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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
NCLEO DE PS-GRADUAO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
REA DE CONCENTRAO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
RESDUOS SLIDOS DA CONSTRUO CIVIL E
DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL: MODELO
DE SISTEMA DE GESTO PARA ARACAJU
Autor: Emerson Meireles de Carvalho
Orientador: Prof. Dr. Jos Daltro Filho
JANEIRO - 2008
So Cristvo Sergipe
Brasil
ii
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
NCLEO DE PS-GRADUAO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
REA DE CONCENTRAO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
RESDUOS SLIDOS DA CONSTRUO CIVIL E
DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL: MODELO
DE SISTEMA DE GESTO PARA ARACAJU
Dissertao de Mestrado apresentada ao Ncleo de Ps-Graduao
em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de
Sergipe, como parte dos requisitos exigidos para a obteno do
ttulo de Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente.
Autor: Emerson Meireles de Carvalho
Orientador: Prof. Dr. Jos Daltro Filho
JANEIRO - 2008
So Cristvo Sergipe
Brasil
iii
FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
C331r
Carvalho, Emerson Meireles de Resduos slidos da construo civil e desenvolvimento sustentvel: modelo de sistema de gesto para Aracaju / Emerson Meireles de Carvalho. So Cristvo, 2008.
xxi, 183 f. : il.
Dissertao (Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente) Ncleo de Ps-Graduao em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Pr-Reitoria de Ps-Graduao e Pesquisa, Universidade Federal de Sergipe, 2008.
Orientador: Prof. Dr. Jos Daltro Filho.
1. Meio ambiente Desenvolvimento sustentvel
Aracaju / Se. 2. Construo civil Resduos slidos Lixo urbano. 3. Urbanizao - Ecologia. 4. Lixo de via pblica. I. Ttulo.
CDU 504.05: 628.4.033:69(813.7Aracaju)
BIBLIOTECRIA / DOCUMENTALISTA: NELMA CARVALHO 5/151
iv
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE
PR-REITORIA DE PS-GRADUAO E PESQUISA
NCLEO DE PS-GRADUAO EM
DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
REA DE CONCENTRAO: DESENVOLVIMENTO REGIONAL
PROGRAMA REGIONAL DE DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
RESDUOS SLIDOS DA CONSTRUO CIVIL E DESENVOLVIMENTO
SUSTENTVEL: MODELO DE SISTEMA DE GESTO PARA ARACAJU
Dissertao de Mestrado defendida por Emerson Meireles de Carvalho e aprovada em 24
de janeiro de 2008 pela banca examinadora constituda pelos professores:
_____________________________________________
Prof. Dr. Jos Daltro Filho Orientador
Universidade Federal de Sergipe
________________________________________________
Prof Dr Maria Augusta Mundin Vargas membro interno
Universidade Federal de Sergipe
_____________________________________________
Prof Dr Nlia Henriques Callado membro externo
Universidade Federal de Alagoas
v
Este exemplar corresponde verso final da Dissertao de Mestrado em Desenvolvimento
e Meio Ambiente
_____________________________________________
Prof. Dr. Jos Daltro Filho Orientador
Universidade Federal de Sergipe
vi
concedido ao Ncleo responsvel pelo Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente
da Universidade Federal de Sergipe permisso para disponibilizar, reproduzir cpias desta
dissertao e emprestar ou vender tais cpias.
_____________________________________________
Emerson Meireles de Carvalho Autor
Universidade Federal de Sergipe
_____________________________________________
Prof. Dr. Jos Daltro Filho Orientador
Universidade Federal de Sergipe
vii
Este trabalho dedicado aos meus pais Paulo (in
memorian) e Jacy, pelo incentivo e, sobretudo,
pelos valores que me ensinaram a cultivar por meio
de suas prticas cotidianas.
viii
AGRADECIMENTOS
Um trabalho desta natureza demanda um grande esforo pessoal. Seria um trabalho
solitrio, no contasse com a participao de tantas pessoas s quais tenho verdadeiro
prazer em agradecer.
s foras universais do bem, que me apoiaram e me guiaram sobretudo nos momentos
duros, os quais hoje percebo so inerentes a uma tarefa desta grandeza e que fazem a sua
conquista mais valorosa.
Aos queridos Patrcia, Ricardo e Paulo, pela compreenso nas ausncias e, principalmente,
pelo imenso amor que demonstram ter por mim, e que sempre me esforo para retribuir.
Vocs representam o que h de melhor em meu mundo.
Ao Prof. Dr. Jos Daltro Filho, profissional cuja dedicao e competncia o fazem um
exemplo de educador mais do que professor, pela confiana que depositou em mim e pela
seriedade com que conduziu a orientao.
Ao arquiteto Tarcsio de Paula Pinto, pelo estmulo para que eu fizesse este estudo e pelas
informaes prestadas a cerca da situao da gesto de RCD em diversos municpios
brasileiros.
Aos professores do PRODEMA e aos colegas da turma de 2006 pelas mudanas que
provocaram na minha maneira de pensar por meio das nossas discusses e vivncias.
Aos engenheiros Gustavo Lima e Augusto Wolf, da CAIXA, Paulo Roberto Costa e
Adroaldo Campos, da EMURB, e ao economista Paulo Freire de Carvalho Filho, da
DEHOP, pelas informaes sobre a produo habitacional em Aracaju.
Ao Diretor de Controle Operacional da EMSURB, engenheiro Gilson Barbosa Ramos, ao
seu Gerente de Limpeza Urbana, Sr. Jos Roberto Gomes do Carmo, ao Coordenador de
Resduos Slidos desta empresa, Sr. Jos Rinaldo de Souza e ao Sr. Jos Carlos da Silva ,
funcionrio do setor de medio da Gerncia de Limpeza Urbana, pela imensa boa vontade
ix
com que me receberam para discutir sobre a gesto de RCD em Aracaju e pelas
informaes prestadas sobre as caixas de coleta, volumes coletados e custos. Agradeo
tambm engenheira e Prof MSc Leonilde Gomes da Silva Agra, assessora tcnica da
EMSURB, pelas relevantes informaes sobre os carroceiros.
A Marly Menezes Santos, Diretora do Departamento de Sistemas de Gesto Ambiental e
Brgida Maria dos Santos, engenheira da ADEMA, pelas informaes sobre atuao deste
rgo e a situao das jazidas de minerao da Grande Aracaju.
Diretora de Planejamento da EMURB, engenheira Anete Hermnia Oliveira Pereira,
pelas relevantes informaes sobre o licenciamento de construes em Aracaju e interface
com a gesto de RCD, bem como ao analista de suporte do Departamento de Informtica
desta mesma empresa, Jean Carlos de Lima Silva, pelas informaes relativas s
construes licenciadas. Agradeo tambm ao engenheiro Sandoval Romo Batista pelas
informaes sobre o consumo de agregados utilizados pela usina da EMURB.
Aos engenheiros Carlos Henrique de Carvalho e Carlos Alberto Sales Herculano, pelas
informaes dadas a respeito das reas utilizadas, desde a dcada de 1970, para extrao de
areia e material argiloso em Aracaju.
Aos empresrios da construo civil e engenheiros Luciano Franco Barreto, Presidente da
ASEOPP, e Paulo Vincius Andrade, Vice-presidente de Tecnologia do SINDUSCON, por
partilharem comigo a viso do setor sobre a gesto de RCD em Aracaju e pelas sugestes
dadas.
Ao empresrio Ricardo Augusto Brando, proprietrio da empresa de coleta e transporte
Eco Recycle, pelas informaes sobre o transporte de RCD na cidade e pela fecunda troca
de idias sobre o setor.
Aos diversos partcipes das gestes municipais de RCD encontrados (funcionrios das
Prefeituras de Belo Horizonte, So Paulo e Aracaju, carroceiros, catadores, dentre outros),
que no se furtaram em partilhar seus pontos de vista sobre a questo de estudo e que tm
x
muito a contribuir para a efetivao de qualquer que seja a soluo proposta, razo pela
qual devem ser ouvidos sempre.
A Jacy Carvalho e Corina Figueiredo, pela contribuio na reviso do texto.
Aos meus familiares, amigos e colegas de trabalho da M&C Engenharia, pelo incentivo
constante e pela compreenso pelas faltas no perodo em que permaneci dedicado a este
objetivo.
Por fim, agradeo aos autores nos quais me apoiei para desenvolver meu conhecimento,
estejam eles citados neste trabalho ou no. Espero ter podido entend-los adequadamente e
ter dado continuidade e aplicao s suas idias de maneira adequada e construtiva.
xi
RESUMO
O grande volume de resduos originrios das atividades de construo e demolio,
dispostos de forma irregular nas cidades brasileiras, representa um relevante aspecto de
uma crise ambiental urbana que parte de uma crise ambiental mais ampla, cujas origens
encontram-se nas relaes sociais e no modo de produo capitalista, intensivo no
consumo de recursos naturais, e promotor da desigualdade social. O modelo de gesto dos
resduos de construo e demolio - RCD, adotado na maioria das cidades brasileiras,
tem-se caracterizado pela correo da destinao inadequada, em que pese haver legislao
especfica que regulamenta as atividades de coleta, transporte e destinao, cujo
fundamento a no gerao de resduos, seguida da reutilizao e da reciclagem, e
finalmente, da destinao adequada. O objetivo deste trabalho propor um modelo de
gesto de RCD que atenda legislao e seja capaz de contribuir para o desenvolvimento
sustentvel de Aracaju. Para alcan-lo, foi feito um levantamento bibliogrfico para se
conhecer as prticas atuais e alternativas possveis na gesto de RCD no Brasil e em outros
pases, e tambm um levantamento da urbanizao de Aracaju com especial nfase no
desenvolvimento e caractersticas na construo civil na cidade. Com o intuito de se
conhecer as caractersticas do atual sistema municipal de gesto de RCD da cidade, foram
feitas entrevistas com os envolvidos no sistema (geradores, transportadores e funcionrios
pblicos) e efetuada uma pesquisa de campo que revelou importantes caractersticas da
ao dos geradores e transportadores. Como resultado, props-se um sistema que,
embasado no instrumento legal regulador, incorpora as dimenses da sustentabilidade e
privilegia a participao dos atores sociais envolvidos.
