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MEIO AMBIENTE ESPECIAL ARTIGO Especialista fala sobre a importância de uma orientação sólida e adequada para todas as idades PÁG. 3 Orientação profissional: a grande ferramenta na hora da decisão O GUIA DEFINITIVO PARA ESTUDANTES E EDUCADORES Novembro / 2008 N 0 2 R$ 2,00 CULTURA EDUCAÇÃO FOLHA DO ESTUDANTE Eric Satie, o músico do surreal Bambu: a madeira do novo milênio Medicina: como os robôs estão revolucionando a área A estatística como arma de manipulação PÁG. 9 PÁG.10 PÁG.16 PÁG.8 Cuba: segunda parte. Fidel Castro toma o poder! Ensino Médio: A hora da transformação é agora Matemática: porque é tão difícil entendê-la? Chernobyl: 22 anos depois, uma reflexão PÁG.14 PÁG.7 PÁG.5 PÁG.11

Folha do Estudante nº2

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Jornal Folha do Estudante nº2

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Meio aMBiente

esPeCial

artigo

especialista fala sobre a importância de uma orientação sólida e adequada para todas as idadesPÁg. 3

Orientação profi ssional: a grande ferramenta na hora da decisão

O GUIA DEFINITIVO PARA ESTUDANTES E EDUCADORES

Novembro / 2008 N02R$ 2,00

Cultura

eduCaÇÃo

Cultura

eduCaÇÃo

esPeCial

artigo

FOLHA DO ESTUDANTE

eric satie, o músico do surreal

Bambu: a madeira do novo milênio

Medicina: como os robôs estão revolucionando a área

a estatística como arma de manipulação

PÁG. 9

PÁG.10

PÁG.16

PÁG.8

Meio aMBiente

Cuba: segunda parte. Fidel Castro toma o poder!

ensino Médio: A hora da transformação é agora

Matemática: porque é tão difícil entendê-la?

Chernobyl: 22 anos depois, umarefl exão

PÁG.14

PÁG.7

PÁG.5

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ensino Médio: A hora

Chernobyl: 22 anos

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2 folha do estudante 2008

Alberto Zagatti Neto (BBC)

Um desses bilhetinhos que recebemos em sala de aula, que por falta de tempo ou negli-gência acaba esquecido no bolso da calça, foi resgatado pela Riti-nha, minha lavadeira. Sem grande cerimônia, numa manhã de segunda-feira, antes mesmo de dar o primei-ro gole no meu café, a Ritinha perguntou-me: “-Professor, o que é Emenda Platt?” Atordoado pela pergun-ta daquela cearense de Crato, um metro e cinqüenta e três centí-metros de altura, semi-analfabe-ta e devota do “padinho” Cícero, pensei até em chamar um psi-quiatra, já que o fato me parecia extremamente grave. Ainda estarrecido com a pergunta, concluí que era o efeito parabólica, ou seja, a de-claração do Lula de que as re-centes descobertas de petróleo no Brasil colocarão o país numa situação confortável, e que os lu-cros decorrentes dessa matéria-prima, com “valor agregado”, serão investidos na educação e na correção de injustiças sociais, melhorando a distribuição de renda. Será que essa declaração provocara um sentimento de dissonância intelectual em parte da população? Senti-me acuado logo nas primeiras horas da semana; será que ela vai me pedir aumen-

to, redução da carga horária, melhores condições de trabalho, creme para as mãos? Porque dis-tribuir melhor a riqueza para a maioria dos brasileiros é aumen-tar o vale transporte, o vale ali-mentação, a bolsa escola, o bolsa família, etc... Pensei também que poderia ser a inclusão da Ritinha no mundo globalizado, com mais acesso à informação, mas por que a Emenda Platt? Mais tarde, refeito do susto inicial, tomei coragem e comecei a responder aquela sombria e pervertida pergunta: “-... Cuba liberta-se do domínio espanhol em 1898, mas fica sob a tutela dos Estados Unidos e por força da Emenda Platt (inscrita na Constituição cubana) se estabelece uma fai-xa de terra para a instalação de uma base naval norte-americana (base de Guantánamo), o direito de intervenção para a manuten-ção da ordem e dos interesses norte-americanos e concessões para a exploração de carvão na ilha (1901). Resposta dada, colo-quei-me na retaguarda, pois sen-ti que a partir daquela “curio-sidade histórica”, as condições básicas para a Revolução do Proletariado (ver Marx) estavam postas. A figura aberta naquela relação, patrão amigo e empre-gada zelosa, era irreversível. Ritinha indelével, com ar de revolucionária no sertão do Cariri, encarou-me como nunca

e disparou a segunda pergunta: “-Professor BBC (quan-do ela fala assim, a coisa é muito séria), quando é que o senhor vai consertar a máquina de lavar?” A segunda pergunta me atingiu como um artefato béli-co de fabricação caseira, o que me provocou seríssimos danos morais. Por alguns segundos, cheguei a acreditar que Cristo era comunista e que o Fernando Haddad (Ministro da Educação) existia. Refeito, percebi que a Ritinha fez o que todo brasileiro faz: deixou prá lá e partiu para o imediato, o duro mas concreto dia-a-dia, desvinculando todo o processo histórico do presente e do futuro. O que importa mes-mo é o agora. Mas eu estava pronto para falar da Cuba de Fulgêncio Batista, ditador cubano, títere dos Estados Unidos, da Havana prostíbulo, bordel e cassino para norte-americanos. Uma Havana cujo apartheid era inquestioná-vel: de um lado uma minoria de turistas americanos e europeus, de burocratas e da milícia do governo, de outro, a esmagadora maioria de miseráveis. Eu estava pronto para falar da monocultura do açúcar, do desemprego na entressafra, da concentração fundiária, dos camponeses sem-terra, da cor-rupção, das concessões aos capi-tais norte-americanos... cenário semelhante Ritinha deixou lá no

seu Ceará, portanto era só fazer a associação e pronto: Revolução. Mas se fosse necessá-rio, falaria da Revolução cubana liderada por Fidel, Che... das profundas reformas estruturais: reforma agrária, urbana, so-cial... falaria da erradicação do analfabetismo, da extraordinária queda da mortalidade infantil,, entre tantas outras minorias. É lógico que por trás disso tudo havia os subsídios da União So-viética, mas por outro lado era só comparar com o Nordeste brasileiro, onde o analfabetismo é elevadíssimo e as taxas de mor-talidade infantil ainda continu-am elevadas, principalmente no Maranhão e pronto: passeata em Garanhuns (PE), protestos em Quixeramobim (CE), quebra-quebra em Canudos (AL)... Se nem assim, ora!!! Fa-laria que a fuga de cubanos para a Flórida nada tem a ver com o sistema socialista de Cuba, e sim com o bloqueio econômico pro-movido contra Cuba desde 1962, quando da sua exclusão da OEA (Organização dos Estados Ame-ricanos). De forma panfletária, diria que ao longo da história a fuga do nordeste brasileiro foi muito, ou melhor, infinitamente superior à dos cubanos. Dessa vez não teria erro, mas por garantia, contaria dos quatro cubanos que, numa bal-sa improvisada com pneus, pro-curaram chegar a Miami, mas num descuido de rota chegaram

à Bahia. E em Salvador, ficaram chocados com a miséria. Pronto, já podia ver na TV as primeiras imagens da revolução: o Willian Bonner anunciava que o povo estava nas ruas em Piriri (PI), Axixá (MA), Bocodó e Cabrobó (PE). A participação popular é geral. Adesões ao movi-mento em Brejo das Frei-ras e Catolé do Rocha (PB), Maxarangape(RN), Catolândia e Brejolândia (BA), em Xiquexique e Tiririca, também na Bahia. Os militares ade-riram ao movimento.

Ritinha “Guevara” esmaga uma tentativa de resistência em Ca-napi (AL). Naquele momento, eu estava pronto para ir fundo na resposta. Falaria que Fidel não é mais o presidente vitalício de Cuba e que seu irmão, Raul Castro, assumiu o trono, quero dizer, o poder e que Fidel, mes-mo afastado por velhice (doen-ça), ainda controla o socialismo cubano... que a União Soviética se desintegrou e não existem mais subsídios para a economia do país... que o que mais ajuda Cuba atualmente é o petróleo de Hugo Chávez. Mas Ritinha deixou prá lá e eu também. Como o aluno que me mandou o bilhetinho e eu deixei no bolso da calça. Dia desses, Ritinha fu-zilou outra pergunta: “-Professor, o senhor acredita em anjo?” Desconcertei-me. No momento, só pude imaginar que a revolucionária do sertão havia mudado de idéia: agora a revolu-ção seria teocrática, implantaria o Estado Religioso no sertão do Cariri e imporia ao país total e irrestrita devoção ao “padinho” Cícero. Para não contrariar a agitadora do Nordeste, respondi que acreditava em anjo. Então ela disparou com a sua lingua-gem simples e honesta: “-Mas “seo” BBC, se os homi aqui na Terra sorta fugue-te, eles não acerta os anjo?” “-Por que Ritinha?” “-Ora, porque os anjo mora nas nuvens.” Ufa! Fiquei aliviado com a pureza da Ritinha, mas... pensando melhor, como faz falta a educação no país. Nesse momento, lem-brei-me de uma célebre frase dita por Fidel Castro em sua auto-defesa, durante seu julga-mento pela invasão do quartel Moncada, em 1953: “-Um povo culto sem-pre será forte e livre!”

Alberto Zagatti Neto (BBC) é professor de geografia

editorial

O Bilhetinho Revolucionário artigo

O segundo exemplar da Folha do Estudante chega às bancas e às escolas assinan-tes. Nosso propósito é levar a informação sobre o mundo da educação e da pedagogia a um público amplo, estabe-lecendo um debate formador e edificante sobre os proble-mas e as soluções de tudo o que diz respeito às escolas e às universidades. Reiteramos que nos-sa proposta é a formação, a orientação e a informação

em benefício de nossos leito-res. Para tanto, os artigos, as matérias e a linha editorial da Folha do Estudante aponta sempre a direção e o sentido do ensino público, gratuito e de qualidade. Nesta edição, uma entrevista com a professora Denise Combinato, dou-toranda em psicologia da Unesp, aborda a orientação profissional, importante fer-ramenta de psicólogos e alu-nos em busca do despertar

das aptidões dos jovens na descoberta da carreira e do futuro. Com a contribuição do Doutor Carlo Passerotti, trouxemos uma matéria so-bre a robótica aplicada à me-dicina. Trata-se de mais um importante campo profissio-nal aberto dentro das carrei-ras médicas. Nesta edição os leito-res também encontrarão: - a continuação da história de Cuba, promessa dos maiores

vestibulares públicos para este final de ano; - uma investigação sobre o problema que os jovens têm em compreender matemáti-ca; - um excelente artigo sobre como os meios de comunica-ção manipulam e mascaram estatísticas; - a história de uma promessa brasileira do xadrez que vem da escola pública; - uma análise do bambu como matéria prima renová-

vel e versátil na conservação ambiental; - uma reflexão sobre o desas-tre nuclear de Chernobyl, 22 anos depois; - a apresentação de Eric Sa-tie: o músico do surrealismo. Enfim, a segunda edição da Folha do Estudan-te traz um resumo de tudo o que interessa ao universo da educação. Uma ferramen-ta indispensável no auxílio de estudantes, professores e pais.

Folha do Estudante CNPJ 09028502/0001-03

Editor Chefe:Carlos D’Incao

Editores Colaboradores: Paulo NevesPedro D’Incao

Jornalista Responsável:Paulo Neves /MTB: 10.253/SP Luís Paulo Domingues/MTB: 42.489/SP

Diagramação e Projeto Gráfico: Marcelo Rino

Endereço: Rua Fuas de Mattos Sabino, 15-65 Bauru-SP / Tel: (14) 32273524

Assinaturas: (14) 32273524Entre em contato com a redação [email protected]

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2008 folha do estudante 3

avida moderna e a so-ciedade contemporâ-

nea imprimem um ritmo cada vez mais frenético de atividades e apreensão de informações aos jovens. Devemos levar sempre em conta que é durante a ado-lescência que o indivíduo descobre o mundo, a se-xualidade, as frustrações e diversas outras dimensões da vida com as quais deve-rá aprender a conviver. Pa-radoxalmente, é bem nessa época que o jovem se vê na difícil tarefa de escolher uma carreira, ou seja, o que fará (provavelmente) para o resto da vida. A partir dessa reali-dade, a Folha do Estudante entrevistou a professora De-nise Combinato, especialis-ta em Orientação Profissio-nal e professora da Unesp.

