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Temas Transversais: Requisitos legais

Formação Em História e Cultura Afro-brasileira e Africana

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Formação Em História e Cultura Afro-brasileira e Africana

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  • Temas Transversais: Requisitos legais

  • Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Material Terico

    Responsvel pelo Contedo:Profa. Dra. Andrea Borelli

    Reviso Textual:Profa. Ms. Magnlia Gonalves Mangolini

  • 5 As comunidades nativas

    O negro no Brasil

    A famlia e a comunidade

    Discutiremos nesta unidade as questes deixadas em aberto pela I Guerra Mundial e o desenvolvimento dos governos ditatoriais na Europa.

    Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Ateno

    Para um bom aproveitamento do curso, leia o material terico atentamente antes de realizar as atividades. importante tambm respeitar os prazos estabelecidos no cronograma.

    Lutas e Resistncias

    O Fim da Escravido e o ps-abolio

    Samba, carnaval, capoeira, candombl, culinria

    A questo do Racismo

  • 6Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Os escravos so as mos e os ps do senhor de engenho, porque sem eles no Brasil no possvel fazer, conservar e aumentar fazenda (Antonil, Cultura e Opulncia do Brasil, 1711, Livro I, Captulo, IX).

    A presena dos negros no Brasil uma histria marcada pela escravido, pela dor e pela violncia, mas tambm pela beleza, pelo trabalho e pela alegria.

    Assista ao vdeo Escravido no Brasil fotos do Instituto Moreira Salles e conhea os rostos e cores dos negros que tanto contriburam para a riqueza nacional.

    http://www.youtube.com/watch?v=jRZRa4H8674&feature=share&list=PLE6DBA1C8F6342642

    Contextualizao

  • 7As comunidades nativas

    No momento em que os portugueses chegaram ao Brasil, o seu contato mais direto foi com os ndios da nao tupi, que dominavam o litoral do Cear a So Paulo, e os guaranis, que ocupavam o litoral Sul.

    Alm destes grupos, existiam outras naes indgenas, falantes de outras lnguas, que o tupi chamavam de tapuias. Existem registros dos modos de vida destes ndios em viajantes como Hans Staden, Jean de Lery e mesmo na Carta de Pro Vaz de Caminha.

    A feio deles serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos, bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. No fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso tm tanta inocncia como em mostrar o rosto. ... traziam os beios de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros, do comprimento duma mo travessa, da grossura dum fuso de algodo, agudos na ponta como furador. Metem-nos pela parte de dentro do beio; e a parte que lhes fica entre o beio e os dentes feita como roque de xadrs, ali encaixado de tal sorte que no os molesta, nem os estorva no falar, no comer ou no beber.

    Carta de Pro Vaz de Caminha a D. Manuel

    Os contatos entre estes grupos e os portugueses eram mediados pelo escambo. Os portugueses ofereciam enxadas, machados e faces em troca da madeira que deu nome ao pas: o pau-brasil.

    Os ndios localizavam as rvores, derrubavam e ajudavam no transporte da madeira.

    O escambo de pau- brasil marcou as primeiras dcadas de contato entre os ndios e os europeus, visto que, alm dos portugueses, nossas praias eram visitadas por franceses que tambm cobiavam o pau brasil.

    O desenvolvimento da cultura aucareira modificou esta relao, pois os ndios passaram a ser vistos como um obstculo para a posse da terra e como mo de obra para os engenhos.

    As relaes tornaram-se conflituosas e os colonizadores conseguiram empurrar os grupos indgenas para o interior, alm de lucrar com o comrcio de escravos indgenas.

    Sobre este tema importante notar que a resistncia dos ndios em trabalhar estava fundamentada no fato de que o trabalho nas aldeias no era regulado e sistemtico, como na agricultura aucareira. Este o motivo que levou os ndios a resistirem ao trabalho agrcola e no resistiu a trabalhar na extrao do pau-brasil.

    Mauro Guanandi - Flickr.com

    Debret

  • 8Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    O tema da escravido traz outra questo: a ao dos missionrios jesutas. Os jesutas organizaram grandes aes de catequizao, que contriburam para a destruio da cultura tradicional. Contudo, os jesutas tentaram impedir a escravizao dos indgenas, atravs de sermes contra este processo.

    que os ndios sejam pagos de seu trabalho; nenhum ndio ir servir a morador algum, nem ainda nas obras pblicas...

