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Notas Introdutórias da Bíblia de Estudo de Genebra (gentilmente cedidas pela Editora Cultura Cristã) Epístolas Gerais e Apocalipse A Epístola aos HEBREUS Autor O autor de Hebreus era perito nos estilos literários grego e helenista, imerso no Antigo Testamento (na tradução grega, a Septuaginta), sensível à história da redenção culminando em Jesus, e pastoralmente interessado pelos leitores originais, que o conheciam pessoalmente (13.22,23) e cujos antecedentes ele conhecia (10.32-34). Como seus leitores, ele veio à fé não através de um contato direto com Jesus, mas através da pregação dos apóstolos (2.3,4). Alem disso, ele tinha familiaridade com Timóteo (13.23). Mas a epístola não trás seu nome, deixando um mistério tentador. Nas igrejas do leste, no tempo de Clemente de Alexandria (c. 150- 215 d.C.) e de Orígenes (185-253 d.C.) a epístola foi atribuída a Paulo, embora ambos os teólogos reconhecessem as diferenças estilísticas entre Hebreus e as cartas paulinas. No ocidente, Tertuliano (c. 155-220 d.C.) propôs Barnabé, um levita da dispersão judaica, que era notório por seu encorajamento a outros (At 4.36). Outras sugestões desse mesmo período histórico eram Lucas e Clemente de Roma (c. 95 d.C.). Do quinto ao décimo sexto séculos a autoria de Paulo era aceita no oriente e no ocidente. Durante a Reforma, Lutero propôs Apolo, um judeu cristão de Alexandria que era perito em discursos e poderoso nas Escrituras (At 18.24). Sugestões no período moderno têm incluído Priscila (exceto cf. 11.32, onde o autor refere-se a si mesmo com um particípio do gênero masculino), Epafras (Cl 1.7), e Silas (At 15.22, 32,40; 1Pe 5.12). Conquanto seja difícil eliminar muitos destes candidatos, é igualmente difícil encontrar um argumento convincente em favor de qualquer um deles. Do ponto de vista da tradição primitiva, Paulo tem o apelo mais forte, mas, como Calvino observou, Hebreus difere de Paulo em estilo, método de ensino e na inclusão de si mesmo, pelo autor, entre os discípulos dos apóstolos (2.3) — uma declaração estranha em relação à reivindicação característica de Paulo de haver recebido sua nomeação e revelação do evangelho diretamente de Cristo (Gl 1.1,11,12). 1

Epístolas Gerais e Apocalipse

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Notas Introdutórias da Bíblia de Estudo de Genebra(gentilmente cedidas pela Editora Cultura Cristã)

Epístolas Gerais e Apocalipse

A Epístola aos HEBREUS

Autor O autor de Hebreus era perito nos estilos literários grego e helenista, imerso no Antigo Testamento (na tradução grega, a Septuaginta), sensível à história da redenção culminando em Jesus, e pastoralmente interessado pelos leitores originais, que o conheciam pessoalmente (13.22,23) e cujos antecedentes ele conhecia (10.32-34). Como seus leitores, ele veio à fé não através de um contato direto com Jesus, mas através da pregação dos apóstolos (2.3,4). Alem disso, ele tinha familiaridade com Timóteo (13.23).

Mas a epístola não trás seu nome, deixando um mistério tentador. Nas igrejas do leste, no tempo de Clemente de Alexandria (c. 150-215 d.C.) e de Orígenes (185-253 d.C.) a epístola foi atribuída a Paulo, embora ambos os teólogos reconhecessem as diferenças estilísticas entre Hebreus e as cartas paulinas. No ocidente, Tertuliano (c. 155-220 d.C.) propôs Barnabé, um levita da dispersão judaica, que era notório por seu encorajamento a outros (At 4.36). Outras sugestões desse mesmo período histórico eram Lucas e Clemente de Roma (c. 95 d.C.). Do quinto ao décimo sexto séculos a autoria de Paulo era aceita no oriente e no ocidente. Durante a Reforma, Lutero propôs Apolo, um judeu cristão de Alexandria que era perito em discursos e poderoso nas Escrituras (At 18.24). Sugestões no período moderno têm incluído Priscila (exceto cf. 11.32, onde o autor refere-se a si mesmo com um particípio do gênero masculino), Epafras (Cl 1.7), e Silas (At 15.22, 32,40; 1Pe 5.12). Conquanto seja difícil eliminar muitos destes candidatos, é igualmente difícil encontrar um argumento convincente em favor de qualquer um deles. Do ponto de vista da tradição primitiva, Paulo tem o apelo mais forte, mas, como Calvino observou, Hebreus difere de Paulo em estilo, método de ensino e na inclusão de si mesmo, pelo autor, entre os discípulos dos apóstolos (2.3) — uma declaração estranha em relação à reivindicação característica de Paulo de haver recebido sua nomeação e revelação do evangelho diretamente de Cristo (Gl 1.1,11,12).

Se o autor não for Paulo (ou alguém como Lucas, cujos outros escritos nós temos), conhecer o nome do autor acrescentaria pouco ao nosso entendimento a respeito da epístola, em qualquer caso. A teologia da epístola assemelha-se à teologia de Paulo. Por outro lado, a sublime doutrina de João, a respeito de Cristo como a divina “Palavra”, é detectável. Mas estas características combinadas, juntamente com o retrato do sofrimento de Jesus, como é descrito nos primeiros três evangelhos (sinóticos), são de se esperar, em vista da autoria unificada de todas as Escrituras pelo Espírito Santo. Conquanto o autor humano deste livro permaneça desconhecido, o importante é que este texto, como o Antigo Testamento antes dele, é o que “o Espírito Santo diz” (3.7).

Data e Ocasião Hebreus oferece uma boa quantidade de informações a respeito dos destinatários originais e sua situação, ao mesmo tempo em que deixa questões de data e destinatário sem respostas certas. Os leitores originais falavam grego e usavam a tradução grega do Antigo Testamento. Eles podiam seguir argumentos extraídos do Antigo Testamento e estavam interessados no santuário, no sistema sacrificial e no sacerdócio do Antigo Testamento. Eles não tinham ouvido o evangelho diretamente de

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Jesus, mas dos apóstolos (2.3), tinham enfrentado perseguição anterior (10.32-34) e estavam enfrentando perseguição presente, incluindo sua expulsão de instituições judaicas (13.12,13). Eles estavam em perigo de apostasia, talvez temendo a morte (2.14-18), embora sua fé ainda não os tivesse levado ao martírio (12.4). Além disso, eles podem ter estado atravessando uma transição na liderança da igreja (13.7,17) e estavam, portanto, preocupados com segurança e permanência (6.19; 11.10; 13.8,14). Finalmente, eles recebem saudações, através do autor, “daqueles da Itália” (13.24).

Reunindo estas características, concluímos que os destinatários eram cristãos judeus da Dispersão (a dispersão dos judeus fora da Palestina), provavelmente na Itália. Isto faria com que 13.24 fosse uma saudação enviada “para casa” pelos deportados. A mais antiga evidência de conhecimento desta epístola é de Roma, em 1 Clemente, uma obra datada de cerca de 96 d.C. Aparentemente o templo ainda estava em pé e seus rituais sacrificiais estavam sendo realizados (10.2, 3, 11). Talvez a situação seja aquela da perseguição sob Nero (c. 64 d.C.). Nesse caso, o sofrimento mencionado em 10.32-34 poderia ter sido causado pelo edito de Cláudio, que expulsou os judeus de Roma em 49 d.C. (At 18.2).

Sujeitos ao sofrimento e vergonha por sua confissão de Jesus, despojados das instituições familiares e visíveis da religião judaica organizada, e confusos pelo caráter invisível da glória de Jesus (velada em sofrimento enquanto ele estava na terra e agora escondida no céu), os leitores são tentados a desviarem-se da fé (10.38, 39), a cairem em incredulidade e assim desistirem de sua peregrinação em direção ao descanso de Deus e à cidade de Deus (4.1, 2, 11; 11.10; 14-16; 13.14)

Características e Temas O alto estilo literário de Hebreus e o enfoque especial no sumo sacerdócio de Cristo colocam-no à parte de outros livros do Novo Testamento. Sua particular contribuição à revelação de Jesus Cristo que há no Novo Testamento é a exposição do cumprimento por Jesus Cristo do santuário, sacrifícios e sacerdócio estabelecidos na lei de Moisés.

