Evolucao Da Casa No Brasil Revisado

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  • PROGRAMA PARA ANLISE DE REVALIDAO DE DIPLOMAS

    Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Departamento de Histria e Teoria

    A EVOLUO DA CASA NO BRASIL

    Candidato: Luis D. Zorraquino

    Professores Orientadores: Francisco S. Verssimo e Wiliam Bittar

    Julho 2006

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    NDICE 1. INTRODUO. 1.1 O contedo do trabalho. 1.2 Diviso em tpicos. a. Relao da moradia com seu contexto histrico, poltico e social, em funo da evoluo histrica do Brasil, atravs da diviso nos perodos ou etapas histricas mais relevantes: b.- Relao da moradia com os aspectos funcionais - tipolgicos, construtivos e estticos. 1.3 Alguns aspectos gerais que condicionaram a moradia no Brasil. a. O territrio. b. A dependncia histrica e o sincretismo social. c. A dualidade social. d. A concentrao nos ltimos anos, da populao e das moradias urbanas nas grandes cidades. 2. ANTES DE 1500: O BRASIL INDGENA. 3. 1500 - 1822: BRASIL COLNIA. 3.1. A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. a.Colnia de plantao de acar. b.Colnia de minerao. 3.2. Materiais e Tcnicas construtivas. 3.3 Estilos e Autores. 4. 1822-1889. BRASIL IMPERIO. 4.1 A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. 4.2 Materiais e Tcnicas construtivas. 4.3 Estilos e autores.

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    5. 1889-1930. A REPBLICA VELHA. 5.1. A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. 5.2. Materiais e Tcnicas construtivas. 5.2. Estilos e autores. 6. 1930-2006: REPBLICA NOVA, DITADURA MILITAR E DEMOCRACIA BURGUESA. 6.1. A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. a. 1930-1964: Repblica Nova. b. 1964-2006: Ditadura Militar e Democracia Burguesa. 6.2. Materiais e Tcnicas construtivas. a. Repblica Nova. b. Ditadura e Democracia Burguesa. 6.2. Estilos e autores. a. Repblica Nova. b. Ditadura e Democracia Burguesa. 7. ARQUITETURA POPULAR CONTEMPORNEA. 7.1 A Arquitetura Nova. 7.2 Os mutires autogeridos. 7.3 Pensando no futuro. 8. CONCLUSO. BIBLIOGRAFIA. ANEXO. Breve Historia de Brasil

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    1. INTRODUO. 1.1 O contedo do trabalho. O tema do trabalho escolhido para a revalidao de meu diploma abrange, no sentido mais amplo da palavra, a Evoluo da casa, da moradia, no Brasil, identificando o conceito tipolgico da casa com a moradia em geral 1. Para analisar a evoluo da casa no Brasil, precisamos aproximar as fontes bibliogrficas mais especificas, recolhidas no texto e, em sua maior parte, indicadas pelos professores orientadores. Tambm utilizaremos outras fontes, relacionadas no apenas com a casa, mas com o contexto histrico e social em que ocorre a construo da moradia. Assim, tomaremos partido, inevitavelmente, por uma anlise, que coloque a componente social mesma altura que outros condicionantes do fato construtivo, em especial aquele que inclusive profissionalmente entende a moradia como uma necessidade bsica do ser humano, independentemente da poca e da posio social ou de classe que ocupem os humanos moradores da casa.2 1.2 Diviso em tpicos. Para estudar a Evoluo da casa no Brasil, entendemos que precisamos analisar de forma coerente e dialtica os seguintes conceitos: a. Relao da moradia com seu contexto histrico, poltico e social, em funo da evoluo histrica do Brasil, e atravs da diviso nos perodos ou etapas histricas mais relevantes: Antes de 1500. Brasil Indgena. 1500 1822. Colonizao Dependncia Portuguesa. 1822 1889. Independncia controlada e Imprio. 1899 1930. Republica Velha. 1930 1964. Repblica Nova. 1964 1984. Ditadura Militar. 1984 at hoje. Democracia Burguesa.

    1 Temos a certeza de que, ainda hoje, a casa como moradia unifamiliar, segue sendo a tipologia absolutamente majoritria de resoluo da moradia, no somente no Brasil, como em praticamente todo o contexto latino-americano.Veja-se: Segre, Roberto. Habitat Latino-Americano. Fogo, sombra, opulncia e precariedade. Faculdades Ritter dos Reis. Porto Alegre, 1.999. Pg. 62. Tambm pode consultar-se: Salas Serrano, Julin. Contra el hambre de Vivienda. Soluciones tecnolgicas latinoamericanas. Tecnologas para viviendas de inters social. Escala, Bogot, 1992. 2 No por casualidade, mas por posio social privilegiada, a arquitetura e os arquitetos estiverem quase sempre ligados aos grupos de poder econmicos e ideolgicos, plasmando nas suas obras essa mesma ideologia do poder, em especial a grandeza das obras e a beleza dos estilos, quase sempre esquecendo que as camadas populares nunca precisaram deles, j que o prprio povo construiu suas moradias, (a imensa maioria delas) nas condies mais precrias.

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    Analisamos em cada uma das etapas histricas indicadas, ou, quando conveniente, no agrupamento delas, os principais fatos histricos e sociais que condicionaram a evoluo do sistema scio-econmico do pas e sua materializao no modelo territorial brasileiro, assim como da prpria evoluo da casa. A histria no neutra nem deve ser esquecida. Tentaremos, pois, resgatar os contedos da histria que permitam compreender os aspectos "ticos" da evoluo e da construo da moradia, em funo principalmente desse contexto scio-econmico e das "solues tipologias" diferentes, para as tambm diferentes "classes sociais".3 No final do texto principal, como um Anexo relativo a Breve Historia de Brasil, inclumos o contedo deste apartado. b.- Relao da moradia com os aspectos funcional-tipolgicos, construtivos e estticos. Os aspectos funcional-tipolgicos da moradia esto relacionados diretamente com os condicionantes sociais e ambientais. Condicionantes sociais que definem o programa, os usos e o tamanho, das diferentes peas ou quartos da moradia, em fim, a sua "tipologia social", em funo dos costumes e das possibilidades materiais e econmicas dos moradores, segundo a classe social a que pertencem. E os condicionantes ambientais ou naturais do local; sol, temperatura, umidade, arejamento, chuva etc., assim como os materiais e tecnologias de construo, prprios do local. Elementos que sempre estiveram presentes na construo das moradias, em especial das mais populares. Achamos que, as moradias mais conseqentes com a economia energtica e com o respeito ao meio ambiente, so aquelas que se adaptam e utilizam eficientemente estes recursos locais e naturais atravs da denominada arquitetura ecolgica ou bioclimtica. No entanto, dado o carter mais restrito desta pesquisa, realizaremos s uma anlise dos materiais e tcnicas construtivas que em cada perodo histrico permitem materializar as diversas tipologias arquitetnicas da moradia. Por ltimo, incorporaremos, tambm, a incidncia na moradia e na arquitetura dos diferentes estilos e partidos arquitetnicos nacionais e internacionais, normalmente vinculados arquitetura realizada por mestres de obra, arquitetos e engenheiros para as classes abastadas e para os poderes pblicos. At aqui, estabelecemos uma metodologia para a abordagem do trabalho, que tentaremos concretizar nas diferentes etapas histricas estabelecidas anteriormente. No entanto, consideramos oportuno realizar previamente uma srie de comentrios sobre aspectos gerais e fundamentais, que, achamos, determinaram a construo da moradia, da casa, no Brasil.

    3 A moradia, a casa, uma necessidade bsica fundamental do ser humano, mas poucas sociedades capitalistas prestam ateno a esta necessidade, que, como outras, fica convertida numa mercadoria bastante cara e em um problema individual que cada qual resolve com os meios de que dispe.

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    1.3 Alguns aspectos gerais que condicionaram a moradia no Brasil. a. O territrio. O territrio do Brasil, com cerca de 40% da superfcie do subcontinente latino-americano, tem uma imensa abrangncia e uma grande variedade de regies. Predomina um clima tropical mido, com escassa altitude, muita umidade, chuva, vegetao e insolao. O solo est composto fundamentalmente de materiais aluviais (terras e argila) e tambm de rochas metamrficas (granito, gnaisses) e calcrias ou calias. Estes condicionantes do territrio marcaram sempre as caractersticas da arquitetura e da moradia mais tradicionalmente brasileira. b. A dependncia histrica e o sincretismo social. Brasil foi conquistado e colonizado, faz j quinhentos anos. A longa durao do perodo colonial implicou uma grande dependncia econmica, social e cultural em relao a Portugal4, especialmente quanto ao modelo econmico exportador agrcola e mineral, ao processo paulatino e duro de conquista do imenso territrio, s vezes muito hostil, assim como ao modelo territorial estabelecido, com predomnio do rural em relao ao urbano. Ao mesmo tempo, se produz, por parte dos portugueses, a dominao, extermnio e, tambm, a miscigenao das diversas tribos de ndios que povoavam o territrio do Brasil. Posteriormente, este processo de sincretismo social, continuar com os negros escravos e ainda mais tardiamente com os muitos imigrantes europeus e asiticos que viro para o Brasil.5 A arquitetura, como qualquer outra manifestao social, foi influenciada pelas contribuies portuguesas e de outros grupos tnicos que chegaram ao Brasil, constituindo um verdadeiro sincretismo arquitetnico, adaptado no possvel s condies materiais e ambientais do pas. c. A dualidade social. Como conseqncia do intenso processo colonizador realizado pelos portugueses e da implantao de um modelo agrcola tropical estvel, baseado inicialmente no latifndio, no patriarcalismo e na escravido, e das sucessivas modificaes da base econmica (acar, algodo, caf, minerais, etc.), se criou um modelo de desenvolvimento econmico e social, totalmente dependente dos interesses da burguesia portuguesa e europia, dos interesses metropolitanos.

    4 Esta dependncia histrica, seja dos portugueses, holandeses e ingleses na poca da colnia, seja dos

    americanos, como aconteceu mais recentemente, ainda se mantm. A dvida externa do Brasil, que j comeou a existir na poca da colnia, continua aumentando na atualidade. 5 O mesmo empreendimento colonizador que dizimou em trs sculos, trs milhes de nativos foi responsvel pela importao, nos mesmos trs sculos, de trs milhes de escravos africanos, cuja sorte no foi melhor. Jos Murilo de Carvalho em Revista de SEPE. N 5 e 6. Rio de Janeiro. 1999, 2000.