FE: No que consiste a orientação profissional?R: A orientação profissional é uma atividade desenvol-vida com diferentes popu-lações para pensar a relação homem/trabalho. E m -bora sua aplicação seja mais frequente no segundo grau e cursinho - que preparam para o vestibular -, a orien-tação profissional se presta a diferentes momentos ( des-de a educação infantil , do adulto que está mudando de carreira, até o aposenta-do ou pré aposentado). É, portanto, uma área ampla que pensa “de que forma podemos estabelecer um projeto profissional” a par-tir de alguns temas:

Identidade: Quem eu sou? Como eu cheguei a ser as-sim? Identidade não é algo fixo e sim construído a par-tir das relações que nós esta-belecemos com a nossa cul-tura e a nossa sociedade. Ou seja, eu preciso me conhecer e conhecer como e por que eu cheguei a ser assim, as in-fluências que eu recebo (da família, do grupo), quais as condições econômicas.

informações: Que infor-mações eu preciso ter para fazer uma escolha? - seja do curso ou da profissão. Que curso é esse, quais as

particularidades ou ênfases desse curso? Eu tenho uma boa visão das diferentes profissões em cada área? Portanto, eu tenho que pensar não só em ampliar as informações sobre essas áreas, mas tam-bém em corrigir al-gumas distorções ou estereótipos que nós temos a respeito das profissões.

Trabalho: Qual é o sig-nificado do trabalho pra mim? Como esse trabalho tem sido significado nesta sociedade - e aí eu tenho que considerar a sociedade capitalista -? Qual a função social desse trabalho? A partir da discussão desses 3 eixos, eu estabeleço um projeto, que inclui a es-colha profissional. A psicologia sócio-histórica - o enfoque que eu trabalho a orientação pro-fissional - oferece condições para que esse orientando desenvolva ou amplie sua consciência, para que ele possa estabelecer o melhor projeto profissional (que nunca é fixo, não é único; existe o melhor projeto para aquela pessoa, naquelas condições).

FE: Quais as vantagens da abordagem sócio-his-tórica e suas diferenças fundamentais para com as outras?R: De forma geral, os prin-cipais referenciais teóricos da atualidade (cada um dentro do seu método e teo-rias) trabalham com aqueles eixos que eu citei (identida-de, informações e projeto profissional (trabalho)). O grande diferencial na abor-dagem sócio-histórica é discutir o trabalho (e aí eu estou me referindo a pensar “o que é o trabalho”. Qual o seu significado para o ser humano? Ou seja, pensar na transformação da natureza, da sociedade e também na do ser humano.

FE: Muitos pais nos pro-curam - talvez viciados pe-los modismos da década de setenta e oitenta, quan-

do se aplicavam testes vo-cacionais - e perguntam sobre orientação vocacio-nal. O que diferencia uma orientação profissional de uma orientação vocacio-nal? E em que sentido a orientação profissional é uma abordagem melhor?R: Quando falamos em vo-cação, pensamos em algo biológico, inato. O sentido da orientação vocacional se-ria descobrir para que aque-la pessoa serve (como se ela tivesse algumas habilidades e competências inatas). En-tão, a tarefa do orientador seria descobrir a vocação daquela pessoa e incluir em uma profissão. Esse foi um modelo muito divulgado. Eu consigo, através des-ses testes, medir algumas características e traços de personalidade. Mas o que nós pensamos desse modelo teórico (vocação), é que ele é um modelo construído. Porém, não existe uma vo-cação a priori. A pessoa não nasceu pra ser enfermeiro, dentista ou engenheiro, ela desenvolve ao longo da sua vida alguns interesses, algu-mas habilidades, estabelece contatos com algumas pes-soas e profissões, e isso faz com que ela se aproxime desta ou daquela carreira. O que se falava nesses mode-los anteriores é que bastava descobrir para que servia, e encaixar a pessoa em de-terminada área. Mas o in-divíduo não é estático. No momento em que se aplica um instrumento, podem ser reveladas determinadas ha-bilidades, mas não significa que aquilo não vai mudar, ou que aquelas profissões que melhor encaixam em um perfil não vão mudar. Assim como o indivíduo, as próprias profissões são di-

nâmicas. Além disso, há mui-tos instrumentos que indi-cam uma área (“você ser-ve pra área de humanas”). Mas no que isso me ajuda? Quantos cursos existem em humanas? Portanto, muitas vezes o orientando sai desse tipo de orientação vocacio-nal mais angustiado do que entrou. A orientação vo-cacional ainda é aplicada porque os pais e os alunos esperam uma resposta rápi-da e que não contenha os conflitos nessa escolha Mas sempre existem conflitos quando se trata de uma es-colha. Há ganhos e perdas.

FE: Nós recebemos uma série de alunos que apre-sentam um passado re-cente de aplicação de tes-tes vocacionais. Qual é a validade desse tipo de procedimento - a simples aplicação de testes escritos - que muitas instituições realizam? R: A simples aplicação é muito restrita. A gente tra-balha numa perspectiva de que o orientando participe do seu processo de orienta-ção profissional. É ele quem vai estabelecer o seu projeto. A idéia é que esse orientan-do possa refletir (pensando naqueles 3 temas), e desen-volver um projeto, escolher uma profissão, uma carrei-ra. Só o teste é limitado. Podemos até utilizar alguns instrumentos, alguns recur-sos do teste, mas para favo-recer essa conscientização, e não simplesmente taxar ou quantificar habilidades e competências.

FE: Ultimamente temos recebido um número grande de alunos que es-

colhem a profissão futura estritamente por causa de um suposto sucesso fi-nanceiro que essa escolha possa lhe dar. Ao mesmo tempo, nós notamos que esse tipo de aluno vem fortemente reforçado pe-los pais, que acreditam que a melhor escolha é a que financeiramente vai trazer o maior retorno. Qual a sua opinião sobre esse fenômeno?R: O fator econômico pesa porque nós estamos em uma sociedade capitalista, que vai cobrar muito o ter, o possuir, o acesso a esses bens. É difícil a gente falar para o orientando que ele tem que considerar a sua realização não só em fun-ção desse ter, mas daquilo que vai dar satisfação, rea-lização. Afinal, ele cresceu numa família, numa so-ciedade que valoriza isso - quem tem mais dinhei-ro, quem tem mais status, quem tem mais poder. Por isso a gente discute os vários determinantes da escolha, considerando todas as in-fluências que foram levadas em conta. Escolher a carrei-ra só pelo lucro não é natu-ral Esse tipo de ação existe em função de um grupo, de uma história, de um sistema econômico. Mas será que é isso que o orientando quer para sua vida? Nós temos que pensar em quais outras satisfações o trabalho pode trazer, quais realizações, que outros aspectos ele traz. As vezes a família está influen-ciando nessa preocupação com o financeiro, na medi-da em que a os pais estão se queixando de sua profissão, de sua situação e de como as pessoas ganham mal fazen-do isso ou aquilo. Às vezes eles não estão falando dire-falando dire-

Orientação profissional: envolvendo e despertando aptidões CaPa

A criação de novas carreiras amplia as dúvidas de quem tem que decidir pela profissão

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4 folha do estudante 2008

CaPa - orientaÇÃo Profissionaltamente para o filho, mas é um valor que importa para o pai e isso influencia. E alguns profes-sores (ensino médio e curs-inho) também têm, a partir da sua história, al-guns valores que influenciam muito os alunos. Ou seja: aquele aluno que vai bem em matemática nec-essariamente tem que fazer um curso de exatas. Será que isso é certo? Ou outro exemplo: escolhi fazer me-dicina porque eu era um bom aluno. Ora, bons alunos não podem fazer outros cursos? En-tão muita gente es-colhe influenciada por esses modelos, mas sem saber real-mente o que é a profissão.

FE: Ultimamente há um grupo de alunos que sim-plesmente não se encaixa em profissão (em área) alguma. Como se faltasse motivação, como se es-tivessem completamente perdidos. A atitude deles é alienante perante a reali-dade. Qual é o seu ponto de vista? R: Essa é uma pergunta difícil. Temos que pensar assim: que espectativas essa pessoa vê na sua vida? O que o trabalho tem trazido para as pessoas? Que tipo de trabalho tem sido desen-volvido na nossa sociedade? O trabalho deveria ser uma

transformação, um tipo de intervenção na realidade, algo que contribuísse com essa realidade, mas que tam-bém trouxesse uma satisfa-ção, uma realização, um de-senvolvimento. Mas muitas vezes o que a gente encon-tra no trabalho não é isso. A gente encontra adoeci-mento, stress, condições

diferentes daquilo que o trabalho deveria proporcio-nar. E aí, numa sociedade como a nossa, a gente tra-balha tendo em vista não o

produto direto do nosso tra-balho, mas o salário no final do mês. Focaliza-se muito mais o fator econômico e que não está diretamente relacionado com o produto direto do trabalho. FE: Esse também seria o papel da escola, no sen-tido de criar um modelo diferenciado?R: Sim. O que essa escola tem despertado no aluno? Às vezes a gente encontra apenas uma reprodução de conteúdo, não um desen-volvimento de crítica, de reflexão, de análise dessa so-ciedade e de possibilidade de superação dessa condição, pois quando a gente fala do

trabalho como superação, a gente fala de transforma-ção; não é produzir o que está aí, já posto. A partir do trabalho, que condições existem para desenvolver e transforma r essa situação? A escola, muitas vezes, não faz essas perguntas e não estimula essa transfor-mação.

FE: Há um outro caso frequente: alunos que re-solvem assumir uma pos-tura pragmática (no caso financeiro) e que parale-

lamente a isso acham que poderiam desenvolver um hobbie. (Exemplo: “-Eu faço administração, mas eu toco guitarra, sou músico. Então, eu poderia ganhar dinheiro durante o dia e à noite eu poderia tocar). Até quanto isso é uma ilusão ou uma pos-sibilidade? Qual seria seu conselho num caso dess-es?R: Quando falamos de pro-jeto profissional, não dá pra desvincular de projeto de vida. O que ele quer para sua vida? Será que ele quer trabalhar como administra-dor, é dessa forma que ele se vê no mundo, que ele se re-aliza? O que leva essa pessoa

a pensar na administração como profissão e na músi-ca como hobbie? Por que a nossa sociedade (família, escola, grupo) valoriza algu-mas profissões e não outras? Será que as pessoas não tem condições, a partir da in-tervenção na sociedade, do desenvolvimento, do tra-balho, de mudar isso? Será

que a música não pode ser um projeto profissional e de vida? É claro que isso não é tão simples e que algumas

profissões precisam ainda conquistar um espaço, um reconhecimento, mas eu acho que é muito difícil al-guém estabelecer a adminis-tração como projeto profis-sional, sem ter um interesse real nela. Outra coisa que tem acontecido em função dis-so, são pessoas que tomam a meta de passar em deter-minado vestibular (mesmo que não seja a meta profis-sional). Essa pessoa faz a escolha baseada em uma coluna da relação candida-to/vaga. Isso é muito grave; que escolha é essa? O jovem pode se frustrar assim; ele às vezes não admite ter que fazer uma nova escolha e

acaba continu-ando naquela profissão, mes-mo sem ser uma escolha satis-fatória. O resul-tado são inúme-ros profissionais insatisfeitos, que estão intervindo

de alguma forma no mun-do. Por isso, quando se fala de escolha, quem faz essa escolha tem que pensar que isso vai ter um reflexo para os outros.

FE: O que pode ser feito em uma orientação profis-sional a partir do primeiro ano (secundário)? É tarde

demais, ou há tempo sufi-ciente?R: Eu acho ideal, pois mui-tas vezes o aluno pensa nis-so só lá no terceiro ano e lá

ele já está muito próx-imo de fazer a escolha. Quando se discute ori-entação profissional a partir do primeiro ano (tem projetos que começam antes, até com crianças), reali-za-se um trabalho de longo prazo. Nesse caso, o orientando tem um tempo grande para conhecer várias profis-sões, fazer visitas a uni-versidades, a ambientes de trabalho. Não basta só ler o manual, essa é uma fonte de informa-ção, mas não a única. Também não basta entrevistar um profis-sional. Podemos en-contrar profissionais satisfeitos e insatisfeitos

com seu emprego. Há pes-soas que ficam no emprego só porque ganham bem, ou por outros motivos. É sempre bom sa-lientar que não existe ape-nas uma escolha. Às vezes a pessoa tem alguma restrição econômica, por exemplo, e não pode sair da cidade. Então ela tem que anal-isar qual a melhor escolha naquele momento.

