de doutrina abalizada sobre o tema, valendo a pena fazer aqui duas transcrições: “(...) Não se pode eliminar, aqui, o risco de transfundir sangue contaminado a um paciente mesmo com a adoção das medidas adequadas à análise do sangue. Para minimizar essa possibilidade, adotam-se medidas de triagem do doador, que não são todas infalíveis, eis que dependentes da veracidade e precisão das informações por este prestadas.

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Trata-se, como se vê, de um risco reduzido, porém não eliminável. Parece correto sustentar, assim, que aquilo que o consumidor pode legitimamente esperar não é, infelizmente, que sangue contaminado jamais seja utilizado em transfusões sanguíneas, mas sim que todas as medidas necessárias à redução desse risco ao menor patamar possível sejam tomadas pelas pessoas ou entidades responsáveis pelo processamento do sangue.” (FERRAZ, Octávio Luiz Motta Ferraz. Responsabilidade civil da atividade médica no código de defesa do consumidor. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009, p. 156). “(...) embora haja especificidade e evolução da técnica, como vimos raramente será o ato transfusional 100% seguro, em face do nível do conhecimento científico atual não afastar a existência de riscos como aqueles produzidos pela chamada ‘janela imunológica’ que produz falsos resultados negativos nos testes a que é submetido o sangue. Ademais, o médico ao receitar uma transfusão de sangue compromete-se a utilizar todos seus conhecimentos e meios disponíveis para obtenção de um resultado: a preservação da vida e saúde do paciente. Não se obriga ele a alcançar o resultado em si, mesmo porque não lhe é dado o poder de garantir o sucesso do ato. Assim, ensejando a transfusão de sangue uma obrigação de meio, cumpre, em princípio àquele que busca indenização à prova da culpa ou o dolo do demandado.” (MURIEL, Christine Santini. Aspectos juridicos das transfusões de sangue. São Paulo: Revista dos Tribunais. Vol. 706. p. 30. Ago, 1994). Em conclusão, o STJ afirmou que não era devida a indenização, considerando que o serviço prestado não foi defeituoso. 2.3 ROUBO OCORRIDO EM VALET PARKING DE RESTAURANTE Nesse julgado do STJ foram expostas duas conclusões importantes: I – Na ação regressiva, devem ser aplicadas as mesmas regras do CDC que seriam utilizadas em eventual ação judicial promovida pelo segurado (consumidor) contra o restaurante (fornecedor). Isso porque, após o pagamento do valor contratado, ocorre sub-rogação, transferindo-se à seguradora todos os direitos, ações, privilégios e garantias do segurado em relação à dívida contra o restaurante, de acordo com o disposto no art. 349 do CC. II – O restaurante que ofereça serviço de manobrista (valet parking) prestado em via pública não poderá ser civilmente responsabilizado na hipótese de roubo de veículo de cliente deixado sob sua responsabilidade, caso não tenha concorrido para o evento danoso. STJ. 3ª Turma. REsp 1.321.739-SP, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 5/9/2013 (Info 530). Imagine a seguinte situação: Carlos e sua esposa foram jantar em badalado restaurante da cidade. Chegando até o local, Carlos deixou seu carro com o manobrista do serviço de valet oferecido pelo restaurante aos clientes. Quando o manobrista estava estacionando o carro em uma rua que fica ao lado do restaurante, foi abordado por um ladrão, que, mediante grave ameaça com arma de fogo, roubou o automóvel.

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Suponha que Carlos ajuíze uma ação contra o restaurante. Qual é o tipo de responsabilidade que será analisada nessa demanda? O juiz analisará se o restaurante tem ou não o dever de indenizar o cliente com base no regime da responsabilidade objetiva. Isso porque o cliente é consumidor e o restaurante caracteriza-se como fornecedor do serviço de manobrista. Assim, o pedido de indenização será baseado na existência de uma relação de consumo e a decisão será tomada tendo como análise o art. 14 do CDC, que trata sobre o fato do serviço:

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (...) § 3º - O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar: I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste; II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Suponha agora uma situação diferente. Imagine que Carlos tivesse seguro e a seguradora pagou a ele o valor do automóvel. Após indenizar o lesado, a seguradora ajuíza ação de regresso contra o restaurante cobrando o valor pago a Carlos. Qual é o tipo de responsabilidade que será analisada nessa demanda? Também se trata de responsabilidade objetiva e a análise da procedência ou não do pedido será feita com base no art. 14 do CDC. Segundo decidiu o STJ, na ação regressiva devem ser aplicadas as mesmas regras que seriam utilizadas caso o segurado (consumidor) tivesse proposto a ação contra o restaurante (fornecedor). Isso porque, após o pagamento do valor contratado, ocorre sub-rogação, transferindo-se à seguradora todos os direitos, ações, privilégios e garantias do segurado, em relação à dívida, contra o restaurante, de acordo com o disposto no art. 349 do CC:

Art. 349. A sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores.

Em outras palavras, a seguradora, após pagar a indenização, passa a ter os mesmos direitos que o segurado tinha. Logo, como o segurado poderia ter cobrado o restaurante com base no art. 14, a seguradora também terá esse direito. Vamos, então, agora à questão de fundo. O restaurante, que ofereceu o serviço de valet deverá indenizar o cliente pelo roubo do veículo, fato que ocorreu quando o manobrista encontrava-se estacionando o carro em uma via pública? NÃO. O restaurante que ofereça serviço de manobrista (valet parking) prestado em via pública não poderá ser civilmente responsabilizado na hipótese de roubo de veículo de cliente deixado sob sua responsabilidade, caso não tenha concorrido para o evento danoso. Mesmo no regime da responsabilidade objetiva, nem sempre o fornecedor será condenado a indenizar a vítima. O art. 14, em seu § 3º, prevê causas de exclusão da responsabilidade. Assim, no caso concreto, o fato de o veículo ter sido roubado caracteriza fato de terceiro (culpa exclusiva de terceiro), afastando o dever de indenizar, nos termos do inciso II do § 3º o art. 14 do CDC.