O autor refere-se a seu trabalho como uma “palavra de exortação” (13.22). Uma vez que a mesma expressão grega em Atos 13.15 refere-se a um discurso da sinagoga, o termo pode identificar esta “epístola” como um sermão expositivo em forma escrita. Hebreus é adequadamente descrita como uma “palavra de exortação”, pois exortação ou encorajamento é o propósito central do livro (3.13; 6.18; 10.25; 12.5). O autor repetidamente chama seus leitores a uma ativa e corajosa resposta (4.11, 14, 16; 6.1; 10.19-25).

A exortação a perseverar na peregrinação da fé é baseada na prova do autor de que o próprio Antigo Testamento testificava a respeito da imperfeição da aliança no Sinai e de seu sistema sacrificial, desse modo, aponta para um novo sumo sacerdote — Jesus Cristo. Jesus é melhor que os mediadores, santuário e sacrifícios da velha ordem. Ele é digno de “maior glória” que Moisés (3.3). Os argumentos do menor ao maior em 2.2, 3; 9.13, 14; 10.28, 29; e 12.25 (“se não... muito menos”) marcam uma maior graça e glória e uma maior responsabilidade, que agora chegaram na nova aliança mediada por Jesus. Diferente dos aspectos terrenos e externos do santuário do Antigo Testamento, Jesus nos santifica pela verdadeira adoração a Deus, para que nos aproximemos do próprio céu com consciência limpa. Ele é a garantia deste melhor vínculo de aliança, porque ele nos liga inseparavelmente com o Deus da graça.

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Esboço de Hebreus I. Jesus é superior aos anjos (cap. 1; 2) A. Prólogo: A última e melhor Palavra de Deus nos foi falada pelo Filho (1.1-4) B. As Escrituras testificam da maior honra do Filho (1.5-14) C. Exortação a não negligenciar a salvação revelada através do Filho (2.1-4) D. O Filho tornou-se semelhante a seus irmãos como nosso Sumo Sacerdote (2.5-18) II. Cristo é superior a Moisés (3.1 - 4.13) A. O Filho tem maior honra que o servo (3.1-6) B. Exortação a não imitar aqueles que descreram no deserto (3.7—4.13) III. Cristo é superior a Aarão (4.14—7.28) A. Cristo o eterno sumo sacerdote (4.14—5.11) B. Exortação à perseverança e maturidade espiritual (5.12—6.12) C. Um sacerdote para sempre por juramento divino (6.13-20) D. Um sacerdote para sempre segundo a ordem de Melquisedeque (cap. 7) IV. O superior ministério sacerdotal de Cristo (8.1—10.18) A. Uma superior aliança (cap. 8) B. Um superior tabernáculo (9.1-10) C. Um superior sacrifício que purifica a consciência (9. 11-28) D. O sacrifício de Cristo, de uma vez por todas (10.1-18) V. Chamado a perseverar na fé (10.19—12.29) A. Uma aliança superior implica em maior responsabilidade (10.19-39) B. Exemplos da vida de fé (cap. 11) C. Verdadeiros filhos de Deus (12.1-17) D. A Jerusalém celestial (12.18-29) VI. Conclusão (cap.13) A. Exortações finais (13.1-19) B. Bênçãos e Saudações (13.20-25)

A Epístola de TIAGO

Autor O autor desta carta identifica-se como Tiago. Embora várias pessoas diferentes chamadas “Tiago” sejam mencionadas na igreja do Novo Testamento, é quase certo que o autor deste livro é Tiago, o irmão de Jesus. O autor assume uma posição de autoridade na igreja, que certamente foi concedida a Tiago, o irmão do Senhor. O Tiago que era um líder na igreja de Jerusalém (At 15) é identificado em Gl 1.19 como “o irmão do Senhor”. Ele foi considerado uma das colunas da igreja juntamente com Pedro e João (Gl 2.9). O Novo Testamento cita Tiago como um dos filhos de Maria, mãe de Jesus (Mt 13.55; Mc 6.3). Tiago, junto com seus irmãos, foi cético a respeito de Jesus durante seu ministério terrestre (Jo 7.5), mas foi convertido quando tornou-se uma testemunha ocular da ressurreição (1Co 15.7). O historiador da igreja primitiva Hegésipo identificou-o como “Tiago o Justo”, testificando de sua extraordinária piedade, seu zelo pela obediência da lei de Deus e sua singular devoção à oração. Foi dito que os joelhos de Tiago se tornaram tão calejados por causa da oração que pareciam joelhos de camelo. Josefo registra que Tiago foi martirizado em 62 d.C. Eusébio diz que lhe bateram até à morte com uma clava depois de ter sido atirado do parapeito do templo; Hegégipo também registra que ele foi lançado do pináculo do templo.

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Data e Ocasião Tiago foi escrita entre 44 d.C., o começo da perseguição que se difundiu na Diáspora (At 12) e 62 d.C., o ano da morte de Tiago. Desde que nenhuma menção é feita à controvérsia que leva ao concílio de Jerusalém (At 15), é provável que Tiago tenha sido escrita antes de 49 d.C. Tiago é possivelmente o mais antigo texto do Novo Testamento.

Características e Temas Tiago tem sido diversamente considerada uma epístola, um sermão (para ser lido em voz alta nas igrejas), uma forma de literatura de sabedoria, uma forte exortação moral. Estas categorias não são mutuamente exclusivas, e há elementos de todas estas formas em Tiago.

A epístola tem um marcante sabor judaico e refere-se freqüentemente ao Antigo Testamento. A estrutura literária de paralelismo é usada (1.9,10), juntamente com aforismos, figuras de linguagem concretas extraídas da natureza, e expressões que têm uma clara similaridade com o estilo de Jesus. A epístola ensina uma cristologia elevada e destaca a importância de tratar com a aflição do ponto de vista da fé. O relacionamento crucial entre fé e obras ativas de obediência recebe especial atenção (2.14-26).

Esboço de Tiago I. Perseverança (cap. 1)

A. Saudação (1.1)B. Provações (1.2-11)C. Testes de fé (1.12-18)D. Obedecendo a Palavra de Deus (1.19-27)

II. Fé (cap. 2)A. Fé e lei (2.1-13)B. Fé e obras (2.14-26)

III. A língua (3.1-12)IV. Sabedoria celestial e terrena (3.13-18)V. Submissão à vontade de Deus (cap. 4)

A. Fonte de contendas nos maus desejos (4.1-6)B. Aproximando-se de Deus (4.7-10)C. Calúnia (4.11,12)D. Submissão à providência divina (4.13-17)

VI. Paciência (cap. 5)A. Julgamento sobre os ricos (5.1-6)B. Ensinamentos e exemplos de paciência (5.7-11)C. Juramentos e votos (5.12)D. Oração eficaz (5.13-18)E. Resgatando irmãos do erro (5.19,20)

A Primeira Epístola de Pedro

Autor O autor se identifica como sendo "Pedro, apóstolo de Jesus Cristo" (1.1). O fato de que ele é o apóstolo bem conhecido dos evangelhos e de Atos é confirmado tanto por evidências internas como externas. O autor descreve a si próprio como "testemunha dos sofrimentos de Cristo" (5.1), e existem vários ecos do ensinamento e dos feitos de Jesus

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na epístola (p.ex. 5.2, 3; Jo 21.15-17). Vários paralelos de pensamentos e frases entre 1 Pedro e os discursos de Pedro em Atos dão ainda apoio adicional à autoria de Pedro (p.ex., 2.7, 8; At 4.10, 11).

O testemunho externo de 1 Pedro, como sendo uma genuína epístola de Pedro é amplo, primitivo, e claro; não existe evidência de que a autoria tivesse sido atribuída a outra pessoa em tempo algum. Além do possível testemunho de 2 Pe 3.1 (nota), Irineu (c. 185 d.C.; Contra Heresias 4.9.2), Tertuliano (c. 160-225 d.C.), Clemente de Alexandria (c. 150-215 d.C.), e Orígenes (c. 185-253 d.C.) todos atribuíram a epístola a Pedro. Até a época de Eusébio (c. 265-339 d.C.) não existiu questionamento da sua autenticidade (História Eclesiástica 3.3.1).