FE: Qual a metodologia que você aplica junto ao adolescente na orientação profissional? É individual ou em grupo?

R: Preferencialmente em grupo, mas dá para ser re-alizada individualmente. A gente prefere o grupo, porque a pessoa consegue identificar situações semel-hantes às dela. Por exemplo, ela pode não reconhecer as influências dos pais em sua escolha; à medida que o colega fala sobre o mesmo assunto, ela poderá perceber essa influência. E também pode aproveitar as estraté-gias que o colega usa para li-dar com essa influência dos pais. Quando trabalhamos em grupo, temos várias pes-soas buscando várias infor-mações diferentes, e isso amplia nossa atuação.

Denise Combinato é doutoranda em Saúde Coletiva pela unesp

“A orientação vocacional ainda é aplicada porque os pais e os alunos esperam uma resposta rápida e que não contenha os conflitos nessa escolha. Mas sempre existem conflitos quando se trata de uma escolha. Há ganhos e perdas.”

A professora e psicóloga Denise: é errado pensar que as pessoas já nascem com qualidades específicas

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esPeCial - eduCaÇÃo

Luís Paulo Domingues

Em que momento do século XX as pes-

soas perderam a prática na matemática? Mesmo se levarmos em conta as operações mais cotidia-nas, percebemos que a matemática se tornou um mistério e um obstáculo para os afazeres diários. Que diremos então das equações mais complexas, usadas no mundo acadê-mico? A Folha do Estu-dante entrevistou especia-listas na área, buscando compreender as causas da dificuldade que os alunos têm para compreender matemática.

Método Kumon Em 1954, o professor de matemática Toru Kumon entrou em conflito com seu filho. Ele havia tirado uma nota baixa (7 para ele era muito baixo) em matemática. Buscando a recuperação do filho na matéria, Kumon criou um material para o estu-do da disciplina. Estudando meia hora todos os dias (uma das prerrogativas do mé-

todo), o filho de Kumon tornou-se o 1o de sua classe em matemática, em apenas seis meses. O professor, então, resolveu divulgar e aperfeiçoar o método, e em dois anos fundou suas primeiras escolas, que se tornaram franquias e se espalharam pelo mundo. Hoje, há mais de 4 milhões de alu-nos do método Kumon em 45 países. “-Trata-se de um método de estudo com-pletamente individuali-zado, que é aplicado di-ferentemente para o caso específico de cada aluno”, explica Vilma Bru-matti, professora de matemática, coorde-nadora pedagógica e dona de uma franquia Kumon. “-Não é um método para quem vai mal em matemática. Temos muitos casos de alunos que vêm até nós para corrigir defi-ciências, mas também temos muitos alunos que são excelentes em suas escolas e nos pro-curam para aprimorar mais ainda a habilidade na matemática”, explica. Brumatti diz que o método ensina desde alu-

nos do ensino básico, até os do 2o ano de engenha-ria. “-Em todos os casos, porém, não há nenhum tipo de mágica”, enfatiza Vilma. “-É um planeja-mento de estudos base-ado em esforços diários, na motivação das caracte-rísticas positivas de cada indivíduo e no acompa-nhamento intensivo dos pais - no caso de crianças e adolescentes”, comple-menta. “-Quando esses componentes já estiverem estruturados na mente e no cotidiano do estudan-te, ele vai começar a des-cobrir os defeitos que o

levam a errar as equações e a pensar que não gosta de matemática”, explica. “-A partir do momento

em que você, sozinho, consegue descobrir onde está errando, tudo fica mais fácil e o aprendizado flui”, define Brumatti.

Questão de edu-cação Luciana Godoy é coordenadora de fran-quias da Kumon e acha que a dificuldade que os jovens têm para apren-der matemática é uma questão de educação. “-A cultura educacional mu-dou muito nas últimas décadas. Além da escola, o jovem tem o dia dividi-

do em diversas outras ati-vidades (futebol, natação, inglês, música...). A escola

passou então a ser apenas mais uma atividade, e isso pode ser muito prejudi-cial”, salienta Luciana. Ela diz que os pais são muito responsáveis por esta realidade, pois eles também enxergam a escola como mais um assessório. “-No passado, a criança (ou o jovem) chegava em casa vindo da escola, tinha que estudar e pronto. Era uma impo-sição dos pais. Hoje pare-ce que os filhos negociam tudo e os pais abrem es-paço para que isso acon-teça. Luciana lembra que o modelo de ensino atual do segundo grau, que só vislumbra a apro-vação no vestibular, tam-bém é responsável pela deficiência extrema que as pessoas têm na mate-mática. “-O professor fica tentando tirar dúvidas da equação “x” porque é ela que vai cair no vestibular, mas a dúvida está lá atrás, nas equações básicas. O aluno não sabe dividir”, exemplifica Godoy. A Kumon chegou em 1977 ao Brasil, onde possui mais de 1700 fran-quias.

Progressão conti-nuada A Doutora Emília de Mendonça Rosa Mar-ques é professora do de-partamento de matemá-tica da Unesp há 18 anos. Segundo ela, há vários fa-tores que explicam a falta de interesse e compreen-são em matemática nos dias atuais. Um deles é a progressão continuada. “-Como a pro-gressão continuada é um problema maior na base, lá na educação infantil e fundamental, acredito que o cerne do proble-ma esteja aí”, comenta.

“-Podemos usar essa afir-mação até para explicar a questão das escolas par-ticulares. Se você levar em conta que há algumas décadas o ensino público era o melhor, o particular já adotava, por questão de sobrevivência, a pro-gressão. Depois isso foi incluído na esfera públi-ca”, argumenta Emília.Questão lógica Segundo a Dou-tora Emília, nas últimas décadas as inovações tecnológicas, principal-mente as da mídia, foram relevando o pensamento a segundo plano. As pes-soas, ainda segundo ela,

foram se acostumando a receber as coisas prontas e a não ter mais que pen-sar sobre elas. “-Antes, nós tínha-mos problemas para resolver a todo tempo, problemas que incentivavam o pensamento e as soluções ló-gicas”, declara. “-Hoje, uma pessoa que fica em frente a TV pode apenas receber infor-mações prontas. Se ela fica 8 horas em frente a TV, pode passar 8 horas sem pensar em nada”, ex-plica. “-É a mesma coisa com uma criança com o videogame em contrapo-

sição com as crianças que se divertiam na rua e com as antigas brincadeiras”, completa Emília.

Ensino superior Emília explica que a dificuldade aparece in-clusive com seus alunos da Unesp, que já estão na formação superior em mátemática. “-Tem

gente que pensa que este problema não atinge um aluno de matemática na faculdade, mas isso é um engano. Eles têm facili-

dade em entender as te-orias mais difíceis, mas chegam aqui com muitos problemas de operações fundamentais, de base”, conta a Doutora.

Matemática: a lógica da dificuldadePor que ninguém mais entende nem os problemas básicos?

“-Eu privilegio a teoria, nunca as fórmulas. A geração de hoje está treinada para fazer só o que já sabe, quando deveria buscar o que não sabe. Por isso eu não dou mais exemplos. Explico a teoria e digo para eles buscarem como fazer.”

Será que os números ficaram mais confusos ultimamente?

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6 folha do estudante 2008

Vivendo em um mundo que vislumbra o lucro

e o conforto material em primeiro (e às vezes úni-co) plano, a procura pelas carreiras científicas e o interesse pelas preocupa-ções que a ciência suscita podem estar em declínio. Bem, isso se partirmos do senso comum. Já para os profes-sores George Matsas e Manoel Robilotta, que dedicam sua vida à física, a ciência continua a ser uma paixão e um grande desafio. Matsas é Titu-lar do Instituto de Física Teórica da Unesp (Uni-versidade Estadual Pau-lista) e Robilotta é Titular do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo). Ambos têm pós-doutorados realizados no exterior, assim como trabalhos publicados em diversos países. Eles falaram para a Folha do Estudante sobre a dedicação à ciência e a realidade dos profissio-nais que trabalham com pesquisa no Brasil.

(LPD)

George Matsas “-O mundo era bem diferente há 30 anos. As causas abraçadas pela juventude naquela época não eram as mesmas de hoje. Aquele mundo da utopia, da luta pela mu-dança e pela coletivida-de, foi suplantado pelo

imediatismo da sociedade atual, extremamente pre-ocupada com o conforto material. Hoje o mundo é um ambiente pragmáti-co demais, que pouco tem a ver com a ciência. A ciência, portan-to, é o ambiente das pes-soas curiosas, e hoje o es-tudante secundarista não é estimulado a ser curio-

so. É um reflexo do mo-delo de ensino, que pre-para especificamente para o vestibular, e também da própria família, que quer garantir o futuro fi-nanceiro do filho e foca a atenção dele em um vesti-bular que traga a oportu-nidade de conseguir isso. Porém, sempre haverá os verdadeiros idealistas da ciência. A nata da ciência continua existindo e sem-pre existirá. Investimento em pesquisa A universidade pública é a pilastra da pesquisa no Brasil. Se ela acabar, acaba a pesquisa. É meio um senso comum dizer que a universidade pública está sucateada e que não há investimento em pesquisa. Mas isso,

pelo menos no campo de exatas das universidades paulistas, não condiz com a realidade. Há o inves-timento e ele está sendo convertido em trabalho, desenvolvimento e des-cobertas. No meu caso, além da Unesp, eu ainda sou financiado pela FA-PESP, pelo CNPQ e pela CAPES. Nas faculdades

privadas, quase nada de pesquisa pode ser de-senvolvido. Mesmo nos Estados Unidos, onde a maioria das universidades são privadas, o investi-mento dos órgãos fede-rais é o mais importante para o financiamento das pesquisas. Nem as mais conceituadas universida-des privadas americanas conseguiriam sustentar a pesquisa sem dinheiro público. Por outro lado, a iniciativa privada tam-bém participa dos inves-timentos em pesquisa nos Estados Unidos. Em-presas como Dell e IBM financiam trabalhos cien-tíficos a longo prazo. Isso no Brasil, quando existe, só acontece por parte de alguma empresa que ne-cessita de um produto desenvolvido para ela, ra-pidamente. Trata-se de fi-nanciamento a curto pra-

zo, que não serve tanto à ciência, mas sim à tecno-logia.

Ciência é uma necessidade Às vezes me per-guntam se, no mundo de hoje, a ciência é uma op-ção para o jovem. Eu digo que não, pois a ciência nunca é uma opção e sim uma necessidade. O cien-

tista não é como um pro-fissional liberal, que pode terminar o expediente, ir para casa e se desligar do trabalho. A ciência é um estilo de vida e a pessoa que opta por essa vida tem que estar preparada. Se ela estiver em dúvida (se quer a ciência ou não), é porque não está prepa-rada e não será cientista.”

Manoel Robilotta “-Eu não acredi-to muito que o jovem de hoje não queira a ciência. Acho que ele é levado a procurar outra carreira por causa do modo que o mundo de hoje está es-truturado. Por exemplo: a humanidade sempre espe-rou o melhor da ciência, mas hoje a mídia é a gran-de divulgadora da ciência para o grande público, e ela trata das descobertas como se tudo fosse um espetáculo superficial. O poder público, por sua vez, tirou do en-sino básico toda a ênfa-se e a profundidade que a ciência tem. E esse é o maior problema do Bra-sil, em relação a este as-sunto. Nós estamos bem de ciência. Estamos che-gando aos patamares dos melhores do mundo. Mas o problema é: como o aluno consegue enxergar a ciência desde o ensino fundamental?