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O roubo, embora previsível, é inevitável, caracterizando, nessa hipótese, fato de terceiro apto a romper o nexo de causalidade entre o dano (perda patrimonial) e o serviço prestado. Ressalte-se que, na situação em análise, inexiste exploração de estacionamento cercado com grades, mas simples comodidade posta à disposição do cliente. É certo que a diligência na guarda da coisa está incluída nesse serviço. Entretanto, as exigências de garantia da segurança física e patrimonial do consumidor são menos contundentes do que aquelas atinentes aos estacionamentos de shopping centers e hipermercados, pois, diferentemente destes casos, trata-se de serviço prestado na via pública. E se tivesse ocorrido um furto (ex: o manobrista estacionou o carro e, quando voltou para o restaurante, o ladrão, sem ser percebido, conseguiu subtrair o veículo)? Nesse caso, o restaurante deveria ser condenado a indenizar a vítima. Conforme pontuou o Min. Paulo de Tarso Sanseverino, nos serviços de manobristas (valets) ofertados por restaurantes nas grandes cidades, deve-se estabelecer uma distinção entre a ocorrência de furto ou roubo de veículo para efeito de responsabilidade civil. Nas hipóteses de roubo, caracteriza-se o fato de terceiro ou a força maior, podendo-se discutir apenas eventual concorrência do demandado, mediante uma prestação defeituosa do seu serviço, para o evento danoso (fato exclusivo ou concorrrente). Nas hipóteses de furto, em que não há violência, permanece a responsabilidade, pois o serviço prestado mostra-se defeituoso, por não apresentar a segurança legitimamente esperada pelo consumidor. Se o restaurante ficasse dentro de um shopping, ele responderia mesmo em caso de roubo? SIM. A ocorrência de roubo não constitui causa excludente de responsabilidade civil nos casos em que a garantia de segurança física e patrimonial do consumidor é inerente ao serviço prestado pelo estabelecimento comercial. Assim, haverá responsabilidade mesmo em caso de roubos, se o evento ocorrer em supermercados, bancos, shopping centers, enfim, empresas que fornecem estacionamentos aos seus consumidores como técnica para captação de clientela, não apenas em face do conforto, mas também da segurança oferecida, que se torna uma legítima expectativa do público consumidor. Nesse sentido:

(...) De acordo com os ditames do Código de Defesa do Consumidor, os shoppings, hotéis e hipermercados que oferecem estacionamento privativo aos consumidores, mesmo que de forma gratuita, são responsáveis pela segurança tanto dos veículos, quanto dos clientes. Aplicação, ainda, da inteligência da Súmula 130/STJ. (...) (EREsp 419.059/SP, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 11/04/2012) (...) É dever de estabelecimentos como shoppings centers e hipermercados zelar pela segurança de seu ambiente, de modo que não se há falar em força maior para eximi-los da responsabilidade civil decorrente de assaltos violentos aos consumidores; (...) (REsp 582.047/RS, Rel. Min. Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 17/02/2009)

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2.4 PRAZO PRESCRICIONAL PARA RESSARCIMENTO DECORRENTE DE CAUSADOS POR QUEDA DE AERONAVE O prazo prescricional para que moradores de casas atingidas por queda de avião ajuízem ação de indenização contra a companhia aérea é de 5 anos (art. 27 do CDC). Os moradores, embora não tenham utilizado o serviço da companhia aérea como destinatários finais, equiparam-se a consumidores pelo simples fato de serem vítimas do evento. São conhecidos como bystanders (art. 17 do CDC). Não se aplica o prazo prescricional do Código Brasileiro de Aeronáutica quando a relação jurídica envolvida for de consumo. STJ. 3ª Turma. REsp 1.202.013-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/6/2013 (Info 524). Em 1996, um avião da empresa TAM® caiu em uma região residencial de São Paulo (SP), atingindo inúmeras casas. Qual é o prazo prescricional para que os moradores das casas atingidas ajuízem uma ação de indenização por danos morais e materiais contra a companhia aérea? 5 anos. Qual é o fundamento? Houve, nesse caso, um fato do serviço, aplicando-se, portanto, o prazo prescricional previsto no art. 27 do CDC:

Art. 27. Prescreve em 5 (cinco anos) a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Por que se aplica o CDC? Os moradores das casas atingidas são considerados consumidores mesmo não tendo celebrado nenhum tipo de contrato com a empresa aérea? SIM. Os moradores, embora não tenham utilizado o serviço como destinatários finais, equiparam-se a consumidores pelo simples fato de serem vítimas do evento. É o que prevê o art. 17 do CDC:

Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.

Os moradores, nesse caso concreto, são consumidores por equiparação, também chamados pela doutrina de bystanders. O que significa “bystanderes”? Trata-se de uma expressão utilizada pela doutrina norte-americana para designar os consumidores por equiparação. Desse modo, se um acidente de consumo proporciona outras vítimas, além daquelas que haviam contratado o produto ou serviço, estas também serão consideradas consumidoras, nos termos do art. 17 do CDC. Em uma tradução literal, bystanders significa “espectadores”.

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O exemplo típico de bystanders dado pelos livros é justamente o do acidente aéreo que atinge os moradores das casas. No entanto, é possível imaginar inúmeras outras situações. Vejamos alguns exemplos de bystanders já cobrados em provas:

Em razão de falha no sistema de freios do automóvel de sua propriedade, recém-adquirido e com poucos quilômetros rodados, Fábio atropelou Silas. Nessa situação, Silas pode acionar a montadora do veículo, sob o argumento de que ocorreu acidente de consumo, em virtude de ser consumidor por equiparação (DPE/AL CESPE 2009).