Palavras-chave: construo civil; sistemas de gesto; resduos slidos; desenvolvimento sustentvel; Aracaju
xii
ABSTRACT
The great amount of residues originated from construction and demolition activities spread
out on irregular basis all over the brazilian cities, represents a relevant aspect of an urban
environmental crisis, which is part of a larger environmental crisis, as its origin is found on
the social relations and the capitalist production way, very intense in consuming natural
resources and promoting social differences. The actual model of construction and
demolition residues management practice, adopted in the major brazilian cities, has been
characterized by the correction of the inadequate destination, althought there is specific
law to regulate the collect, transport and destination activities, based on not to create
residues, followed by re-use and recycling and, finally, the adequate destination. The main
idea of this thesis is to propose a new model of residues management, based on laws and
on the meanwhile be able to contribute to the sustainable development of Aracaju. To aim
it a bibliographic study was made, in order to get to know the actual practices and possible
alternatives for the construction and demolition residues management in Brazil, as well as
in other countries, and also a study of the Aracajus urbanization process, focused on the
development and characteristics of the civil construction in the city. To achieve the
objective of being familiar with the characteristics of the actual municipal construction and
demolition residues management systems in Aracaju, not only many interviews with the
people involved (constructors, transporters and civil servants) were made but also a local
research that has revealed important characteristics of their action. As a result, a new
residues management system was presented, based both on a legal instrument and
sustainable development, and also taking into the consideration the importance of the
social actors involved.
Key-words: civil construction; solid residues and waste; sustainable development; Aracaju
xiii
SUMRIO
Pgina
NOMENCLATURA xvi
LISTA DE FIGURAS xviii
LISTA DE TABELAS xx
LISTA DE QUADROS xxi
CAPTULO 1 - INTRODUO 01
CAPTULO 2 - OBJETIVOS 06
CAPTULO 3 - A CRISE AMBIENTAL E O DESPERTAR PARA A
CONSCINCIA ECOLGICA
08
3.1. PERCEPO DA CRISE AMBIENTAL 09
3.2. ORIGENS DA CRISE AMBIENTAL URBANA E A RELAO
HOMEM-NATUREZA
12
3.2.1. Relao homem-natureza e relaes sociais 12
3.2.2. Capitalismo, Revoluo Industrial e a crise ambiental 17
3.3. CONTRIBUIO DA CINCIA PARA A CRISE AMBIENTAL
URBANA
20
3.3.1. O caminho do pensamento cientfico 20
3.3.2. A relao cincia-capitalismo e suas conseqncias ambientais 22
3.4. CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL 26
CAPTULO 4 - DESENVOLVIMENTO URBANO E A
CONTRIBUIO DA CONSTRUO CIVIL PARA A CRISE
AMBIENTAL URBANA
31
4.1. O PROCESSO DE URBANIZAO 32
4.1.1. A urbanizao no Brasil 34
4.2. DESENVOLVIMENTO URBANO: POLUIO E DEGRADAO 36
4.3. CONTRIBUIO DA CONSTRUO CIVIL PARA A CRISE
AMBIENTAL URBANA
38
xiv
4.3.1. Macrosetor da construo civil no Brasil e cadeia produtiva da
construo civil em Sergipe
38
4.3.2. Impactos ambientais decorrentes das atividades de construo
civil
40
4.3.3. O padro tecnolgico da construo civil e a gerao de
resduos
41
CAPTULO 5 - GESTO DE RCD: PRTICAS ATUAIS E ESTUDO DE
UM MODELO DE SISTEMA DE GESTO PROPOSTO PARA OS
MUNICPIOS BRASILEIROS
45
5.1. LEGISLAO AMBIENTAL URBANA DA CONSTRUO
CIVIL
46
5.1.1. A Resoluo CONAMA N 307/2002 51
5.1.2. Normas da ABNT referentes gesto de RCD 55
5.2. GESTO DE RCD: PRTICAS ATUAIS 57
5.2.1. Coleta, transporte e destinao temporria 58
5.2.2. Reciclagem de RCD 62
5.2.3. Modelo de sistema de gesto de RCD: fundamentos e
alternativas
64
5.3. CARACTERSTICAS DE UM SISTEMA MUNICIPAL DE
GESTO DE RCD
74
5.3.1. Soluo proposta para grandes geradores 76
5.3.2. Soluo proposta para pequenos geradores 77
CAPTULO 6 - METODOLOGIA 81
CAPTULO 7 - CARACTERIZAO DA REA DE ESTUDO:
PROCESSO DE URBANIZAO, EVOLUO DA
CONSTRUOCIVIL E SISTEMA ATUAL DE GESTO DE RCD DE
ARACAJU
88
7.1. O PROCESSO DA URBANIZAO DE ARACAJU 89
7.1.1. Caractersticas gerais e origem da cidade 89
7.1.2. A expanso urbana e a metropolizao 92
xv
7.1.3. A verticalizao da cidade 102
7.2. CONSTRUO CIVIL EM ARACAJU: ORIGEM E EVOLUO 103
7.2.1. Histrico e situao atual 103
7.2.2. Danos ao meio ambiente 106
7.3. SITUAO ATUAL DA GESTO DE RCD EM ARACAJU 111
7.3.1. Aspectos legais 111
7.3.2. Aspectos operacionais 114
7.3.3. Aspectos econmicos 135
CAPTULO 8 - PROPOSTA DE MODELO DE GESTO DE RCD
PARA ARACAJU: CIDADE LIMPA
138
8.1. CARACTERSTICAS DO MODELO PARA ARACAJU 139
8.2. ASPECTOS OPERACIONAIS 140
8.2.1. Soluo para pequenos geradores 142
8.2.2. Soluo para grandes geradores 147
8.3. ASPECTOS LEGAIS 151
8.4. DIMENSES ECONMICA E ESPACIAL 152
8.5. DIMENSES SOCIAL E CULTURAL 156
8.6. DIMENSO ECOLGICA 158
CAPTULO 9 - CONCLUSES E RECOMENDAES 160
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 166
ANEXOS 177
Anexo A reas licenciadas em Aracaju em 2005 e 2006, por bairro 178
Anexo B Distribuio das caixas coletoras de empresas tipo disque-
entulho, por bairro
180
Anexo C Relao de locais escolhidos para instalao dos Ecopontos 182
xvi
NOMENCLATURA
Siglas
ABNT Associao Brasileira de Normas Tcnicas
ADEMA Administrao Estadual do Meio Ambiente
ADEMI Associao dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobilirio
ASEOPP Associao Sergipana dos Empresrios de Obras Pblicas e Privadas
BNH Banco Nacional da Habitao
CAIXA Caixa Econmica Federal
CONAMA Conselho Nacional de Meio Ambiente
CNUMAD Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente
DEHOP-SE Departamento Estadual de Habitao e Obras Pblicas de Sergipe
EIA Estudo de Impacto Ambiental
EMURB Empresa Municipal de Urbanizao
EMSETUR Empresa Sergipana de Turismo
EMSURB Empresa Municipal de Servios Urbanos
FAT Fundo de Amparo ao Trabalhador
FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Servio
FIES Federao das Indstrias do Estado de Sergipe
IEL Instituto Euvaldo Lodi
IGBE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica
INFRAERO Empresa Brasileira de Infra-estrututa Porturia
INOCOOP Instituto Nacional de Orientao s Cooperativas Habitacionais
ISO International Organization for Standardization
ONG Organizao No Governamental
PAC Programa de Acelerao do Crescimento
PAR Programa de Arrendamento Residencial
PEV Ponto de Entrega Vluntria
PIB Produto Interno Bruto
PIGRCC Plano Integrado de Gerenciamento de Resduos da Construo Civil
xvii
PGRCC Projeto de Gerenciamento de Resduos da Construo Civil
PMA Prefeitura Municipal de Aracaju
PMGRCC Programa Municipal de Gerenciamento de Resduos da Construo Civil
RCD Resduos de Construo e Demolio
RIMA Relatrio de Impacto Ambiental
SEBRAE Servio Brasileiro de Apoio s Micro e Pequenas Empresas
SENAI Servio Nacional de Aprendizagem Industrial
SFH Sistema Financeiro da Habitao
SINDUSCON Sindicato da Indstria da Construo Civil
URPV Unidade de Recebimento de Pequenos Volumes
ZERI Zero Emission Research Initiative
xviii
LISTA DE FIGURAS
Nmero Ttulo Pgina
5.1 Modelo sinttico do sistema de gesto de RCD 52
5.2 Coexistncia de RCD, lixo domiciliar e resduo volumoso em local de descarte clandestino no bairro Salgado Filho em Aracaju
60
5.3 Placa de identificao e entrada URPV Baro, Belo Horizonte 70
5.4 Vista geral URPV Baro, Belo Horizonte 70
5.5 Recipientes para disposio de RCD e volumosos URPV Baro, Belo Horizonte
70
5.6 Recipientes para disposio de resduos de coleta seletiva domiciliar URPV Baro, Belo Horizonte
71
5.7 Setor administrativo - URPV Baro, Belo Horizonte 71
5.8 rea de apoio aos carroceiros e cocho para cavalos - URPV Baro, Belo Horizonte
71
5.9 Ponto de Entrega Voluntria em Guarulhos-SP 73
5.10 Modelo bsico de Ecoponto 78
7.1 rea de antiga explorao de material argiloso no bairro Jabotiana (prximo ao conjunto Sol Nascente)
108
7.2 rea de antiga explorao de areia no bairro Jabotiana (prximo ao conjunto Santa Lcia)
108
7.3 rea de antiga explorao de material argiloso no bairro Jabotiana (vizinho ao conjunto Orlando Dantas)
109
7.4 Jazida de material argiloso na regio do bairro Santa Maria (prximo entrada do Aterro Terra Dura)
109
7.5 Jazida de areia na regio do bairro Santa Maria (prximo estrada do Aterro Terra Dura)
110
7.6 Distribuio das reas licenciadas por bairro nos anos de 2005 e 2006 em Aracaju
117
7.7 Ao corretiva do poder pblico municipal 121
7.8 Modelos de caixas de coleta utilizadas pela EMSURB 121
7.9 Localizao das caixas coletoras da EMSURB em Aracaju 124
7.10 Exemplo de caixa coletora privada de RCD 124
7.11 Localizao das caixas coletoras das empresas privadas, em Aracaju
125
7.12 Equipamentos de coleta e transporte de RCD 126
7.13 Utilizao de veculos a trao animal 127
xix
7.14 Bota-fora no bairro Capucho 132
7.15 Bota-fora no bairro Jabotiana 133
7.16 Bota-fora no bairro Santa Maria 133
7.17 Bota-fora no bairro Farolndia 134
8.1 Representao esquemtica do fluxo de RCD para o modelo Cidade Limpa
140
8.2 Lay-out bsico de Ecoponto com 500,00 m 142
8.3 Localizao dos Ecopontos 144
