Dialogos entre Arte e Público_vol01_2008

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Publicação de 2008 com artigos, ensaios, entrevistas e relatos de experiências sobre a Educação em Museus. Nesse primeiro volume o tema principal são os diálogos que temos com a obra e com o outro.

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Prefeitura da Cidade do Recife Prefeito Joo Paulo Lima e Silva Vice-Prefeito Luciano Siqueira Secretaria de Cultura Secretrio Joo Roberto Peixe Acessora Executiva Maria do Cu Cezar Diretora de Captao de Recursos e Marketing Cultural Jucy Monteiro Fundao de Cultura da Cidade do Recife Presidente Diretor de Desenvolvimento e Descentralizao Cultural Diretor de Gesto e Equipamentos Culturais Gerente Operacional de Artes Visuais e Design Gerente de Formao em Artes Visuais Dilogos entre Arte e Pblico Coordenao Edio de textos e contedos Projeto Grfico Reviso Colaboradores Ana Mae Barbosa (SP) Ana Patrcia (PE) Ademir Gebara (SP) Alexandre Dias Ramos (SP) Ana Carolina Campos (PE) Anderson Pinheiro (PE) Bruna Rafaella (PE) Cayo Honorato (SP) Carolina Ruosso (CE) Cristiane Soares (PE) Eduardo Duarte (PE) Emlia Freitas (PE) Gilberto Trindade (PE) Gislia Stiro (PE) Helosa Maibrada (PE) Jasa Farias (PE) Parceiros Centro de Formao em Artes Visuais CFAV/FCCR Instituto Ricardo Brennand Universidade Catlica de Pernambuco Universidade Federal de Pernambuco

Fernando Duarte Beto Rezende Fernando Augusto de Souza Lima Mrcio Almeida Andr Aquino

Andr Aquino Anderson Pinheiro Lucdio Leo Cludia Freire

Copyleft 2008 Fundao de Cultura Cidade do Recife Todos os direitos reservados Centro de Formao em Artes Visuais CFAV Ptio de So Pedro, Casa 11 Santo Antonio, Recife/PE. Fones: 55 81 3232 2848 / 3232 2858 Impresso no Brasil / Printed in Brazil A reproduo dos textos autorizada, no todo ou em parte, desde que citada a fonte.

Lcia Pimentel (BH) Maria Auxiliadora Almeida (PE) Maria Helena Wagner Rossi (SP) Neila Pontes (PE) Nicole Cosh (PE) Nina Velasco e Cruz (RJ/PE) Olga Lucia Olaya Parra (CO) Regina Batista (PE) Rejane Coutinho (SP) Rosa Vasconcelos (PE) Sebastio Pedrosa (PE) Silvia Brasileiro (PE) Simone Luizines (PE) Taciana Duro (PE) Taciana Neves (PE) Viviane Neves (PE)

SumrioEDITORIAL Anderson Pinheiro 6 Programa Arte/Educao, Cultura e Cidadania da OEI LuciA GouvA PimenteL 8 Mediacin artstica y cultural oLGA LuciA oLAyA PArrA 13 Dilogos entre Arte e Pblico no Museu reGinA BAtistA 17 Apontamentos sobre a mincia na mediao em museus nicoLe cosh 22 Educao em Museus: termos que revelam preconceitos AnA mAe BArBosA 28 A corporificao da experincia: para que serve isso que voc est me dizendo? Anderson Pinheiro entrevistA eduArdo duArte 33 07 Ser que a influenciou de alguma forma? Anderson Pinheiro 39 08 Construo de sentidos e vivncias estticas: algumas consideraes sobre a relao entre jogo e arte-educao neiLA Pontes 44 09 Desenhar materiais para educadores: uma experincia e desafio rejAne GALvo coutinho 50 10 A leitura que forma o mediador, forma o olhar e ajuda a ler o mundo? simone FerreirA Luizines 57 11 A verdade para a obra no existe: o que existe so as relaes construdas pelo observador Anderson Pinheiro entrevistA ninA veLAsco e cruz 61 12 Entrecruzamentos do olhar AnA cAroLinA cAmPos 67 13 Mediao esttica: O que temos? Do que precisamos? mAriA heLenA WAGner rossi 71 14 Mulheres: ocidentais e orientais tAciAnA duro Leite cALdAs 76 15 Goya e os jogos: a imagem como anlise Ademir GeBArA [entrevistA] 82 16 Dilogos Imaginrios no Museu Histrico e Antropolgico do Cear: atravessando fronteiras para dinamizar ou problematizar a vida? cAroLinA ruoso 86 17 Projeto MUSISER: Uma abordagem psicodinmica sobre a importncia da msica no desenvolvimento do ser humano heLoisA mAiBrAdA 91 18 O museu e seu pblico no mundo contaminado ALexAndre diAs rAmos 96 19 Os Cursos de Educao Continuada do Plo UFPE como espao de mediao em arte seBAstio PedrosA 98 20 Formao continuada dos(as) educadores(as) como espao de dilogo com a arte cristiAne soAres, GisLiA stiro, jAsA FAriAs e mAriA AuxiLiAdorA de ALmeidA 102 21 Teatro perto dos olhos e perto do corao WiLLiAms sAntAnnA 107 22 A experincia em ensino de arte da Casa da Criatividade emLiA PAtrciA de FreitAs 109 23 CIRCO: Ainda a maior diverso GiLBerto trindAde 114 24 Arqueologias do presente BrunA rAFAeLLA 116 25 [Relatos de experincia] Arte&Cidadania? Dilogos infanto-juvenis nos projetos formativos do Recife -- Meninos do Campus da UFPE um projeto de incluso social rosA vAsconceLLos 120 26 [Relatos de experincia] Arte&Cidadania: o Movimento Pr-Criana e o Caleidoscpio possvel AnA PAtrciA sAntos, viviAne dA Fonte neves,(PArticiPAo esPeciAL de cAmiLA noGueirA) 125

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27 O impacto do ensino de arte nas ONGS LviA mArques cArvALho 127 28 Conexes entre educao e arte: Paulo Freire, Francisco Brennand, Noemia Varela e Ana Mae Barbosa FernAndo Antnio GonALves de Azevedo 132 29 Dilogos: tecendo conhecimentos, convivendo com as diferenas vitriA AmArAL 137 30 O comeo como endereamento, notas provisrias e indbitas cAyo honorAto 141 31 PERFIL DOS COLABORADORES 145

.00Editorial Anderson PinheiroComo podemos saber se estamos indo pelo caminho certo ou mais agradvel, quando se trata de estar entre o pblico e a produo artstica? Como saber se os procedimentos aplicados hoje e sonhados ontem podem dar algum fruto dentro de alguns momentos? Ser que realmente de pequenino que se dobra o pepino? E depois? Talvez essas questes no sejam resolvidas com apenas uma publicao. O caderno de textos Dilogos entre Arte e Pblico no pretende ser bula nem chavemestra atravs de seus colaboradores, nem pretende ser enfeite de estante. Ele pretende ser material de construo de idias, de percepes de processos, de an6

lise de prticas, de discusso de uma ao que est ativa no Brasil desde os anos 90 e que, desde ento, passa por reformulaes de conceitos, comportamentos e atitudes. No toa que profissionais de reas to distintas e, ao mesmo tempo, to prximas foram convidados a colaborar com essa edio. reas como Histria, Comunicaes, Antropologia, Msica, Circo, Pedagogia, Teatro, Sociologia, Museologia e Arte/Educao dialogam suas experincias com a Mediao Cultural e nos fazem perceber como os discursos so complementares e esto conectados entre si no desejo de visualizar mudanas. Afinal, a mediao cultural uma atividade cada vez mais forte nas pesquisas de diversos profissionais, tanto que cerca de cinco textos so de jovens profissionais e pesquisadores filhos de museus, digamos assim. Locais em que trabalharam em mdia quatro a seis anos e hoje esto nas salas de aulas, ou em coordenaes, ou em produes de galerias contemporneas, ou em projetos educativos, artsticos, enfim, esto bastante ativos na pesquisa sobre a pessoa do mediador. Sua formao pedaggica, sua relao com o outro, as relaes que constroem com as obras e o pblico atravs dos discursos ou do uso de materiais ldicos. E, muitas vezes, para esses profissio-

nais, o modo de lidar com as reas que assumiram depois de serem mediadores, educadores em museus, mudou tambm o modo de lidar com o dilogo entre a Arte e o Pblico. A publicao conta, desde o incio at o fim, com conexes entre os artigos, entrevistas e relatos de experincias, de modo a fornecer aos diversos profissionais que lidem com a mediao, seja em que campo for, estrutura para se questionar e questionar o outro. E o olhar para fora est inserido no texto de uma das colaboradoras, que faz uma amostragem dos trabalhos educativos em museu de seu pas. Pensar no profissional que atua nessa formao cultural do indivduo um ato constante e ativo, como puderam demonstrar os contatos internacionais que no fazem parte dessa publicao. Assumir esse desafio de participar diretamente da coleta e organizao de uma publicao que se tratasse de um dilogo que poderia existir entre a Arte (produto) e o Pblico (sujeito) deveria ser uma atitude extremamente ousada para um arte/educador. Mas foi uma experincia incrvel. Por cada material que recebi. Por cada dilogo que foi mantido. Por cada troca de experincias. Por cada passo e por cada conselho. Foi uma vivncia que espero seja, tambm, transformada em experincia em cada um de vocs, leitores.

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.01Programa Arte/Educao, Cultura e Cidadania da OEI Lucia Gouva Pimentel1 - INTRODUOi Segundo as fontes oficiais, o Programa Educacin Artstica, Cultura y Ciudadana (Arte/Educao, Cultura e Cidadania, em portugus) consiste em uma iniciativa da Organizao dos Estados Ibero-americanos para a Educao, a Cincia e a Cultura (OEI), realizada com o apoio da Agencia Espaola de Cooperacion Internacional para el Desarrollo (AECI), que se prope a fortalecer os vnculos entre educao e cultura nos sistemas escolares e formar, assim, uma cidadania que reconhea e respeite a diversidade cultural. A OEI um organismo internacional dedicado ao desenvolvimento da educao e da cultura. Parte de suas aes refere-se ao fortalecimento dos vnculos entre educao e cultura nos sistemas escolares. O programa Arte/Educao, Cultura e Cidadania est referido entre os sete objetivos estratgicos fixados pela OEI e contempla um conjunto de aes para apoiar polticas educativas nos pases ibero-americanos, centradas em arte/educao. Pretende-se gerar um espao de apoio para a construo de uma cidadania vinculada ao eixo cultura e para a formao de pblicos para as artes, ponto esse crtico para a gesto da cultura de diversos pases da regio. A presena da arte na educao contribui para o desenvolvimento integral e pleno das crianas e jovens. a experincia esttica que gera um desenvolvimento cognitivo particular e pe em marcha uma forma multidimensional de pensamento. A formao artstica constitui, ainda, uma parte importante do desenvolvimento pessoal que permite aos alunos adquirir valores para a vida ao educar a sensibilidade, as emoes e o reconhecimento e desfrute das formas de expresso dos outros.