    Carta do Padre Antnio Viera ao rei D. Joo IV, em 06 de abril de 1654

    Alm da igreja que ocupava um papel assistencialista, coube ao governo nacional mediar s relaes entre os indgenas e colonos, e esta situao se manteve durante o imprio e a repblica.

    Diversas tribos procuraram mudar para o interior para evitar os contatos com os brancos, e esta estratgia funcionou durante muito tempo. Um exemplo a expedio dos irmos Villas Boas.

    Os irmos Orlando, Cludio e Leonardo Villas Boas foram parte da expedio que contatou os Xavantes, que na dcada de 40 ainda eram uma tribo hostil. Alm disso, eles estabeleceram contatos com 14 povos do alto Xingu, que tinham uma grande diversidade cultural.

    Durante a dcada de 70, os diversos grupos indgenas comearam a se organizar, e este movimento teve grande repercusso, e no final da dcada estes movimentos se organizaram na Unio Nacional das Naes, o que teve um grande impacto sobre a sociedade brasileira e colocou o tema dos indgenas em discusso.

    At o momento, os brancos definiram que comportamentos e leis ns deveramos seguir. Agora, com a nossa agenda, queremos redefinir essas regras(...) Na verdade, estamos iniciando um processo de luta, abrindo estradas para o futuro. Marcos Terena

    As discusses sobre o movimento indgena refletiram nas medidas criadas pela Constituio de 1988, que alterou a relao entre os ndios e o estado, e reconheceu o direito a manter sua organizao social e cultural, alm de determinar que os grupos tivessem direito as terras que tradicionalmente ocupavam.

    Artigo 231 - So reconhecidos aos ndios sua organizao social, costumes, lnguas, crenas e tradies, e os direitos originrios sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo Unio demarc-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens. - Constituio Federal de 1988.

    Rugendas

  • 9Esta constituio inovou quando reconheceu o direito originrio dos ndios a terra, ou seja, este direito anterior ao surgimento do estado, existindo de forma independente e sem a necessidade de reconhecimento formal.

    Lei determina o que so as terras indgenas, no pargrafo 1 do artigo 231:

    So terras tradicionalmente ocupadas pelos ndios as por eles habitadas em carter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindveis preservao dos recursos ambientais necessrios a seu bem estar e as necessrias a sua reproduo fsica e cultural, segundo seus usos, costumes e tradies. - Constituio Federal de 1988

    A Constituio previa que as terras indgenas deveriam ser demarcadas em um prazo de cinco anos, contudo, isso nunca aconteceu e vrios grupos ainda no tem este direito regularizado.

    O negro no Brasil

    Chegando ao BrasilO deslocamento forcado de aproximadamente 4 milhes de pessoas por quase trezentos

    anos, marcou profundamente a sociedade brasileira, e esta marca vem da frica.

    O apresamento de africanos e seu deslocamento para o Brasil foi forma encontrada pela coroa portuguesa para garantir mo de obra suficiente para explorar os recursos de sua colnia.

    Antes de investir na escravido africana, os portugueses apostaram na escravizao das populaes locais, que eram chamados de negros da terra em oposio aos africanos, que inicialmente, eram conhecidos por negros da guine.

    Por volta do sculo XVI, a oferta de escravos indgenas diminuiu e o governo portugus passou a estimular o trfico africano, que era mais lucrativo e interessante para a metrpole. Contudo, cabe destacar que em muitas regies pobres da colnia, a escravido dos ndios continuou a ser praticada, afinal, o escravo indgena era mais barato que o africano.

    No sculo XVIII, o trfico tinha se consolidado como uma das atividades mais lucrativas da colnia, e os traficantes eram pessoas ricas e poderosas que participavam da vida poltica da colnia.

    Os portugueses trouxeram pessoas de todas as partes do continente africano e esta medida objetivava impedir a concentrao de indivduos com mesma lngua e cultura. Deve-se destacar que este ideal nem sempre era alcanado, pois os traficantes muitas vezes agrupavam as pessoas para facilitar o apresamento.

    A diversidade de grupos fez do Brasil um espao privilegiado para a convivncia destas tradies culturais, que ajudaram a moldar e colorir a cultura nacional.