8.4 Recibo de entrega de resduo 146
8.5 Localizao da rea escolhida para implantao da recicladora e/ou aterro de RCD
149
8.6 Vista interna da rea escolhida para implantao da recicladora e/ou aterro de RCD
150
xx
LISTA DE TABELAS
Nmero Ttulo Pgina
4.1 Populao brasileira rural e urbana 34
7.1 Evoluo da populao de Aracaju 95
7.2 Evoluo da populao de Aracaju, Barra dos Coqueiros, Nossa Senhora do Socorro e So Cristvo
96
7.3 Produo habitacional pela COHAB-SE / CEHOP / DEHOP na Grande Aracaju perodo 1968-2006
98
7.4 Produo habitacional pelo PAR na Grande Aracaju no perodo 2002-2007
100
7.5 Produo habitacional financiada pelo programa Carta de Crdito Associativo na Grande Aracaju no perodo 2004-2007
101
7.6 reas licenciadas para construo no perodo 2003-2006 em Aracaju
116
7.7 Evoluo do nmero de unidades produzidas pelos programas PAR e Carta de Crdito Associativo no perodo 2003 a 2006 em Aracaju
116
7.8 Resumo de volumes de resduos coletados e gastos pblicos municipais com servios de remoo de entulho
120
7.9 Distribuio das caixas coletoras privadas (por empresa) em Aracaju
125
7.10 Utilizao e custo anual com aquisio de agregados pela EMURB 137
8.1 Custo estimado para implantao de Ecoponto 153
8.2 Custo estimado mensal para operao de Ecoponto 154
xxi
LISTA DE QUADROS
Nmero Ttulo Pgina
3.1 Concepes distintas da natureza 13
5.1 Princpios jurdicos para controle ambiental 48
5.2 Classificao de resduos slidos segundo a Norma NBR 10004 54
5.3 Classificao de RCD segundo a Resoluo CONAMA N 307/2002
54
5.4 Destinao de RCD segundo a Resoluo CONAMA N 307/2002 55
7.1 Situao de Aracaju com relao aos prazos definidos pela Resoluo CONAMA N 307/2002
113
7.2 Caracterizao dos agentes de coleta de RCD em Aracaju 130
7.3 Resumo da destinao de RCD em Aracaju 134
8.1 Dispositivos para recebimento de resduos nos Ecopontos 145
CAPTULO 1
INTRODUO
Captulo 1 Introduo 2
1. INTRODUO
A observao do cotidiano de Aracaju tem mostrado a ocorrncia de um fenmeno
que tambm se repete em outras cidades, que vem a ser o acmulo de resduos de
construo e demolio RCD dispostos de maneira irregular, invadindo os espaos
urbanos pblicos e privados, e degradando a qualidade ambiental da cidade.
Ainda que estes resduos possam ser classificados como, em sua maioria, inertes
(ABNT, 2004a), o impacto causado pelo seu volume sobre a cidade leva a refletir sobre
algumas questes relevantes.
A primeira saber quanto se gera de RCD em Aracaju, questo cuja resposta foi
dada por Daltro Filho et al. (2005), que levantaram uma gerao aparente de cerca de 505
t/dia. Saliente-se que esta quantidade representa 65% do total da produo de resduos
slidos urbanos do municpio, sendo, portanto, superior ao resduo domiciliar,
ordinariamente centro das maiores preocupaes na questo de resduos slidos urbanos.
A segunda questo relevante diz respeito ao local onde so colocados estes
resduos. Facilmente percebe-se que a sua disposio feita de maneira aleatria sem o
devido cuidado com a preservao dos espaos urbanos, o que tem obrigado Empresa
Municipal de Servios Urbanos EMSURB a despender grande soma de recursos para
corrigir esta disposio irregular, uma vez que apenas 5% do total de RCD gerados
diariamente so destinados ao Aterro Terra Dura, local determinado pela EMSURB como
destino final destes resduos.
A terceira questo trata da fonte de gerao dos RCD, onde se percebe uma grande
distino dos diferentes papis desempenhados pelos grandes geradores (construtoras que
atuam na chamada construo formal) e pelos pequenos geradores (promotores da
chamada construo informal). A compreenso desta diferena de fundamental
importncia para que se estude uma soluo eficaz.
Captulo 1 Introduo 3
O critrio usualmente utilizado na classificao de geradores como grandes ou
pequenos toma por base a quantidade de resduos descartada por viagem, independente do
porte da obra (pequena, mdia ou grande) ou do agente construtor (empresas formalizadas
ou autoconstruo).
Neste trabalho procurou-se aplicar este mesmo critrio, entretanto, tendo em vista a
impossibilidade atual de identificao da origem dos resduos e, conseqentemente, de
mensurao das quantidades produzidas por cada gerador, optou-se por utilizar o
parmetro do transportador utilizado, uma vez que a capacidade volumtrica de carga do
equipamento de transporte (carro-de-mo, carroa, polinguindaste com caixa coletora ou
caminho) define claramente o volume transportado.
Assim, para efeito deste trabalho e com base na prtica observada em algumas
cidades brasileiras, grandes geradores so aqueles que utilizam equipamentos de transporte
de resduos de construo e demolio - RCD com capacidade acima de 1,0 m/viagem,
enquanto que pequenos geradores utilizam equipamentos de transporte com capacidade de
at 1,0 m/viagem.
A amplitude das atividades ligadas construo civil, que envolvem a extrao das
matrias-primas a serem utilizadas, a produo de edificaes e indo at a utilizao destas
edificaes ao longo da sua vida til, e seus diferentes impactos ambientais torna
extremamente complexa uma proposta abrangente de gesto que vise a eliminao ou
mesmo a reduo destes impactos.
Considerando o atual momento da construo civil brasileira, onde se registram
recordes de financiamento imobilirio incentivando a atividade construtiva, e o dficit
habitacional do pas, estimado em 7,9 milhes de habitaes das quais 81,2% em reas
urbanas (Fundao Joo Pinheiro, 2007), de se esperar que os impactos ambientais
cresam significativamente, motivo pelo qual se torna oportuna a realizao de estudos que
contribuam para a promoo da reduo destes impactos, como o caso deste.
Alm dos impactos mais evidentes da gerao dos RCD, manifestada especialmente
na degradao da paisagem urbana, o estudo das suas causas leva percepo de que h
Captulo 1 Introduo 4
uma crise ambiental ainda mais complexa que pode levar ao comprometimento da
capacidade de suporte do planeta em atender s necessidades humanas vitais. As origens
desta crise encontram-se nas relaes sociais, na relao homem-natureza, e no modo de
produo capitalista.
Deste modo, o que se prope neste trabalho desenvolver um modelo de sistema
municipal que discipline a gesto dos RCD que so gerados no municpio de Aracaju,
tendo em vista suas caractersticas de gerao, transporte e destinao final, com nfase na
reutilizao ou reciclagem.
O estudo est dividido em 09 captulos, sendo o primeiro dedicado a introduzir o
leitor no tema e apresentar a sua estrutura, e o segundo a delinear seus objetivos.
No terceiro captulo feita uma reflexo, a partir de autores consagrados, sobre as
origens da crise ambiental e o processo de despertar para a conscincia ecolgica, a
contribuio da cincia para esta crise, e, finalmente, sobre o conceito de desenvolvimento
sustentvel.
Em seguida, captulo quarto, procura-se apresentar o processo de urbanizao e
seus aspectos scio-ambientais, bem como os impactos ambientais gerados a partir das
atividades da construo civil.
No captulo cinco so estudados os princpios legais da gesto de RCD e as prticas
atuais desta gesto, com nfase no estabelecimento dos fundamentos de um modelo
municipal de gesto destes resduos, e na reciclagem como alternativa adequada
destinao final.
O captulo seis traz a metodologia utilizada e, no captulo sete, feita uma
apresentao das caractersticas particulares da urbanizao da cidade de Aracaju e do
atual modelo de gesto de RCD, obtidas a partir de levantamento de dados junto aos rgos
pblicos envolvidos direta e indiretamente com esta gesto, bem como da pesquisa de
campo. Tambm se procurou conhecer a percepo daqueles que participam deste modelo
Captulo 1 Introduo 5
de gesto municipal (gestores municipais, geradores e transportadores) sobre o modelo
atual de gesto de RCD e os papis desempenhados pelos mesmos nesta gesto.
No oitavo captulo foi desenvolvida uma proposta de modelo de gesto municipal
de RCD para Aracaju, fundamentado nos princpios do desenvolvimento sustentvel, nos
preceitos legais vigentes, nas experincias j vivenciadas por outros municpios e nas
particularidades da gesto de RCD hoje implantada na cidade.
Por fim, no nono captulo, so apresentadas concluses e feitas recomendaes para
aprofundamento e melhoria da proposta apresentada.
CAPTULO 2
OBJETIVOS
Captulo 2 Objetivos 7
2. OBJETIVOS
Partindo do ponto de vista de que o modelo vigente de gesto municipal de resduos
de construo e demolio no atende aos princpios do desenvolvimento sustentvel e
nem mesmo ao prescrito na Resoluo CONAMA N 307/2002, foram estabelecidos
objetivos conforme apresentado a seguir.
2.1. GERAL
Propor um modelo de gesto municipal de resduos de construo e demolio para
a cidade de Aracaju que atenda Resoluo CONAMA N 307/2002 e contribua para o
desenvolvimento sustentvel no setor da construo civil.
2.2. ESPECFICOS
Conhecer as normas legais (legislao e normas tcnicas) que disciplinam a
gesto de RCD no Brasil e seus fundamentos;
Conhecer a situao atual da gesto de RCD em Aracaju;
Levantar as alternativas disponveis no Brasil para gesto de RCD;
Avaliar, dentre as alternativas disponveis para gesto de RCD, as mais
adequadas cidade de Aracaju.