Antecedentes e compromissos O programa de Arte/Educao, Cultura e Cidadania parte dos objetivos estratgicos da OEI, do programa 2007-2008, aprovado na 70 Reunio Ordinria do Conselho Diretivo da OEI e conta com o respaldo da Conferncia Ibero-americana de Cultura, celebrada no Chile no ms de julho de 2007. Seu planteamento tambm est relacionado ao desenvolvimento da Carta Cultural Ibero-americana. Nas reunies da XII Conferncia Ibero-americana de Educao e da X Conferncia Ibero-americana de Cultura, realizadas em Valparaso (Chile), em julho de 2007, foi patente o interesse dos ministros na Declarao, ao citar que a responsabilidade indiscutvel dos Estados, o dilogo, os acordos e pactos educativos so fatores que favorecem a coeso e incluso social, assim como a estreita relao que tm com este objetivo o desenvolvimento de valores ticos, cvicos e democrticos, muito especialmente atravs da arte, da cultura.... Com relao ao desenvolvimento da Carta Cultural Ibero-americana, com o propsito de fortalecer os laos entre educao e cultura, os ministros de Cultura reunidos em Valparaso se comprometeram a desenvolver um programa ibero-americano de arte/educao, cultura e cidadania impulsionado pela OEI (Art 17). Objetivos O Programa de Arte/Educao, Cultura e Cidadania est diretamente vinculado aos objetivos estratgicos e programas da OEI, que buscam contribuir para o fortalecimento de uma cultura cvica, democrtica, igualitria e solidria atravs da educao e valores e contribuir para a promoo da dimenso cultural nas polticas de desenvolvimento. Tem como objetivos gerais: Reforar, nos sistemas educativos, a relao entre arte, cultura e educao para que o aluno conhea e respeite a diversidade cultural dos povos Tudo deveria ser um valor essencial na formao da cidadania. Favorecer a incorporao da cultura de cada pas e do conjunto da Ibero-amrica nos projetos educativos das escolas e facilitar o intercmbio dos profissionais de educao, da arte e da cultura. Aes O primeiro passo desse programa foi a criao de uma Comisso de Especialistas, cuja funo consiste em analisar o estado da arte/educao na educao bsica e assessorar a OEI e os governos dos pases participantes na execuo do programa. A primeira reunio desse grupo se

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realizou em Madri no ms de novembro de 2007. Nessa convocatria, os especialistas delinearam as primeiras linhas de cooperao e estabeleceram as aes fundamentais do grupo. A OEI convidou todos os pases a tomar parte do Comit Intergovernamental de Representantes, encarregado de supervisionar o desenvolvimento do programa e propiciar sua incorporao aos sistemas educativos. A primeira reunio do comit foi realizada em So Jos da Costa Rica, nos dias 25 e 26 de maro de 2008, e teve como propsito firmar um compromisso de criao de Comits Nacionais de Educao e Cultura encarregados de impulsionar o programa em cada pas. Foi uma reunio conjunta com o Comit de Especialistas, em que se esperava um trabalho sobre os eixos iniciais do programa: Como enfocar o ensino das artes na escola. Tratar-se-ia, aqui, de definir que disciplinas devem figurar no currculo, quantas horas de aula, como enfocar o ensino de arte em relao com a cincia. Propostas sobre formao, capacitao e perfil da figura que impulsionar a formao artstica. Trata-se agora de concretizar como propiciar a incorporao da arte/educao nas escolas, para o qual ser necessrio impulsionar cursos destinados a artistas profissionais e professores de aula, a fim de formar docentes que sejam capazes de ampliar coberturas. Participao de outros agentes vinculados ao mundo das artes no processo educativo ou curricular do alunado. Haver que se definir o modelo de relao das artes e dos artistas com a escola. Deteco e anlise de experincias de xito em cada pas. Uma boa via para eles convocar concursos nacionais ou propiciar encontros dos que incentivam modelos de prticas significativas. Em fases posteriores, e sempre abertas para que esse planejamento possa ser revisado, ampliado ou modificado, as aes previstas para o desenvolvimento do programa consistiro em: Elaborar materiais e selecionar a produo artstica e cultural dos pases ibero-americanos que possam ser incorporados na educao formal e no formal dos alunos. Elaborar e difundir um banco de projetos, a partir de uma seleo de prticas significativas na Ibero-amrica. O banco contempla documentao, avaliao e difuso das experincias exitosas em arte/educao, a fim de estimular o desenvolvimento de outras similares em diferentes pases. Apoiar a criao e impulsionar redes de escolas e instituies cultu-

rais em que a educao musical e artstica seja um instrumento para a integrao social e cultural. 2 - A REUNIO EM SAN JOSE DE COSTA RICA 25 e 26 de maro de 2008 Com a presena do Ministro da Educao Pblica de Costa Rica, Leonardo Garnier, e do Secretrio Geral da OEI, lvaro Marchesi, os trabalhos foram iniciados no dia 25 pela manh. O Ministro destacou o papel importante que o Projeto tica, Esttica e Cidadania (iniciativa local) est tendo em relao melhoria do ensino nas escolas do pas. O objetivo desenvolver mais pblico para os artistas, ou seja, que haja mais artistas e que as pessoas saibam apreciar mais propriamente a arte. O Secretrio Geral da OEI salientou que o Programa Educao Artstica, Cultura e Cidadania tem o objetivo de desenvolver experincias que nos enriqueam a todos. um projeto novo na lgica de apresentao de articulao de experincias para o enriquecimento de todos. Props que cada pas forme uma pequena comisso dos dois ministrios Educao e Cultura para coordenar as aes. A apresentao dos representantes dos ministrios dos 20 pases presentes deixou transparecer o estado em que se encontram o ensino de Arte e a Arte/educao nos diversos pases. Em vrios deles, no h cursos de formao em nvel superior e, em poucos, o ensino de arte faz parte do currculo escolar. Uma fala constante foi a de que, mais que se tornar uma disciplina no currculo escolar, trata-se de reconhecer a arte/educao como um direito bsico de cidadania. Uma preocupao em relao ao Programa foi que ele precisa ser exeqvel, ter o apoio efetivo dos governos e ter visibilidade para a sociedade. Foi ressaltada a necessidade de congressos e seminrios regionais e nacionais, para que as prticas significativas possam ser conhecidas e divulgadas. Foram relatadas vrias prticas que tm como premissa a identidade cultural e a formao de pblico para a arte local e latino-americana. Destacou-se, ainda, a importncia da educao distncia na formao de professores qualificados em arte. A Comisso de Especialistas anotou as consideraes de todas as delegaes e reuniu-se em separado para re-elaborar as estratgias de ao do programa, sugerindo ao Secretrio Geral que algumas mudanas fossem feitas. Seriam trs os eixos do programa: informao, formao e investigao.

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1) Informao o projeto deve servir para conhecer o que uns e outros tm. A dinmica de informao deve contribuir para criar redes de projetos de muitos pases. O papel da OEI contribuir para que isso acontea. 2) Experincias artsticas multiculturais so um apoio imprescindvel a nossa cultura, construo de cidados em uma sociedade multicultural. No vamos focalizar tudo, mas o mximo possvel. Portanto, essencial a formao de professores e de pblico. 3) Investigao apoiar, detectar, levantar as experincias que so as mais revelantes e que podem servir de modelos para outras experincias. No se trata s de detectar o melhor que se faz, mas de refor-las para que sirvam de referncia para outros pases. O marco geral tem que se revelar em um documento o qual os especialistas esto elaborando - um livro que traz o marco terico e as estratgias fundamentais que se quer implementar. A primeira parte mais institucional. Esse livro vai estar em toda a Ibero-amrica e faz parte de um projeto muito mais amplo, pois integra uma coleo de livros que as vrias comisses de especialistas esto elaborando. Para subsidiar esse trabalho, foi elaborado um questionrio que ser enviado a todos os pases do Grupo Ibero-americano, com vistas ao levantamento de dados sobre a Arte/educao em cada um deles. A seguir, vo ser feitos os indicadores para a seleo de prticas significativas em arte/educao de cada pas. Isto deve ser feito at junho de 2008. A coordenao do programa de Fernando Vicrio, que ser secretariado por Ritama Muoz-Rojas, ambos da sede da OEI em Madri. Falando pela Comisso de Especialistasii, o coordenador da Comisso, Imanol Aguirre (ES), salientou a funo da Comisso, ressaltando que Somos um grupo disposio da OEI e dos pases. Lucina Gimenez (MX), coordenadora do livro, apresentou o delineamento da publicao, a partir do que j havia sido discutido aps a reunio de Madri e do que foi incorporado com base nas demandas da reunio de San Jose de Costa Rica: Introduo do Secretrio Geral da OEI. Dois grandes captulos: um conceitual e outro de polticas pblicas, experincias e processos. Apndices e bibliografia. 3 - CONSIDERAES FINAIS importante que estejamos atentos s demandas do programa e que

acompanhemos os Ministrios de Educao e de Cultura no fornecimento das informaes solicitadas. Cabe a ns, arte/educadores, participar efetivamente das aes propostas em todas as instncias. S com participao efetiva teremos como aclarar os rumos da arte/educao no Brasil, compartilhando com os outros pases nossas preocupaes e sucessos.__________i Informaes adaptadas dos documentos oficiais da OEI: www.oei.es e Documento Base de Educacin Artstica. ii O Brasil tem duas representantes na Comisso de Especialistas: Ana Mae Barbosa e Lucia Gouva Pimentel.

.02Mediacin artstica y cultural Olga Lucia Olaya ParraHemos dado grandes debates sobre la formacin artstica, en la escuela formal, en la no formal e incluso en la formacin informal. No siempre sobre la formacin cultural. Al parecer nos ocupa un principio de equidad en un campo de conocimiento de amplio espectro que debe ser atendido por especialistas en desarrollos comunicativos, cognitivos, en fruicin esttica y en comprensin e implementacin de las complejas prcticas artsticas y culturales de la contemporaneidad. Es as como la interdisciplinariedad perfila investigaciones sobre campos intelectuales, consumos culturales y vnculos entre sociedadcultura y polticas pblicas. Los estudios culturales abren otros debates que nos permiten desentendernos de las incertidumbres, pero nos hace