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    Ao mesmo tempo, os conquistadores - senhores, fazendeiros, exrcito e igreja -, representantes desses interesses no Brasil, basearam a conquista do territrio e a produtividade de seus empreendimentos na submisso e utilizao dos indgenas e negros como escravos, origem da dualidade social sempre existente no Brasil, que ainda hoje faz parte da nossa sociedade e manifesta-se nas grandes desigualdades sociais.6 d. A concentrao nos ltimos anos, da populao e das moradias urbanas nas grandes cidades. A persistncia do modelo produtivo aucareiro e cafeeiro nos grandes latifndios7 agrcolas durante os sculos XVI a XIX, definiu no Brasil, um modelo territorial fundamentalmente rural, que mal encontrou contestao nas cidades administrativas do litoral e, posteriormente, na implantao de novos ncleos urbanos no interior do pas, especialmente no sculo XIX, na poca da minerao. A passagem do modelo territorial rural ao urbano produz-se fundamentalmente na segunda metade do sculo XX, quando o processo de industrializao do pas j est bastante avanado, precisando da concentrao da mo-de-obra nas cidades. a que se d o forte processo de imigrao do campo cidade para constituir o exrcito de reserva necessrio para o trabalho assalariado nas fbricas e nos servios. Em conseqncia, tambm mudam as formas de moradia, em tipologias mais urbanas, mais coletivas e ao mesmo tempo mais demandantes de equipamentos, servios e infra-estruturas urbanas coletivas. A cidade industrial e especulativa se segmenta em territrios excludentes, separando as classes abastadas das camadas populares. Invases, loteamentos ilegais, favelas, cortios, etc., so as respostas dessas camadas ante a falta de iniciativas dos organismos pblicos responsveis. As nossas grandes periferias urbanas atuais so expresso da exploso da desordem urbana de todo tipo, que teve sua origem no citado processo de industrializao e que ainda hoje continua sendo um dos principais problemas do pas.8 6 De acordo com o prprio IBGE, em 1995, os 10% mais ricos detm 49,8% da renda nacional e os 10% mais pobres detm somente 0,7%. Em 2005, segundo a ONU, perto de 52 milhes de brasileiros so pobres ou indigentes. 7Segundo os dados do Censo Agropecurio do IBGE, de 1985, os trs milhes de pequenos proprietrios que possuem menos de 10 hectares tm somente 3% das terras, enquanto 50 mil grandes proprietrios, com mais de 1.000 hectares, tm 43,5% de todas as terras do pas. Esta tambm uma das causas fundamentais do forte processo migratrio para as cidades. 8No Brasil, nos ltimos 50 anos a taxa de populao urbana do pas aumentou de 30% para 80%.

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    2. ANTES DE 1500: O BRASIL INDGENA.9 No dia 22 de Abril de 1500, Cabral "descobre" oficialmente as terras brasileiras. Anteriormente, Colombo e outros navegantes e conquistadores, descobriram tambm um amplo subcontinente onde havia cerca de 50 milhes de habitantes. Hoje, 500 anos depois, desde certos setores sociais populares, argumenta-se que falar em "descobrimento" implica dizer que essas gentes e civilizaes s tinham passado a ter existncia real aps a chegada dos europeus. Evidentemente que as diversas naes ndias que povoavam Brasil antes da conquista portuguesa, tinham j a sua prpria civilizao e cultura amerndia. Naquela poca j existiam as grandes civilizaes amerndias dos astecas, maias, incas e araucanos, que povoavam grande parte da Amrica Latina em avanado estado de evoluo social, e que seguramente tinham estabelecido contato incipiente com as principais naes indgenas do Brasil. Estas naes brasileiras estavam formadas fundamentalmente pelos Tupis-Guaranis do Litoral (possivelmente os mais numerosos), os Js ou Tapuias do Planalto, os Nuaruaques da Bacia Amaznica e os Carabas do norte do rio Amazonas, tal como atestam os restos encontrados nos stios arqueolgicos. Povos pr-histricos procedentes dos mongis que teriam entrado pelo estreito de Bering ou procedentes das ilhas Aleutas. Sua cultura, praticamente na idade da pedra, no utilizava ainda os metais, no conheciam a escrita e eram seminmades. Quanto as suas moradias, formavam parte delas as ocas ou malocas (do tupi, oka: cabanas ou palhoas de ndios, segundo o novo dicionrio Aurlio), e as palafitas (estacaria que sustenta as habitaes lacustres, segundo tambm o novo dicionrio Aurlio), estas ltimas excepcionais e mais tpicas das reas lacustres e pantanosas, onde s vezes se localizavam, para melhor protegerem-se, as tribos mais antigas. As ocas, das quais temos mais referncias pelos textos dos Jesutas, eram grandes casas coletivas em redor dum terreiro e protegidas por paliadas, onde moravam tribos inteiras. Serviam de proteo contra os animais, as tribos inimigas, a inclemncia da natureza etc., desenvolvendo-se dentro delas todas as funes normais da moradia: dormir, cozinhar, comer, trabalhar, brincar, etc. Gilberto Freire, nos indica em seu magnfico livro Casa Grande & Senzala, que as ocas eram construdas em planta trreo, com paredes de caibros de madeiras de cip, timb e sap, entrelaado com fibras vegetais e com amplas coberturas de palha de pindoba, estando habitadas por um considervel nmero de indgenas, praticamente em regime coletivo ou comunista, como o prprio Freire fala: "E nas ocas ou habitaes coletivas dos ndios, casas grandes, mas bem diversas, pelo seu carter comunista e pela sua composio vegetal, das fortes, slidas de taipa ou de pedra e cal, que o imperialismo colonizador dos europeus instalaria ao lado dos engenhos de acar,... Eram oitenta, cem pessoas que habitavam as ocas imensas... e muitas as crianas". (Gilberto Freire. Casa Grande e Senzala. 1999. pg. 133, 134). 9 As poucas fontes primrias utilizadas nesta seo se corresponderiam com os textos deixados pelos Jesutas.

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    Esta forma de morar dos indgenas, adaptada s condies naturais do lugar (com clima quente e chuvoso) e s suas formas de organizao social e cultural, utilizando tecnologia e materiais simples e naturais, de custo mnimo, de simples conservao e inclusive de fcil e rpida execuo (adaptando-se vida nmade e seminmade dos indgenas), onde moravam de forma comunitria, um grande exemplo da capacidade destes povos e de suas culturas para resolver de forma to simples e inteligente o desafio da moradia. Evidentemente, a moradia dos indgenas brasileiros era bem diferente da moradia que os colonizadores comearam a implantar aps a sua chegada, assim como eram absolutamente diferentes suas culturas. O mesmo poderamos dizer da influncia que ambas civilizaes exerceram uma sobre a outra; mas, no caso da moradia, como em tantos outros, os colonizadores, e especialmente os jesutas, modificaram totalmente as ocas dos indgenas, primeiro atravs da criao de aldeias e depois das famosas misses jesuticas. "Esse desenraizamento (dos ndios) viria com a colonizao agrria, isto , a latifundiria; com a monocultura representada principalmente pelo acar. O acar matou o ndio. Para livrar ao indgena da tirania do engenho que o missionrio o segregou em aldeias. Outro processo, embora menos violento e mais sutil, de extermnio da raa indgena no Brasil: a sua preservao em salmoura, mas no j a sua vida prpria e autnoma." (Ibid. 1999. pg. 157).

    Imagem 1: Oca dos ndios. (Segre, Roberto, 1999, p. 61).

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    3. DE 1500 AT 1822: BRASIL COLNIA 3.1. A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. a. Colnia de plantao de acar. Nos primrdios da colonizao, nesse longo perodo de perto de 150 anos em que, atravs dos primitivos ncleos da costa e suas grandes extenses agrcolas, consolida-se definitivamente a colnia de plantao de acar, so poucas as referncias materiais e iconogrficas que dispomos, tanto da disposio dos ncleos urbanos como das construes em geral. Certamente, a precariedade dos primeiros momentos e a ocupao lenta do territrio costeiro impem aos poucos as tradies portuguesas, que inicialmente misturam-se com as tradies indgenas. Nos ncleos urbanos, as primeiras construes de importncia seriam as igrejas e colgios dos jesutas, assim como os prdios pblicos, acompanhados de moradias que na maioria dos casos s tinham planta trreo, as denominadas "casas trreas, usadas pelos elementos mais pobres da populao. Um exemplo excepcional destas antigas casas urbanas, das quais tenho referncias, (em geral por pertencerem s classes abastadas e estarem construdas com melhores materiais), a "Casa nmero 7 do ptio da So Pedro" em Olinda.10 Mas a predominncia corresponderia s contraes rurais erigidas em torno aos "Engenhos" de acar. Primeiro como "Casas Grandes Fortaleza"11, e, posteriormente, quando a

    10 "Tal descrio permite identificar uma casa antiga, a de nmero 7 do ptio de So Pedro em Olinda ... tida como obra do sculo XVII, mas at agora no foi possvel saber-se se anterior a 1630 ou posterior a reconquista da cidade pelos portugueses. A casa ocupa uma rea de cerca de 13,20 m de largura por 18,30 m de fundo com dois pavimentos, isto , trreo e "hum sobrado"... A planta dessa residncia do sculo XVII foi descrita com mincia em virtude de sua importncia como arqutipo da arquitetura residencial do Brasil colonial e, para maior facilidade de referncia, faremos a seguir uma recapitulao de seus elementos. Assim temos no andar trreo: (1) a loja com o depsito adjacente e os quartos de escravos ou de hspedes; (2) as peas parte para fins de guardados ou trabalhos domsticos; (3) o saguo de entrada e a escada. No sobrado: (1) a grande sala de frente em comunicao direta com a varanda da fachada; (2) o corredor central com (3) as filas de quartos ou alcovas; (4) a grande sala de jantar e estar aos fundos com escada externa para o quintal; (5) a cozinha ao lado da sala dos fundos.(Ibid. 1.981. Pg. 115 a 123). 11 "Pelo regimento de Tom de Sousa, quem quisesse fundar um engenho era obrigado a prover-lhe a proteo por meio de "hua torre ou casa forte" ... A mais famosa dentre elas a Torre de Garcia dvila, cujas runas ainda se podem ver em Tatuapara perto da costa ao norte de Salvador... A "torre" de Garcia dvila, com uma capela adjacente, hexagonal, abobadada ... Feita quase inteiramente de pedra, empregaram-se tambm tijolos nas paredes divisrias e certas peas tambm eram cobertas por abbadas do mesmo material. A casa forma um grande retngulo de cerca de 50 metros de comprido pelo frontispcio sul que d para o mar, disposta volta dum ptio de pouco mais de 14 metros de frente e circundado por arcadas ... A planta da Torre de Garcia dvila mostra perfeita compreenso dos princpios formalsticos de disposio de planta do Renascimento ... O castelo de Garcia dvila, pois, por suas propores e pelo uso feudal para o qual sem dvida foi destinado, digno deste nome e constitui a residncia particular mais monumental do seu tempo de que se tenha memria nas Amricas (Ibid. 1.981. Pg. 105 e 106).