CAPTULO 3
A CRISE AMBIENTAL E O DESPERTAR PARA A
CONSCINCIA ECOLGICA
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 9
3. CRISE AMBIENTAL E O DESPERTAR PARA A CONSCINCIA
ECOLGICA
A compreenso dos fundamentos da crise ambiental, especialmente a que afeta o
ambiente urbano, de fundamental importncia para a formulao da proposta que se far
adiante, sendo que vrios autores estabelecem uma estreita relao entre essa crise e o
modelo de desenvolvimento adotado por nossa civilizao.
O carter insustentvel da sociedade contempornea encontra-se no crescimento
populacional acelerado, notadamente nos pases em desenvolvimento; no previsvel
esgotamento dos recursos naturais; no padro de consumo exagerado, sobretudo nos pases
ricos, e no coincidentemente industrializados; e nos sistemas de produo poluentes
(Camargo, 2003).
De acordo com Leff (2001), a crise ecolgica, ou crise ambiental, vem questionar a
lgica e os paradigmas tericos que nortearam e ainda vm norteando e legitimando o
crescimento econmico, que desconsiderou a natureza.
3.1. PERCEPO DA CRISE AMBIENTAL
A percepo dos efeitos da poluio provocada pela industrializao, iniciada no
sculo XIX, somente comeou a ser percebida de maneira mais contundente no sculo
seguinte e teve suas primeiras manifestaes ocorridas nos trabalhadores das indstrias,
que sofreram os primeiros impactos desta poluio. Apenas aps a Segunda Guerra
Mundial, especialmente com as primeiras detonaes atmicas, surgiu o que se denominou
movimento ecolgico (Camargo, 2003).
Muito embora a dcada de 1950 tenha sido marcada pela preocupao ecolgica da
comunidade cientfica, o despertar para esta conscincia se deu a partir da dcada de 1960
com a criao dos primeiros movimentos e organizaes no-governamentais preocupadas
com a preservao. Merece destaque a criao do Clube de Roma, grupo de 30 cientistas,
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 10
economistas, humanistas, industriais, pedagogos e funcionrios pblicos de 10 diferentes
pases, formado com o intuito de debater a crise e o futuro da humanidade e que produziu o
relatrio intitulado The Limits to Grow (Os Limites do Crescimento), onde se evidenciou a
limitao do modelo de desenvolvimento at hoje vigente em funo do esgotamento dos
recursos naturais (Camargo, Op. cit.).
Tambm a publicao do livro Silent Spring (Primavera Silenciosa) de Rachel
Carlson, que versa sobre estragos causados pelo uso de produtos qumicos na agricultura,
marcou a tomada de conscincia sobre os efeitos adversos das prticas poluentes
(Camargo, Op. cit.).
Segundo Leff (2001, p. 15), foi neste perodo que a crise ambiental tornou-se
evidente, refletindose na irracionalidade ecolgica dos padres dominantes de produo
e consumo, e marcando os limites do crescimento econmico.
No se deve deixar de notar como relevante o fato de que nessa dcada de 1960
tambm ocorreram diversas manifestaes sociais em todo o mundo, especialmente na
Europa e Estados Unidos, o que pode ser entendido como uma demonstrao da intrnseca
relao entre crise ambiental e social.
Na dcada seguinte criao de diversas organizaes internacionais, o surgimento
dos primeiros movimentos ambientalistas organizados e especialmente a realizao da
Conferncia de Estocolmo Conferncia das Naes Unidas sobre o Ambiente Humano,
em 1972, indicaram a consolidao desta preocupao estruturada em relao ao futuro do
planeta (Camargo, 2003).
Nesta conferncia os problemas ambientais tornaram-se relevantes, pela difuso ao
mundo da ocorrncia de vrios deles e seus efeitos, como o desmatamento, a eroso dos
solos, a desertificao e a extino de espcies, a contaminao qumica do solo, do ar e
dos meios lquidos, o aquecimento global e a produo e disposio de resduos,
especialmente os txicos e radioativos (Leff, 2001).
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 11
Ainda na dcada de 1970 observou-se o incio da preocupao ambiental pelos
agentes pblicos, especialmente governos e partidos, refletindo-se no surgimento das
primeiras agncias estatais de meio ambiente e no aumento das atividades de
regulamentao e controle. tambm deste perodo o surgimento do Greenpeace e a
exigncia de realizao de Estudos de Impactos Ambientais (EIA's) nos Estados Unidos.
No se pode olvidar que tambm neste perodo ocorreu a primeira crise mundial do
petrleo, despertando as discusses sobre a renovabilidade dos recursos naturais (Camargo,
2003).
Na dcada de 1980, o surgimento de regulao ambiental (leis e programas de
proteo ambiental) marcou a evoluo oficial da conscincia ecolgica, merecendo
destaque neste perodo a publicao do Relatrio Our Common Future (Nosso Futuro
Comum ou Relatrio Brundtland) em 1987, o qual apontou aumento da degradao dos
solos e poluio crescente da atmosfera, entre outros (Camargo, Op. cit.).
A dcada de 1990 foi um perodo de [...] grande impulso com relao
conscincia ambiental na maioria dos pases. Desta vez o destaque fica por conta da
realizao da Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento e Meio Ambiente
(CNUMAD) ou Rio-92, Eco-92 ou Cpula da Terra, tendo como um dos principais
resultados a Agenda 21, agenda de trabalho por meio da qual [...] se procurou identificar
os problemas prioritrios, os recursos e os meios necessrios para enfrent-los, bem como
as metas a serem atingidas nas prximas dcadas (Camargo, Op. cit., p. 55).
Destaca-se aqui a inteno de, por meio da Agenda 21 (conjunto de aes para
alcance de resultados efetivos) obter resultados efetivos, extrapolando acertadamente o
campo apenas das preocupaes ideolgicas.
Outro fato marcante daquela dcada foi o surgimento de modelos de gesto
ambiental evidenciado na elaborao pela Internacional Organization for Standardization
(ISO) da srie de normas ISO 14000, com destaque para a ISO 14001 Sistemas de gesto
ambiental - Requisitos com orientaes para uso, que veio a se constituir uma ferramenta
para que as organizaes empresariais e outras implementassem um sistema de gesto
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 12
destinado a equilibrar a proteo ambiental e preveno da poluio com as necessidades
socioeconmicas (ABNT, 2004b).
De modo conciso, Camargo (2003, p. 60) apresenta a dcada de 1950 como a do
ambientalismo dos cientistas, a de 1960 como a das ONG's, a dcada de 1970 dos
atores polticos e estatais, a de 1980 dos atores vinculados ao sistema econmico, e a
dcada de 1990 de um ambientalismo voltado para as questes locais e globais,
envolvendo a sociedade civil, o Estado e o mercado, chegando at a algumas importantes
lideranas religiosas.
3.2. ORIGENS DA CRISE AMBIENTAL URBANA E A RELAO HOMEM-
NATUREZA
Estabelecida a conscincia da existncia de uma crise ambiental de fundamental
importncia conhecer suas causas e, especialmente, a contribuio da relao homem-
natureza ao seu desenvolvimento, o que se procurar fazer a seguir.
3.2.1. Relao homem-natureza e relaes sociais
A relao homem-natureza compreende um aspecto que vai alm da relao
animal-natureza, na qual predomina a busca da satisfao de necessidades bsicas de
alimentao e proteo, sendo, portanto, uma relao com bases biolgicas. Na relao
homem-natureza encontra-se presente tambm a satisfao de desejos, estando esta relao
afetada tanto pela percepo do homem sobre a natureza quanto pela capacidade exercida
da espcie humana em transformar o meio natural.
Para Camargo (2003), a evoluo da relao homem-natureza marcada por trs
orientaes bsicas distintas e contrastantes, sendo a primeira, que compreende o incio da
existncia humana, caracterizada pela subjugao do homem pela natureza; seguida de um
perodo onde o ser humano, julgando-se superior natureza, quer domin-la e explor-la; e
tendo por fim uma terceira, onde se busca uma interao do homem com a natureza. As
diferentes concepes da natureza pelo homem no decorrer da histria encontram-se
resumidas no quadro 3.1.
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 13
Quadro 3.1
Concepes distintas da natureza
Vises da natureza Caractersticas Viso sacralizada da natureza
Adorar a natureza e intuir o grande mistrio que a dominava sem necessidade de explic-la. Pantesmo, politesmo e animismo predominavam.
Viso semi-sacralizada da natureza
Marcado pelo incio do manejo da natureza pelo homem, por meio da agricultura e pecuria, gerando a dicotomia entre a adorao da natureza e a interveno sobre esta.
Viso holstico-interrogativa dos fsicos gregos
Nascida em paralelo com a filosofia, procurava interrogar a origem e o significado da natureza de maneira interrogativa e contemplativa, sem, no entanto, cultu-la.
Viso semi-dessacralizada judaico-crist
Surgiu a partir da dessacralizao do cosmo, uma vez que o sagrado foi personalizado em Deus.
Viso mecanicista da natureza
Marcado pela separao homem-natureza (ser humano possuidor e dominador da natureza), amparada pelo racionalismo e progresso cientfico.
Viso organicista contempornea da natureza
Caracterizada pela compreenso do pertencimento e inter-relaes homem-natureza, embasado na nova concepo de cincia.
Fonte: adaptado de Camargo (2003)
Na busca da compreenso das distintas vises de natureza, Melo e Souza (2004)
remonta Grcia pr-socrtica, cuja viso de natureza estava ligada ao conceito de physis,
sucedida pela aristotlica (teocentrista). Aps a Idade Mdia, esta dominada pela viso
crist de mundo terreno fugaz e, portanto, de menor importncia dada natureza terrestre,
o racionalismo advindo com o Renascimento dessacraliza a natureza, tornando aceitvel a
sua dominao pelo homem, sendo esta viso base do antropocentrismo.
Para Porto-Gonalves (1989, p.28) a separao homem-natureza ... uma
caracterstica marcante do pensamento que tem dominado o mundo ocidental. A filosofia
grega, a partir de Plato e Aristteles, ao privilegiar o homem e a idia desumaniza a
natureza e a separa do homem. Mais adiante a religio judaico-crist refora esta posio
ao separar esprito e matria, e, Descartes vai alm quando, ao lanar as bases de uma nova
cincia fundada no mtodo, estabelece a separao sujeito-objeto e prope uma cincia
pragmtica (conhecimentos teis) sob viso antropocntrica. Cabe lembrar que esses
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 14
conceitos so contemporneos do mercantilismo e do colonialismo, origem e instrumento
do capitalismo.
