Ficção de Luiz Ruffato permanece fiel à classe operária

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Fico de Luiz Ruffato permanece fiel classe operria(Em: http://g1.globo.com/platb/maquinadeescrever/2011/12/09/ficcao-de-luiz-ruffatopermanece-fiel-a-classe-operaria/) Luiz Ruffato lana hoje noite na Livraria Argumento, no Rio de Janeiro, o romance Domingos sem Deus (Record, 112 pgs. R$32,90). Trata-se do quinto volume do ambicioso projeto Inferno Provisrio, balzaquiana cartografia do proletrio brasileiro e das precrias condies de sua existncia. Em tom de denncia, Ruffato apresenta ao leitor em histrias autnomas mas articuladas a vida daqueles que, mesmo em tempos de euforia miditica em relao aos avanos sociais do Brasil, continuam invisveis, desgraados, desterrados e esquecidos. Inferno provisrio investiga ficcionalmente a formao e evoluo do proletariado brasileiro desde os anos 50 at o incio do sculo 21, por meio da saga de uma comunidade de imigrantes italianos e seus descendentes, no interior de Minas Gerais e na cidade de So Paulo. Os primeiros volumes da srie foram Mamma, son tanto Felice (2005), O mundo inimigo (2005), Vista parcial da noite (2006) e O livro das impossibilidades (2008). Mineiro de Cataguases, 50 anos, Luiz Ruffato conquistou o reconhecimento do pblico e da crtica em 2001, ao lanar o romance Eles eram muitos cavalos, ganhador de diversos prmios e publicado na Frana, na Itlia e em Portugal. Desde ento, vem se dedicando, sem pressa nem presso, a dar continuidade pentalogia Inferno provisrio. Nesta entrevista, ele afirma a lealdade de sua literatura s suas origens sociais e explica como funciona a Igreja do Livro Transformador. - Fale sobre a concepo de Inferno Provisrio. Voc pensou desde o incio a estrutura dos cinco volumes e se manteve fiel ao projeto original? Ou foi modificando/recriando esse projeto ao longo do tempo? LUIZ RUFFATO: Embora tenha sua publicao iniciada em 2005, a concepo do Inferno Provisrio bem anterior. Foi, em verdade, a primeira idia que tive, quando me imaginei um dia ser escritor. A grande questo que desde o princpio eu tinha o tema muito claro, as esperanas e desejos do proletariado urbano num pas em profunda transformao, mas no sabia como execut-lo. Passei pelo menos uma dcada estudando como resolver esse problema. Em 1998, publiquei Histrias de remorsos e rancores e, em 2000, (os sobreviventes). Ali estava o ncleo, mas a forma ainda no me satisfazia. Somente com a publicao de Eles eram muitos cavalos, em 2001, que compreendi como deveria proceder para colocar de p o Inferno Provisrio. Ento, passei mais quatro anos estruturando o projeto: ento, j sabia que seriam cinco volumes e sabia inclusive como cada um deles deveria ser constitudo. Ou seja, desde a idia inicial at a publicao agora do ltimo volume so mais de 20 anos - De onde vem sua identificao com a classe proletria e com os estratos sociais mais carentes? RUFFATO: Sou filho de uma lavadeira analfabeta e um pipoqueiro semi-analfabeto, que saram de suas cidades, Rodeiro e Guidoval, respectivamente, e se mudaram para Cataguases, uma cidade industrial, para tentar uma vida melhor para os filhos. Eu sempre morei em bairros operrios e tive como amigos operrios. Eu mesmo trabalhei em diversas atividades, como ajudante de pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operrio-txtil, torneiromecnico (formado pelo Senai), gerente de lanchonete, vendedor ambulante de livros Conheo bem a realidade de humilhao, dificuldades financeiras e sonhos da classe operria.