Caio foi ao mercado com seu amigo apenas para acompanha-lo, uma vez que não iria comprar nada. Enquanto andava por lá, uma garrafa de refrigerante explodiu e cortou seu rosto. Nesse caso, mesmo sem ter ido comprar nada, Caio deve ser indenizado com base no CDC porque é consumidor por equiparação (Advogado EMBASA CESPE 2010).

Ocorreu explosão em uma loja de fogos de artifício, o que ocasionou a morte e a lesão de inúmeras pessoas que passavam ao lado do estabelecimento. Tais pessoas, vítimas do evento, são consumidoras por equiparação (bystanders) (STJ, REsp 181.580-SP).

Consumidor standard X consumidor bystander

Consumidor standard Consumidor bystander

É o consumidor segundo o conceito “padrão” da lei (consumidor em sentido estrito, strictu sensu).

É o consumidor por equiparação (consumidor em sentido amplo, lato sensu).

Previsto na cabeça do art. 2º do CDC: Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Há três dispositivos do CDC prevendo consumidor por equiparação: art. 2º, parágrafo único, art. 17 e art. 29. Para fins de responsabilidade civil, o conceito de consumidor bystander é trazido pelo art. 17 do CDC.

Em nosso exemplo da queda do avião, os consumidores standard seriam os passageiros.

Os consumidores bystanders seriam os moradores das casas atingidas pelo acidente.

O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) traz prazos prescricionais para os casos de danos causados por acidente aéreo?

SIM. O Código Brasileiro de Aeronáutica (Lei n. 7.565/86) estabelece em seu art. 317, II:

Art. 317. Prescreve em 2 (dois) anos a ação: II - por danos causados a terceiros na superfície, a partir do dia da ocorrência do fato;

A empresa de companhia aérea alegou que não poderia ser aplicado o prazo do CDC, mas sim o lapso previsto no Código Brasileiro de Aeronáutica. O STJ concordou com essa tese? NÃO. Para o STJ, o Código Brasileiro de Aeronáutica continua em vigor, mas somente deverá ser aplicado nos casos em que a relação jurídica discutida não esteja regida pelo CDC. Assim, se a relação for de consumo (como no caso dos moradores – bystanders), o CBA deve ser afastado porque incidirá o CDC, cuja força normativa é extraída diretamente da CF (art. 5º, XXXII). Nas demais hipóteses, prevalece o CBA.

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A Min. Nancy Andrighi afirmou que essas normas se interpenetram, promovendo um verdadeiro diálogo de fontes. E por que não se aplica o prazo prescricional previsto no Código Civil? As regras do Código Civil são reservadas ao tratamento das relações jurídicas entre pessoas que se encontrem em patamar de igualdade, o que não ocorre na hipótese. Dessa feita, havendo a presença do consumidor (vulnerável na relação jurídica), a incidência deve ser do CDC, salvo se não houver regra prevista ou se a disposição do Código Civil for mais favorável ao consumidor. 3. RESPONSABILIDADE PELO VÍCIO DO PRODUTO OU DO SERVIÇO 3.1 VÍCIO DE QUANTIDADE E DIREITO À INFORMAÇÃO Ainda que haja abatimento no preço do produto, o fornecedor responderá por vício de quantidade na hipótese em que reduzir o volume da mercadoria para quantidade diversa da que habitualmente fornecia no mercado, sem informar na embalagem, de forma clara, precisa e ostensiva, a diminuição do conteúdo. STJ. 2ª Turma. REsp 1.364.915-MG, Rel. Min. Humberto Martins, julgado em 14/5/2013 (Info 524). Imagine a seguinte situação: Determinada fabricante reduziu de 600 ml para 500 ml o conteúdo dos seus refrigerantes PET, sem a adequada informação aos consumidores. Essa prática é conhecida como “maquiagem de produto” ou “aumento disfarçado de preços”. Diante disso, o Procon de Minas Gerais instaurou procedimento administrativo contra a fabricante, tendo imposto multa de 460 mil reais, nos termos do art. 57 do CDC. Houve, no caso concreto, um vício ou defeito do produto? Trata-se, na hipótese, de vício de quantidade do produto.

Relembre as diferenças entre os institutos:

Vício Defeito

Vício é a inadequação do produto ou serviço para os fins a que se destina. É uma falha ou deficiência que compromete o produto em aspectos como a quantidade, a qualidade, a eficiência etc. Ex: Paulo compra um Playstation e ele não “roda” todos os jogos.

Defeito diz respeito à insegurança do produto ou serviço. Está relacionado com o acidente de consumo. Ex: Paulo compra um Playstation, ele liga o aparelho, começa a jogar e, de repente, o videogame esquenta muito e explode, ferindo-o.

Qual é o tipo de vício de que trata o caso? Onde está a previsão legal? Trata-se de um vício do produto (vício de quantidade), previsto no art. 18 do CDC:

Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou

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inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

Ação anulatória A fabricante ajuizou, então, ação anulatória contra o Estado de Minas Gerais, sob o argumento de não ter praticado nenhuma infração contra as relações de consumo, pedindo a anulação da multa administrativa imposta. 1º argumento da fabricante: Na ação proposta, a fabricante alegou que reduziu o preço do refrigerante vendido aos distribuidores e que não pode ser punida se, eventualmente, tais distribuidores não repassaram essa diminuição aos consumidores.

O STJ concordou com essa tese? NÃO. São legitimados a figurar no polo passivo da relação de consumo todos os participantes que integrem a cadeia geradora ou manipuladora de bens e serviços (causa remota da legitimação passiva), por existência de ato ou fato, omissivo ou comissivo, que coloque em risco ou ofenda um direito do consumidor de tais bens e serviços (causa próxima da legitimação passiva).