Ainda que os argumentos para a autoria de Pedro sejam fortes, objeções lingüísticas e históricas têm surgido nos últimos dois séculos. Diz-se que o grego de 1 Pedro é refinado demais e muito influenciado pela Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento) para um pescador galileu sem instrução como Pedro (At 4.13). Alega-se que as perseguições citadas na epístola (4.12-19; 5.6-9) refletem uma situação posterior à vida de Pedro.

Nenhuma dessas objeções é conclusiva contra a autoria de Pedro. Em resposta à objeção lingüística, várias asseverações podem ser feitas. A Galiléia do primeiro século era bilíngüe (aramaico e grego), e é provável que um pescador comercial tenha conhecido a linguagem do comércio. A descrição de Pedro e João como sendo "homens iletrados e incultos" em At 4.13 pode se referir somente à sua falta de treinamento formal nas Escrituras. Os trinta anos que se passaram entre os dias de Pedro como pescador, e o tempo em que a epístola foi escrita, representariam ampla oportunidade para que ele melhorasse a sua proficiência no grego. Finalmente, o possível papel de Silvano como seu auxiliar (5.12) poderia ser a razão do estilo mais suave de 1 Pedro, comparando com 2 Pedro.

Com respeito às objeções históricas, os sofrimentos de que Pedro fala, poderiam ser explicados tanto pelo assédio hostil local e esporádico, que era a experiência rotineira dos cristãos primitivos desde os dias dos apóstolos, quanto pela perseguição nos dias de Domiciano (c. 95 d.C.) ou de Trajano (c. 111 d.C.).

Data e Ocasião Conforme 5.13, Pedro estava na "Babilônia" quando ele escreveu a epístola. Várias identificações do local têm sido sugeridas, entre elas (a) um posto militar no Egito, (b) a própria antiga cidade da Mesopotâmia, e (c) Roma. Várias evidências apoiam esta última alternativa. Sabe-se que Marcos, que acompanhava Pedro quando ele escreveu esta carta (5.13), estava com Paulo em Roma (Cl 4.10; Fm 24). Roma é muitas vezes vista como sendo a "Babilônia" do livro de Apocalipse (Ap 17.5, 9). Esta interpretação tem sido geralmente aceita desde o século dois. O testemunho uniforme da história da igreja primitiva é de que Pedro estava em Roma no final da sua vida.

Se Roma é o lugar de origem, a epístola deve ter sido escrita entre 60 e 68 d.C.. O primeiro limite é estabelecido pela familiaridade de Pedro com os livros de Efésios e Colossenses (cf. 2.18 com Cl 3.22; e 3.1-6 com Ef 5.22-24), e o segundo limite pela tradição de que Pedro foi crucificado de cabeça para baixo em Roma, no máximo até 68 d.C..

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Enquanto que a introdução (a "Dispersão", 1.1 e nota) e as freqüentes citações e referências ao Antigo Testamento na epístola parecem indicar que os destinatários eram cristãos judeus (assim concorda Calvino), existem indicações mais fortes de que a maioria era de origem pagã. A referência em 1.18, por exemplo, ao "fútil procedimento que vossos pais vos legaram" dificilmente se encaixaria a judeus. Além disso, os pecados relacionados em 4.3 são tipicamente pagãos.

Podemos ver, da carta, que os leitores estavam sofrendo perseguições pela sua fé (1.6, 7; 3.13-17; 4.12-19; 5.8, 9). Mas nada na carta indica perseguição oficial ou legislativa ou requer uma data de composição posterior à década de 60. Os seus sofrimentos eram as tribulações comuns aos cristãos do primeiro século, e incluíam insultos (4.4, 14) e acusações falsas de má conduta (2.12; 3.16). Espancamentos (2.20), ostracismo social, violência esporádica e ações policiais locais podem também ter ocorrido.

Características e Temas Pedro escreve para encorajar cristãos perseguidos e confusos e para exortá-los a permanecer firmes na sua fé (5.12). Para este fim ele repetidamente direciona os seus pensamentos às alegrias e glórias de sua herança eterna (1.3-13; 4.13; 5.1, 4) e os instrui sobre o comportamento cristão correto no meio de sofrimento injusto (4.1, 19). Ainda que seja dirigida primariamente aos cristãos perseguidos, os princípios que Pedro ensina se aplicam a todo tipo de sofrimento, não importa a causa, desde que não seja ocasionado pelo próprio pecado. Baseado nesta epístola, Pedro tem sido, com justiça, chamado de "o apóstolo da esperança" (cf. 1.3, 13, 21; 3.15). A exortação central da epístola toda pode ser resumida na frase "crer e observar" (cf. 4.19).

Esboço de 1 PedroI. Saudações (1.1, 2)II. A salvação certa do cristão (1.3-12)III. As implicações da salvação (1.13—3.12)

A. Santidade pessoal (1.13-16)B. Temor reverente (1.17-21)C. Amor mútuo (1.22—2.3)D. Condição de membro na comunidade espiritual (2.4-10)E. O cristão e os relacionamentos sociais (2.11—3.12)

1. O mundo em geral (2.11, 12)2. O estado (2.13-17)3. O lar (2.18—3.7)4. Resumo (3.8-12)

IV. O sofrimento e o serviço cristão (3.13—5.11)A. A benção de sofrer pela justiça (3.13-22)B. Vivendo para a glória de Deus (4.1-11)C. Sofrendo como cristão (4.12-19)D. Humildade e atenção no sofrimento (5.1-11)

1. A liderança fiel e humilde (5.1-4)2. Humildade e atenção (5.5-9)3. Promessa de força e vindicação (5.10, 11)

V. Saudações finais (5.12-14)

A Segunda Epístola de Pedro

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Autor Esta epístola registra ter sido escrita por Simão Pedro (1.1), e vários fatores internos da epístola apoiam essa declaração. O autor se refere à sua própria morte iminente em termos que relembram as palavras de Jesus a Pedro (1.14; cf. Jo 21.18, 19); ele declara ter sido uma testemunha ocular da transfiguração (1.16-18; cf. Mt 17.1-8 e paralelos); e ele parece inferir uma ligação entre esta epístola e 1 Pedro (3.1).

Mesmo que existam possíveis alusões a 2 Pedro na literatura cristã do fim do primeiro século e começo do segundo, ela não é uma carta com um número expressivo de testemunhos, tanto quanto 1 Pedro ou outros livros do Novo Testamento. Orígenes (c. 185-254) foi o primeiro a atribuir a epístola explicitamente a Pedro, mas ele registrou que outros duvidavam dessa autoria. Eusébio (c. 265-339) a relacionou entre os livros disputados, e Jerônimo (c. 342-420), mesmo relatando alguma discordância sobre a sua autenticidade, sugeriu que as diferenças de estilo quando comparada com 1 Pedro eram o resultado da utilização, da parte de Pedro, de auxiliares diferentes. A epístola foi aceita como sendo autêntica e canônica pelos patriarcas da igreja do quarto século, como Atanásio, Cirilo de Jerusalém, Ambrósio, e Agostinho, bem como pelos concílios eclesiásticos do fim do quarto século em Hipos e Cártago. Assim, o seu lugar subsequente no cânone do Novo Testamento foi assegurado.

Apesar das declarações da própria epístola, apareceram algumas objeções à autoria de Pedro. Entre as mais comuns estão a falta de um testemunho mais antigo, o lento reconhecimento pela igreja, as diferenças de estilo para com 1 Pedro, e o uso aparente de linguagem helenista religiosa e filosófica. A alternativa genericamente apresentada para a declaração da autoria de Pedro é a pseudonimidade, isto é, que a carta de 2 Pedro foi escrita por um autor desconhecido que viveu posteriormente, e que atribuiu a obra a um escritor muito bem conhecido como um dispositivo literário para dar crédito à sua mensagem. Enquanto várias das objeções devam ser consideradas com seriedade (especialmente a questão do testemunho e do estilo), a força de argumentação dessas não deve ser exagerada, e nenhuma delas é conclusiva contra a autoria de Pedro.

