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1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA Da Usucapião Especial Coletiva Urbana: Aplicabilidade ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa. ACADÊMICA:VANESSA MORAES DE GOUVÊA São José, maio de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

Da Usucapião Especial Coletiva Urbana: Aplicabilidade ao caso concreto da

Comunidade da Vila Santa Rosa.

ACADÊMICA:VANESSA MORAES DE GOUVÊA

São José, maio de 2007.

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE EDUCAÇÃO SUPERIOR – CES VII CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA COORDENAÇÃO DE MONOGRAFIA

Da Usucapião Especial Coletiva Urbana: Aplicabilidade ao caso concreto da

Comunidade da Vila Santa Rosa.

Projeto apresentado como requisito final da Disciplina Orientação de Monografia I,

Curso de Direito, Centro de Educação Superior VII da Universidade do Vale do

Itajaí.

ACADÊMICA: VANESSA MORAES DE GOUVÊA

Orientador: Professor Dr. Ricardo Stanziola Vieira

São José, maio de 2007.

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AGRADECIMENTO

Agradeço ao meu pai, Djalma, por me ensinar pelas mais variadas formas que sempre é possível mudar, agradeço, igualmente a minha mãe, mulher de muita força e ternura no olhar. Agradeço aos meus irmãos, Juliano e Philipe e à minha irmã, Isabella, por simplesmente fazerem parte da minha, tornando-a especial. Agradeço aos meus amigos e amigas, em especial, Marcela, Leandra, Natália, Lara, Lia, Lilá, Bete, Valéria, por todo carinho dedicado e por serem simplesmente as parceiras mais certas em todas as horas. Agradeço ao meu orientador Ricardo Stanziola Vieira, por todo apoio e atenção e por sempre ter confiado no meu trabalho. Agradeço ao Sr. Làzaro Daniel, pessoa de muito carisma, o qual contribui de forma relevante para este trabalho, agradeço, também ao Dr. Luís Cláudio Fritzen, que de forma extremamente solicita colaborou para esta monografia. Agradeço a todos aqueles que de uma forma ou de outra, contribuíram para o desempenho deste trabalho.

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SUMÀRIO

RESUMO .........................................................................................................6

ABSTRACT......................................................................................................7

INTRODUÇÃO.................................................................................................8

CAPÍTULO 1...................................................................................................11

DIREITOS DAS COISAS: POSSE, PROPRIEDADE E SUA FUNÇÃO

SOCIOAMBIENTAL

1.1 Origem e Conceituação de Posse..........................................................11

1.1.1Breve síntese histórica.........................................................................12

1.1.2 Conceito de Posse e seus elementos constitutivos.........................14

1.2 Da Propriedade........................................................................................19

1.2.1 Origem e conceito da propriedade.....................................................20

1.3 Função Social da Propriedade...............................................................26

CAPÍTULO 2...................................................................................................31

POLÍTICA URBANA NACIONAL: PANORAMA JURÍDICO DA USUCAPIÃO

2.1 O instituto da usucapião..........................................................................31

2.1.1 Adoção do gênero feminino.................................................................31

2.1.2 Origem e fundamento do instituto da usucapião...............................32

2.1.3 Conceito de usucapião.........................................................................35

2.1.4 Requisitos..............................................................................................37

2.1.5 Modalidades do instituto da usucapião..............................................41

2.2 Da usucapião especial coletiva urbana.................................................47

2.2.1 O Artigo 9° do EC – usucapião individual urbano.............................48

2.2.2 O artigo 10 do EC – usucapião especial coletiva urbana.................49

2.2.2.1 Parágrafo 1° do artigo 10 e a accessio possessionis....................52

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2.2.2.2 Parágrafo 2° do artigo 10 e a sentença judicial..............................53

2.2.2.3 Parágrafo 3° do artigo 10 e a atribuição de frações ideais de

terreno...............................................................................................................54

2.2.2.4 Parágrafo 4° e 5°do artigo 10 e o condomínio especial ..................55

2.2.3 O artigo 11 do Estatuto da Cidade....................................................... 57

2.2.4 O artigo 12 do Estatuto da Cidade – Legitimidade para agir............. 58

2.2.5 O artigo 13 do Estatuto da Cidade – matéria de defesa................... ..62

2.2.6 O artigo 14 do Estatuto da Cidade e a previsão do Rito Sumário..... 63

CAPÍTULO 3..................................................................................................... 65

APLICABILIDADE DA USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA URBANA AO

CASO CONCRETO DA COMUNIDADE DA VILA SANTA ROSA

3.1 A participação popular no Estatuto da Cidade e exemplos de aplicação

da usucapião especial coletiva urbana........................................................ 65

3.2 Breve contextualização histórica acerca da Comunidade da Vila Santa

Rosa e síntese do processo judicial............................................................. 71

3.3 Estudo de caso: aplicabilidade do instituto da usucapião especial

coletivo urbana ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa.... 81

Considerações finais...................................................................................... 84

Referências Bibliográficas..............................................................................88

Anexos..............................................................................................................93

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RESUMO

A presente monografia teve por finalidade tecer algumas considerações sobre

a posse e a propriedade, focalizando o instituto da usucapião. Procuramos

analisar a posse sob a ótica das teorias de Savigny e de Lhering, bem como

nas demais doutrinas vigentes em nosso ordenamento pátrio, centrando nosso

estudo na observação de sua natureza jurídica, além de seus pressupostos e

sua classificação, detendo-nos, ainda que ligeiramente, na função social da

propriedade, para desenvolver o estudo sobre a usucapião especial coletiva

urbana, prevista no Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/2001) e que visa

instrumentalizar o disposto na Constituição Federal de 1988, em seus artigos

182 e 183. Diante do regramento específico conferido pelo Estatuto da Cidade,

objetiva-se estudar a usucapião especial coletiva urbano, em face do seu

caráter inovador e afeto à função socioambiental da propriedade, vetor da atual

política urbana nacional. Neste sentido, procuramos investigar sobre a possível

aplicação do novel instituto ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa

Rosa, localizada no bairro Agronômica, no município de Florianópolis.

Palavras-chave: Posse. Propriedade. Usucapião. Comunidade da Vila

Santa Rosa

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ABSTRACT

The present monograph aimed at making some remarks on ownership and

property, with the main focus on the institute of the usucapio. We tried to

analyze the concept of ownership under the theory of Savigny and Lhering, as

well as under other contemporary doctrines, focusing our study in the

observation of its juridical nature, considering its presuppositions and its

classification, more specifically, yet briefly, in the social function of property, in

order to develop the study of the special urban collective usucapio, as foreseen

in the Estatuto da Cidade (Law number 10.257/2001), that aims at making the

1988 Brazilian Federal Constitution viable, in its articles 182 and 183.

Considering the specific rules stablished by the Estatuto da Cidade, the

objective of the present work is to study the special urban collective usucapio, in

relation to its innovative features and association with the social and

environmental function of the property, aspect that guides the Brazilian urban

policy. Thus, we aimed at investigate the feasible application of the novel

institute to the concrete case of the community of Vila Santa Rosa, located in

Agronômica, district of the city of Florianópolis.

Keywords: Ownership. Property. Usucapio. Community of Vila Santa Rosa

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INTRODUÇÃO

A partir da década de 1980, uma das grandes questões em torno das

quais se mobilizaram e organizaram os grupos populares foi a (questão) da

política urbana, sendo que, durante o processo de elaboração da Carta Magna

de 1988, movimentos originados de diversos setores da sociedade brasileira

passaram a reivindicar a inclusão de dispositivos que assegurassem a

observância da função social da propriedade e da cidade no texto

constitucional. Assim, tais manifestações expressaram o processo de

construção da cidadania, criando no espaço urbano a arena pública em que se

manifesta a correlação de forças entre os atores sociais e em que se dá o

exercício dos direitos sociais por meio da democratização do acesso a esse

espaço.

De sorte que a Constituição Federal, promulgada em 1988, inovou ao

reservar um capítulo inteiro à Política Urbana, em seus artigos 182 e 183,

trazendo, ainda, pela primeira vez ao ordenamento jurídico brasileiro, a

modalidade do instituto da usucapião especial de imóvel urbano, prevista na

forma individualizada e que, portanto, carecia de instrumentalização por meio

de lei ordinária, conforme se constataria ante a realidade brasileira dos

próximos anos, no tocante às populações de baixa renda, habitantes das

favelas.

Neste sentido, já nos idos de 2001, foi sancionada a Lei Federal n°

10.257/2001, denominada Estatuto da Cidade, que regulamenta os

instrumentos de política urbana a serem aplicados pela União, Estados e

Municípios, por meio de princípios e diretrizes gerais. Essa lei revela-se de

suma importância para o aparato legislativo nacional, em virtude de seu

marcante espírito democrático, pois traz a participação popular para o seio da

discussão da política urbana, exigindo que os governantes construam essa

política em permanente diálogo com a sociedade, sendo um mecanismo de

extrema relevância na construção da democracia participativa em coexistência

com o modelo representativo.

O Estatuto da Cidade revela uma nítida preocupação em relação à

regularização fundiária, tanto que em seu artigo 9° reproduziu o texto

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constitucional do artigo 183 e o denominou de usucapião especial individual de

imóvel urbano. Além disso, inovou ao introduzir a modalidade de usucapião

especial coletivo de imóvel urbana, em seu artigo 10, preenchendo a lacuna

existente no ordenamento jurídico no tocante à possibilidade de aquisição da

propriedade e de urbanização de núcleos habitacionais degradados.

A partir disso, tem-se que o objetivo da presente monografia é investigar

a possibilidade de aplicação do instituto da usucapião especial coletiva urbana

ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa, localizada no bairro da

Agronômica, no município de Florianópolis, tendo em vista a ação de

reintegração de posse que foi interposta contra vinte famílias ocupantes de um

terreno que originalmente era de terras de marinha.

Para tanto, no capítulo 1, parte-se do estudo do direito das coisas,

delineando-se a origem e o conceito de posse e seus elementos constitutivos,

bem como a origem e o conceito de propriedade e suas principais

características e, por último, a função social da propriedade.

Já no capítulo 2, procede-se à análise do instituto da usucapião, inserido

na política urbana nacional. Dessa forma, pontuou-se a adoção do gênero

feminino em relação ao vocábulo usucapião, buscou-se situar a origem e o

fundamento do referido instituto, bem como seu conceito, seus requisitos e as

suas modalidades previstas no arcabouço jurídico, posto que essa temática

tem relação direta com o tema proposto, uma vez que tem por objetivo analisar

a aplicação da modalidade do instituto da usucapião especial coletiva de imóvel

urbana, contemplada neste capítulo.

Por fim, no capítulo 3, apresenta-se o objeto de estudo mais

especificamente, sendo que num primeiro momento se aborda a questão da

participação popular na perspectiva do Estatuto da Cidade e serão pontuados

dois exemplos de aplicação da usucapião especial urbana de forma coletiva. A

seguir, realizou-se uma breve contextualização histórica acerca da

Comunidade da Vila Santa Rosa e uma síntese do processo judicial interposto

contra as vinte famílias da localidade. Finalmente, buscar-se-á analisar a

aplicabilidade da usucapião coletiva ao caso concreto da respectiva

Comunidade.

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Quanto à metodologia empregada, registra-se que foi utilizado o método

dedutivo, no qual parte-se do genérico para o específico. Pois para que

pudéssemos entender o instituto da usucapião especial coletiva urbana, fez-se

necessário expor algumas noções gerais sobre os institutos da Posse, da

Propriedade e da usucapião. Para que, então, se tornasse possível estudarmos

a possibilidade de aplicação da modalidade coletiva de usucapião ao caso

concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa.

Como técnicas de investigação foram utilizadas fontes bibliográficas, as

quais garantiram o suporte teórico, assim como fontes documentais, a exemplo

do processo judicial pendente sobre o tema escolhido e das leis

complementares aprovadas pela Câmara dos Vereadores do município de

Florianópolis, além de matérias jornalísticas, publicadas em sites e que deram

visibilidade ao caso.

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CAPÍTULO 1

DIREITOS DAS COISAS: POSSE, PROPRIEDADE E SUA

FUNÇÃO SOCIOAMBIENTAL

1.1 Origem e Conceituação de Posse

Para que possamos entender a aplicação do instituto da usucapião faz-

se necessária a explanação da origem e do conceito de posse, posto que a

usucapião é o modo originário de aquisição da propriedade pela posse

contínua e prolongada, de forma mansa e pacífica, durante certo lapso

temporal, observados os ditames legais, e que pode recair sobre bens móveis

e imóveis.

Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 28), a doutrina

tradicional enuncia ser a posse relação de fato entre a pessoa e a coisa. A nós

parece mais acertado afirmar que a posse trata de estado de aparência

juridicamente relevante, ou seja, estado de fato protegido pelo direito. Se o

Direito protege a posse como tal, desaparece a razão prática, que tanto

incomoda os doutrinadores, em qualificar a posse como simples fato ou como

direito.

Com isso, podemos entender que há uma proteção do estado de

aparência na posse, da situação de fato, capaz de explicar e justificar a

compreensão desse estado de fato que vincula o sujeito à coisa, e que pode

não corresponder ao efetivo estado de direito, mas que, no entanto, não

prejudica a avaliação deste por meios probatórios e seguros, posteriormente.

Todavia, esse estado de aparência, que inicialmente pode surgir sem substrato

jurídico, pode servir para a aquisição da propriedade. Esse é o sentido da

usucapião. (VENOSA, 2006, p. 28) E sendo a posse continuada por certo

tempo um dos fundamentos da usucapião, esse estado de aparência surge

como base para um direito, pressupondo até mesmo a compreensão e a

definição legal de propriedade e dos demais direitos reais, tendo em vista,

ainda, a relação destes para com a destinação econômica da coisa, ou seja,

sua função social.

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1.1.1 Breve síntese histórica

Faz-se necessário compreendermos o instituto jurídico da posse em sua

origem, vale dizer, em uma perspectiva histórica, posto que seja possível

identificá-lo em diversos momentos históricos, repercutindo nas relações

estabelecidas entre indivíduos, apresentando-se ora como fenômeno social,

ora como fato de ordem política ou, ainda, como fato econômico.

Cientes de que a relação do serem humanos com os bens materiais é

antiqüíssima, remontando a tempos imemoriais, é notória a impossibilidade de

identificar quando surgiu a noção de posse, sendo que, em sua concepção

primitiva, se trata de um vínculo estabelecido entre um indivíduo ou um grupo e

um determinado bem da vida, conforme Mezzomo.1 Tal vínculo pode expressar

um caráter exclusivamente individual, por meio do qual um indivíduo se

reconhece com senhoria sobre um bem, ou pode apresentar o reconhecimento

por terceiros, entenda-se, a institucionalização.

Assim sendo, a consideração do que seria a posse para as primitivas

sociedades, bem como os reduzidos conhecimentos sobre detalhes da sua

organização, sobretudo pela falta de registros, faz com que a busca por tal

gênese não passe de meras especulações, haja vista que somente com o

advento da era histórica, é que se passa a ter subsídios seguros para aferir o

instituto jurídico da posse.

Neste sentido, Astolpho Rezende (2000) nos ensina que:

a posse e a propriedade aparecem em constante relação entre os homens; a posse é um fato natural; a propriedade uma criação da lei. Como nasceram uma e outra? É inútil investigar-se, através das diversas teorias imaginadas e desenvolvidas pelos filósofos e pelos juristas, a origem da propriedade, porque, frente a fenômenos jurídicos, é bastante que pesquisemos a origem desses fenômenos na organização romana, porque foi Roma que organizou o Direito, com uma extensa projeção sobre o futuro. 2

1 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A posse: uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 739, 14 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6985>. Acesso em: 19 de janeiro de 2007. 2Astolpho Rezende. A posse e sua Proteção, 2. ed. São Paulo: Lejus, 2000, apud MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A posse: uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 739, 14 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6985>. Acesso em: 19 de janeiro de 2007.

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Basicamente, a estruturação do Direito Ocidental deve-se ao Direito

Romano, assim desde o início da mesma a posse vem recebendo tratamento

jurídico. Conforme nos explica Marcelo Colombelli Mezzomo (2005), a perfeita

dicotomia da propriedade e da posse, porém, parece somente ter surgido a

partir da promulgação da Lei das XII Tábuas. 3

Com a queda de Roma, todo esse legado cultural foi transmitido ao

Direito Medieval, que resulta da junção do Direito Romano, do Direito Canônico

e do direito consuetudinário das tribos que habitavam o norte da Europa.4

Todavia, as concepções presentes no Direito Medieval, com destaque

para o Direito Canônico, vigeram até a Revolução Francesa, sendo que os

ideais que a motivaram romperam com o modelo feudal de propriedade,

retomando o conceito unitário de que sobre a mesma coisa não deveria haver

mais de um proprietário. Demonstra-se, dessa maneira, que mesmo que as

legislações do começo do século XIX tenham sido construídas a partir de

postulados científicos, não diferiam muito do Direito Romano, principalmente,

no que diz respeito ao enfoque em relação ao indivíduo.

Assim, o modelo do Estado Liberal, oriundo da Revolução Francesa, não

tardou a apresentar problemas, em virtude do processo de industrialização, das

precárias condições de trabalho, bem como devido à grande concentração de

camadas mais abastadas nos centros urbanos, que culminou no seu

crescimento desregrado. E foi nesse contexto inicial do século XX, marcado por

inúmeros processos revolucionários, pela Primeira Guerra Mundial, pela

ascensão do neocolonialismo, que houve o advento do Constitucionalismo

Social.

Há que se ressaltar a conclusão do supramencionado autor, Marcelo

Colombelli Mezzomo (2005, p.26-27), de que ”ressalvadas algumas

modificações, podemos afirmar que os instrumentos de proteção possessória

mantiveram-se fiéis ao Direito Romano desde então, não obstante as

3 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A posse: uma digressão histórico-evolutiva da posse e de sua tutela jurídica. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 739, 14 jul. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6985>. Acesso em: 19 de janeiro de 2007. 4 Ibidem, p 26.

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transformações operadas a partir da Revolução Francesa e do

Constitucionalismo Social.”

Necessário se faz enfatizar as palavras de Pontes de Miranda (1971, p.

49) acerca da diferença entre a concepção romana de posse e a moderna, o

qual esclarece que:

A diferença entre a concepção da posse no direito contemporâneo, e a concepção romana da posse não esta apenas na composição do suporte fático (nem animus nem corpus, em vez de animus e corpus, ou de corpus, à maneira de R. von Ihering): está na própria relação (fática) de posse, em que os sistemas antigos viam o laço entre a pessoa e a coisa, em vez de laço entre pessoas. No meio do caminho, está a concepção de I. Kant, que é a do empirismo subjetivista (indivíduos e sociedade humana), a partir da posse comum (Gesamtbesitz) dos terrenos de toda a terra.

Como observa Serpa Lopes (1996, p. 116-117), “a concepção romana

ainda é a da relação entre homem e coisa”, contrariando o disposto pelo Direito

Contemporâneo sobre a inexistência da relação entre homens e coisas, mas

somente entre homens, tendo por objeto coisas. Contudo, o Direito Romano se

fez tão relevante que ainda hoje deita suas influências no mundo ocidental.

1.1.2 Conceito de Posse e seus elementos constitutivos Superada a contextualização histórica do instituto da Posse, cumpre

elucidar alguns conceitos doutrinários sobre o tema. Segundo alguns

doutrinadores, a exemplo de Maria Helena Diniz e Sílvio de Salvo Venosa, a

tarefa de definir a posse é árdua, pois tudo quanto a ela se vincula é motivo de

divergência doutrinária, sendo que seu conceito talvez nunca alcance a

unanimidade na doutrina e nas legislações (VENOSA, 2006).

Ainda na esteira dos ensinamentos do jurista Sílvio de Salvo Venosa,

temos que, para a compreensão do instituto da posse, devem ser

caracterizados os dois elementos integrantes do conceito, quais sejam eles, o

corpus e o animus.

Consoante, o autor explica que: “O corpus é a relação material do

homem com a coisa, ou a exterioridade da propriedade. Esse estado, explicado

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anteriormente, é caracterizador da aparência e da proteção possessória.”5 E,

ainda: “O animus é o elemento subjetivo, a intenção de proceder com a coisa

como faz normalmente o proprietário.”(2006, p. 37)

A partir da compreensão desses dois elementos, chegamos a dois

conceitos diversos do que seja a posse, tendo em vista as clássicas posições

de Savigny e Jhering, sendo este autor da teoria objetiva, e aquele, autor da

teoria subjetiva, as quais detonaram infindáveis posições intermediárias

(VENOSA, 2006).

Partindo-se do estudo dessas duas teorias, temos que a teoria de

Savigny:

[...] denominada subjetivista, reconhece a posse mediante a conjugação de dois elementos: corpus (efetivo contato físico com a coisa ou mera possibilidade de exercer esse contato=detenção) e animus (elementos subjetivo consistente na intenção de exercer sobre a coisa um poder no interesse próprio). Em síntese, para Savigny por posse entende-se o poder de dispor fisicamente de uma coisa, combinado com a convicção do possuidor de que tem esse poder. 6

Portanto, a posse, no conceito de Savigny, compõe-se de dois

elementos, quais sejam, o corpus e o animus (rem sibi habendi). Dessa forma:

O corpus é o elemento material que se traduz no poder físico sobre a coisa ou na mera possibilidade de exercer este contato, ou melhor, na detenção do bem ou no fato de tê-lo a sua disposição. O animus domini consiste na intenção de exercer sobre a coisa direito de propriedade. 7

Sobre este temática, Orlando Gomes (2004, p. 32) comenta que:

O corpus é o elemento material que se traduz no poder físico da pessoa sobre a coisa. O animus, o elemento intelectual, representa a vontade de ter essa coisa como sua. Não basta o corpus, como não basta o animus.