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    colonizao avanava sem temores, as simples e patriarcais "Casas Grandes e Senzalas" que perduraro com os sucessivos ciclos econmicos agrcolas, (acar, e caf fundamentalmente) at finais do sculo XIX, at a abolio da escravido. Quem melhor que o mestre Gilberto Freire, para fazer uma acertada descrio do significado sociolgico profundo das "Casas Grandes":

    "A casa-grande, completada pela senzala, representa todo um sistema econmico, social, poltico: de produo (a monocultura latifundiria); de trabalho (a escravido); de transporte (o carro de boi, o bang, a rede, o cavalo); de religio (o catolicismo de famlia, com capelo subordinado ao pater famlia, culto aos mortos, etc.); de higiene do corpo e da casa (o "tigre", a touceira de bananeira, o banho de rio, o banho de gamela, o banho de assento, o lava-ps); de poltica (o compadrismo). Foi ainda fortaleza, banco, cemitrio, hospedaria, escola, santa casa de misericrdia amparando os velhos e as vivas, recolhendo rfos. Desse patriarcalismo absorvente dos tempos coloniais a casa-grande do engenho Noruega em Pernambuco, cheia de salas, quartos, corredores, duas cozinhas de convento, despensa, capela, puxadas, parece-me expresso sincera e completa. Expresso do patriarcalismo j repousado e pacato do sculo XVIII; sem o ar de fortalezas que tiveram as primeiras casas-grandes do sculo XVI. (Freire Gilberto. 1999. Pg. LIII e LIV). "Em contraste com o nomadismo aventureiro dos bandeirantes - em sua maioria mestios de brancos com ndios - os senhores das casas-grandes representaram na formao brasileira a tendncia mais caracteristicamente portuguesa, isto , p de boi, no sentido de estabilidade patriarcal. Estabilidade apoiada no acar (engenho) e no negro (senzala) ... A verdade que em torno dos senhores de engenho criou-se o tipo de civilizao mais estvel na Amrica Hispnica; e esse tipo de civilizao, ilustra a arquitetura gorda, horizontal, das casas-grandes. Cozinhas enormes; vastas salas de jantar; numerosos quartos para filhos e hspedes; capela; puxadas para acomodao dos filhos casados; camarinhas no centro para a recluso quase monstica das moas solteiras; gineceu; copiar; senzala. O estilo das casas-grandes - estilo no sentido spengleriano - pode ter sido de emprstimo; sua arquitetura, porm, foi honesta e autntica. Brasileirinha da silva. Teve alma. Foi expresso sincera das necessidades, interesses, do largo ritmo de vida patriarcal que os provindos do acar e o trabalho eficiente dos negros tornaram possvel". (Ibid. 1999. Introduo. Pg. LXII e LXIII).

    As "Casas Grandes" foram tambm quase uma transcrio literal da arquitetura tradicional portuguesa, ao menos na sua aparncia12. Inclusive, salvando as diferenas regionais, a

    12 Ao descrever as casas de engenho que figuram nas paisagens de Frans Post, usamos propositadamente o adjetivo portugus, e assim o fizemos por serem elas uma transcrio quase literal do tipo mais comum das casas rurais da me ptria. Por todas as Provncias no Norte, desde Minho e Trs-os-Montes e por toda a

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    "Casa Grande" tem caractersticas bastante similares atravs do tempo, quer pela unidade de seu aspecto, quer dos princpios que precisaram a sua construo: naturalidade, simplicidade, bom senso e pobreza dos seus elementos decorativos13. O engenheiro e arquiteto L. L. Vauthier que esteve no Brasil entre 1840-46, foi um dos estrangeiros que melhor tem observado as costumes da nossa gente. A suas descries minuciosas da arquitetura domstica brasileira e em especial dos Engenhos das "Casas Grandes e Senzalas", que agora nos interessam, permitem-nos reconstituir as suas caractersticas:

    "Cem mil quilos de acar ... , tal a renda meia de um engenho no Brasil... Quarenta ou cinqenta trabalhadores negros no mximo, eis tudo quanto poder possuir. Entretanto o terreno que dele depende no tem de certo menos de um quarto de lgua quadrada de extenso. Os canaviais compreendem no mnimo uma quinta parte dessa superfcie. As vastas pastagens onde erram em liberdade os animais de carga tm uma rea quase igual. Plantaes de mandioca, um cafezal, alguns arrozais ocupam uma parte mnima. O resto so bosques e terrenos vagos, imprprios para a cultura. J no encontramos mais a montona disposio das habitaes da cidade ... s no primeiro andar que normalmente reservado ao dono. A parte de baixo ocupada pelos armazns ou pelo pessoal de servio". (Vauthier L.L. Arquitetura Civil I. 1981. Pg. 81 e 82). "Eis-nos no ptio do Engenho. Paremos um momento e lancemos um olhar ao conjunto das construes. Tal como acontece a este que agora temos vista quase sempre meia encosta que fica situado o Engenho. A casa do proprietrio, a casa-grande como dizem respeitosamente os escravos e os assalariados, ocupa o lado mais alto do recinto. Vs a reconhecereis facilmente pela sobreelevao do seu primeiro andar, ao qual se sobe por uma escada exterior, bem como tambm por seus muros caiados e suas janelas e portas envidraadas. No centro se enquadra a capela, que no se distingue do resto da fachada seno por uma porta um pouco mais espaosa e pesadamente arqueada, por alguns ornatos no fronto e pela cruz de madeira que a encima. Tudo isso, alis, construdo sem ordem. A diviso dos andares no se corresponde entre si; as janelas so de todos os tamanhos e de todos os formatos; os rinces e as cumeeiras se emaranham uns nos outros. Nada indica um plano de conjunto. Foi tudo construdo por peas ou em partes, ao capricho dos sucessivos proprietrios.

    Beira-Alta e a Beira-Baixa encontram-se um tipo de habitao rural similar ao descrito: os mesmos esteios no andar trreo usado de depsito, as varandas abertas e as escadas externas, quer no centro, quer num dos ngulos da fachada, e os mesmos telhados de quatro guas e cumeeira do Pernambuco do sculo XVII. (Ibid. 1981. Pg. 129). 13 Vejam-se os textos de Paulo T. Barreto, "O Piau e sua arquitetura" e de Luis Saia, "Notas sobre a arquitetura rural paulista no segundo sculo" nos quais se estabelecem as caractersticas especficas das casas destas regies.

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    Quanto ao comprido telheiro que se prende casa, j sabeis o que . Essa multiplicidade de portas baixas e estreitas, as paredes de barro, desmoronando-se aqui e acol, trapos dependurados aos esteios que sustentam o telhado e formam, na frente da construo, uma pequena galeria coberta, negrinhas pulando ao sol, uma ou outra cabea encarapinhada que se mostra por instantes sombra de uma porta, tudo vos dir claramente que estas so as habitaes dos escravos (a senzala). Ser preciso igualmente que vos diga qual essa outra parte do edifcio, essa vasta coberta sustentada de pilastras de tijolos e fechada somente at a altura de um homem? Tereis decerto reconhecido logo a parte principal do estabelecimento, a usina propriamente dita.(Ibid: 1981. Pg. 79). Como vedes, a usina propriamente dita, a casa de engenho, como a chamam aqui, dividida em duas partes; uma para o engenho e outra para as caldeiras ... Examinemos agora a prpria construo. J os fiz observar que o telhado sustentado por pilares cujos intervalos no so fechados seno at dois metros de altura aproximadamente. Esses pilares de seo quadrada so em geral de tijolos colocados ao comprido. Quanto aos enchimentos so paredes de tijolo de 22 centmetros de espessura ... O que h de mais notvel no edifcio, para a regio em que estamos o vigamento do telhado. Tornava-se imprescindvel fazer aqui as tesouras". (Ibid. 1981. Pg. 88 e 90). "Vamos agora, porm, lanar um olhar s senzalas, apesar do espanto que isso causar ao dono da casa, diante da manifestao dessa estranha curiosidade. Dificilmente uma habitao humana poder ser reduzida a uma expresso to simples. A terra nua constitui o seu piso. As dimenses de cada cubculo atinge apenas a 3 metros ou 3 e meio quadrados. A porta, que abre sobre a pequena galeria externa a nica abertura que foi prevista. s paredes so de pau-a-pique. Pequenas estacas de madeira com casca, de 5 a 6 centmetros de dimetro, fincadas na terra, suportam um gradeado horizontal, formando quadrados de 20 a 25 centmetros de lado, cheios de barro grosseiramente alisado pela parte de fora ... Cada um desses compartimentos estreitos contm, quer uma famlia inteira, quer dois ou trs celibatrios". (Ibid. 1981. Pg. 91).

    Fechando esse perodo, no deveramos esquecer, o labor desenvolvido pelos holandeses em Recife, durante a sua curta dominao 1630-54, cujas obras mais emblemticas so o Palcio do Conde de Nassau e os bairros de Mauricia, um exemplo excepcional de urbanismo moda europia.

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    Imagem 2: Casa-Grande e Senzala (Verssimo, Francisco e Bittar, William, 2000, p. 19.) b. Colnia de minerao. Finalizada a poca de esplendor da plantao de acar, se inicia no Brasil o ciclo da minerao. Esse perodo econmico, que alcana seu auge ao final do sculo XVIII, vai caracterizar-se pelo incio de uma grande mudana do anterior modelo territorial de implantao da colnia: pela ampliao do territrio colonizado em direo ao centro-sul do Brasil e pela importncia que aos poucos vo adquirindo as vilas, cidades e centros urbanos. Minas Gerais e, em menor medida, Goinia sero os territrios da minerao. O tringulo formado por Rio de Janeiro (nova capital a partir de 1763), So Paulo e Minas Gerais toma a predominncia no pas e a ocorrero no futuro os fatos mais importantes da futura histria do Brasil. Salvador, Pernambuco, Maranho, o Nordeste em geral, continuaro como os centros de produo da cana-de-acar. Sua aristocracia agrcola, ainda que tenha diminudo seu poder econmico, segue dominando a vida poltica do pas.

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    Criam-se novas vilas e povoados nas reas de minerao, em especial em Minas, cujo caso mais exemplar a antiga capital de Ouro Preto. Nas diferentes vilas e cidades (do litoral e agora tambm do interior), onde se concentram as tarefas polticas e administrativas, crescem as quadras, os lotes estreitos e compridos, as ruas e os prdios residenciais. Cidades com urbanismo maneira portuguesa, mas tambm com normativas oficiais. 14 Cidadezinhas, tambm, com pouca vida. A maioria das casas dos donos das fazendas que s vai para l nos fins de semana e nos feriados, momentos em que realmente adquirem vida. Mais o menos ao mesmo tempo em que em Portugal, aparecem nas cidades do Brasil as casas mais altas, com os aposentos principais no andar superior. So a nova tipologia dos "sobrados", que aos poucos se misturam com as "casas trreas", estabelecendo uma clara diviso do espao urbano entre ricos e pobres15. Vejamos de novo nas palavras de Vauthier, as caractersticas desta tipologia urbana do "sobrado" que ainda perdura nas partes antigas de nossas cidades:

    "... Que sero essas construes alongadas, que no recebem ar e luz seno pelas extremidades? Essa forma rgida, esse tipo nico, comprimido na largura, no se presta nada, bem o compreendeis, a uma grande variedade de disposies internas. Assim, quem viu uma casa brasileira, viu quase todas. Uma sala na frente, uma sala nos fundos; comunicando-se a cada uma dessas peas, h uma ou duas alcovas fechadas por meio de portas envidraadas; entre esses dois grupos, um corredor, mais ou menos comprido, de onde parte a escada e para onde do, s vezes, diversos cubculos sem iluminao. Tal a disposio geral dos andares acima do rs-do-cho. Dou em planta, corte e elevao um exemplo desse tipo geral modernizado". (Vauthier L. L. Arquitetura Civil. 1981. Pg. 37 e 38). "Esse andar (o primeiro), nos proporciona o salo de recepo e os quartos de dormir da famlia. A sala de jantar fica situada em cima. tambm ali, sob o telhado (sto), que encontramos a cozinha, com seu fogo de tijolos, compreendendo, como parte essencial, um pequeno forno para assar bolos; em

    14 A uniformidade dos terrenos, correspondia uniformidade dos partidos arquitetnicos: as casas eram construdas de modo uniforme e, em certos casos, tal padronizao era fixada nas Cartas Rgias ou em posturas municipais. Dimenses e nmero de aberturas, altura dos pavimentos e alinhamentos com as edificaes vizinhas foram exigncias correntes no sculo XVIII. Revelam uma preocupao de carter formal, cuja finalidade era, em grande parte, garantir para as vilas e cidades brasileiras uma aparncia portuguesa. (Goulart Reis Filho N. 1.997. Pg. 24). 15 Os principais tipos de habitao eram o sobrado e a casa trrea. Suas diferenas fundamentais consistiam no tipo de piso: assoalhado no sobrado e de cho batido na casa trrea. Definiam-se com isso as relaes entre os tipos de habitao e os estratos sociais: habitar um sobrado significava riqueza e habitar a casa de cho batido caracterizava a pobreza. Por essa razo os pavimentos trreos dos sobrados, quando no eram utilizados como lojas, deixavam-se para acomodao dos escravos e animais ou ficavam quase vazios, mas no eram utilizados pelas famlias dos proprietrios. (Ibid. 1.997. Pg. 28).