Existe uma grande diferença de estilo entre 1 e 2 Pedro. Muitas das palavras e expressões favoritas de 1 Pedro, por exemplo, estão ausentes em 2 Pedro. No entanto, as diferenças não são absolutas, e várias semelhanças impressionantes de fato existem entre as duas epístolas. Ocorrem vários paralelos entre 2 Pedro e os discursos de Pedro em Atos (p.ex. o uso da palavra grega eusebeia, "piedade," em 1.3, 6, 7; 3.11 e At 3.12, uma palavra que só ocorre lá e nas epístolas pastorais, e em mais nenhum outro lugar do Novo Testamento).

A alegação de que 2 Pedro seja pseudônima é fraca. Exemplos genuínos de pseudepigrafia (escritos de autores que se identificam como sendo outras pessoas de maior autoridade), na literatura cristã primitiva, são quase todas heréticas, uma indicação de que este dispositivo era usado para fornecer crédito a obras cujo conteúdo era suspeito. Existem fortes evidências de que a igreja não tolerava esta prática, e que de fato rejeitava completamente a pseudepigrafia.

A acusação contra a autoria de Pedro fica, em conclusão, sem ser provada, e a alegação da própria epístola de ter sido escrita por Pedro permanece confiável.

Data e Ocasião Partindo do ponto da autoria de Pedro, 2 Pedro deve ter sido escrita antes da morte do apóstolo em 67-68 d.C.. A referência à sua morte iminente em 1.14

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sugere um tempo perto do fim da sua vida. Se 3.1 se refere a 1 Pedro, a data de composição deve ser em algum momento depois de 63-64 (Introdução a 1 Pedro: Data e Ocasião). Uma data entre 65-67 é, conseqüentemente, plausível.

O lugar de origem de 2 Pedro não é certo. Roma é uma provável sugestão, já que Pedro se encontrava lá em 1 Pedro (1Pe 5.13, nota) e seguindo a tradição de que ele foi martirizado nesta cidade sob o imperador Nero.

Ao contrário de 1 Pedro, temos poucas informações nesta epístola sobre aqueles que a receberam. Se 3.1 se refere à 1 Pedro, os leitores originais, cristãos na Ásia Menor, são os mesmos nas duas epístolas. Se 3.1 não for uma referência a 1 Pedro, mas a uma outra epístola, então não temos dados seguros para uma determinação dos seus leitores.

Características e Temas A segunda epístola de Pedro foi escrita a cristãos que estavam sendo ameaçados pelo falso ensino interno (2.1). Como antídoto, Pedro destaca a verdade e as implicações éticas do evangelho contra os falsos mestres.

Ainda que o falso ensino seja difícil de se definir precisamente, ele parece ser um precursor primitivo do gnosticismo. Este termo designa um de uma variedade de movimentos heréticos que surgiram nos primeiros séculos cristãos (especialmente no segundo século) que combinavam idéias da filosofia grega, do misticismo oriental, e do cristianismo, e enfatizavam a salvação pelo conhecimento intuitivo e esotérico (a palavra grega para "conhecimento" é gnosis), e não pela fé em Cristo.

Visto que no sistema gnóstico o corpo físico era visto como sendo mau, os gnosticos do século dois eram geralmente caracterizados ou pela imoralidade desenfreada ou pelo ascetismo rigoroso. Ascetismo não é tratado como um problema em 2 Pedro, mas a imoralidade é (2.13-19). Os falsos mestres pareciam estar usando a liberdade cristã como uma licença para pecar, especialmente para cometer a imoralidade sexual (2.14). Além disso, eles são culpados de negar ao Senhor (2.1), desprezando a autoridade e caluniando os seres celestiais (2.10), e zombando da segunda vinda de Cristo (3.3, 4).

Dificuldades de Interpretação A existência de uma ligação entre 2 Pedro e Judas é quase certa. Embora a concordância literal seja rara (2.17; cf. Jd 13), eles têm idéias, palavras, ilustrações do Antigo Testamento, e ordem do texto (2.1-18; cf. Jd 4-16) semelhantes. Várias explicações são possíveis. Ou 2 Pedro usou Judas (o consenso entre os estudiosos), ou Judas usou a 2 Pedro, ou houve uma fonte comum que não conhecemos.

Esboço de 2 PedroI. Saudação (1.1)II. A verdade do evangelho (1.2-21)

A. O crescimento espiritual como confirmação da eleição (1.2-11)1. Privilégios cristãos (1.2-4)2. Responsabilidade cristã (1.5-11)

B. A verdade do evangelho atestada pelo testemunho apostólico e profético (1.12-21)

1. O propósito de Pedro (1.12-15)2. O testemunho apostólico (1.16-18)3. O testemunho profético (1.19-21)

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III. Falsos mestres (cap. 2)A. Descrição da sua vinda e conduta (2.1-3)B. O seu julgamento certo pronunciado (2.4-11)C. Os seus caminhos imorais denunciados (2.12-22)

IV. A segunda vinda de Cristo (3.1-16)A. O propósito de Pedro reiterado (3.1, 2)B. A certeza do julgamento (3.3-10)C. As implicações éticas da vinda de Cristo (3.11-16)

V. Exortação Final (3.17,18)

A Primeira Epístola de João

Autor Em estilo, vocabulário e conteúdo, 1 João segue de perto o quarto evangelho. É praticamente certo ter sido escrito pelo mesmo autor (Introdução a João: Autor). Mesmo que os dois livros sejam anônimos, a sua atribuição tradicional a João, filho de Zebedeu, não pode ser contestada. Ela se baseia em evidências mais firmes do que simples propostas especulativas, como a de João o Presbítero ou João Marcos. A ênfase, no versículo de abertura, na proclamação com autoridade e no testemunho ocular é mais naturalmente aceita como sendo um reflexo do chamado apostólico de João (Jo 19.35; 20.3-8; 21.24).

Data e Ocasião A primeira carta de João foi escrita para alertar e instruir os leitores sobre um tipo de falso ensinamento que negava que Jesus Cristo havia sido encarnado (4.2, 3). O ensino era que Cristo só tinha a aparência de ser humano, e sendo assim não havia real encarnação e não havia um Salvador divino que pudesse morrer pelos pecadores. Cristo só havia aparentado morrer. Tal ensinamento é conhecido desde a história cristã primitiva, e é chamado de "docetismo" (do grego dokeo, "parecer").

Alguns estudiosos acham que o falso ensinamento era uma variação do gnosticismo, um movimento religioso que ligava a salvação a uma experiência de revelação individual e esotérica (gnosis é a palavra grega que significa "conhecimento"). Um exemplo seria o ensinamento do mestre Cerinto, que viveu no final do primeiro século. Escritores posteriores consideram Cerinto gnóstico e docético, mas existe pouca evidência em 1 João para estabelecer alguma ligação do falso ensinamento, que ali é confrontado, com as idéias específicas atribuídas a Cerinto, ou até ao gnosticismo em geral.

Várias considerações indicam que a epístola de 1 João foi escrita depois do evangelho de João. Primeiro, ela se refere muito brevemente a idéias que o evangelho explica mais clara e amplamente. Aparentemente presumia-se que os leitores tinham conhecimento do evangelho. Em segundo lugar, o conflito com o docetismo está ausente no evangelho e parece ter sido algo posterior. Em terceiro lugar, não há nenhuma indicação em 1 João do conflito ideológico com "os judeus" que permeia a primeira metade do evangelho. O evangelho mostra a comunidade cristã dolorosamente se destacando do povo judeu, enquanto 1 João reflete uma ocasião posterior, onde a auto-identificação cristã era bem mais estabelecida e podia ser pressuposta.

Outro fator indicador da data de 1 João, vem da comparação com as cartas de Inácio (em torno de 110 d.C.) e de Policarpo. Estes escritos criticam ensinamentos falsos

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semelhantes porém mais desenvolvidos do que aqueles tratados por 1 João. Para abrigar este desenvolvimento, 1 João deve ser datada alguns anos antes de 110 d.C.

Características e Temas Ainda que 1 João tenha sido tradicionalmente tratada como sendo uma carta, ela não contém os fatores principais que identificam uma carta (saudação, cumprimentos introdutórios, saudação final). Ainda assim, João se dirige aos leitores como "meus filhinhos" (2.1). Ele parece estar escrevendo a um grupo específico de pessoas com o qual partilha de um relacionamento íntimo. Nos seus propósitos básicos de admoestação e instrução, 1 João é semelhante à maioria das cartas do Novo Testamento.