  • 10

    Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Mapa com as rotas de trfico

    http://profwladimir.blogspot.com.br/2013/04/mapas-de-trafico-negreiro-no-brasil.html

    As pessoas apresadas no interior da frica eram transportadas para os portos de sada e muitos morriam j neste trajeto, devido aos maus tratos e as doenas. A situao no era melhor nas reas porturias, onde eram colocados em barraces ou cercados e, segundo os dados 40% dos aprisionados morriam ainda em Angola.

    Quando estvamos prontos para embarcar, fomos acorrentados uns aos outros e amarrados com cordas pelo pescoo e assim arrastados para a beira do mar. O navio estava a alguma distncia da praia. Nunca havia visto um navio antes e pensei que fosse algum objeto de adorao do homem branco. Imaginei que seramos todos massacrados e que estvamos sendo conduzidos para l com essa inteno. Temia por minha segurana e o desalento se apossou quase inteiramente de mim... No sabia do meu destino. Feliz de mim que no sabia. Sabia apenas que era um escravo, acorrentado pelo pescoo, e devia submeter-me prontamente e de boa vontade, acontecesse o que acontecesse. Isso era tudo quanto eu achava que tinha o direito de saber.

    Mahommah G. Baquaqua viveu a experincia do trfico e a relatou em um livro publicado em 1854.

  • 11

    Sobre a experincia de Mahommah G. Baquaqua no Brasil, voc pode ler o texto da historiadora Silvia Hunold Lara.

    http://www.anpuh.org/arquivo/download?ID_ARQUIVO=3686

    Os escravos eram alojados nos pores dos navios negreiros, tambm chamados de tumbeiros. Nestes navios, alm da superlotao, eles passavam, recebiam pouca gua e quase nenhum alimento, o que ampliava o nmero de mortes. Os relatos de motins em navios negreiros so raros, contudo eles aconteciam e para evitar problemas, os escravos mais inquietos eram acorrentados as paredes ou a cho do barco.

    Tumbeiros - http://www.infoescola.com/wp-content/uploads/2011/07/navio-negreiro.jpg

    Fomos arremessados, nus, poro adentro, os homens apinhados de um lado e as mulheres do outro. O poro era baixo que no podamos ficar em p, ramos obrigados a nos agachar ou a sentar no cho. Noite e dia eram iguais para ns, o sono nos sendo negado devido ao confinamento de nossos corpos. Ficamos desesperados com o sofrimento e a fadiga. Oh! A repugnncia e a imundcie daquele lugar horrvel nunca sero apagadas de minha memria. No: enquanto a memria mantiver seu posto nesse crebro distrado, lembrarei daquilo. Meu corao at hoje adoece ao pensar nisto. Mahommah G. Baquaqua viveu a experincia do trfico e a relatou em um livro publicado em 1854.

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    Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Os escravos trazidos para o Brasil eram maioritariamente homens entre 10 e 30 anos, que eram imediatamente absorvidos pelo trabalho seja nas fazendas ou nas cidades. O nmero de mulheres e crianas era pequeno por dois motivos: os brasileiros preferiam escravos no perfil indicado e as mulheres e crianas pequenas eram vendidas na prpria frica pelas tribos que controlavam o trfico.

    O importante observar que o nmero de homens trazidos como escravos era muito maior que o nmero de mulheres.

    No momento em que chegavam ao Brasil, os escravos eram desembarcados, contados e os traficantes devia pagar os impostos devidos coroa. Dependendo da situao, eles podiam ser imediatamente vendidos ou levados para depsitos, dependendo da situao.

    Quando desembarquei, senti-me grato Providncia por ter me permitido respirar ar puro novamente, pensamento este que absorvia quase todos os outros. Pouco me importava, ento, de ser um escravo, havia me safado do navio e era apenas nisso que eu pensava... Permaneci nesse mercado de escravos apenas um dia ou dois, antes de ser vendido a outro traficante na cidade que, por sua vez, me revendeu a um homem do interior, que era padeiro e residia num lugar no muito distante de Pernambuco. Quando um navio negreiro aporta, a notcia espalha-se como um rastilho de plvora. Acorrem, ento, todos os interessados na chegada da embarcao com sua carga de mercadoria viva, selecionando do estoque aqueles mais adequados aos seus propsitos, e comprando os escravos na mesmssima maneira como se compra gado ou cavalos num mercado. Mas, se num carregamento no houver o tipo de escravo adequado s necessidades e desejos dos compradores, encomenda-se ao Capito, especificando os tipos exigidos, que sero trazidos na prxima vez em que o navio vier ao porto. H uma grande quantidade de pessoas que fazem um verdadeiro negcio dessa compra e venda de carne humana e que s fazem isso para se manter, dependendo inteiramente desse tipo de trfico.