Diferentemente, tem-se a concepção de Rudolf Von Jhering (apud

REZENDE, 2000, p. 94), ao postular a Teoria Objetivista, que:

5 VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: direitos reais. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 36-37. 6 MIRANDA, Francisco Cavalcanti Pontes de. Tratado de Direito Privado; 3. ed. Rio de Janeiro: Bórsoi, 1971, t. X. p. 26. 7 DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 4, p. 34.

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[...] prioriza o corpus na caracterização da posse, assumindo o vocábulo, contudo, sentido outro, afastado do simples contato físico ou possibilidade de ter a coisa à disposição, mas efetiva conduta de dono. Possui quem age como dono, surgindo a posse como exteriorização da propriedade, visibilidade do domínio ou uso econômico da coisa.

Ou seja, para Jhering, a posse é a exteriorização do domínio, sendo que

para constituir a posse, basta o corpus, uma vez que o animus está implícito no

poder de fato exercido sobre a coisa.

O fundamento de tal concepção encontra respaldo na seguinte

explicação de Washington de Barros Monteiro (1999, p. 18):

É que o corpus constitui o único elemento visível e suscetível de comprovação, encontrando-se inseparavelmente vinculado ao animus, do qual é manifestação externa, como a palavra se acha ligada ao pensamento, do qual é expressão.

Neste diapasão, Nelson Godoy Assis Dower (2004, p. 23) assinala que:

A diferença principal é que, enquanto Savigny dava o ‘animus’ como elemento independente do ‘corpus’, e só aceitava a posse quando a pessoa exercia os atos e manifestava a vontade de ter a coisa, denominando-se, por isso, sua teoria de teoria subjetiva, Jhering dizia que o animus está ínsito no corpus, isto é, existe o animus quando existe corpus, denominando-se sua teoria de objetiva.

O Código Civil Brasileiro, ao tratar da Posse, no Livro III de sua Parte

Especial, “Do Direito das Coisas”, adotou, por deferência expressa de seu

autor, a teoria objetiva do jurista Jhering, exigindo, para a caracterização da

posse, a apreensão material, física da coisa pelo possuidor, uma vez que, se

exige uma situação exterior entre eles, ou seja, a utilização econômica da

coisa, o corpus, independentemente do elemento subjetivo, o animus, que é a

intenção, do titular, de ter a coisa, e que, conforme essa teoria, se presume a

partir do primeiro elemento. Todavia, Orlando Gomes (2004, p. 23) esclarece

que não é possível afirmar que o sistema objetivo tenha sido adotado em toda

a sua pureza original, haja vista as concessões feitas à teoria subjetiva, como é

o caso, por exemplo, do tratamento dado ao instituto da usucapião, pelo

Código Civil de 2002.

Assim é que, em seu art. 1196, o Código conceitua a posse,

indiretamente, ao prescrever que “considera-se possuidor todo aquele que tem

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de fato o exercício, pleno ou não, de algum dos poderes inerentes à

propriedade”.

Associando a este preceito o art. 1228, o qual dispõe o rol dos poderes

do proprietário, pode-se conceituar a posse como a exteriorização dos efeitos

da propriedade, isto é, a situação de fato que, independentemente de

apreensão física sobre a coisa, se constitui do exercício de quaisquer dos

poderes que o direito real da propriedade confere ao seu titular. 8

Pode-se dividir a posse em várias modalidades; no entanto, para o

presente estudo, basta classificá-la quanto aos vícios objetivos e quanto à

subjetividade. Atinente aos vícios objetivos, o art. 1200 do Código Civil dispõe

que a posse se divide em posse justa e injusta. Diz-se justa a posse que não

tem vícios originais, e injusta quando, pela maneira aparente com que foi

adquirida, ela sugere ser ilegítima, por se revestir de algum dos vícios de

natureza objetiva previstos no artigo supracitado. A saber, a subdivisão dos

vícios objetivos se dá da seguinte forma:

1) posse violenta, que se caracteriza pelo uso da força ou da coação tanto

moral como física. Sobre esta, Venosa (2006, p. 61) pontua que: “Embora o

conceito de posse injusta seja objetivo, a posse violenta, ao menos em sua

origem, vem imbuída da mácula da má-fé”;

2) posse clandestina, quando, em razão das circunstâncias em que foi

adquirida, o legítimo possuidor não tomou conhecimento da violação de sua

posse. Venosa, ao citar Tito Lívio Pontes, elucida que “A posse clandestina se

estabelece às caladas, às ocultas daquele que tem interesse em preservá-la”;9

3) posse precária, “ou abuso de confiança, quando, sob mera detenção, a coisa

deveria ser restituída ao legítimo possuidor e não o é, convertendo-se essa

detenção em posse injusta” (DOMINGUES JUNIOR, p. 4). Segundo Washington

de Barros Monteiro (1991, p. 29), “a qualidade contrária a esse vício é a

publicidade, a posse desfrutada na presença de todos.”

No tocante à subjetividade, a posse, sendo ou não justa, pode ainda ser

classificada em posse de boa ou má-fé. Deste modo, é considerada de boa-fé

8 Os poderes conferidos ao proprietário serão estudados no tópico específico sobre a propriedade. 9 PONTES, Tito Lívio. Da posse. 2. ed. São Paulo: Forense Universitária, 1977, p. 69 apud VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 62.

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a posse do adquirente que desconhece a existência do vício, do impedimento à

sua aquisição. Nos dizeres de Flavio Augusto Monteiro de Barros (2005, p. 36),

“é de boa-fé a posse em que o possuidor, mediante erro escusável, ignora o

vício ou obstáculo que impedia a sua aquisição.”

Entretanto, será de má-fé a posse em que restar comprovado que o

possuidor tem ciência do impedimento, ou quando se presume que não o

ignore. A respeito disso, Manuel Rodrigues (1981, p. 294) elucida que: “É de

má-fé a posse daquele que sabe que sua posse é viciosa; ou o deve saber, por

não ter título de aquisição, nem presunção dele; ou ser este manifestamente

falso, ou por outras circunstâncias.”

Uma vez definida e caracterizada a posse em seus aspectos relevantes

para o conteúdo deste trabalho, cabe, igualmente, destacar os principais

efeitos da posse no universo jurídico. Assim, temos na compreensão de

Venosa (2006) e Maria Helena Diniz (2002), por exemplo, que a classificação

mais completa é a de Clóvis Bevilácqua (1955, p. 21), sendo sete os efeitos da

posse, enumerados da seguinte forma:

I. o direito ao uso dos interditos; II. a percepção dos frutos; III. o direito de retenção por benfeitorias; IV. a responsabilidade pelas deteriorações; V. a posse conduz à usucapião; VI. inversão do ônus da prova para quem contesta a posse, pois que a posse se estabelece pelo fato; VII. o possuidor goza de posição mais favorável em atenção à propriedade, cuja defesa se completa pela posse.

Porém, para o presente estudo, daremos especial atenção para a

proteção possessória e a possibilidade de gerar usucapião.

A partir dos conceitos acima esclarecidos, é possível extrair da leitura

doutrinária, assim como do Código Civil, que a posse, mesmo que injusta e de

má-fé, gera direito à proteção possessória. Deste modo, ao possuidor injusto é

garantida a proteção possessória contra qualquer pessoa que ameace,

perturbe ou esbulhe sua posse, exceto contra aquele de quem a coisa foi

subtraída, diferentemente da posse justa, que corresponde à proteção

possessória plena. No que diz respeito ao instituto da usucapião, predomina na

doutrina o entendimento de que somente a posse justa gera direito à prescrição

aquisitiva.

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No entender de Silvio Rodrigues (1987, p. 55), o fundamento da

proteção possessória encontra-se na seguinte explicação:

O que o legislador almeja é conceder proteção ao proprietário, evitando que tenha ele de recorrer, cada vez que haja sido esbulhado, a um processo de reivindicação onde se veja obrigado a provar a titularidade de seus direitos. Assim, para facilitar a defesa de seu domínio, a lei confere-lhe proteção desde que prove o estado de fato – isto é, que estava ou está na posse da coisa – e que foi esbulhado, ou está sendo perturbado, ou ameaçado.

Ademais, para que possamos adentrar no estudo sobre a aquisição da

propriedade imóvel por meio da usucapião, faz-se necessário esclarecermos

alguns conceitos sobre a propriedade em geral.

1.2 Da Propriedade

Dos direitos de cunho subjetivo, a doutrina considera o instituto da

propriedade o direito mais relevante, dada sua grande eficácia e consolidação

no campo do Direito, sendo de fundamental importância para o estudo dos

direitos reais, justamente, por tratar-se do direito real por excelência.

Consoante, ampara-se na doutrina de Washington de Barros Monteiro

(1995, p. 88) a seguinte compreensão acerca do instituto:

O direito de propriedade, o mais importante e o mais sólido de todos os direitos subjetivos, o direito real por excelência, é o eixo em torno do qual gravita o direito das coisas. Dele pode dizer-se, com scuto, ser a pedra fundamental de todo o direito privado. Sua importância é tão grande no direito, como na sociologia e na economia política. Suas raízes aprofundam-se tanto no terreno do direito privado como no direito público.

Dessa forma, a propriedade, em termos teóricos, distingue-se da posse

por ser, incontestavelmente, um direito real, embora boa parte da doutrina

também considere a posse como um direito real. Mesmo assim, trata-se de

institutos bem distintos, recebendo, desta maneira, tratamento diverso pela lei.

De tudo o que foi exposto, temos nos dizeres de Venosa (2006, p. 151) “que a

posse, merece proteção por ser exteriorização da propriedade e forte indício de

sua existência, perante o substrato de fato, visível, palpável, percebido pelos

sentidos.” Entretanto, independe a existência de um instituto em relação ao

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outro, pois pode haver posse sem a propriedade e o contrário também, assim

como é possível estarem ambas conjugadas nas mãos de um único titular.

1.2.1 Origem e conceito da propriedade

Noticiando historicamente o direito de propriedade, Sílvio de Salvo

Venosa (2006, p. 151) pontua o seguinte:

[...] Cada povo e cada momento histórico têm compreensão e extensão próprias do conceito de propriedade. [...] O conceito e a compreensão, até atingir a concepção moderna de propriedade privada, sofreram inúmeras influências no curso da história dos vários povos, desde a antiguidade. A história da propriedade é decorrência direta da organização política.

Desta feita, ao situar o processo histórico do direito de propriedade,

Maria Helena Diniz (2002, p. 99), inicialmente, assinala que “[...] é no direito

romano que vamos encontrar a raiz histórica da propriedade”.

Pois, conforme o ensinamento de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 151-

152):

Antes da época romana, nas sociedades primitivas, somente existia propriedade para as coisas móveis, exclusivamente para objetos de uso pessoal, tais como peças de vestuário, utensílios de caça e pesca. O solo pertencia a toda a coletividade, todos os membros da tribo, da família, não havendo o sentido de senhoria, de poder de determinada pessoa. A propriedade coletiva primitiva é, por certo, a primeira manifestação de sua função social.

Continuando o pensamento com Maria Helena Diniz (2002, p. 99-100):

Na era romana preponderava um sentido individualista de propriedade, apesar de ter havido duas formas de propriedade coletiva: a da gens e a da família. Nos primórdios da cultura romana a propriedade era da cidade ou gens, possuindo cada indivíduo uma restrita porção de terra (1/2 hectare), e só eram alienáveis os bens móveis. Com o desaparecimento dessa propriedade coletiva da cidade, sobreveio a da família, que, paulatinamente, foi sendo aniquilada ante o crescente fortalecimento da autoridade do pater famílias.

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Dando seqüência ao estudo do processo histórico do direito de

propriedade, Melhim Namem Chalhub (2000, p. 1-2), de maneira sintética,

elucida que:

Assim, é possível vislumbrar um percurso em que, originalmente, a apropriação e utilização das coisas teve como protagonista a coletividade, seguindo pelo individualismo, na concepção do dominium do Direito romano, desviando-se para uma concepção fragmentária, no feudalismo, retornando ao conceito individual, na Idade Moderna, e dirigindo-se, presentemente, para uma nova conformação, em que o direito individual é reconhecido e respeitado, mas desde que exercido conforme uma função social, que se considere inerente à propriedade.

Segundo a leitura doutrinária de Venosa (2006, p. 153), tem-se que “a

partir do século XVIII, a escola do direito natural passa a reclamar leis que

definam a propriedade.” Com o advento da Revolução Francesa, em 1789, o

feudalismo passa a deixar de existir no cenário jurídico mundial. A partir disso,

tal Revolução, também conhecida como burguesa, é considerada como um

importante marco no que diz respeito à configuração da propriedade no mundo

moderno. Neste sentido, Chalhub (2000, p. 4), acrescenta que:

A nova ordem, ao conferir ao proprietário um poder geral e absoluto sobre a coisa, libertava-o de todos os encargos a que o antigo regime feudal submetia a propriedade. Opondo-se, assim, à concepção da propriedade feudal, o Código de Napoleão restaurou o conceito unitário da propriedade, de origem romana, definindo a propriedade como o direito de fruir e dispor da coisa da maneira mais absoluta, desde que não exercido por forma proibida pelas leis e regulamentos, não estando o proprietário obrigado a ceder seu direito senão por causa de utilidade pública e mediante justa e prévia indenização (arts. 544 e 545).

O Código de Napoleão, bem como as idéias presentes no processo

revolucionário, serviram de inspiração, repercutindo em inúmeros outros

códigos, a exemplo do Código Civil Brasileiro, que não definiu a propriedade,

deixando essa árdua tarefa a cargo da doutrina, limitando-se a configurar o

direito subjetivo do proprietário, nos moldes do artigo 1228 (antigo 524), o qual

será estudado a seguir.

A fim de concluir esse breve esboço histórico acerca do instituto da

propriedade, temos, com base mais uma vez no ensinamento de Venosa

(2006, p. 153), que o ”exagerado individualismo perde força no século XIX com

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a revolução e o desenvolvimento industrial e com as doutrinas socializantes.

Passa a ser buscado um sentido social na propriedade”, que será abordado no

tópico a seguir, ainda que de maneira breve.

Vislumbrada a origem da propriedade como processo histórico, cumpre-

nos destacar seu conceito, assim como expor alguns de seus elementos

constitutivos.

Da leitura dos mais eminentes juristas, depreende-se que a tarefa de

conceituar a propriedade é árdua, posto que o direito de propriedade é o direito

mais amplo da pessoa em relação à coisa. Neste sentido, Arnaldo Rizzardo

(2004, p. 169), considera o direito de propriedade, como sendo “o mais amplo

dos direitos reais, o chamado direito real por excelência, ou o direito real

fundamental.”

Assim, sobre o conceito de propriedade, temos a seguinte explicação de

Dower (2004, p. 94): “o nosso Código Civil não define a propriedade. Preferiu

enunciar os poderes de que dispõe o proprietário sobre seus bens (art. 524),

deixando sua conceituação à cargo da doutrina.”

Já para Sílvio Rodrigues (2002, p. 76), tal conceito é um pouco mais

amplo, sendo apresentado da seguinte forma:

O domínio é o mais completo dos direitos subjetivos e constitui, como vimos, o próprio cerne do direito das coisas. Aliás, poder-se-ia mesmo dizer que, dentro do sistema de apropriação de riqueza em que vivemos, a propriedade representa a espinha dorsal do direito privado, pois o conflito de interesse entre os homens, que o ordenamento jurídico procura disciplinar, manifesta-se, na quase generalidade dos casos, na disputa sobre bens.

Complementando, Washington de Barros Monteiro (1995, p. 90)

conceitua o direito de propriedade assim:

[...] num certo sentido, o direito de propriedade é de fato absoluto, não só porque oponível erga omnes, como também porque apresenta caráter de plenitude, sendo incontestavelmente, o mais extenso e o mais completo de todos os direitos reais.

Tendo em vista uma definição analítica para a propriedade, Maria

Helena Diniz (2002, p. 106) assim dispõe:

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[...] o direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicá-lo de quem injustamente o detenha.

Observados alguns conceitos formulados pela doutrina, tem-se, nos

dizeres de Venosa (2006, p. 163), que o “Código Civil preferiu descrever de

forma analítica os poderes do proprietário (ius utendi, fruendi, abutendi) a

definir a propriedade.” Com isso, detendo-se ao texto presente no caput do

artigo 1.228 do Código Civil, pode-se definir o instituto da propriedade como o

direito real que vincula um determinado bem, corpóreo ou incorpóreo, ao seu

titular, conferindo-lhe os poderes de usá-lo, gozá-lo, dele dispor e reavê-lo de

quem injustamente o possua ou detenha, tudo dentro dos limites estabelecidos

pela ordem jurídica.

Ressaltam-se por essa concepção, presente no artigo 1.228, os seus

elementos constitutivos, ou seja, as faculdades que o direito real da

propriedade confere ao titular, que neste contexto se faz oportuno elucidar. A

saber, esses poderes/faculdades são:

1) o poder de usar, jus utendi, que se verifica no direito do titular de

empregar a coisa conforme a sua destinação material;

2) o poder de gozar/fruir, jus fruendi, que é o direito de desfrutar, de

explorar economicamente a coisa e colher os frutos que ela possa produzir;

3) o poder de dispor/consumir, jus abutendi, constituído da capacidade

do titular de dar à coisa o destino que bem lhe aprouver, desde que observadas

as limitações legais. Somente o proprietário possui a faculdade de dispor, posto

que o poder de usar e gozar pode ser atribuído a quem não seja proprietário; e

4) o poder de reaver/reinvidicar, jus reivindicandi, faculdade concedida

ao titular de buscar a coisa de quem injustamente a possua, decorrente do

poder de seqüela inerente a todo direito real.

É oportuno destacar, nesse contexto acerca dos elementos nucleares

que compõem o direito de propriedade, as características essenciais que

servem de sustentação para tal direito.

Convém ressaltar as palavras de Maria Helena Diniz (2002, p. 108):

Ante todas as idéias aqui expendidas pode-se atribuir, num certo sentido, ao direito de propriedade, caráter absoluto não só devido a

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sua oponibilidade erga omnes, mas também por ser o mais completo de todos os direitos reais, que dele se desmembram, e pelo fato de que o seu titular pode desfrutar e dispor do bem como quiser, sujeitando-se apenas às limitações impostas em razão do interesse público ou da coexistência do direito de propriedade de outros titulares.

Nesse mesmo raciocínio, Cláudio Teixeira de Oliveira (2003, p. 37) destaca de forma resumida o significado destes elementos:

a) Complexo, significa que tem a forma una, ou seja, em que estão presentes, englobadamente, todos os seus elementos nucleares, conforme disposto pelo art. 524 do Código Civil e 1.228 do novo; b) Absoluto (ilimitado), representa a inexistência de qualquer outro direito exercido por terceiro, o que se configura com base no art. 527 do Código Civil e 1.231 do novo; c) Perpétuo, considerando que, via de regra, a propriedade tem duração permanente, isto é, pode ser transmissível por ato inter vivos (por exemplo, alienação e doação) e, também, mortis causa (transmissível por sucessão hereditária); d) Exclusivo, no sentido de que o direito é exercido de forma plena e exclusiva pelo proprietário; por tal exclusividade, fica afastado o exercício de todos terceiros, que não proprietários, salvo quando se dá uma das causas previstas no art. 674 do Código Civil e 1.225 do novo.

Cabe esposar aqui os modos de aquisição da propriedade, ainda que de maneira breve, uma vez que Maria Helena Diniz (2002, p. 121) chama atenção para o fato de que “pelos arts. 1.227, 1.238 a 1.259 e 1.784 do Código Civil Brasileiro adquire-se a propriedade imóvel pelo registro do título no cartório de Registro de Imóveis, pela usucapião, pela acessão e pelo direito hereditário.” Diante disso, convém destacar as palavras de Washington de Barros Monteiro (1995, p. 102) sobre a classificação da aquisição da propriedade quanto à sua procedência em originária e derivada:

Do ponto de vista doutrinário, os modos de adquirir a propriedade dividem-se em originários e derivados. Nos primeiros, a aquisição é direta e independente da interposição de outra pessoa, o adquirente faz seu o bem, que lhe não é transmitido por quem quer que seja. São modos originários de aquisição da propriedade a ocupação, especificação e a acessão. Nos segundos, a aquisição tem como pressuposto um ato de transmissão por via do qual a propriedade se transfere para o adquirente. Tais são a transcrição e a tradição.

Necessário se faz conferir as palavras de Sílvio de Salvo Venosa (2006. p.175-176), ao afirmar:

[...] a aquisição da propriedade é originária quando desvinculada de qualquer relação com o titular anterior. Nela não existe relação

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jurídica de transmissão. Inexiste ou não há relevância jurídica na figura do antecessor. Sustenta-se ser apenas a ocupação verdadeiramente modo originário de aquisição.

[...] Ocorre aquisição derivada quando há relação jurídica com o antecessor. Existe transmissão da propriedade de um sujeito a outro. A regra fundamental nessa modalidade é a de que ninguém pode transferir mais direitos do que tem: nemo plus iuris ad alium transferre potest, quam ipse haberet. [...] Existe transmissão derivada tanto por ato inter vivos como mortis causa.

Considere-se ainda sobre o tema que a aquisição da propriedade pode se dar a título singular ou universal. No que se refere à aquisição a titulo singular, Arnaldo Rizzardo (2004, p. 245) disserta o seguinte:

Esta modalidade de aquisição envolve o aspecto quantitativo e individualizado ou não dos bens. Será a titulo singular sempre que o objeto abranja um ou vários bens individualizados. Integram esta espécie as coisas singulares, as coisas compostas e as universalidades de fato. Normalmente, a aquisição se dá por atos inter vivos, sem afastar, todavia, a origem causa mortis, como no testamento.