Tambm para Melo e Souza (2004), a viso de natureza provedora inesgotvel de
recursos s atividades serviu de base ao desenvolvimento de um ambientalismo
tecnocentrista, este ideologicamente afinado com o capitalismo e base do capitalismo
ecolgico. Paradoxalmente, a Revoluo Industrial foi um fato marcante no surgimento de
uma nova viso da natureza por tornar evidentes os danos ao ambiente, causados pela
poluio e deteriorao da vida nas cidades, fazendo despertar a viso preservacionista
expressa na construo de jardins e posteriormente parques.
Quanto relao homem-natureza, v-se que a idia do ser humano ... superior ao
mundo natural, tencionando domar, explorar e revelar todos os segredos da natureza
(Camargo, 2003, p.17), representa a viso da subordinao da natureza ao homem,
servindo como fonte de recursos para a satisfao dos seus desejos e necessidades, sem que
se estabelea uma preocupao com a finitude dos recursos naturais. O homem se v como
senhor da natureza e no como parte dela.
De acordo com Porto-Gonalves (1989), a partir do fim do sculo XVIII a natureza
foi adotada como modelo do que justo e, com a teoria darwiniana, a evoluo passou a
ser considerada um processo natural. H uma ordem natural nas coisas, indicando uma
evoluo lenta, gradual e segura, que necessria ao progresso.
Esta idia positivista de progresso vai respaldar conceitos da viso capitalista como
avano tecnolgico, aumento de produtividade, dentre outros, como fatos naturais,
abrindo caminho para uma aceitao da explorao da natureza pelos meios de produo, o
que exemplificado por Da Matta (1999) para quem a viso portuguesa de colonizao no
Brasil, influenciada pelo mercantilismo e focada no enriquecimento rpido orientou a
prtica extrativista, imediatista e predadora, respaldada numa idia de natureza passiva,
prdiga e endmica. Os ciclos econmicos se sucederam, marcados pela descoberta,
explorao e esgotamento de recursos naturais (madeira, acar, ouro, caf e borracha).
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 15
Agindo o homem sobre a natureza e alterando-a, torna-a humanizada ao mesmo
tempo em que ele prprio sofre modificaes. Assim, percebe-se que ... a interao
homem-natureza um processo de mtua transformao (Andery et al., 2004, p. 10).
Para Porto-Gonalves (1989) e Leff (2001), o movimento ecolgico, ao questionar
o conceito de natureza, questiona no s o modo de ver a natureza como tambm as
prprias relaes sociais. A crise ambiental tambm uma crise de civilizao, o que nos
induz a buscar no estudo das relaes sociais outras contribuies mesma.
O filsofo suo Jean-Jaques Rousseau (1712-1778), instigado a refletir sobre a
desigualdade entre os homens e ao se propor a explicar os seus fundamentos, contribuiu
para revolucionar a percepo do homem sobre si mesmo e sobre suas inter-relaes.
O estudo de Rousseau sobre a desigualdade entre os homens baseia-se na
comparao entre o homem da natureza e o homem civilizado, sendo o primeiro
essencialmente bom e o segundo corrompido pela evoluo da espcie. Em sua anlise
reconhece dois tipos de desigualdade, sendo uma ... natural ou fsica, por ser estabelecida
pela natureza e outra que chama de desigualdade moral ou poltica conquanto dependa
de uma conveno consentida pelos homens (Rousseau, 2005, p. 159).
O genebrino desenvolve ainda, sobre o aspecto fsico, o raciocnio segundo o qual o
progresso humano tornando o homem mais socivel, em que pese o haver dotado de
instrumentos que o fizeram mais capaz de enfrentar os desafios impostos pela natureza,
contribuiu para debilitar-lhe a fora e a coragem e torn-lo dependente deste progresso.
Quanto ao aspecto moral, estabelece uma relao entre o entendimento e as paixes,
chegando a afirmar que o progresso do esprito ocorreu devido s necessidades impostas
pela natureza e s conseqentes paixes que o levaram a prover estas necessidades
(Rousseau, Op. cit.).
A sociedade civil surgiu a partir do estabelecimento da propriedade. O agrupamento
em famlia levou ao desenvolvimento de relaes entre os seres humanos antes
inexistentes, o que causou conflitos e consequentemente a necessidade do estabelecimento
de uma regulao, espcie de contrato poltico. Surgem da as diferentes formas de
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 16
governo (monrquico, aristocrtico e democrtico) seguido da formao de um sistema
social que, baseado no direito de propriedade, instituiu a magistratura e o poder arbitrrio.
Tendo o homem afrouxado seu esprito pelos vcios, a corrupo deste sistema aprofundou
a desigualdade, pelo que conclui Rousseau que a desigualdade ... sendo quase nula no
estado da natureza, extrai sua fora e seu crescimento do desenvolvimento de nossas
faculdades e dos progressos do esprito humano e torna-se enfim estvel e legtima pelo
estabelecimento da propriedade e das leis (Rousseau, Op. cit. p. 243).
A reabilitao da natureza humana conquistada a partir do Iluminismo e que vai
permitir ao homem acreditar ser capaz de criar as condies necessrias sua felicidade
vai tambm ser causa de conflitos sociais, uma vez que ope o particular ao coletivo.
Observa-se na obra de Rousseau um aparente contraste entre o individualismo, pelo
qual deve o homem guiar-se, e a necessidade de estabelecimento de um acordo ou pacto
social que represente a vontade geral, ao qual todos devem submeter-se, sobrepondo-se
desta forma o direito comum sobre o particular.
Esta aparente contradio vista como resolvida por Cassirer (1997, p. 347) ao
analisar o pensamento de Rousseau sobre liberdade e submisso lei, em que interpreta a
verdadeira liberdade como a ... livre aquiescncia, o livre consentimento em face da lei.
o prprio Rousseau que explica:
Enfim, cada um dando-se a todos no se d a ningum e, no existindo um associado sobre o qual no se adquira o mesmo direito que se lhe cede sobre si mesmo, ganha-se o equivalente de tudo que se perde e maior fora para conservar o que se tem. Enquanto os sditos s estiverem submetidos a tais convenes, no obedecem a ningum mas somente prpria vontade. (Rousseau apud Cassirer, Op. cit., p. 347).
Pelo conhecimento das obras de Rousseau e de seus comentadores, o homem da
natureza, primitivo e originariamente feliz to somente base para o desenvolvimento do
homem natural, contemporneo, mas livre dos vcios adquiridos no correr dos anos em que
se desenvolveu e progrediu.
Segundo o prprio Rousseau (apud Abbagnano, 1994, p. 211), a despeito desta
nova viso de homem proposta no Emlio, ... no se trata de fazer dele [o homem natural]
um selvagem ... mas uma criatura que, vivendo no turbilho da sociedade, no se deixa
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 17
arrastar nem pelas paixes nem pelas opinies dos homens, uma criatura que v com seus
prprios olhos e sente com o seu corao, e que no reconhece outra autoridade seno a da
prpria razo.
Observa-se ento que a relao homem-natureza, em que pese ocorra efetivamente
no mbito dos indivduos com a natureza, uma relao sociedade-natureza e como tal
intrinsecamente ligada e influenciada pelas relaes scio-econmicas, cujas
caractersticas contriburam para o desenvolvimento da crise ambiental como se procurar
demonstrar a seguir.
3.2.2. Capitalismo, Revoluo Industrial e a crise ambiental
As formas polticas, jurdicas e o conjunto ideolgico de uma dada sociedade so
determinados por sua base econmica, que por sua vez fruto das relaes de trabalho
estabelecidas, do nvel tcnico dos instrumentos de trabalho e dos meios disponveis para a
produo dos bens materiais. A sociedade capitalista fundamenta-se na propriedade
privada, na diviso social do trabalho e nos processos de troca. (Rubano & Moroz, 2004).
A produo de vida material nas sociedades primitivas tinha por objetivo apenas o
necessrio para o consumo do grupo, no havendo a produo de excedentes, existindo
apenas valor de uso e no de troca, o que s veio a surgir quando a melhoria das tcnicas e
utenslios levou produo de um excedente. Como conseqncia houve uma nova diviso
do trabalho, e novas relaes humanas visando produo (Andery et al., 2004).
Para Carlos (1992), a histria da humanidade est marcada por dois momentos
fundamentais, a acumulao de capital e a revoluo industrial, que refletem a passagem
do modo de produo feudal para o capitalista. No primeiro, baseado no trabalho do servo
destinado subsistncia, as relaes eram fundamentadas no uso da terra comunal,
enquanto que no segundo a relao de trabalho se altera, privilegiando os detentores do
capital.
A transio do feudalismo para o capitalismo, ocorrida com variaes entre os
diversos pases da Europa, foi marcada pela substituio da terra pelo dinheiro como fonte
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 18
de poder. O mercantilismo, o surgimento das instituies financeiras, a colonizao, o
fechamento das terras aos camponeses e a elevao das taxas de arrendamento,
contriburam para o desenvolvimento da indstria alm da manufatura, tendo em vista a
existncia de capital acumulado e tambm de uma classe trabalhadora livre e sem
propriedades nem capital (Rubano & Moroz, 2004).
O processo de produo inicialmente artesanal e que havia evoludo para a
manufatura foi substancialmente modificado com a introduo da mquina, induzindo
especializao do trabalho que foi decomposto em um conjunto de tarefas simples. Com a
introduo do maquinrio, no s se prescinde da fora fsica do trabalhado na realizao
das tarefas como tambm deixa o trabalhador de ter o controle sobre o conjunto do
trabalho, de certa forma j inicialmente perdido com a manufatura, e sobre o ritmo do
mesmo, agora ditado pela mquina. Estas transformaes implicaram numa reduo dos
custos de produo de tal ordem que a indstria passou a produzir no s para o mercado
existente, mas sim para um mercado indeterminado, ou seja, a ser criado. Outro impacto
desta nova organizao da produo ocorreu sobre a agricultura, uma vez que o
fornecimento, por parte da indstria, de ferramentas e energia para a agricultura criou uma
agricultura de mercado, em substituio agricultura de subsistncia. Por fim, a Revoluo
Industrial contribuindo para um aumento significativo das trocas entre cidade e campo e
gerando uma maior quantidade de produtos a serem escoados levou a grandes alteraes
nas comunicaes e nos transportes (Pereira & Gioia, 2004b).