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    seguida o quarto de engomar e, enfim nas duas extremidades os quartos das negras"...(Ibid. 1981. Pg. 42 e 43). "Mas, o rs-do-cho, direis, para que serve? Em uma casa como esta no serve para grande coisa. Se estivssemos, porm, em uma rua comercial, em vez de uma porta nica, a casa teria trs. O vestbulo se transformaria em corredor e os quartos, postos assim em comunicao direta com a rua, seriam rigorosamente separados do resto, convertendo-se na oficina ou na habitao de algum industrial modesto ou em botequim igualmente humilde. Todavia, as pessoas que se respeitam no admitem semelhantes concesses ao esprito moderno e o rs-do-cho ficaria de preferncia desocupado. Entretanto, encontra-se meio de utiliz-lo. O aposento estreito da frente reservado aos escravos homens, que, sem ele, dormiriam nos corredores ou nos patamares, e o quarto que d para o ptio serve para acolher os hspedes e os parentes que chegam do interior - coisa necessria em um pas onde no h hotis para viajantes - ou destinado a rapazes ou aos filhos que passaram de quatorze ou quinze anos. Uma vez que estamos perto do ptio, penetramos nele. Nas casas antigas, descuidar-se-ia geralmente desse apndice, hoje indispensvel... Assim, o cavalo um auxiliar indispensvel do brasileiro que se preza e toda casa bem posta tem a sua cocheira, colocada sempre, como esta, a um ngulo do ptio e aberta a todos os ventos. Quanto cisterna que vemos tambm no ptio, disposta de modo a servir duas casas contguas um trao caracterstico da cidade de Pernambuco...". (Ibid. 1981. Pg. 43). "... A casa aonde iremos agora a de um ricao... Vamos, entretanto, encontra novamente o mesmo tipo geral, sem modificao alguma. As duas plantas abaixo bastaro para vos convencer disso primeira vista. So o rs-do-cho e o primeiro andar. A casa, porm, tem trs andares, sem contar o sto; o segundo e o terceiro so exatamente a repetio do primeiro e o sto adapta-se mesma disposio. No h, pois, necessidade de maiores explicaes". (Ibid. 1981 Pg. 44).

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    Imagem 3: Sobrado. (Reis Filho, Nestor G, 1987, p. 29.)

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    As vilas e cidades dessa poca no dispunham de servios urbanos relativos s redes de abastecimento dgua e esgoto, temas resolvidos no interior das casas urbanas pelo trabalho escravo: As cisternas dgua e o barris de dejees, os famosos "tigres", eram normais nestas casas. Do lado dos sobrados, as "casas trreas", a grande melhoria das moradias urbanas, com caractersticas de sua planta bem parecidas planta dos sobrados, mas bem mais modestas.

    "... Mas, um trao caracterstico das cidades brasileiras, nas partes de construo mais recente, onde o terreno no ainda disputado to avidamente, a casa que s tem o rs-do-cho, a casa trrea, que s por si enche ruas inteiras. Se vos introduzssemos em uma dessas casas, encontrareis mais uma vez o mesmo tipo j conhecido. de uma monotonia desesperadora. Imagina simplesmente um dos andares que visitastes, rebaixado ao nvel do solo... Ao fundo da sala da frente, encontramos as alcovas - ou a alcova nica se a largura for pequena -, bem como a porta do corredor que conduz a sala posterior, para a qual do um ou dois quartos sem iluminao. Esta sala, disposta como a da frente, abre-se sobre um pequeno ptio contguo casa e serve, ao mesmo tempo de sala de jantar e de cozinha, a menos que um pequeno apndice que se prolonga sobre o ptio, no desempenhe esse ofcio. As alcovas e a sala da frente tm s vezes o forro que j indicamos anteriormente; mas a sala dos fundos e os quartos ou cmaras sem luz so abertos livremente por cima e recebem o ar pelo telhado (telha v). Essa disposio assegura s casas uma grande frescura, sobretudo noite". (Ibid. 1981. Pg. 62, 63 e 64).

    Numa estrutura urbana, dominada pelo loteamento de frente estreita e de fundo comprido, as casas das classes abastadas, ocupavam as posies privilegiadas: ruas principais, esquinas, etc. com lotes de frentes e superfcies maiores e casas, tambm com mais andares. Assim, as prprias moradias eram classificadas pelo nmero de portas e janelas das fachadas: meia moradia, moradia inteira, etc. Nas vizinhanas das cidades, nas suas primeiras periferias, misturando-se com o territrio agrcola das fazendas, poderamos encontrar, tanto as primeiras casas de veraneio ou de segunda residncia das classes abastadas, como tambm as casas tradicionais dos trabalhadores urbanos, dos caboclos e dos negros j alforriados. No primeiro caso, nos referimos s novas tipologias de casas, denominadas "chcaras", "quintas" e "stios", localizadas em lotes de grandes dimenses e onde a arquitetura meio rural e meio urbana tem mais possibilidades de manifestar-se.16

    16" medida que avanamos, as casas diminuem de altura e se afastam umas de outras. Comeam a ser divididas por sebes vivas ou muros, acima dos quais se avista a vegetao. Chegamos em breve ao campo e, conforme estejamos no Rio de Janeiro, na Bahia ou em Pernambuco, encontrar-nos-emos em meio das quintas, das chcaras ou dos stios, nome trplice que tm neste pas as casas de campo (Vauthier. L.L. Arquitetura Civil I. 1981. Pg. 71).

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    As outras correspondem aos "mocambos", "malocas" e "choupanas", caracterizadas pela sobriedade, pelo pequeno tamanho e, em geral, pelas coberturas vegetais17. Nas reas rurais, submetidas ainda ao domnio das plantaes de acar, e agora tambm do caf, normal encontrar tipos de casa muito similares aos "mocambos" descritos anteriormente, onde morariam os lavradores e colonos das fazendas18. 3.2. Materiais e Tcnicas construtivas. A poca colonial caracterizasse pela utilizao de tcnicas e materiais construtivos simples e locais. Baseada na abundncia de mo-de-obra determinada pela existncia do trabalho escravo e na ausncia de aperfeioamentos, praticamente todas as moradias tinham as mesmas caractersticas. Os exemplos mais ricos apenas acentuavam maiores dimenses, maior nmero de peas, sem, contudo, chegar a definir um tipo distinto de habitao. As paredes mais simples eram de pau-a-pique, adobe ou taipa de pilo. Nas residncias mais importantes empregava-se pedra e barro, mais raramente tijolo ou ainda pedra e cal. Nas paredes de pau-a-pique, erigia-se primeiro uma estrutura de madeira cujos vazios se enchiam de barro19. Pelo sistema de taipa de pilo, adobe ou barro, construam-se as paredes de barro prensado dentro de uma armadura de madeira removvel, deixando ficar apenas no intervalo de um metro umas tbuas que serviam de reforo ao barro macio. Este ltimo sistema, com menor capacidade resistente, era muito utilizado em So Paulo, s permitindo a construo de casas de andar trreo. O sistema de pau-a-pique permitia a realizao de sobrados de vrias alturas.

    17 "Em outras direes menos freqentadas, encontraramos ao mesmo tempo uma cultura mais sria, uma arquitetura menos cuidada e um aspecto geral mais agreste; veramos surgir de longe em longe a casa de taipa ou mocambo com suas paredes de pau-a-pique, e sua cobertura em que a folha de coqueiro substitui muitas vezes a telha de canal ". (Ibid. 1.981. Pg. 72 e 73). 18 Alm dos escravos, em torno do Engenho agrupam-se geralmente duas outras espcies de trabalhadores: os lavradores e os moradores. Os primeiros ... so uma espcie de colonos que cultivam a propriedade, participando dos lucros com o dono ... A casa, muitas vezes, no passa de uma cabana de pau-a-pique; as janelas no tm seno postigos sem vidraas; algumas esteiras, bancos de madeira, uma rede, alguns cntaros de barro compem todo o mobilirio. Os outros (os moradores), cuja posio mais humilde ainda ... erguem a choupana. A floresta lhe fornece a estrutura, os cips novos servem para amarrar as partes, as folhas de coqueiro ou de palmeira formam o telhado e o barro grosseiramente amassado ou ainda as folhas de coqueiro completam as paredes". (Ibid. 1981. Pg. 93 e 94). 19 Veja-se a descrio dos materiais empregados nas antigas fazendas do Piau, segundo as informaes de Barreto. "... No entanto o Sr. Saas Pereira, administrador das fazendas nacionais, que reformou alguns desses prdios, assegurou-nos que as construes eram de taipa formada com troncos de carnaba, espaados de 0,35 m e o varamento de marmeleiro, distanciados de 0,10 m e amarrados com relho de couro de boi; enchimento de pedra e barro; encaibramento de tronco de carnaba, e do mesmo material o ripamento; telha v; piso de terra batida; esquadrias cheias e largas; portas com 1,50, de pau-darco; ps-direitos altos; paredes de meia altura; avarandados largos e baixos". (Barreto. P.T. Arquitetura Civil. 1.981. Pg. 199 e 200).