Investimento em pesquisa II Não há como fazer pesquisa sem a universi-dade pública. Isso porque as instituições privadas

(de ensino ou não) só se interessam pelo investi-mento a curto prazo, que desenvolva o projeto que elas precisam no momen-to. Isso está longe das ver-dadeiras preocupações da ciência, pois trata-se de desenvolver um produto, e desenvolvimento é dife-rente de ciência. Apenas algumas empresas ameri-canas, como a Dell, têm laboratórios parecidos com os das universida-des. As universidades públicas paulistas, por-tanto, são as grandes fo-mentadoras da pesquisa no Brasil, assim como os órgãos governamen-tais, como a FAPESP, o CNPQ e a CAPES. O pesquisador que é assisti-do por essas instituições é privilegiado, pois não há intervenção do governo ou do órgão financiador na pesquisa. O cientista tem liberdade para desen-volver seu trabalho. Por isso, é um ab-surdo quando dizem que as universidades públicas têm que ser privatizadas e que o ensino deveria ser pago, pois as mensalida-des nunca pagarão a pes-quisa que é desenvolvida no país. Já para citar algu-ma instituição de ensino privada que se destaca em pesquisa, eu me lembraria de alguns trabalhos de-senvolvidos pela PUC e pelo Mackenzie.”

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esPeCial - CiÊnCia

Quando a ciência é uma necessidadeReconhecidos internacionalmente, PHD’s da USP e Unesp falam sobre física e pesquisa

“Às vezes me perguntam se, no mundo de hoje, a ciência é uma opção para o jovem. Eu digo que não, pois a ciência nunca é uma opção e sim uma necessidade.” George Matsas

A ciência é constantemente colocada em segundo plano quando se pensa em traçar carreiras: reflexo dos dias de hoje

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Ana Maria Lombardi Daiben: Pedagoga, douto-ra em educação Para a pedagoga Ana Maria Daiben, a fase em que o jovem está no ensino médio é um mo-mento muito importan-te para sua vida. Por isso mesmo, ela diz que é ex-tremamente preocupante que esse espaço tão rico do ensino médio seja usa-do para “treinamento” de vestibulandos. “-O modo como muitas escolas estão tratando o ensino médio, condicionando o aluno para que ele passe em um teste, pode ser qualquer coisa, menos educação”, lamenta Daiben. Daiben define sua concepção de educação: “-Educação é um pro-cesso de reflexão crítica e libertação. Essa é uma definição que está em mi-

nha tese de doutorado”, explica. “-Então eu per-gunto: se tomarmos essa definição como válida, como podemos dizer que este modelo que “treina” para o vestibular seja edu-cação?”, pergunta. “-Se a educação é um processo de reflexão e libertação, é também contrária a qual-quer condicionamento, é o terreno fértil de alguém que não se quer condicio-nado”, define Ana Maria. Daiben salienta que o vestibular é im-portante por ser o cerne do modelo de sociedade (tratando-se de educação e de carreiras) que vive-mos. “-Porém, o fato de vivermos sob este modelo não significa que é o me-lhor modelo”, explica ela. “-Os pedagogos e espe-cialistas em educação têm que começar, a partir de agora, a pensar um novo

projeto que possa ser apli-cado”, diz Daiben.

“Não condeno as esco-las” Ana Maria conta que também direcionou seus filhos para o vestibu-lar, pois tanto ela quanto eles já estavam vivendo a realidade atual. “-Porém, eu nunca os enganei, nun-ca disse a eles que aquilo era educação”, explica. “-Fiz o que pude para que eles tivessem o melhor ensino fundamental, pois sabia que o ensino médio já estava comprometido pela “febre” do vestibu-lar”, completa. “-Mesmo assim, eu não condeno totalmente as escolas por adotarem essa prática de condicionamento. Afinal, trata-se de uma questão de sobrevivência. Por isso mesmo eu louvo muito aquelas instituições que

conseguem conciliar a educação e a preocupa-ção com o vestibular”, diz Ana Maria. Por outro lado, acha que já está havendo algum progresso. “-O fato

de os vestibulares darem peso maior para a redação e introduzirem atualida-des e filosofia (em alguns casos) já significa uma abertura para a reflexão”, lembra a pedagoga.

Luís Paulo Domingues

aeducação é repensada de tempos em tempos

de acordo com o momen-to histórico em que está inserida. Ao longo dos séculos, os métodos de ensino vão se sucedendo em busca da compreen-são, da assimilação e da

interação das crianças e dos jovens com o mun-do do qual participam. Porém, pouco da conformação - do design e da arquitetura inte-rior - da sala de aula mudou com o tempo. As carteiras enfileiradas, uma atrás da outra, o pro-fessor como detentor do

saber e autoridade dentro da classe foram a tônica do ensino até hoje. Agora, novos desa-fios são proposto no uni-verso escolar. A tecnolo-gia aplicada à educação (vídeos, projetores, com-putadores) já é uma re-alidade presente na vida de uma boa parcela dos

jovens no Brasil. E essa parcela tende a aumen-tar, atingindo, inclusive, o ensino público. De que forma, então, as escolas podem estar prontas para im-plantar adequadamente essa prática em seu co-tidiano? Como o ensino médio pode ser pensado

dentro desse contexto, para que deixe de ser apenas uma ferramen-ta para o ingresso nas universidades e cumpra seu papel de forma-ção do indivíduo? - e dentro dessas ques-tões, como pensar o ensino apostilado?

José Carlos Martins da Silva: Diretor Pedagógico do Colégio Pueri Domus, de São Paulo; Para o diretor do Pueri Domus, o ensino médio possui duas ver-tentes. “-A principal é a conclusão da educação básica, que deve con-solidar o que o aluno aprendeu desde a esco-la infantil, para que seja possível a construção de um novo conhecimento posterior”, diz José Car-los. “-Mas também não se deve desprezar o vesti-bular. Hoje o mercado já está disputadíssimo para aqueles que têm bons cursos superiores. Imagi-ne, então, as dificuldades para alguém sem diplo-ma. Por isso o vestibular deve ser focado pelo en-sino médio como um fa-tor importante”, define. O problema, se-gundo Martins, é quan-

do as escolas se põem a fazer um verdadeiro “adestramento”, treinan-do o aluno apenas para decorar fórmulas que proporcionem a apro-vação. “-Mesmo assim, esse método não deixa de ser uma opção”, ga-rante. “-Há famílias e es-colas que optam por esse condicionamento puro e simples. Isso é uma esco-lha, que não é a melhor, mas que acaba colocan-do muita gente em bons cursos”, diz José Carlos. O diretor diz ainda que esse fato é um reflexo das provas oferecidas por muitos vestibulares de instituições importantes. “-As provas da Vunesp e da Fuvest, por exem-plo, não refletem o con-teúdo que o aluno terá dentro da instituição se for aprovado”, declara Martins. “-São provas que acabam tirando a

característica fundamen-tal do segundo grau - que é a conclusão do ensino, o término da educação formal - e focam as ques-tões na memorização. Mas dentro das próprias universidades, a postura é outra”, garante. “-Já no vestibular da Unicamp, a prova privilegia o apren-dizado e o que foi ensi-nado durante a formação do aluno”.

Ensino apostilado

Para o diretor do Pueri Domus, a questão do uso de apostilas de-pende de como é pensada a construção do material. “-Existem casos de apos-tilas muito bem constru-ídas, que privilegiam a visão interdisciplinar das diversas áreas”, garan-te. “-A adoção de livros é mais completa, mas também existem livros

didáticos que treinam os alunos para o vestibular. Portanto, o mais impor-tante é analisar bem qual é o projeto político peda-gógico que foi adotado (tanto para livros quan-to para apostilas) e não descartar a qualidade da informação”, salienta José Carlos.

É preciso haver sinceri-dade “-É preciso haver since-ridade por parte das es-colas”, declara Martins. “-Algumas escolas fa-zem discursos vazios so-bre o conteúdo e dizem que o aluno vai apren-der, independentemente do vestibular, mas não cumprem esse discurso. “-Outras jogam limpo e dizem que o estudan-te vai acompanhar uma apostila que vai colocá-lo na universidade pública

e pronto, sem focar o aprendizado. Aí os pais podem optar sem ter sur-presas depois”, pondera José Carlos. “-O Bandeirantes, que é um colégio tradi-cional de São Paulo, é um desses casos”, expli-ca Martins. “-O discur-so do Bandeirantes é: se você colocar seu filho aqui, ele vai passar em uma universidade pú-blica. E passa mesmo, só que na base da “bitola” do aluno”, explica. Já o Waldorf tem um discur-so completamente opos-to e investe na for-mação, mas não aprova nos vestibulares”, diz José Carlos. “-A minha opi-nião é que as melhores escolas são as que ado-tam um meio termo entre essas duas visões”, complementa.

esPeCial - eduCaÇÃo

Ensino médio: métodos e focos para a transformação

Os vestibulares das universidades públicas determinam o modelo do segundo grau no Brasil?

Em termos. Isso é especialmente verdade em relação às escolas privadas, mais voltadas para o vestibular. De qualquer forma, o Vesti-bular Nacional da Unicamp busca justamente valorizar a leitura e a articulação de idéias, evi-tando uma concepção estritamente “conteu-dista” do conhecimento. Estamos praticando este outro modelo nos últimos 20 anos.

Profº Leandro R. Tessler: Coordenador Executivo da Comvest (Comissão Permanente para os Vestibulares), órgão responsável pelos vestibulares da Unicamp:

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Luís Paulo Domingues

Com 33 anos de idade, o doutor Carlo Passe-

rotti conseguiu seu pós-doutorado em robótica pela histórica Universi-dade de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos. Antes disso, cur-sou a graduação, especializando-se em cirurgia geral e em uro-logia, e ainda fez mestrado e doutorado pela Escola Paulista de Medicina “ - C h e -guei à robótica através de uma técnica chama-da laparosco-pia, que são as operações minimamente invasivas”, conta Passe-rotti. “-Naquela época,

em 2001 e 2002, o dou-tor Miguel Srougi trouxe o primeiro robô para ser usado em medicina no Brasil. Ele era titular da Escola Paulista de Me-dicina - hoje é titular da

disciplina de urologia do Hospital das Clínicas (Fa-culdade de Medicina da

USP) -, e, através de do-ações, comprou o equi-pamento para a institui-ção. Era apenas um braço mecânico que segurava uma câmera, onde o mé-dico podia olhar enquan-

to operava, mas já foi o bastante para que eu me interessasse muito pela

área”, frisa Carlo. Passerotti destaca que sua especialidade é a mais desenvolvida em termos de robótica, o que explica sua paixão pelo assunto. “-A alta ocorrên-

cia de câncer de próstata gerou a necessidade de cirurgias minimamente invasivas, que trazem me-lhores resultados. No ano passado, nos EUA, 62% das prostatectomias (ci-rurgias de próstata) foram feitas com robôs. Espera-se que neste ano essa por-

centagem suba para 80%. Além disso, eu sempre gostei de tecnologia, en-tão, para mim, era uma parceria perfeita”, conta. O doutor Carlo Passerotti se aplicou tan-to nos estudos, que foi o primeiro aluno da Escola Paulista de Medicina a ser autorizado a fazer o mes-trado durante a gradua-ção. Ele explica que ela-borou um novo método de diagnóstico de câncer na bexiga, o que lhe ga-rantiu essa regalia. “-Então, depois do doutorado, eu ganhei uma bolsa da CAPES para fazer o pós-doutorado em Harvard, entre julho de 2005 e setembro de 2007”, explica. “-Minha tese foi em cirurgia robó-tica, e durante o curso fui contratado para trabalhar lá”, explica Passerotti. A partir dessa época, o mé-dico começou a publicar seus trabalhos próprios, 27 dos quais editados nas revistas especializadas norte-americanas em um período de três anos.

Médicos e robôs: o futuro das cirurgiasIntegração entre homem e robô abre nova área de atuação na medicina

esPeCial - MediCina

Futuro promissor

Segundo o doutor Passerotti, o futuro da ro-bótica já está garantido dentro das práticas e do cotidiano da medicina. “-A laparoscopia ainda é uma realidade mais pre-sente, mas o uso de robôs vai se difundir cada vez mais e se espalhar pelas diversas áreas da medici-na”, garante. Ainda segundo Passerotti, como todas as inovações tecnológicas, as pessoas mais abastadas têm acesso maior à ci-rurgia robótica. “-Porém, a tendência é que os pa-cientes do SUS também sejam privilegiados. O Doutor Miguel Srougi, por exemplo, através de doações, deve trazer ro-bôs para o SUS, no Hos-pital das Clínicas, já no próximo ano”, comenta. “-O natural é que ve-nham mais doações,

que a cirurgia robótica seja implantada em ou-tras cidades e chegue a mais pessoas através do Estado. Mesmo assim, trata-se de uma cirurgia cara; só de material, uma operação urológica que usa robôs custa mais de 4 mil dólares”, salienta.