Com a Revoluo Industrial o ritmo do trabalho se desvinculou da natureza.
Enquanto no campo as condies naturais determinavam a velocidade de produo, no
ambiente confinado das fbricas estas pouco influenciam na atuao do trabalhador, cuja
atividade fica subordinada velocidade da mquina (Carlos, 1992).
Segundo Pereira e Gioia (2004b), a Revoluo industrial caracterizou-se por um
conjunto de transformaes econmicas que tiveram como conseqncia uma revoluo no
processo de produo e de trabalho, marcando a consolidao do capitalismo como modo
de produo e do poder econmico da burguesia, detentora do capital, cabendo ao
proletariado ser a fora de trabalho.
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 19
Ainda que a concepo da natureza pelo homem tenha sido alterada ao longo da
histria, evoluindo desde uma viso sacralizada at a viso organicista contempornea, a
prtica da explorao predatria da natureza predominante desde a Revoluo Industrial
tem levado exausto das fontes de recursos naturais e conseqente exposio da
fraqueza do modelo econmico vigente, a ponto de definir que [...] o fator limitativo do
desenvolvimento no sculo XXI ser o enfraquecimento dos servios prestados pelos
ecossistemas vitais (Holthausen, 2000 apud Camargo, 2003, p. 27).
Bernardes & Ferreira (2003) apontam a crise ambiental como uma conseqncia do
sistema de produo capitalista, o qual tem como um dos fatores de produo a utilizao
dos recursos naturais, indicando ainda como caracterstica do modo de produo capitalista
a necessidade de expanso contnua, o que inevitavelmente conduz sua insustentabilidade
dada a finitude dos recursos no renovveis. Aliada a esta caracterstica, a existncia na
sociedade de um valor de troca amplia a necessidade de recursos pois no se produz apenas
o necessrio para a existncia, mas tambm o que suprfluo.
Segundo Leff (2000), pela crise de recursos observa-se o carter antinatura da
economia convencional. A degradao ambiental sintoma da crise da civilizao
provocada pelo modelo de modernidade onde a tecnologia predomina sobre natureza.
De acordo com Sachs (1986), o modelo atual de desenvolvimento baseia-se na
ideologia de que mais melhor, transferindo para o futuro a soluo dos problemas
estruturais, sem levar em conta a oposio entre ser e ter. Concentrando-se nos meios para
aumentar a oferta de bens e servios, no se pauta pelas finalidades do desenvolvimento,
ignora as diferenas entre o desenvolvimento e mau desenvolvimento, e contribui para
a poluio ambiental e degradao social.
A busca pelo desenvolvimento tem levado a um consumo de recursos naturais
numa velocidade no compatvel com a capacidade natural de reposio destes recursos, e
a lgica de maximizao dos lucros que tem orientado a produo industrial tem levado a
uma superexplorao dos recursos naturais e a uma degradao ambiental, manifestada nos
processos de poluio e contaminao atmosfrica, de solos e de recursos hdricos. O
sistema econmico e social vigente, fundamentado no pressuposto de que condutas
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 20
egostas podem levar ao bem comum e manifestada no lucro, na acumulao de capital, na
otimizao dos sistemas de produo, no progresso e na eficincia, levou
desestabilizao dos sistemas ecolgicos (Leff , 2001 e Camargo, 2003).
3.3. CONTRIBUIO DA CINCIA PARA A CRISE AMBIENTAL URBANA
Partindo da premissa do papel da cincia como geradora do conhecimento, que tem
importncia fundamental no desenvolvimento da tcnica, esta to cara ao modo de
produo capitalista, procura-se compreender tambm a contribuio da cincia para a
crise ambiental.
3.3.1. O caminho do pensamento cientfico
O caminho do pensamento cientfico tem origem no mito, que cuida apenas de
narrar sobre a origem de alguma coisa, seguido da Filosofia, que ao nascer uma
explicao racional sobre a origem do mundo e sobre as causas das transformaes e
repeties das coisas, e que com suas caractersticas de tendncia racionalidade e
recusa de explicaes preestabelecidas estabelece as bases para a construo da cincia a
partir do saber filosfico (Chau, 1994, p. 28-30 e 32-33).
As trs principais concepes de cincia so a racionalista, defendida por Plato e
Descartes e na qual afastam a experincia sensvel ou o conhecimento sensvel do
conhecimento verdadeiro, que puramente intelectual; a empirista, com princpios em
Aristteles e Locke, os quais consideram que o conhecimento se realiza por graus
contnuos, partindo da sensao at chegar s idias; e a construtivista, que considera a
cincia uma construo de modelos explicativos e para a realidade e no uma
representao da prpria realidade (Chau, Op. cit., p. 252).
no perodo de transio que marca o fim do feudalismo e o incio do capitalismo
que nasce a cincia moderna. um perodo marcado por uma nova viso de mundo e onde
o desenvolvimento do comrcio e das cidades, as grandes navegaes e a preocupao com
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 21
o desenvolvimento tcnico abrem espao para um desenvolvimento acelerado desta cincia
(Pereira & Gioia , 2004a).
Segundo Rubano & Moroz (2004), a cincia moderna surgida a partir do sculo
XVI trouxe a substituio da viso Aristotlica esttica de mundo por uma viso
mecanicista proposta por Galileu e Newton, abrindo caminho tambm para novas
propostas metodolgicas para obteno do conhecimento, o empirismo de Bacon e o
racionalismo de Descartes.
no perodo do iluminismo que se estabeleceu o conceito de que a cincia pela
razo, e no mais as escrituras, a fonte de explicao dos fenmenos da natureza. Assim,
repensa-se a idia de Deus e reduz-se a sua importncia, pois a sua intermediao entre o
homem e o mundo (natureza) passa a no ser fundamental.
O racionalismo, retirando de Deus o papel de intermediador entre o homem e o
mundo e atribuindo ao homem a responsabilidade sobre o que faz, leva idia de
progresso baseada na aplicao da razo no controle sobre o ambiente fsico e cultural, e
contribui para o progresso da cincia, uma vez que se baseia na idia de que o acmulo do
conhecimento obtido, por sua prpria direo interna, [levar] obteno de uma
sociedade cada vez melhor (Rubano e Moroz, 2004, p. 335).
Chtelet (1974) descreve o Iluminismo como um perodo de grande profuso de
idias e de nsia por informaes originais, de lutas territoriais, e sobretudo por uma
atitude crtica surpreendente. Percebe-se que a partir do sculo XVIII que toma forma
uma nova idia de saber, baseada num sistema aberto de conhecimento e no mais
compartimentado, conforme defendido por Aristteles e Descartes.
Para Chau (1994), a cincia moderna nascida com Bacon e Descartes trouxe um
carter utilitarista, notadamente na relao homem-natureza, que passou de um aspecto de
contemplao da verdade para um exerccio de poder sobre a natureza. No dizer do prprio
Descartes,
... pode-se encontrar uma filosofia prtica, mediante a qual, conhecendo a fora e as aes do fogo, da gua, do ar, dos astros, dos cus e de todos os outros corpos que nos rodeiam, to
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 22
distintamente como conhecemos os diversos ofcios de nossos artesos, poderamos empreg-las do mesmo modo em todos os usos a que so adequadas e assim nos tornarmos como que senhores e possessores da natureza (Descartes, 1996, p. 69).
De acordo com Porto-Gonalves (1989), dois aspectos da filosofia cartesiana
marcam a modernidade, quais sejam; o seu carter pragmtico do conhecimento,
conhecimento til, e o antropocentrismo que permite ao homem por meio da tcnica
penetrar nos mistrios da natureza, tornando-se dela senhor e possuidor. Estes aspectos
tambm esto presentes no mercantilismo e no colonialismo, e no capitalismo so levados
ao extremo.
A nova viso de mundo que acompanhou a transio do feudalismo ao capitalismo
trouxe a substituio do foco das relaes Deus-homem do teocentrismo pelas relaes
homem-natureza, e provocou uma valorizao da capacidade humana de conhecer e
explicar, resultando no desenvolvimento de uma cincia prtica em contraposio ao saber
contemplativo ou dogmtico. As crescentes necessidades prticas, geradas pela ascenso
da burguesia, aliadas ao desenvolvimento da crena na capacidade do conhecimento para
transformar a realidade, foram responsveis pelo interesse no desenvolvimento tcnico.
(Rubano e Moroz, 2004, p. 175).
3.3.2. A relao cincia-capitalismo e suas conseqncias ambientais
O sculo XX foi sonhado desde o seu incio como sendo o da porta para o futuro,
graas crena no avano tcnico. Ao final deste sculo percebeu-se que este avano
superou as expectativas, entretanto, constatou-se que no conseguiu preencher os sonhos
da civilizao de um mundo rico e integrado. Em termos de mdia global a Terra apresenta
indicadores de pas de Terceiro Mundo, o que levou Buarque (1993) a definir o planeta
como um planeta subdesenvolvido, cumprindo destacar que, se mesmo na presena de
naes desenvolvidas como os Estados Unidos e vrias naes da Europa os indicadores
do planeta so baixos, h que se imaginar os indicadores daqueles que esto abaixo desta
linha da mdia.
H que se pensar sobre as causas desta ocorrncia cumprindo perguntar em que
ponto e de que maneira a cincia operou na contramo da racionalidade.
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 23
De acordo com Sachs (1986, p.17), no processo de evoluo humana ... a
capacidade de acumular conhecimentos, mudar o comportamento em funo da
experincia e formular projetos, iria determinar o ritmo de adaptao ao meio ambiente e,
em seguida, a modificao cada vez maior deste ltimo.
Ainda que a cincia tenha tido pouca influncia no desenvolvimento da Revoluo
Industrial, posto que a tcnica ali empregada fosse pouco mais avanada do que a utilizada
pelos artesos, foi no desenvolvimento do capitalismo que se estabeleceu uma forte relao
entre cincia e produo, haja vista que cresceram juntas e se influenciaram mutuamente.
Foi a partir da Revoluo Industrial que se incrementou a atividade cientfica, demandada a
solucionar problemas produtivos, e no sem razo observou-se neste perodo uma
crescente subordinao da cincia aos meios de produo e classe dominante (Pereira e
Gioia, 2004).