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    A pedra era utilizada nas paredes dos edifcios de responsabilidade e nas casas das classes abastadas, pedra aparelhada localizada nas partes inferiores das paredes e nos contornos de portas e janelas. Os diversos tipos de pedras utilizadas dependiam da regio. A alvenaria de tijolo parece ser que foi utilizada j no sculo XVII em certas regies de rurais de Pernambuco, mas, sobretudo, no Recife, aps a invaso dos holandeses, que incorporaram este material, to utilizado por eles na sua terra de origem.20 As fundaes das paredes estruturais eram simples alicerces de terra, pedra e barro batido. Excepcionalmente, utilizavam-se fundaes de madeiramentos e estacas em terrenos arenosos ou de pouca resistncia. Paredes estruturais, empenas e paredes divisrias interiores eram construdas com os mesmos materiais. As paredes interiores na maioria das vezes a meia altura, deixando ver o telhado ou, nas reas mais nobres, com forro de madeira. Sobre elas apoiavam os pisos e telhados inclinados, pois as coberturas em terrao eram praticamente desconhecidas ou difceis de construir, devido ao problema das fortes chuvas. As plantas trreas tinham o cho de terra batida. Nas plantas superiores, os pisos eram conformados por vigamentos de boa madeira brasileira e por soalhos de tbuas, apoiados diretamente sobre os barrotes que o sustentam e com recobrimento a meia madeira. Os telhados inclinados, o elemento mais caracterstico da moradia brasileira, e executado tambm com vigamentos de madeira nobre, s vezes de grandes dimenses, formando estruturas simples de vigas, caibros e ripas, com cobertura final de telha cermica ou telha canal, s vezes tomadas com argamassa. O telhado inclinado, na sua forma mais simples de duas guas, sempre conforma na planta trreo ou no sobrado, no encontro com as paredes e como prolongao dele, os beirais para a proteo do sol e da chuva e as grandes, estreitas e compridas varandas ou galeria. Outro elemento fundamental das casas com vrios andares so as escadas de moleiro, em um s lance, sobretudo internas, mas tambm externas, executadas com vigas e peas de madeira ou, nas pocas mais avanadas, de pedra. Escadas internas sem iluminao. As clarabias aparecem no sculo XIX. Simples painis mais ou menos largos formados por telha canal de vidro. As esquadrias de portas e janelas no tinham grandes segredos. Executadas em madeira de boa qualidade, as portas eram praticamente sempre iguais e as janelas tinham diferenas nas formas de encaixar os caixilhos das bandeiras das janelas, nas diferentes solues de abertura ( francesa, de guilhotina) e nos anteparos (de gelosia ou trelia, de vidro, etc.). As grandes varandas seiscentistas foram substitudas aos poucos no decorrer do sculo XVIII, pelas sacadas ou plpitos, uma para cada porta-janela francesa do andar de cima.

    20 No Recife e outros pontos de Pernambuco o tijolo continuou a ser o material de construo preferido, pois a boa pedra para edificao era ali menos abundante do que em outras partes do Brasil... Na Bahia o tijolo era comumente usado em combinao com a pedra, reservando-se esta ltima para a parte inferior das paredes, e o primeiro para a parte de cima e para a volta de portas e janelas". (Vauthier. L.L. Arquitetura Civil I.. 1.981. Pg. 153.).

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    Quanto aos acabamentos e revestimentos interiores das paredes, a sobriedade era predominante, incluindo-se aos poucos, com a chegada dos imigrantes, novas solues e modas europia ou em concordncia com os estilos arquitetnicos da poca, como veremos na prxima seo. Em geral, os aspectos considerados anteriormente correspondem s moradias das classes abastadas. As casas da maioria do povo, desde as senzalas dos escravos, aos mocambos, choas, etc. dos colonos e agricultores eram de materiais ainda mais simples e de menor tamanho. Era normal que estas casas fossem construdas em uma planta com paredes de pau-a-pique ou tramas de galhos tomadas com barro e protegidas por folhas de palmeira entretecidas em espessa camada, sistema esse tambm usado para as coberturas. 3.3. Estilos e autores.

    No Brasil, domina um padro uniforme. No temos regionalismo, nem podemos como outros pases - distinguir nitidamente, por meio de dados abundantes, na construo civil antiga, o encadeamento de estilos e modalidades arquitetnicos que se sucederam pelos sculos passados ... Entre ns, faltaram: a casa apalaada, o solar rico e o palcio que, servindo de padro e estimulando uma construo melhor purificassem as formas e impedissem o abastardamento e o marasmo. Faltou-nos, no passado, a construo erudita, a ordem arquitetnica... Apenas a religio, agrupando os artistas nos templos, realizou a obra de arte. ( Rodrigues. J.W. Arquitetura Civil I. 1981. Pg. 288).

    Servem-nos de introduo estas precisas palavras de Jos Wasth Rodrigues, para expressar de que forma a arquitetura colonial no teve apenas estilos e tendncias arquitetnicas moda fundamentalmente europia. Nem a cultura indgena existente, nem os conquistadores e imigrantes portugueses, apegados a sua tradio, conseguiram mudar esse panorama. S, alguns exemplos excepcionais de arquitetura renascentista, (Torre-Fortaleza de Garcia de vila e o Palcio do Conde de Nassau), ficariam entre ns. Mas, foi exatamente na arquitetura religiosa, onde o Barroco conseguiu o seu maior desenvolvimento. Nos exteriores das igrejas jesuticas e, sobretudo, na decorao de seus enfeitados interiores, o Barroco brilhou mesma altura que outras obras coetneas latino-americanas. Se no podemos falar de estilos, ao menos, como vimos anteriormente, certos elementos da arquitetura domstica tiveram influncias das tradies portuguesas, mas tambm da cultura mourisco-portuguesa e dos pases asiticos onde os portugueses tinham j chegado. A moblia de interiores, em certos aspectos relacionados com os estilos arquitetnicos, tambm se pode considerar bastante sbria.

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    A partir do sculo XVIII, a arquitetura domstica comea a incorporar nas suas fachadas certos estilos arquitetnicos predominantes em Portugal, iniciando-se assim um processo continuado de importao de estilos europeus21. Quanto autoria da arquitetura colonial, difcil conhecer os mestres de obras, os arquitetos e engenheiros responsveis, devido fundamentalmente falta de fontes de informao e ao fato destes serem annimos. 4. 1822-1889. BRASIL IMPERIO. 4.1. A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. Finalizada a poca da minerao, no comeo do sculo XIX, se inicia no Brasil o importante ciclo do caf, que perdurar durante a poca do Imprio, at finais do mesmo sculo, coincidindo aproximadamente com a chegada da Repblica Velha e a abolio definitiva da escravido. Este perodo vai caracterizar-se pela continuidade das grandes mudanas do anterior modelo territorial de implantao da colnia, j iniciadas no perodo anterior. Consolidao da predominncia do territrio brasileiro no centro-sul do pas, e a importncia que definitivamente vo adquirindo as vilas, cidades e centros urbanos. So Paulo e Rio de Janeiro sero os territrios privilegiados da cafeicultura, formando com Minas e Rio Grande do Sul, os lugares de maior importncia, poltica, econmica e populacional do pas. A nova cultura garantiu ao mesmo tempo a contnua expanso das reas cultivadas (com o quadro tradicional de latifndio e monocultura), e a maior densidade de riqueza e populao at ento atingidos no Brasil. Salvador, Pernambuco, Maranho... o nordeste em geral, continuar como o centro da cultura agrcola, mas desprovidos j de seu anterior poder poltico e econmico. O Imprio brasileiro da aristocracia aucareira abre passagem Republica Velha dos produtores de caf em aliana com as novas classes urbanas: Comerciantes, intelectuais, militares, trabalhadores e imigrantes. As grandes mudanas sociais, ocorridas na Europa e em Portugal, repercutem no Brasil. Instala-se no Rio de Janeiro a corte Portuguesa e os hbitos e costumes europeus. Durante o sculo XIX, impe-se progressivamente um novo modelo territorial, baseado na construo de rodovias, estradas de ferro e linhas de navegao nos grandes rios interiores, que escoam as mercadorias de todos os cantinhos produtivos do Brasil para os portos das mais importantes cidades do litoral. A liberalizao dos portos permite s classes abastadas importar todo tipo de produtos. As cidades comeam a urbanizar-se com passeios, jardins, ruas, avenidas, e redes de servios de gua potvel, esgotos e iluminao (as moradias tambm). O incio da incipiente industrializao voltada para o mercado interno, a chegada 21 Durante o sculo XVIII, as casas e edifcios pblicos brasileiros continuaram a seguir sem grandes variaes os modelos portugueses congneres. Na me ptria, o sculo divide-se em trs perodos que aproximadamente correspondem aos reinados de trs soberanos, cada qual com sua significao artstica marcada. No reinado de D.Joo V (1706 - 1750) predomina a influncia barroca romana dos fins do sculo XVII. Com D. Jos Maria I (1750 - 1777) entra em moda o rococ francs, e com Dona Maria I (1777 - 1816) comea a impor-se o esprito da arquitetura neoclssica internacional. (Rodrigues. J.W. Arquitetura Civil I. 1981. Pg. 163).

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    dos imigrantes europeus, e aos poucos, dos colonos e escravos alforriados e libertos das grandes fazendas, convertidos agora em novos trabalhadores assalariados do capitalismo industrial, produz o primeiro e descontrolado crescimento das cidades. Os imigrantes vindos de diferentes pases da Europa, em especial Sua, Alemanha e Itlia, vm para trabalhar como mo-de-obra das novas lavouras de caf, em especial no estado de So Paulo, mas que, se estendendo a outros setores, contribuiu de forma decisiva para a melhoria das condies de produo no Brasil, sobretudo na construo. Os filhos da burguesia comercial e burocrtica, membros das camadas urbanas em ascenso, iriam influenciar de forma decisiva na mudana do carter brasileiro. E desses estudantes das novas faculdades - militares, mdicos e engenheiros - ir surgir o movimento positivista no Brasil. Nas cidades, entre 1800-50, alm dos tipos de moradias indicados no perodo anterior, impe-se um novo tipo de residncia, a "casa de poro alto", transio entre os velhos sobrados e as casas trreas22. A partir de 1850 surgem novos esquemas de implantao das residncias urbanas dentro dos lotes, afastando-se dos vizinhos e com jardins laterais (e posteriormente, tambm dos frontais)23, cuja evoluo finalizar no "chal"24. O afastamento das vias pblicas permite a reduo da altura de seus pores ficando mais perto dos jardins. Tambm as Chcaras, na periferia, sofriam as transformaes dos tempos. Seus terrenos eram mais reduzidos e sua arquitetura cada vez mais assumia caractersticas urbanas.

    22 Um novo tipo de residncia, a casa de poro alto, ainda de frente da rua, representava uma transio entre os velhos sobrados e as casas trreas. Longe do comrcio, nos bairros de carter residencial, a nova frmula de implantao permitiria aproximar as residncias das ruas, sem os defeitos das trreas, graas aos pores mais ou menos elevados, cuja presena era muitas vezes denunciada pela existncia de culos ou seteiras com grades de ferro, sob as janelas dos sales... Um outro tipo, hbrido, reunia caractersticas de sobrado e os elementos de inovao do andar trreo acima referidos. Dessa forma iniciava-se nos sobrados a utilizao do primeiro pavimento para fins mais valorizados socialmente. ( Goulart Reis Filho. N. 1.997. Pg. 40 e 42). 23 As primeiras transformaes verificadas ento nas solues de implantao ligavam-se aos esforos de libertao das construes em relao aos limites dos lotes. O esquema consistia em recuar o edifcio dos limites laterais, conservando-o freqentemente sob o alinhamento da via pblica. Comumente o recuo era apenas de um dos lados; do outro, quando existia, reduzia-se ao mnimo... Ao mesmo tempo conservava-se, em grande parte, a destinao geral dos compartimentos. A parte fronteira, abrindo para a rua, era reservada para as salas de visita. Dispunham-se os quartos em torno de um corredor ou sala de almoo (varanda), na parte central, ficando cozinha e banheiro ao fundo. Em inmeros casos, o alpendre de ferro iria funcionar, at certo ponto, como um corredor externo. ( Ibid. 1.997. Pg. 44 a 46). 24 "Como uma conseqncia dessas transformaes deve ser reconhecido o chal. Com esse modelo, pretendia-se adotar as caractersticas das residncias rurais, construdas em madeira, de algumas regies europias, especialmente a Sua, o que , indiscutivelmente, uma soluo romntica ( Ibid. 1.997. Pg. 158).

