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Estenose congênita de esôfago: relato de dois casos Congenital esophageal stenosis: case report Adriano Luís Gomes Residente do 5° ano de Cirurgia Pediátrica do Hospital Infantil Darcy Vargas. Karine Furtado Meyer Cirurgiã pediátrica do Hospital Infantil Darcy Vargas. Maurício Macedo Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Infantil Darcy Vargas. Mestre em Cirurgia Pediátrica pela Escola Paulista de Medicina. Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Pediátrica, Hospital Infantil Darcy Vargas, SUS, São Paulo, SP. Rua Seráphico de Assis Carvalho, 34. Morumbi - CEP 05614-040 - São Paulo - SP. Endereço para correspondência: Rua Rio Grande, 551 - apto. 162 A - Vila Mariana - CEP 04018-001 - São Paulo. SP - Tels.: (11) 5084-5342 e 9126-1243 - E-mail: [email protected] Unitermos: estenose congênita de esôfago, hipertrofia muscular. Unterms: congenital esophageal stenosis, segmental muscular hypertrophy. Sumário Resumo - A estenose esofágica causada por deformidade congênita intrínseca é incomum em crianças. Está representada por três entidades distintas: membrana esofágica congênita, estenose devido a remanescentes traqueobrônquicos e hipertrofia muscular idiopática congênita. Sumary Congenital esophageal stenosis is a narrowing of the esophageal lumen that is present at birth, although not necessarily symptomatic in the neonate. It is rare; its incidence has been estimated to be one in 25.000 live births. Three types of congenital esophageal stenosis have been described: tracheobronchial remnants, membranous web and to segmental muscular hypertrophy. Two cases of congenital esophageal stenosis due to segmental muscular hypertrophy are reported. Resection and anastomosis were performed. Symptoms were relieved following treatment. Numeração de páginas na revista impressa: 19 à 21 Resumo - A estenose esofágica causada por deformidade congênita intrínseca é incomum em crianças. Está representada por três entidades distintas: membrana esofágica congênita, estenose devido a remanescentes traqueobrônquicos e hipertrofia muscular idiopática congênita. O quadro clínico consiste de regurgitação ou vômitos recorrentes, tosse, engasgos, cianose durante ou após alimentação e pneumonias recorrentes por aspiração. A anomalia associada mais comum é a atresia de esôfago.

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Page 1: Estenose Congênita de Esôfago- Relato de Dois Casos

Estenose congênita de esôfago: relato de dois casos

Congenital esophageal stenosis: case report

Adriano Luís Gomes

Residente do 5° ano de Cirurgia Pediátrica do Hospital Infantil Darcy Vargas.

Karine Furtado Meyer

Cirurgiã pediátrica do Hospital Infantil Darcy Vargas.

Maurício Macedo

Chefe do Serviço de Cirurgia Pediátrica do Hospital Infantil Darcy Vargas. Mestre em Cirurgia Pediátricapela Escola Paulista de Medicina.

Trabalho realizado no Serviço de Cirurgia Pediátrica, Hospital Infantil Darcy Vargas, SUS, São Paulo, SP.Rua Seráphico de Assis Carvalho, 34. Morumbi - CEP 05614-040 - São Paulo - SP.

Endereço para correspondência: Rua Rio Grande, 551 - apto. 162 A - Vila Mariana - CEP 04018-001 - SãoPaulo. SP - Tels.: (11) 5084-5342 e 9126-1243 - E-mail: [email protected]

Unitermos: estenose congênita de esôfago, hipertrofia muscular.

Unterms: congenital esophageal stenosis, segmental muscular hypertrophy.

SumárioResumo - A estenose esofágica causada por deformidade congênita intrínseca éincomum em crianças. Está representada por três entidades distintas: membranaesofágica congênita, estenose devido a remanescentes traqueobrônquicos ehipertrofia muscular idiopática congênita.

SumaryCongenital esophageal stenosis is a narrowing of the esophageal lumen that ispresent at birth, although not necessarily symptomatic in the neonate. It is rare;its incidence has been estimated to be one in 25.000 live births. Three types ofcongenital esophageal stenosis have been described: tracheobronchial remnants,membranous web and to segmental muscular hypertrophy.