    Mahommah G. Baquaqua viveu a experincia do trfico e a relatou em um livro publicado em 1854.

    As mudanas nas estruturas econmicas internacionais alteram os interesses da coroa britnica nas questes relativas ao trfico negro e, partir do Bill Aberdden, a marinha inglesa passou a perseguir os navios negreiros, o que dificultou a entrada de africanos no pas.

    Em 1850, a Lei Eusbio de Queiroz proibiu o trfico vindo da frica, mas a escravido ainda permanecia como uma estrutura importante, seja pelo contrabando ou pelo comrcio interprovincial.

    Os homens e mulheres expostos a este comrcio sofreram o mesmo desenraizamento dos que foram trazidos da frica para o Brasil. Eles tambm foram arrancados de suas regies de nascimento e das suas famlias.

    Rugendas

  • 13

    Em costas negras...A maior parte riqueza produzida no Brasil foi, por mais de trezentos anos, resultado do

    trabalho escravo.

    Eles trabalhavam nos grandes latifndios, produzindo cana ou caf. Trabalharam na minerao, na agricultura de subsistncia e em muitas atividades urbanas.

    Quando se desembarca na Bahia, o povo que se movimenta nas ruas corresponde perfeitamente confuso das casas e vielas. De feito, poucas cidades pode haver to originalmente povoadas como a Bahia. Se no se soubesse que ela fica no Brasil, poder-se-ia tom-la sem muita imaginao, por uma capital africana, residncia de poderoso prncipe negro, na qual passa inteiramente despercebida uma populao de forasteiros brancos puros. Tudo parece negro: negros na praia, negros na cidade, negros na parte baixa, negros nos bairros altos. Tudo que corre, grita, trabalha, tudo que transporta e carrega negro; at os cavalos dos carros na Bahia so negros. Robert Ave- Lallemant, admirado com a grande populao negra nas ruas de Salvador.

    A escravido era uma prtica disseminada na sociedade brasileira, alm dos grandes proprietrios, a maioria da populao, militares, funcionrios pblicos, e mesmo ex-escravos tinham escravos. Nas reas urbanas, alis, a maioria dos escravos estava concentrada em pequenos grupos de at 2 cativos.

    A relao entre os senhores e seus escravos era marcada pela coao, e os escravos tinham poucas formas de defesa contra o seu proprietrio, apesar da lei proibir atos de crueldade contra estas pessoas.

    As denncias de maus tratos eram poucas e, geralmente, o responsvel era perdoado mediante o pagamento de multa. Contudo, os escravos nunca foram figuras passivas, e procuravam resistir dominao, atravs de estratgias que subvertiam a ordem estabelecida e por atos de resistncia, como fugas, que levam os senhores a repensar suas prticas, procuram um equilbrio entre coao e convencimento.

    Meu Senhor, ns queremos paz e no queremos guerra; se meu senhor tambm quiser nossa paz h de ser nessa conformidade, se quiser estar pelo que ns quisermos a saber. Em cada semana nos h de dar os dias de sexta-feira e de sbado para trabalharmos para ns no tirando um destes dias por causa de dia santo...Poderemos plantar nosso arroz onde quisermos, e em qualquer brejo, sem que para isso peamos licena, e poderemos cada um tirar jacarands ou qualquer pau sem darmos parte para isso. A estar por todos os artigos acima, e conceder-nos estar sempre de posse da ferramenta, estamos prontos para o servirmos como dantes, porque no queremos seguir os maus costumes dos mais Engenhos. Poderemos brincar, folgar, e cantar em todos os tempos que quisermos sem que nos impea e nem seja preciso licena.

    Parte do tratado proposto a Manuel da Silva Ferreira pelos seus escravos durante o tempo em que se rebelaram, por volta de 1789.

  • 14

    Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    As condies de vida dos escravos no Brasil eram muito ruins, seja nas reas urbanas ou rurais.