Já sobre a aquisição a título universal, constata Arnoldo Wald (1995, p. 132) que esta ocorre:

[...] quando todos os bens pertencentes a determinada pessoa, e todas as obrigações que lhe incumbiam passam a outrem. O caso por excelência da sucessão a título universal é o da sucessão do herdeiro que assume o ativo e o passivo do de cujus continuando, no plano patrimonial, a pessoa do falecido.

Uma vez evidenciados os modos de aquisição da propriedade, não nos

deteremos ao estudo das formas de aquisição e perda da propriedade móvel e

imóvel. Cabe, porém, destacar que a aquisição da propriedade pela usucapião

não será referenciada neste item, posto que a usucapião será objeto de análise

do próximo capítulo, específico sobre o assunto. Diante das considerações

acima delineadas, trataremos no tópico a seguir de uma das mais importantes

limitações, instituída pela Constituição Federal de 1988, a qual encontra na

prática sérios entraves, entenda-se, a dificuldade da obrigação da propriedade

em satisfazer a sua função social.

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1.3 Função social da propriedade

Com a Constituição de 1988, o princípio da função social da propriedade

teve a sua importância reconhecida em vários dispositivos: no art. 5º, XXII,

quando trata dos direitos e deveres individuais e coletivos; no art. 170, III,

quando traz os princípios da ordem econômica e financeira; no art. 182, § 2º,

quando disciplina a política de desenvolvimento urbano; e no art. 186, a

respeito da função social da propriedade rural.

A respeito do tema, Paulo Affonso Leme Machado (2005, p. 142)

comenta que:

[...] pelo menos oito vezes a expressão ”função social” está presente na Constituição: arts. 5º, inc. XXIII; 170, III; 173, § 1°, I ; 182, caput; 182, § 2°, 184, caput; 185, parágrafo único; e 186, II. A expressão ‘função social da propriedade’ foi inserida pela primeira vez na Constituição Federal de 1967 (art. 157, III).

Ressalta-se que o artigo 5º, em seus incisos XXII e XXIII, dispõe sobre

os princípios basilares da propriedade, sendo que o primeiro visa garanti-la, e o

segundo tem por objetivo atrelá-la à função social.

O referido autor, na obra que tem por título “Estudos de Direito

Ambiental”, continua salientando sobre a função social da propriedade,

destacando que:

Reconhecer que a propriedade tem, também, uma função social é não tratar a propriedade como um ente isolado na sociedade. Afirmar que a propriedade tem uma função social não é transformá-la em vítima da sociedade. A fruição da propriedade não pode legitimar a emissão de poluentes que vão invadir a propriedade de outros indivíduos. O conteúdo da propriedade não reside num só elemento. Há o elemento individual, que possibilita o gozo e o lucro para o proprietário. Mas outros elementos aglutinam-se a esse: além do fator social, há o componente ambiental.10

É com propriedade que o constitucionalista José Afonso da Silva (1994,

p. 246), ao esposar sobre o regime jurídico da propriedade privada, elucida

que:

10 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Estudos de Direito Ambiental, p. 127, apud Direito Ambiental Brasileiro, 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 143.

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Os juristas brasileiros, privatistas e publicistas, concebem o regime jurídico da propriedade privada como subordinado ao Direito Civil, considerado direito real fundamental. Olvidam as regras de Direito Público, especialmente de Direito Constitucional, que igualmente disciplinam a propriedade.

E ainda acrescenta que:

Essa é uma perspectiva dominada pela atmosfera civilista, que não levou em conta as profundas transformações impostas às relações de propriedade privada, sujeita, hoje, à estreita disciplina do Direito Público, que tem sua sede fundamental nas normas constitucionais. (1994, p. 246)

Ao citar a Encíclica Mater et Magistra do Papa João XXIII, de 1961, o

jurista Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 154) aduz que:

[...] a propriedade é um direito natural, mas esse direito deve ser exercido de acordo com uma função social, não só em proveito do titular, mas também em benefício da coletividade. Destarte, o Estado não pode omitir-se no ordenamento sociológico da propriedade. Deve fornecer instrumentos jurídicos eficazes para o proprietário defender o que é seu e que é utilizado em seu proveito, de sua família e de seu grupo social. Deve, por outro lado, criar instrumentos legais eficazes e justos para tornar todo e qualquer bem produtivo e útil. Bem não utilizado ou mal utilizado é constante motivo de inquietação social. A má utilização da terra e do espaço urbano gera violência.

O real significado da expressão “função social da propriedade” é tema

recorrente de discussões. Para Melhim Namem Chalhub (2000, p. 11), “o

significado e a extensão do conceito de função social da propriedade têm sido

objeto de controvérsia na doutrina”, mas ao citar Gustavo Tepedino (1999, p.

282, apud CHALHUB, 2000, p.11), entende “haver consenso quanto à

capacidade do elemento funcional em alterar a estrutura do domínio.”

Na busca de um conceito da função social da propriedade, o

constitucionalista Celso Ribeiro Bastos (2001, p. 218) ilustra a questão

afirmando:

A função social visa coibir as deformidades, o teratológico, os aleijões, digamos assim, da ordem jurídica. É o que cumpre examinar agora. Vale dizer, em que consistem aquelas destinações que poderão levar ao uso degenerado da propriedade a ponto de colocar o seu titular em conflito com as normas jurídicas que a protegem. A chamada função social da propriedade nada mais é do que o conjunto de normas da Constituição que visa, por vezes até com medidas de grande gravidade jurídica, recolocar a propriedade na sua trilha normal.

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E complementa, com relação à propriedade urbana, evidenciando que:

[...] a função social do solo urbano é cumprida pela sua utilização econômica plena, o que pode ocorrer com ou sem edificação. Em outras palavras, é o critério econômico o que predomina. Se o bem estiver se prestando a uma utilização econômica plena, evidentemente levando-se em conta a sua adequação topográfica, localização etc., não será passível das medidas sancionatórias.(2001, p.219)

O autor supramencionado, José Afonso da Silva (1994, p. 244-245), por

sua vez, ao enfocar a propriedade sob a perspectiva da ordem econômica, ou

melhor, como instituição das relações econômicas, salienta que:

[...] ela não mais poderá ser considerada puro direito individual, relativizando-se seu conceito e significado, especialmente porque os princípios da ordem econômica são preordenados à vista da realização de seu fim: assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

Esse doutrinador afirma, ainda, que nossa Carta Magna está alinhada

com a doutrina da função social da propriedade urbana, que “é formada e

condicionada pelo direito urbanístico a fim de cumprir sua função social

específica”. (SILVA, 1995, p.67) Dentre essas funções, o autor destaca a de

propiciar habitação, trabalho e demais funções sociais da cidade.

Nesse cenário, José Renato Nalini (2003, p. 170) cita Gregório R. de

Yurre expondo que:

[...] a função social denota os deveres que a propriedade privada tem para com os demais homens e com a sociedade; desses deveres derivam seus limites. A propriedade não é direito absoluto e ilimitado, como o concebeu a filosofia liberal, senão um direito limitado pelos deveres sociais.

Nalini (2003, p. 171), mantendo a linha de pensamento acima, entende

que:

A propriedade reflete duas vertentes do ser humano: a pessoal e a social. Para superar o individualismo, é necessário tornar eficaz e real a função social. O Estado, enquanto instrumento da realização do bem comum, precisa assegurar o cumprimento da função social da propriedade. E o faz, impondo limites jurídicos a esse direito

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fundamental. Conferir à propriedade uma função social é tema primeiramente ético.

Diante do que foi acima delineado, pode-se considerar satisfeita a

função social da propriedade, quando esta recebe uma destinação, seja para

fins de moradia, seja para estabelecimento econômico, político, científico,

cultural, histórico ou mesmo social, ou ainda, para preservação ambiental,

hipótese em que a propriedade estará cumprindo sua função permanecendo

inalterada, resguardando-se e protegendo o que estiver dentro de seus limites.

Em face da inserção do conceito da “função social” em relação à

propriedade assim como em relação à posse, pode-se dizer que a função

social da propriedade representa uma mitigação do poder absoluto do

proprietário e uma condicionante do exercício da posse, caracterizando-se pela

submissão da propriedade e da posse a uma utilidade que transcende o mero

interesse individual, dadas as repercussões destas sobre dimensões coletivas,

como o meio ambiente, a economia, dentre outros.

Oportunamente, Venosa (2006, p.157) frisa que “toda propriedade, ainda

que resguardado o direito de proprietário, deve cumprir uma função social.”

Consoante, o vigente Código Civil, em seu artigo 1.228, § 1°, dispõe

expressamente sobre a adoção da função social da propriedade, e, portanto,

da posse, sustentando que a propriedade deve ser exercida:

[...] em consonância com suas finalidade econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem, como evitada a poluição do ar e das águas.11

Sob esse aspecto, Venosa (2006, p. 158) tece os seguintes comentários:

Presentes estão nessas dicções princípios afastados do individualismo histórico que não somente buscam coibir o uso abusivo da propriedade, como também procuram inseri-la no contexto de utilização para o bem comum. Utilizar a propriedade adequadamente possui no mundo contemporâneo amplo espectro, que desborda para aspectos como a proteção da fauna e da flora e para sublimação do patrimônio artístico e histórico. Há que se preservar a natureza e todo o seu equilíbrio com desenvolvimento

11 Artigo 1.228, §1° do Código Civil de 2002.

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sustentável, para que não coloquemos em risco as futuras gerações deste planeta.

Conclui-se, então, que a propriedade, a partir da perspectiva de sua

função social, sofre diferentes formas de limitações. Não obstante, o

fundamento da usucapião não é outro senão o princípio da função social da

propriedade. Importante destacar que, por um lado, a usucapião nada mais é

do que uma das medidas sancionatórias do não cumprimento da função social

da propriedade, pelo abandono da coisa. Destarte, pelo princípio da função

social da propriedade é que se justifica a possibilidade de um mero possuidor,

pela usucapião, adquirir o direito de propriedade, em face do abandono a do

desinteresse do proprietário verificados durante um lapso temporal

considerável.

É conveniente trazer a lume, novamente, os ensinamentos do

doutrinador Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 159):

A proteção àquele que se utiliza validamente da coisa nada mais é do que revigoramento do usucapião. É obrigação do proprietário aproveitar seus bens e explorá-los. O proprietário e possuidor, pelo fato de manter uma riqueza, tem o dever social de torná-la operativa. Assim, estará protegido pelo ordenamento. O abandono e a desídia do proprietário podem premiar a posse daquele que se utiliza eficazmente da coisa por certo tempo. A prescrição aquisitiva do possuidor contrapõe-se, como regra geral, à perda da coisa pelo desuso ou abandono do proprietário. O instituto do usucapião é veículo perfeito para conciliar o interesse individual e o interesse coletivo na propriedade. Daí ter a Constituição atual alargado seu alcance. A finalidade do usucapião é justamente atribuir o bem a quem dele utilmente se serve para moradia ou exploração econômica. Cabe também ao Estado regular sua intervenção sempre que as riquezas não forem bem utilizadas ou relegadas ao abandono, redistribuindo-se aos interessados e capazes de fazê-lo.

Tecidas as considerações acerca dos Direitos das Coisas,

compreendendo os institutos da posse, propriedade e o princípio da função

social de ambos, encerra-se o primeiro capítulo deste trabalho, partindo-se

agora ao estudo do instituto da usucapião e de suas previsões a partir da

Constituição Federal de 1988, no Código Civil e, também, no Estatuto da

Cidade.

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CAPÍTULO 2

POLÍTICA URBANA NACIONAL: PANORAMA JURÍDICO DA

USUCAPIÃO

2.1 O instituto da usucapião

Este segundo capítulo tem por escopo, analisar e descrever a

usucapião, conceituando-a e apresentando seus requisitos e as modalidades

existentes acerca desse instituto jurídico, para que num segundo momento

deste capítulo possa-se estudar a modalidade de usucapião especial coletiva

urbana, prevista no Estatuto da Cidade, ora objeto de análise de aplicação ao

estudo do caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa, situada no bairro

Agronômica, no município de Florianópolis.

2.1.1 Adoção do gênero feminino

Inicialmente, cumpre destacar que o vocábulo usucapião pode ser usado

tanto no gênero feminino quanto no masculino, sendo que as razões podem ser

amparadas nas palavras de José Carlos de Moraes Salles (2006, p. 47), que

assim diz:

Para o insigne Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, o vocábulo é do gênero feminino, de modo que se deverá dizer “a usucapião”. O ilustre Laudelino Freire, entretanto, afirma ser usucapião palavra de gênero masculino, de sorte que se imporia dizer “o usucapião”. No mesmo sentido, a opinião de Silveira Bueno. Theotonio Negrão, todavia, com o espírito prático que sempre o caracterizou, depois de esclarecer que a Lei 6.969, de 10.12.1981, manda dizer “a Usucapião” – o que estaria de acordo com a etimologia –, afirmou que continuaria a dizer “o usucapião” até que o uso consagrasse o gênero feminino, mesmo porque Caesar non super grammaticos.

Há, também, o argumento daqueles que se referem ao instituto como “a

usucapião” de que as palavras latinas da terceira geração eram,

invariavelmente, femininas. O Código Civil de 1916 consagrou a utilização do

termo no masculino, concordando com a tradição de nosso direito; já o Código

de 2002, bem como a Lei 10.257/2001, por sua vez, acolheu a versão feminina,

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rompendo com essa longa tradição. Com isso, a presente monografia,

igualmente, adotou a expressão no feminino.

2.1.2 Origem e fundamento do instituto da usucapião

Ao analisar a origem do instituto da usucapião, observa-se que este é

derivado do vocábulo latino usu capere, ou seja, etimologicamente significa

“tomar pelo uso”. Nos dizeres de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p.193), tem-se

que:

Usucapio deriva de capere (tomar) e de usus (uso). Tomar pelo uso. Seu significado original era de posse. A Lei das XII Tábuas estabeleceu que quem possuísse por dois anos um imóvel ou por um ano um móvel tornar-se-ia proprietário. Era modalidade de aquisição do ius civile, portanto apenas destinada aos cidadãos romanos.

A jurista Maria Helena Diniz (2002, p. 142) autentica as palavras de

Venosa, acrescentando, no entanto, que “tomar pelo uso não era obra de um

instante; exigia, sempre, um complemento de cobertura sem o qual esse capio

nenhum valor ou efeito teria. Consistia esse elemento no fator tempo. “

Conforme anuncia a doutrina, o Direito Romano já tratava da usucapião

na Lei das XII Tábuas, na Tábua 6ª, inciso III, como um modo de aquisição do

domínio de bens, fossem móveis ou imóveis, pelo decurso de prazo previsto

em lei no exercício da posse do referido bem. Assim, no tocante às origens do

instituto, Washington de Barros Monteiro (1971, p. 124) enfatiza que este foi:

[...] regulado pela Lei XII Tábuas, o usucapião estendia-se não só aos bens móveis como também aos imóveis, sendo a princípio de um ano o prazo para os primeiros e de dois anos para os segundos. Posteriormente, esse prazo foi elevado para dez anos entre presentes e vinte entre ausentes.

Importante trazer à baila o fato de que Roma, na busca pela expansão

territorial, veio a adquirir vastas áreas fora da península itálica, as quais eram

povoadas por diversos peregrinos que não podiam invocar a usucapião, posto

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que esta era uma instituição de “direito quiritário”. (DINIZ, 2002, p. 142)

Todavia, conforme leciona Venosa (2006, p. 194) a respeito dos dois institutos

existentes no período clássico do Direito Romano, sabe-se que:

Desaparecendo a distinção entre terrenos itálicos e provinciais, os dois institutos surgem já unificados na codificação de Justiniano, sob o nome de usucapião. Daí a razão de, com freqüência, utilizar-se da expressão prescrição aquisitiva como sinônimo de usucapião. De fato, enquanto a prescrição extintiva, ou prescrição propriamente dita, implica perda de direito, o usucapião permite a aquisição do direito de propriedade. Em ambas as situações, levam-se em consideração o decurso de certo tempo.

Mais uma vez, colaciona-se a reflexão de Maria Helena Diniz (2002, p.

143-144), que complementa sobre o assunto:

[...] Entendemos que a usucapião é, concomitantemente, uma energia criadora e extintiva. Extintiva porque redunda na perda da propriedade por parte daquele que dela se desobriga pelo decurso do tempo. Aquisitiva porque ele leva à apropriação da coisa pela posse prolongada.

O autor já citado Moraes Salles (2006, p. 53) também compartilha desse

posicionamento, ratificando-o da seguinte forma:

Podemos dizer, portanto, que a usucapião é prescrição aquisitiva, apesar da impropriedade da expressão, como assinalado por Caio Mário da Silva Pereira. Daí dizer Tupinambá Miguel Castro do Nascimento que a prescrição aquisitiva é, hodiernamente, sinônimo de usucapião, tendo a doutrina usado, indiferentemente, as duas expressões. Câmara Leal explica a origem da expressão prescrição aquisitiva como sinônimo de usucapião: Até aqui, o usucapião, meio aquisitivo da propriedade, e a prescrição longi et longissimi temporis, meio extintivo da reivindicatória, conservaram-se como institutos diversos, constituindo um, título de aquisição da propriedade, e representando o outro, simples exceção processual contra a reivindicação.

Frise-se que a usucapião serve para consolidar a aquisição, entenda-se,

por conseguinte, dar segurança e estabilidade à propriedade, podendo ainda

facilitar como meio de prova, bem como ser alegada como matéria de defesa. 12 Destarte, o fundamento da usucapião justifica-se pela sua utilidade social.

12 Vide súmula 237 do STF, art. 7º da lei 6.969/81 e art. 13 do Estatuto da Cidade, o qual terá sua explicação em momento oportuno no presente trabalho.

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Nesse diapasão, vale citar mais uma vez os escritos de Sílvio de Salvo Venosa

(2006, p. 195):

O usucapião tem o condão de transformar a situação do fato da posse, sempre suscetível a vicissitudes, em propriedade, situação jurídica definida. Nesse sentido, também se coloca a prescrição extintiva que procura dar estabilidade à relação jurídica pendente. Desse modo, justifica-se a perda da coisa pelo proprietário em favor do possuidor.

José Carlos de Moraes Salles (2006, p. 49), mantendo a linha de

pensamento acima, descreve, de forma brilhante, o fundamento do instituto da

usucapião:

Todo bem, móvel ou imóvel, deve ter uma função social. Vale dizer, deve ser usado pelo proprietário, direta ou indiretamente, de modo a gerar utilidades. Se o dono abandona esse bem; se se descuida no tocante à sua utilização, deixando-o sem uma destinação e se comportando desinteressadamente como se não fosse o proprietário, pode, com tal procedimento, proporcionar a outrem a oportunidade de se apossar da aludida coisa. Essa posse, mansa e pacífica, por determinado tempo previsto em lei, será hábil a gerar a aquisição da propriedade por quem seja seu exercitador, porque interessa à coletividade a transformação e a sedimentação de tal situação de fato em situação de direito. À paz social interessa a solidificação daquela situação de fato na pessoa do possuidor, convertendo-a em situação de direito, evitando-se, assim, que a instabilidade do possuidor possa eternizar-se, gerando discórdias e conflitos que afetem perigosamente a harmonia da coletividade. Assim, o proprietário desidioso, que não cuida do que é seu, que deixa seu bem em estado de abandono, ainda que não tenha a intenção de abandoná-lo, perde sua propriedade em favor daquele que, havendo se apossado da coisa, mansa e pacificamente, durante o tempo previsto em lei, da mesma cuidou e lhe deu destinação, utilizando-a como se sua fosse.

Logo, conclui-se que o princípio da função social da propriedade é o

fundamento da usucapião.

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2.1.3 Conceito de usucapião

Para José Carlos de Moraes Salles (2006, p. 48-49), a usucapião pode

ser conceituada “como a aquisição do domínio ou de um direito real sobre

coisa alheia, mediante posse mansa e pacífica, durante o tempo estabelecido

em lei.” Esse mesmo autor destaca que essa conceituação se baseia, em

linhas gerais, na definição de Modestino, contida no Digesto, Livro 41, Título III,

frag. 3, segundo a qual “usucapião é a aquisição do domínio pela posse

continuada por um tempo definido na lei”.

No dizer de Maria Helena Diniz (2002, p. 144-145), quanto a ser a

usucapião um modo originário ou derivado de se adquirir a propriedade, não há

harmonia de entendimento doutrinário. Assim, ao citar outros autores, a

eminente jurista expõe que:

Para Girad só a ocupação pode merecer a inclusão na categoria das aquisições originárias. Já De Ruggiero propõe o enquadramento da usucapião numa classe intermediária entre as aquisições originárias e as derivadas, sendo por isso, diz ele, que a usucapião não apaga os ônus que podem recair sobre a coisa usucapida. Todavia, pelos princípios que presidem as mais acatadas teorias sobre a aquisição da propriedade, é de aceitar-se que se trata de modo originário, uma vez que a relação jurídica formada em favor do usucapiente não deriva de nenhuma relação do antecessor. O usucapiente torna-se proprietário não por alienação do proprietário precedente, mas em razão da posse exercida.

É de bom alvitre sublinhar as palavras de Cláudio Teixeira de Oliveira

(2003, p. 53):

Logicamente, em face das considerações históricas e do conceito, a única posse capaz de gerar o usucapião é a originária. De fato, somente a posse originária pode conduzir ao usucapião. Posse originária é aquela em que está presente em favor do usucapiente o animus domini (vontade de dono) e que não guarda qualquer relação de dependência (nexo causal) deste (usucapiente) com o anterior proprietário. A posse derivada não pode conduzir ao usucapião, haja vista que o direito de outrem não está sendo lesado, na realidade ele próprio o está exercendo.