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entendernos con la complejidad; coloca en el centro, el principio de la mediacin, una accin pedaggica responsable en un campo de dialogo intercultural, donde los discursos, las acciones y visiones de las prcticas del arte, la cultura y el patrimonio, son objeto de procesos de apropiacin de las diferentes instancias o instituciones como partcipes en el escenario de lo inter-relacional y vinculante. La cultura abarca el conjunto de los procesos sociales de significacin, o de un modo ms complejo, la cultura abarca el conjunto de procesos sociales de produccin, circulacin y consumo de significacin en la vida social (CANCLINI, 2004). Esta definicin de cultura genera modos de construccin mediada por la interaccin de sentidos y significaciones interculturales que devienen de una buena accin pedaggica. De ah la importancia que ha tomado los estudios sobre recepcin y apropiacin de bienes y mensajes en las sociedades contemporneas, lo cual completa y remite hacia la mediacin de lo sociomaterial y lo significante de la cultura, de lo cultural, de lo artstico y en ocasiones de lo esttico. Contamos con cuatro tendencias sobre las cuales opera la perspectiva procesual que considera lo socio material y lo significante de la cultura, en donde identificamos en primera instancia la cultura como el mbito en la que cada grupo organiza su identidad, y como se reelabora el sentido desde la interculturalidad. Por otra parte la cultura es vista como una instancia simblica de la produccin y reproduccin de la sociedad, o como una instancia de conformacin del consenso y la hegemona, o sea de la configuracin de la cultura poltica y de la legitimidad. La cultura es la escena en que adquieren sentidos los cambios, la administracin del poder y la lucha contra el poder. Y en ltimo termino como dramatizacin eufemizada de los conflictos sociales Appadurai, (2001), prefiere considerar lo cultural como adjetivo, como una dimensin que refiere a diferencias, contrastes y comparaciones; permite pensarla menos como una propiedad de los individuos y los grupos, ms como un recurso heurstico que podemos usar para hablar de la diferencia. Nociones como territorio, relaciones comunitarias, concepciones del trabajo, la familia, y los modos complejos de simbolizar esos procesos sociales, refrendan la interculturalidad como patrimonio de estudio que media en los modos de interactuar entre las comunidades, poblaciones y grupos sociales. Por una parte las perspectivas de formacin desde la mediacin cultural enunciadas ponen en los grupos de trabajo escenarios de interlocu-

cin mltiple; no unidireccionales ni con verdades nicas, sino que es en la interpretacin de los sentidos interculturales que se construye una mediacin de alto impacto en el publico y en calidad de gua como ampliacin de su propia experiencia al entrar en contacto con los procesos de produccin, circulacin y vinculo de las prcticas sociales que refiere el escenario visitado. Los circuitos del arte, la cultura y el patrimonio se han ido ampliando a los sitios web, los centros comerciales, las calles de la ciudad, el sector rural, la televisin, el cine, las fiestas, los modos de relacionarse, en fin todo tipo de prctica social que incide desde un aparato orgnico que reivindica la diferencia; pero es la formacin artstica y culturl la que debe proceder por reducir la desigualdad, la inequidad; lo cual le hace portadores de actos justos de valoracin democrtica, donde la abundancia de informacin sea beneficiada por seres reflexivos, mediadores de smbolos, sentidos, significaciones interculturales legtimables, por su condicin de diferencia, no de tolerancia, sino de asimilacin conciente del dialogo entre el pblico, y lo pblico; el arte y lo artstico; la cultura y lo cultural; la esttica y lo esttico El museo y sus prcticas de exhibicin, participacin, circulacin, consumo y apropiacin vinculante con el pblico, establece retos de mediacin cada vez ms complejos en el escenario pedaggico. Lo sustantivo y lo adjetivo de la mediacin artstica y cultural genera un dialogo innegociable entre los sujetos, las sociedades y sus procesos civilizatorios; es la mediacin artstica y cultural, configuradora de memoria, diversidad y conciencia de territorio, invitoa aconocer los desarrollo en dos espacios de gran trayectoria educativa en los museos de Colombia. Veamos ejemplos e interlocutores colombianos por su valiosa mediacin en el contexto colombiano Daniel Castro, quien coordina a su vez la Red del museos del pais, como Director del Museo Quinta de Bolivar ubicado en bogota, el cual plantea como misin en esta institucin que: La Casa Museo Quinta de Bolvar del Ministerio de Cultura de Colombia tiene como misin conservar, incrementar, documentar, investigar, exhibir y comunicar a cada vez ms amplios pblicos, los testimonios tangibles e intangibles del pensamiento, ideales y vida cotidiana de Simn Bolvar y su poca, a travs del contacto con el inmueble histrico que le perteneci al libertador, sus colecciones y su entorno, con el fin de que cada quien descubra, reflexione y construya valores de autonoma, paz, unin y libertad, a partir de su propia experiencia e historia, con un equipo humano idneo, comprometido y capacitado. (www.quintadebolivar.gov.co)

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En el Museo Nacional encontramos a Nacy Avilan, como asesora de los programas educativos del Museo Nacional: El Museo, adems de cumplir con sus funciones curatoriales y de investigacin, es tambin un espacio de disfrute y aprendizaje. Esta doble caracterstica lo debe convertir en un lugar abierto y vivo, y por ende, en un espacio para la comunicacin. Como alberga diversidad de objetos significativos, es depositario de un importante patrimonio cultural, parte integrante de nuestra memoria colectiva e identidad nacional. Pero sera en vano el trabajo de coleccionar, investigar, conservar y exhibir una serie de objetos originales, si no existiera la posibilidad de que el ser humano animara esos objetos y lograra establecer una comunicacin sensible con ellos. (www.museonacional.gov.co).__________ Referncias Bibliogrficas GARCIA CANCLINI, Nestor. Diferentes, desiguales y desconectados. - Mapas de interculturalidad. Mxico: Gedisa Editorial, 2004. APPADURAI, Arg. La modernidad desbordada. Dimensiones culturales de la globalizacin. Mexico: Ediciones Trilce, 2001.

.03Dilogos entre Arte e Pblico no Museu Regina BatistaDeixem que as obras de arte manifestem sua eloqncia natural e elas sero compreendidas por um nmero crescente de pessoas; este mtodo ser mais eficaz do que a influncia exercida por todos os guias, conferncias e discursos.F. SCHIMIDT-DEGENE, Muses in Les Cahiers de la rpublique ds lettres, des sciences et des arts, XIII.

Participar do Seminrio Dilogos entre Arte e Pblico no Museu abre mais uma vez a oportunidade para o debate sobre um tema que se tornou recorrente na esfera da ao educativa e que envolve a dialtica entre arte e pblico. A questo ora destacada apresenta-se como emblemtica e compreende, por certo, o exame de como acontece esse dilogo no espao do Museu, os parmetros estabelecidos e o trabalho de mediao como articulador dessas trs reas. Nesse texto, elaborado para o debate entre colegas muselogos, professores e arte/educadores, focalizo uma tendncia cada vez mais presente nos museus e internacionalmente reconhecida de que a ao educativa e cultural de fundamental importncia para o estabelecimento de processos de apropriao da arte e de acesso cultura, e, portanto, recurso pedaggico dos mais valiosos para o dilogo entre arte e pblico. Vale lembrar que interesse cada vez maior e recomendao da Poltica Nacional de Museus ampliar a acessibilidade para diferentes pblicos e as anlises dessas medidas, notadamente quando as condies de participao e dilogo ainda so muito adversas nos mu-

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seus brasileiros. Ao mesmo tempo sempre oportuno estabelecer uma relao entre o meu discurso e algumas das minhas experincias na coordenao de aes educativas para as exposies do Salo Pernambucano de Artes Plsticas 2000 e a Exposio Eckhout, em 2002, no Instituto Ricardo Brennand. Com isso pretendo contribuir para que muselogos, artistas, professores e arte/educadores possam, juntos, construir uma condio dialogal entre as artes e os diferentes pblicos nos museus. Inicialmente quero fazer uma pequena digresso a respeito da palavra DILOGO, que permeia todo o nosso discurso, analisando a sua forma gramatical. Dilogo vem do verbo dialogar e denota a conversao, o colquio ou, ainda, a comunicao que envolve duas ou mais pessoas, grupos e entidades com vista soluo de problemas comuns. Dessa forma, vale a questo: quais so os problemas que queremos demonstrar nesse Seminrio? Que existe o Dilogo entre Arte e Pblico? Ou, de outro modo, o que pretendemos apenas afirmar a existncia a priori do Dilogo entre Arte e Pblico no Museu. No pretendo avanar nesses questionamentos ou levantar problemas, apenas tecer algumas conexes com o tema proposto. Muito recentemente, os museus adotaram uma poltica de exposies bastante agressiva como forma de captao de recursos financeiros e at de sobrevivncia. Nesse sentido ficaram merc de patrocinadores vidos por publicidade, exigindo dos museus ndices altssimos de visitao o que reforou os servios educativos para atender a demanda de pblicos nos perodos das grandes exposies; investiram em aes de mediao que permitissem iniciativas de democratizao da cultura, principalmente, para o pblico que no freqenta museus. Essa estratgia de expanso das atividades pedaggicas no museu demonstrou ser um caminho importante para aproximar o pblico da arte ou do consumo cultural. Bourdieu identifica que a estrutura do pblico assduo dos museus pode ser considerada como um indicador aproximativo do nvel da informao proposta pelo museu. Despojando-se do carter abstrato e hermtico que o manteve at bem pouco tempo, pautado na norma culta, os museus tiveram que se renovar e se fazer compreender, principalmente com o avano e as transformaes da pedagogia, ou melhor, dos sistemas e normas impostas por uma nova pedagogia, que resultaram em uma verdadeira democratizao do ensino. A mediao passou, ento, a ser uma metodologia facilitadora nos processos educativos empregados nos museus, especialmente nos museus de arte, junto ao pblico ou grupos de visitantes cada vez mais diversificados.

To importante quanto a mediao entre arte e pblico no espao do museu, podemos considerar a transmisso da mensagem, ou seja, a linguagem comunicacional usada, como um dos meios para estabelecer a relao e o entendimento entre a arte e o sujeito/pblico visitante. O dilogo com a arte vai alm do exerccio experimental, para ser um prazer esttico na vida do homem, na medida em que se pode educar algum por meio da arte, pois ela capaz de fazer de ns pessoas melhores e mostrar que existem muitos mundos alm do nosso umbigo, Essa experincia de trabalho no campo da museologia e a compreenso do papel dos museus como espaos de formao do conhecimento e de cidadania me levaram a aprofundar minha prtica, participando de congressos sobre educao em museus, e a conhecer prticas educativas internacionais de Educao Patrimonial, atravs dos contatos com muselogos do Museu Imperial do Rio de Janeiro, que me levaram a coordenar, no Museu do Homem do Nordeste, o projeto Um dia no Engenho Massangana, em 1982. As mltiplas possibilidades do trabalho educativo no museu com evidncias materiais do patrimnio cultural demonstram ser uma via de mo dupla para o desenvolvimento da capacidade fsica, intelectual e moral da criana e do ser humano em geral, visando sua melhor integrao individual e social. O alcance de uma ao educativa poder vir a ser instrumento de transformao para jovens e adultos e, ao mesmo tempo, propiciar conhecimento dos seus referenciais e contedos culturais. Por outro lado, o acesso e o dilogo com o patrimnio cultural em eventos integrados fazem convergir os mais diversos segmentos sociais e um pblico numeroso e diversificado. Exemplo dessa primeira experincia no campo de uma ao educativa coordenada, juntamente com arte/educadores e professores da rede pblica de ensino, deu-se por ocasio do Salo Pernambucano de Artes Plsticas 2000, promovido pela Diretoria de Museus da Fundarpe, atravs de parcerias com as Secretarias de Educao e Cultura de Pernambuco, que resultou num grande intercmbio com inmeras instituies de ensino da rede pblica e privada do Estado, atraindo um pblico vido por conhecer a produo artstica nacional contempornea. Para os patrocinadores, foi uma tima oportunidade para divulgarem suas marcas, com espao de destaque garantido em todos os produtos e eventos realizados. Os anunciantes optaram entre as mais diversas mdias, a exemplo de anncios na TV, no Rdio, em blimps, banners e muitas outras formas de comunicao com o grande pblico.