    A moradia mais comum era a senzala, que podia assumir diversos formatos. Geralmente, a senzala era um grande barraco com uma nica entrada e que era fechada durante a noite. Algumas vezes, podiam ser construdos barraces para homens e outro para mulheres e, alm disso, as senzalas podiam conter compartimentos para casais com filhos. Em outros locais, as moradias eram barracos construdos pelos prprios escravos, seguindo suas tradies culturais, contudo, isso no significa que estes trabalhadores eram menos vigiados que os que viviam em outras condies.

    Nas regies de minerao, os escravos viviam em moradias, chamadas de ranchos, que podiam ser desmontadas para acompanhar as mudanas na rea a ser explorada.

    Alm de viver em condies terrveis, as vestimentas usadas pelos escravos eram ainda mais precrias. Alis, a vestimenta era uma forma de diferenciar os escravos; os domsticos usavam roupas de melhor qualidade porque acompanhavam seus senhores em suas atividades cotidianas e muitas vezes os escravos que agradavam o seu senhor, como aqueles que descobriam pedras preciosas na rea de minerao, recebiam roupas como forma de premiao.

    Todos os observadores eram unnimes em dizer que os escravos no Brasil eram mal alimentados, e isso tinha um grande peso na pequena perspectiva de vida deste grupo. Em muitos casos, os senhores permitiam que os escravos completassem sua parca alimentao atravs da caa de pequenos animais, da pesca e, em muitas fazendas, recebiam a permisso para iniciar pequenas lavouras.

    Estas lavouras eram interessantes tanto para os senhores, que transferiam a responsabilidade da alimentao para os prprios cativos, quanto para os escravos que tinham acesso a melhores alimentos e a maior diversidade de produtos.

    Nas cidades, os escravos realizavam importantes atividades, como transporte de mercadorias, de gua e de pessoas. Contudo, alm de carregadores, os escravos eram pedreiros, sapateiros, ferreiros, costureiras, doceiras, e uma outra infinidade de atividades.

    Nas reas urbanas, os escravos passavam uma boa parte de seu tempo longe dos olhos de seus senhores, contudo isso no significa que estavam livres do controle de seus senhores. Deve-se observar entre tanto, que a relativa autonomia dos escravos urbanos era real, principalmente no caso dos chamados escravos de ganho.

    Os escravos de ganho viviam ss e deviam entregar ao senhor uma quantidade fixa de dinheiro todos os meses ou semanas, dependendo do acerto entre as partes, eram responsveis por sua alimentao e moradia.

    Todos os escravos urbanos eram proibidos de circular nas cidades depois de anoitecer e no podiam portar nenhum tipo de arma, e isso se deve ao medo de um possvel levante contra os senhores ou os outros moradores.

    Debret

  • 15

    Apesar de todas estas medidas, os escravos continuavam circulando, trabalhando e participando da vida das cidades, durante o dia e durante a noite.

    O espao do trabalho, seja para os escravos urbanos ou para os rurais, era o local de forjar solidariedades, de aprender ofcios ou de aprender a lngua. Estas alianas obedeciam muitas lgicas diferentes; os escravos podiam se agrupar devido sua origem, profisso ou pelo fato de pertencer ao mesmo senhor. Observe que estes grupos podiam ser antagonistas, devido s questes tribais ou rivalidades profissionais e, muitas vezes, os senhores procuravam agravar estas diferenas para melhor controlar a situao.

    A famlia e a comunidade

    As comunidades escravas no Brasil foram resultado do trfico, que tinha como elemento central o processo de desenraizamento do indivduo, e esta caracterstica fez que outros elementos, como o trabalho, a religiosidade ou os grupos de convvio, sedimentassem os sentidos de famlia e comunidade.

    Os primeiros contatos entre os senhores e os escravos eram organizados para marcar a relao de propriedade/dominao entre eles; ou seja, o senhor pretendia reafirmar sua autoridade ao escravo.

    Esta estrutura social tinha como apoio a ao da Igreja Catlica que procurava incutir pacincia e obedincia nos escravos.

    A identidade tnica foi um fator de agregao dos africanos, em geral, estas eram formadas em torno de lnguas comuns ou assemelhadas, e essas identidades foram em grande parte construdas no Brasil.