Two cases of congenital esophageal stenosis due to segmental muscularhypertrophy are reported. Resection and anastomosis were performed. Symptomswere relieved following treatment.

Numeração de páginas na revista impressa: 19 à 21

Resumo - A estenose esofágica causada por deformidade congênita intrínseca éincomum em crianças. Está representada por três entidades distintas: membranaesofágica congênita, estenose devido a remanescentes traqueobrônquicos ehipertrofia muscular idiopática congênita.

O quadro clínico consiste de regurgitação ou vômitos recorrentes, tosse,engasgos, cianose durante ou após alimentação e pneumonias recorrentes poraspiração. A anomalia associada mais comum é a atresia de esôfago.

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Os autores relataram dois casos clínicos em que os pacientes foram tratados comsucesso após o diagnóstico de estenose esofágica congênita.Os dois pacientes foram submetidos a ressecção segmentar da área estenóticacom anastomose esôfago-esofágica término-terminal, evoluindo semintercorrências pós-operatórias. O diagnóstico anatomopatológico, nos dois casos,foi hipertrofia de muscular própria da parede esofágica.

Introdução

Estenose congênita de esôfago é uma patologia rara, com incidência estimada de1: 25.000 a 50.000 nascidos vivos. É representada por três entidades distintas:membrana esofágica congênita; estenose devido a remanescentestraqueobrônquicos; e hipertrofia muscular idiopática congênita(1,2). O quadroclínico consiste de regurgitação ou vômitos recorrentes, tosse, engasgos, cianosedurante ou após a alimentação e pneumonias recorrentes por aspiração.Caracteristicamente, os sintomas costumam aparecer após os seis meses de vida.Ocasionalmente, os pacientes se apresentam com uma súbita exacerbação dosseus sintomas pela impactação de comida ou corpo estranho(3). A anomaliaassociada mais comum é a atresia de esôfago. O primeiro caso foi relatado em1826 e o primeiro tratamento, com sucesso, realizado em 1926(4).

São relatados dois casos de estenose congênita de esôfago atendidos no Serviçono período de 1999 a 2002.

Caso 1

L.M.N., 3 anos, sexo feminino, com história de vômitos pós-prandiais há um ano.Portadora de agenesia de globo ocular bilateral e atraso de desenvolvimentoneuropsicomotor. Seriografia esôfago-estômago-duodeno: estenose anular noterço distal do esôfago (Figura 1). Endoscopia digestiva alta: estenose anular,concêntrica, a 18 cm da arcada dental superior, com 0,5 mm de diâmetro,intransponível pelo aparelho. Foi submetida a toracotomia póstero-lateralesquerda, com excisão do segmento estenótico e anastomose esofágica término-terminal (Figura 2). Anatomopatológico: hipertrofia da muscular própria da paredeesofágica (Figura 3). Estudo contrastado pós-operatório: sem áreas de estenoseou dilatação (Figura 4).

Figura 1 - Esofagograma pré-operatório.

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Figura 2 - Intra-operatório.

Figura 3 - Anatomopatológico.

Figura 4 - Esofagograma pós-operatório.

Caso 2

L.S.S., 3 anos, sexo feminino, com história de disfagia súbita. Submetida acorreção de atresia de esôfago com fístula traqueoesofágica distal no períodoneonatal. Radiografia simples: corpo estranho impactado no terço médio doesôfago (Figura 5). Seriografia esôfago-estômago-duodeno: corpo estranhoimpactado no terço médio do esôfago, com estenose esofágica a jusante da áreade impactação (Figura 6). Seriografia esôfago-estômago-duodeno do períodoneonatal, agora avaliada com cuidado específico, já demonstrava esta área deestenose no terço médio esofágico (Figura 7). Endoscopia digestiva alta:anastomose pérvia e de bom calibre, estreitamento esofágico a 5 cm daanastomose, anular, fibroso com 7 mm de diâmetro. Submetida a toracotomiapóstero-lateral esquerda, com esofagectomia segmentar e anastomose esofágicatérmino-terminal. Anatomopatológico: hipertrofia muscular da parede esofágica(Figura 8). Evoluiu sem intercorrências.