E a figura tradicio-nal do médico? O médico que pre-tende se especializar em cirurgia robótica deve es-tar ciente de que estudará programação e tecnolo-

gia. “-É preciso fazer cur-sos para entender e operar o equipamento. Em uma cirurgia urológica com robôs, eu opero um joys-tick, como os de vídeoga-me”, conta Carlo. “-Hoje o médico ainda tem con-tato físico com o pacien-te, mas no futuro os robôs terão até sensação tátil, o que vai afastar ainda mais o médico e colocar a má-quina no cerne da ques-tão”, explica. “-Porém, o papel e a importância do médico sempre estarão garantidos, pois existe o diagnóstico, que é fun-

damental, e não pode ser feito por um robô”, expli-ca Carlo. Sobre a questão do status conferido tradi-cionalmente ao médico, Passerotti diz que ele diminuiu nos últimos tempos, desde a populari-zação dos planos de saú-de, e também com o sur-gimento de novas pro-fissões. Porém, segundo Passerotti, ainda é uma opção que compensa. “-Um médico não corre o risco de ficar desem-pregado. Sempre haverá emprego”, conclui.

A Tecnologia avançada é a grande ferramenta da medicina moderna

Dr Miguel Srougi, Dr Hiep Nguyen e Dr. Passerotti

Escola Pública

O Doutor Carlo Passerotti é de Bauru, interior de São Paulo, e estudou durante a infância e parte da adolescência em escola pública. Ele diz que a opção pelo ensino público foi de seus pais, por causa de um professor muito bom e de uma diretora que trabalhavam no Colégio Mercedes Paz Bueno, perto de sua casa. Passerotti afirma que era uma boa escola e que ela lhe garantiu a base necessária para o segundo grau, cursado em uma escola particular. Voluntariado

O doutor Carlo Passerotti trabalha hoje em sua clínica, em São Paulo, e na equipe do Doutor Miguel Srougi. Além disso, atende meio período como professor assistente voluntário no Hospital das Clínicas e no Hospital Brigadeiro, também na capital do Estado de São Paulo. Para conferir imagens em vídeos de procedimentos cirúrgicos com robôs, acesse o site www.pedsrobots.com

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erik Satie nasceu em 17 de Maio de 1866,

na região da Normandia, França. Sua mãe morreu quando ele tinha 7 anos. Seu pai, Jules Alfred Sa-tie, francês, foi morar em Paris e Erik foi criado por seu tio boêmio, Adrien Satie. Aprendeu piano na cidade de Honfleur e mudou-se para a capital francesa em 1878. Com 14 anos, ingressou no Conservatório de Paris, onde foi depreciado pelos professores, sendo consi-derado medíocre, pregui-çoso, imprestável e sem o menor senso de ridículo. Foi morar em um pequeno quarto de hotel. Tornou-se pianista na casa Chat Noir (onde se apre-sentou ao gerente como sendo “gymnopedista”) e Auberge du Clou, onde conheceu Debussy, que viria a ser um grande mú-sico. Em 1891, influen-ciado pelo amigo Joseph-Aimé Paladan, ingressou na ordem Rosacruz, uma instituição voltada para o esoterismo, e também escreveu algumas músicas para as cerimô-nias rosacrucianas. Mais tarde, fundou sua própria igreja, “L’Eglise Métropo-litaine d’Art de Jé-sus Conducteur”, da qual era o único membro, e exco-mungava todos que discordassem dele. Em 1898 deixou seu quarto de hotel e mudou-se para um lugar mais miserável ainda, no subúrbio industrial de Paris, onde morou até sua morte. Caminhava nove quilômetros todos os dias para ir tocar em Mont-martre. Com quase 40 anos, surpreendeu a to-dos quando resolveu vol-tar a estudar. Em 1905, ingressou na Paris Schola Cantorum e estudou con-traponto e orquestração. Após 3 anos, recebeu o

diploma com a avaliação “três bien” (muito bom). Personalidade ir-reverente

Era um sujeito excêntri-co e irreverente. Além de compor, Satie também gostava de escrever e fazer caricaturas, inclusive dele mesmo. Seus escritos au-tobiográficos, Mémoires d’um Amnésique, fizeram sucesso. Escreveu tam-bém escritos em outros formatos e um livro com poemas, canções e relatos que revelam seu estilo irô-nico. Media 1,67 m. Era famoso por possuir 12 idênticos ternos cinza de veludo e fazia coleção de guarda-chuvas e cache-cóis. Detestava sol. Tinha mania de comida branca: arroz, ovo, coco, peixe, nabo, queijo, entre ou-tras. Seu único amor foi a vizinha pintora e modelo de Renoir e De-gas, Suzanne Valadon. O romance, que durou só 6 meses, começou em 14 de Janeiro de 1893 e Satie a

pediu em casamento logo no primeiro dia, mas ela acabou casando-se com outro.

Vanguarda e mú-sica de elevador Foi o inventor, jun-to com Marcel Duchamp, da música ambiente, que ele chamava de musique d’ameublement. A músi-ca sendo usada como uma mobília, para preencher o

ambiente ( hoje chamada de moozak, ou música de elevador). Segundo ele, era uma música que fazia parte dos ruídos naturais e os levava em conta, sem se impor, que tomava conta dos estranhos silên-cios que ocasionalmente caíam sobre os convida-dos, e que neutralizava os ruídos da rua. Mas as pessoas insistiam em ficar quietas prestando aten-ção à sua performance. Daí ele e Duchamp, em uma exposição, gritaram nervoso: “Falem alguma coisa! Mexam-se! Não fiquem aí parados só es-cutando!”. Na época, sua idéia pareceu uma piada. Foi também um dos precursores do mi-nimalismo, abolindo as estruturas complexas e sofisticadas, com absolu-to despojamento e sim-plicidade da forma. Seu primeiro exemplo foi a peça Vexations, uma obra formada por 32 compas-sos que se repetem 840 vezes. Foi mentor do gru-po chamado “Les Six”, uma banda de vanguarda

que reagiu contra a in-fluência do romantismo e do impressionismo na música. Esse grupo tinha a supervisão de Jean Coc-teau. Ele e Picasso foram grandes amigos. Picasso disse inclusive que Satie foi uma das influências mais importantes em sua vida. Em 1917, os dois trabalharam juntos para um famoso ballet russo. Satie compôs a música,

inovadora e original, na qual incorporou sons de máquina de escrever, si-rene e tiro de pistola, e que foi objeto de escân-dalo. Picasso cuidou do cenário e do vestuário. E Jean Cocteau escreveu o argumento. Foi quando apareceu pela primeira vez o termo surrealismo, usado por Appolinaire so-bre a peça, para descrever uma criação artística que explora o mundo dos so-nhos e do subconsciente. A palavra “surrealismo” descreveu mais tarde todo um movimento artístico e literário que viria a sur-gir. Em 1918 escreveu Socrate, drama sinfôni-co, para quatro sopranos e pequena orquestra, com textos de Platão traduzi-dos por Victor Cousin, de uma austeridade extrema. Foi sua obra prima, que marcou sua mudança de estilo e gênero. Satie era despreza-do pela maioria dos críti-cos e compositores de sua

época, que consideravam estranhas suas harmonias e melodias. De fato, não era um grande compositor e possuía poucos recursos técnicos, mas seu estilo musical, sua simplicida-de e suas harmonias ino-vadoras romperam com o romantismo da época. “Música sem chucrute!”, dizia ele. Tornou-se “cult” entre os jovens composi-tores, que eram atraídos pelos títulos bem-hu-morados de suas peças, e exerceu grande influência em seus amigos, os notá-veis contemporâneos De-bussy e Ravel, mudando assim o curso da história da música. Após anos de bebe-deira, morreu de cirrose em 1º de Julho de 1925. Em seu quarto acharam, atrás de seu velho piano, uma música que acredi-tavam perdida, que ele tinha escrito uns 26 anos antes, chamada Jack-in-the-box.

teatro | MÚsiCa | CineMa | literatura

Erik Satie: o músico do surrealO inventor da música de fundo fez de sua própria vida uma peça instigante

A personalidade encarada como um elemento artístico

Pobreza e solidão: Satie teve o mesmo fim de muitos gênios da arte

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Luís Paulo Domingues

a China fatura 3 bi-lhões e meio de dóla-

res por ano com as ativi-dades referentes ao bam-bu. 5 milhões de famílias daquele país vivem das mais de 3.500 aplicações conhecidas até hoje para essa madeira completa-mente ecológica. Além disso, mais de 1 bilhão de pessoas moram em ca-sas de bambu em todo o mundo. O Bambu é eco-lógico porque não polui o meio ambiente, e sua extração não representa a destruição das matas, pois trata-se de uma madeira que se renova em pouco tempo. “-Na verdade, o

bambu, por ser uma gra-mínea, precisa de corte para se renovar”, diz o artista plástico Paulo Sa-loni, um dos pioneiros no

estudo e utilização dessa madeira no Brasil. “-O problema é que o empre-go do bambu em nosso pais está muito aquém da capacidade. A China é o maior produtor do mundo, pois lá há uma cultura de mais de 3 mil anos de convivência com o material. Aqui na Amé-rica Latina, o Equador e a Colômbia têm um histó-rico de investimento e ex-ploração do bambu mui-to maior que o nosso, em virtude de programas de habitação pública, apesar de o Brasil ter muito mais presença desse vegetal”, explica Saloni.

Bambu sofistica-do O artista plásti-

co integra a ONG Ebio-bambu, que trabalha para a dissemina-ção do uso e da exploração do bambu no Brasil. Sa-loni salienta que é preciso desmitificar as pessoas sobre certos preconceitos quanto essa madeira: “-As pessoas têm uma ten-dência a asso-ciar o bambu

com coisas rústicas, mas ele se presta a qualquer aplicação, desde constru-ção, decoração, produção de materiais, até design de

alto padrão. Há inú-meros modos de se trabalhar o bambu e algumas empresas que lidam com o público de alto po-der aquisitivo, mes-mo aqui no Brasil, já estão comprando e incentivando a pro-dução de materiais finos feitos de bam-bu”, explica. “-Além disso, pensa-se que o bambu é um ma-terial fraco, mas no Japão ele já é usado como viga de con-creto para prédios de até 4 andares.” Saloni mos-trou um CD com imagens de cente-nas de situações em que a gramínea é usada. A Tock Sto-ck, por exemplo, referência em mó-veis e decoração de alto padrão, comer-cializa luminárias e móveis projetados e produzidos inteira ou parcialmente de bambu. Pranchas de surf, bicicletas, pisos para casas e até uma residência imensa em um condomínio fechado no Equador foram outras aplica-ções interessantes re-tratadas nas imagens do CD de Saloni.

Correndo con-tra o tempo

“-Dois moti-vos pelos quais nós não podemos demo-rar para desenvol-ver uma cultura do bambu no Brasil são o esgotamento do mate-rial na China e o fato de a América do Sul possuir um terço do bambu de todo o mundo”, enfatiza o artista. Ainda segundo Saloni, o bambu já sofre uma industrialização pe-sada em todo o planeta. Trinta por cento do papel do planeta já é feito de bambu. Basta, agora, di-recionar a produção para todas as outras áreas em que essa madeira se encai-xa.

Saloni ministra pa-lestras sobre a importância da utilização do bambu para o meio ambiente e para a sociedade (leia-se principalmente “empre-gos”), além de desenvol-ver um projeto piloto no distrito de São Fran-cisco Xavier, pertencente a São José dos Campos, para a difusão da cultura do bambu na mentali-dade da população local e para formação de coo-perativas que trabalhem essa madeira.O bambu também é eco-

logicamente correto por-que tem dez vezes mais biomassa que as outras madeiras, polui muito menos ( produz 25% a mais de calor) se usado como carvão, pode ser uti-lizado para limpar a água e as encostas dos rios, é um anti-bactericida natu-ral e faz mais fotossíntese, gerando 20% a mais de oxigénio.