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Como a formao no campo da arte educao especfica, foi importante contar com a assessoria constante dos que fazem educao e arte/ educao, pois no basta apenas querer fazer preciso SABER FAZER. Entendendo que outras instituies, entre elas os museus, assumem, a cada dia, mais importncia na ampliao e distribuio do conhecimento, que estabelecemos uma ao educativa orientada para o programa de exposies do Salo Pernambucano de Artes Plsticas 2000. Essa ao estimulou o interesse do espectador atravs de uma relao baseada na sensao da descoberta, da fruio da emoo, no encontro pessoal com o fenmeno da arte. Realizamos nossas mltiplas atividades com a ajuda de monitores, educadores e artistas, orientados para mediar a comunicao entre o pblico e a obra de arte, atravs de visitas comentadas, oficinas de arte e passeios com artistas. Trabalhando com professores da rede pblica de ensino, a Comisso de Ao Educativa do Salo elaborou uma proposta pedaggica bastante diversificada, voltada especialmente para o pblico infantil e juvenil, usando, para isso, mtodos mais interativos e a oferta de experincias novas ao visitante com os acervos das exposies do Salo dos Premiados e Selecionados no Observatrio Cultural Malakoff Torre Malakoff, e da Retrospectiva dos Sales, no Museu do Estado de Pernambuco. O sistema de comunicao entre o espectador e os acervos das exposies foi desenvolvido pelo grupo baseado na ao educativa dos museus, dentro da metodologia do ensino visualizado, capaz das mais rpidas assimilaes por qualquer tipo de pblico. Nele, a obra de arte pode ser observada, percebida, estudada, analisada e apreendida por distintos critrios e sob diferentes conceitos, com a ajuda de material pedaggico elaborado para auxiliar professores e alunos em visita s exposies. Nessa perspectiva de educao atravs da arte, assumimos a tarefa de orientar e organizar pela primeira vez o Salo Pernambucano de Artes Plsticas em 2000, voltado para a cultura e para a educao, a nosso ver, conceitos e atividades intimamente ligados e interagentes. E, ao comprometer essa ao com o entendimento da arte contempornea brasileira, buscamos aprimorar os mtodos de aprendizado, utilizando o exerccio vivo de transformao do olhar e do entendimento da arte em suas diferentes interpretaes. A experincia de promover uma ao educativa e cultural para o Instituto Ricardo Brennand, por ocasio da exposio Albert Eckhout volta ao Brasil 1644 2002, mostrou, pelos altos ndices de visitao alcanados, o quanto necessrio democratizar o conhecimento e o acesso ao nosso patrimnio cultural. Mais surpreendente e importante para os

museus, o papel das prticas educativas na formao de novos pblicos e na instaurao de uma nova mentalidade. O desafio , portanto, encontrar novos enfoques e estratgias para a apresentao de exposies que permitam ao museu motivar os indivduos a encontrar sua prpria identidade e a compreender o mundo que os rodeia. Despertar a conscincia cultural do pblico, motiv-los a aprender algo novo e ganhar o seu apoio tarefa que s pode ser levada a cabo com a total participao e cooperao do conjunto de profissionais envolvidos com a educao e o patrimnio. Finalizando, necessrio entender que o indivduo torna-se senhor de si mesmo e dos seus contedos se lhes for permitido ter acesso a coisas, lugares, processos, acontecimentos e registros, e a garantia desse acesso representa um passo importante no processo de transformao do indivduo em cidado e sujeito da sua histria.__________ Referncias Bibliogrficas GARCIA-CANCLINI, N. Culturas hbridas. So Paulo: Edusp, 2000. GRINSPUM, D. Educao para o Patrimnio: Museu de Arte e Escola. Tese Doutorado. USP, 2000. SEPLVEDA, Luciana. A anlise da parceria museu-escola como experincia social e espao de afirmao do sujeito. In: GOUVA, G., MARANDINO, M. e LEAL. M.C. (Orgs). BOURDIEU, Pierre, Alain Darbel: O amor pela arte: os museus de arte na Europa e seu pblico. So Paulo: Editora da Universidade de So Paulo, 2003. FREIRE, P. Ao cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1978. CURY, Marlia Xavier. A comunicao museolgica e a pesquisa de recepo no Museu gua Vermelha. Caderno de Resumos da V Semana de Museus da USP. So Paulo: USP, 2005. HOTA, M. De Lourdes ET. Al. Guia Bsico de educao patrimonial. Braslia: Iphan/ Museu Imperial, 1999. IPHAN. Poltica nacional de museus: relatrio de gesto 2003/2004.

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.04Apontamentos sobre a mincia na mediao em museus Nicole CoshAs ressignificaes que se passam entre obra e pblico, em que me vejo ora mediadora, ora pblico dessa relao, deixam-me intrigada no que concerne ao tipo de experincia que a obra e a mediao suscitam e de que forma isso se d. Abordarei estas e outras inquietaes nos apontamentos que se seguem, buscando pensar sobre algumas prticas e indicar caminhos para uma reflexo sobre a atividade educativa em museus e galerias de arte. Mincia No Ensaio sobre o conhecimento aproximado, Gaston Bachelard (2004) aborda a construo do conhecimento cientfico, especialmente no caso das cincias exatas. O autor apresenta uma cincia dinmica, na qual as retificaes no campo do conhecimento so a prova e o objetivo dessa dinmica. Portanto, a retificao faz a cincia viva. A cada retificao, realizada pelo mesmo autor ou por outrem, o conhecimento adquire novos significados, as aproximaes. Nas aproximaes se constitui a dinmica do conhecimento: no se pode atribuir um papel de informao sensao primeira. Ela apenas um sinal, um convite, o pretexto da ateno e da reflexo. O conhecimento nasce apenas da multiplicidade e da combinao das sensaes com as lembranas.i ateno e reflexo da sensao primeira o autor coloca que so somados e retificados detalhes, mincias que colaboram para uma maior objetividade da cincia.

Nas cincias exatas, Bachelard aponta a mincia da relao pesquisador-fato. Para que a busca pelo fato ocorra, o autor cita Hamelinii, que afirma a necessidade de preparao do fato, atravs de sua busca pelo pesquisador. Isso se relaciona com o contato obra-pblico. Inicialmente, h o caminho at o museu, que pode ter sido ocasionado por um interesse pessoal da visita por motivos vrios ou por uma programao especfica de um grupo de turismo ou escolar. A partir da, tm-se as sensaes primeiras que a relao obra-pblico estabelece. A estas, somam-se as referncias que obra e pblico carregam consigo, permeadas por outras referncias: mediao, museografia, aes propostas pelo educativo da instituio, memria do pblico, significados intrnsecos que a obra j traz. No campo das cincias exatas, Bachelard aponta a minuciosidade das referncias, o que tambm, a meu ver, pode ser visto no campo da arte. Obra e pblico relacionando-se e suas referncias, que tambm se relacionam. A mincia, ento, encontra-se como elemento afetivo o mero prazer da curiosidade, portanto esse sentimento configura-se como mnimo de afetividade para dar impulso energia nervosa do conhecimento. O autor conclui que a mincia anda junto com a complexidade das relaes.iii Considerando a mediao (e outras aes que ocorrem em instituies culturais) um movimento de busca pela minuciosidade das relaes obra-pblico, ela deve agir como forma de aguar a curiosidade e especialmente a afetividade pela arte, para uma aproximao mais ampla entre ambos, arte e pblico. Some-se isto complexidade das relaes, pois pblicos e obras j carregam significados em si. Dessa forma, a mediao que permeia a relao obra-pblico deve fomentar a minuciosidade, tanto como elemento promovedor da curiosidade como tambm e fundamentalmente tecendo a teia das referncias que obra e pblico contm em si. Mincia e Mediao Gostaria de citar um exemplo de atividade que buscou ampliar as relaes que o pblico tece sobre as obras, no caso, as exposies do Projeto Trajetriasiv. disposio dos visitantes, em pequenos cartes dispostos na galeria, havia as Conexes para o Passeio. Nos cartes havia questes concernentes potica e tcnica das obras, formuladas a partir de pesquisas da coordenao, dos mediadores e de conversas com o artista. As Conexes eram um recurso complementar visita, disposio do pblico espontneo das galerias, que na maior parte dos casos era composto por jovens e adultos.

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quando o objeto reconhecido, devem-se fazer perguntas suplementares. Por mais familiar que seja um objeto, contm ainda ocasies inesgotveis de novas idias, pois ele sempre percebido num conhecimento mais ou menos aproximado.v Dessa forma, nos encontros do pblico com o objeto do museu, por mais significados que este ltimo tenha nos sistemas simblicos nos quais se insere, sempre passvel de outras significaes. A partir de reflexes propostas por dilogos promovidos pelo mediador, por atividades ou pelo prprio espao museolgico, o pblico, a meu ver, pode chegar s mincias da obra, ocasionando assim as aproximaes que creio serem necessrias para a experincia esttica. Um outro exemplo de aproximao atravs da mincia o Projeto Pea a Pea, no Instituto Ricardo Brennand IRB . Essa atividade acontece mensalmente, desde 2006, e realiza oficinas, conversas entre mediadores e pesquisadores convidados, alm de apresentaes

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Hugo Houayek Branco Neve 2006 Foto: Jonathas Andrade

Na exposio da artista catarinense Aline Dias, em que uma de suas obras consistiu em um minsculo cubo contendo poeira acumulada do seu quarto, Cubo de Poeira, as Conexes para o Passeio provocaram no pblico reflexes acerca do tempo e de sua materialidade. Como possvel guardar memrias em um lugar? e o tempo passa da mesma maneira para todas as pessoas? foram alguns dos questionamentos feitos, como forma de ampliar e diversificar as vivncias com a obra. Acerca da exposio do artista carioca Hugo Houayek, que abordava o suporte na pintura atravs de construes com lona e chassis (imagem acima), as Conexes para o Passeio promoveram embates entre a pintura consagrada historicamente e socialmente como tal e a obra do artista. Alm de pincis e tintas, que outros materiais podemos usar para fazer uma pintura? e que relaes podemos estabelecer entre cor e espao? foram questes que deixaram o pblico mais prximo das proposies do artista. Dessa forma, para um pblico espontneo que eventualmente vem at a galeria, em muitos casos com pouco tempo para a visita, as questes das Conexes podem despertar outros aspectos da obra, e no apenas a sua visualidade, realizando outras experincias, alm das estticas, atravs das ressignificaes. Como se v nessas experincias, utilizando simples cartes com perguntas, as ressignificaes propostas pelas Conexes para o Passeio realizam um fluxo de mincias, complementar experincia esttica j ocasionada pela obra. Relacionando este fluxo a Bachelard,

culturais, a partir de uma obra do acervo. Neste caso, a minuciosidade configura-se nas diferentes vivncias geradas com as proposies do projeto, que apresentam, alm da obra, outros aspectos corporificados em atividades para o pblico. Assim, no 16 Pea a Pea, cujo tema foi a obra Lindia, realizamos diferentes atividades que podem ser consideradas como mincias do quadro em questo. Trata-se de uma pintura a leo realizada pelo portugus Jos Maria de Medeiros. Inspirado por um poema indigenista do sculo XIX de Baslio da Gama, o pintor executou a obra em 1882, e atualmente ela se encontra em exposio na Pinacoteca do IRB. Alm da apreciao da pintura, houve uma representao do poema que inspirou o artista a realiz-la, no hall a instituio. Aps essa atividade, uma palestra ampliou as vivncias do pblico com a obra, na qual Ruth Gouveia Gabino e Eliana Barros abordaram, respectivamente, a pintura indigenista no sculo XIX e questes indgenas na atualidade, enfatizando a situao dos ndios em Pernambuco. Para as crianas, a fruio da obra foi ampliada por uma oficina de cermica, realizada pelas arte-educadoras Cristiane Mabel e Flvia Costa. Finalizando a programao, o pblico pde ver o documentrio Chico Xucuru. Eliot Eisner (1999) aponta que, na relao com a arte, as pessoas fazem principalmente quatro coisas: Elas vem arte. Elas entendem o lugar da arte na cultura, atravs dos tempos. Elas fazem julgamentos sobre suas qualidades. Elas fazem arte.vii A meu ver, todos esses movimentos baseiam-se na minuciosidade inerente a cada obra, bem como aos detalhes na relao obra-pblico, mediada pelas aes propostas pelas instituies. No caso do Pea a Pea, v-se que nos encontros do pblico com o objeto do museu sempre possvel agregar mincias s obras, ampliando assim seu campo de ressignificao e ocasionando outras experincias no pblico. A minuciosidade na mediao configura-se, ento, como um dos caminhos possveis para a ressignificao das obras. Contudo, inegvel que nem sempre possvel promover todos os fazeres que Eisner prope para o ensino de arte. Mas, se a minuciosidade de que tanto falamos est na relao pblico-obra, ento uma conversa despretensiosa entre mediador e visitante, por exemplo, pode agregar outros significados ao