Bernardes & Ferreira (2003) discutem o papel da cincia na contribuio ao modo
de produo capitalista, medida que a tecnologia e a tcnica so postas a servio dos
interesses dos grupos dominantes. O incremento da tcnica sempre a servio do aumento
da produtividade, com fins acumulao, imprime uma marca indelvel na transformao
do espao, o que demonstra a diferenciao ecolgica como subseqente diferenciao
social.
Segundo Coimbra (2002), a cincia base para o desenvolvimento da tcnica que
produz instrumentos para o progresso, mas este desenvolvimento tecnolgico tem sido
posto a servio da destruio dos recursos naturais. A cincia que busca um conhecimento
objetivo da natureza, sem levar em conta aspectos espirituais e metafsicos, tem
contribudo para uma degradao da qualidade de vida. A cincia moderna ao tempo em
que por meio da tecnologia incentivou a produo industrial fazendo surgir uma sociedade
industrial e de consumo contribuiu para a degradao da natureza.
medida que o modo capitalista de produo exigiu uma maior racionalizao da
produo e aumento da produtividade ocorreu a unio da cincia prtica, ao mesmo
tempo em que a metafsica perdeu importncia frente especializao dos ramos do
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 24
conhecimento, especialmente a fsica, a qumica e a engenharia. O conhecimento passou a
ser entendido como ferramenta de domnio da natureza (Carlos, 1992).
Numa crtica racionalidade dominante, Leff (2001) defende que a mesma razo
que, no processo de libertao do homem da ignorncia e da escassez, nos legou o
conhecimento cientfico e o pensamento crtico, a liberdade e a democracia, tem sujeitado
a todos racionalidade econmico-tecnolgica, cujas caractersticas de homogeneidade e
unipolaridade terminam por levar ao estabelecimento de um padro de comportamento
contrrio prpria razo.
Para Leff (2000), a viso mecanicista resultante da razo cartesiana fundamentou a
teoria econmica, orientando o progresso e afastando a natureza da produo.
Porto-Gonalves (1989), ao tratar da relao cincia-natureza, observa que so trs
os eixos em torno dos quais a cincia moderna se configura, a saber: oposio homem e
natureza (o homem um ser superior aos outros animais); oposio sujeito e objeto (o que
o separa da natureza); e o paradigma atomstico-individualista (base da decomposio do
mundo objetivo).
A problemtica ambiental deixou de ser um fator a ser considerado exclusivamente
do ponto de vista tcnico, havendo necessidade de uma abordagem tica, poltica e
filosfica. A tcnica, originria de uma sociedade que a criou para atender suas
necessidades/desejos, traz embutidas as contradies desta mesma sociedade, o que por si
s j a faz imperfeita para resolver problemas criados com a sua aplicao (Porto-
Gonalves, 2004).
Para Coimbra (2002) o caminho escolhido pela cincia em decompor o mundo,
separando-a da religio, arte, economia e poltica no permite ver as inter-relaes
existentes, prejudicando a prpria cincia. H um aspecto atual de se buscar solues
pontuais sem prever as conseqncias advindas das relaes existentes. A cincia deve
buscar a recomposio da sua unidade, o que permitir cincia cumprir seu papel
libertador tambm na dimenso social.
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 25
Segundo Porto-Gonalves (1989) uma nova cincia h de repensar o papel do
sujeito na anlise do objeto e a relao existente entre eles. Esta idia compartilhada por
Coimbra (2002) que, ao tratar dos sistemas vivos e da sua interconectividade, defende a
idia de sistema holista em contraponto ao reducionismo atomstico-individualista.
H trs teorias tidas como capazes de formar a base conceitual de uma nova
cincia: a Teoria Geral dos Sistemas, a Teoria da Complexidade e a Teoria do Caos. A
Teoria Geral dos Sistemas se prope a ... suplantar a fragmentao e perceber os
fenmenos a partir da sua interconectividade holstica em contraponto cincia clssica,
que adota como processo de anlise a fragmentao do todo para compreenso da parte,
no considerando as ligaes e relaes entre as partes, esta teoria busca a compreenso do
todo (Bertalanfy apud Camargo, 2005, p. 51).
Ao contrrio da cincia clssica que trabalha com a reduo e simplificao dos
problemas, a Teoria da Complexidade apresenta os sistemas complexos como sistemas
caticos e auto-organizados, surgidos a partir de interaes e processos dinmicos que
fazem emergir novos padres de organizao, conceito que est intimamente ligado idia
de emergncia permanente de novas totalidades, intercalando estados de ordem e desordem
que do origem a novas organizaes a partir de estados crticos. Por fim a Teoria do Caos
a qual, ao contrrio do paradigma clssico determinista que busca estabelecer leis exatas
explicativas dos fenmenos (relaes de causa e efeito), vem apresentar o acaso e a
aleatoriedade como caractersticas dos sistemas caticos. Tais sistemas possuem
previsibilidade inicial zero, por apresentarem sensibilidade s variaes das suas condies
iniciais (Camargo, Op. cit.). Este autor cita Priogine & Stengerls (1984 e 1997) como
defensores da idia de que flutuaes e instabilidade so elementos reorganizadores dos
sistemas instveis, como os caticos, percebendo-se ento uma conectividade entre a
Teoria Geral dos Sistemas, da Complexidade e do Caos.
Como se procurou demonstrar tem sido grande a contribuio da cincia para a
crise ambiental, devendo-se buscar a disseminao de um novo pensar e fazer cientficos,
uma vez que a cincia moderna no conseguir resolver por completo problemas que ela
mesma ajudou a criar enquanto perpetuar sua ideologia e prticas atuais.
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 26
3.4. CONCEITOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
Como se poderia ento alterar a realidade atual e construir uma nova realidade de
ao humana sobre a natureza de modo a permitir o prolongamento da civilizao humana
sobre a Terra? A resposta parece estar ligada ao conceito de desenvolvimento sustentvel e
seus fundamentos, que sero discutidos a seguir.
O processo civilizatrio, ao interferir na natureza, transforma-a e assim o faz ao
prprio homem, trasmutando-o de um ser originalmente natural para um ser cultural.
Assim, suas demandas se modificam, extrapolando as necessidades biolgicas para incluir
os desejos sociais (necessidades criadas), o que leva ao paradoxo do desenvolvimento sem
fim, onde possvel atender s necessidades bsicas sem, no entanto, jamais atingir a
satisfao das necessidades criadas. O processo de desenvolvimento, ao consumir e
degradar a natureza, pe em risco os recursos necessrios ao seu prprio desenvolver
(Mendes, 1993).
Enquanto as aes dos outros seres sobre os ecossistemas so quase sempre
assimilveis o mesmo no acontece com as intervenes humanas, cujo potencial
desequilibrador enorme. O homem tem percebido o limite natural de depurao destas
intervenes sendo que foi na conferncia de Estocolmo em 1972 que se realizaram os
primeiros debates a cerca da vinculao entre o desenvolvimento e o meio ambiente,
cabendo a Maurice Strong, secretrio-geral desta conferncia, a utilizao pioneira da
expresso ecodesenvolvimento, mais tarde substituda por desenvolvimento sustentvel
(Camargo ,2003).
Esta idia vinha sendo debatida desde o encontro de Founex, preparatrio para a
conferncia de Estocolmo, onde se buscou um caminho intermedirio entre aqueles que
acreditavam no fim da civilizao tendo em vista o esgotamento da capacidade suporte do
planeta Terra devido ao esgotamento dos recursos naturais e pela excessiva poluio,
denominados malthusianos, e os cornucopianos, que acreditavam no poder tecnolgico de
superar a escassez fsica e de atenuar os efeitos da poluio. Foi neste perodo que ganhou
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 27
fora a mensagem da esperana que, reconhecendo a gravidade e a complexidade do
desafio ambiental, era possvel o planejamento e a implementao de ... estratgias
ambientais viveis para promover o desenvolvimento socioeconmico eqitativo ..., idia
que germinou como desenvolvimento sustentvel (Sachs, 1993, p. 12).
Para Gifford Pichot (197- apud Diegues, 1996, p. 29) os princpios para a
conservao propem o [...] uso de recursos naturais pela gerao presente; preveno de
desperdcio e o uso dos recursos naturais para benefcio da maioria dos cidados. Nasce
da a idia de desenvolvimento sustentvel.
O relatrio Nosso Futuro Comum define o desenvolvimento sustentvel como [...]
aquele que atende s necessidades do presente sem comprometer a capacidade das
geraes futuras atenderem as suas prprias necessidades (Camargo, 2003, p. 46)
Ainda que clara na inteno, esta definio de desenvolvimento sustentvel no
elimina o conflito entre o que deve ser desenvolvido e o que deve ser preservado. A busca
pelo desenvolvimento sustentvel implica no estabelecimento de novas relaes humanas e
sociais, na construo interdisciplinar e sistmica do conhecimento, e na prtica do dilogo
entre os diversos saberes e a comunidade (Camargo, Op. cit.).
Baseado em autores como Riggs (1984), Herculano (1992), Brugger (1994),
Maimon (1996) e Allen (1980), Camargo (2003) analisa etmologicamente a expresso
desenvolvimento sustentvel, apontando o termo desenvolvimento como
predominantemente representativo da idia de progresso, avano, aumento de riqueza, e,
nos meios sociais, como evoluo de sistemas simples para complexos, enquanto que o
verbo sustentar remete idia de segurar, suportar, apoiar e conservar, dentre outras.
Sob a tica do processo de desenvolvimento humano atual e em especial aplicada
relao homem-natureza, a expresso desenvolvimento sustentvel parece incompatvel,
entretanto, o significado da expresso repousa na busca de um novo modelo de
desenvolvimento, e o seu mrito ... na tentativa de conciliar os reais conflitos entre
economia e meio ambiente e entre o presente e o futuro (Camargo, 2003, p. 72).
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 28
Segundo Leff (2000), enquanto que do ponto de vista social o processo econmico
suscita o conflito entre crescimento e distribuio, do ponto de vista ambiental a
contradio aparece entre a conservao e o desenvolvimento
Para Sachs (1993), no se trata de escolher entre desenvolvimento e meio ambiente,
mas sim de optar entre formas de desenvolvimento que sejam sensveis ou no questo
ambiental.
O modelo atual de desenvolvimento no tem contemplado os aspectos ambientais, a
ponto de os principais ndices econmicos no considerarem a degradao ambiental como
parmetro de avaliao (Camargo, 2003).