    Parece lgico pensar que a escravido dificultava a formao de relaes familiares, uma vez que existia um grande desequilbrio entre homens e mulheres nas senzalas, entre outros problemas.

    Contudo, os estudos mais recentes apontam que os escravos procuravam manter relaes conjugais estveis e estabelecia famlias extensas, alm de outras estruturas de convivncia muito importantes, como o compadrio.

    Deve-se observar que as relaes religiosas tinham uma grande importncia no cotidiano brasileiro, e as crenas africanas contriburam para a riqueza das nossas tradies neste tema.

    Casamento de negros, provavelmente ligados a famlias de elite Debret

  • 16

    Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Alm das prticas tradicionais africanas, que foram o embrio das religies afro-brasileira, os africanos trouxeram outras experincias religiosas, como o islamismo e o catolicismo.

    O catolicismo era a religio dominante do pas, e muitos escravos participavam ativamente de seus ritos, reunies e festas.

    No sculo XVII, as irmandades negras surgiram no Brasil e estes grupos reuniam pessoas de condies diversas, como homens e mulheres livres, alforriados e tambm escravos.

    As festas organizadas pelas irmandades eram grandiosas e traziam centenas de pessoas s igrejas. Estas festas eram momentos de reunio de reforar solidariedade e encontrar amigos, tudo regado por batuques, comida e dana.

    Alm das festas, novenas e outras prticas religiosas, as irmandades promoviam proteo para seus membros, sendo responsveis por compras de alforrias ou garantia do enterro adequado. Enfim, este foi um importante local de sociabilidade e de manuteno das tradies culturais.

    Lutas e Resistncias

    A presena dos escravos no Brasil foi acompanhada pela rebeldia e pelas mais variadas formas de resistncia.

    Algumas vezes, os escravos fugiam de seus senhores com o objetivo de atingir alguma reivindicao imediata, como a substituio de um feitor. Estas so o que chamamos de fugas reivindicatrias, que apontam as estratgias dos escravos para alterar condies de trabalhos ou de vida, e evidenciam os limites da dominao.

    Contudo, a maior parte dos escravos pretendia obter sua liberdade com o ato da fuga. Deve-se observar que fugir era perigoso, difcil e o sucesso dependia diretamente da solidariedade dos que podiam facilitar a fuga, fornecer abrigo ou alimento.

    Muitos escravos procuram abrigo em comunidades formadas por negros fugidos, que eram conhecidas como Quilombos. Estes grupos no eram formados exclusivamente por escravos, mas podiam reunir ndios, libertos e outros excludos. Alm disso, muitos quilombos ficavam prximos a cidades e participavam das atividades econmicas.

    Apesar disso, os quilombos representavam um grande perigo para a estrutura escravista e foram destrudos, como aconteceu com Palmares ou o Quilombo Buraco do Tatu, que ficava prximo cidade de Salvador.

    Festa de irmandade negra - Rugendas

    Cartaz de 1854, Rio de Janeiro

  • 17

    Os escravos tambm organizaram levantes e rebelies que tinham alcances variados, desde a desorganizao da produo em uma nica propriedade at levantes formalmente organizados, como o Levante dos Males que aconteceu em 1835.

    Este levante e outros ocorridos ao longo do pas, aumentaram a necessidade da elite em manter o controle da populao escrava.

    importante lembrar, que estas no eram as nicas formas de resistncia deste grupo. Os escravos resistiam cotidianamente: podia sabotar a produo do senhor, fingir estar doente para diminuir sua jornada de trabalho, envenenar as pessoas da casa-grande, desobedecer sistematicamente e toda uma srie de comportamentos que lhes davam controle sobre sua vida, mesmo no ambiente da escravido.

    O Fim da Escravido e o ps-abolio

    As mudanas acontecidas nas formas de produo levou a presses pelo final da escravido.

    A Inglaterra, bero da Revoluo Industrial, tomou uma srie de medidas para dificultar o trfico e, em 1845, o governo ingls aprovou uma lei que permitia o apressamento e confisco de navios envolvidos neste tipo de atividade. Esta lei ficou conhecida como Bill Aberdeen, em homenagem a seu criador Lord George Aberdeen.

    As relaes diplomticas entre o Brasil e a Inglaterra ficaram estremecidas, j que o governo imperial no tomou nenhuma providncia para conter a entrada e circulao de escravos no pas.