É notoriamente difícil fazer um esboço desta pequena carta. Os seus temas parecem mostrar pouca relação uns com os outros. A linguagem não é difícil ou técnica, mas as idéias são profundas. João diz que Deus foi revelado em Cristo para que pudesse comunicar a vida eterna àqueles que crêem. Deus é luz, verdade, e amor—cada uma destas características é alvo de alguma meditação, mas sempre em conexão com o desenvolvimento de virtudes correspondentes nos próprios dos crentes.

Os ideais de pureza e amor, que são mostrados ao leitor, são dons de Deus comunicados através da sua auto-revelação. Ao mesmo tempo, eles só são reais quando estão em ação. Esta realidade é possível através do novo nascimento e do perdão dos pecados.

O inimigo do evangelho ataca de maneira geral. Ele impugna a auto-revelação de Deus tentando negar que Jesus foi encarnado. Com isso, ele ameaça subverter a confiança do crente em Deus. Além disso, o adversário tenta argumentar que alguém pode acreditar em Deus sem tomar parte no amor e na bondade que são parte da natureza dele. Isto faria da salvação também uma mera aparência. Para a luz e a verdade do evangelho, o anticristo usa escuridão e mentiras, ou a regra do ódio e da confusão mental.

Diferentemente de Paulo, as idéias de João não são desenvolvidas logicamente passo a passo. As conclusões finais, de que Deus é luz, e que Jesus Cristo nos purifica de todo o pecado, são declaradas já nos primeiros versículos. Ele trabalha estas conclusões com uma abordagem espiritual no decorrer do livro.

Esboço de 1JoãoI. Introdução: a vida eterna apareceu (1.1-4)II. Luz e treva (1.5—2.27)

A. Andando na luz (1.5—2.11)1. O perdão dos pecados (1.5-10)2. Guardando os mandamentos (2.1-6)3. Amando ao próximo (2.7-11)

B. Escapando do pecado (2.12-17)1. Vencendo o maligno (2.12-14)2. Vencendo o mundo (2.15-17)

C. Conselhos para a última hora (2.18-27)1. A apostasia (2.18-21)2. A negação a Cristo (2.22-24)3. A lembrança sobre a unção (2.25-27)

III. A vida de retidão (2.28—4.6)A. A retidão dos filhos de Deus (2.28—3.3)

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B. A prática do pecado e o diabo (3.4-10)C. O amor contra o ódio (3.11-15)D. O amor e a generosidade (3.16-18)E. A segurança (3.19-24)F. O Espírito de Deus e o anticristo (4.1-6)

IV. O amor é aperfeiçoado em nós (4.7—5.12)A. Deus é amor (4.7-21)B. Fé e obediência (5.1-12)

V. Conclusão (5.13-21)A. Oração pelo pecador (5.13-17)B. A vida em Deus (5.18-21)

A Segunda Epístola de João

Autor O estilo, vocabulário e conteúdo de 2 João são características que indicam que ela tenha sido escrita pelo mesmo autor de 1 João e do evangelho de João. Este autor tem sido tradicionalmente identificado como sendo o apóstolo João, filho de Zebedeu, e nenhuma outra atribuição mais plausível tem sido apresentada.

Data e Ocasião A segunda carta de João foi escrita para alertar contra a mesma corrente de falsos ensinos a qual 1 João se opõe, chamado de "docetismo" (veja "Introdução à 1 João: Data e Ocasião"). Deve ter sido escrita em torno da mesma época, nas duas últimas décadas do primeiro século. Ainda que repita idéias de 1 João, ela não pressupõe o conhecimento daquela carta da parte do leitor.

Características e Temas Segunda João é uma carta, com saudação inicial, cumprimentos introdutórios, e saudação final. Ela foi escrita para uma senhora cristã e sua família, sendo esta ou a sua família natural ou a comunidade de crentes à qual era associada. Assim como as primeiras cartas de Paulo, é uma carta de encorajamento e de advertência dirigida a uma comunidade específica pela qual o autor tem responsabilidade pastoral.

Esboço de 2 JoãoI. Saudação e cumprimentos (vs. 1-3)II. Amor e obediência (vs. 4-6)III. O perigo do falso ensinamento (vs. 7-11)IV. Conclusão e despedida (vs. 12, 13)

A Terceira Epístola de João

Autor A terceira carta de João foi escrita pelo autor de 2 João, como é indicado pelas similaridades principais de estilo e estrutura. Assim como o evangelho de João e as epístolas de 1 e 2 João, a atribuição tradicional ao apóstolo João não pode ser questionada e é mais provável do que qualquer outra alternativa.

Data e Ocasião Enquanto 1 e 2 João celebram verdades que unem todos os cristãos, 3 João lamenta a rivalidade mesquinha que põe cristãos uns contra os outros. Em particular, a carta foi ocasionada por um conflito grave entre Diotrefes (aparentemente

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um presbítero na congregação sob os cuidados de João) e outros na congregação, sobre a hospitalidade que era demonstrada para com os missionários viajantes. Era provável que Demétrio, que é recomendado a Gaio pela carta, era também um missionário viajante que necessitava de alojamento temporário.

Não existem traços em 3 João do conflito cristológico que transparece em 1 e 2 João, e pode ser até que 3 João tenha sido escrita antes das outras duas, possivelmente nos anos 80 do primeiro século.

Características e Temas A terceira epístola de João é marcada pela sua saudação, cumprimentos introdutórios, e saudação final como sendo de fato uma carta. Mais especificamente, ela é uma carta de recomendação introduzindo Demétrio ao recebedor, Gaio.

Esboço de 3JoãoI. Saudação e cumprimentos (vs. 1, 2)II. Fidelidade à verdade (vs. 3, 4)III. A importância da hospitalidade (vs. 5-11)

A. Encorajamento positivo (vs. 5-8)B. Um exemplo negativo (vs. 9, 10)C. Resumo: o bem contra o mal (v. 11)

IV. Recomendação de Demétrio (v. 12)V. Conclusão e despedida (vs. 13, 14)

A Epístola de Judas

Autor O autor desta epístola se identifica como sendo "Judas, servo de Jesus Cristo, e irmão de Tiago" (v.1). O nome "Judá" (grego Judas) era comum entre judeus do primeiro século, e pelo menos oito pessoas com este nome são mencionadas no Novo Testamento, incluindo dois dos discípulos de Jesus (Lc 6.16). O autor não pode, então, ser identificado com base exclusiva em seu nome.

A melhor pista para sabermos a sua identidade é a descrição "irmão de Tiago" (v.1). O único Tiago conhecido na igreja primitiva a tal ponto que podia ser mencionado desta maneira não-distintiva é Tiago, o líder eclesiástico proeminente (At 12.17; 15.13), autor da epístola que tem o seu nome, e meio-irmão de Jesus (Mt 13.55; Mc 6.3; Gl 1.19). Se esta identificação de Tiago estiver correta, o autor desta epístola deve ser então Judas, o meio-irmão de Jesus (Mt 13.55; Mc 6.3), que assim como os seus outros irmãos não creu em Jesus até após a sua ressurreição (Mc 3.21, 31; Jo 7.5; At 1.14).

Judas pode ser um dos demais que são mencionados em outro lugar no Novo Testamento, na referência de Paulo ao ministério ambulante dos irmãos do Senhor e de suas esposas (1Co 9.5). É provavelmente a humildade de Judas que explica porquê ele não mencionou que era parente de Jesus (note a atitude semelhante em Tg 1.1).

Várias objeções à autenticidade de Judas tem sido levantadas, mas todas se baseiam em suposições ou exegeses questionáveis. A maioria está relacionada com a proposta de uma data que é posterior demais à vida de Judas ("Data e Ocasião" abaixo). Alguns argumentam que a qualidade do grego usado nesta epístola é melhor do que aquele que

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seria de se esperar de um galileu, entretanto a Galiléia era bilíngüe (grego e aramáico) no primeiro século, e sabe-se muito pouco sobre o grego de Judas para se concluir que ele não poderia ter escrito esta carta. Podemos aceitar que o autor é Judas, o irmão de Jesus.