Bambus All, arte em bambu: http://www.ebiobambu.com.br

esPeCial - Meio aMBiente

Bambu: a madeira do novo milênioPraticamente tudo o que o homem utiliza pode ser feito de bambu, um material completamente ecológico

Alguns exemplos das inúmeras aplicações que o bambu proporcionaNossa opinião

Nesta época em que o mundo procura alternativas ecológicas para a questão do meio-ambiente, é importante observar o quanto essa questão é enviesada por governos (inclusive o nosso) que querem impor uma dicotomia entre a questão do petróleo e do biodiesel como únicas alternativas ambientais. A aparente vantagem do bio-combustível, tanto alardeada pela grande imprensa e pelo governo, ignora o problema do latifúndio, os impactos ambientais e os arcaicos grupos econômicos que estão por trás dessa produção. Soluções como o bambu não podem ser ignoradas.

Outras aplicações

-pontes (inclusive para passagem de carros),-telhas,-bebidas,-alimentos,-remédios,-contenção de encostas de rios,-mobiliários,-sustentação para lajes,-barracas,-stands comerciais,-utensílios domésticos,-acessórios para roupas,-álcool,-óleo,-mata ciliar.-divisórias de casas ou escritórios.

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Luís Paulo Domingues

a energia nuclear, ao contrário do que

avalia o senso comum, é considerada uma energia limpa. Outras for-mas de produção energética, como o petróleo, as usi-nas hidrelétricas e térmicas poluem muito mais o meio ambiente no dia-a-dia e em condições normais. O proble-ma é que um aci-dente nuclear causa uma destruição avas-saladora para a natureza e para o homem. Foi assim há vinte e dois anos, na madruga-da do dia 26 de Abril de 1986. Um dos reatores da usina de Chernobyl, na Ucrânia - então república soviética - explodiu depois de um teste de segurança mal sucedido, matando dezenas de funcionários e liberando toneladas de material radioativo na atmosfera. A radioativi-dade provocou terríveis consequências, chegando a atingir até países euro-peus longínquos, como Noruega e Inglaterra. Os países mais afetados, no entanto, fo-ram Ucrânia, Bielorrús-sia (hoje Belarus) e Rús-sia. Grandes áreas dessas nações sofreram muitos danos por causa da ra-

diação, o que provocou a evacuação de mais de 200 mil pessoas, que tiveram que deixar suas casas e empregos para morar em regiões distantes da con-taminação. Para muitas

delas foi tarde demais. A incidência de câncer na região é uma das maiores do mundo, desde o aci-dente. A explo-são liberou a maior parte da radiação nos primeiros dias depois da ex-plosão, mas os escombros do reator continua-ram a emanar a fumaça tóxica, até que as equi-pes do governo construíram um “sarcó-fago” que selou o restante do material sob toneladas de cimento. As estatísticas de Chernobyl não são e nun-ca serão precisas, pois o governo soviético escon-deu o acidente da comu-

nidade internacional e da própria população por dias. Não se pode, ain-da hoje, calcular quantas pessoas morrerão de cân-cer por terem ficado ex-postas. O Kremlin só di-

vulgou a tra-gédia depois que países da Escandiná-via entraram em alerta por causa dos ní-veis de radia-ção muito s u p e r i o r e s aos normais

- Dinamar-ca e Suécia eliminaram a possibilidade de um aci-dente interno e, pela di-reção dos ventos, deram o alarme para o mundo.

No mesmo momento, um satélite que passava sobre a Ucránia fotogra-fou a usina de Chernobyl com um de seus reatores destruído, sem a cúpula superior, lançando fuma-ça na atmosfera. Só então é que o

Secretário Geral do Par-tido Comunista e Presi-dente da União Soviéti-ca, Mikhail Gorbachev, apareceu na TV e leu a notícia estarrecedora. A demora do Kremlin para anunciar o desastre e to-mar atitudes de salvamen-to foi determinante para o aumento do número de incidência de mortes nos dias que se seguiram à ca-tástrofe e, por câncer, nos anos seguintes. As áreas rurais e urbanas próximas a Cher-nobyl se tornaram locali-dades fantasmas. Vídeos feitos anos depois do aci-dente mostram que a po-pulação não levou abso-lutamente nada consigo, pois roupas, brinquedos,

objetos e utensílios domésticos também es-tavam con-taminados. Uc r â n i a , Bielorrús-sia e Rússia gastam, até hoje, pesa-das somas

com a des-contaminação das áreas atingidas. As equipes sovié-ticas de resgate e as que foram designadas para limpar o lixo tóxico e construir o “sarcófago” em torno do reator foram praticamente dizimadas

pelas doenças decorren-tes da exposição. A flora e a fauna também sofrem com a radiação. Os ani-mais da região nascem frequentemente deforma-dos e as árvores apresen-tam anomalias. Mesmo com a construção da imensa redoma de concreto em volta do reator, a possibi-lidade de vazamento não está descartada. Os espe-cialistas designados para monitorar os restos do reator já percebem que a velocidade de corrosão do concreto em Cherno-byl é muito grande e que pequenas rachaduras já começam a aparecer e po-dem, no futuro, liberar o lixo radioativo que está lá dentro. Vinte e dois anos após o maior acidente da história, a comunidade internacional e todos os órgão competentes para discutir o assunto ainda têm muitas dúvidas e re-ceios sobre a energia nu-clear. A truculência das nações mais poderosas impede que tenhamos uma visão isenta e segura do que representa a pro-dução de energia nuclear no planeta, bem como de seus reais benefícios e pe-rigos. De concreto, te-mos apenas o legado de Chernobyl.

Em 1972, pesqui-sadores norte-americanos trabalharam com plasmí-deos bacterianos, tentando isolar genes manipulando enzimas de restrição. Em 1977 obteve-se pela pri-meira vez a síntese de uma proteína humana por uma bactéria transformada. A insulina foi a pri-meira proteína humana produzida por engenharia genética em células de bac-téria e aprovada para o uso em humanos. Antes dessa experiência, a fonte desses hormônios para tratamen-to do diabetes eram os pân-creas extraídos de bovinos e suínos.

Porém, a insuli-na extraída desses animais causava problemas alérgi-cos no paciente. Já a insuli-na produzida por bactérias transformadas é idêntica à do pâncreas humano e não causa efeitos colaterais alér-gicos, devendo substituir em definitivo a insulina animal. Uma forma de clo-nar um segmento de DNA é introduzi-lo no cromos-somo de uma bactéria. As bactérias possuem um DNA principal e um pe-queno DNA circular, o plasmídeo, que pode dupli-car-se independentemente do DNA principal. Com o

auxílio de uma enzima de restrição, é possível abrir o plasmídeo e introduzir nele um fragmento de DNA de uma célula humana res-ponsável pela produção de insulina. Depois que recebe o novo fragmento de DNA extraído de uma molécula de insulina, o plasmídeo torna-se um DNA recom-binante. Ou seja, uma molécula formada pela as-sociação de duas ou mais moléculas de DNA são encontradas na natureza e são introduzidas na bacté-ria que passa a produzir a insulina humana, que são hormônios secretados por

células pancreáticas que controlam a utilização da glicose pelas células. Quando a bactéria se reproduz, o DNA recom-binante também se duplica, passando cópias de DNA para as “bactérias-filhas”. O conjunto de moléculas de DNAs idênticos, obtido através da replicação da cé-lula bacteriana transforma-da, constituiu um caso de clonagem molecular.-Questão: Sabemos que as pessoas hemofílicas são desprovidas do fator VIII, ligado ao cromossomo X, que desencadeia os fatores de coagulação presentes no plasma sanguíneo.

Um dos tipos mais graves é a hemofilia A. O alelo (gene) normal H produz o fator VIII funcional e atua como dominante condicionando o fenótipo não hemofílico; o alelo mutante h, recessivo, condiciona a ausência do fator VIII, causando a hemofilia. Usando-se a técnica utilizada na obtenção da insulina humana por meios de bactérias, quais os procedimentos a serem realizados em uma possível produção do fator VIII para terapia de pessoas hemofílicas?Luis Carlos Bernardes é professor de biolo-gia

esPeCial - Meio aMBiente

Chernobyl: 22 anos depois, uma reflexão Maior acidente nuclear da história, Chernobyl proprõe debate perpétuo sobre energia nuclear

Questão de Biologia: Clonagem Luis Carlos Bernardes

Atmosfera lúgubre: a placa indica a causa das mortes

Chernobyl é uma cidade fantasma há mais de 22 anos

Page 12: Folha do Estudante nº2

12 folha do estudante 2008

Luís Paulo Domingues

No universo educa-cional, é comum

que os profissionais se deparem com a queda de rendimento dos alunos a partir do mês de Outu-bro. A Folha do Estudan-te procurou responder al-gumas dúvidas sobre esse possível fenômeno. Existe mesmo uma síndrome de Outubro? O que causaria a queda de produção dos alunos e dos professores nessa época do ano?

A Doutora Marisa Meira é professora de psi-cologia da educação no departamento de psico-logia da Unesp (Campus Bauru). Para ela, o nome “síndrome de Outubro” não é muito adequado para esse fenômeno hipo-tético. Hipotético porque, segundo a professora, não há nada que embase cien-tificamente a tal queda de produção nas escolas em Outubro. “-Acredito até que haja uma queda de rendi-mento em Outubro, mas isso não deve ser tratado como uma síndrome, pois esse nome acaba fazendo parte de uma grande ten-dência atual que as pesso-as têm de “medicalizar” as ações humanas”, explica. “-Ou seja, se a pessoa está triste, é depressão; se o

aluno é bagunceiro, tem hiperatividade (e dá-lhe ritalina - remédio receita-do para a doença); se di-minui o rendimento em Outubro, está com sín-drome de Outubro. Por isso, mesmo que se trate

de um apelido, devemos utilizá-lo com cuidado”, explica Marisa. A professora diz que hoje é comum a mí-dia “naturaliza” as ações humanas. “-Do ponto de vista científico-psico-lógico, nada no homem é natural. Tudo tem uma

relação com o meio, com o social”, define Marisa. “-Portanto, o que deve-mos fazer para entender o fenômeno é perguntar o que produz essa queda de rendimento. E pelo me-

nos em princípio, cien-tificamente, não há nada que explique, ou mesmo suporte essa tese”, define ela. Marisa argumen-ta, dizendo que em Fe-vereiro, logo no início

das atividades escolares, o rendimento dos alunos é tão ou mais baixo que em Outubro. “-Mas aí, de acordo com a tendência de naturalizar a questão, todos dizem que se trata do período de adaptação. Ou seja, podemos ana-lisar todos os meses do

ano e perceber que há di-ficuldades em questão ao rendimento de alunos e professores”, garante ela. Marisa enfatiza a importância da contex-tualização na hora de se

estudar um problema. “-Todos os fenômenos são produzidos por práticas e relações. Realizamos um estudo com as quartas-sé-ries e as quintas-séries de colégios públicos. Através de depoimentos dos pro-

fessores, notamos que o senso comum dizia que os alunos das quartas-séries eram muito bons e os da quinta-série, péssimos”, conta Marisa. “-Porém, o pesqui-sador não pode enxergar isso como algo natural, que “já se espera” de uma

ou outra série. A quinta-série é um momento de ruptura na vida daquela pessoa. Até Dezembro ela era tratada como uma criança, tinha apenas uma professora, que geralmen-te chamava de “tia”. Dois meses depois, sua rotina muda completamente, ela começa a ter que se orga-nizar entre vários profes-sores, vários cadernos e livros diferenciados, e até os pais passam a cobrar mais dela, pois ela agora “já é crescida””, teoriza Marisa.

Particular ou co-letivo

Segundo a doutora Marisa, assim como todos

os problemas, o fenôme-no de Outubro, se existe, pode ser um problema isolado, determinado pe-las relações de uma escola específica, ou um proble-ma coletivo, inerente a todas as escolas. “-É interessante que as escolas, particular ou coletivamente, estu-dem um modo que pro-porcione o alto desempe-nho o ano todo e isso se consegue (ou parte disso) investigando as interações das práticas e relações da instituição”, define. “-Para isso, deve-se levar em conta todos os quesi-tos, humanos e materiais, que edificam tal institui-ção”, diz Marisa.