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    As cidades cresciam com novos bairros para dar cabida a forte imigrao externa e interna, aparecendo pela primeira vez os bairros de classe mdia assim como as "favelas", e a multiplicao dos "cortios".25

    Imagem 4: Casa de Poro Alto (Reis Filho, Nestor G, 1987, p. 47 e 49.).

    25 A acomodao dos habitantes mais pobres constitua um problema. O xodo rural intensifica-se aps a abolio da escravido, em conseqncia do abandono dos antigos locais de trabalho pelos negros e, indiretamente, pela decadncia das lavouras tradicionais. Os problemas habitacionais decorrentes dessa presso populacional, que no correspondia a um aumento proporcional de oportunidades de empregos urbanos, iriam provocar o aparecimento de favelas, nos morros e alagados e a multiplicao dos cortios, modificando-se, por completo, o panorama dos principais centros urbanos do pas. ( Ibid. 1.997. Pg. 153 e 154 ).

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    4.2. Materiais e Tcnicas construtivas. No sculo XIX, a liberalizao do comrcio mundial e a influncia dos costumes europeus no Brasil colocam-se de manifesto na arquitetura e nas artes, pela chegada da Misso Francesa e a criao da Academia Imperial de Belas Artes. A chegada de arquitetos estrangeiros e fundamentalmente de artesos imigrantes produz uma importante modificao nos hbitos de construo, especialmente nas cidades e nas classes abastadas do litoral em contato permanente com a Europa. Novas tcnicas e materiais importados se impem aos poucos.26 Estruturalmente, os prdios utilizavam paredes de pedra e tijolo, incorporando no final de sculo o ferro forjado ou fundido, ainda bem que oculto por outros materiais. 27. Coberturas e pisos continuam utilizando as vigas de madeira. Os telhados de vrias guas incorporam calhas, arremates e platibandas, mudando o aspecto das novas construes. Outro tanto acontece com a incorporao das infra-estruturas urbanas e as instalaes de banheiros e luminrias, dos vidros nas janelas e portas e das decoraes interiores e exteriores. Aparecem novos elementos como os portes, alpendres, chafarizes, estufas, etc., relacionadas com os jardins ao estilo europeu das casas das classes abastadas. 4.3. Estilos e autores. A incidncia no Brasil da cultura europia, e em especial da Misso Francesa e da Academia Imperial de Belas Artes, permitiu que durante o sculo XIX, a arquitetura e as artes em geral, adotassem o estilo Neoclssico.28 O estilo Neoclssico foi impondo-se aos pouco. Escadarias, colunas e frontes de pedra ornavam com freqncia as fachadas de edifcios principais, ostentando um refinamento tcnico que no correspondia ainda ao comum das construes. Tal era o tratamento das obras de maior destaque, as que viriam a constituir padres para as demais; assim foi construdo o palcio de Petrpolis, assim era composta a prpria Academia Imperial de

    26 A integrao do pas no comrcio mundial, conseguida com a abertura dos portos, iria possibilitar a importao de equipamentos que contribuiriam para a alterao da aparncia das construes dos centros maiores do litoral..." (Goulart Reis Filho. N. 1.997. Pg. 37). 27 Os elementos de ferro forjado ou fundido produzidos pela indstria europia esto sempre presentes na arquitetura durante o sculo XIX. Destinando-se a todos os setores da construo, compreendiam desde peas estruturais, como vigas e colunas, at recursos secundrios de acabamento, como ornamentos de jardim, chafarizes e grades, para no mencionar as escadas, as ferragens de janelas e portas, os canos, as peas de banheiro e os foges... Como na arquitetura europia da mesma poca, o ferro era considerado como material de construo sem nobreza, no podendo ficar exposto. Normalmente as vigas metlicas e colunas eram revestidas, a no ser nos alpendres, onde formavam conjunto com grades e escadas de ferro, conferindo uma feio peculiar s moradias dessa poca. (Ibid. 1.997. Pg. 164, e 165). 28 fcil perceber, por exemplo, que no incio do sculo (XIX), com o processo de independncia poltica, os padres barrocos, que haviam prevalecido durante o perodo colonial, so substitudos pelo Neoclssico, que se torna a arquitetura oficial do Primeiro e do Segundo Imprio, mantendo-se em uso at a Proclamao da Repblica. (Ibid. 1.997. Pg. 11).

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    Belas-Artes, projeto famoso de Grandjean de Montigny, e o Palcio Itamarati, de seu discpulo Jos Maria Rebello. Adaptavam-se tambm a este estilo as residncias das principais figuras da Corte e dos grandes proprietrios rurais. O Neoclssico manifestava-se tambm nos espaos interiores das moradias, com uma grande profuso de decorao. A partir da segunda metade do sculo XIX, comea a manifestar-se a incidncia dos estilos "Eclticos", como uma continuidade das preferncias europias.29 5. 1889-1930. A REPBLICA VELHA. 5.1. A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. A industrializao produz as primeiras transformaes tecnolgicas de importncia no pas. Continua a forte imigrao da povoao do serto para as cidades. O crescimento das cidades, em especial Rio e So Paulo, forte neste perodo. A mecanizao dos meios de transporte urbano permite a expanso das cidades para a periferia e a verticalizao especulativa dos centros urbanos. As propriedades imobilirias passam a ser um grande negcio. As antigas chcaras da periferia so substitudas por novos bairros. Aparecem os bairros de casas jardins30 destinados s classes abastadas, imitando os modelos ingleses, mas sem preocupao pelos espaos e equipamentos coletivos. Estas casas renem as vantagens das chcaras e dos sobrados, com grandes jardins e uma disposio mais livre das peas interiores da moradia.

    29 "A tradio neoclssica, solidamente implantada no Rio pela misso francesa de 1816, surgiu com atraso em So Paulo. At por volta de 1880 a cidade tinha um aspecto de um burgo colonial... Com efeito, a influncia peninsular foi to profunda em So Paulo quanta a da Frana no Rio de Janeiro, embora por motivos diferentes. A enorme imigrao italiana levou a So Paulo mo-de-obra abundante, compreendendo vrios artesos e pedreiros ... era uma tima oportunidade para os arquitetos italianos, que tambm vieram em grande nmero. Portanto existia um ambiente italiano em So Paulo nas ltimas dcadas do sculo XIX e, principalmente nas primeiras dcadas do XX... Foi naturalmente o perodo ureo da Renascena e do Maneirismo... O livro de cabeceira dos mestres-de-obra originrios da pennsula era o Tratado das Cinco Ordens da Arquitetura de Vignola... O italianismo estava de moda; predominou tambm no Rio de Janeiro entre 1860 e 1900 e a aristocracia dos plantadores de caf adotou-o com entusiasmo". ( Bruand, Ives. 1997. Pg. 38). 30 Para uso das classes abastadas nos anos seguintes a 1.918, surgiram os bairros-jardim, sob a influncia intelectual de esquemas estrangeiros, cuja aceitao seria garantida pela possibilidade que ofereciam de conciliar, de modo satisfatrio, as antigas chcaras com as residncias urbanas, que vinham de se libertar dos limites dos lotes. Na prtica, esses loteamentos, postos em voga em So Paul pela Cia. City, transpem os esquemas ingleses da cidade-jardim (Gular Reis Filho. N. 1.997. Pg. 71).

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    Aparecem tambm os bairros populares e proletrios, os denominados loteamentos perifricos31 onde se instalam as classes mais pobres. Constitudos por barracos sobre lotes de pequenas dimenses, na maioria dos casos atravs de ocupaes coletivas, os loteamentos no dispem de arruamentos e dos mnimos servios de infra-estruturas urbanas. Inicia-se a construo das vilas operrias32, destinadas a populao de baixa renda. Casas e lotes de pequeno tamanho coladas, ao longo de uma rua de acesso. Esta denominao tambm utilizada para os conjuntos de moradias populares dos trabalhadores de certas fbricas que eram construdas pelos mesmos donos. Estas vilas dispunham dum completo conjunto de servios e mudaram profundamente as formas de vida e das relaes das poucas famlias dos trabalhadores privilegiados. No centro das cidades, abrem-se novas avenidas e ruas para permitir a incorporao de novas tipologias construtivas, com a exigncia de alinhamento das construes sobre a via pblica, iniciando-se uma profunda transformao dos cascos antigos. Continua-se construindo sobrados, cada vez com maior nmero de andares. Os morros so ocupados pelas numerosas favelas33,onde as condies de moradia so ainda piores que nos loteamentos perifricos. A primeira favela nascida no Rio localizava-se no antigo morro da Providncia no centro da cidade e foi criada pelos soldados que voltaram da guerra dos Canudos. As novas inovaes das tcnicas construtivas, em especial o concreto armado e a utilizao dos elevadores, permitem a apario das novas tipologias da construo verticalizada: imensos prdios de apartamentos, edifcios comerciais e escritrios, cuja expresso mais especulativa so os arranha-cus.

    31 O crescimento gigantesco do operariado urbano, possibilitado pela constante evoluo da estrutura industrial, iria conduzir ao aparecimento de bairros populares ao longo das vias frreas, junto s indstrias ou em regies suburbanas. O fenmeno quase exclusivo das grandes cidades iria produzir a urbanizao das reas perifricas, at ento destinadas a fins agrcolas, dentro da ordem tradicional... Esse tipo tornou-se comum em So Paulo, onde as casas de tipo popular eram construdas aos poucos, pelos proprietrios, freqentemente com o auxlio dos vizinhos e amigos sob a forma de mutiro. (Ibid. 1.997. Pg. 68 a 70). 32 Alguns conjuntos de habitao popular apresentavam tambm formas especiais de implantao. Compunham-se de fileiras de casas pequeninas - s vezes mesmo apenas um quarto - edificadas ao longo de um terreno mais profundo, abrindo para ptio ou corredor com feio de ruela. Nesses casos era freqente a existncia de um s conjunto de instalaes sanitrias e tanques, dispostos no ptio para uso comum. Em certos casos a passagem comum era aberta para a rua de modo franco, uma soluo mais encontradia no Rio de Janeiro".(Ibid. 1.997. Pg. 58). 33 Em alguns locais as dificuldades sociais e econmicas provocariam o aparecimento de tipos precrios de habitao, com padres nfimos de higiene e construo, na maioria dos casos sem qualquer forma de organizao territorial, seno aquela ditada pelo acaso. Tais seriam as favelas. Malocas, invases, mocambos, ou favelas, iriam sendo batizadas pelo povo, de formas diversas em cada regio que surgiam, constantes porm na indicao da misria e do calcanhar-de-aquiles do urbanismo contemporneo. (Ibid. 1.997. Pg. 70).

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    Os prdios de apartamentos utilizam uma distribuio similar a das casas trreas, mas com a substituio dos ptios e reas por poos de luz, diminuindo as possibilidade de arejamento e de isolamento. Estes dois elementos naturais, os mais democrticos e populares da arquitetura e do urbanismo, comeam a desaparecer devido voracidade dos grandes negcios da especulao urbana.