Como a oferta e a colocação de produtos e serviços no mercado pressupõem, em regra, a atuação de mais de um fornecedor, a legislação prevê que a responsabilidade civil objetiva por violações a direitos do consumidor deverá recair sobre todos os que se enquadram no conceito de fornecedor (art. 3º do CDC). Em outras palavras, a responsabilidade civil objetiva recai, de forma solidária, sobre todos aqueles que, direta ou indiretamente, atuem na “atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”. A isso se dá o nome de princípio da “solidariedade dos partícipes do ciclo de produção”.

Essa solidariedade encontra-se prevista nos seguintes artigos do CDC:

Art. 7º (...) Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas. Art. 25 (...) § 1º Havendo mais de um responsável pela causação do dano, todos responderão solidariamente pela reparação prevista nesta e nas Seções anteriores.

Para o STJ, ainda que tenha havido a alegada falha do distribuidor em repassar a diminuição de volume dos refrigerantes aos consumidores, a fabricante, compreendida na acepção larga de

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“fornecedor” (art. 3º do CDC), não pode se eximir da responsabilidade civil objetiva, respondendo solidariamente pelo vício de quantidade do produto colocado à venda. Caberá à fabricante, caso queira, exercer eventual direito de regresso, na via própria, contra os distribuidores. 2º argumento da fabricante: A fabricante alegou que no rótulo havia a menção ao novo volume do refrigerante, não tendo, portanto, havido falha na informação. O STJ concordou com essa tese? NÃO. Entendeu-se que a informação prestada ao consumidor não foi feita de forma clara, precisa e ostensiva.

O direito à informação encontra fundamento na CF/88 (art. 5º, XIV). Além disso, o CDC o prevê como sendo um direito básico do consumidor (art. 6º, III). O direito à informação confere ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas. Trata-se do chamado “consentimento informado ou vontade qualificada”. Diante disso, o comando previsto no art. 6º, III, do CDC somente será efetivamente cumprido quando a informação for prestada ao consumidor de maneira adequada, assim entendida aquela que se apresenta simultaneamente completa, gratuita e útil, vedada, no último caso, a diluição da comunicação relevante pelo uso de informações soltas, redundantes ou destituídas de qualquer serventia. Além do mais, o dever de informar é considerado um modo de cooperação, uma necessidade social que se tornou um autêntico ônus pró-ativo incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor). Além disso, o art. 31 do CDC, que cuida da oferta publicitária, tem sua origem no princípio da transparência (art. 4º, caput) e é decorrência do princípio da boa-fé objetiva. Observe-se que o dever de informar não é tratado como mera obrigação anexa, e sim como dever básico, essencial e intrínseco às relações de consumo, não podendo afastar a índole enganosa da informação que seja parcialmente falsa ou omissa a ponto de induzir o consumidor a erro, uma vez que não é válida a “meia informação” ou a “informação incompleta”.

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3.2 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CORREIOS POR EXTRAVIO DE CARTA REGISTRADA O extravio de correspondência registrada acarreta dano moral in re ipsa (sem necessidade de comprovação do prejuízo), devendo os Correios indenizar o consumidor. STJ. 4ª Turma. REsp 1.097.266-PB, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, Rel. para acórdão Min. Raul Araújo, julgado em 2/5/2013 (Info 524). O consumidor pode enviar uma correspondência simples ou registrada. Tendo optado por enviar carta registrada, é dever dos Correios comprovar a entrega da correspondência, ou a impossibilidade de fazê-lo, por meio da apresentação do aviso de recebimento ao remetente. Afinal, quem faz essa espécie de postagem possui provável interesse no rastreamento e no efetivo conhecimento do recebimento da carta pelo destinatário, por isso paga mais. Portanto, se os Correios não comprovaram a efetiva entrega da carta registrada postada pelo consumidor, que pagou tarifa especial para possibilitar o rastreamento pelo próprio órgão de postagem, deve ser reconhecida a falha do serviço prestado, a ensejar a devida reparação por dano moral. Esse dano moral é in re ipsa (sem necessidade de comprovação do prejuízo). 4. PROTEÇÃO CONTRATUAL 4.1 PLANO DE SAÚDE E COLOCAÇÃO DE STENT É nula a cláusula de contrato de plano de saúde que exclua a cobertura relativa à implantação de stent. Segundo a jurisprudência do STJ, no contrato de plano de saúde, é considerada abusiva a cláusula que exclua da cobertura órteses, próteses e materiais diretamente ligados ao procedimento cirúrgico a que se submete o consumidor. Gera dano moral a injusta recusa de cobertura por plano de saúde das despesas relativas à implantação de stent. STJ. 3ª Turma. REsp 1.364.775-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 20/6/2013 (Info 526). Imagine a seguinte situação hipotética: João teve um princípio de infarto e foi internado. O médico diagnosticou que o tratamento ideal para ele seria a colocação de um stent (uma espécie de tubo minúsculo) na artéria. O plano de saúde negou-se a custear o tratamento, alegando que, no contrato assinado, a

cláusula n. 7.5.2.3.4.1 do item IV, da Seção XXIII, do Capítulo X, do anexo III, afirma expressamente que não está abrangida pela cobertura do plano a colocação de stents. Diante disso, o que poderá fazer João? Ajuizar ação de obrigação de fazer contra a operadora do plano de saúde a fim de que o Poder Judiciário determine que seja custeada a colocação do stent. O pedido encontra respaldo na jurisprudência do STJ? SIM. Segundo a jurisprudência do STJ, no contrato de plano de saúde, é considerada abusiva a cláusula que exclua da cobertura órteses, próteses e materiais diretamente ligados ao procedimento cirúrgico a que se submete o consumidor. Logo, é nula a cláusula que negue cobertura à implantação de stent.