Não obstante o fato de uma corrente minoritária da doutrina nacional

defender a tese de que a usucapião é modo derivado de aquisição da

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propriedade, a exemplo do jurista Caio Mário da Silva Pereira, prospera na

opinião de vários juristas que a usucapião é o modo originário de aquisição da

propriedade, ou de qualquer outro direito real, suscetível de apropriação

material, que se dá pela prescrição aquisitiva, entenda-se, pelo decurso de um

determinado lapso temporal, e desde que cumpridos os demais requisitos

previstos em lei, tendo em vista que esses requisitos variam conforme a

modalidade de usucapião, como veremos adiante, ainda que brevemente.

Considerando que, na prática, o instituto em questão tem sua aplicação

quase que exclusivamente para aquisição da propriedade, é também possível,

conforme prelecionam Washington de Barros Monteiro, Caio Mário da Silva

Pereira, Orlando Gomes e Tupinambá Miguel Castro do Nascimento (apud

SALLES, 1991, p. 48), “que a usucapião pode estender-se à aquisição de

outros direitos reais, tais como as servidões, o domínio útil na enfiteuse, o

usufruto, o uso e a habitação.”

Neste ponto, faz-se necessário enfatizar que o efeito mais importante

que se pode verificar a respeito do instituto da usucapião está no fato de

consolidar-se o domínio pelo adquirente, eliminando qualquer questionamento

sobre a propriedade.

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2.1.4 Requisitos

Na concepção de Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 194), estabeleceram-

se os seguintes requisitos para a usucapião, mantidos na lei e na doutrina

modernas: res habilis (coisa hábil), iusta causa (justa causa), bona fides (boa-

fé), possessio (posse), tempus (tempo).

Da leitura da obra de Orlando Gomes (2004, p. 194), depreende-se que

“a posse e o tempo são os dois requisitos básicos, considerados formais,

característicos do instituto e presentes em quaisquer das modalidades de

usucapião. Outras exigências para se caracterizar a usucapião variarão de

acordo com cada espécie.”

Cabe, neste momento, contextualizar tais requisitos, mesmo que de

forma sucinta, tendo ciência de que cada um desses elementos integram,

dentro das suas particularidades, os pressupostos para a efetivação da

transformação do possuidor em proprietário.

Concernente à res habilis, Cláudio Teixeira de Oliveira (2003, p. 54)

defende que:

[...] por coisa hábil entende-se tudo que pode ser objeto de comercialização ou até mesmo de uma relação de direito. Deve, portanto, se tratar de coisa que esteja no comércio e que seja passível de sofrer alienação.

Maria Helena Diniz (2002, p. 148) adverte que:

[...] jamais poderão ser objeto de usucapião: a) as coisas que estão fora do comércio, pela sua própria natureza, por não serem suscetíveis de apropriação pelo homem, como o ar, a luz solar, etc.; b) os bens públicos que estando fora do comércio são inalienáveis (STF, Súmula 340).

Na lição de Vitor Frederico Kümpel (2005, p. 96), sobre a coisa hábil ou

res habilis, temos que:

São os bens hábeis passíveis de serem usucapidos, no caso em questão, os imóveis. Existe uma presunção de que todos os bens são passíveis de serem usucapidos, de forma que podemos excluir: a) os fora do comércio (terras indígenas); b) os bens públicos; c) as

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servidões não aparentes (áreas de recuo nas rodovias); d) as terras devolutas.

Em relação ao justo título, Cláudio T. de Oliveira (2003, p. 54), de forma resumida, ensina que:

[...] é a chamada justa causa, e significa que deve estar escorado em lei ou ter suporte legal a lhe proteger. O justo título deve ser provado e não meramente presumido. É de ordem concreta e não abstrata. È entendível por justo título todo o documento considerado como sendo hábil para a transferência da propriedade.

Sob esse mesmo prisma, Venosa (2006, p. 202) afirma que:

[...] Trata-se do fato gerador da posse. Nesse fato gerador ou fato jurígeno, examinar-se-á a justa causa da posse do usucapiente. Esse título, por alguma razão, não logra a obtenção da propriedade. Não é necessário que seja documento. Melhor que a lei dissesse título hábil [...] Em regra, é justo título todo ato ou negócio jurídico que em tese possa transferir a propriedade.

Esse mesmo autor continua sustentando que:

A noção de justo título está intimamente ligada a boa-fé. O justo título exterioriza-se e ganha solidez na boa-fé. Aquele que sabe possuir de forma violenta, clandestina ou precária não tem justo título. Documento que faz crer a todos transferir a propriedade é justo título. Cabe ao impugnante provar a existência de má-fé, porque (a) boa-fé se presume. (2006, p. 202)

Sendo a boa-fé (fides) uma mera crença, haja vista tratar-se de uma

presunção em decorrência dos atos praticados pelo possuidor, Sílvio Rodrigues

(2002, p. 111) complementa que “necessário também se faz esteja o

prescribente de boa-fé. E ele o está quando ignora o vício, ou obstáculo, que

lhe impede a aquisição da coisa ou do direito possuído (CC/1916, art. 490;

CC/2002, art. 2.001)”.

Levando em consideração as explicações contidas neste trabalho sobre

a posse, é sabido de todos que sem esta não há usucapião, principalmente, se

lembrarmos que a definição do instituto se refere à aquisição do domínio pela

posse prolongada. Dessa forma, a posse, no ensinamento de André

Chateaubriand Bandeira de Melo (2006, p. 309):

[...] deve ser contínua durante o período necessário para a caracterização da usucapião, não sofrendo discussão, contestação, impugnação ou dúvida alguma. É exigida para a posse ad usucapionem que ela seja exercida com o animus domini, ou seja,

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que o usucapiente possua o imóvel como se seu fosse ainda que de má-fé, não bastando a posse ad interdicta.

Oportunamente, Venosa (2006, p. 197) afirma o seguinte sobre a posse

ensejadora da usucapião:

Entende-se, destarte, não ser qualquer posse propiciadora do usucapião, ao menos o ordinário. Examina-se se existe posse ad usucapionem. A lei exige que a posse seja contínua e incontestada, pelo tempo determinado, com ânimo de dono. Não pode o fato da posse ser clandestino, violento ou precário. Para o período exigido é necessário não ter a posse sofrido impugnação. Desse modo, a natureza da posse ad usucapionem exclui a mera detenção.

Cumpre destacar o conceito de posse ad usucapionem, ainda que

conciso, extraído da obra de Natal Nader (1991, p. 20):

Posse ‘ad usucapionem’ é a que, além dos elementos indispensáveis à configuração da posse, preenche ainda os requisitos exigidos à aquisição da propriedade pelo usucapião. Deve ser sem interrupção, sem oposição e exercida com intenção de dono, ‘animus domini’.

Claro está que o instituto da posse é qualificado pela pacificidade, pela

continuidade e pelo elemento subjetivo. Com isso, em se tratando de posse ad

usucapionem, para a caracterização da posse não basta somente o elemento

objetivo, ou seja, a apreensão física da coisa pelo possuidor; faz-se necessário

também o elemento subjetivo, leia-se, a intenção desse possuidor de ter a

coisa como sua, isto é, que ele esteja agindo como se proprietário fosse.

Contudo, retomando as lições iniciais contidas no presente estudo,

temos que, para efeito da usucapião, a legislação nacional exige a posse no

sentido atribuído pela teoria subjetivista de Savigny, em contraposição ao

tratamento dado à posse com relação aos seus demais efeitos, lembrando

novamente que o Código Civil adota a teoria objetivista.

Sobre o transcurso do tempo (tempus), atenta-se para a contagem física

do tempo da posse, a qual deve ser contínua, ou melhor, deve-se levar em

conta o início efetivo da posse até a data da efetiva pretensão do possuidor se

tornar proprietário, por meio da ação de usucapião. Nesse aspecto, convém

destacar mais uma vez as palavras de André Chateaubriand Bandeira de Melo

(2006, p. 309), que assim dispõe:

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É o período exigido por lei, específico para cada tipo de usucapião. E é muito importante para qualquer tipo. Como já visto, independente do tempo de posse; é indispensável que esta se estenda ininterruptamente pelo período mínimo de cinco e pelo máximo de vinte anos, contados por dias e não por horas.

Em tempo de concluir a apresentação dos requisitos necessários para a

concretização da usucapião, cabe anunciar o último requisito para que o

possuidor adquira a condição de proprietário, que é o requerimento ao juiz, por

meio de sentença judicial, a qual constituirá título hábil para assento no

Registro de Imóveis. Sobre o assunto, Sílvio Rodrigues (2002, p. 113) ensina

que “determina a lei que o usucapiente, adquirindo o domínio pela posse

mansa e pacífica do imóvel, pode requerer ao juiz que assim o declare por

sentença”. Porém, Maria Helena Diniz (2002, p. 152) atenta para o fato de que:

A sentença declaratória na ação de usucapião [...] e seu respectivo registro não têm valor constitutivo e sim meramente probante, como um elemento indispensável para introduzir o imóvel usucapido no registro imobiliário, para que ele possa daí por diante, com esta forma originária, seguir o curso normal de todos os bens imóveis, quer em sua utilização, quer na criação de seus direitos reais de fruição ou de disposição, antes do que não seria possível criá-los.

Mais adiante, a autora cita Sílvio Rodrigues (apud DINIZ, p. 152),

expondo que ele:

[...] entende que essa sentença tem caráter constitutivo, porque antes dela o possuidor reúne em mãos todos os requisitos para adquirir o domínio, mas, até que a sentença proclame tal aquisição, o usucapiente tem apenas expectativa de direito.

Por fim, antes de apresentarmos as modalidades de usucapião

presentes na legislação pátria, cumpre-nos destacar, no que tange aos efeitos

advindos da usucapião, que a constituição de título de transferência do bem ao

usucapiente é oponível erga omnes, sendo que a transferência da propriedade

da coisa ao possuidor, como sendo o efeito fundamental, no entendimento de

André Eduardo de Carvalho Zacarias (2006, p. 23), opera efeitos ex tunc.

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2.1.5 Modalidades do instituto da usucapião

Nas palavras de Maria Helena Diniz (2002, p. 153), quatro são as

modalidades de usucapião previstas no Código Civil: a extraordinária, a

ordinária, a urbana e a especial ou pro labore, que estão disciplinadas nos

artigos 1.238 a 1.244.

Com isso, passaremos a expor brevemente cada uma delas, uma vez

que o presente trabalho tem por intuito analisar a aplicação do instituto da

usucapião especial coletivo urbano.

Dessa maneira, pode-se dizer que, basicamente, as diferenças entre a

usucapião ordinária e a extraordinária consistem no lapso temporal e na

existência de presunção juris et de jure.

O artigo 1.238 de nossa lei civil, que prevê a usucapião extraordinária,

encontra-se disposto da seguinte forma:

Art. 1.238 – Aquele que, por quinze anos, sem interrupção, nem oposição, possuir como seu um imóvel, adquire-lhe a propriedade, independentemente de título e boa-fé; podendo requerer ao juiz que assim o declare por sentença, a qual servirá de título pra o Registro no Cartório de Registro de Imóveis. (CÓDIGO CIVIL, 2002)

Acrescente-se que no parágrafo único desse artigo o lapso temporal

pode ser reduzido para dez anos “se o possuidor houver estabelecido no

imóvel a sua moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter

produtivo.”13

Para ilustrar a temática, André Eduardo de Carvalho Zacarias (2006, p.

27) comenta que a usucapião extraordinária “é aquela que se formula pelo

transcurso da posse, mansa e pacífica, por 15 anos ininterruptos. Caracteriza-

se pela maior duração da posse e por dispensar o justo título e a boa-fé.”

Dessa espécie de usucapião, conclui-se que são quatro os requisitos

ensejadores do instituto, quais sejam: a posse, justa ou sem oposição (mansa

e pacífica), considerada a mais importante dos requisitos que ensejam a

13 Artigo, 1.238, parágrafo único, do Código Civil de 2002.

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usucapião; o tempo, decurso do prazo de quinze anos, sem interrupção; o

animus domini, ou seja, a intenção de ter a coisa como dono, e o objeto hábil.

Já a usucapião ordinária tem sua previsão inserida no art. 1.242 do

Código Civil (2002), que assim impõe:

Art. 1.242 – Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, continua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido a sua moradia, ou realizado investimentos de interesse social e econômico.

No entendimento de Maria Helena Diniz (2002, p. 154), “trata-se da

posse-trabalho, que, para atender ao princípio da sociabilidade, reduz o prazo

de usucapião.” Os pressupostos da usucapião ordinário, conforme anuncia a

mesma autora, são a posse mansa, pacífica e ininterrupta, exercida com a

intenção de dono, bem como o decurso do tempo de dez anos ou de cinco

anos, o justo título devidamente registrado, a boa-fé e, por último, a sentença

judicial que lhe declare a aquisição do domínio.(DINIZ, 2002, p. 154-156)

Necessário se faz cotejar, mais uma vez, os dizeres de Cláudio Teixeira

de Oliveira (2003, p. 56), ao postular que:

Os atuais parâmetros estabelecidos pelo novo Código Civil procuram valorar a chamada “posse-trabalho”, e assim é que os prazos (para o usucapião de coisas imóveis), tanto o ordinário como o extraordinário, são reduzidos quando presentes a “posse qualificada”, como refere Reale, em face de ter parecido mais conforme aos ditames sociais situar o problema em termos de “posse-trabalho”, que se manifesta através de obras e serviços realizados pelo possuidor.

Conforme foi dito acima, o legislador civil previu ainda, nos artigos 1.239

e 1.240, a modalidade de usucapião especial, que poderá ser pro labore, se o

imóvel tiver por finalidade assegurar a subsistência do proprietário e de sua

família, assim como em razão da função, ou seja, se for destinado para fins de

moradia. Tais institutos, segundo as doutrinas nacionais, foram inspirados nos

artigos 183 e 191 da Constituição Federal de 1988. Vejamos, então, as

principais características de cada um deles.

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Temos que a usucapião especial rural ou pro labore, como também é

conhecida, está prevista no art. 1.239 do Código Civil (2002), que assim

dispõe:

Art. 1.239 – Aquele que, não sendo proprietário de imóvel rural ou urbano, possua como sua, por cinco anos ininterruptos, sem oposição, área de terra em zona rural não superior a cinqüenta hectares, tornando-a produtiva por seu trabalho ou de sua família, tendo nela sua mordia, adquirir-lhe-á a propriedade.

Vale citar os escritos de Moraes Salles (1991, p. 168), que preceitua o seguinte:

Esse dispositivo é reprodução quase literal do artigo 191 (caput) da Constituição Federal de 1988, corrigida a falha constante deste último, que utilizou a expressão “possua como seu” ao invés da expressão “possua como sua sua”, que seria a correta, pois o pronome possessivo deve concordar com “área”, substantivo feminino. Verifica-se, portanto, que o legislador quis institucionalizar, também no âmbito do Código Civil, a usucapião especial rural e o fez, a nosso ver, acertadamente, pois a matéria estará regulada de modo mais adequado na Lei Civil do que no Estatuto Básico da República.

E ainda sobre essa modalidade de usucapião, Vitor Frederico Kümpel

(2005, p. 97-98) relata que:

O instituto fora originalmente regulado pela CF de 1934, passando pela Carta Magna de 1946, ganhando contornos pelo Estatuto da Terra (Lei n. 4.504/64) e, por fim, pela Lei n. 6.969/81. Todos esses diplomas autorizavam o usucapião rural em área de até 25 hectares, permitindo, também, o sobre terras devolutas. Não vigora o Estatuto da Terra em matéria de usucapião rural, na medida que mais uma vez o legislador constitucional, copiado pelo art. 1.239 do CC, referendou o critério da localização da área e não o da destinação. Toda área situada fora do perímetro urbano é passível de usucapião rural. Outra observação importante está no fato de que o possuidor, além de residir na área só ou com sua família, deve produzir nela. É uma posse produtiva, portanto, o que implica que parte do sustento deve ser extraído da atividade agrária desenvolvida na área.

A partir da leitura do artigo, bem como das mais eminentes doutrinas,

conclui-se que os requisitos para a aquisição da propriedade por meio dessa

modalidade de usucapião residem no fato de que o ocupante não tenha outro

imóvel, a posse se dê com animus domini, de forma ininterrupta e sem

oposição no prazo de cinco (5) anos, e que tenha tornado a terra produtiva com

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seu trabalho ou de sua família, tendo-a como moradia habitual, não podendo a

área ser superior a 50 hectares, devendo ser observada ainda a vedação

quanto às terras públicas.

Venosa (2006, p. 210) tece a seguinte consideração sobre o tema:

A lei refere-se à moradia no local. Essencial que exista, portanto, edificação no imóvel que sirva para moradia do usucapiente ou de sua família. Não existe exigência de justo título e boa-fé nessa modalidade, o que se aplica tanto ao usucapião especial urbano, assim como ao usucapião especial rural. [...] Há também o intuito de fixar a pessoa no campo. Daí a razão de denominar-se esse usucapião rural de pro labore.

Por último, tem-se a usucapião urbana, também conhecida pelo termo

especial urbana, ou ainda, pro morare, e que se encontra disposta no Código

Civil (2002), em seu art. 1.240, que assim estabelece:

Art. 1.240 – Aquele que possuir, como sua, área urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural. § 1o O título de domínio e a concessão de uso serão conferidos ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil. § 2o O direito previsto no parágrafo antecedente não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

Esse dispositivo repete, quase literalmente, a previsão expressa no artigo 183, §§ 1° e 2°, da Constituição Federal de 1988. Contudo, Moraes Salles (1991, p. 165) constata que:

Como se verifica, os artigos 1.240 do atual Código Civil e 183 da Constituição da República só diferem na redação dos §§ 2° respectivos, sem, entretanto, nenhuma alteração de conteúdo. Por outro lado, o art. 183 da Carta Magna contém um § 3°, que não foi repetido no art. 1.240 do atual Código Civil, mas que se insere no seu art. 102 (com outra redação, mas com o mesmo significado).

Encontra-se respaldo na explicação de Vitor Frederico Kümpel (2005, p.

97) sobre a intenção do legislador, ao dispor sobre a modalidade em questão:

Observe que o legislador estabeleceu um rígido critério social, não autorizando uma pessoa que já tenha propriedade ou que já tenha usucapido a ver sua posse transformar-se em propriedade. A área urbana significa que o critério adotado pelo legislador não é o da destinação da área e, sim, da sua localização. A dimensão de 250 metros quadrados diz respeito à área linear do terreno, pouco

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importando se a edificação é maior ou menor. Isso significa que a pessoa pode usucapir um terreno de 250 metros quadrados em uma área de 400 metros quadrados. Também é bom observar que o imóvel precisa ter a metragem mínima autorizada pelo Município, sob pena de não ser registrada a sentença declaratória de usucapião.

A Constituição Federal de 1988 inovou ao trazer para o nosso

ordenamento jurídico essa modalidade de usucapião. A respeito de tal

inovação e do avanço dado por nossa CF/88, José Carlos Tosetti Barruffini

(1998, p. 141) diz que:

[...] o enfeixamento no usucapião desta perspectiva representa um papel de destaque para nossa Constituição, numa visão de recuperação histórica indisfarçável, realçando a supremacia dos interesses sociais.

Ressalte-se que tal espécie de usucapião tem algumas particularidades

bem diversas das demais categorias de usucapião, além dos requisitos já

exigidos por estas. A primeira diz respeito ao prazo, pois juntamente com a

usucapião pro labore, verifica-se que é o mais curto, uma vez que, para gerar

direito a usucapião, são necessários apenas 5 (cinco) anos de posse.

Todavia, se por um lado a lei reduziu o prazo, por outro, ela trouxe uma

série de limitações, a exemplo da área do imóvel usucapiendo que não poderá

ultrapassar duzentos e cinqüenta metros quadrados, compreendida a área do

terreno. Vale destacar ainda a exigência de que o possuidor efetivamente

utilize o imóvel para sua moradia ou de sua família, além de não poder o

requerente ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural. Além disso,

também é vedado esse direito a quem dele já se beneficiou uma vez.

Note-se que essa previsão contida no § 2º, qual seja, a de que não será

concedida essa usucapião ao mesmo possuidor mais de uma vez, embora

pareça desnecessária em face da exigência do caput de que o possuidor não

seja proprietário de outro imóvel, não se faz redundante, uma vez que é

perfeitamente possível que alguém adquira a propriedade de um imóvel por

essa modalidade de usucapião, depois se desfaça desta e venha a possuir

outro imóvel, intentando, após cinco anos novamente, ação idêntica. Há de se

pensar, todavia, que nada obsta a possibilidade de a usucapião especial

urbana ser deferida ao requerente que atualmente não seja proprietário de

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outro imóvel, mas que já tenha sido beneficiado, no passado, por outra ação de

usucapião, porém em uma modalidade diversa.

Somente são usucapíveis por essa modalidade os imóveis localizados

em zona urbana. Apesar de grande parte da doutrina problematizar a questão

se o critério adequado para atender a finalidade de identificação da área é o da

destinação ou da localização, temos que o caráter de urbano e rural,

empregado tanto para essa categoria como para a usucapião especial rural,

leva em consideração tão-somente a localização do imóvel, não tendo qualquer

relevância se a sua destinação é urbana ou rural, como se depreende, com

relação ao urbano, do capítulo em que se insere – “Da Política Urbana” – e

com relação ao usucapião rural, não só pelo capítulo “Da Política Agrícola e

Fundiária e da Reforma Agrária”, mas também pela clareza do disposto no art.

191, quando prevê a usucapião de “área de terra, em zona rural”.

Observando-se ainda a redação dos artigos 183 e 191, conclui-se que

as modalidades de usucapião especial urbano e especial rural, por exigirem a

moradia do possuidor ou de sua família, são exclusivas para pessoas físicas.

Sob esse aspecto, Moraes Salles (2006, p. 284), ao analisar a posse na

usucapião especial urbana, registra o seguinte:

Ademais, a posse do prescribente há de ser pessoal, o que decorre da exigência constitucional de utilização do imóvel (área urbana) ”para sua moradia ou de sua família”. Destarte, não vale para esta espécie de usucapião a posse exercida por intermédio de preposto ou de terceiro.