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pblico, promovendo ento a experincia. Experincia aqui entendida conforme John Dewey (1980), pois entre espectador e arte, sem um ato de recriao, o objeto no ser entendido como obra de arte. O artista selecionou, simplificou, clarificou, abreviou e condensou de acordo com seu desejo. O espectador tem de percorrer tais operaes de acordo com seu ponto de vista e seu prprio interesse. (...) Em ambos, h compreenso, em sua significao literal isto um ajuntar de mincias e particularidades fisicamente dispersas em um todo experienciado. [grifo meu] Portanto, creio que cabe ao mediador e s aes que a instituio promove esse ajuntamento de vivncias constitudas pelas mincias e particularidades de cada objeto e situao de exibio o qual provocar a experincia de que nos fala Dewey. O ajuntar rene um fluxo de vivncias que no necessariamente reclamam um fazer artstico, como prope Eisner, mas, fundamentalmente, implicam novas significaes da obra para o pblico. Como j disse, a conversa que o mediador pode ter com diferentes pblicos pode levar experincia, se esta conversa for pautada por um objetivo claro de promover uma reflexo pautada na minuciosidade. A partir dessas vivncias e de suas prprias, as vivncias se tornaro experincias estticas. Mincia e Mediao: Aproximaes Chego, ento, ao que me propus no incio deste texto: refletir a mincia na experincia esttica. Dessa forma, que ela seja provocada pelo pblico, em sua busca pela arte; pelo mediador, em descontradas mas nem por isso nfimas conversas com o pblico; pelas instituies, atravs de suas aes. Assim, um fluxo de ressignificaes entre obras e pblico provocar diferentes vivncias para a experincia esttica. Mais do que uma prtica complexa, proponho, finalmente, uma ao pautada na mincia, no particular de cada pblico, de cada situao educativa no museu. Tempo e escuta do outro (em todas as partes envolvidas) talvez sejam a predisposio inicial para a experincia esttica que ns, mediadores, poderemos provocar, quaisquer que sejam as condies que as instituies e o campo da arte forneam. Finalizo apontando um campo para retificaes, a mediao. Posto que a construo de conhecimentos, por conseguinte de experincias, pode ser realizada atravs de aproximaes, pela busca do detalhe, a

cada aproximao uma retificao ocorre. Dessa forma, como proposto por Bachelard, o que apresentei foi uma aproximao acerca da construo do conhecimento na relao pblico-obra. A partir daqui, espero que outras retificaes sejam realizadas, atravs das reflexes de mediadores e aes educativas sobre sua prtica, para novas aproximaes das relaes no campo da arte, em busca de promover diversificadas experincias estticas.__________i Bachelard, Gaston. Ensaio sobre o conhecimento aproximado. Traduo Estela dos Santos Abreu. Rio de Janeiro: Contraponto, 2004. p. 250. ii Bachelard, Gaston. 2004, p. 248. iii Bachelard, Gaston. 2004, p. 248 e 249. iv Essa ao foi uma das atividades que promovi, junto a Neila Pontes, como coordenadora do Projeto Primeiro Olhar, da FUNDAJ, em 2006. Criado em 2000 por Cristiana Tejo, o projeto consiste em atividades educativas realizadas a partir das exposies do Trajetrias, que anualmente seleciona artistas contemporneos para exposies nas galerias da FUNDAJ. Nesse projeto, criamos aes como: Passaporte para a Arte e Conexes para o Passeio, alm dos jogos Cartes Relacionais e JogObjeto. Tambm incrementamos aes j existentes, como o Curso de Atualizao em Arte Contempornea para Professores, enriquecido com materiais educativos, propostas de atividades, imagens em transparncia e textos da curadoria, nossos e dos mediadores. v Bachelard, Gaston. 2004, p. 262. vi Essa uma das atividades promovidas pela Ao Educativa e Cultural do IRB, com coordenao geral de Joana Darc Souza Lima e coordenao pedaggica de urea Bezerra. Como arte-educadora da instituio, criei, junto a Albino Dantas, o Pea a Pea. A partir de ento, outros mediadores e funcionrios da instituio participam do projeto, bem como convidados de diversas reas do conhecimento. vii Eisner, Eliot. Estrutura e mgica no ensino da arte. IN: Barbosa, Ana Mae (org.). ArteEducao: Leitura no subsolo. So Paulo: Cortez, 1999. p. 84. viii Dewey, John. A Arte Como Experincia. Traduo Murilo Otvio R. P. Leme. 1980. p. 103-104.

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.05Educao em Museus: termos que revelam preconceitos Ana Mae BarbosaPara os alunos e professores da Especializao em Arte/Educao da UNICAP/Recife/2008. I - O termo mais revelador do preconceito contra Educao nos Museus o de monitor para aquele profissional encarregado de visitas, recebendo escolas e professores. Geralmente so educadores formados em Universidades, nos cursos de Histria, de Arte, de Educao e at mesmo de Comunicao. Eles so educadores, pois tratam de ampliar a relao entre o museu e o pblico, ou melhor, so mediadores entre a obra de arte e o pblico. Monitor quem ajuda um professor na sala de aula ou o que veicula a imagem gerada no HD, no caso de computadores. Atrelada palavra, vai a significao de veculo e de falta de autonomia e de poder prprio. Mas, a paisagem social de monitores de museu est mudando e a funo, atraindo jovens sados das classes mdias que no querem se sujeitar ao sistema, ensinando em escolas. Para eles muito mais prazeroso e significativo trabalhar em museus, alm de que podem agentar a incerteza econmica da profisso. Alguns museus, os mais intelectualizados, em respeito nova classe social que neles trabalha, esto conferindo mais dignidade designativa profisso e chamando-os de EDUCADORES, titulo ao qual fazem jus. Mas, em mega exposies como a Bienal de So Paulo eles continu-

am a ser chamados de monitores. O trabalho na Bienal duro demais, so muitas horas e paga-se pouco. Como resultado, atrai estudantes universitrios de classes sociais mais baixas, por isso a elite se d bem ao desqualific-los como meros monitores ou ao faz-los vestir uma camiseta que traz nas costas designao mais desqualificante ainda - tira dvidas, como foi feito na Bienal de 1998. Em outra Bienal, resolveram reservar a monitoria para os alunos da Fundao Armando lvares Penteado. Os alunos desta escola, uma das mais caras do Brasil, pouco se interessaram. A Bienal foi obrigada a aceitar alunos de Escolas de Arte da periferia e das universidades pblicas como USP e UNESP, injustamente consideradas escolas de ricos. Essa uma propaganda da direita contra a universidade pblica. Eu ensinei 34 anos na USP e nunca tive um(a) aluno(a) rico(a). II - Visita guiada outro termo preconceituoso. Pressupe a cegueira do pblico e a ignorncia total. Uso h vinte anos o termo visita comentada e, por algum tempo, chamei visita dialogada. Preferi comentada, porque o visitante pensa que no vai se comprometer, vai s ouvir e, no processo, engaja-se sem ter tido chance de se recusar ao engajamento. O dilogo significa participao do visitante tambm e, declarado de pronto, pode amedrontar. Ningum quer se confrontar com sua prpria ignorncia. Contudo, o sentido epistemolgico de uma visita com educador de museu e qualquer pblico tem sempre que ser o dilogo. Ao pblico resta escolher: se voc quer visitar o Museu sozinho e calado, como muitas vezes tenho necessidade, tudo bem. Quando meu marido estava no hospital eu saa de l desesperada por consolo e corria para o museu mais prximo, ansiando por no encontrar ningum e ficar sozinha com as obras. Nessa ocasio, uma exposio de Lvio Abramo no Centro Cultural Tomie Ohtake me agasalhou muitas vezes. Mas, se algum quiser dialogar, chama-se um educador para, juntos, verem a exposio, comentarem, trocarem idias e sensaes sobre a obra e informaes sobre a exposio. Em So Paulo, os nicos lugares em que me sinto vontade para fazer isto so o Centro Cultural Banco do Brasil e o Ita Cultural. Outro dia pedi um educador no Ita, fiquei feliz, pois achei que ele no me reconheceu e, no final, at dei meu carto ou meu nome a ele, achando que ele nunca ouvira falar em mim. Foi uma tima visita, falei de curadorias que fiz, comentamos sobre aquilo de que mais gostvamos na exposio, foi um dilogo mais que agradvel, foi recompensador e tive conhecimento de detalhes do processo de

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criao de algumas obras, fato que melhorou minha recepo a elas. Sa pensando que bom, no enganei o educador, porque demonstrei ser do ramo, mas no disse que era arte/educadora, o que podia t-lo inibido. Dias depois, recebi um e-mail de Renata Bittencourt, diretora do Educativo do Ita. Entre outras coisas, ela me dizia que o educador tinha gostado muito de nossa conversa. Fomos bons atores, fingimos bem. III- Curadoria Educativa no propriamente preconceituoso, mas usado para dissimular o preconceito. s um meio artificial de tentar conferir a mesma importncia da educao curadoria de obras de arte. Para mim, a importncia a mesma, mas no assim que a elite que comanda os museus pensa. Da o artifcio curadoria educativa, muito usado por quem organiza cursos, seminrios etc. e quer ser importante. Em primeiro lugar, seria interessante analisar por que no Brasil as instituies procuram dar nomes - fantasia, como dizem os farmacuticos, Educao. Poucas so as instituies como museus e centros culturais que tm a coragem de designar seus departamentos voltados para ensino, divulgao ou extenso simplesmente de Departamento, Setor ou Diviso de Educao. Isso no ocorre no Primeiro Mundo. Houve um tempo em que a Frana escondia o trabalho educacional de suas instituies sob o nome de Ao Cultural. Era a sndrome ps 68 de rejeio Educao. Hoje assumem o papel educacional e a designao educao com orgulho e com a conscincia de que a principal funo da cultura educar, como vem apregoando Jack Lang, que j ocupou com muito sucesso o Ministrio da Cultura e o Ministrio da Educao. Porque ser que temos tanta vergonha de nos aliarmos educao e adotamos expresses desviantes, maquiadoras, como ao educativa, ao cultural, curadoria educativa (quando se trata simplesmente de organizao de cursos, congressos, seminrios) e outras mais limitantes e burocratizadas, como servio educativo, quando o que fazemos especificamente Educao? O desprezo pela educao que caracteriza as entidades culturais de elite ainda maior quando essa entidade se dedica arte, especialmente s artes plsticas. Parece que, em se tratando de arte, quanto mais proteg-la da contaminao com Educao, mais valiosa ser. O pior que o nojo por educao ataca com uma freqncia enorme