- Parece haver pouco em como em comum entre a sua fico e a dos outros autores com maior atividade hoje RUFFATO: Infelizmente, ainda so poucos os autores que, nascidos na classe operria, se mantm fiis a ela, em termos temticos. - Domingos sem Deus em particular, e Inferno provisrio em geral, assume o tom de uma literatura de denncia social. , nesse sentido, um romance poltico, ou mesmo ideolgico? Esse papel continua vlido para a literatura, como era 50 ou 100 anos atrs? RUFFATO: Eu no escreveria se no acreditasse que a literatura tem o poder de mudar o leitor. Foi assim comigo Quando terminei de ler meu primeiro livro, com mais ou menos 12 anos, a minha vida tinha se transformado totalmente. Eu percebi o clima de opresso da minha cidade, eu percebi que tinha que fazer alguma coisa para sair de l E se aconteceu comigo, por que no poderia acontecer com outras pessoas? - D para chamar Domingos sem Deus de romance, sendo o livro composto por seis histrias relativamente autnomas? Os gneros ainda importam? RUFFATO: Cada volume do Inferno Provisrio totalmente autnomo e dentro de cada volume as histrias so totalmente autnomas. Mas h uma coerncia Como se trata de um romance coletivo, nenhum personagem se sobrepe ao outro, mas as histrias se comunicam e os personagens reaparecem. Trata-se de algo como um mosaico, onde, se visto de perto, temos uma leitura, se visto de longe, essa leitura se amplia e se espraia Agora, romance, nos moldes tradicionais, certamente no . Mas tambm no uma reunio de contos ou novelas outra coisa - Existe algo de balzaquiano nesse projeto, no sentido de tentar traar um painel complexo de relaes familiares, sociais e afetivas, e suas interaes? RUFFATO: Sem dvida. O meu ideal seria uma mescla de Balzac e Faulkner. Por mais absurdo que possa parecer, esses dois autores, de pocas e culturas to diferentes, caminharam na mesma direo. A grande diferena que Balzac constri um mundo urbano em ascenso e Faulkner um mundo rural em runas Mas as preocupaes de ambos so as mesmas - A geografia parece ter um papel importante na sua fico, um elemento to importante quanto o nredo ou a construo das personagens, tendo como plos principais Minas e So Paulo. Voc concorda? Fale sobre isso. RUFFATO: Sem dvida, a geografia me importa. Porque, por mais que queiramos dizer que somos hoje globalizados, que as fronteiras caram, etc, na verdade nascer num lugar e falar uma lngua determinam seu lugar no mundo, porque determinam quem voc e que cosmoviso voc tem - Os domingos so sem Deus mas li que voc fundou a Igreja do Livro Transformador. De que se trata? RUFFATO: A Igreja do Livro Transformador uma brincadeira Nasceu de uma conversa com o Rogrio Pereira, editor do jornal Rascunho, pois ambos temos uma mesma origem social e sempre afirmamos que o que nos salvou foram os livros Ento, como brincadeira, resolvemos fundar uma igreja, a Igreja do Livro Transformador. No cobramos dzimo e nem tentamos converter ningum. Os fiis que querem se filiar tm apenas que gravar um vdeo

dizendo o nome, de onde , e qual foi o livro que transformou sua vida uma maneira ldica de mostrar que a literatura pode sim transformar a realidade pelo menos a realidade de cada leitor - Desde o sucesso retumbante de Eles eram muitos cavalos, voc sente algum tipo de presso para provocar o mesmo impacto a cada novo livro? Cono voc avalia que a sua literatura evoluiu, desde aquela obra? RUFFATO: Primeiro, sucesso retumbante no Brasil vender umas poucas edies do livro (o Eles eram muitos cavalos est em 7 edio e tem uma edio de bolso) Na verdade, nunca senti presso de ningum, nem do mercado, nem da crtica, porque minha obra , em termos de repercusso, muito pequena. Eu continuo escrevendo o que quero e como quero Eu havia me proposto a colocar de p os cinco volumes do Inferno Provisrio e cumpri a promessa, sem nenhuma presso para terminar logo No meio do caminho, ainda lancei dois outros livros, que no pertencem srie, embora pertena ao mesmo ambiente, De mim j nem se lembra e Estive em Lisboa e lembrei de voc - Depois de alguns anos de dvidas, parece que o ebook veio mesmo para ficar. Hoje parece de fato que o livro de papel vai acabar, ou pelo menos sofrer um ceclnio acentuado. Como voc lida com essa perspectiva? RUFFATO: Todas as vezes em que aparece uma nova tecnologia, h um pnico acentuado Na verdade, o ebook vai ampliar o nmero de leitores, porque possibilitar o acesso ao livro a um nmero maior de pessoas. O livro em papel continuar existindo e, em casos de mercados emergentes como o brasileiro, provavelmente at ampliar sua importncia. LEIA TAMBM: Eles eram muitos cavalos de Luiz Ruffato. Record/BestBolso, 154 pgs. R$12,90. Durante um nico dia, essa narrativa fragmentada e nervosa percorre a cidade de So Paulo tentando desvend-la e fix-la para o leitor. A megalpole apresentada em flashes, num caleidoscpio de tipos, personagens, dilemas e angstias do cotidiano. Luiz Ruffato investiga ficcionalmente a diversidade humana desse mosaico composto por gente de todo o Brasil, com uma linguagem crua e visceral. Este o enredo de Eles eram muitos cavalos, livro j publicado na Argentina, Frana, Itlia e Portugal. As obras de Luiz Ruffato do destaque vida do trabalhador urbano, uma caracterstica pouco comum na literatura brasileira contempornea.