Por todo o exposto, pode-se perceber que a usucapião, em suas

diversas modalidades, insere-se como um importante instrumento de

regularização da questão fundiária, ensejando, neste sentido, a concretização

do princípio constitucional da função socioambiental da propriedade em

consonância com o princípio da dignidade da pessoa humana. Nesse aspecto,

oportuno se faz contemplar as palavras do desembargador José Renato Nalini

(2003, p. 172), a respeito da busca de uma feição renovada ao direito de

propriedade, a saber:

Ninguém o desconhece: a) distribuir a propriedade, para a supressão da miséria, mas a edificação de um povo solidamente apoiado sobre um pedaço de terra; b)fortalecer a família camponesa, mediante seu acesso à propriedade do solo que cultiva e que tal solo seja fonte de ingressos suficientes para um nível digno de existência; c) fortalecer a

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família urbana, propiciando moradia digna, próxima ao trabalho, acesso aos equipamentos urbanos essenciais ao desenvolvimento em plenitude.

Feitas as devidas considerações acerca do instituto da usucapião e de

suas modalidades, propõe-se a seguir a análise, detalhada, da espécie

denominada usucapião especial de imóvel urbana, prevista no Estatuto da

Cidade.

2.2 DA USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA DE IMÓVEL URBANO

Nas palavras de Jacqueline Severo da Silva, tem-se que:

[...] os princípios fundamentais da Constituição Federal de 1988, em especial o da função social da propriedade, intimamente associado ao direito à moradia, tiveram acrescida substância com a Lei Federal n° 10.257/2001. A norma federal implementou no art. 12, I e II, a possibilidade do ajuizamento de ações de usucapião especial urbano em formação litisconsorcial ativa e ações de usucapião urbano coletivo.14

O Estatuto da Cidade, então, por meio da criação de uma nova

modalidade de usucapião, a partir do reconhecimento da espécie existente na

Carta Magna, conhecida como usucapião especial constitucional, demonstra

uma efetiva preocupação do legislador em ordenar a propriedade urbana, com

a devida observância dos princípios urbanísticos, no intuito de viabilizar o

direito à moradia de quem já ocupa as áreas urbanas. Assim, os artigos 9° a

14, dispostos na Lei n. 10.257/2001, devem ser interpretados como

mecanismos de regularização fundiária, os quais visam ainda à reorganização

urbanística. Cumpre-nos, portanto, analisar esses dispositivos mais

especificamente.

De acordo com Francisco Loureiro:

[...] cumpre destacar que o Estatuto da Cidade disciplinou duas modalidades de usucapião, dotadas de características próprias e

14 SILVA, Jacqueline Severo da. A Usucapião Especial Urbana – Legitimação Ativa, in: ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 143.

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inconfundíveis entre si: o usucapião individual (art. 9°) e o usucapião coletivo (arts. 10 a 14).15

2.2.1 O artigo 9° do EC – Usucapião especial individual

Com efeito, o artigo 9° da referida lei preceitua:

Art. 9o Aquele que possuir como sua área ou edificação urbana de até duzentos e cinqüenta metros quadrados, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, utilizando-a para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O título de domínio será conferido ao homem ou à mulher, ou a ambos, independentemente do estado civil.

§ 2o O direito de que trata este artigo não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez.

§ 3o Para os efeitos deste artigo, o herdeiro legítimo continua, de pleno direito, a posse de seu antecessor, desde que já resida no imóvel por ocasião da abertura da sucessão.

Tem-se que a redação do artigo 9° no Estatuto da Cidade é semelhante

ao artigo 183 da Constituição Federal, substancialmente, porque essa

modalidade de usucapião mantém a área de até 250 metros quadrados.

Todavia, no que se refere à usucapião individual do artigo supracitado, o

autor Francisco Loureiro (op.cit., p. 88-89) tece a seguinte consideração:

[...] cabe apenas fazer a breve observação de que o preceito encontra-se revogado pelo art. 1.240 do Código Civil, que trata exatamente da mesma situação jurídica. Embora seja lei geral, o novo Código Civil tratou do mesmo tema, com disciplina algo diversa. Logo, a revogação deu-se pela incompatibilidade das duas normas regularem a mesma situação jurídica, para os mesmos destinatários. Prevalece, portanto, a lei posterior, que no caso é o Código Civil.

Em contrapartida, o referido autor, ao concluir seu raciocínio, defende

que:

[...] deve haver, por parte do intérprete, um permanente esforço para libertar-se da figura do usucapião individual disciplinada na lei civil,

15 LOUREIRO, Francisco. Usucapião Coletivo e Habitação Popular, in: ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 88.

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que tem por escopo apenas a aquisição da propriedade por modo originário. Aqui, o legislador é mais ambicioso e almeja não só a regularização fundiária, mas também a urbanização da gleba. (op.cit., p. 110)

Em face das inúmeras discussões doutrinárias sobre a questão da

quantidade máxima tanto da área do terreno como da edificação existente

neste, preceituado pelo artigo 9°, como regulamentação da carta Magna,

Moraes Salles (1991, p. 291) tece os seguintes comentários:

Verifica-se, portanto, que o art. 9° da Lei 10.257, de 10.7.2001 (Estatuto da Cidade), alude, agora, a área ou edificação urbana de até 250 metros quadrados, querendo com isso significar que tanto a área de terreno como a da edificação no mesmo construída não poderão ultrapassar a mencionada metragem quadrada, espancando, assim, a dúvida que o texto do art. 183 da Constituição da República gerara [...]. Teria sido preferível, entretanto, que a redação do art. 9° do Estatuto da Cidade tivesse utilizado a expressão “área e edificação urbana” ao invés de “área ou edificação urbana”, porque não haverá edificação sem que se alicerce sobre uma área. Todavia, parece-nos indubitável que, mesmo com a impropriedade da expressão utilizada, quis o legislador estabelecer que tanto a área do terreno como a edificação não poderão ultrapassar os duzentos e cinqüenta metros quadrados a que alude o art. 183 da Constituição Federal de 1988.

2.2.2 O artigo 10 do EC – Usucapião especial coletiva de imóvel urbano

Inicialmente, cumpre-nos destacar o questionamento acerca da

inconstitucionalidade do novel instituto, tendo em vista que a Constituição

Federal de 1988 dispôs expressamente sobre o domínio por meio da usucapião

individual, sendo que em momento algum faz referência à possibilidade do seu

reconhecimento de forma coletiva. Destarte, o artigo 10 do Estatuto da Cidade

não criou uma nova modalidade de usucapião destoante da forma inserida no

texto constitucional, posto que os requisitos necessários para ambos são os

mesmos. Assim, para Paulo José Villela Lomar (2001, p. 140):

[...] a inovação reside na possibilidade de reconhecimento coletivo da usucapião com a instituição de uma espécie original e temporária de condomínio, que perdurará até que se efetive a reurbanização da área ocupada.

Esse mesmo autor acrescenta:

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A redação mais adequada ao artigo 10 do Estatuto da Cidade seria a que exprimisse que as áreas urbanas, aqui entendidos os terrenos e edificações, ocupadas, por período superior a cinco anos, por agrupamento ou conjunto de pessoas ou famílias de baixa renda para a sua moradia, cujas habitações individuais não ultrapassem a área de duzentos e cinqüenta metros quadrados, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (p. 140)

Para tanto, a redação do artigo 10 da Lei n. 10.257/2001 está expressa

da seguinte maneira:

Art. 10. As áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ocupadas por população de baixa renda para sua moradia, por cinco anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada possuidor, são susceptíveis de serem usucapidas coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1o O possuidor pode, para o fim de contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu antecessor, contanto que ambas sejam contínuas.

§ 2o A usucapião especial coletiva de imóvel urbano será declarada pelo juiz, mediante sentença, a qual servirá de título para registro no cartório de registro de imóveis.

§ 3o Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

§ 4o O condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

§ 5o As deliberações relativas à administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou ausentes.

Verifica-se, então, que esse artigo repete alguns dos requisitos exigidos

pela usucapião especial urbana constitucional, disposta no artigo 183 da Carta

Magna, os quais já foram analisados de forma elucidativa no tópico anterior.

Logo, trataremos de expor aqui os requisitos introduzidos em função da

usucapião coletiva.

Conforme os ditames do artigo 10 da Lei n. 10.257/01, os requisitos da

usucapião coletiva são:

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a) inicialmente, o objeto da usucapião coletiva são as “áreas urbanas com

mais de duzentos e cinqüenta metros quadrados”. Note-se que não há

restrição ao tamanho mínimo ou máximo de área para cada morador;

b) o requisito subjetivo que enseja a legitimidade ativa circunscrita à

ocupação da área por “população de baixa renda”, termo este que não

foi claramente explicado pelo legislador, mas que pode ser entendido,

conforme observação de Francisco Loureiro ( 2004, p. 95):

[...] como a camada da população sem condições econômicas de adquirir, por negócio oneroso, um imóvel de moradia. Caberá ao juiz, a quem se conferiu razoável dose de discrição, examinar caso a caso se os requerentes encaixam-se no conceito de “baixa renda” usado pelo legislador;

c) ocupação da área para fins de moradia, ou seja, a garantia fundamental

do direito à moradia. Não obstante, Daniel Lobo Olimpio advoga em seu

artigo, intitulado “Usucapião Coletivo”, que:

[...] a existência de imóveis com destinação mista, residencial e comercial, ou, até mesmo somente comercial, não deve ser empecilho para a incidência da usucapião coletivo, uma vez que os núcleos habitacionais ou favelas formam um todo orgânico, tratado como uma unidade pelo legislador, de tal modo que excluir poucos imóveis comerciais, abrindo retalhos na gleba, pode significar, em certos casos, a inviabilidade da urbanização futura. Em havendo essas hipóteses (alguns poucos imóveis não residenciais), desde que não desfigure o todo, pode-se aplicar o princípio da razoabilidade e a vocação eminentemente residencial da área, vista como uma unidade.16;

d) prazo mínimo de cinco anos de ocupação da área total, ou seja, o

mesmo prazo previsto pelo artigo 183 da CF/88. Esse período pode ser

computado a partir da vigência da Carta Magna, e não somente o

período de posse posterior à vigência do Estatuto da Cidade;

e) posse sem oposição, caracterizando a posse pacífica;

f) posse da respectiva área de forma ininterrupta, ou seja, desde que seja

contínua, admitindo, ainda, a soma de posses, nos moldes do § 1° do

artigo em questão;

g) impossibilidade de identificar os terrenos ocupados individualmente por

cada possuidor. Nesse ponto, Loureiro (2004, p. 96) salienta que “a

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expressão deve ser interpretada pelo critério teleológico e com certa

largueza, evitando-se a interpretação literal.” Dessa forma, remetendo

ao exemplo das favelas, esse autor conclui que, “nos aludidos núcleos

habitacionais não há propriamente terrenos identificados, mas sim

espaços que não seriam passíveis de regularização pela via do

usucapião individual”(2004, p. 97);

h) possuidores não proprietários de outro imóvel urbano ou rural, requisito

este que pode auxiliar na constatação da baixa renda da população,

tendo em vista as dificuldades de se adquirir a casa própria, assim como

a onerosidade dos aluguéis, na contemporaneidade.

Vistos os requisitos exigidos para usucapião especial coletiva de imóvel

urbano, passaremos ao exame dos parágrafos do artigo 10 e dos demais

dispositivos relativos ao instituto, presentes na Lei n. 10.257/2001.

2.2.2.1 Parágrafo 1° do artigo 10 e a accessio possessionis

Segundo consta no § 1° do artigo 10, “o possuidor pode, para o fim de

contar o prazo exigido por este artigo, acrescentar sua posse à de seu

antecessor, contanto que ambas sejam contínuas”.

Nesse caso, trata-se de accessio possessionis, sendo que a norma aqui

contida se refere, tão-somente, ao possuidor, “sem fazer qualquer outra

distinção, ou seja, sem distinguir entre sucessor a título universal e sucessor a

título singular”. (SALLES, 2006, p. 323) A esse respeito, Moraes Salles (op. cit.,

p. 323) , completa argumentando:

Parece-nos, portanto, que a norma em referência se aplica tanto a um quanto ao outro. Basta, portanto, que as posses do antecessor e do sucessor sejam ininterruptas (contínuas) e sem oposição (pacíficas), para que uma possa se acrescentar à outra. Isto se justifica, provavelmente, pelo fato de ser muito flutuante a população das favelas, com os moradores vendendo seus barracos a outros, com grande freqüência. Justifica-se, também, por serem bastante

16 OLIMPIO, Daniel Lobo. Usucapião Coletivo. Artigo publicado em www.jfrn.gov.br/doutrina/doutrina218.doc, acesso em 23/03/2007.

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diferentes as situações fáticas que dão origem à usucapião especial urbana individual, de um lado, e à usucapião especial urbana coletiva, de outro.

Francisco Loureiro (2004, p. 99), mantendo a linha de pensamento do

autor acima, evidencia que:

[...] ao contrário do que ocorre no usucapião individual, aqui admite o legislador (§ 1º, do artigo 10) – com generosidade – a soma das posses, tanto pela accessio como pela successio possessionis, bastando que ambas sejam contínuas e cumpram os demais requisitos do usucapião coletiva. Note-se a diferença de tratamento dado às situações de usucapião individual e coletivo. Há nítida preferência pelo coletivo, mediante estímulos e abrandamento dos requisitos, mediante atividade impulsionadora, numa autêntica função promocional do direito.

2.2.2.2 Parágrafo 2° do artigo 10 e a sentença judicial

Da leitura do § 2°, extrai-se que o reconhecimento da usucapião especial

coletiva de imóvel urbano será declarado pelo juiz, mediante sentença, e que

atuará como título para registro no cartório de registro de imóveis competente.

De acordo com os ensinamentos de Moraes Salles (2006, p. 324),

corrobora-se a idéia de que:

O dispositivo em apreço só reforça o axioma de que a sentença proferida em ações de usucapião é meramente declaratória de um direito preexistente, o qual se consubstancia no momento em que o usucapiente preenche todos os requisitos previstos em lei para a aquisição por usucapião.

Entretanto, é a partir da sentença que se dará a determinação da fração

ideal de terreno para cada possuidor, bem como a regulamentação do

condomínio, conforme dispõem os parágrafos subseqüentes do artigo 10 do

Estatuto da Cidade.

Dessa forma, evidencia-se a dupla natureza da sentença, ou seja, ela é

tanto declaratória como constitutiva, pois reconhece a existência de usucapião

coletivo, atribuindo a cada possuidor, em regra, igual fração ideal do terreno,

independentemente da dimensão da área que esse possuidor ocupe, salvo se

existir acordo escrito entre os condôminos estabelecendo frações ideais

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diferenciadas, caso em que o juiz deverá observá-lo na própria sentença, e por

isso pode ser considerada declaratória. Outrossim, é constitutiva, porque na

própria sentença o juiz determina a constituição do condomínio entre os co-

possuidores.

2.2.2.3 Parágrafo 3° do artigo 10 e a atribuição de frações ideais de

terreno

O § 3° do artigo 10 do EC determina o seguinte:

Na sentença, o juiz atribuirá igual fração ideal de terreno a cada possuidor, independentemente da dimensão do terreno que cada um ocupe, salvo hipótese de acordo escrito entre os condôminos, estabelecendo frações ideais diferenciadas.

Tendo em vista a previsão contida no caput do referido artigo, em

relação às áreas urbanas com mais de duzentos e cinqüenta metros

quadrados, suscetíveis de serem usucapidas de forma coletiva, a razão desse

parágrafo reside no fato de que não seja possível identificar os terrenos

ocupados por cada possuidor. Mais uma vez, merecem ênfase as

considerações tecidas por José Carlos Moraes Salles (2006, p. 325) a respeito

do tema, ao acrescentar o seguinte:

Todavia, ressalva o dispositivo em análise que, havendo acordo escrito entre os condôminos, as frações ideais poderão ser diferenciadas. A lei não estabelece forma especial para este acordo nem diz como deve ser acertado entre os interessados. Tratando-se de acordo, entendemos que bastará a existência de um único discordante entre os condôminos, para que o mesmo não se efetue, pois o diploma legal estabelece que as frações ideais serão iguais, só deixando de sê-lo se houver acordo a respeito. E a esse acerto ninguém estará obrigado.

Cabe, nesse tocante, a reflexão quanto à dificuldade de se estabelecer

tais frações ideais de terreno, tanto pelo magistrado, quanto pela comunidade,

ainda que organizada em condomínio. Primeiro, em função do tempo que

demandaria, por exemplo, nas análises geográficas e topográficas; depois

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porque, em se tratando de unanimidade nas decisões de grupo, há que se

levar em conta a presença de muitas divergências e controvérsias.

2.2.2.4 Parágrafo 4° e 5°do artigo 10 e o condomínio especial

Nos termos do § 4° do artigo 10, tem-se que:

[...] o condomínio especial constituído é indivisível, não sendo passível de extinção, salvo deliberação favorável tomada por, no mínimo, dois terços dos condôminos, no caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio.

É nesse contexto que se vislumbram as palavras de Francisco Loureiro

(2004, p. 107), ao demonstrar que:

Não se trata, como é óbvio, da figura do “condomínio especial” da Lei n° 4.591/64, porque não se cogita de unidades autônomas atreladas à fração ideal do terreno. Não cabe ao juiz, na sentença, a instituição do condomínio especial de casas do artigo 8° da Lei n° 4.591/64, sem prévia urbanização da gleba. Tal solução somente será viável se, no curso da demanda, constatar-se que já contém a gleba todos os requisitos necessários à urbanização e que as acessões estão perfeitamente individualizadas, passíveis de descrição como unidades autônomas.

Sílvio de Salvo Venosa (2006, p. 212), por sua vez, lembra bem ao

postular que “se o condomínio representa por si só uma causa permanente de

desentendimentos, podem-se prever maiores problemas em um condomínio

que se origina dessa forma”. Complementando, Benedito Silvério Ribeiro aduz

que:

[...] é sabido e consabido ser no condomínio que ocorrem as maiores divergências entre consócios, sendo fonte de desavenças, ainda mais entre pessoas de nível cultural baixo. Assim, dependendo o condomínio de quorum especial, para que se viabilize urbanização da área objeto de usucapião (§4. do art. 10 do Estatuto da Cidade), pode ocorrer que não se chegue a isso, como no caso de favela controlada por quadrilha de traficantes de drogas, em que não se queira abertura

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de ruas, preferindo-se caminhos tortuosos que impeçam a livre passagem da polícia.17

Contudo, esse condomínio especial constituído entre os moradores tem

as seguintes características, no entendimento de Diliani Mendes Ramos:

a) Igualdade de frações, quer dizer, cada possuidor tem fração ideal da área urbana que foi objeto da ação de usucapião, salvo acordo escrito, feito antes da inserção da carta de sentença no registro imobiliário, que estabeleça quotas diversas; b) Indistinção das frações ideais. Assim, não há que se falar em áreas comuns e autônomas; c) Indivisibilidade. Dessa forma, salvo deliberação favorável de dois terços dos condôminos, em caso de execução de urbanização posterior à constituição do condomínio, não podem os condôminos dividir a área usucapida entre si; d) Validade das decisões por maioria dos presentes; e) Vinculação dos discordantes ou ausentes (as decisões da maioria dos presentes vinculam os discordantes e os ausentes).18

Diante da determinação do artigo 5º de que “as deliberações relativas à

administração do condomínio especial serão tomadas por maioria de votos dos

condôminos presentes, obrigando também os demais, discordantes ou

ausentes”, destaque-se que, apesar de estabelecer esse condomínio especial,

o Estatuto da Cidade não definiu as regras que devem vigorar quanto à sua

administração, entendendo a doutrina que, ante o silêncio da lei, por analogia,

deve-se operar o regime jurídico do condomínio em edificações, ou seja,

aplica-se o regime semelhante ao da Lei n° 4.591/64, que dispõe sobre o

condomínio em edificações e incorporações imobiliárias, vinculando todos os

condôminos à deliberação da maioria, inclusive os discordantes e os ausentes,

visando disciplinar o uso das áreas de ocupação comum, assim como os temas

de interesse da coletividade.

Nesse passo, coloca-se a dificuldade ou mesmo a impossibilidade de se

reunir centenas ou mesmo milhares de condôminos para deliberarem sobre a

administração do condomínio especial. Consoante, Moraes Salles (2006, p.

327) enfatiza que:

17 RIBEIRO, Benedito Silvério. Críticas à usucapião urbana coletiva. Artigo extraído do Boletim Eletrônico

do IRIB nº. 584 de 05/12/2002. Disponível em: http://www.controlm.com.br/artigos/020.asp. Acesso em:

23/03/07 18 RAMOS, Diliani Mendes. Principais inovações introduzidas pelo Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) na ação de usucapião especial urbano . Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 331, 3 jun. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5289>. Acesso em: 23/03/2007.

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Conhecendo-se – como se conhece – o nível cultural das populações de baixa renda, num País em que, desgraçadamente, o número de analfabetos ou de semi-analfabetos é elevadíssimo, será fácil avaliar como serão conduzidas essas assembléias, com toda a certeza presididas por aproveitadores e oportunistas e em detrimento da grande maioria dos condôminos. E mais: como não se exigiu que as deliberações fossem tomadas por maioria absoluta, pequenas e eventuais maiorias simples dos condôminos presentes poderão decidir os destinos da maioria ausente!

Ante essa atmosfera de irrealidade e de lacunas deixadas pelo legislador

é que o Estatuto da Cidade suscita tantas críticas e dúvidas quanto a sua

aplicabilidade e efetividade.

2.2.3 O artigo 11 do Estatuto da Cidade

Cuida o artigo 11 que “na pendência da ação de usucapião especial

urbana, ficarão sobrestadas quaisquer outras ações, petitórias ou

possessórias, que venham a ser propostas relativamente ao imóvel

usucapiendo”.