os prprios professores de arte de faculdades e universidades. No raro, no Brasil, que artistas professores(as) universitrios(as), em discusses sobre ensino universitrio ou em congressos de arte/educao, em geral, comecem ou terminem por afirmar enfaticamente que no entendem de Educao. Como ensinam, por que ensinam, a quem ensinam no os interessa. Deveriam se interessar por essas questes, ou ao artista basta sua obra para ensinar? Alm disso, disseminam o slogan modernista de que arte no se ensina. Sejamos radicais: nada se ensina e tudo se aprende, depende do dilogo, da interlocuo, da intermediao, da necessidade e do interesse. A realidade que a maioria dos artistas, quando ensinam arte, fazem-no para complementar oramento. Ao desprezo pela educao, caracterstico daqueles que se dedicam s atividades de elite e no so ricos, acrescenta-se uma certa vergonha por no ser campeo de vendas, o que lhe permitiria viver exclusivamente da mercantilizao de seus trabalhos. Na cultura artstica brasileira, educao considerada sinnimo de mediocridade. Ser pela m qualidade de nosso ensino? Talvez no, porque os que tm horror educao no entendem de educao, no sabem julgar o que qualidade em educao, nem em relao ao ensino que praticam. Acredito que foi a ao repressora da ditadura e os baixos salrios que criminalizaram a educao no Brasil. Na sociedade neoliberal s merece respeito quem tem dinheiro para consumir. No mundo das artes plsticas, os que importam vestem-se bem, vo aos cabeleireiros de luxo, podem comprar obras de arte, podem influir ou aspiram a influir em conselhos de galerias e museus e, principalmente, nas decises das instituies que financiam projetos e do bolsas. Qualquer defesa da educao levanta a suspeita de pobreza no bolso e, por raciocnio primrio, no esprito. a lgica capitalista. Para no parecer injusta, quero lembrar que nos ltimos anos empresas e fundaes ligadas a empresas ou ao capital desnacionalizado, alertadas pelas naes centrais sobre os perigos endmicos da misria na sociedade que os circunda , tm criado programas de apoio financeiro a projetos de educao para os pobres. Entretanto, as razes neoliberais se impem e limitam a ajuda a projetos que possam em curto prazo se autofinanciar. A verdade que aqueles que so mesmo necessrios nunca podero se autofinanciar, porque no so comerciais, enquanto

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muitos projetos equivocados que colonizam mais ainda a pobreza servem de marketing para pessoas e empresas financiadoras. Mas, voltemos s instituies culturais. No Brasil, em museus e centros culturais, a educao, embora glamourizada por outro nome, sempre a ltima na escala de prioridades e valores hierrquicos. Curadoria Educativa mais um artifcio para nominalmente esconder que devemos tratar em museus de EDUCAO. Considero o termo curadoria educativa pedante, revelando falta de coragem de se enfrentar o que importa: EDUCAO. pattica a tentativa de se aliar a um termo de prestgio nos museus para fazer a EDUCAO ser engolida goela abaixo pelos capitalistas. tentativa de enganao da EDUCAO. Estudar curadoria, sim, os cursos universitrios deviam ter esta matria no currculo, para que os jovens no confiassem tanto nos desgnios dos curadores. Aprenderiam que muito curador apenas um poltico da arte. Privilegia uns para ser privilegiado por outros. Defendo at que se deveria fazer experincias de curadoria em sala de aula do ensino fundamental. Sobre curadoria na sala de aula, houve um trabalho muito interessante na Escola da Vila feito por Rosa Iavelberg, mas no sei se ela escreveu acerca. Esse processo foi muito bom e levou os alunos a preparar suas prprias exposies e assumir papis de curador, assistente de curador, designer de espao etc. Ana Amlia Barbosa tambm fez um excelente trabalho com os alunos adultos (na maioria professores) do NACE/ECA/USP. Era um curso com trs componentes: fazer arte, leituras de obras e do campo de sentido da arte e contextualizao (metodologias). Os alunos do componente fazer arte, ao fim do ano, tinham que organizar uma exposio de seus trabalhos em galeria de arte comercial ou museu. Tinham que conseguir a galeria, escolher os trabalhos e organizar o discurso da exposio, fazer os convites e folder (design grfico), fazer divulgao e montagem, projetar as atividades para educao etc. A exposio aconteceu e o texto que a explica foi impresso no folder. A tese de doutorado de Fabio Rodrigues, na Universidade de Sevilha, fala desse processo e da exposio. Mais um outro exemplo a excelente dissertao de Fabola Burigo, que trata de uma galeria de arte dentro da escola para trabalhos de artistas e dos alunos tambm. Essas aproximaes com curadoria so valiosas, pois promovem o pensamento crtico. Curadoria Educativa para substituir Educao em museus ou organizao de cursos pedantismo.

.06A corporificao da experincia: para que serve isso que voc est me dizendo? Anderson Pinheiro entrevista o Prof. Dr. Eduardo DuarteAnderson Pinheiro - H uma divergncia entre alguns profissionais de museus sobre a nomenclatura de que quem trabalha diretamente com o pblico. Para algumas instituies ele o mediador cultural, para outras, o monitor, para outras, o arte-educador ou, ainda, o educador. Essa denominao depende, muitas vezes, dos dirigentes ou da coordenao dessas instituies. Partindo disso, numa conversa anterior, o senhor me disse o seguinte: A preocupao quanto ao discurso implica uma re-forma de paradigma, de sistema conceitual, de percepo de mundo para o arte-educador. E uma ao dessa natureza tem de ter vrias frentes simultneas, como um programa bem pensado de reviso de valores a fim de que, espontaneamente, o prprio sistema refaa sua proposta de ao. Se no for assim, e com muita pacincia, qualquer trabalho nesse sentido fica muito ferramental, os arte-educadores vo usar as novas informaes, sem conseguirem ser reformulados por elas. Ento, j que entramos no que seria um problema dos arte-educadores, o que o senhor pode dizer quanto nomenclatura que se d a quem trabalha diretamente com o pblico no processo de mediao? Eduardo Duarte - So duas situaes polticas distintas, e so duas problemticas realmente distintas, em relao, sobretudo, a essa mensa-

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gem. Na realidade, a minha preocupao maior entender que todo grupo de educadores foi formado por. Um formado por indica que ele foi fragmentado a partir de uma tradio. A pergunta que se faz se a tradio na qual aquele que educa foi formado suficiente, nos dias de hoje, para dar conta do processo educacional; seja ele no campo das artes, seja no campo das cincias, da humanidade, da biologia etc. Seja l em que campo for. O fato que a crise de paradigmas que ns encontramos na produo de conhecimento, na produo de pensamento, estabelece-se exatamente por conta de certa noo inclusa na perspectiva epistemolgica daqueles que formam os formadores. Essa perspectiva muito antiga, so princpios que norteiam o fazer-saber a preparar um educador para que ele execute um trabalho de formao partindo de uma idia de que aquele que ele vai formar no tem, organicamente e cognitivamente, um motor prprio cognitivo de percepo das experincias estticas. E quando falo em experincia esttica, eu me refiro tambm experincia cientfica, porque um pesquisador s se interessa em fazer cincias se, de alguma forma, for tocado esteticamente pela beleza do que significa fazer cincia. Ento, no apenas por uma questo mercadolgica, quantitativa e financeira, mas um verdadeiro cientista se apaixona; ele v, nas frmulas de qumica, de fsica, uma beleza de cumplicidade do mundo a sua volta que o inspira. Ento, h uma experincia esttica por trs do fazer cientfico. Eu parto do princpio de que a experincia esttica um processo de descoberta, quando o conhecimento se forma enquanto corpo; ele no algo que voc ensina, algo que voc me aponta, mas quem compreende, quem forma esse conhecimento sou eu. Atravessar essa porta, por exemplo, s pode fazer sentido se eu atravessar a porta, mesmo que voc me diga atravesse essa porta, porque voc vai chegar ao estacionamento. Mas, voc me dizer, apenas cria para mim um referencial terico do que significa chegar ao estacionamento; o referencial terico no a corporificao de um conhecimento. J existem aqui duas matrizes muito diferentes. A idia de que voc, o educador, ou algum tm informaes acumuladas a respeito de tal situao, ou o educador que corporificou um conhecimento a respeito de uma determinada situao. Isso o que quis dizer de uma diferena paradigmtica profunda, porque voc s pode, de fato, criar sensibilizaes nas outras pessoas, no seu alunado, ou nas pessoas que querem ser monitoradas, ou naqueles que vo visitar o Espao Cincia (no vejo muita diferena entre o Espao Cincia e um museu de arte) se essa sensibilizao passar pela

sua corporeidade. E a vem o grande desafio, formar investigadores ou formar educadores esbarra na dificuldade deles prprios, que querem compreender o para que serve. Se est me ensinando serve para alguma coisa? Na medida em que eu me preocupo com para que que serve, eu vou instrumentalizar isso na justa medida na qual voc me ensina para que eu devo usar. Mas, uma verdadeira frmula de sensibilizao implica ultrapassar sua expectativa de para que serve e, inclusive, ir contra suas expectativas na medida em que estou tentando formar em voc uma nova capacidade possvel de reinventar o que o apresento. Mas isso s possvel se seu corpo vibra e descobre sentido nele mesmo para o que descobre. Constantemente, nas minhas aulas sobre Cultura e Cognio, os alunos chegam e dizem para que serve isso que voc est me dizendo?, e eu digo serve para voc dar um tiro na sua cabea. Ento eu provoco um choque, eu no respondo. E imediatamente h uma baixa de guarda neles. s vezes ficam com raiva de mim, s vezes ficam simplesmente como se estivessem escutando um Koan (Koan uma piada zen). Um Koan na medida em que o tempo dir pessoa que h a necessidade de encontrar uma funcionalidade ou de criar um sentido prprio para o que ouviu. Ento, preciso criar novos deslocamentos referenciais, novas sensibilizaes, ou aquilo que eu chamo de novas experincias estticas. No se trata de, ao final dessa formao, o indivduo ter um conjunto de ferramentas de como vai executar o seu trabalho com outras pessoas. Ele j tem condies, porque j corporificou certa densidade de conhecimento para alm da informao de comear a processar a sua forma de gestar para o outro a sensibilidade que ele vai passar. como quem diz a uma criana que quer colocar o dedo na tomada no coloque o dedo, porque voc vai levar um choque, isso apenas uma informao; ela no entende isso, ento ela pode saber a informao de que passa choque; mas, o que choque? Ento, num determinado momento, ela pode colocar o dedo e tomar o choque; ento, ela corporificou a informao. Agora, todo o corpo dela entende o que choque, todo o corpo dela entende o que significa aquilo e pode, inclusive, transformar aquela corrente eltrica numa idia para uma outra construo que estava para alm da informao que foi dada. AP - A corporificao seria a prpria experincia? ED - a experincia esttica! um estgio de vertigem que pode amorosamente conduzir uma pessoa a relativizar o ponto de vista do qual ela v