    Somente em 1850, os deputados brasileiros aprovaram a Lei Eusbio de Queiroz, que proibia o trfico de escravos no pas.

    Esta proibio fez o preo do escravo disparar e aumentou o trfico interprovincial, entre 1873 e 1881, especialmente por causa das demandas do caf.

    Vrias medidas foram discutidas e aprovadas, entre elas destacam-se:

    Leis Abolicionistas1871 Lei do Ventre livre Liberta as crianas nascidas a partir da data de publicao da lei1885 Lei do Sexagenrio Liberta os escravos com mais de 60 anos1888 Lei urea Liberta todos os escravos

    A abolio no significou o final dos preconceitos contra os negros e das prticas autoritrias da elite nacional, e a situao concreta dos ex-escravos no fazia parte das preocupaes do estado.

    Diante destas circunstncias, estas pessoas constroem trajetrias de luta que marcaram geraes e que permitiram afirmar a importncia dos negros na constituio da cultura nacional.

  • 18

    Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Samba, carnaval, capoeira, candombl, culinria

    Na constituio da identidade nacional muitos elementos das tradies africanas foram incorporados, transformados e considerados genuinamente brasileiros.

    A influncia africana na msica especialmente sentida no samba, que se transformou em carto postal do pas, pois faz parte de uma das mais importantes festas populares do mundo: o Carnaval.

    O carnaval, tambm, apresenta muitos elementos herdados das tradies negras. Os cordes, os ranchos e outras formas de divertimento popular foram fundamentais para que o Carnaval ganhasse seus contornos atuais, com grandes agremiaes: as escolas de samba.

    O som dos tambores africanos tambm pode ser ouvido em outras manifestaes musicais brasileiras Maracatu Congada.

    A capoeira foi desenvolvida como uma forma de defesa que era ensinada de escravo para escravo. Contudo, a necessidade de esconder esta habilidade tornou os movimentos da luta prximos a uma dana que se adaptava s cantorias e batuques africanos, permitindo que os praticantes disseminassem seu conhecimento.

    A prtica da capoeira foi proibida no Brasil at a dcada de 30, quando Getlio Vargas afirmou que a capoeira era o nico esporte verdadeiramente nacional.

    Outra grande contribuio africana cultura nacional na culinria. Pratos como o vatap, acaraj, caruru, mungunz, sarapatel, baba de moa, cocada, bala de coco e muitos outros foram criados entre os escravos e ganharam o gosto popular. Sem dvida, o mais famoso destes pratos a feijoada, que hoje uma das maiores referncias da cozinha nacional.

    A feijoada nasceu nas senzalas, onde as escravas juntavam ao feijo preto as partes do porco que no eram consumidas pelo senhor, como a orelha e o rabo.

    No campo religioso, as culturas africanas gestou tradies religiosas diversas. A mais tradicional delas o candombl, que nasceu na Bahia.

    Ministrio da Cultura

    Capoeira ou a dana de guerra Rugendas, 1835.

    Esttua de Oxum, Porto AlegreEugenio Hansen - commons.wikimedia.org

  • 19

    O candombl resultado da mistura de tradies yoruba, bantu e outras trazidas de vrias partes da frica. Alm destas crenas, se juntaram elementos do catolicismo, que era muito popular no Brasil, dando origem a uma reunio carregada de elementos sincrticos.

    Outras crenas, como a Umbanda, acrescentam outros elementos crena, contudo o importante notar a riqueza de cultural dos culto afro-brasileiros.

    A questo do Racismo

    A Constituio de 1988 afirma que todos as pessoas nascem iguais e so portadoras de direitos inerentes a condio de ser humano. Esta lei vale para todos e proibido discriminar as pessoas, seja qual for a razo.

    O direito da igualdade de tratamento acompanhada pelo direito a diferena. Este direito a possibilidade de ser e viver de acordo com sua cultura e suas caractersticas pessoais sem sofrer nenhum tipo de discriminao por este motivo.

    O direito a igualdade e o direito diferena garantem a existncia de uma sociedade plural, que respeita todas as tradies culturais e escolhas pessoais, para que todos sejam tratados com igualdade.