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João poderá exigir também uma indenização (compensação) por danos morais? SIM. Em regra, o mero inadimplemento contratual não enseja indenização por danos morais. Em outras palavras, não é porque o contratante se negou a cumprir o contrato que a outra parte terá direito a danos morais por conta desse motivo. No entanto, o STJ entende que a negativa do plano de saúde custear tratamento enseja sim indenização por danos morais. O Tribunal considera que a injusta recusa de cobertura agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito daquele que, ao pedir a autorização da seguradora, já se encontra em condição de dor, de abalo psicológico e com a saúde debilitada. Logo, a negativa de cobertura de tratamento de saúde é uma hipótese excepcional de inadimplemento contratual que enseja danos morais. Vamos mudar um pouco o exemplo. Imagine agora que João, com pressa, diante da negativa inicial do plano de saúde, decide, ele próprio, custear a colocação do stent. Tal quantia poderá ser exigida da operadora? SIM. João poderá ingressar com ação de indenização por danos morais e materiais contra a operadora, cobrando o valor gasto com o stent e também a compensação pelo sofrimento experimentado com a recusa. Qual é o prazo prescricional para essa ação? 10 anos , nos termos do art. 205 do CC (STJ. 3ª Turma. REsp 1.176.320-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 19/2/2013). 4.2 COBRANÇA DOS PACIENTES DE PLANO DE SAÚDE POR ATENDIMENTO FORA DO HORÁRIO COMERCIAL O hospital não pode cobrar, ou admitir que se cobre, dos pacientes conveniados a planos de saúde valor adicional por atendimentos realizados por seu corpo médico fora do horário comercial. STJ. 4ª Turma. REsp 1.324.712-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/9/2013 (Info 532). O hospital não pode cobrar, ou admitir que se cobre, dos pacientes conveniados a planos de saúde valor adicional por atendimentos realizados por seu corpo médico fora do horário comercial. A pedra de toque do direito consumerista é o princípio da vulnerabilidade do consumidor, mormente no que tange aos contratos. Nesse contexto, independentemente do exame da razoabilidade/possibilidade de cobrança de honorários médicos majorados para prestação de serviços fora do horário comercial, salta aos olhos que se trata de custos que incumbem ao hospital. Este, por conseguinte, deveria cobrar por seus serviços diretamente das operadoras de plano de saúde, e não dos particulares/consumidores.

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Além disso, cabe ressaltar que o consumidor, ao contratar um plano de seguro de assistência privada à saúde, tem a legítima expectativa de que, no tocante aos procedimentos médico-hospitalares cobertos, a empresa contratada arcará com os custos necessários, isto é, que haverá integral assistência para a cura da doença. Essa cobrança de valores adicionais é iníqua (injusta) e aproveita-se da fragilidade do consumidor, considerando que todos os custos já deveriam estar cobertos pelo preço exigido da operadora de saúde. Assim, tal conduta caracteriza-se como manifestamente abusiva, violando a boa-fé objetiva e o dever de probidade do fornecedor, sendo vedada pelos arts. 39, IV, X, e 51, III, IV, X, XIII, XV, do CDC e 422 do CC. Ademais, na relação mercantil existente entre o hospital e as operadoras de planos de saúde, os contratantes são empresários – que exercem atividade econômica profissionalmente –, não cabendo ao consumidor arcar com os ônus/consequências de eventual equívoco quanto à gestão empresarial. 4.3 É INCABÍVEL A EXIGÊNCIA DE CAUÇÃO PARA ATENDIMENTO MÉDICO-HOSPITALAR EMERGENCIAL É incabível a exigência de caução para atendimento médico-hospitalar emergencial. STJ. 4ª Turma. REsp 1.324.712-MG, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 24/9/2013 (Info 532). Caução para atendimento médico-hospitalar de emergência Alguns hospitais, mesmo em caso de emergência, somente atendiam o paciente que lá chegava se ele, ou algum de seus familiares, apresentasse um cheque-caução, nota promissória, ou qualquer garantia que assegurasse que as despesas hospitalares seriam pagas ao final do procedimento. Essa exigência (que era comum, mas atualmente, rara) é válida? NÃO.

O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90) prevê que é prática abusiva o fato do fornecedor de serviços se prevalecer da fraqueza do consumidor diante de um problema de saúde. Confira-se:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;

O Código Civil de 2002, por sua vez, prevê o estado de perigo como vício de consentimento, apto a gerar a anulabilidade do negócio jurídico. A doutrina civilista em peso classifica a exigência de cheque-caução para atendimentos emergenciais em hospitais como típico exemplo de estado de perigo.

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Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa.

No âmbito do direito administrativo sancionador, a Agência Nacional de Saúde Suplementar –

ANS, agência reguladora vinculada ao Ministério da Saúde, possui a Resolução Normativa n. 44, de 24 de julho de 2003, proibindo a prática nos seguintes termos:

Art. 1º Fica vedada, em qualquer situação, a exigência, por parte dos prestadores de serviços contratados, credenciados, cooperados ou referenciados das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde e Seguradoras Especializadas em Saúde, de caução, depósito de qualquer natureza, nota promissória ou quaisquer outros títulos de crédito, no ato ou anteriormente à prestação do serviço.

Por fim, em 2012, foi editada a Lei n. 12.653, prevendo como crime (art. 135-A do CP) a conduta de exigir cheque-caução, nota promissória ou qualquer garantia como condição para o atendimento médico-hospitalar emergencial.