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o mundo. Se voc consegue ajudar algum a relativizar o ponto de vista do qual ela v o mundo, ela cria enormes possibilidades de se afetar por circunstncias do mundo que nunca lhe foram apresentadas. H 20 anos que ns temos uma massificao de uma narrativa visual que acelera a percepo cognitiva de espao-tempo. Muitos de meus alunos que fazem comunicao dizem isso feio, isso ruim, isso chato..., diante de filmes de narrativas mais lentas. Mas eu digo que o lento faz parte do que produzido pela cognio do planeta, como que voc poder comunicar algo ao mundo se voc restringe ao mundo apenas aquilo lhe informou, ou seja a velocidade? preciso que voc possa passar por uns abalos fsicos que possam reorganizar suas prprias questes do ponto de vista cognitivo, de modo a comear a haver uma possibilidade de sentido na produo cultural que destoe a sua compreenso. Mas isso no como uma informao que voc dever armazenar; isso como uma corporificao. AP - Certa vez, vi uma referncia que para causar um estranhamento no outro preciso gerar uma estrutura que seduza o outro, concorda com isso? Realmente tem que criar uma estrutura de seduo? Essa seduo est baseada no dilogo? ED - Est baseada no dilogo e ela est baseada sobretudo nele. O dilogo a ferramenta, mas nenhuma ferramenta faz sentido sem que haja antes uma predisposio. H um livro de que eu gosto muito, chama-se On dialogue, do fsico David Bohm e ele escreveu que: fundamental ao dilogo que os participantes suspendam suas estruturas tcitas de conceitos de idias para poder encontrar-se com as estruturas tcitas de conceitos e idias do outro. Para ele essa era a condio para haver o dilogo, porque eu no posso considerar a existncia de um dilogo na medida em que as suas estruturas mais profundas no esto disponveis. Para que haja dilogo, preciso que haja disposio, e para que haja disposio preciso que haja uma relativizao do que certo e do que no certo. AP - No seu artigo Epistemologia da comunicao, o senhor se refere ao objeto de comunicao. H uma frase que diz que o objeto da comunicao engloba as manifestaes dos artistas, miditicas ou no. O senhor poderia explicar melhor essa manifestao dos artistas?

ED - Qualquer coisa que se coloca em uma posio de ser uma obra de arte, mesmo que ela no tenha sido colocada em suporte de mdia (fotografada, codificada no jornal ou cinemafotografada), se ela uma obra de arte, ela inevitavelmente uma proposta de comunicao. uma proposta. Ela pode efetivar a comunicao, naturalmente ou no. Ento, veja que objeto de forte comunicao quando voc tem um quadro como a Monalisa, que est l no Museu do Louvre. Sobre essa obra, vrias tradues e retificaes j foram dadas, mas ela continua l sendo motivo de novas recriaes. Ela continua sendo atualizada pelas recriaes que pode suscitar entre as pessoas. Ento, no instante em que voc tem o espectador participando ativamente das reconstrues imaginrias que uma obra suscita, ela estabelece um lao de comunicao, porque ela no apenas um canal de informao de um tempo. Honestamente, eu creio que s a obra de arte pode ser canal, realmente, da mobilizao da comunicao. Ou, para no ser totalmente radical, ela tem a maior disposio de provocar e provocar-se como objeto de comunicao. A obra de arte implica, inevitavelmente, uma parada no tempo. A obra de arte estabelece para com aquele que vai se relacionar com ela uma nova configurao espao-temporal. Nessa reconfigurao espaotemporal, o indivduo inevitavelmente tem que se desabrigar do seu contexto para poder, sensibilizado medianamente ou profundamente, ser atrado para aquele espao miditico sonoro ou contextual que se coloca como obra para ele naquele instante. Ento, o que, talvez, seja um grande desafio para todos ns que procuramos falar sobre educao, procuramos falar sobre arte, sobre comunicao entender o tempo em que cada coisa toma corpo com aquele em que ns conversamos; porque se no houver respeito pelo tempo em que o fenmeno toma corpo, jamais estaria mediando, jamais estaria facilitando. Eu no estou preocupado, realmente, com o efeito classificatrio das teorias da arte em relao obra, eu estou mais preocupado sobre qual a intensidade de provocao perceptiva e de deslocamento perceptivo que ela provoca, estou muito mais interessado nisso. Portanto, quando falamos sobre qual a palavra que melhor define a profisso de vocs, eu acho que a melhor palavra educador mesmo. Mas, a gente precisa saber de que tipo de educao ns estamos falando. mediador? Tambm. um facilitador? A eu tenho medo. Eu tenho medo da palavra facilitador. Pois facilitador um termo to pertinente quanto impertinente, porque todo aquele que facilita alguma

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coisa tambm dificulta outra, todo aquele que dificulta num argumento facilita num outro; ento facilitar no acho que seja a melhor maneira de descrever. O fato mesmo que estamos diante de combinarmos sobre qual educao ns estamos falando? De uma educao dentro da qual voc opera com o repertrio de expectativas de sensibilizaes que o seu pblico tem em relao ao que voc vai fazer? Ou voc est se referindo a uma educao na qual o banco escolar implica: Oua, anote e qualquer pergunta, no final, fale? Ento, so duas formas de voc apontar o processo de educao. AP - Eu posso dizer, assim, que numa mediao o profissional deveria proporcionar esse discurso crtico que vai permitir uma repercusso, tendo determinado tipo de postura, de discurso, de dilogo? ED - O que ele deve ter como preocupao abrir o sistema de compreenso e no fech-lo, essa a premissa que eu acho que todo educador deve ter. Voc pode trabalhar o contedo como informao a ser passada, ou o contedo como um problema a ser pensado. Se voc trabalha com o problema, toda a informao histrica que voc utiliza, voc utiliza no contexto de provocao, voc est sempre conduzindo o seu grupo a que se instale um problema. Acho que essa uma diferena gritante no processo de compreenso. Enquanto estou falando de problema, estou falando das circunstncias humanas que esto ali presentes, sempre uma tentativa de fazer voc habitar no a informao, mas o problema. Algum que v fazer uma crtica de um novo filme, por exemplo, que vai estrear na semana que vem, pode tratar desse filme dizendo ele isso, ele assim, ele assado, ele no presta ou ele bom. Ou eu posso coloc-lo dentro de uma moldura contextual, de uma poca de produo na qual certas sensibilizaes so apresentadas e, quando eu entro por a, conduzo o espectador a habitar, ele sai com uma disposio de entender os caminhos que a obra est abrindo, sem que, necessariamente, venha a se posicionar com isso bom, isso trash, isso presta, isso no presta. Ento, criar no outro a disposio de que o outro recorra a vises e imagens de organizao dessa informao. o que eu digo sobre a diferena entre voc dar um conhecimento fechado (aprenda assim e reproduza) e voc dar um conhecimento aberto, um conhecimento em que voc aposta na capacidade criativa que o outro tem.

.07Ser que a influenciou de alguma forma? Anderson PinheiroE l vem ela do outro lado da sala sorrindo. Aquela garota nos seus quinze, dezesseis anos. Chega perto e diz: ol, tudo bem? No me lembro dessa garota, mas respondo, cuidadosamente (com um sorriso tambm), que vai tudo muito bem sim. E ela continua o seu relato como se fosse minha melhor amiga, como se todos os dias eu a visse e ns comentssemos sobre algum fato cotidiano: faz tempo, n? Deus meu, o que que faz tempo? Prossigo na conversa dizendo que verdade, pois se aquela garota diz que faz tempo, deve ser por isso que eu no consigo me lembrar da dita cuja. Ento ela prossegue: Vim novamente com esse grupo, mas no consigo me lembrar daquela histria sobre aquela pea (e aponta discretamente com um pedacinho de dedo). E ainda complementa: naquele dia voc at me contou, mas eu no consigo me lembrar. Bom, pelo menos estou comeando a encaixar algumas peas de minha memria a partir dessas informaes, pois j sei que ela j visitou esse museu antes e que sua visita foi mediada por mim. Pergunto o que tem feito da vida j que, segundo ela mesma informou, faz tempo que no aparece por ali. Ela me responde: estou no segundo ano e fazendo esse curso de administrao tcnica. Pxa, bacana mesmo, agora j sei que ela ainda estuda e que veio antes com uma escola. Minhas memrias j conseguiram encontrar no meu poro imagtico a associao que faltava para eu me lembrar dela. Agora eu me lembro de tudo. E tudo comeou assim.... Um grupo de alunos do ensino mdio de uma escola pblica recifense tinha ido visitar o museu cerca de um ano atrs. A maioria do grupo nunca tinha ido ao museu e entre eles essa garota. O grupo mostrara-se, aparentemente, um pouco desconfiado ou um pouco tmido, ou ambas as coisas. Eles j tinham sido orientados por seus responsveis quanto ao comportamento adequado dentro dos espaos

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expositivos. Esses acordos de boa convivncia sempre so bons para ambos os lados, mas s vezes desconfio de que, para alguns grupos, eles viram regras supremas cuja ruptura por qualquer um dos membros pode desencadear uma possvel punio severa, ser isso mesmo? Bourdieu (2003) faz uma comparao interessante, em seu livro O amor pela arte, entre um museu e uma igreja, j que ambos possuem rituais sociais de trnsito, de modo a gerar uma peregrinao e muitas vezes uma consagrao exacerbada de relquias, levando esses produtos e o espao a um local de adorao. Sendo assim, o mais difcil em qualquer situao a conquista. Sendo ela gradual e baseada na confiana, pode ser compartilhada a partir da honestidade na comunicao do mediador com o grupo, tornando assim mais simples a compreenso das regras (por que no posso tocar as esculturas?), fazendo-os sentirem-se inseridos no contexto museolgico. No seria perfeito se pudssemos ativar em todos ns outros sentidos, alm do ocular, na fruio esttica? Atravs de pesquisas realizadas na dcada de 1960 em museus europeus, Pierre Bourdieu e Alain Darbel (2003) mapearam diversas caractersticas sociais e culturais do pblico visitante de museus. Numa dessas pesquisas, percebe-se que, entre as classes populares (agricultores, operrios, etc.), 42% do pblico desejava a visita com um conferencista contra 17% que preferia estar s. Entre o pblico da classe mdia (Artesos, comerciantes, empregados, etc.), 40% preferiam estar com um amigo competente contra os 26% que preferiam um conferencista. J nas chamadas classes superiores (estudantes, professores, especialistas em arte, etc.), 40% preferiam visitar s, e 43% preferiam estar com um amigo competente. Com isso percebeu-se que Enquanto os membros das classes cultas sentem repugnncia pelas formas mais escolares de ajuda, preferindo o amigo mais competente ao conferencista e o conferencista ao guia que se ri da ironia distinta, os visitantes oriundos das classes populares no tm receio do aspecto, evidentemente escolar, de um eventual enquadramento: no que diz respeito a explicaes, quanto mais houver, melhor... sempre bom ter explicaes seja l para o que for (...). O mais importante o guia que nos orienta e nos fornece explicaes (operrio, Lille). Em vez de ficar s, gostaria de estar com algum qualificado; caso contrrio, a gente passa ao lado e no v nada (operrio Lille) (Bourdieu, 2003:88)