Baixo rendimento versus exigência na escola

Marisa também lembrou que o baixo ren-dimento observado nas escolas de hoje é um re-flexo do próprio estilo de vida dos alunos. “-Há uma desarticulação entre o ritmo de vida do jo-vem e o ritmo da escola. A escola exige concen-tração nos assuntos que são abordados, a vida dos jovens de hoje demanda exatamente o contrário: a desconcentração das ati-vidades. Além da escola, há o judô, o balé, o in-glês, o violão e uma gama imensa de atividades que não deixam muito espaço para o direcionamento de energia e de intelecto que a escola exige”, explica a professora. “-Porém, não va-mos nos iludir. A capaci-dade de um estudante só se desenvolve com es-tudo e concentração. E a escola tem que cobrar mesmo essa c oncentra-ção. Pois é na escola que podemos produzir essa condição”, conclui a professora.

esPeCial

Síndrome de Outubro: míto ou verdade?Por que o desempenho de alunos e professores cai em Outubro?

O Grito: célebre obra de Edvard Munch traduz muito da ansiedade que atinge os estudantes

“A capacidade de um estudante só se desenvolve com estudo e concentração. E a escola tem que cobrar mesmo essa concentração. Pois é na escola que podemos produzir essa condição”,

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2008 folha do estudante 13

De tanto perder para o pai e o irmão mais

velho, o estudante Allan Maikel Pereira Duarte decidiu, ainda com 11 anos, que iria aprender realmente as técnicas do xadrez. Ele já sabia as re-gras rudimentares, desde que o jogo foi implantado na terceira série da escola pública Torquato Miot-to, em Bauru-SP, onde estudava, como parte do programa da disciplna de matemática. “-Na época, os pro-fessores substituíram duas aulas de matemática por duas de xadrez, como for-ma de estimular a atenção e a concentração dos estu-dantes”, conta Allan. “-A partir da quinta série, eu comecei a estudar no Er-nesto Monte, que é outra escola pública da minha

cidade e que também es-timula a prática desse es-porte. Meu pai tinha ga-nhado de mim trinta vezes seguidas usando a mesma jogada: o xeque do pastor. Foi aí que eu resolvi que não queria mais perder as partidas contra meu pai e meu irmão”, comenta. Duarte se inscre-veu na escolinha do BTC (Bauru Tênis Clube), onde começou a aprender

as técnicas mais avançadas e a estudar o xadrez com disciplina e dedicação. O enxadrista começou então a disputar campeonatos e a colecionar títulos im-portantes no panorama nacional do xadrez. “-Só neste ano eu já fui campeão da pri-meira etapa do Circuito Estadual, em Botucatu-SP, fui vice-campeão do torneio do SESC, fiquei em terceiro por equipes nos Jogos Regionais da Juventude, também em terceiro na primeira divi-são dos Jogos Regionais e em oitavo lugar no Cam-peonato Brasileiro, que foi disputado em Poços de Caldas - MG”, conta Allan. Além disso, Allan disputou o Campeonato Panamericano de xadrez, no final de Setembro -

que este ano também foi disputado em Minas Ge-rais -, com a presença de enxadristas de diversos países, e ficou com a dé-cima primeira colocação.

Futuro no xadrez Duarte, agora com 17 anos, não se ilude fa-cilmente com a perspecti-va de um futuro promis-sor no xadrez. “-No Bra-sil, só agora o xadrez está

sendo mais visto e tendo uma certa popularidade”, conta. “-Mas é quase im-

possível viver desse esporte. Eu sei que vou continuar a me aperfeiçoar e não vou parar de jogar, mas quero ter uma carreira paralela para me garan-tir. Vou prestar Administração e Sistemas de Informação no final do ano”, explica. “-Alguns jo-gadores do topo do ranking bra-sileiro já conse-guem conquistar uma certa res-posta financeira com o xadrez. Tem um grupo de enxadristas que está dispu-tando torneios

na Europa. Foram em Agosto e ficarão até Novembro”, conta Allan. “-A equipe de Jaú contra-tou recentemente oito jo-gadores de fora e paga salários que são com-plementa-dos por pa-trocínios. Mas mes-mo esses

líderes do ranking costu-mam ter atividades para-lelas”, complementa. Porém, Duarte já está atraindo a atenção dos patrocinadores. “-Até agora eu precisava recor-rer ao meu pai, à família e amigos para ir a algum torneio fora. Mas a pro-fessora Elcy Papassoni me levou à fábrica da Everest, aqui em Bauru, e eu con-segui o patrocínio do sa-bonete Nip’s”, conta ele. “-Agora eu já tenho as despesas dos campeonatos pagas”, completa Allan.

Xadrez estimula es-tudo Especula-se muito sobre a capacidade que a prática do xadrez tem para estimular a concen-tração dos alunos e assim elevar seu desempenho na escola, principalmente em matemática. Pelo me-nos com Allan parece que está funcionando. “-Nes-te ano, todas as notas no meu boletim estão acima de 8”, declara ele. “-Eu li

em uma revista eletrônica da Romênia que o xadrez costuma melhorar no mí-nimo 20% o desempenho dos alunos em todas as disciplinas”, conclui. O difícil deve ser arranjar tempo para es-tudar as disciplnas da es-cola, já que Allan garante que estuda xadrez por 4 horas diárias regularmen-te e 6 horas em épocas de torneio. fale com a redação [email protected]

esPeCial

Xeque mate: um campeão no xadrez e na escolaAluno de escola pública é revelação no xadrez e nos estudos Luís Paulo Domingues

O enxadrista bauruense já conquistou diversos títulos importantes.

Allan e seu técnico, Paraíba, treinam antes de jogo no Panamericano.

A Folha do Estudante perguntou a Allan se agora ele já consegue resultados melhores contra o pai e o irmão: “-Não sei! Faz seis anos que eles não querem mais jo-gar comigo.”

No ano passado, Allan também parti-cipou de um desafio difícil para qualquer jogador. Disputou quinze partidas si-multâneas contra quinze adversários diferentes ao mes-mo tempo. Os jogo aconteceram duran-te a semana cultural do colégio Ernesto Monte. O placar? 15 X 0 para ele.

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14 folha do estudante 2008

Carlos D’Incao

Parte 2

as antigas relações de Cuba com as Treze

Colônias e com os Esta-dos Unidos, entretanto, haviam se convertido em uma dependência econô-mica crescente nas qua-tro décadas anteriores, e a intervenção militar ha-via propiciado e imposto uma completa subordina-ção neocolonial que de-formou e limitou a repú-blica até 1959. A burguesia de Cuba se submeteu a essa dominação imperialista colaborando ativamente com a mesma, que con-fluía com seus próprios interesses. O imperialis-mo americano passou a exercer um domínio mais abrangente sobre o povo cubano. O avanço do capitalismo imperialista fechou o acesso à terra para a maioria dos traba-lhadores e famílias rurais e manteve o trabalho sub-metido ao capital. O país passou a ser ocupado por tropas nor-te-americanas e se esta-beleceu um governo pro-visório encabeçado pelo general John R. Brooke, que permaneceu no poder até 20 de maio de 1902, quando toma posse o pri-meiro presidente eleito do país, Thomas Estrada Pal-ma, do Partido Revolu-cionário Cubano (PRC), fundado por José Martí em 1892. A Constituição de 1901 consagrou um siste-ma político representati-vo, mas não contemplou conquistas sociais. Além disso, os Estados Uni-dos impuseram a ela um apêndice, a Emenda Platt, que legalizava seu direito de intervir em Cuba se o considerassem necessário. As tropas norte-america-nas abandonaram Cuba em 1903, um ano após

terem imposto a Emen-da Platt, que estabeleceu bases permanentes para relações bilaterais:

“Que o governo de Cuba permita que os Estados Unidos exerça o direito de intervir no sentido de preservar a independência cubana, manter a forma-ção de um governo ade-quado para a proteção da vida, da propriedade, da liberdade individual. Que, a fim de au-xiliar os Estados Unidos a sustentar a independência cubana, e para proteger a população dali, tão bem como para sua própria de-fesa, o governo de Cuba deverá vender ou alugar terras aos Estados Unidos, necessárias para a extração de carvão para linhas férreas ou bases na-vais em certos locais especifi-cados de acor-do com o presi-dente dos Esta-dos Unidos.”

A nova h e g e m o n i a teve que dar os lugares principais da política aos antigos in-surretos e re-conhecer o nacionalismo como ideo-logia dominante, embora no fim predominassem os sentimentos de frustração e de incapacidade para o governo autônomo. Depois da recons-trução do país deu-se um novo avanço na eco-nomia açucareira, com um enorme investimento de capital estadunidense. Mas o modelo de exportador de açúcar não refinado se esgotou pouco antes da crise de 29, e a combinação des-ses dois fatores derrubou os preços e o volume da exportação, o emprego

e a qualidade de vida. A reversão para um governo autoritário, iniciado em 1925, degenerou, enfim, para uma ditadura mili-

tar. O país se levantou, então, em uma nova revo-lução (1930-1935). Des-sa vez, as principais ações foram de estudantes e tra-balhadores, e o antiimpe-rialismo, a justiça social, a democracia e o socialismo se colocaram no centro das motivações políticas e sociais. Em 12 de agosto de 1933, a ditadura foi derrotada. A revolução rechaçou o intervencio-nismo ianque e um gover-no que durou quatro me-ses enfrentou os Estados Unidos, destituiu a oficia-

lidade do Exército, com-bateu a contra-revolução e promulgou numerosas leis sociais avançadas. A rebelião popu-

lar só foi controlada por meio do golpe de janeiro de 1934 e por dois anos de repressão desencadea-da por uma coalizão rea-cionária, subordinada ao imperialismo. Anos de ditadura e legalidade ma-nipulada, entretanto, ser-viram - segundo muitos estudiosos - como uma etapa de transição. A Revolução de 1930 acabou com a velha ordem republicana, exigiu e obteve mudanças notá-veis no sistema político, no papel do Estado, na organização da sociedade, na confiança do governo

autônomo, nas idéias e nas relações com os Es-tados Unidos, o que nos permite afirmar que, den-tro desse período, uma segunda república nasceu em Cuba.

A Constituição de 40 e o continuís-mo

Essa república, contudo, com o desfecho de 1935, continuou sen-do burguesa e neocolo-nial, pois não afetou nada que fosse essencial para o domínio capitalista. Ape-nas na Constituição de 1940 é que observaremos a consolidação das con-quistas políticas e sociais da Revolução de 1930. Implantou-se nessa nova carta uma ordem ju-rídica mais desenvolvida, um Estado mediador en-tre as classe e interventor na economia, um sistema político de democracia representativa e partidos pluriclassistas de real al-cance nacional, liberdade de expressão e associação, permitindo a prolifera-ção de idéias socialistas e avançadas. Porém, mesmo dentro de uma conjun-tura aparentemente mais democrática e popular, a

esPeCial

Cuba: Invasão norte-americanaEstudo aprofundado percorre a história da ilha de Fidel em quatro partes

O culto à pátria e aos heróis nacionais é onipresente nas paisagens cubanas

Imagem de um dos muitos protestos da população contra a interferência dos EUA

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2008 folha do estudante 15

segunda república mante-ve a sujeição neocolonial ao imperialismo e nunca conseguiu realizar uma reforma agrária popular e nem lançar as bases para um projeto desenvolvi-mentista nacional. Nela se mantiveram níveis gi-gantescos e permanentes de desemprego, serviços sociais muito deficientes e de cobertura parcial e uma corrupção admi-nistrativa enorme. Com uma altíssima proporção de organização sindical urbana, no campo o tra-balho era superexplorado e reinava a falta de servi-ços públicos da mesma forma como se abundava a miséria. Havana era “a Pa-ris do Caribe”, mas com bairros marginalizados e milhares de analfabetos. Metade das crianças em idade escolar não ia à es-cola, e a gastroenterite e a tuberculose grassavam entre os pobres.

A Revolução. Os anos 50.