Apesar de sua brevidade, esta epístola foi amplamente usada na igreja primitiva por causa da sua ortodoxia óbvia e de seu valor. Questionamentos sobre a sua posição canônica surgiram por causa do seu uso da literatura apócrifa (vs. 9, 14, 15 e notas; "Dificuldades de Interpretação" abaixo). Além de possíveis menções nos escritos dos chamados "Pais Apostólicos" (p.ex., Clemente de Roma; o Pastor de Hermas; a Epístola de Barnabé; todos datados antes de 150 d.C.), Judas é relacionada no Cânone Muratoriano (c. 200) e foi aceita como sendo autêntica por Clemente de Alexandria (c. 150-c. 215), Tertuliano (c. 160-c. 225), Orígenes (c. 185-c. 253), e Atanásio (c. 296-373).

Data e Ocasião Praticamente a única evidência que temos para a data de Judas é o que pode ser inferido sobre a época de vida do seu autor e da heresia que ele combate. Se Judas era mais novo do que Jesus e Tiago, como sugere a sua posição na lista de irmãos em Mt 13.55 e Mc 6.3, ele poderia ter sobrevivido até o último quarto do primeiro século. Pressupondo que Pedro tenha escrito 2 Pedro, e, em harmonia com a maioria dos estudiosos, que 2 Pedro tenha utilizado a carta de Judas (Introdução a 2 Pedro: Dificuldades de Interpretação), Judas teria sido escrita antes de 65-67 d.C., a data provável para 2 Pedro.

Alguns apresentam argumentos para uma data no segundo século, baseando-se na alegação de que Judas está combatendo o gnosticismo. Ainda que os ensinamentos que Judas combate possam ter sido precursores do gnosticismo, eles não podem ser identificados com as heresias gnósticas plenamente desenvolvidas do segundo século (Introdução a 2 Pedro: Características e Temas).

Não existe indício, na carta, do seu local de escrita ou de seu destinatário. Alguns acreditam que o uso que Judas faz do Antigo Testamento e da literatura apócrifa judaica, significa que a carta tenha sido direcionada a uma audiência cristã judaica, mas as citações revelam mais sobre o histórico pessoal do autor do que sobre o dos leitores. É possível que Judas tenha escrito esta carta como uma carta circular para várias igrejas cujas condições ele conhecia por ter um ministério itinerante entre elas (cf. 1Co 9.5).

Características e Temas:

1. O caráter cristão judaico da epístola. Esta carta reflete grandemente o meio social do cristianismo judaico do primeiro século, como era de se esperar de um autor como Judas. Entre as evidências para a origem judaica do autor temos as suas muitas referências ao Antigo Testamento (mesmo que não o cite diretamente), a sua familiaridade com a tradição apócrifa judaica, e a sua forte preocupação ética.

2. Denúncia dos falsos mestres. Judas enfrenta uma ameaça semelhante à que é combatida em 2 Pedro—falsos mestres que estavam usando a liberdade cristã e a livre graça de Deus como licença para a imoralidade (v. 4; cf. 2Pe 2.1-3). A maior parte da epístola (vs. 4-19) se dedica à severa denúncia dos falsos mestres com a finalidade de impressionar os leitores com a seriedade desta ameaça. Mas a estratégia de Judas é mais

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do que somente uma oposição negativa. Ele exorta aos seus leitores para que cresçam no conhecimento da verdade cristã (v. 20), para que tenham um testemunho firme pela verdade (v. 3), e para que procurem resgatar aqueles cuja fé estava hesitante (vs. 22, 23). Esta receita para confrontar erros espirituais é tão eficaz hoje quanto o era quando foi escrita.

Dificuldades de Interpretação:

1. O relacionamento entre o livro de Judas e 2 Pedro. Ver "Introdução a 2 Pedro: Dificuldades de Interpretação".

2. O uso de materiais apócrifos e extrabíblicos. Como foi mencionado acima, os uso de materiais judaicos apócrifos foi o maior obstáculo à aceitação da epístola no cânone do Novo Testamento.

Referências ou citações de materiais extrabíblicos são raros no Novo Testamento. Mas dado à atualidade das obras religiosas apócrifas durante o período, e o desejo dos autores do Novo Testamento de comunicarem o evangelho em termos conhecidos pelos seus leitores, não é surpreendente encontrarmos alguma utilização eventual. Temos exemplos disso em 2Tm 3.8, que usa tradições judaicas sobre Êx 7.11; e a citação de poetas pagãos em At 17.28; 1Co 15.33; e Tt 1.12.

A inclusão de tais citações no cânone inspirado, como ilustração ou como um apelo à sabedoria convencional, não significa que os documentos apócrifos ou extrabíblicos em si fossem inspirados, nem que tudo o que está contido neles é aprovado pela Bíblia. É o uso da citação, especificamente, que é inspirado, e não a fonte dessa citação.

Esboço de JudasI. Saudação (vs. 1, 2)II. Propósito da carta (vs. 3, 4)III. Denúncia dos falsos mestres (vs. 5-19)

A. Três exemplos de julgamento divino sobre os ímpios (vs. 5-7)B. A arrogância dos falsos mestres (vs. 8-10)C. Três exemplos daqueles que levaram outros a pecar (v. 11)D. A depravação e o perigo dos falsos mestres (vs. 12, 13)E. A profecia de julgamento de Enoque (vs. 14, 15)F. Palavras orgulhosas dos falsos mestres (v. 16)G. Profecias apostólicas sobre os escarnecedores (vs. 17-19)

IV. Exortações positivas (vs. 20-23)V. Doxologia final (vs. 24, 25)

Apocalipse

Autor O autor se identifica como João (1.1, 4, 9; 22.8). Ele era bem conhecido entre as igrejas da Ásia Menor (1.9; “Data e Ocasião” abaixo). Já no século dois d.C., Justino Mártir, Irineu, e outros identificaram o autor como sendo o apóstolo João. No entanto, no século três, Dionísio, bispo de Alexandria, comparou o estilo e os temas de Apocalipse com o evangelho de João e concluiu que os dois deveriam ter tido autores diferentes. Ainda assim, é provável que o apóstolo João seja o autor. O livro de

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Apocalipse enfatiza o fato de que a sua mensagem e conteúdo são derivados, no cômputo final, de Jesus Cristo e de Deus Pai (1.1, 10, 11; 22.16, 20). O livro possui plena autoridade divina (22.18, 19).

Data e Ocasião O livro de Apocalipse foi escrito durante uma era de perseguição, provavelmente perto do final do reino do imperador romano Nero (54-68 d.C.) ou durante o reino de Domiciano (81-96 d.C.). A maior parte dos estudiosos concorda com uma data em torno de 95 d.C.

O livro é dirigido a sete igrejas na Ásia Menor (1.4, 11), uma área que atualmente é parte da Turquia ocidental. Cada igreja recebe repreensões e encorajamentos de acordo com a sua condição (2.1—3.22). Havia muita perseguição sobre alguns cristãos (1.9; 2.9, 13) e haveria mais pela frente (2.10; 13.7-10). Oficiais romanos tentariam forçar os cristãos a adorar ao imperador. Ensinamentos heréticos e fervor decrescente tentariam os cristãos para que se envolvessem com a sociedade pagã (2.2, 4, 14, 15, 20-24; 3.1, 2, 15, 17). O livro assegura aos cristãos que Cristo conhece as suas condições e que ele os chama para permanecerem firmes contra todas as tentações. A vitória dos cristãos já foi assegurada pelo sangue do Cordeiro (5.9, 10; 12.11). Cristo virá em breve para derrotar Satanás e todos os seus agentes (19.11—20.10) e o povo de Cristo desfrutará da paz eterna em sua presença (7.15-17; 21.3, 4).

Dificuldades de Interpretação:

1. Abordagens ao livro. Os intérpretes discordam com relação ao período de tempo e à maneira em que as visões de 6.1–18.24 são cumpridas. Os "preteristas" pensam que o cumprimento ocorreu na queda de Jerusalém (isto se Apocalipse foi escrito em 67-68 d.C.), na queda do império romano, ou em ambos. Os "futuristas" acham que o cumprimento ocorrerá num período de crise final logo antes da segunda vinda. Os "historicistas" pensam que o trecho 6.1–18.24 oferece um esboço cronológico básico do curso da história eclesiástica do primeiro século (6.1) até a segunda vinda (19.11). Os "idealistas" acham que as cenas do Apocalipse não descrevem eventos específicos, e sim, princípios de guerra espiritual. Estes princípios estão em operação no transcurso da era eclesiástica e podem ser alvo de repetições análogas.