No âmbito do STJ, mesmo antes da vigência da Lei n. 12.653/2012, já havia precedentes condenando a prática e afirmando que é dever do estabelecimento hospitalar, sob pena de responsabilização cível e criminal, prestar o pronto atendimento aos pacientes que lá chegam em situação de emergência. Com a superveniência da Lei, somente é reforçada a vedação. 4.4 É NULA CLÁUSULA QUE LIMITE O VALOR DA INDENIZAÇÃO NA HIPÓTESE DE FURTO, ROUBO OU EXTRAVIO DO BEM EMPENHADO Em contrato de penhor firmado por consumidor com instituição financeira, é nula a cláusula que limite o valor da indenização na hipótese de eventual furto, roubo ou extravio do bem empenhado. STJ. 4ª Turma. REsp 1.155.395-PR, Rel. Min. Raul Araújo, julgado em 1º/10/2013 (Info 529). Penhor Penhor é o direito real pelo qual o devedor ou terceiro transfere ao credor, em garantia do débito, a posse de uma coisa móvel. A coisa dada em penhor é “empenhada” ou “apenhada”. Não se pode confundir penhor (garantia real) com penhora (ato do processo de execução). Penhor de joias A Caixa Econômica Federal oferece uma forma de conferir empréstimo de modo mais ágil e sem burocracia. Trata-se do empréstimo com penhor. A pessoa interessada em obter um empréstimo procura a CEF e obtém o empréstimo, oferecendo, como garantia, joias, pedras preciosas, canetas, relógios etc. Quando a pessoa paga o empréstimo, recebe de volta o bem empenhado. Se o mutuário não quitar o empréstimo, a coisa apenhada é leiloada.

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Imagine agora a seguinte situação hipotética: Pedro, precisando de dinheiro, resolve tomar um empréstimo na CEF e, como garantia, entrega o seu anel de formatura. No contrato assinado, havia uma cláusula que dizia que, em caso de roubo, furto ou extravio da joia empenhada, a CEF deveria pagar ao mutuário, a título de danos materiais e morais, o valor máximo de 1,5 vezes da quantia pela qual foi avaliado o bem. Ex: se o bem tivesse sido avaliado em 10 mi reais, a CEF pagaria, no máximo, 15 mil reais de indenização. Uma semana após Pedro dar o bem em garantia, houve um furto na agência da CEF e levaram o anel, que estava guardado em um cofre. A CEF deverá indenizar Pedro por esse furto? SIM. O furto ocorrido deve ser entendido como fortuito interno, inerente à atividade explorada pelo banco. Assim, a instituição financeira é responsável por furtos ou mesmo roubos em seus cofres (REsp 1.250.997/SP, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 5/2/2013). Essa cláusula que limita o valor da indenização é válida? NÃO. O CDC prevê, em seu art. 51, I:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

Segundo decidiu o STJ, no contrato de penhor celebrado com a Caixa, é notória a hipossuficiência do consumidor, pois este, necessitando de empréstimo, apenas adere a um contrato cujas cláusulas são inegociáveis, submetendo-se, inclusive, à avaliação unilateral realizada pela instituição financeira. Vale ressaltar que, comumente, a avaliação é inferior ao preço cobrado do consumidor no mercado varejista de joias. Ao aceitar dar em penhor sua joia pessoal, o consumidor demonstra não estar interessado em vender esse bem empenhado, preferindo transferir apenas a posse temporária dela à instituição financeira, em garantia de um empréstimo. Pago o empréstimo, ele tem plena expectativa de ter de volta seu bem. Isso revela que, em regra, o mutuário possui uma relação afetiva com a coisa apenhada. O que fazer, então, no caso concreto? O juiz deverá reconhecer que a cláusula é nula de pleno direito, nos termos do art. 51, I, do CDC, devendo condenar à CEF a pagar um valor justo de indenização, que atenda estritamente aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Deve-se salientar que, além dos danos materiais, a CEF deverá ser condenada a pagar também danos morais, uma vez que, conforme já salientado, o consumidor que decide pelo penhor assim o faz pretendendo receber o bem de volta, e, para tanto, confia que o mutuante o guardará pelo prazo ajustado. Se a coisa empenhada fosse para o proprietário um bem

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qualquer, sem nenhum valor sentimental, provavelmente o consumidor optaria pela venda da joia, e, certamente, obteria um valor maior. 4.5 DISTRATO DA PROMESSA DE COMPRA E VENDA E RETENÇÃO DE VALORES PELA CONSTRUTORA É abusiva a cláusula de distrato, fixada no contrato de promessa de compra e venda imobiliária, que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Vale ressaltar, no entanto, que a jurisprudência entende que é justo e razoável que o vendedor retenha parte das prestações pagas pelo consumidor como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas realizadas com a divulgação, comercialização e corretagem, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo comprador. A jurisprudência normalmente considera razoável a retenção, pelo promitente vendedor, de um percentual que varia de 10% a 20% dos valores já pagos, devendo o restante ser devolvido ao promitente comprador. STJ. 4ª Turma. REsp 1.132.943-PE, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 27/8/2013 (Info 530). Imagine a seguinte situação hipotética: João celebra contrato de promessa de compra e venda de um apartamento com determinada construtora. Uma das cláusulas do contrato, intitulada “Distrato” possuía a seguinte redação: “7.1. Nas hipóteses de rescisão, resolução ou distrato da presente promessa de compra e venda o promitente vendedor poderá reter até 80% do valor pago pelo promitente comprador, a título de indenização, sendo restituído o restante.” Essa cláusula é válida? NÃO. É abusiva a cláusula de distrato, fixada no contrato de promessa de compra e venda imobiliária, que estabeleça a possibilidade de a construtora vendedora promover a retenção integral ou a devolução ínfima do valor das parcelas adimplidas pelo consumidor distratante. Explico melhor. O art. 53 do CDC veda a retenção integral das parcelas pagas:

Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.