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Discussão

Nos casos de estenose de esôfago, causas congênitas e adquiridas devem serconsideradas. Diafragma ou membrana de esôfago, hipertrofia muscular segmentare remanescentes traqueobrônquicos são as causas de estenose congênita deesôfago. Refluxo gastroesofágico, ingestão de material cáustico, trauma eprocedimentos cirúrgicos são causas adquiridas de estenose esofágica(5,6).

Nos casos de estenose congênita de esôfago, a disfagia é caracteristicamente umevento tardio, ocorrendo após seis meses de idade ou após iniciar a ingestão desólidos. Quando os sintomas começam mais tardiamente, é mais difícil a distinçãoentre estenose congênita e adquirida e todas as causas devem ser consideradas.Os passos para o diagnóstico incluem história detalhada, radiografia contrastadadeesôfago-estômago-duodeno e endoscopia digestiva alta.

Entre as causas de estenose congênita de esôfago, a membrana e a hipertrofiamuscular segmentar podem ser identificadas com o estudo contrastado e a históriado paciente. As crianças com membrana sempre se apresentam com sintomas noperíodo neonatal. Embora os sintomas de hipertrofia muscular segmentar possamser de início mais tardio, o estudo contrastado demonstra a lesão no terço médiodo esôfago, ao passo que na estenose causada por remanescentestraqueoesofágicos esta estenose se encontra no terço distal do esôfago e comdilatação proximal(5,6).

Figura 5 - Rx simples.

Figura 6 - Esofagograma.

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Figura 7 - Esofagograma no período neonatal.

Figura 8 - Anatomopatológico.

As causas adquiridas de estenose esofágica podem ser excluídas com uma históriadetalhada, endoscopia digestiva alta, seriografia esôfago-estômago-duodeno e, senecessário, uma pHmetria para afastar refluxo gastroesofágico.

Em nossos dois casos o estudo anatomopatológico da lesão demonstrou hipertrofiamuscular segmentar de esôfago, confirmando nossa suspeita pré-operatória,sugerida pela história dos pacientes e seus exames complementares (endoscopiadigestiva alta, seriografia esôfago-estômago-duodeno).

As estenoses congênitas do esôfago podem ocorrer isoladamente ou emassociação com outras anomalias congênitas, como atresia de esôfago, fístulatraqueoesofágica, doença cardíaca congênita. A hipertrofia muscular segmentartem sido relatada, ocorrendo na ausência de refluxo gastroesofágico, distal àatresia de esôfago e representa uma anomalia congênita adicional(3,7,8).

Tipicamente, o segmento com hipertrofia fibromuscular possui 1 a 4 cm deextensão, com um aspecto de ampulheta e parede lisa. Está localizadofreqüentemente na junção do terço médio com o terço distal do esôfago, maisraramente no terço superior. O exame contrastado com bário e a endoscopiadigestiva alta são úteis para nos sugerir o diagnóstico, mas a confirmaçãohistológica não é possível, porque biópsias de mucosa são muito superficiais paradetectar a hipertrofia muscular e a fibrose que ocorrem na camada muscular e nasubmucosa(3,7,9).

A escolha do tratamento é controversa e inclui a ressecção do segmentoestenótico, com anastomose término-terminal e dilatação esofágica(3). Apriglianorecomenda um tratamento agressivo, com ressecção segmentar do esôfago, se aestenose for demonstrada pela endoscopia(10,11). Vargas realizou uma miotomiaextramucosa num caso similar, com excelente resultado(12).

Em nossos dois casos, os pacientes foram submetidos a endoscopia digestiva

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prévia e por não ser possível distinguir entre hipertrofia fibromuscular segmentar eremanescentes traqueobrônquicos, com o risco de perfuração no segundo caso,optou-se por não realizar dilatações esofágicas e foi indicado o tratamentocirúrgico, quando se visualizou a zona de estenose e foi possível a ressecção dosegmento estenótico com anastomose término-terminal.

Concluímos que em casos de estenose segmentar de esôfago por hipertrofiafibromuscular a ressecção cirúrgica do segmento estenótico com anastomosetérmino-terminal é uma opção segura, com ótimos resultados pós-operatóriosimediatos, trazendo ao paciente alívio completo dos seus sintomas.

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