Sobre o assunto, o magistrado Gilberto Schafer (2004, p. 128) esclarece

que:

[...] segundo a dicção do artigo ele se refere às ações futuras, conforme se extrai do verbo “venham” e não as atuais ações petitórias ou possessórias, que já estão propostas que deverão ser reunidas para evitar julgamentos conflitantes. Nesse caso melhor reunir as ações, como se vem fazendo, julgá-las conjuntamente, tendo em vista a prejudicialidade e a comunhão de provas. 19

Por seu turno, o já citado Francisco Loureiro (2004, p. 106-107) assinala

o seguinte:

Guarda o preceito certa semelhança com o art. 923 do Código de Processo Civil. Não é feliz o dispositivo que pode dar margem a abuso de direito, impedindo, por tempo indeterminado, eventual retomada do prédio pelo proprietário. A pretexto de separar o petitório

19 SCHAFER, Gilberto. Usucapião Especial Urbana: Da constituição ao Estatuto da Cidade in ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto Da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p. 128.

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do possessório, de modo paradoxal o legislador subordina um ao outro, criando um atrelamento inconveniente. Melhor seria que se omitisse a respeito do tema, ficando a critério do juiz a suspensão de um dos feitos, quando houver o risco de sentenças contraditórias.

A matéria, no entanto, está longe de ser pacífica tanto na doutrina como

na jurisprudência. Melhor seria, na compreensão de Moraes Salles (2006, p.

331), que o artigo 11 da Lei n° 10.257/2001:

[...] houvesse determinado, ao invés do sobrestamento das ações petitórias e possessórias na pendência de ação de usucapião especial urbana, a reunião e processamento conjunto dos processos em apreço, evitando-se, assim, decisões contraditórias.

2.2.4 O artigo 12 do Estatuto da Cidade – Legitimidade para agir

O artigo 12 da Lei n° 10.257/2001 dispôs sobre o rol de legítimos ativos

para fins de ajuizamento de ações de usucapião especial urbano, preceituando

da seguinte forma:

Art. 12. São partes legítimas para a propositura da ação de usucapião especial urbana:

I – o possuidor, isoladamente ou em litisconsórcio originário ou superveniente;

II – os possuidores, em estado de composse;

III – como substituto processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada pelos representados.

§ 1o Na ação de usucapião especial urbana é obrigatória a intervenção do Ministério Público.

§ 2o O autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive perante o cartório de registro de imóveis.

Primeiramente, há que se ressaltar que o dispositivo regulado pelo artigo

12 se aplica tanto à usucapião especial urbana individual, prevista no artigo 9°,

quanto à usucapião especial urbana coletiva, inscrita no artigo 10.

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Jacqueline Severo da Silva (2004), em seu artigo “A Usucapião Especial

Urbana – Legitimação Ativa”, aponta a visão de que:

O ordenamento inovou, trazendo a possibilidade de ajuizamento de ações em litisconsórcio necessário e em litisconsórcio comum ativo facultativo, cabendo, então, analisar, em que casos se recomendam ações coletivas de usucapião e em que situações a via litisconsorcial ativa facultativa.20

Vale citar que o litisconsórcio está regulado pelos artigos 4621 a 49 do

Código de Processo Civil; entretanto, não cabe para o propósito deste trabalho

o exame minucioso desse dispositivo.

Somente para ilustrar a questão, Moraes Salles (2006, p. 331-332)

discorre que:

[...] a formação de litisconsórcio ativo verificar-se-á, entretanto, com muito maior freqüência, nos casos de usucapião especial urbana coletiva, fundados no artigo 10 do Estatuto da Cidade. Nesse caso, o litisconsórcio poderá ser originário ou superveniente, nos termos do inciso I do art. 12 do citado Estatuto.

O mesmo autor complementa que:

[...] muito embora seja recomendável que a propositura da ação de usucapião especial urbana coletiva seja feita, em litisconsórcio, por todos os possuidores de área nas condições previstas no art. 10 do Estatuto da Cidade, esse litisconsórcio será facultativo e não necessário. Não percamos de vista que nem sempre será possível obter a anuência de centenas ou de talvez milhares de possuidores para a propositura dessa ação em litisconsórcio, sendo lícito a um único interessado intentar a referida ação, decorrendo essa legitimação do disposto na primeira parte do inc. I do art. 12, ou seja, da expressão ‘o possuidor, isoladamente’. (SALLES, 2006, p. 335)

Em contrapartida, Celso Augusto Coccaro Filho argumenta o seguinte:

20 SILVA, Jacqueline Severo da. A usucapião Especial Urbana – Legitimação Ativa in ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto Da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p.132. 21 Art. 46 - Duas ou mais pessoas podem litigar, no mesmo processo, em conjunto, ativa ou passivamente, quando: I - entre elas houver comunhão de direitos ou de obrigações relativamente à lide; II - os direitos ou as obrigações derivarem do mesmo fundamento de fato ou de direito; III - entre as causas houver conexão pelo objeto ou pela causa de pedir; IV - ocorrer afinidade de questões por um ponto comum de fato ou de direito. Parágrafo único - O juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa. O pedido de limitação interrompe o prazo para resposta, que recomeça da intimação da decisão.

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A menção aos "possuidores, em estado de composse", do inc. II, também confronta o litisconsórcio mencionado no inc. I, que é facultativo e não unitário (no pólo processual ativo).

O inc. II do art. 12, ao prever a legitimidade dos "possuidores, em estado de composse", leva a crer que há litisconsórcio necessário e unitário, decorrente do estado de indivisão e concomitância de direitos que qualifica a figura jurídica. Todos os integrantes da comunidade, aptos a se beneficiar da sentença, deverão integrar o pólo processual ativo, apresentando-se como compossuidores. O estado de composse deverá, evidentemente, ser demonstrado, e, também de forma evidente, tal prova não é documental.22

Validamente, nas hipóteses dos incisos I e II do artigo em questão, o

sujeito comparece em juízo objetivando o reconhecimento da prescrição

aquisitiva do ponto de vista individual, ainda que o faça de forma conjunta. Por

seu turno, o inciso III do referido artigo, dispõe que é parte legítima para

ajuizamento da ação de usucapião especial urbana coletiva, como substituto

processual, a associação de moradores da comunidade, regularmente

constituída, com personalidade jurídica, desde que explicitamente autorizada

pelos representados, evidenciando-se, dessa forma, no âmbito processual,

uma preocupação com os interesses supraindividuais envolvidos na demanda.

No que se refere à divergência processualista e jurisprudencial quanto à

confusão do legislador no emprego dos conceitos de substituição processual e

representação, dispostos respectivamente no artigo 6° do CPC e no artigo 5°,

inciso XXI da CF de 1988, colaciona-se o entendimento de Moraes Salles

(2006, p. 337), ao dizer que:

Filiamo-nos à opinião de Fabio Caldas de Araújo, que, como vimos, se assenta na jurisprudência hoje pacificada, de modo que, para nós, o inc. III do art. 12 do Estatuto da Cidade consubstancia hipótese de representação e não de substituição processual, apesar de aludir à figura do substituto processual.

Assim, para que a associação de moradores da comunidade, na

qualidade de “substituto processual” (entenda-se representante), tenha

legitimidade para propor a ação de usucapião especial urbana coletiva, faz-se

22COCCARO FILHO, Celso Augusto. Usucapião especial de imóvel urbano: instrumento da política urbana. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 437, 17 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5709>. Acesso em: 25/03/2007

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necessária deliberação em assembléia regularmente convocada para tal fim e

desde que respeitadas as disposições contidas no estatuto social da entidade.

Nesse cenário, merece ainda ressalva a possibilidade da utilização de

Ação Civil Pública, uma vez que admite legitimidade do tipo concorrente e

disjuntiva, prevista no artigo 5° da Lei 7.347/85, haja vista que o

desenvolvimento urbano e o direito à moradia são interesses metaindividuais,

seja difuso, coletivo ou individual homogêneo. Concernente ao assunto, Ibraim

Rocha posiciona-se da seguinte forma:

Evidente que facilitar ou diminuir a possibilidade de legitimidade extraordinária está no âmbito de discricionariedade de legislador, mas considerando a natureza destes interesses, notadamente sociais, bem como o flagrante interesse que teria a administração pública em ajuizar este tipo de ação, em áreas de ocupação consolidada, retirando-lhe o pesado ônus de eventualmente se ver obrigada a desapropriar áreas para regularização de assentamentos urbanos, ou difusão de instrumentos e equipamentos sociais, poderia o legislador ter deferido um espectro de legitimidade mais ampla, legitimando entes da administração pública e o Ministério Público.23

Em tempo, adverte-se que o § 1° do artigo 12 preceitua a

obrigatoriedade de intervenção do Ministério Público, na ação de usucapião

especial urbana, sendo que esse preceito guarda em seu conteúdo

semelhança com a disposição inscrita no artigo 944 do CPC, da qual se

depreende que o Ministério Público age como fiscal da lei, na ação de

usucapião, intervindo obrigatoriamente e devendo ser intimado para todos os

atos do processo. 24

Por último, o § 2° do artigo 12 do Estatuto da Cidade, determina que: “O

autor terá os benefícios da justiça e da assistência judiciária gratuita, inclusive

perante o cartório de registro de imóveis.”

A assistência gratuita é garantia constitucional, conforme anuncia o

artigo 5° LXXIV da CF/88, ao dispor que “o Estado prestará assistência jurídica

integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.” Tal

dispositivo encontra, ainda, respaldo no artigo 6° da Lei n° 6969/81, sendo que

23 ROCHA, Ibraim José das Mercês. Ação de usucapião especial urbano coletivo. Lei nº 10.257/2001 (Estatuto da Cidade): enfoque sobre as condições da ação e a tutela. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 52, nov. 2001. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=2406>. Acesso em: 25/03/2007. 24 Vide artigo 83, inciso I do CPC.

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no caso da usucapião especial urbana, a assistência deverá ser concedida

caso o autor da ação afirme a impossibilidade de arcar com as custas e demais

despesas do processo, a exemplo dos honorários advocatícios, por intermédio

da declaração de que trata o art. 4.º da Lei n. 1.060/50 (com a redação que lhe

foi conferida pela Lei 7.510/86).

2.2.5 O artigo 13 do Estatuto da Cidade – matéria de defesa

O artigo 13 da Lei n. 10.257/2001 preceitua que “A usucapião especial de

imóvel urbano poderá ser invocada como matéria de defesa, valendo a

sentença que a reconhecer como título para registro no cartório de registro de

imóveis.”

Convém destacar as palavras de Gilberto Schäfer (2004, p. 127-125), ao

postular que:

A argüição de usucapião como defesa em ações reais sempre foi admitida sem qualquer restrição. Alegada em defesa, a sentença que a reconhecia se limitava a declarar que o réu tem direito a ela, mas não lhe servia de título para a transcrição no registro imobiliário. A transcrição era buscada através da ação adequada para possibilitar a intervenção da União, do Estado e do Município ou por terceiros, citando-se inclusive a pessoa que movera a ação anterior.

De acordo com a Súmula 237 do STF, é pacífica a possibilidade de

invocação de usucapião como defesa do prescribente, ou seja, pode haver

alegação da usucapião especial em contestação. Porém, embora a sentença

de improcedência reconheça a consumação da prescrição aquisitiva, isso não

quer dizer que esta seja hábil para ensejar o registro da aquisição, segundo

pode-se depreender do julgado da 3ª Turma do STJ:

Dúvida não há sobre a possibilidade da argüição de usucapião como matéria de defesa. Todavia, nesse caso, o Magistrado, acolhendo a argüição da defesa, não pode emitir julgado declarando a aquisição do domínio, mas, apenas, julgar improcedente o pedido de reivindicação. (STJ, 3ª T., Resp n. 139.126/PE, DJU de 21.9.1998, RSTJ 116/221).

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Todavia, algumas doutrinas, como a de Moraes Salles e Celso Coccarco,

bem como decisões jurisprudenciais, dentre elas, alguns julgados da Terceira

Turma do STJ, diferentes do referido acima, assinalam que a usucapião

especial urbano, tanto individual quanto coletivo, recebem o mesmo tratamento

que a Lei n. 6.969/81, no seu art. 7º, que dispõe sobre a usucapião pro labore,

determinando que "a usucapião poderá ser invocada como matéria de defesa,

valendo a sentença que a reconhecer como título para transcrição no registro

de imóveis". Nessa esteira, o artigo 13 reproduz a regra; assim, a sentença que

reconhecer a usucapião afirmada em defesa é título hábil para registro no

cartório de registro de imóveis. Fato é que, apesar de ser pacífica a

admissibilidade da usucapião como matéria de defesa, o mesmo não vale para

a possibilidade de registro da sentença que reconhece a usucapião especial

em defesa.

2.2.6 O artigo 14 do Estatuto da Cidade e a previsão do Rito Sumário

Segundo o artigo 14 do Estatuto da Cidade, “na ação judicial de usucapião

especial de imóvel urbano, o rito processual a ser observado é o sumário.”

Esse artigo é cumulado com o artigo 275 do Código de Processo Civil, uma vez

que o procedimento sumário se encontra regulado nos artigos 275 a 281 do

CPC. Ressalte-se que, com exceção da usucapião pró-labore, a usucapião

sempre foi considerada uma modalidade com rito especial.

Consoante, Gilberto Schäfer (2004, p. 127-128) pontifica que:

O Estatuto silencia como se dará este procedimento sumário, ao contrário da Lei n° 6.969/81, que no seu artigo 5°, § 2°, esclarece os requisitos e propõe um rito para tal ação. No entanto, a pergunta sobre qual rito aplicar permanece: será o sumário do CPC, o especial do CPC ou sumário da lei da usucapião rural?

A experiência do processo sumário não tem sido das melhores em nosso meio, por isso se possibilitou ao juiz converter o procedimento para ordinário (art. 277 do CPC), especialmente para velar pela ‘rápida solução do litígio’.

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Tendo em vista as dificuldades que poderão advir da ação de usucapião

coletiva, a exemplo da impossibilidade de comparecimento pessoal à audiência

das inúmeras pessoas reunidas no pólo ativo da ação, poderá ocorrer a

conversão do rito sumário para o ordinário, conforme disposições tanto do

parágrafo 4° como do 5° do artigo 277 do CPC. Sob esse aspecto, Celso

Augusto Coccarco Filho expõe o seguinte:

[...] parece-nos provável, porém, que as citações e intimações, pessoais e editalícias, possam prejudicar a realização da audiência inicial no prazo do art. 277 do Código de Processo Civil, mesmo computado em dobro, em função da intimação da Fazenda. É recomendável a conversão de rito, nos termos do § 4.º do art. 277, sendo notório que, em determinadas circunstâncias, o procedimento ordinário se mostra mais célere e menos oneroso.25

Diante do exposto, vimos neste capítulo que, relativamente aos bens

imóveis, existem hoje quatro modalidades de usucapião em nosso

ordenamento jurídico: a usucapião ordinária, a usucapião extraordinária, a

usucapião especial rural ou pro labore e a usucapião especial urbana. Cada

modalidade tem sua previsão legal e características específicas distintas das

demais. Todas têm em comum a necessidade de o requerente se encontrar na

posse pacífica e ininterrupta do imóvel, com animus domini, há um determinado

intervalo de tempo. Ademais, o Estatuto da Cidade tem por escopo

regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal de 1988,

estabelecendo diretrizes da política urbana nacional. Nesse contexto inserem-

se os preceitos da usucapião especial urbana, tanto individual, prevista no

artigo 9°, quanto coletiva, inserida nos artigos 10 a 14 da Lei n. 10.257/2001, os

quais foram analisados em suas principais características no presente trabalho.

25 COCCARO FILHO, Celso Augusto. Usucapião especial de imóvel urbano: instrumento da política urbana. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 437, 17 set. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5709>. Acesso em: 25/03/2007.

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CAPÍTULO 3

APLICABILIDADE DA USUCAPIÃO ESPECIAL COLETIVA URBANA AO CASO CONCRETO DA COMUNIDADE DA VILA

SANTA ROSA

3.1 A participação popular no Estatuto da Cidade e exemplos de aplicação da usucapião especial coletiva urbana.

Há uma grande interrogação sobre o futuro das cidades. O processo de

urbanização crescente, desordenado e defeituoso ao atendimento direto à

população, principalmente em áreas mais carentes de equipamentos públicos,

deixa muitas dúvidas sobre como o poder público, por meio de políticas

publicas, aproximará os cidadãos ao direito à cidade.

É sabido de todos que a legislação urbana, como quaisquer outros

instrumentos jurídicos, quase sempre está defasada em relação à realidade

que quer regular. Diante dessa constatação, torna-se imprescindível uma

cultura de contínuo aperfeiçoamento desses instrumentos, a fim de viabilizar o

planejamento do desenvolvimento das cidades, da distribuição espacial da

população e das atividades econômicas do município no seu território, de modo

a evitar e corrigir as distorções do crescimento urbano e os conseqüentes

efeitos sobre o meio ambiente e a qualidade de vida dos habitantes da cidade.

Nessa seara, o Estatuto da Cidade (Lei Federal n° 10.257, de 10 de

julho de 2001), além de tratar de novos instrumentos jurídicos, tendo em vista

outros já existentes, notabiliza-se por consolidar a noção de função

socioambiental da propriedade e a importância do equilíbrio ambiental das

cidades, por disciplinar e criar mecanismos para a regularização fundiária,

como é o caso do instituto da usucapião especial coletiva urbana, objeto de

análise deste trabalho, e ainda, por ratificar a participação popular na gestão

das cidades, sendo esta uma das inovações mais significativas trazidas pelo

Estatuto da Cidade. Consoante, Marcus Alexsander Dexheimer (2006, p. 161),

acrescenta dizendo:

Também possui o Estatuto da Cidade marcante espírito democrático, exigindo que os governantes construam a política urbana em permanente diálogo com a sociedade, para que o espaço urbano seja

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estruturado para atender a todos e não seja traçado de modo a favorecer unicamente determinados grupos sociais.

Cabe, neste momento, destacar que a participação popular na

formulação e na execução de políticas públicas coloca-se como um dos

elementos fundamentais do Estado Democrático de Direito, ante as relações

sociais, políticas e econômicas por ele estabelecidas na contemporaneidade.

Considerando que o ordenamento jurídico brasileiro é praticamente

resultado dos mecanismos de democracia representativa, e tendo em vista as

dificuldades que esse modelo de representação política encontra para atender

os anseios da sociedade, evidencia-se, na atualidade, a importância de se criar

mecanismos efetivos de participação dos cidadãos. A respeito do tema,

Dexheimer (2006, p. 162-163), aponta a visão de que:

Diante dessa incapacidade resulta um momento de baixa legitimidade vivenciado pela democracia representativa. Daí a necessidade de aperfeiçoar-se o sistema político, criando mecanismos outros de participação política, que transcendam os limites da representação. È a construção da democracia participativa, estabelecendo relações de coexistência e de complementaridade entre participação e representação.

Esse mesmo autor, em outro ponto de sua obra alude que “esta é a

expectativa que se abre com o advento do Estatuto da Cidade: um exemplo

típico de coexistência entre participação e representação.” (DEXHEIMER,

2006, 132)

Assim, tem-se que o advento do Estatuto da Cidade é de suma

importância, não só por prever novas diretrizes para a formulação e execução

da política urbana brasileira, mas também por estabelecer mecanismos e

instrumentos que possibilitem a construção de uma nova realidade urbana nas

cidades do Brasil.

Todavia, esse diploma recebeu e ainda recebe inúmeras críticas, quanto

à possibilidade de sua efetiva aplicação, haja vista as dificuldades em atender

as previsões nele contidas, principalmente no que se refere à adequação por

parte dos Planos Diretores de cada município, sem descuidar da previsão do

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Estatuto, em seu artigo 40, § 4°, no tocante à obrigatoriedade de transparência

e ao amplo debate com a população.

Contudo, o Estatuto da Cidade também trouxe inovações no tocante ao

instituto da usucapião, ao prever a modalidade coletiva, sendo que essa

previsão igualmente enseja discussões acerca de seu alcance e aplicação nos

casos concretos, tendo em vista as polêmicas que residem, por exemplo, na

questão da formação do condomínio especial, previsto por essa modalidade,

conforme se pode observar no item específico do capítulo anterior deste

trabalho.

Por oportuno, destaca-se o exemplo da Associação dos moradores da

Vila Manchete, da cidade de Olinda/PE, a qual obteve sentença favorável de

usucapião coletiva contra a Novolinda Construtora e Incorporadora S/A e que

beneficiou 376 famílias, em uma área de 15.574m² ocupada há 15 anos

aproximadamente, por população de baixa renda.

Verifica-se com essa decisão a utilização inédita do instrumento

previsto pelo Estatuto da Cidade, com o objetivo de cumprir a função social da

propriedade e atender o direito à moradia, ressaltando-se ainda que a

regularização da área seria realizada de modo sustentável, contando com

verba tanto do governo Federal, como do Estadual.