    Imagem 5: Vila operria Vila Cia. Vidraria Santa Marina (http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br)

    5.2. Materiais e Tcnicas construtivas. Neste perodo, misturam-se as velhas tradies construtivas aprimoradas com as novas tcnicas derivadas fundamentalmente com a utilizao do concreto armado e os elevadores mecanizados. At cerca de 1930 a industrializao dos materiais de construo seria tmida, em escala modesta, quase artesanal.34 A mudana fundamental deriva-se da substituio das paredes estruturais de tijolo pelas vigas e colunas de concreto, permitindo uma grande liberdade das plantas em relao rigidez do passado. 34 As tcnicas construtivas passavam por uma fase de aprimoramento, devido em grande parte influncia da mo-de-obra imigrada... At cerca de 1.940 a industrializao dos materiais de construo seria tmida, em escala modesta, quase artesanal. A indstria ainda no atingira estgio de atendimento do mercado nacional; em verdade, no que se refere construo, ensaiava apenas alguns avanos. Verificava-se a importao de muitos equipamentos e materiais estrangeiros e, em contrapartida, nos centros mais modestos, os progressos estavam longe de acompanhar os das grandes cidades. Carlos Borges Schmidt revela que, por volta de 1940, em certas regies de So Paulo, ainda era econmica, e como tal utilizada, a velha tcnica de taipa de pilo. (Ibid. 1.997. Pg. 64).

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    A utilizao de impermeabilizantes e tacos de madeira permite o contato das residncias com o cho, desaparecendo os velhos pores. A forte imigrao para as grandes cidades iria influenciar de forma definitiva a forma de construir portuguesa. Italianos, franceses, alemes, suos, etc. viriam ao Brasil com suas tradies e estilos de construir e deixaram profundas marca. Inicia-se a poca das construes populares, nas favelas e nos loteamentos das periferias. Jamais se tinha construdo tanto e to rpido com materiais precrios, para poder dar alojamentos s camadas populares que migraram para as cidades. 5.3. Estilos e autores. O panorama da arquitetura brasileira no comeo do sculo XX, no tinha nada de alentador. Tanto no urbanismo como na arquitetura continuava impondo-se os estilos e hbitos europeus, tendo no ecletismo sua mxima expresso. O ecletismo, chamado em geral de neoclssico, teve em vrias cidades grande importncia, em especial no Rio de Janeiro, pela influncia da Misso Francesa e do arquiteto Grandjean de Montigny. Urbanisticamente implantam-se as grandes reformas urbanas francesa, tomando como modelo a Paris de Haussmann do sculo XIX, incluindo as mansardas sob os telhados de ardsia. No Rio de Janeiro, Pereira Passos d incio a uma reforma urbana que tenta modernizar a cidade europia, expulsando as classes populares que moravam no centro e tentando mudar seus hbitos de vida. Inicia-se a demolio de morros, favelas, cortios, estalagens, etc. Alargam-se ruas e caladas, urbaniza-se o centro da cidade, para permitir sua mais importante transformao especulativa. As relaes entre os mestres-de-obras e os arquitetos, na maioria estrangeiros, cria um verdadeiro confronto a partir da entrada em funcionamento da Escola de Belas Artes.35 Arquitetos nacionais e estrangeiros comeam a ser conhecidos; em So Paulo, Matheus Hassler e Julius Ploy, Ramos Azevedo e Battista Bianchi. Aos poucos, outros estilos entram em cena. As primeiras experincias arquitetnicas mais atualizadas se iniciam com a introduo do Art Nouveau, que passando pelo Neocolonial e o Futurismo, iriam conduzir ao movimento Modernista ou Racionalista. O Art Nouveau implantou-se fundamentalmente em So Paulo, atravs da obra de Ekman e, sobretudo, de Victor Dubugras.. As casas art nouveau, situadas nos bairros jardins,

    35 Assim uma rivalidade cada vez maior colocou em confronto o antigo mestre-de-obras de origem portuguesa ou local, formado no canteiro de obras, e os arquitetos, sados da Escola de Belas-Artes do Rio ou vindos da Europa. O triunfo destes havia se tornado evidente desde 1880, de tal forma que o grupo rival foi forado a imit-los, ao menos parcialmente, e a utilizar como eles, as novas possibilidades da tcnica moderna, a fim de tentar sobreviver". (Bruand. Ives. 1997. Pg. 34).

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    desapareceram praticamente todas, dando lugar s avenidas e aos arranha-cus. No Rio, as poucas obras de Silva Costa na praia de Copacabana tambm desapareceram. Contudo, a cidade brasileira mais atingida pelo art nouveau acha-se s margens do Amazonas. Trata-se de Belm, capital do Par que, graas ao comrcio da borracha, teve um desenvolvimento fantstico, mas efmero durante a primeira dcada do sculo. A riqueza rapidamente acumulada por particulares reflete-se na construo de belas residncias ou de edifcios comerciais mais ou menos suntuosos, onde podem ser encontrados vrios traos art nouveau ou modern style. No entanto, ser o neocolonial o estilo mais genuinamente brasileiro, nascido da atualizao dos contedos da arquitetura tradicional da colnia. Os precursores do neocolonial foram estrangeiros radicados em So Paulo, o portugus Ricardo Severo e o j conhecido Victor Dubugras. No Rio, Lcio Costa, dar ao neocolonial o valor de um verdadeiro estilo, reinterpretando o passado com base em um profundo conhecimento da arquitetura colonial, evitando assim cair de novo numa cpia ecltica sem valor. A Exposio Internacional do Centenrio da Independncia, inaugurada em 1922, pode ser considerada o smbolo deste novo estilo. tambm nesta etapa histrica, quando se desenvolve o Futurismo, cujo mximo representante no Brasil foi um arquiteto imigrante russo formado na Itlia, (e morando em So Paulo), chamado Warchavchik. O ano de 1933, marca o apogeu do estilo Warchavchik, que se inspirando nas teorias de Le Corbusier, ligava profundamente os contedos do funcionalismo e do cubismo arquitetnicos, em moda na dcada de 20. No final desta etapa, encontramos, pois, os dois estilos arquitetnicos que foram os, antecedentes da nova arquitetura moderna brasileira, o neocolonial e o futurismo. Se a obra de Warchavchik tornou possvel o rompimento com a influncia da tradio e o estabelecimento de um novo vnculo com a arquitetura internacional, o que ele no conseguiu foi impor essa arquitetura de modo definitivo. Sero Lcio Costa e seus companheiros arquitetos que conseguem dar este passo definitivo, pela mo de Le Corbusier. 6. 1930-2006: REPBLICA NOVA, DITADURA MILITAR E DEMOCRACIA BURGUESA. 6.1. A evoluo da casa neste perodo: Aspectos funcionais e tipolgicos. a. 1930-1964:Repblica Nova. Neste perodo continua a intensa industrializao e urbanizao do Brasil. As grandes cidades como Rio, So Paulo, So Salvador, etc. continuam crescendo desaforadamente, atraindo uma ingente massa de trabalhadores que precisa tambm de lugares onde morar. As periferias urbanas, fundamentalmente, continuam sendo o lugar privilegiado, escolhido pelo povo para autoconstruir as suas moradias, utilizando todo tipo de materiais e, inclusive, as velhas tcnicas construtivas.

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    No perodo anterior segunda guerra mundial, o Brasil desenvolve de forma autnoma o seu parque industrial, mas, depois da guerra, a dependncia do Brasil aos EUA cada vez maior. Os centros histricos sofrem um forte processo de transformao, no qual os novos prdios de apartamentos, de escritrios e comerciais sustentam uma fortssima especulao imobiliria.36 O movimento de arquitetura moderna brasileira nasce da confluncia do mais famoso dos arquitetos europeus, Le Corbusier, pai da nova arquitetura e urbanismo racionalistas e do trabalho realizado pelos jovens arquitetos brasileiros em especial Lcio Costa. A arquitetura, a moradia como uma mquina para viver produzida em base aos materiais da grande industria da construo. Assim a nova arquitetura brasileira, procurara aproveitar os recursos oferecidos pelo sistema industrial nascente. O marco inicial dessas transformaes seria considerado o projeto de edifcio-sede do Ministrio de Educao, no Rio de Janeiro. A partir dessa poca, as obras mais representativas da arquitetura brasileira proporiam uma ampla reviso dos conceitos utilizados tradicionalmente. A utilizao do concreto armado em vigas, pilares, lajes, coberturas, etc. permitiu a libertao das plantas. As funes internas das residncias, os frentes e os fundos, as reas de servio, os ptios, as reas e os jardins tm novas solues, segundo os novos valores funcionais e racionais (planta livre, isolamento, arejamento, iluminao, etc.). Claro est que os preconceitos em relao a certas parcelas do espao residencial, em especial em relao aos locais de servio, no lograriam desaparecer, como at hoje no desapareceram. Contudo, perderam a fora de diretrizes. Outro tanto aconteceria com as implantaes dos prdios no terreno e no relacionamento e integrao da arquitetura com a vegetao.37 Entre as tipologias arquitetnicas, reinterpretadas em funo das idias explicitadas anteriormente, continuam sendo os prdios de apartamentos os mais oferecidos e demandados pelo mercado. Tambm os conjuntos habitacionais, que comearam a surgir nessa poca como resposta das administraes pblicas (em especial da Prefeitura do Rio de Janeiro), aos graves problemas habitacionais das camadas populares. 38 36 "Este fenmeno da urbanizao intensa deu um impulso sem precedentes atividade imobiliria, que se tornou uma das mais prsperas do pas... a aquisio de imveis surgiu como uma das fontes mais lucrativas (ou pelo menos das mais seguras) de investimento de capitais disponveis, tendo os investimentos no setor absorvido grande parte da receita nacional. A excepcional prosperidade econmica que se seguiu guerra e a inflao que a acompanhou s vieram reforar essa tendncia". (Ibid. 1997. Pg. 19). 37 "Desaparece ento, a orientao frente-fundos dos projetos com toda antiga conotao de valorizao e desvalorizao. Fundos, frentes ou lados viriam a ser jardins e locais de estar, quando conveniente ... A isso corresponderia a possibilidade de mais eficaz disposio funcional, deslocando-se salas e dormitrios para os locais mais bem isolados e sombreados, conforme a condio do clima. Corresponderia tambm claramente a um desenvolvimento do paisagismo, de modo a explorar cada parcela de rea livre, ligando os espaos internos aos externos (Ibid. 1.997. Pg. 93). 38 Por outro lado, logo aps da Segunda Guerra Mundial comearam a aparecer alguns conjuntos de edifcios de apartamentos cuja implantao j apresentava caractersticas totalmente renovadoras. Assim ocorreria no Parque Guinle, no Rio de Janeiro, onde o projeto de Lcio Costa conseguiria uma disposio dos