Desse modo, o art. 53 do CDC afirma que é nula de pleno direito a cláusula de decaimento.

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O que é cláusula de decaimento? Cláusula de decaimento é aquela que estabelece que o adquirente irá perder todas as prestações pagas durante o contrato caso se mostre inadimplemente ou requeira o distrato. Devolução de uma parte ínfima das prestações pagas Como o CDC foi expresso ao proibir a retenção integral do valor pago pelo adquirente, as construtoras passaram a tentar burlar essa vedação legal e começaram a prever que, em caso de distrato, seria feita a devolução das parcelas pagas, fazendo-se, contudo, a retenção de determinados valores a título de indenização pelas despesas experimentadas pela construtora. Ocorre que diversos contratos previram que essa devolução seria de valores ínfimos, ou seja, muito pequenos, ficando a construtora com a maior parte da quantia já paga pelo adquirente. Essa prática também foi rechaçada pela jurisprudência. Assim, a devolução de uma parte ínfima das prestações também é vedada pelo CDC por colocar o consumidor em uma situação de desvantagem exagerada:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

Mas a construtora poderá reter, em caso de distrato, uma parte do valor que já foi pago pelo adquirente? SIM. O STJ entende que é justo e razoável que o vendedor retenha parte das prestações pagas pelo consumidor como forma de indenizá-lo pelos prejuízos suportados, notadamente as despesas administrativas realizadas com a divulgação, comercialização e corretagem, além do pagamento de tributos e taxas incidentes sobre o imóvel, e a eventual utilização do bem pelo comprador. A jurisprudência normalmente considera razoável a retenção, pelo promitente vendedor, de um percentual que varia de 10% a 20% dos valores já pagos, devendo o restante ser devolvido ao promitente comprador.

(...) É entendimento pacífico nesta Corte Superior que o comprador inadimplente tem o direito de rescindir o contrato de compromisso de compra e venda de imóvel e, consequentemente, obter a devolução das parcelas pagas, mostrando-se razoável a retenção de 20% dos valores pagos a título de despesas administrativas (...) (RCDESP no AREsp 208.018/SP, Rel. Min. Sidnei Beneti, Terceira Turma, julgado em 16/10/2012)

O contrato com a construtora poderá prever que a devolução do que foi pago, em caso de rescisão, somente ocorrerá após o efetivo término da obra? NÃO. Em contratos submetidos ao Código de Defesa do Consumidor, é abusiva a cláusula contratual que determina a restituição dos valores devidos somente ao término da obra ou de forma parcelada, na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, por culpa de quaisquer contratantes. A restituição deverá ser imediata.

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Se a culpa pela resolução for exclusiva do promitente vendedor/construtor, o promitente comprador receberá integralmente o que pagou. Se o promitente comprador foi quem deu causa ao desfazimento do contrato, ele receberá apenas parcialmente os valores pagos. STJ. 2ª Seção. REsp 1300418/SC, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 13/11/2013 (recurso repetitivo) (não divulgado em Info em 2013). 4.6 DIREITO DE ARREPENDIMENTO: ÔNUS DE PAGAR AS DESPESAS POSTAIS É DO FORNECEDOR Se o consumidor comprar algum produto ou serviço por telefone, pela TV ou internet e, quando for usar, perceber que não gostou, ele tem direito de devolver, recebendo de volta o que pagou. A isso se dá o nome de direito de arrependimento (art. 49 do CDC). Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados (parágrafo único do art. 49 do CDC). O ônus de arcar com as despesas postais decorrentes do exercício do direito de arrependimento é do fornecedor e não pode ser repassado ao consumidor, mesmo que o contrato assim preveja. STJ. 2ª Turma. REsp 1.340.604-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/8/2013 (Info 528). Se o consumidor comprar algum produto ou serviço por telefone, pela TV ou internet e, quando for usar, perceber que não gostou, ele tem direito de devolver, recebendo de volta o que pagou? SIM. Trata-se do chamado “direito de arrependimento”, que está previsto no art. 49 do CDC:

Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 (sete) dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou a domicílio.

Em quais situações ocorre o “direito de arrependimento”? O consumidor tem direito de arrependimento sempre que a compra do produto ou serviço ocorrer fora do estabelecimento comercial. É o caso, por exemplo, do consumidor que compra o produto pela internet, por telefone ou, então, quando o vendedor vai até a casa da pessoa levando um catálogo para que o comprador escolha o artigo desejado. Importante reafirmar que esse direito somente existe no caso de aquisição do produto ou serviço fora do estabelecimento comercial. Ressalte-se que algumas lojas físicas até oferecem essa comodidade aos seus clientes (a possibilidade de trocar peças de roupa, p. ex., quando não agradam o destinatário de um presente). Isso, contudo, é uma mera liberalidade do fornecedor, não havendo uma previsão legal obrigando a loja a adotar essa prática caso o bem tenha sido adquirido dentro do estabelecimento comercial.