Para ilustrar a questão, destacam-se alguns trechos da sentença

proferida sobre o Processo de n° 2003.008384-4, na data de 31 de maio de

2005, pelo Juiz Élson Zopollaro Machado, da vara da Fazenda Pública:

[...] Assevera que a população da Vila Manchete, a qual representa, ocupa as irregulares artérias há mais de quinze anos, iniciada que foi – a ocupação – nos idos dos anos 80, de forma pacífica e sem oposição de ninguém, não possuindo os moradores ora REPRESENTADOS – CONFORME Relação/Cadastro de Moradores Associados de fls. 36 a 64 qualquer outro bem imóvel, preenchendo, assim, os requisitos do Usucapião Especial. [...] Os associados nominados às fls. 36 a 64 e que constam da Certidão de fls. 161 a 170, demonstram /quantum satis/, quer pela prova documental quer pela testemunhal, que exerceram e exercem a posse sobre a gleba e área individualizadas na inicial, nelas residindo com suas famílias, de forma contínua e pacífica, por todos aqueles anos, não bastassem os precários títulos que alguns exibem, e que não são proprietários de um imóvel, positivando o atendimento de todos os requisitos da usucapião especial constitucional. De outro lado, a alegação da ré de que a posse dos moradores da Vila

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Manchete é ilegítima, ou que provém de atos de raposia, não encontra qualquer respaldo nos autos, sendo pública e notória a existência daquela comunidade naquelas terras desde o ano de 1980, consolidada a Vila, com a precária infra-estrutura que exibe, pela inércia ou aquiescência dos proprietários das glebas. [...] Em suma como asseverou a ilustre Promotoria de Justiça em seu judicioso Parecer: Consolidada esta a compreensão de que a propriedade sem função social não tem o status que antes lhe atribuía, criando o Estado meios de retirar-lhe do meio social quando não cumpra o seu essencial caráter, destinando-a a um fim de utilidade social, criando mecanismos que permitam a inserção da propriedade como utilidade à comunidade. Dentro destes meios é que vem se inserir a presente ação de usucapião coletivo

[...] Neste sentido, nos termos do Art. 12, III, da Lei nº 10.257/01, é que vem a Associação dos Moradores da Vila Manchete, na qualidade de substituto processual, por seu presidente, perseguir em juízo o usucapião coletivo das áreas descritas na exordial e delimitadas nas Plantas de fls. 34 e 35. [...] Com estes fundamentos de fato e de direito, julgo procedente em parte o pedido nestes autos formulado pela ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DA VILA MANCHETE, para declarar apenas o domínio útil dos seus associados, aqueles elencados no Cadastro de fls. 36 a 64 e concomitantemente na Certidão de fls. 161 a 170v, sobre a gleba e área descritas na exordial e delimitada conforme as plantas de fls.34 e 35, atribuindo a cada um deles, como requerido, a fração ideal de 80,00m² (oitenta metros quadrados), destinando o remanescente das áreas aos logradouros públicos, praças, postos de saúde e de segurança, escola, creche, centro comunitário e desportivo e demais obras de infra-estrutura, servindo esta Sentença de título hábil para a transcrição no Registro Geral de Imóveis e para a constituição do Condomínio Especial, acompanhada dos competentes Mandados, como também para se firmar Termo de Aforamento perante Prefeitura Municipal de Olinda/PE.26

Verifica-se, dessa forma, que a modalidade de usucapião especial

coletiva urbana é passível de aplicação aos casos concretos, sendo que a

sentença transitada em julgado do processo acima referido pode ser

considerada uma referência jurisprudencial.

Vale citar, ainda, a experiência de usucapião coletivo em Jaboatão dos

Guararapes, também em Pernambuco e anterior ao caso da Vila Manchete em

Olinda.

A experiência de Jaboatão dos Guararapes, ocorrida no período de

1990 a 1992, também foi inovadora, pois nos dizeres de Isolda Leitão :

26 Sentença Judicial disponível em: http://listas.cidades.gov.br/pipermail/rederegularizacao/2005-October/000108.html. Acesso em: 14 de abril de 2007.

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[...] foi percussora na questão da usucapião especial urbana, de forma que foram necessárias na época, algumas reinterpretações e adaptações à legislação, pois não havia regulamentação a respeito do art. 183 da Constituição Federal.27

O caso de Jaboatão dos Guararapes contou com a efetiva participação

da população e com o expressivo apoio do Poder Público Municipal, com

destaque para o Prefeito da época que criou um amplo programa, denominado

“Programa Nosso Chão”, de regularização fundiária das 52 áreas ocupadas por

população de baixa renda. No tocante às ações judiciais, Isolda Leitão (in:

ALFONSIN; FERNANDES, 2004, p. 153) esclarece o seguinte:

Definiu-se naquela época, que a propositura das ações judiciais de usucapião especial seriam ajuizadas através de ações plúrimas, ou seja, vários autores contra um único proprietário, em grupos de no máximo dez autores para cada proprietário, considerando a situação de contigüidade física da ocupação, tentando-se formar grupos numa mesma quadra. Logo seria uma forma coletivizada de requerimento da usucapião especial, pois desde aquela época, se pretendeu via ações plúrimas fazer constar no pólo ativo da ação diversos possuidores, tratando-se, portanto, de litisconsórcio ativo, sendo que cada um dos requerentes apresentou documentação comprovando a ocupação, bem como o croqui e a descrição do seu respectivo lote, com limites e confrontações.

Deste modo, o pedido de usucapião nesse caso foi fundamentado no

artigo 183 da Constituição Federal de 1988 e no artigo 941 e seguintes do

Código de Processo Civil, o qual foi julgado procedente, e após o trânsito em

julgado da sentença, foram expedidos os mandados necessários e procedidos

os registros no Registro Geral de Imóveis. A autora supracitada, no entanto,

complementa afirmando que, posteriormente, o programa foi paralisado em

função da mudança do governo municipal. Concluindo, a mesma autora

destaca:

É interessante salientar que naquela época já se previu na Lei Municipal n° 114/91 a prestação de assessoria técnico-jurídica nas ações de usucapião plúrimas ou coletivas, com fins de regularização fundiária, o que mostrava a necessidade de uma legislação que tratasse da matéria, o que só veio a ocorrer em 2001 com a promulgação do Estatuto da Cidade (Lei n° 10.257/01), o qual dispõe além da usucapião especial urbana coletiva, sobre diversos instrumentos que vieram facilitar ainda mais a regularização de áreas

27 LEITÃO, Isolda. Uma Experiência de Usucapião Coletivo em Jaboatão dos Guararapes- Pernambuco, in in ALFONSIN, Betânia de Moraes e FERNANDES, Edésio (Orgs.). Direito à moradia e segurança da posse no Estatuto da Cidade: diretrizes, instrumentos e processos de gestão. Belo Horizonte: Fórum, 2004. p.174.

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ocupadas por populações de baixa renda. (LEITÃO in: ALFONSIN; FERNANDES, 2004, p. 175)

Assim, pode-se notar que esses dois exemplos, o primeiro

especificamente tratando da usucapião especial coletiva urbana, e o segundo

versando sobre a previsão constitucional do artigo 183, porém, contemplando a

propositura de forma coletiva, por meio de litisconsórcio ativo, ainda que não

existissem na época as regulamentações que viriam ser definidas pelo Estatuto

da Cidade, demonstram a possibilidade dessa modalidade de usucapião

especial coletiva urbana ser invocada e aplicada às situações fáticas, bem

como ser reconhecida nos tribunais pátrios.

Tecidas essas breves considerações acerca da participação popular,

prevista como diretriz básica no Estatuto da Cidade, e evidenciados esses dois

exemplos de aplicação da usucapião especial coletivo urbana, passemos ao

relato sobre o caso da Comunidade da Vila Santa Rosa e à síntese do

processo judicial interposto contra seus moradores, analisando por fim a

possibilidade de aplicação do instituto da usucapião especial coletiva urbana.

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3.2 Breve contextualização histórica acerca da Comunidade da Vila Santa Rosa e síntese do processo judicial

Segundo Ermínia Maricato (2002, p. 168), “o espaço urbano não é

apenas um mero cenário para as relações sociais, mas uma instância ativa

para a dominação econômica ou ideológica”.

Nesse contexto, insere-se o caso da cidade de Florianópolis, conhecida

por suas belezas naturais, com litoral exuberante, sendo por isso e outros

tantos motivos, igualmente conhecida pelo seu potencial turístico, o qual vem

sendo fomentado pelas políticas governamentais do Estado e do município,

nos últimos anos. Portanto, para quem conhece a cidade de Florianópolis, bem

como a Avenida Beira-Mar, sabe que a área ocupada pela comunidade da Vila

Santa Rosa é uma área supervalorizada, principalmente em termos financeiros

e em função de seu valor imobiliário, haja vista tratar-se de um local

privilegiado com uma das paisagens e localização mais cobiçadas da cidade.

Cumpre lembrar, no entanto, que até a década de oitenta do século

passado, a maior parte da região em questão era apenas mangue. Tal fato

aparece como referência no relato de Dona Hilda28, uma das moradoras da

Comunidade da Vila Santa Rosa, ao lembrar que os caranguejos andavam por

dentro de sua casa.

Para que possamos entender o complexo sócio-político-jurídico em torno

da Comunidade da Vila Santa Rosa, faz-se necessário retrocedermos algumas

décadas, quando o Brasil passava por um período de reabertura política e

acesso democrático, bem como pela elaboração e aprovação das legislações

que passariam a disciplinar a expansão urbana nos municípios.

Ocorre que, em 1975, a empresa Emedaux Engenharia e

Empreendimentos S. A. comprou um terreno de 828 metros quadrados, no

qual, segundo um dos advogados que representam a Comunidade, havia uma

casa do século XVIII e que foi demolida, sendo posteriormente construídos em

seu lugar três blocos de apartamentos. A empresa continuou com um projeto

28 Relato coletado do centro de mídia independente. Disponível em: Disponível em:

http://www.midiaindependente.org/pt/blue/2005/11/337732.shtml. Acesso em: 04 de outubro de 2006.

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de ampliação da área, comprando outros lotes (de mangue) em volta do

terreno.

Em 18 de abril de 1984, A Emedaux Engenharia e Empreendimentos S.

A. firmou termo de constituição de aforamento do terreno da marinha com a

União Federal, sob o n° 0983-05195/82 (anexo 2), adquirindo dessa maneira o

domínio útil de um terreno com dimensão de 5.152,32m², que somado ao

terreno adquirido anteriormente, formava um total de 6.580,38m².

Nesse ponto, cabe chamar a atenção para a conceituação da

transferência de aforamento, que segundo a Secretaria do Patrimônio da

União, “denomina-se transferência de aforamento ou transferência de

obrigações enfitêuticas, a alienação do domínio útil do imóvel da União

submetido ao regime enfitêutico.”29

Sobre o assunto, Maria Helena Diniz (2002, p. 331) comenta que:

[...] a enfiteuse pode ter objeto terrenos de marinha e acrescidos; como esses bens são da União, constituindo bens públicos dominiais, seu aforamento é regido por lei especial. [...]

No caso em questão, o termo de Constituição de aforamento foi

celebrado sob a égide do Decreto-Lei n° 9.760 de 1946, que tratava da

utilização dos bens imóveis da União, com capítulo específico sobre o

aforamento.

Ainda, na década de 1980, a empresa supramencionada ofereceu o

terreno aforado localizado na Avenida Beira-Mar Norte, em garantia para a

construção do prédio da Justiça Federal de Santa Catarina, que situa-se à rua

Arcipreste Paiva, no centro da cidade de Florianópolis. Entretanto, a empresa,

em uma determinada etapa do empreendimento, acabou por decretar falência,

sendo a concretização da construção realizada pela empresa Cecomtur.

Por conseguinte, em 1987, o Banco Meridional adquiriu a posse do

terreno de marinha, transferida pela empresa. Posteriormente, em face de um

29 LEITE, Maria José Vilalva Barros. Transferências de Aforamento, de direitos sobre benfeitorias e de direitos relativos à ocupação de imóveis da União e benfeitorias existentes. P.2. Disponível em http://www.spu.planejamento.gov.br/arquivos_down/spu/orientacao_normativa/ON_gearp_001_Transferencia_aforamento.PDF. Acesso em: 26 de outubro de 2006.

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processo de falência, esse banco foi incorporado pelo Banco Santander,

passando-se a designar como Banco Santander Meridional S.A.

Todavia, insere-se nesse contexto que esse terreno de marinha foi

ocupado a partir da década de 1980 por pessoas de baixa renda, vindas de

diversas regiões do Estado de Santa Catarina, em busca de melhores

condições de vida, como oportunidades de emprego, assistência médica e

educação para seus filhos. Sobre este fato desencadeado a partir das décadas

de setenta e oitenta do século passado, em Florianópolis, Etienne Luiz Silva

(In: TEIXEIRA; SILVA, 1999, p. 87) aponta o seguinte:

Com o crescimento das migrações rurais, inevitáveis no atual contexto fundiário catarinense-nacional, agravado ainda pelo desemprego decorrente da globalização e de quadros recessivos, ampliou-se a ocupação de mangues, dunas, áreas inundáveis e encostas tanto no continente quanto na Ilha.

Dessa forma, uma vez ocupados os terrenos, os moradores edificaram

suas casas, muitas, inclusive constituídas na forma de “barracos”, e o poder

público, com o tempo, passou a regularmente cobrar impostos dos moradores,

como IPTU, contas de água e de luz. Saliente-se, ainda, que grande parte dos

moradores construíram suas casas com financiamento oficial da Caixa

Econômica Federal, conforme se pode depreender a partir dos relatos dos

moradores.

Assim é que surge a Comunidade da Vila Santa Rosa, situando-se à

direita da Avenida Beira-Mar Norte, para quem vem do centro da cidade,

localizando-se entre a Ordem dos Advogados do Brasil e o Clube Novo

Horizonte, conforme se pode observar pelo mapa político anexado (anexo1).

Próximos à região, ainda se situam o prédio da Polícia Federal, o Colégio

Geração, o supermercado Angeloni e o restaurante Ataliba.

Porém, em 1993, o Banco Meridional ingressou com o Processo Judicial

de n° 023.94.013479-0, com pedido de reintegração de posse contra vinte

famílias da Comunidade, sendo a decisão favorável ao Banco, em 1997. Os

advogados dos/as moradores/as da Vila Santa Rosa apelaram no Tribunal de

Justiça e, após a negação deste, tentaram uma nova apelação no Superior

Tribunal de Justiça, obtendo nova resposta negativa, sendo que, no dia 24 de

março de 2004, a sentença de primeiro grau transitou em julgado.

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A partir da análise do Processo Judicial, pode-se extrair do despacho

publicado em 8 de abril de 2005, o seguinte:

Trata-se de Ação de Reintegração de Posse proposta pelo Banco Meridional do Brasil contra vários réus já nos idos de 1993, sendo a presente julgada procedente em 10/06/1997, conforme sentença de fls. 210/211. Os réus apelaram e o recurso foi negado pelo e. Tribunal de Justiça de Santa Catarina em 20/03/2003 (fls. 287/297), momento em que novamente recorreram, sendo inadmitido o recurso pelo TJSC, conforme decisão da Vice-Presidência de fls. 340/341, datada de 16/06/2003. Os réus ainda ingressaram com Agravo Regimental junto ao Superior Tribunal de Justiça, visando o exame do Recurso Especial impetrado, porém tal recurso também foi negado pela Superior Instância, transitando em julgado a decisão de primeiro grau em 24/03/2004 (certidão de fls. 673.)30

Tem-se que a partir de 1994, travou-se uma verdadeira batalha judicial,

marcada por inúmeros impasses, além de manifestações por parte da

Comunidade, esta contando com apoio de grupos solidários à causa da

habitação, bem como da União Florianopolitana de Entidades Comunitárias –

Ufeco, do Fórum da Cidade, e intervenções por parte, principalmente, da

Câmara de Vereadores do município de Florianópolis.

De qualquer maneira, o Banco Meridional Santander S. A. via-se no seu

direito de pleitear a causa. No curso do processo a Construtora Tarumã

ingressou como assistente litisconsorcial do Banco, em função do contrato

firmado entre essas instituições sobre a promessa de compra e venda do

terreno aforado da marinha, com área de 4.802,60 metros quadrados, pelo

valor de cento e sessenta mil reais, conforme atesta o contrato de

compromisso de compra e venda, firmado em 5 de setembro de 2001 (anexo

3).

Dentre as manifestações realizadas pela Comunidade, ante a eminência

das inúmeras tentativas de cumprimento da sentença que julgou procedente a

reintegração de posse, destacam-se o ato realizado na frente do Banco

Santander, localizado na praça XV, no centro da cidade na data de 23 de junho

de 2004, bem como as vigílias realizadas em frente à entrada da Vila Santa

Rosa e a efetiva participação em diversas plenárias da Câmara Municipal de

Vereadores.

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No que tange às medidas alternativas propostas para solucionar a

problemática envolvendo a Comunidade, tem-se que a Câmara de Vereadores

reuniu-se para votar e aprovar várias leis complementares que favoreceriam a

permanência da Comunidade no local, mediante a adequação no Plano Diretor

da cidade.

Para tanto, os vereadores Márcio de Souza, Marcílio Guilherme Ávila,

Nildomar Freire Santos e Lázaro Daniel propuseram dois projetos na Câmara.

O primeiro, valendo-se de uma prerrogativa do Poder Executivo (já que versava

sobre possíveis gastos do Poder Público Municipal), tratava do Projeto de Lei

Complementar n° 574/2004 (anexo 4), que tinha por finalidade autorizar a

desapropriação do terreno da Vila Santa Rosa, para fins de utilidade pública.

Nesse caso, a Prefeitura deveria pagar uma indenização para os proprietários

e transformar o local numa área de moradia de baixa renda, o que poderia

servir como um forte argumento para influenciar e reverter a decisão final do

processo de reintegração de posse.

Tal Projeto de Lei atendeu de certa forma a demanda da Comunidade da

Vila Santa Rosa, uma vez que obstou por um determinado período a execução

da sentença de reintegração de posse, determinada pelo juízo da 1ª Vara Cível

da Capital, pois segundo o relato do ex-vereador Lázaro Daniel, essa foi uma

das maneiras encontradas pela Câmara de Vereadores no sentido de mediar

junto ao Poder Judiciário em favor das famílias da Comunidade.

Inobstante, o Projeto de Lei Complementar de n° 574/2004, que tinha

por objetivo autorizar a desapropriação, foi posto em caráter de urgência para

votação, porém, não houve consenso entre os vereadores. Assim, depois de

muita discussão, o PLC n° 574/2004 foi aprovado em primeira votação, no dia

15 de junho de 2004, com a adição de uma emenda. Deste modo, o projeto

permitia que a prefeitura desapropriasse o terreno, pagando uma indenização

para os proprietários, sendo que por meio da emenda, a prefeitura poderia

buscar apoio Federal para juntar recursos e realizar a desapropriação, posto

que a prefeitura alegava não ter recursos para pagar a indenização, haja vista

30 Processo n°023.94.013479-0. Disponível em: http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790. Acesso em: 30 de abril de 2007.

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que o preço exigido pelos proprietários era muito elevado, em torno de R$ 5

milhões.

Em relação ao segundo Projeto de Lei Complementar n° 585/2004

(anexo 5), tem-se que este tinha por objetivo alterar o zoneamento de uso e

ocupação do solo, compreendendo a área ocupada não só pelas vinte famílias

em litígio, mas sim a área total da Comunidade da Vila Santa Rosa, ocupada

aproximadamente por cento e cinqüenta famílias, transformando-a em “ARP 0”,

que significa Área Residencial Predominante Zero, ou seja, destinar-se-ia ao

assentamento de população de baixa renda. Dessa forma, estimava-se que o

valor do imóvel seria modificado, o que conseqüentemente diminuiria a quantia

da indenização pleiteada pelos proprietários, gerando, dessa maneira, a

possibilidade de criação de assentamentos para as famílias de baixo poder

aquisitivo, afastando a eminente possibilidade do cumprimento da

determinação de reintegração de posse.

Contudo, no dia 2 de agosto de 2004, na presença de vários membros da

Comunidade da Vila Santa Rosa, a Câmara de Vereadores de Florianópolis

aprovou os dois Projetos de Lei Complementares, que possibilitariam a

permanência da comunidade no terreno em litígio. Ressalte-se que as

propostas contidas em tais projetos revelavam um verdadeiro esforço em

atender ao direito de propriedade no cumprimento de sua função social,

visando, inclusive, à supressão da especulação imobiliária sobre o terreno,

resguardando-se o direito à moradia.

Por oportuno, necessário se faz conferir as palavras do juiz responsável

na época, em despacho datado de 15 de julho de 2004, o qual pronunciou o

seguinte:

Com relação à suspensão do feito, face a informação de que foi proposto projeto de desapropriação da área, é inviável no caso, pois, conforme os próprios documentos, a desapropriação depende de verba federal, a qual não se sabe quando virá (nem se virá), pelo que, não pode a parte ficar a espera de tal providência. Além disso, o feito está na fase de execução mandamental da sentença de reintegração de posse, sendo que o ato de desapropriação poderá ocorrer quando o autor estiver na posse. Assim, indefere-se tal pedido.31

31 Processo n°023.94.013479-0. Disponível em: http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790. Acesso em: 30 de abril de 2007.

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Ademais, em decorrência do falecimento do Sr. Abílio de Souza, um dos

integrantes do pólo passivo do processo, ocorreu a suspensão da execução de

reintegração de posse, pelo prazo de vinte dias. Outrossim, se faz necessário

contemplar as palavras proferidas no despacho supramencionado:

[...] Quanto ao óbito do Sr. Abílio de Souza (fls. 443/444), inobstante os r. argumentos do e. Relator do Agravo de Instrumento, para evitar possível nulidade, suspendo o feito por vinte (20) dias, para habilitação dos herdeiros ou inventariante. Findo o prazo, com ou sem habilitação, seguirá o feito, devendo vir concluso para extinção em relação ao referido réu, no caso de não habilitação. Ressalte-se que a morte ocorreu em 16/04/2004, sendo comunicada ao juízo somente em 15/06/2004, porém, após a morte, nenhuma decisão foi proferida nos autos, ocorrendo somente audiências visando acordar as partes e a forma como executar a decisão de mérito. 32

Ocorre que, em 21 de outubro de 2005, o prefeito em exercício Marcílio

Guilherme Ávila encaminhou para a Câmara de Vereadores o Projeto de Lei

Complementar n° 705/2005 (anexo 7), que definia como zona especial de

interesse social (ZEIS) a área ocupada pela Comunidade da Vila Santa Rosa,

sendo que a demarcação dessa área obedeceu às delimitações da Lei

Complementar CMF n° 080/2004 (Projeto de Lei n° 585/2004), que entrou em

vigor no dia 27 de agosto de 2004.