De acordo com Sachs (1993), so cinco as dimenses da sustentabilidade que
devem ser buscadas, definidas em funo da melhoria das condies da vida humana e em
respeito aos limites da capacidade de carga dos ecossistemas. Essas dimenses foram
denominadas de social, cujo objetivo alcanar uma maior equidade na renda de modo a
reduzir as distncias extremas entre os padres de vida; econmica, que deve equalizar o
fluxo de recursos entre as naes; ecolgica, que trata de aumentar a capacidade de
suporte do planeta Terra; espacial, que deve se voltar para uma melhor organizao do
espao rural e principalmente urbano, permitindo um melhor desenvolvimento econmico,
e cultural, dimenso que permitir a traduo do conceito de sustentabilidade s solues
particulares respeitando as especificidades.
Como se ver adiante h srios entraves aplicao destes conceitos num ambiente
de racionalidade econmica dominante.
O objetivo do desenvolvimento sustentvel compreende a busca de um
desenvolvimento que no esteja centrado apenas na gerao econmica de riqueza, mas
que englobe os interesses sociais e os limites naturais de suporte, buscando paralelamente,
ser este desenvolvimento uma alternativa de soluo para problemas globais que no esto
restritos degradao ambiental, incorporando as dimenses sociais, polticas e culturais
(Camargo, 2003).
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 29
Para Leff (2001), o discurso do desenvolvimento sustentvel expresso por meio
de estratgias no homogneas e por vezes conflitivas, indo desde a tentativa de
internalizao dos aspectos ambientais pela economia neoliberal at a construo de uma
nova racionalidade econmica. Assim, como alternativas tecnolgicas encontram-se tanto
o uso de tecnologias limpas e a reciclagem de rejeitos, como tambm a mudanas de
valores e comportamentos humanos.
Considerar a dimenso ambiental no planejamento do desenvolvimento, e o custo
ecolgico no modelo econmico, encontra uma srie de obstculos, interesses opostos,
metodologias e dificuldades prticas, uma vez que a racionalidade econmica no
incorpora as externalidades ambientais nem os princpios de um desenvolvimento
sustentvel. Uma nova racionalidade deve ser fundamentada no conceito de ambiente
como potencial produtivo e no como fonte de recursos e local de depsito de resduos,
sendo princpios ambientais do desenvolvimento a conservao e ampliao da capacidade
produtiva dos ecossistemas, a inovao de tecnologias ecologicamente sustentveis e a
conservao dos valores culturais das comunidades locais. A dificuldade em encontrar
parmetros que expressem o potencial ambiental e os custos scio-ambientais dificulta a
transformao desta racionalidade econmica (Leff, 2000).
Leff (2001), ao tratar dos conceitos de dvida financeira, dvida ecolgica e dvida
da razo, remete a uma reflexo sobre a sustentabilidade do modelo adotado pelos pases
desenvolvidos e almejado pelos pases em desenvolvimento, no qual o fenmeno da
globalizao tende a acentuar as diferenas, enquanto promete recompensas aos que o
seguirem.
A crise da dvida dos pases do Terceiro Mundo criou espao para a lgica do
desenvolvimento como sada para estes pases, dando lugar aos programas neoliberais. O
desenvolvimento sustentvel substitui o Ecodesenvolvimento. As estratgias do poder
modificam o discurso sua convenincia, sem, no entanto, explicar as contradies deste
mesmo discurso (Leff, 2000).
Captulo 3 Crise Ambiental e o Despertar para a Conscincia Ecolgica 30
Sachs (1993) defende que, ao invs de exportar para os pases em desenvolvimento
seu modelo de vida, os pases desenvolvidos deveriam reconsiderar seus padres de
consumo e de desperdcio.
A tendncia tradicional de explorao e dominao da natureza, reflexo das
relaes sociais onde a explorao homem-homem esteve presente ainda persiste, embora
com um discurso enfeitado com uma hipcrita retrica igualitria. Como inconsistncia
caracterstica da nossa sociedade continua-se a acreditar no que se quer ver, uma natureza
prdiga, paradisaca e de recursos inesgotveis (Da Matta, 1999, p. 142).
Enquanto que Camargo (2003) defende que os entraves ao desenvolvimento
sustentvel global encontram-se fundamentados nas relaes conflituosas entre os seres
humanos, refletindo-se na relao homem-natureza, para Leff (2001), a qualidade de vida
o fim ltimo do Desenvolvimento Sustentvel e tambm do sentido da existncia humana
De acordo com Sachs (1993), a implantao do desenvolvimento sustentvel passa
necessariamente por um perodo de transio onde se promova o crescimento econmico
dos pases ditos no desenvolvidos, tendo em vista que a crescimento da desigualdade
promove o crculo vicioso da pobreza e da degradao ambiental.
Segundo Leff (2000), os princpios ambientais do desenvolvimento devem
considerar a conservao e a ampliao da capacidade produtiva dos ecossistemas tendo
em vista a sua produtividade, o uso de tecnologias inovadoras ecologicamente sustentveis
e os valores culturais das comunidades locais. Para que se alcance um desenvolvimento
sustentvel preciso conhecer de que a forma as leis da Natureza se articulam com os
processos produtivos, o que depende de cada ecossistema e tambm de cada formao
social.
Segundo Mendes (1993), mais do que buscar um desenvolvimento sustentvel
deve-se procurar uma sociedade sustentvel, onde a racionalidade social substitua a
racionalidade econmica.
CAPTULO 4
DESENVOLVIMENTO URBANO E A CONTRIBUIO DA
CONSTRUO CIVIL PARA A CRISE AMBIENTAL
URBANA
Captulo 4 Desenvolvimento Urbano e a Contribuio da Construo Civil para a Crise Ambiental Urbana 32
4. DESENVOLVIMENTO URBANO E A CONTRIBUIO DA
CONSTRUO CIVIL PARA A CRISE AMBIENTAL URBANA
Para que se possa ter uma compreenso da natureza e caractersticas dos danos
ambientais causados pela construo civil, objeto central de estudo desta dissertao, h que
se conhecer o processo de urbanizao e sua ocorrncia no Brasil, uma vez que nas
cidades onde mais intensamente o setor da construo civil exerce suas atividades, bem
como de que modo e por que a construo civil contribuiu e ainda vem contribuindo para a
degradao ambiental.
4.1. O PROCESSO DE URBANIZAO
Urbanizao pode ser definida como um processo que transforma a ocupao do
espao pela populao, de uma forma menos densa para outra concentrada nos centros
urbanos. H uma vinculao desta ocupao concentrada diviso do trabalho e produo
de excedentes pelo campo, destacando-se como caracterstica marcante das cidades
modernas a sua funo de mercado, em contraponto funo das cidades antigas, qual seja a
de abrigo em tempo de guerras (Serra, 1987).
Na opinio de Sachs (1986), a urbanizao a transformao social mais importante
do nosso tempo, evoluindo de tal forma a fazer com que a populao urbana ultrapasse a
rural, com caractersticas explosivas no Terceiro Mundo e especialmente na Amrica Latina,
levando formao de grandes metrpoles.
As primeiras cidades teriam se formado em torno de locais cerimoniais, sendo que as
runas urbanas mais antigas que se conhece datam de cerca de 3.000 a.C. Ao passar de
coletor a produtor e, posteriormente, a produtor de excedente, o homem criou as condies
para o surgimento das cidades, cujas construes foram inicialmente feitas de materiais que
estavam mo, tais como o barro, os galhos e a palha, e a pedra, evidenciando assim a
Captulo 4 Desenvolvimento Urbano e a Contribuio da Construo Civil para a Crise Ambiental Urbana 33
relao entre construo e meio ambiente que haveria de perdurar intensificando-se
continuamente (Serra, 1987).
Serra (Op. cit.) estabelece uma relao entre os perodos de paz e prosperidade
econmica com um maior ou menor desenvolvimento das cidades, entretanto destaca que a
partir do Renascimento no sculo X que se verifica um crescimento das cidades no
somente intra-muros, chamado velho burgo mas tambm no seu entorno, o novo burgo,
cujo crescimento se d desta forma at o sculo XIII, porm com construes feitas por
meio de processos de baixa tecnologia.
Ainda segundo este autor, fenmenos como o crescimento do comrcio, a migrao
da populao entre diferentes regies da Europa, a centralizao de poder dos reis e a
incorporao da Amrica ao mundo europeu contriburam de formas diversas para a
intensificao da urbanizao, destacando de maneira especial a contribuio da
industrializao, especialmente txtil e metalrgica, para este processo tendo em vista a
concentrao de um grande nmero de trabalhadores ao redor da fbrica. Tambm destaca a
importncia da inveno da mquina a vapor, do motor exploso e do motor eltrico, uma
vez que ao libertar-se da fora hidrulica a indstria libertou-se da localizao rural,
facilitando sua atrao para as cidades.
Progressivamente passou-se de uma sociedade rural baseada no feudo e onde as
poucas cidades no se articulavam para uma sociedade urbana, fruto da intensa imigrao
dos camponeses sem trabalho e da acumulao do capital. A indstria capitalista no s
necessitou da base urbana para se desenvolver como tambm a influenciou alterando as
caractersticas das cidades antigas, basicamente comerciais, religiosas ou de governo, para
centros de produo interligados, acelerando o seu crescimento no s pela concentrao das
indstrias e da populao como tambm atraindo para estas o poder econmico e poltico. O
aumento da acumulao da riqueza nos centros urbanos acompanhado do aumento da
misria, num processo que indica o carter segregador do modo capitalista de produo
(Carlos, 1992).
Captulo 4 Desenvolvimento Urbano e a Contribuio da Construo Civil para a Crise Ambiental Urbana 34
4.1.1. A urbanizao no Brasil
O crescimento populacional brasileiro das ltimas dcadas deu origem a uma grande
concentrao de pessoas nas reas urbanas, o que pode ser verificado na tabela 4.1, que
mostra que at a dcada de 1960 a populao rural superava a urbana e, a partir da dcada
seguinte, o crescimento das cidades a taxas expressivas inverteu esta situao a ponto de em
2000 a populao urbana representar cerca de 81,2% da populao total brasileira, vivendo
boa parte dela (cerca de 30,11% em 1996) nas regies metropolitanas (Mota, 1999 e IBGE,
2007).
Tabela 4.1
Populao brasileira rural e urbana
N hab % N hab %1940 1