    Racismo tratar algum de forma diferente e inferior por causa de cor, raa, etnia, religio ou procedncia nacional, segundo o artigo 1 da Lei n 7.716, de 5 de janeiro de 1989, que define os crimes resultantes de preconceito de raa ou de cor, que foi alterado pela Lei 9459 de 13 de maio de 1997. A legislao brasileira tambm prev como crime a discriminao por prticas religiosas, quaisquer que sejam.

    A formao de uma sociedade plural um processo de construo e o papel de todos nos ajudar a erradicar estas prticas, por isso: Denuncie!

    Mecanismos legais que podem ser utilizados em caso de Racismo

    Cdigo Penal - Decreto Lei n 2.848 de 07 de Dezembro de 1940

    Art. 140 - Injuriar algum, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:Pena - deteno, de um a seis meses, ou multa. 3 Se a injria consiste na utilizao de elementos referentes a raa, cor, etnia, religio, origem ou a condio de pessoa idosa ou portadora de deficincia: (Redao dada pela Lei n 10.741, de 2003)Pena - recluso de um a trs anos e multa. (Includo pela Lei n 9.459, de 1997)

    Lei n 7716 de 5 de janeiro de 1989 Define os crimes resultantes de preconceito de raa ou de cor.

    Conveno internacional sobre a eliminao de todas as formas de

    discriminao racialRatificada pelo Decreto 65810 de 1969.

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    Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Para o caso de voc desejar se aprofundar em algumas questes trabalhadas no contedo, disponibilizamos, aqui, uma relao de materiais complementares para voc.

    Filmes e documentrios

    A negao do Brasil Direo: Joel Zito ArajoAno de Lanamento: 2000O documentrio analisa o papel atribudo aos atores negros, que sempre representam personagens mais estereotipados e negativos, na TV.

    Quanto vale ou por quilo?Direo: Sergio BianchiAno de Lanamento: 2005O filme questiona no apenas o racismo, mas tambm as maneiras ineficazes de combat-lo hoje em dia.

    Livros e Artigos

    AMARAL, Rita. Porque a diversidade faz bem. Os Urbanitas Revista de Antropologia Urbana. Ano 5, v. 5, n. 7, 2008. Disponvel em: http://www.osurbanitas.org/osurbanitas7/Amaral072008.html

    Coleo Histria Geral da frica 7 volumes http://www.unesco.org/new/pt/brasilia/about-this-office/single-view/news/general_history_of_africa_collection_in_portuguese-1/#.UhZlPZUb2sY

    ORTIZ, Renato. Anotaes sobre o universal e a diversidade. Revista Brasileira de Educao v. 12, n. 34, 2007. Disponvel em: http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v12n34/a02v1234.pdf

    SEGATO, Rita Laura. Antropologia e direitos humanos: alteridade e tica no movimento de expanso dos direitos fundamentais. Revista MANA, n. 12(1), p. 207-236, 2006. Disponvel em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0104-93132006000100008&script=sci_arttext

    MBAYA, Etienne-Richard. Gnese, evoluo e universalidade dos direitos humanos frente diversidade de culturas. Revista do Instituto de Estudos Avanados, Universidade de So Paulo, n. 11 (30), 1997. Disponvel em: www.scielo.br/pdf/ea/v11n30/v11n30a03.pdf

    MUNANGA, Kabenguele. Superando o Racismo. Ministrio da Educao, 2005. Disponvel em: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/me4575.pdf

    Material Complementar

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    Albuquerque, Wlamyra R. Fraga Filho, Walter. UMA HISTRIA DO NEGRO NO BRASIL. Salvador: Centro de Estudos Afro Orientais, 2007. Disponvel em http://www.ceao.ufba.br/2007/livrosvideos.php

    Barros, Zelinda dos Santos. Educao e relaes tnico-raciais. Salvador: Centro de Estudos Afro Orientais, 2011. Disponvel em http://www.ceao.ufba.br/2007/livrosvideos.php

    Monteiro, John Manuel. NEGROS DA TERRA - ndios e bandeirantes nas origens de So Paulo. So Paulo: Cia das Letras, 1999.

    Referncias

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    Unidade: Formao em Histria e Cultura Afro-Brasileira e Africana

    Anotaes

  • www.cruzeirodosulvirtual.com.brCampus LiberdadeRua Galvo Bueno, 868CEP 01506-000So Paulo SP Brasil Tel: (55 11) 3385-3000