Tal projeto baseou-se, ainda, na previsão do Estatuto da Cidade, sobre

as Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), estabelecida no artigo 4°, inciso

IV, alínea “f”, da Lei 10.257/2001. Sobre o assunto, Paulo Somlanyi Romeiro e

Patrícia de Menezes Cardoso (2006, p. 60) ensinam que:

[...] A demarcação de ZEIS em áreas ocupadas visa reconhecer o direito dos moradores de áreas ocupadas informalmente por população de baixa renda à regularização fundiária da área demarcada, ou seja, a permanência no local que ocupam. Cumpre ressaltar que a demarcação de ZEIS não é uma ação meramente administrativa que deve considerar apenas as áreas ocupadas informalmente que o Poder Público entende ter condições de intervir no sentido de realização da regularização fundiária, a demarcação de áreas ocupadas por população de baixa renda como ZEIS significa o reconhecimento do direito da população que ocupa a área a regularização fundiária e decorrente permanência no local.

32 Processo n°023.94.013479-0. Disponível em: http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790. Acesso em: 30 de abril de 2007.

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Deste modo, o Poder Público de Florianópolis, por meio do referido

Projeto de Lei, tinha por objetivo garantir a permanência da Comunidade da

Vila Santa Rosa no local, bem como futuramente visava implantar os

equipamentos comunitários e urbanos na área e seu entorno a fim de propiciar

a integração da comunidade e garantir melhores condições de vida, adequando

o zoneamento da área ao Plano Diretor da cidade.

Assim, o Projeto de Lei Complementar n° 705/2005, aprovado como Lei

Complementar n° 229, foi sancionado pelo Prefeito Dário Elias Berger, em 25

de abril de 2006, entrando em vigor na data de 03 de maio de 2006.

Da análise do processo judicial tem-se que, até o ano de 2006, a parte

autora tentou executar o mandado de reintegração de posse inúmeras vezes,

sendo, no entendimento do juiz, obstada pelas mais variadas formas. Para

cada tentativa de cumprimento do mandado, havia a determinação por parte do

magistrado de intervenção das autoridades de segurança pública, ou seja,

reforço policial, antevendo a possível recusa das famílias residentes na

Comunidade. Extrai-se, também, da análise do processo, que o entendimento

do juiz da 1ª Vara Cível sobre as alterações realizadas pela Câmara legislativa

municipal que foram noticiadas nos autos, não tinha condão de impedir a

reintegração, pois, se era aplicável aos ocupantes do local, também poderia ser

aplicada ao autor reintegrado. Nessa seara, colaciona-se outro trecho do

despacho publicado em 8 de abril de 2005:

Infelizmente, com relação aos ocupantes da área, este juízo nada pode fazer senão orientá-los no sentido do cumprimento da ordem judicial, bem assim, que procurem os seus direitos junto aos "vendedores" dos terrenos (evicção) ou ainda, as autoridades públicas competentes para ocupação de outras áreas destinadas para tal. Já foram realizadas audiências (fls. 441/442), neste processo e outras, inclusive no Ministério Público (fls. 504), visando à desocupação da área, porém, nada foi resolvido. A questão não pode ficar indefinidamente sem solução, sob pena da instalada a insegurança jurídica no País, tendo em vista o Estado Democrático de Direito e a independência do Poder Judiciário, além da obrigatoriedade do cumprimento das decisões judiciais, "máxime" quando transitada em julgado, como é o caso. 33

33 Processo n°023.94.013479-0. Disponível em: http://tjsc3.tj.sc.gov.br/cpopg/pcpoSelecaoPG.jsp?cbPesquisa=NUMPROC&dePesquisa=023940134790. Acesso em: 30 de abril de 2007.

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Tem-se ainda, relacionado ao caso da Comunidade e referenciado nos

autos do processo, o fato da criação da servidão Zumbi dos Palmares,

reconhecida pela Lei Municipal CMF n° 1.016, de 3 de maio de 2004 (anexo 8),

promulgada pela Câmara de Vereadores em 4 de junho de 2004. A criação

dessa servidão gerou outro impasse, justamente porque o logradouro localiza-

se na área reinvidicada, e a construtora Tarumã, uma vez reintegrada na

posse, teria que respeitar um recuo legal para construir no local.

Verificou-se, ainda, que no curso do processo foram propostos

embargos de terceiros, os quais não tiveram o condão de suspender a

execução, posto que os recursos interpostos somente tiveram efeito devolutivo.

Há, no entanto, uma ressalva quanto aos embargos propostos pela Sociedade

Recreativa e Cultural Novo Horizonte (autos nº 023.04.058724-2), o qual foi

provido pelo egrégio Tribunal de Justiça do Estado, pois a parte autora do

embargo peticionou requerendo de que parte da área estava indevidamente

incluída na Ação de Reintegração de Posse, haja vista pertencer à

embargante, devendo ser excluída, até exame daqueles embargos, deixando,

segundo os autos, a discussão sobre aquela parte da gleba para data futura, o

que não impediria a reintegração do autor na área remanescente.

Finalmente, após anos de embate entre as partes do processo e após

várias tentativas por parte da Câmara Municipal de Vereadores de interceder

em favor da Comunidade, foi firmado um acordo, em 6 de dezembro de 2005,

no qual os moradores aceitaram uma indenização, no valor de R$ 72.500,00

(setenta e dois mil e quinhentos reais) para cada uma das vinte famílias

moradoras do local a ser pago pelos proprietários do terreno. Em 12 de janeiro

de 2006, o acordo foi homologado por sentença, suspendendo o mandado de

reintegração e o tramite do feito, até execução do acordo.

Entretanto, o cumprimento do acordo ficou condicionado à aprovação

pela Câmara de Vereadores da mudança de zoneamento da Área

Predominante Zero (ARP-0), definida pela Lei CMF 080/2004, para Área

Turística Residencial – asterisco seis (ATR-6*), que permite a construção de

prédios de até 18 andares, sendo que pela CMF 080/2004 só poderiam ser

construídas no local casas de até dois pavimentos.

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A partir disso, em 5 de abril de 2006, o prefeito Dário Berger encaminhou

para a Câmara Municipal o Projeto de Lei Complementar n° 740/2006,

alterando o zoneamento aprovado pelas Leis Complementares n° 001/97 e n°

080/2004, justificando que o objetivo da Lei n° 740/2006 visava ao

cumprimento do estabelecido no acordo datado de 6 de dezembro de 2005,

ajustado entre as partes. Por fim, a Lei Complementar foi aprovada sob o n°

262, de 27 de dezembro de 2006 (anexo 9), alterando parte da Área

Predominante Zero (ARP-0) para Área Mista Central – asterisco três (AMC*-3),

devendo ainda respeitar:

[...] o afastamento frontal mínimo para a via Zumbi dos Palmares para qualquer empreendimento na área localizada entre esta via e a área localizada a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/SC) será de 4,00 (quatro metros) a partir do meio-fio, não se aplicando os §§ 2°, 3° e 6° do art. 52 da Lei Complementar n° 001 de 1997.” (artigo 2° da LC n° 262/2006).

Vale citar, ainda, que o habite-se de qualquer empreendimento na área

ficou condicionado à doação pelo empreendedor, para o município de

Florianópolis, de terreno e respectivo prédio a ser destinado à creche, para

atendimento de no mínimo sessenta crianças, conforme o artigo 3° da Lei.

Destarte, a condição para o cumprimento do acordo foi cumprida, as

vinte famílias desocuparam o local, e suas antigas casas já foram demolidas.

Contextualizado o processo histórico referente à Comunidade da Vila

Santa Rosa e considerando o processo judicial de reintegração de posse

contra vinte famílias que moravam no local, passemos a analisar, ainda que de

forma hipotética, a aplicabilidade do instituto da usucapião especial coletiva

urbana ao caso concreto.

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3.3 Estudo de caso: aplicabilidade do instituto da usucapião especial coletivo urbana ao caso concreto da Comunidade da Vila Santa Rosa

Por todo o exposto no item anterior acerca do litígio envolvendo a

Comunidade da Vila Santa Rosa, tem-se que, na prática, o instituto da

usucapião especial coletiva urbana não se aplica ao caso concreto, uma vez

que as famílias ocupantes do terreno que originalmente era terra de marinha

sofreram oposição a suas posses, por meio de uma ação de reintegração de

posse, que transitou em julgado a favor do autor da ação.

O caso da Comunidade assemelha-se ao exemplo citado na primeira

parte deste capítulo da Associação da Vila Manchete em Olinda/PE, pois como

no caso pernambucano, parte do terreno também era originalmente de terras

de marinha e o proprietário à época da ação judicial também era uma

construtora. No entanto, a Associação da Vila Manchete, não sofreu oposição à

posse, ingressando antes com o pedido de usucapião coletiva urbano,

figurando a construtora como parte ré no processo.

Todavia, analisa-se a aplicação do instituto da usucapião especial

coletiva urbana, em tese, posto que a Comunidade da Vila Santa Rosa, com

exceção ao fato de ter sofrido oposição, preenche os demais requisitos

previstos no artigo 10 do Estatuto da Cidade, estudados no ítem 2.2.2 deste

trabalho.

Logo, se o objeto da usucapião coletiva são as áreas urbanas com mais

de duzentos e cinqüenta metros quadrados, ou seja, não há restrição ao

tamanho mínimo ou máximo de área para cada morador, tem-se que a área

ocupada pela Comunidade da Vila Santa Rosa é igual a 4.802,60 metros

quadrados, sendo de se ressaltar a impossibilidade de identificar os terrenos

ocupados individualmente por cada possuidor, haja vista a forma de ocupação

do terreno e a configuração das casas e “barracos” que existiam no local.

Tendo em vista que o requisito subjetivo que enseja a legitimidade ativa

para propor a ação de usucapião coletiva está circunscrito à ocupação da área

por população de baixa renda, notadamente, vê-se que a Comunidade atende

a esse requisito. Tal situação pode ser comprovada pela observação do perfil

das áreas carentes (anexo 9), elaborado pelo IPUF em 1993, no qual acusa um

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alto índice de precariedade no estado de conservação da Comunidade, bem

como se pode depreender a partir da leitura dos textos das Leis

Complementares que buscavam pôr um fim ao litígio, tendo por base

especificamente a CMF n° 080/2004, a qual alterou o zoneamento da área para

ARP-0, que conforme foi visto, é destinada a assentamento de população de

baixa renda. Sob esse mesmo argumento, atende-se ainda a outro requisito do

instituto da usucapião coletivo, que é o da ocupação da área para fins de

moradia, justamente, porque desde os primórdios da ocupação no local, a

utilização dava-se em virtude da moradia, tanto que em 2004 a área foi

reconhecida como residencial predominantemente para população de baixo

poder aquisitivo.

Por tratarem-se comprovadamente de moradores de baixa renda,

vislumbra-se que os possuidores não eram proprietários de outro imóvel

urbano ou rural, sendo de se ressaltar que, em vários relatos os moradores

alegaram que só conseguiram construir no terreno ocupado graças ao

financiamento pela Caixa Econômica Federal. Salienta-se, neste tocante, o

empenho dos moradores em permanecer na Comunidade em decorrência das

várias tentativas de cumprimento do mandado de reintegração de posse, ante o

temor e a falta de um lugar que pudesse substituir a moradia dessas famílias.

Como vimos em item específico no capítulo anterior, o prazo mínimo de

ocupação da área total é de cinco anos. Note-se que é o mesmo prazo previsto

pelo artigo 183 da CF/88, sendo que a contagem desse prazo pode ser

computada a partir da sua vigência, e não somente o período de posse

posterior à vigência do Estatuto da Cidade.

Da leitura do processo judicial citado neste trabalho, tem-se que a

ocupação do terreno pelos moradores da Comunidade iniciou em meados de

novembro do ano de 1987. O Banco somente ingressou com a ação judicial em

1993, ou seja, passaram-se seis anos da ocupação para que o Banco

oferecesse oposição.

No caso, como a ocupação é anterior a vigência da Constituição Federal

de 1988 e ainda, a propositura da ação antecede a criação do Estatuto da

Cidade, caberia a alegação da modalidade de usucapião especial urbana,

prevista no artigo 183 da CF/88, podendo se cogitar como hipótese o exemplo

de Jaboatão dos Guararapes, que como vimos, ingressou com ação de

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usucapião pro-morare, nos moldes do artigo 183 da CF/88, e propôs ações

plúrimas, na forma de litisconsórcio ativo.

No que se refere à previsão do artigo 12, inciso III, do Estatuto da

Cidade, tem-se que na Comunidade existia uma associação de moradores,

regularmente constituída, a qual poderia ser parte legítima para representar a

coletividade na ação de usucapião coletiva.

Sobre a posse da respectiva área de forma ininterrupta, verifica-se que

as vinte famílias ocupavam o terreno de forma contínua. Contudo, não

tivessem os posseiros sofrido oposição por parte do Banco, restaria

caracterizada a pacificidade da posse.

Portanto, resta-nos concluir que a modalidade de usucapião especial

coletiva urbana não se aplica ao caso concreto dessas vinte famílias da

Comunidade da Vila Santa Rosa, uma vez que estas sofreram oposição a suas

posses por meio da ação de reintegração de posse, interposta pelo Banco

Santander, sendo que, na fase de cumprimento da sentença, integrou o pólo

ativo da ação, junto ao ente financeiro e como assistente litisconsorcial, a

Construtora Tarumã.

Contudo, há que se ressaltar que o mesmo não vale para o restante da

Comunidade, que têm aproximadamente cento e trinta famílias. Estas detêm a

posse de terrenos nessa área considerada predominantemente zero (ARP-0) e

que não sofreram, ainda, nenhum tipo de oposição, restando neste sentido,

investigar a viabilidade da proposição de uma ação de usucapião especial

coletiva urbana.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O momento histórico contemporâneo registra um excesso populacional

nas camadas de baixa renda, tanto em decorrência de elevados índices de

natalidade, quanto em virtude das migrações desenfreadas e inconseqüentes,

e que acabam por engendrar a crise habitacional. Dessa forma, em busca de

melhores oportunidades nos centros urbanos, porém, sem capital para se fixar,

tais camadas populacionais são levadas a ocupar bens de uso comum do

povo, como encostas, mananciais e outras áreas que não permitem habitação

ou não são para tanto adequadas. O caso da Comunidade da Vila Santa Rosa,

não se afasta muito dessa problemática. Como vimos, originalmente, a

população dessa Comunidade ocupou áreas de mangue que começavam a ser

aterradas no processo de urbanização da Avenida Governador Irineu

Bornhausen, também conhecida como Beira-Mar Norte, em Florianópolis. O

terreno, inicialmente, era considerado terras de marinha, que foram aforadas

na década de oitenta do século passado para a empresa Emedaux S. A.

Antes, porém, para que fosse possível delinear o objeto de estudo desta

monografia, foi necessário esclarecer alguns tópicos extremamente relevantes

ao instituto da usucapião.

O primeiro deles foi o instituto da posse, requisito fundamental para a

aquisição do direito de usucapião, sendo este um direito de fato. Deste modo, a

posse foi conceituada, situada historicamente e teve seus principais elementos

constitutivos apresentados neste trabalho. Não foi possível, entretanto, esgotar

todos os conteúdos a respeito da posse, sendo abordadas as matérias que

consideramos mais relevantes ao tema, para dar suporte ao presente trabalho.

Outrossim, foi de extrema relevância o estudo acerca da propriedade,

dada a complexidade que envolve essa matéria, bem como acerca da sua

função social. Cumpre destacar que hoje se pode falar em função

socioambiental da propriedade, em atendimento aos dispositivos contidos no

texto constitucional e à evidência do Estado de Direito do Ambiente.

Salienta-se, igualmente, no tocante ao instituto da propriedade, a

impossibilidade de se abarcar todo o conteúdo a respeito do tema. Assim,

restringimo-nos a conceituá-la e a apresentar sua origem e principais

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características, haja vista que a propriedade se apresenta de várias formas e

aspectos.

Uma vez explicitados os pressupostos básicos para a compreensão do

instituto da usucapião, considerado um dos meios mais utilizados de aquisição

ao direito de propriedade, o presente trabalho dedicou-se ao seu estudo,

ressalvando suas principais características, as modalidades previstas no

ordenamento pátrio e seus respectivos requisitos. Seguiu-se, deste modo, a

análise detalhada da espécie denominada usucapião especial de imóvel

urbana, prevista no Estatuto da Cidade.

Tem-se que os interesses regulados pelo Estatuto da Cidade são de

natureza notadamente social e visam atender a antigo reclamo social por uma

gestão mais democrática do espaço urbano, instrumentalizando, nesse sentido,

o exercício da democracia participativa em coexistência com a democracia

representativa. Dessa forma, pode-se concluir que o legislador, ao

regulamentar o instrumento da política urbana, por meio de ação de usucapião

especial urbana, no Estatuto da Cidade, não se ateve ao disposto no artigo 183

da Constituição Federal de 1988, e sim, inovou ao preceituar a modalidade de

ação de usucapião especial urbana, de forma coletiva.

Note-se que a posse ad usucapionem, nas hipóteses previstas no

Estatuto da Cidade, deve ser qualificada pela sua função socioambiental, que

submete a propriedade que dele deverá decorrer. As mesmas imposições

ditadas pela função social da propriedade devem ser transferidas à posse

capaz de ensejá-la, sendo de se ressaltar que a ocupação nociva do meio

ambiente, evidentemente contrária ao interesse comum, deve excluir da posse,

ainda que presentes os demais pressupostos legais, a aptidão para gerar a

aquisição da propriedade.

Em face do aspecto processual, disposto no Estatuto da Cidade,

constata-se que houve uma mudança relativamente significativa, em relação ao

âmbito do processo civil. As principais modificações processuais foram: a

adoção do procedimento sumário, no lugar do procedimento dos artigos 941 a

945 do CPC; a criação de uma causa de suspensão do processo; o

estabelecimento da gratuidade da justiça com a extensão desta para o registro

da sentença declaratória de usucapião no Registro Imobiliário; a validade da

sentença que reconhecer a usucapião alegada como exceção como título para

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registro no Cartório de Registro de Imóveis; e a ampliação da legitimidade da

ação. Porém, conforme elucidamos neste trabalho, nota-se que, apesar da boa

intenção do legislador em viabilizar a efetivação do direito à moradia, várias

das inovações elencadas pela Lei 10.257/2001 não foram adequadas,

conforme opinião dos doutrinadores pátrios.

No que se refere à natureza da sentença de usucapião coletivo,

evidenciou-se neste trabalho seu caráter duplo, ou seja, ela é tanto

declaratória, quanto constitutiva, pois reconhece a existência de usucapião

coletivo e, na própria sentença, o juiz determina a constituição do condomínio

entre os co-possuidores.

Sobre a admissibilidade da alegação de usucapião como matéria de

defesa, conforme preceito do artigo 13 do Estatuto da Cidade, conclui-se neste

trabalho que, apesar de ser pacífica a admissibilidade da usucapião como

matéria de defesa, o mesmo não vale para a possibilidade de registro em

Cartório Imobiliário da sentença que reconhece a usucapião especial em

defesa.

Contudo, dentre as disposições contidas nos artigos 10 a 14 do Estatuto

da Cidade, interessou para o estudo de caso os pressupostos legais inscritos

no artigo 10 dessa lei. Como vimos, a Comunidade da Vila Santa Rosa atendia,

com exceção ao fato de ter sofrido oposição por parte Banco Santander, os

demais requisitos expressos no artigo 10, que trata da usucapião especial

coletivo urbana, uma vez que a área compreendia mais de mais de duzentos e

cinqüenta metros quadrados, a população era de baixa renda e ocupava o local

para sua moradia há mais de cinco anos, de forma contínua. Além disso, os

terrenos ocupados por cada família não eram individualizados, e os

possuidores não eram proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Todavia, quando houve oposição à posse dos moradores da

Comunidade da Vila Santa Rosa, o Estatuto da Cidade sequer existia no

ordenamento jurídico brasileiro. Caberia, até o momento anterior à ação de

reintegração de posse, interposta em 1993, ingressar com a modalidade de

usucapião especial urbana, prevista no artigo 183 da Constituição Federal,

tendo em vista o atendimento ao prazo mínimo de cinco anos e o fato de as

famílias ainda não terem sofrido a oposição. Mesmo assim, registraram-se

neste trabalho inúmeras tentativas por parte do Poder Público, mais

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especificamente por parte da Câmara de Vereadores do município de

Florianópolis, em interceder a favor desses moradores da Comunidade, que no

final restaram indenizados por suas benfeitorias e tiveram que obedecer à

determinação judicial de desocupar o local e verem suas moradias demolidas.

Conclui-se que, em face das discussões e polêmicas que o Estatuto da

Cidade ainda enseja, bem como do pequeno número de demandas que versem

sobre o tema e da dificuldade de acesso às informações por parte das

populações de baixa renda, o instituto da usucapião especial coletiva urbana

ainda tem uma expressão bastante tímida quanto a sua aplicabilidade aos

casos concretos, restringindo-se no mais das vezes aos trabalhos acadêmicos.

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ANEXOS

Anexo I.............................................. Mapa Político da Comunidade Anexo II ............................................ Termo de Aforamento Anexo III ............................................ Contrato de Compra e Venda Anexo IV............................................ Lei n° 574/2004 Anexo V ............................................ CMF 080/2004 Anexo VI ........................................... LC nº 229/2006 Anexo VII .......................................... LC n° 1016/2004 Anexo VIII ......................................... LC nº 262/2006 Anexo IX ........................................... Perfil das Áreas Carentes Anexo X ............................................ Escritura Pública