A verdadeira interpretação provavelmente se encontra em uma combinação destes pontos de vista. As imagens de Apocalipse são multi-facetadas, e são, em princípio, capazes de variadas interpretações. Os idealistas mantêm que no livro temos a expressão de certos princípios gerais. Se isto for verdade, aqueles princípios tinham uma relevância específica às sete igrejas e às suas tribulações durante o primeiro século (1.4, "Data e Ocasião" acima), mas os mesmo princípios também virão a ter o ápice de sua expressão na crise final da segunda vinda (22.20. cf. 2Ts 2.1-12). Os cristãos, ao longo da história, estão envolvidos na mesma guerra espiritual e conseqüentemente devem aplicar os princípios a si mesmos e ao seu próprio tempo (1.3, nota). Sendo assim, muitas passagens teriam, pelo menos, três aplicações principais: ao primeiro século, à crise final, e à época vivida por qualquer cristão.

Por outro lado, suponhamos que os preteristas estejam basicamente corretos em pensar que o Apocalipse se refere, em sua maior parte, a eventos do período da igreja primitiva. Eles podem facilmente reconhecer que os princípios básicos de conflito têm uma aplicação mais ampla. Sendo assim, os resultados práticos serão semelhantes à

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abordagem idealista. Paciência e humildade são necessárias quando lidamos com diferenças de opinião sobre estas questões. Nesse meio tempo, Apocalipse oferece várias lições amplas das quais podemos nos beneficiar.

2. O milênio. O período de mil anos do reinado de Cristo descrito em 20.1-10, normalmente chamado de "milênio", é entendido de várias maneiras pelos intérpretes. Os "pré-milenistas" acreditam que os mil anos vêm depois da segunda vinda descrita em 19.11-21. Depois da segunda vinda, Satanás está preso e Cristo traz um longo período de paz e prosperidade na terra. Alguns pensam nisso como sendo um período literal de mil anos e outros acham que o número significa um longo período de tempo. Os cristãos recebem corpos ressurretos no começo do milênio, mas o julgamento final para todos acontece no final, depois de uma rebelião liderada por Satanás. No segundo século, Justino Mártir e Papias estavam entre aqueles que tinham esta visão premilenar.

Os "amilenistas" entendem o milênio como sendo uma figura do reino presente de Cristo e dos santos no céu (análogo a 6.9, 10). A "primeira ressurreição" (20.5) é ou a vida de cristãos que morreram e que estão com Cristo no céu, ou a vida em Cristo que começa com o novo nascimento espiritual (Rm 6.8-11; Ef 2.6; Cl 3.1-4). Satanás foi preso através do triunfo de Cristo na sua crucificação e ressurreição (Jo 12.31; Cl 2.15).

Os "pós-milenistas" crêem que o reino de Cristo e da igreja irá experimentar uma expansão muito maior na terra antes da segunda vinda. Os mil anos são tidos como sendo um período final de triunfo cristão na terra, vindo depois da propagação do evangelho (19.11-21, nota). Outros concordam com os amilenistas e identificam 20.1-6 com o período inteiro que começa com a ressurreição de Cristo.

A discussão, em parte, tem a ver com a relação cronológica entre 20.1-10 e 19.11-21. Pré-milenistas acreditam que os eventos descritos em 20.1-10 simplesmente seguem a segunda vinda, que é descrita em 19.11-21. Mas 20.1-15 pode também representar um sétimo ciclo de julgamento que leva à segunda vinda (ver "Caraterísticas e Temas: Forma literária"). A batalha final em 20.7-10 parece ser a mesma batalha final em 16.14, 16; 17.14; 19.11-21. Uma linguagem semelhante à de Ez 38; 39 é usada nas várias descrições. O julgamento de Satanás em 20.10 segue em linhas paralelas com os julgamentos contra a Babilônia (caps. 17; 18) e contra a Besta e o Falso Profeta (19.11-21). Estes inimigos de Deus são destinados ao castigo eterno, e as visões que descrevem o seu julgamento podem ser descrições paralelas, e não eventos diferentes em seqüência. Certas características em 20.11-15 correspondem à descrições anteriores da segunda vinda (6.14; 11.18). O que é mais importante, todos os inimigos de Cristo têm sido julgados em 19.11-21. Se 20.1-6 representa eventos que vêm depois, não haveria pessoas para Satanás enganar em 20.3.

É preciso cuidado porque as diferentes posições milenares dependem da interpretação dos textos proféticos do Antigo Testamento assim como destes versículos de Apocalipse. Além disso, como a maior parte do livro de Apocalipse, 20.1-10 usa uma linguagem que, em princípio, pode ser legitimamente possível de múltiplos cumprimentos. Estes fatos tornam difícil a interpretação precisa (é a prerrogativa de Deus revelar somente o quanto for bom para nós sabermos sobre a ordem dos eventos futuros — At 1.7). O ponto principal é que Satanás será finalmente derrotado, e que, mesmo antes disso, Deus já toma conta dos seus santos e os abençoa através do seu reinado triunfante. Esta certeza deve confortar os cristãos, qualquer que seja a sua

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posição milenar.

Características e Temas:

1. Conteúdo. Na visão de abertura, Cristo aparece como o Rei e Juiz majestoso do universo e o Soberano das igrejas (1.12-20). Em 2.1—3.22 Cristo trata de necessidades específicas de cada igreja. As suas promessas poderosas também lembram às igrejas da extensão e profundidade de sua chamada (2.7, 10, 11, 17, 26-28; 3.5, 12, 21). A escolha de exatamente sete igrejas sugere a relevância maior da mensagem (1.4, nota).

Em 4.1–22.5 as repreensões e os encorajamentos de Cristo tomam uma nova forma. Através de Cristo e dos seus anjos (22.8, 9, 16) João recebe uma série de visões cuja intenção é abrir os olhos dos cristãos para a majestade e condição de Deus como rei, a natureza da batalha espiritual, os julgamentos de Deus sobre o mal, e o resultado do conflito final. Deus e o seu exército devem ganhar a batalha (17.14; 19.1, 2), mas as suas forças recebem oposição da parte de Satanás, o "dragão grande", (12.3), que conduz o mundo inteiro para a perdição (12.9). Satanás tem dois agentes, a "besta" e o "falso profeta," que juntos com ele formam uma trindade falsa (cap. 13; 16.13; ver "Características e Temas: Outros aspectos" abaixo). Em oposição a estas ameaças os santos devem manter um testemunho verdadeiro e fiel, até ao martírio (12.11), e devem manter a pureza espiritual verdadeira (14.4; 19.8). No novo céu e na nova terra, o seu testemunho encontra o cumprimento na luz final da verdade de Deus (21.22-27), e a sua pureza se torna perfeita na noiva imaculada do Cordeiro (21.9).

O tema principal de Apocalipse é que Deus reina sobre a história e que a trará a um clímax triunfante em Cristo. No centro estão as visões de Cristo (1.12-16) e de Deus (4.1—5.14). Deus demonstra a sua majestade, autoridade e justiça como o Soberano e Juiz do universo (1.12-20, nota). Estas visões centrais já prevêem a consumação da história, quando a glória de Deus encherá todas as coisas (21.22, 23; 22.5; 4.1—5.14, nota). Elementos detalhados nas visões expandem estas verdades, e devem ser vistas como parte de uma visão mais ampla. O livro de Apocalipse é, assim, um livro de figuras, uma apresentação dramática para equipar os cristãos para que tenham uma visão da história centralizada em Deus. Ele não é um livro de quebra-cabeças para servir de fonte para cálculos misteriosos.

2. Forma literária. O título grego de Apocalipse é Apokalypsis, que significa "revelação" ou "desvelamento". Sendo assim, o livro é uma revelação que diz respeito ao objetivo final da história. O livro de Apocalipse faz parte do que é conhecido como “literatura apocalíptica”; assim como porções de Ezekiel, Daniel, e Zacarias, ele contém visões com muitos elementos simbólicos. Usando imagens visuais além de promessas e advertências verbais, ele entrelaça em uma tapeçaria poética temas relacionados de toda a Escritura. A sua profundidade é demonstrada em todas as suas múltiplas alusões. Ainda assim, como revelação ou desvelamento, ele se destina a nutrir a todos os que são servos de Cristo (1.1).