Em março de 1952, um golpe militar rompeu a institucionalidade a oi-tenta dias das eleições presidenciais que projeta-vam a vitória do Partido Ortodoxo, em que o povo tinha depositado grandes esperanças de mudanças positivas. A quartelada colocou no poder Ful-gêncio Batista que, entre 1934 e 1944, foi o chefe da contra-revolução, dita-dor e presidente. A classe dominante e os Estados Unidos apro-varam o governo de um grupo de aventureiros, confiantes de que repri-miriam o povo e fariam retroceder os ideais de mudança. O país repu-diava a ditadura, mas não parecia ter saídas. Dessa conjuntura surge uma nova geração revolucionária que tenta-rá repudiar pelas armas a ditadura nascente. Esses

revolucionários planeja-ram o assalto ao Quartel Moncada, em Santiago de Cuba, em 26 de julho de 1953 e fracassaram mise-ravelmente: dezenas de jovens foram assassinados e seu líder, Fidel Castro, junto com vinte sobrevi-ventes, foram condenados à prisão. Dois anos mais tarde, aqueles mesmos jo-vens – anistiados depois de uma forte campanha popular – e outros revo-lucionários fundaram o Movimento 26 de Julho, uma organização de luta armada clandestina, com o objetivo de desenvolver uma insur-reição, jun-tar as massas e tomar o poder para realizar uma profunda re-volução. Ao movimento e s tudan t i l somaram-se trabalhado-res da cidade e do campo, além de de-s emprega -dos. Juntos, desencade-aram o pro-testo popular e as lutas de massas entre 1955 e 1956, que visavam des-mascarar as jogadas polí-ticas aparentemente legais de um governo ilegítimo e repressor. Criava-se um contexto potencial de re-belião.

A vitória da Revo-lução de Fidel

O MR – 26 de julho, dirigido por Fidel Castro, organizou-se em todo o país, enquanto no México preparou-se a ex-pedição do iate Granma, que chegou ao leste de Cuba em 2 de dezembro de 1956. Começou en-tão um enfrentamento de guerrilhas em Sierra Ma-estra e uma luta de ações

e resistência clandestinas em todo o país. O assalto ao palá-cio presidencial por um comando da organização do Diretório Revolucio-nário, a insurreição dos marinheiros e do povo em Cienfuegos e a greve geral em abril de 1958 fo-ram três episódios iniciais dessa luta. Nesse ínterim, o Exército Rebelde conse-guiu se consolidar, domi-nar a montanha, vencer combates, construir sua base de população rural, formar colunas, invadir outras zonas do leste, até se transformar na espe-rança do povo e dos luta-

dores do país. Fidel tornou-se o líder da insurreição. Em maio, a ditadura lançou sua maior ofensiva con-tra a Sierra Maestra, mas durante o verão de 1958, os rebeldes derrotaram-na em uma sucessão de gran-des combates. Durante uma intensa última fase de quatro meses, os rebel-des dominaram o campo do leste da ilha e divulga-ram com meios próprios os seus feitos armados e as posições revolucioná-rias, invadiram o centro do país, atraíram o apoio de enormes setores à in-surreição e lançaram uma grande ofensiva final que derrubou a ditadura em 1 de janeiro de 1959. Esse novo poder e o povo puseram abaixo

toda a ordem de domi-nação interna e de sujei-ção neocolonial que havia regido o país e afastaram a idéia de que aquela or-dem pudesse voltar. Em três anos, mil leis trans-formaram as instituições e as relações fundamentais, colocando-as a serviço da população, entre elas a agrária, o sistema polí-tico, o sistema repressivo, a produção e as empre-sas, a moradia, o sistema bancário, o comércio, a educação, a saúde, a pre-vidência social, os meios de comunicação, os mu-nicípios e muitas outras esferas.

Mas não eram as leis o essencial, e sim a atividade sintonizada de um novo poder popular e as mobilizações de massa praticamente permanen-tes, cada vez maiores, que mudavam as relações e as instituições sociais ao mesmo tempo em que se transformavam. O imperialismo não aceitou uma Cuba independente depois de um século e meio ten-tando engolí-la e após sessenta anos de domina-ção neocolonial. Seu apa-rato agressor se propôs a estrangular a economia cubana desde 1960. En-quanto isso, organizou-se uma violência crescente, desde sabotagem e ter-rorismo até uma invasão pela praia de Girón (Baía

dos Porcos), em abril de 1961, que foi esmagada em três dias pelas Milícias e Forças Armadas Revolu-cionárias. Na véspera da in-vasão, Fidel declarou que Cuba era socialista. Os Estados Unidos, contra-riando o direito inter-nacional, determinaram um bloqueio econômico contra Cuba que dura até os dias atuais, apesar do repúdio mundial. A de-fesa da revolução se con-verteu em uma atividade vital, mas ao mesmo tem-po também eram vitais as mudanças mais radicais na economia, redistribui-ção da riqueza nacional e uma revolução educacio-nal. Cuba e União So-viética entabularam vín-culos de defesa e de in-tercâmbios comerciais que resultaram em man-timentos básicos para o país. O caráter socialista de libertação nacional da Revolução Cubana apro-ximou os dois países, mas também introduziu Cuba no conflito geopolítico mundial da guerra fria. Os Estados Unidos avan-çaram para uma agressão direta e Cuba tensionou todas as suas forças, per-mitindo que a União So-viética instalasse mísseis nucleares na ilha. Em outubro de 1962, instalou-se uma crise que pôs o mundo à beira da guerra nuclear (A crise dos mísseis). A nação inteira enfrentou a amea-ça estadunidense sem ce-der um milímetro, mas a União Soviética e os Esta-dos Unidos pactuaram às suas costas a retirada dos mísseis. A intransigência revolucionária, a unidade nacional, a fé na vitória e a confiança nas próprias forças foram lições das jornadas daqueles anos, aprendidas pelo povo e por seus dirigentes.

Carlos D'Incao é Professor de História

esPeCial

Arquitetura colonial conta a história da ilha e é grande atração turística

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16 folha do estudante 2008

Pedro D’Incao

Mais do que nunca, há em nossa sociedade

uma estranha crença de que saber matemática e ciência é tarefa apenas daqueles pro-fissionais de áreas correla-tas. E insistimos nessa idéia mesmo sendo diariamente bombardeados com dados numéricos sobre aqueci-mento global, índices de desemprego, de inflação, de doenças, estatísticas sobre preferências dos consumi-dores, dos telespectadores, sobre candidatos a cargos públicos, e tantas outras controvérsias. Devemos tomar mui-to cuidado, pois os números não nos mostram apenas quantidades; eles associam e agregam idéias, valores e podem facilmente induzir a uma linha de raciocínio equivocada. A exatidão e precisão da linguagem mate-mática relaciona facilmente duas palavras: dados e fatos. E como disse o economista britânico Leonard Henry Courtney: “After all, facts are facts” (Afinal, fatos são fatos). Numa sociedade onde a ciência e a tecnologia norteiam grande parte da economia global e estão in-filtradas em inúmeros aspec-tos de nossa vida diária, mais do que nunca o analfabetis-mo científico e matemático pode nos deixar vulneráveis e facilmente manipuláveis. A visão de que matemática e física são inúteis amonto-ados de fórmulas e procedi-mentos numéricos deriva de uma educação massificada, oriunda em grande parte de sistemas apostilados de en-sino, onde a ciência “serve” apenas para o vestibular. Devemos lembrar que a ciência é onipresente e estamos cercados por de-cisões diárias que se relacio-nam com dados científicos e matemáticos.

Induzindo uma falsa idéia

Em julho deste ano, a emissora de televisão Re-cord nos forneceu um clás-sico e grosseiro exemplo de

manipulação de dados. Em sua briga particular pela au-diência com a Rede Globo, ela anunciou em seu Jornal que a diferença entre o Jor-nal da Record e o telejornal da concorrente era de quase 13 pontos (a favor da Globo) e que o Câmera Record está a apenas 0,8 pontos a fren-te da concorrente. Até aqui sem problemas. A questão é a maneira como foram apre-sentados, visualmente (info-gráficos), os dados: É clara a manipu-lação da proporção. Utili-zando diferentes escalas, ela acaba induzindo o telespec-tador a acreditar que o Jornal da Record está “encostando” no Jornal Nacional da Rede Globo e que o Câmera Re-cord está bem acima do concorrente. A acusação que fre-qüentemente se faz à Esta-tística é a de induzir ao erro, não só porque apresenta dados obtidos por proce-dimentos que podem ser

questionados no seu rigor, mas também porque, apesar de serem corretos e obtidos por métodos válidos, esses

dados podem ser apresen-tados de maneira a induzir confusão a quem não está especialmente familiarizado com essa linguagem. Dessa forma, é extremamente im-portante que sejamos capa-zes de detectar esse tipo de procedimento. Outro exemplo de manipulação, agora relacio-nada à política, ocorreu em 1989 durante a primeira

eleição direta para presiden-te depois do golpe militar

de 1964. Após o primeiro debate, as pesquisas apon-tavam Lula subindo nas in-tenção de voto. Porém, após o segundo debate, a pesqui-sa divulgada pela TV Globo durante o Jornal Nacional apontava o seguinte resul-tado: Melhor desempenho: Collor: 44,5%,Lula: 32% Idéias mais claras: Collor: 45%, Lula: 34,1% O mais preparado para governar:

Collor: 48%, Lula: 30% Melhores planos de governo: Collor: 45,9%, Lula: 33%. Aqui o problema

não estava nos dados, mas sim no espaço amostral, ou seja, no número de pessoas entrevistadas. O Instituto Vox Populi fez essa pesqui-sa por telefone com ape-nas 490 telespectadores. Outro fato importante so-bre a pesquisa divulgada no Jornal Nacional é o de que o Instituto Vox Populi era res-ponsável pela construção da imagem eleitoral de Fernan-

do Collor, colocando em xe-que o rigor e a seriedade da

pesquisa.

Correlação e cau-sa Existe uma enorme tradição do pensamento filosófico, segundo a qual tudo o que medimos não passa de uma representação superficial e imprecisa de uma realidade subjacente. Acreditamos que medidas

abstratas podem re-presentar algo mais real e fun-damental que os próprios

dados. A ferramenta esta-tística da correlação é usa-da freqüentemente para

inferências sobre causalidade. Uma correlação avalia a tendência de variação de uma medida em con-junto com outra. Se uma grandeza cresce na mesma proporção que uma outra, dize-mos que elas pos-suem uma corre-lação positiva, é o

caso do crescimen-to de nossas pernas e bra-ços. A correlação existen-te entre dois conjuntos nem sempre carrega consigo cau-salidade. Vejamos o seguinte exemplo: a correlação entre o aumento anual da distân-cia Terra-Lua e o aumento anual médio do nível dos oceanos. A correlação é qua-se perfeita:

Porém a correlação não permite que tiremos qualquer conclusão quanto à causa. A causa não pode ser inferida só porque existe uma correlação. Nas inúme-ras correlações que existem no nosso mundo, a maioria não é de natureza causal. O grande Biólogo Stephen Jay Gould, em seu livro A Fal-sa Medida do Homem, nos alerta: “A idéia injustificada de que a correlação remete a uma causa é, provavelmen-te, um dos dois ou três erros mais graves e mais freqüen-tes do raciocínio humano”. E é justamente por essa razão que devemos olhar com maior cautela os dados sobre, por exemplo, o aquecimento global. O pro-blema não está nos dados ou na correlação existente entre emissão de CO2 e aumen-to da temperatura da Terra, mas sim na perigosa relação causal. Ou seja a emissão de CO2 parece ser o responsá-vel pelo aquecimento global. Porém, outros dados corre-lacionam a temperatura glo-bal com o ciclo de atividade solar:Qual será a verdadeira cau-sa do aquecimento global? Vale lembrar que a política industrial de diversos paí-ses, principalmente os em desenvolvimento, está na mira dos que relacionam o aquecimento global com a emissão de CO2. A análise torna-se ainda mais complexa quan-do partimos para buscas de correlações entre mais de duas grandezas. E nesse caso a tentação da reificação nas ciências, ou seja, de atribuir significados físicos ou cien-tíficos a dados com grande correlação, é ainda maior. O que não falta nesse nosso mundo são dados, vas-tos aglomerados de números que, se forem cuidadosa-mente trabalhados, podem adquirir poder de manipu-lação para as mais variadas finalidades. Sejam quais forem esses propósitos,com certeza terão capacidade de interferência direta em nos-sas vidas. Pedro D’Incao é Físico e Diretor do D''Incao Instituto de Ensino

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Manipulação Matemática - Mentiras e Estatísticas

Cena do debate entre Lula e Collor na eleição de 1989

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