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    Mas, a experincia urbanstica mais interessante nessa poca ser o Plano da Cidade de Braslia. b. 1964-2006:Ditadura Militar e Democracia Burguesa. No perodo da ditadura militar cria-se o BNH, Banco Nacional de Habitao, que durante 22 anos (1964-1986), aplicara uma poltica publica habitacional excludente, dirigida fundamentalmente classe media. Os novos conjuntos habitacionais em prdios de apartamentos ou em casas constituem as novas tipologias habitacionais, localizadas fundamentalmente nas periferias das cidades. Como conseqncia da falta de investimento nas classes populares ocorre o contnuo aumento das favelas, cortios e loteamentos populares das principais cidades, apoiado no seu crescimento descontrolado em base a fortssima emigrao campo-cidade. As novas tipologias arquitetnicas especulativas da iniciativa privada esto relacionadas com os prdios dos grandes Aranha-cus de Escritrios e de Apartamentos do centro da cidade e dos Centros Comerciais e Supermercados que aparecem nas periferias. Tambm os novos Condomnios de Apartamentos ou de Casas que implicam a prestao de servios coletivos, destacando-se fundamentalmente a segurana ante a gravidade dos conflitos sociais: prdios e conjuntos habitacionais rodeados de altos muros e de sistemas sofisticados de alarmes, configurando as cidades-priso. As camadas populares continuam autoconstruindo sua moradia, soluo majoritria que ainda subsiste. Surgem iniciativas vinculadas aos movimentos sociais e populares para a autoconstruo coletiva em mutiro autogerido, apoiados por polticas publicas de partidos progressistas em diversas prefeituras do pas, mas especialmente em So Paulo, durante o comeo dos anos 90. Nos ltimos anos do sculo XX, as grandes cidades estabilizam seu crescimento de populao, mas os dados estatsticos confirmam o crescimento da moradia popular tradicional: favelas, cortios e loteamentos perifricos. As ampliaes e a verticalizao da moradia popular a resposta mais comum, em especial nas favelas, para melhorar as condies da populao existente e tambm para prever o crescimento das famlias que continuam migrando para a cidade. O dficit habitacional do pas que, segundo diferentes estudos, se situa entre sete e dez milhes de moradias.

    edifcios que simultaneamente valorizaria o parque e garantiria a integrao daqueles na paisagem... Tambm desse tempo, o conjunto residencial de Pedregulho, na Guanabara, projetado pelo arquiteto Affonso Eduardo Reidy, deveria servir de residncia para funcionrios da antiga Prefeitura do Distrito Federal, com baixo padro de vida. As dimenses do terreno disponvel e a prpria escala do programa conduziriam o arquiteto a esboar uma unidade de vizinhana onde seria tentada a soluo de toda uma srie de questes at ento consideradas como fora do plano da habitao, mas que haviam sido resolvidas dentro dessa na ordem tradicional e que, por isso, estavam sendo ignoradas em nossos dias. Desse modo, alm dos pavilhes residenciais, foram projetados e construdos equipamentos para uso comum, como escola primria, ambulatrio mdico, mercado e praa de esportes. ( Ibid. 1.997. Pg. 94 e 96 ).

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    6.2. Materiais e Tcnicas construtivas. a. Repblica Nova. Poderamos dizer que a grande revoluo da arquitetura moderna foi a necessidade de arquitetura e indstria da construo caminharem unidas para poder resolver as grandes necessidades de habitao da populao, que cada vez em maior quantidade se acumulava nas cidades. Jamais se construram tantos apartamentos para a classe mdia como nessa poca, dentro de um mercado imobilirio baseado nos salrios dessa populao, cuja participao no era maior que 30% da populao total das cidades. Tecnicamente, a renovao no se restringiu ao uso do concreto armado. As limitaes de importao e as necessidades internas do pas, no perodo da Segunda Guerra Mundial, que persistiriam em seguida e at hoje, constituiriam estmulo suficiente para que a indstria fosse substituindo completamente os materiais importados, por produtos nacionais. Essas mudanas se refletiriam na arquitetura: janelas, portas, luminrias, ferragens, louas sanitrias ou elementos de decorao como cortinas e mveis, tapetes e objetos de adorno seriam aos poucos influenciados por uma renovao geral do gosto, cujas origens podem ser encontradas no movimento da arquitetura contempornea, no cubismo e na arte abstrata. As mudanas estruturais, as novas possibilidades da planta livre e dos sistemas de cobertura, resolvidos agora com telhas de novos materiais, com pequenas inclinaes, apoiadas sobre as lajes de concreto e ocultas sob discretas platibandas, daria ensejo a uma geometrizao geral dos volumes, nos termos dos modelos estrangeiros das casas de teto plano, de gosto cubista. Internamente essa inovao possibilitaria a variao dos nveis de p-direito em cada compartimento acompanhando a declividade suave do telhado. b. Ditadura e Democracia Burguesa. As mudanas nos materiais e tcnicas construtivas durante os ltimos anos do sculo, esto relacionadas com a produo industrializada, pr fabricada e modulada de muitos dos seus componentes, para permitir a execuo de grandes quantidades de moradias, tal como aconteceu na maioria dos pases desenvolvidos. No entanto, este processo, pensado fundamentalmente para dar resposta s grandes demandas dos setores populares, demorou em ser utilizado. As condies objetivas do Brasil, como pas em desenvolvimento com um grande exrcito de reserva de trabalhadores da construo, e com salrios baixos, possibilitou a manuteno da manufatura seriada39 como mtodo tradicional da construo, incluso nos conjuntos habitacionais e condomnios de carter privado que, excepcionalmente, adotaram esses mtodos de construo industrializada.

    39 Ferro, Sergio, 2006.

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    O ao e o cimento se impem nas grandes estruturas dos arranha-cus e dos prdios de apartamentos, escritrios e comerciais. As grandes firmas, os profissionais liberais e as classes mdias e abastadas so os nicos destinatrios possveis desses prdios. Em contraposio, s classes populares continuam usando matrias tradicionais na autoconstruo de suas moradias, aparecendo, no caso das solues coletivas de mutiro autogerida a utilizao de materiais e de tcnicas alternativas. Nos ltimos anos, a preocupao pela crise ecolgica e ambiental, faz aparecer a utilizao de materiais e de tecnologias construtivas vinculados aos conceitos bsicos da arquitetura bioclimtica. 6.3. Estilos e autores. a. Repblica Nova. At 1930, a Escola de Belas Artes, dirigida por Jos Mariano Filho, estava dominada pelo modismo do "neocolonial, seguido ardorosamente pelos jovens arquitetos e em especial por Lcio Costa, que depois de ser nomeado diretor da Escola, foi demitido nesse mesmo ano. Nessa dcada, os arquitetos brasileiros lutam para ser reconhecidos ante os mestres pedreiros, depois da criao do Instituto Brasileiro de Arquitetura em 1921.40 A formao classicista da Escola de Belas Artes e, portanto, a melhoria dos arquitetos que trabalham nos mltiplos concursos pblicos da poca no impede que, em 1936, o Ministro de Educao Gustavo Capanema encomende a Lcio Costa o projeto do novo Ministrio de Educao e Sade no Rio de Janeiro. A partir desse momento a arquitetura moderna, o "estilo racionalista" ser amplamente seguido pelos arquitetos mais importantes e tambm, depois da segunda guerra mundial, pela moda e pelo mercado. Entre os arquitetos, destaca-se Lcio Costa, que, com a sua profunda cultura arquitetnica, foi capaz de ligar o "neocolonial" ao "racionalismo", estabelecendo uma ponte terica e prtica entre ambos os estilos. Alm de diretor da Escola das belas Artes, Lcio Costa foi Diretor do Servio de Patrimnio Histrico Artstico Nacional (SPHAN) entre 1937 e 38. Na sua primeira etapa profissional, entre os anos 1930-34, trabalha com Warchavchik para, posteriormente experincia do Ministrio, desenvolver um grande nmero de projetos de casas e manses41. 40 "..., era total a falta de organizao da construo civil: os mestres pedreiros, que ainda conservaram o velho ttulo medieval de mestres-de-obra - e cuja nica formao era a recebida nos canteiros de obra, como na poca colonial -, dominavam ainda o mercado por volta de 1925. O Instituto Brasileiro de Arquitetura (hoje, Instituto dos Arquitetos do Brasil), que congregava os arquitetos diplomados, s foi efetivamente fundado em 1921..., e a luta que empreendeu pelo reconhecimento das verdadeiras funes do arquiteto e pela restrio do campo de atividades dos construtores licenciados, s terminou em 1933, quando um decreto regulamentou a profisso, deixando aos mestres-de-obra determinadas prerrogativas e o direito de usar o ttulo de arquitetos-construtores". (Bruand, Ives. 1997. Pg. 22). 41 1937. Casa de Roberto Marinho. Rio de Janeiro. 1942-43. Casa Argemiro Hungria Machado, Rio de Janeiro. 1945. Casa do Baro de Savedra, Petrpolis. Casa da Sra. Roberto Marinho, Petrpolis. 1950. Casa do arquiteto Paulo Candiota. Rio de Janeiro. A organizao das plantas dessas casas tinham certos invariantes: Continuidade interior, exterior. Paredes inteiramente envidraadas entre cmodos e jardim. Incorporao de ptios internos e varandas contguas aos dormitrios. Os materiais de construo utilizados tambm eram bastante uniformes: Concreto armado, pilotis, lajes, prgulas, etc. Coberturas de telha canal com pequena pendente. Beirais em casos excepcionais, necessrios. Trelias de madeira, inspiradas nas

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    Imagem 6: . Lcia Costa. Casa de Argemiro Hungria Machado. Rio de Janeiro 1942 (Bruand, Yves, 1997, p. 127.) Em 1939, realiza com Oscar Niemeyer o projeto de Pavilho do Brasil na Exposio Internacional de Nova York, obra racionalista especialmente bem projetada e bem

    venezianas da poca colonial, e muxarabis ... balaustradas ... prgulas...Utilizao majoritria da cor branca e das tonalidades ocres da madeira. E no utilizao do azulejo.

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    sucedida. Destaca-se posteriormente o projeto do Hotel do Parque So Clemente, em Nova Friburgo, obra de 1944, encomendada pela famlia Guinle e inteiramente feita de materiais naturais disponveis no local, em uma mistura de arquitetura racionalista e organicista com claros elementos coloniais. Em 1948, realiza uma das suas melhores obras, o Conjunto Residencial do Parque Guinle no Rio de Janeiro. Depois de realizar, nos anos 50, algumas intervenes internacionais, dentre as quais destacamos ter feito parte do jri dos anteprojetos do prdio da UNESCO em Paris, Lcio Costa se apresenta em 1957 ao Concurso de Anteprojetos do Plano da Nova Cidade de Braslia. Concurso que ganhar e ao qual vai destinar grande parte dos prximos anos da sua vida. A obra de Lcio Costa deixou uma grande influncia entre os arquitetos de diversas regies do pas.42 Outros importantes arquitetos do estilo racionalista merecem um destaque prprio, devido importncia da sua obra. Dentre eles destacaremos Reidy e Niemeyer. Affonso Eduardo Reidy (1909-1964) inicia sua profisso com temas urbansticos, colaborando em 1929 com Alfred Agache no Plano Piloto do Rio de Janeiro. Em 1932 entra para os servios da Prefeitura do Rio como chefe da seo de Arquitetura, Habitao Popular e Urbanismo, desenvolvendo obras pblicas de amplo contedo urbanstico e social, entre as quais destacamos a urbanizao do Aterro e Parque do Flamengo e os conjuntos residncias de Pedregulho e da Gvea.43 Entre 1954 e 1955, trabalha como encarregado do curso de Urbanismo na Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil. Em 1959, dos poucos arquitetos que no se