J Klaus-Dieter Lehman, presidente do Goethe-Institut, numa palestra em 2006 a respeito de uma determinada exposio sobre esculturas gregas, verifica que, at o sculo XIX, havia a possibilidade de o museu atender o pblico de modo individual. Algo que se tornou impossvel nos tempos atuais devido multiplicao de visitantes, necessitando uma ao educativa que gerasse estratgias de atendimento de modo que esses profissionais qualificados no fossem conferencistas, e sim mediadores de dilogos entre a exposio e o pblico.i Outra construo difcil aps a conquista da confiana fazer com que um grupo aparentemente mudo possa incluir voc em seu dilogo (monlogo) mental. Alguns at ousam e participam, mas estes j so, assim, extrovertidos por natureza, geralmente ficam vontade mais rpido. Acredito ser importante no esquecer aqueles que tem um mundo de idias na cabea e que gostariam de trocar figurinhas, mas que sentem pnico em ser ridicularizados por seus parceiros. Assim foi com aquela garota. Ela estava praticamente colada em mais duas outras garotas como se uma se apoiasse na outra e assim por diante. Ela nunca falava nada, mas sempre observava com uns olhos disfaradamente atentos. Como me chamou ateno, resolvi fazer um questionamento. verdade que assim, de supeto, ela ficou um pouco mais nervosa, mas de algum modo resolveu responder ao desafio. Arriscou uma resposta conforme ela acreditava que poderia me satisfazer. Questionei se, caso ela observasse melhor os detalhes, a resposta seria ou no diferenteii. E se era nessa resposta que ela acreditava, (e pensei: afinal, no era a mim que a mesma deveria satisfazer, mas apenas a ela). Ela hesitou... Talvez esse comportamento se deva a que, muitas vezes, a imagem do mediador (ou a idia dessa imagem), suas discusses e conseqentes conexes tendem a confirmar a posio do detentor das informaes que o difere por completo daquele que se encontra a sua frente. Aquele que, como Mefistfeles (personagem do livro Fausto, de Goethe, sculo XIX), guia pelos caminhos dos saberes diversos, levando o visitante a embarcar nesse roteiro. Existe um perigo nesse itinerrio: o modo como o (suposto) dilogo conduzido, e todos ns precisamos ter cautela. s vezes parece que acontece uma subestimao quanto bagagem informativa que o outro possui. Cada vez mais o mediador ocupa um espao na vida desse outro como um amigo, professor ou parente que vai alm de um mero conhecido. Ao construir um processo dialtico com esse visitante, o mediador tem acesso a um local que j no mais dele, uma interseo entre o

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mundo dele e o do outro que se expe, como uma rede de conexes epistemolgicas. Ao ser solicitado por participao e raciocnio perante os objetos do museu (ou do mundo circundante), o visitante abre a porta de seu ntimo para relatar as associaes / idias / conexes vivenciadas, permitindo-se ao dilogo. Pe, de certo modo, sua cara tapa. Um mediador que no est pronto para agir dinamicamente com essas conexes e continua no desenrolar do seu discurso narcisista no exatamente um profissional a que se preze o respeito. Afinal, ser mediador no se trata exatamente de ouvir as partes, gerando uma boa compreenso entre si e incentivando o outro a participar, a expressar? Segundo Gilberto Velho: Os indivduos, especialmente em meio metropolitano, esto potencialmente expostos a experincias muito diferenciadas, na medida em que se deslocam e tm contato com universos sociolgicos, estilos de vida e modos de percepo da realidade distintos e mesmo contrastantes. Ora, certos indivduos mais do que outros no s fazem esse trnsito, mas desempenham o papel de mediadores entre diferentes mundos, estilos de vida e experincias (VELHO & KUSCHNIR, 2001:20 apud RIAL, 2001). Sendo assim, de se esperar que essa interao entre os mundos do mediador e do visitante se d por completo quando h a percepo do outro, estando no lugar do outro e participando com o outro desse processo de visita dialogal. Construindo uma afetividade naquele espao de tempo to mnimo que passe a se tornar uma experincia, no apenas uma vivncia, j que o sujeito da experincia tem algo desse ser fascinante que se expe atravessando um espao inderteminado e perigoso (LARROSA, 2004). Como Heidegger pde muito bem definir: Fazer uma experincia com algo significa que algo nos acontece, nos alcana; que se apodera de ns, que nos tomba e nos transforma. (...) podemos ser assim transformados por tais experincias, de um dia para o outro ou no transcurso do tempo. (HEIDEGGER, 1987 apud LARROSA, 2004:162) Quanto garota, ela respondeu a minhas indagaes e me deixou satisfeito. Naquele primeiro encontro, ela era apenas mais uma de um grupo que recebia diariamente. A volta dela foi que me assustou. Levou-me a

questionar meus atos e a estar sempre atento s palavras com as quais eu me dirijo ao outro. Pergunto-me sempre: o que ser que eu disse ou fiz para que fizesse parte da bagagem imagtica dela? Ser que a influenciou de alguma forma? Como sou tolo, claro que sim!__________i No Brasil, foram surgindo, desde os anos 50, os primeiros servios educativos em Museus (que) foram organizados (...) por Ecyla Castanheira e Sgrid Porto, no Rio de Janeiro. Os anos 80 foram marcados pelo incio dos cursos de formao de professores de Arte introduzindo-os condio ps-moderna. J nos anos 90, implantaram-se setores educativos nos museus, seja por fatores econmicos (quantidade de pblico versus quantidade de patrocinadores) seja por fatores educacionais. (BARBOSA, 2004) ii Essa experincia aconteceu no Instituto Ricardo Brennand, em 2007, cuja coleo possui alm de outros objetos, armas brancas. A Ao Educativa&Cultural dividiu, para melhor atender ao pblico escolar, as visitas pelo museu por temas, que so escolhidos pelo professor ou responsvel no ato do agendamento. Um dos meus exerccios na visita com o pblico adolescente era deixar o olhar caminhar pelo acervo, deixando assim que fossem feitos os recortes referenciais.

Referncias bibliogrficas BARBOSA, Ana Mae. REVISTA MUSEU. Museu como laboratrio, 2004. Disponvel em: http://www.revistamuseu.com.br/artigos/art_.asp?id=3733. Acessado em 05/04/2008. BOURDIEU, Pierre. DARBEL, Alain. O Amor pela Arte So Paulo, EDUSP e Ed. Zouk, 2003. LARROSA, Jorge. Linguagem e educao depois de babel. Belo Horizonte, Autntica, 2004. LEHMAN, Klaus-Dieter. FRUM PERMANENTE. Palestra sobre a exposio Deuses Gregos, FAAP, So Paulo, 17 de agosto 2006. Disponvel em: http://forumpermanente. incubadora.fapesp.br/portal/.event_pres/jornadas/folder.2006-08-10.8328589885/ relato-lehmann/. Acessado em 19/04/2008. RIAL, Carmen. Mediao, Cultura e Poltica. MANA(on-line), Rio de Janeiro, v.7, n.2, 2001. Disponvel em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010493132001000200014&lng=en&nrm=iso. Acessado em 07/04/2008.

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.08Construo de sentidos e vivncias estticas: algumas consideraes sobre a relao entre jogo e arte-educao Neila PontesSo vrias as representaes que encontraremos associadas palavra jogo. Inmeras situaes so hoje denominadas jogo, de modo mais direto ou metafrico. Atividades de naturezas as mais distintas como, por exemplo, o jogo de cartas ou o jogo da seduo tm sua denominao primordial na palavra jogo. Impossvel definir tal palavra em rigor cientfico seno estritamente associada ou referente a outros conceitos subjacentes. Os usos contemporneos desse vocbulo designam aes de naturezas diversas que, de modo geral, envolvem a proposio de relaes entre os jogadores, as regras que permeiam essas realizaes e o ldico. Estes trs pilares podem traduzir uma idia generalizante de jogo, que permeia desde as relaes interpessoais at o uso didtico de atividades ldicas com fins educacionais. O que se tem como princpio que o jogo trabalha com smbolos e, portanto, permite a manipulao mental destes para a construo de sentidos, ou seja, possibilitam uma significao ou interpretao. Conceitos esses que subtendem o processo de escolha das conexes que so estabelecidas pelo indivduo no momento do jogo as quais variam de acordo com os processos individuais e subjetivos de explorao, identificao, reflexo, decodificao, apropriao, entre outros. Johan Huizinga, em sua obra Homo Ludens (1872-1945), evidencia este processo de seletividade e construo de sentidos pertinentes ao jogo ao afirmar que: Se verificarmos que o jogo se baseia na manipulao de certas imagens, numa certa imaginao da realidade (ou seja, a transforma-

o desta em imagens), nossa preocupao fundamental ser, ento, captar o valor e o significado dessas imagens, dessa imaginao. Observaremos a ao destas no prprio jogo, procurando assim compreend-lo como fato cultural da vida.(HUIZINGA, 1980:7). As imagens, principalmente as das Artes, so pautadas na representao, e os recortes selecionados obedecem construo histricosocial do sujeito que a produz. O artista, em seu ato criativo (que em alguns momentos tambm pode ser considerado jogo), representa, atravs de objetos simblicos, seus devaneios sobre aspectos da vida. Podemos perceber o jogo e a arte, ento, como atividades ldicas que simulam uma parte do real e permitem a explorao mental (atravs da imaginao) dos signos e dos smbolos, conectando-os em significaes, designaes. O jogo e a arte, que se estruturam no campo do imaginrio- simblico, constroem linguagens e constituem-se parcelas de cultura. Aqui podemos contar, mais uma vez, com as contribuies de HUIZINGA: Na criao da fala e da linguagem, brincando com essa maravilhosa faculdade de designar, como se o esprito estivesse constantemente saltando entre a matria e as coisas pensadas. Por detrs de toda expresso abstrata se oculta uma metfora, e toda metfora jogo de palavras. Assim, ao dar expresso vida, o homem cria um outro mundo, um mundo potico, ao lado do da natureza. (HUIZINGA, 1980:7) E refletindo sobre o mito, que tambm uma imaginao do mundo exterior, HUIZINGA afirma que: ... no mito e no culto que tem origem a grande fora instintiva da vida civilizada: o direito e a ordem, o comrcio e o lucro, a indstria e a arte, a poesia, a sabedoria e a cincia. Todas elas tm suas razes no solo primevo do jogo. (HUIZINGA, 1980:7) Podemos evocar vrios pontos de convergncia entre a arte e o jogo, como por exemplo, seu carter ldico e representacional, o jogo de analogias que permite o pensamento artstico e a construo de obras com significados prprios para o autor e os diferentes espectadores que tiverem acesso a elas, a frivolidade deferida tarefa criadora, o carter histrico-social de sua produo, posto que o artista ser socialmente construdo dentro de determinados parmetros criados pela sua socie-

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dade. Enfim, vrios elementos podem auxiliar no entendimento do entrelaamento existente entre esses dois termos. Na mediao cultural e social, podemos observar esses e outros pontos que ligam o jogo arte e evidenciam as atividades de criao simblica como expusemos acima. No percurso de uma mediao, que se pretende, na maioria dos casos, ldica e enriquecedora, os mediadores se colocam como propositores, auxiliares no processo de construo de sentidos, fornecendo informaes e estabelecendo, em conjunto com o pblico, as conexes imaginativas que lhes permitem construir seus prprios sentidos para o objeto. A mediao, partindo desse pressuposto, pode ser entendida tambm como jogo, um jogo de construo conjunta de sentidos que, como a