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Existe um prazo máximo para que o consumidor possa exercer esse direito? SIM. O consumidor poderá desistir do negócio em um prazo de até 7 dias, que são contados:

da assinatura do contrato; ou

do ato de recebimento do produto ou serviço Obs: esse período de 7 dias é chamado de “prazo de reflexão”. Por que o legislador previu esse direito de arrependimento? Quando o consumidor adquire o produto ou serviço fora do estabelecimento comercial, ele fica ainda mais vulnerável na relação instituída com o fornecedor (GARCIA, Leonardo. Direito do Consumidor. 5ª ed., Salvador: Juspodivm, 2011, p. 207). Isso porque se o consumidor está dentro do estabelecimento, ele pode verificar com maior riqueza de detalhes as características do produto ou serviço (tamanho, largura, cores, condições etc.), comparando com outros de marcas e modelos diferentes. Já quando está fora do estabelecimento, esse exame fica mais dificultado, de forma que acaba adquirindo o bem confiando nas informações dadas pelo fornecedor. Se essas não se confirmam (ainda que em uma visão subjetiva do adquirente), nada mais justo que ele possa se arrepender do negócio. É necessário que o consumidor justifique o motivo pelo qual não quer mais o bem ou serviço? NÃO. O direito de arrependimento pode ser exercido de forma absolutamente imotivada, ou seja, o consumidor não precisa dizer os motivos pelos quais quer devolver o produto ou serviço, não sendo possível que o fornecedor exija isso para que faça o reembolso. Pouco importa também se o produto ou serviço não apresenta nenhum vício. Assim, o produto ou serviço poderá ser devolvido mesmo que esteja funcionando perfeitamente. O fornecedor poderá inserir uma cláusula no contrato afirmando que o consumidor não terá direito de arrependimento? NÃO. Eventual cláusula nesse sentido é considerada abusiva, sendo nula de pleno direito, nos termos do art. 51, I e II:

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis; II - subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste Código;

Após devolver o produto ou serviço, o consumidor tem direito de receber de volta inteiramente o valor que pagou? SIM. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados (parágrafo único do art. 49).

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Quem deverá arcar com as despesas de transporte para devolução da mercadoria à loja? O fornecedor. Ao efetuar a devolução dos valores ao consumidor, o fornecedor poderá descontar um percentual pequeno a título de despesas? Ex: o consumidor pagou 2 mil reais por um notebook comprado pela internet; a loja poderá descontar 50 reais gastos com as despesas relativas aos correios? NÃO. O ônus de arcar com as despesas postais decorrentes do exercício do direito de arrependimento é do fornecedor e não pode ser repassado ao consumidor, mesmo que o contrato assim preveja. Segundo o STJ, “aceitar o contrário significaria criar limitação ao direito de arrependimento legalmente não prevista, de modo a desestimular o comércio fora do estabelecimento, tão comum nos dias atuais. Deve-se considerar, ademais, o fato de que eventuais prejuízos enfrentados pelo fornecedor nesse tipo de contratação são inerentes à modalidade de venda agressiva fora do estabelecimento comercial (pela internet, por telefone ou a domicílio)” (REsp 1.340.604-RJ, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 15/8/2013).

Recentemente, o direito de arrependimento foi regulamentado pelo Decreto n. 7.962/2013, no que se refere ao comércio eletrônico:

Veja o que diz o art. 5º do Decreto n. 7.962/2013:

Art. 5º O fornecedor deve informar, de forma clara e ostensiva, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento pelo consumidor.

§ 1º O consumidor poderá exercer seu direito de arrependimento pela mesma ferramenta utilizada para a contratação, sem prejuízo de outros meios disponibilizados.

§ 2º O exercício do direito de arrependimento implica a rescisão dos contratos acessórios, sem qualquer ônus para o consumidor.

§ 3º O exercício do direito de arrependimento será comunicado imediatamente pelo fornecedor à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que: I - a transação não seja lançada na fatura do consumidor; ou II - seja efetivado o estorno do valor, caso o lançamento na fatura já tenha sido realizado.

§ 4º O fornecedor deve enviar ao consumidor confirmação imediata do recebimento da manifestação de arrependimento.

Polêmicas envolvendo o direito de arrependimento Existe uma polêmica envolvendo o direito de arrependimento no caso de bens consumíveis ou, então, de produtos e serviços cujo uso possa ser feito normalmente nos 7 dias e, após isso, não haja mais interesse econômico do consumidor em permanecer com a mercadoria. Nesses casos, muitos fornecedores defendem que não deveria ser permitido o exercício do direito de arrependimento. Como exemplo, podemos citar um consumidor que compre um curso on line, assista durante os 7 dias e, depois, simplesmente queira devolvê-lo afirmando que não gostou. Outra situação

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é a do consumidor que compra um e-book, faz a leitura no período de reflexão e, então, postula a sua devolução. Nessas hipóteses, alguns fornecedores têm criado embaraço para que o consumidor exerça seu direito de arrependimento. Ainda não há um posicionamento do STJ sobre esse ponto específico. Os órgãos de defesa do consumidor afirmam que, a princípio, mesmo em tais situações é possível o exercício do direito de arrependimento, considerando que a lei não fez restrições. No entanto, a depender do caso concreto, vem ganhando força o entendimento de que seria possível negar o exercício desse direito se ficar comprovado um manifesto abuso por parte do consumidor, o que violaria o princípio da boa-fé objetiva. Há algumas decisões de Tribunais de Justiça sustentando essa posição. Seria interessante que fosse editada uma regulamentação mais detalhada sobre esse direito, assim como já ocorre em alguns países e também na União Europeia (Diretiva 97/7/CE do Parlamento Europeu). O direito de arrependimento é igual à “venda a contento” (ad gustum) ou, então, à “venda sujeita a prova”, previstas, respectivamente, nos arts. 509 e 510 do CC? NÃO. A venda feita a contento do comprador entende-se realizada sob condição suspensiva, ainda que a coisa lhe tenha sido entregue; e não se reputará perfeita enquanto o adquirente não manifestar seu agrado (art. 509). Já a venda sujeita a prova presume-se feita sob a condição suspensiva de que a coisa tenha as qualidades asseguradas pelo vendedor e seja idônea para o fim a que se destina (art. 510). A principal diferença entre os institutos é a seguinte:

Direito de arrependimento Venda a contento e venda sujeita a prova

O negócio produz efeitos até que se rejeite o bem.

A eficácia do negócio fica suspensa (condição suspensiva) até que o comprador manifeste se aceita (art. 511 do CC).