O prólogo de Apocalipse (1.1-3) explica o seu propósito básico. Ap 1.4–22.21 é uma carta com uma saudação (1.4, 5), corpo (1.5–22.20), e despedida (22.21). Os elementos formais desta estrutura genérica também se encontram nas cartas de Paulo.

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A porção principal do livro (4.1–22.5) consiste em sete ciclos de julgamento, cada um contendo, como desfecho, uma descrição da segunda vinda (4.1–8.1; 8.2–11.9; 12.1–14.20; 15.1–16.21; 17.1–19.10; 19.11-21; 20.1-15). A oitava porção final apresenta a visão suprema da Nova Jerusalém (21.1–22.5). Cada ciclo pode ser melhor entendido como uma descrição da mesma batalha espiritual, mas de um ponto de vista diferente. Os ciclos que vêm posteriormente concentram-se cada vez mais nas fases mais intensas do conflito e na segunda vinda em si.

Personagens simbólicos são introduzidos no drama um a um, e os seus destinos são revelados na ordem inversa, a seguir:

A. O povo de Deus apresentado figuradamente como a imagem da luz e da criação (12.1, 2)B. O dragão Satanás (12.3-6)C. A Besta e o Falso Profeta (13.1-18)D. A noiva: o povo de Deus como imagem de pureza sexual (14.1-5)E. A Babilônia prostituta (17.1-6)

E. A Babilônia destruída (17.15–18.24)D. A noiva é abençoada com o casamento (19.1-10)C. A Besta e o Falso Profeta são destruídos (19.11-21)B. O dragão é destruído (20.1-10)A. O povo de Deus como figura da luz e da criação (21.1–22.5)

3. Outros aspectos. Muitos aspectos temáticos unificam o livro. O uso repetido do número sete significa plenitude. O plano e o poder de Deus determinam os resultados. A adoração a Deus vem dos anjos e santos (1.6, nota). As tribulações atuais da igreja (2.1–3.22) contrastam com o seu descanso final. A igreja deve manter o seu testemunho e a sua pureza. Tudo se move em direção à vitória de Cristo, na sua vinda.

Um dos aspectos mais proeminentes do livro é a apresentação das falsificações satânicas que se opõem a Deus numa guerra espiritual de proporções cósmicas. A besta, introduzida em 13.1-10, é uma falsificação de Cristo. Observe os seguintes paralelos: (a) A besta é uma imagem de Satanás, que Satanás trouxe à luz (13.1), assim como Cristo é a imagem exata de Deus, gerado pelo Pai (Sl 2.7; Cl 1.15; Hb 1.3); (b) a besta tem dez coroas e nomes blasfemos (13.1), enquanto Cristo tem muitas coroas e nome dignos (19.12); (c) o dragão deu à besta o seu poder, um trono e grande autoridade (13.2), assim como Cristo tem poder (5.12, 13), o trono (3.21), e a autoridade (12.10) do Pai (Jo 5.21-23); (d) a besta tem uma ferida aparentemente fatal da qual se recuperou (13.3), falsificando a ressurreição de Cristo, e a recuperação da besta é um dos fatores principais que atraem os seguidores (13.4), assim como a ressurreição de Cristo é um dos pontos principais da proclamação evangelística; (e) a adoração é dirigida tanto ao dragão como à besta (13.4), assim como os cristãos adoram tanto o Pai como o Filho (Jo 5.23); (f) a besta atrai a adoração do mundo inteiro (13.7), assim como Cristo será adorado universalmente; (g) a besta fala blasfêmias (13.5), enquanto Cristo proclama seu louvor a Deus (Hb 2.12); (h) a besta guerreia contra os santos (13.7), enquanto Cristo faz guerra contra a besta (19.11-21). A canção de adoração à besta em 13.4 falsifica a canção a Deus de Êx 15.11. A justaposição marcante entre Cristo e a besta em 19.11-21 mostra que estes são os dois guerreiros principais na batalha: Cristo é o guerreiro divino, cumprindo as cenas de Êx 15.3; Is 59.16-18; 63.1-6; Hc 3.3-15; Zc 9.13-15; 14.1-5; e a besta é o guerreiro pagão falsificado, cumprindo a cena vista em de

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Dn 7.1-8.

O próprio Satanás tenta falsificar ao Deus Pai. Ele se envolve numa falsa criação, em que ele traz à tona a sua imagem, do caos das águas (13.1; paralelo à Gn 1.2). Semelhantemente, o falso profeta, ou a besta da terra (13.11-18), falsifica a obra do Espírito Santo. Ele deseja que o povo adore não a ele, mas à besta, da mesma maneira que o Espírito Santo glorifica a Cristo (Jo 16.14). Ele opera falsos sinais milagrosos (13.13, 14), falsificando os milagres do Espírito Santo. Ele força a sua marca sobre os seus súditos (13.16), da mesma forma que os cristãos são selados pelo Espírito Santo (Ef 1.13).

Juntos, Satanás, a besta, e o falso profeta formam um trio de impiedade (16.13), falsificando a trindade divina. Satanás como enganador está sempre tentando fazer os seus caminhos parecerem atraentes (2Co 11.14, 15). Quando a revelação divina abre os nosso olhos, existe um mundo de diferença entre os seus horrores e as maravilhas de Deus. Satanás é um imitador, e não um criador, e as suas produções são sempre bestiais e degeneradas como ele próprio o é. As bestas devem se retirar diante da presença de Cristo, o Rei (19.11-21).

Existe uma figura final falsificada, que é a Babilônia prostituta, a falsificação da noiva de Cristo (17.1–19.10). A sua corrução é contrastada com a pureza da noiva do Cordeiro (19.7-9). A Babilônia resume em si toda a adoração do mundo pagão. Em contraste, a noiva – a igreja, representa os adoradores do Deus verdadeiro. Satanás ataca os santos de duas maneiras principais: a besta ataca com poder e perseguição, procurando destruir o testemunho dos santos e forçá-los a adorar à besta. A Babilônia ataca com sedução, buscando destruir a pureza dos santos.

Esboço de ApocalipseI. Introdução (cap. 1)

A. Prólogo (1.1-3)B. Saudações e louvor (1.4-8)C. Visão de Cristo como Juiz (1.9-20)

II. Exortações às sete igrejas (caps. 2, 3)A. Éfeso (2.1-7)B. Esmirna (2.8-11)C. Pérgamo (2.12-17)D. Tiatira (2.18-29)E. Sárdis (3.1-6)F. Filadélfia (3.7-13)G. Laodicéia (3.14-22)

III. Visões celestiais (4.1 – 22.5)A. Primeiro ciclo: o pergaminho e os seus sete selos (4.1—8.1)

1. Deus, o Rei, e o Cristo Digno (caps. 4, 5)2. Abrindo os seis selos (cap. 6)3. Cuidado pelos santos (cap.7)4. Abrindo o sétimo selo (8.1)

B. Segundo ciclo: sete anjos com sete trombetas (8.2–11.19)1. Sete anjos perante Deus (8.2-6)2. Seis anjos sopram as suas trombetas (8.7–9.21)3. Cuidado por João e pelas duas testemunhas (10.1–11.14)

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4. O sétimo anjo sopra a sua trombeta (11.15-19)C. Terceiro ciclo: sete histórias simbólicas (caps. 12–14)

1. Personagens principais: o povo de Deus contra Satanás (12.1-6)2. Seis histórias simbólicas são expostas (12.7–14.11)

a. A História do dragão (12.7-12)b. A História da mulher (12.13-17)c. A História da besta do mar (13.1-10)d. A História da besta da terra – o falso profeta (13.11-18)e. Os 144.000 (14.1-5)f. Os três mensageiros angélicos (14.6-11)

3. Cuidados pelos santos (14.12, 13)4. A sétima história simbólica (um, como o Filho do Homem) se desenvolve (14.14-20)

D. Quarto ciclo: sete taças da ira de Deus advindas do templo (caps. 15; 16)E. Quinto ciclo: julgamento sobre a Babilônia e a vindicação da igreja (17.1–19.10)F. Sexto ciclo: a batalha final (19.11-21)G. Sétimo ciclo: O reino dos santos e o julgamento final (20.1–21.8)H. A nova Jerusalém (21.9–22.5)

Exortações finais (22.6-20)Bênção de encerramento (22.21)

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