Guilherme Livro Final

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GUILHERME FERNANDES PEREIRA

OS MOVIMENTOS POPULARES EM

ITACOATIARA:

Conflitos, Lutas e Conquistas nas dcadas dos anos de 1980 a 2000

Edio do Autor

GUILHERME FERNANDES PEREIRA

OS MOVIMENTOS POPULARES EM

ITACOATIARA:

Conflitos, Lutas e Conquistas nas dcadas dos anos de 1980 a 2000

Edio do Autor Itacoatiara - Amazonas 2011

Copyrght 2011 Edito do Autor Digitao Raizza Gonalves Rodrigues Silvia Aline Medeiros Reviso Sylvia Aranha de Oliveira Ribeiro Antonio Tavares da Gama Maria da Glria Oliveira Pereira Normalizao Katiane Campos Nogueira (Bibliotecria) Projeto Grfico: Srgio Bemfica

P436m

Catalogao na Fonte Pereira, Guilherme Fernandes. Os movimentos populares em Itacoatiara: conflitos, lutas e conquistas dcadas dos anos de 1980 a 2000 / Guilherme Fernandes Pereira. - Manaus: Editora, 2011. 218 p.:il.; 21 x 15 cm. ISBN 3. 1.Movimentos Populares- Itacoatiara. 2. Histria de Itacoatiara. CDU 363/367(811.32ITACOATIARA) Bibliotecria Katiane Campos Nogueira CRB 11/606

Aos meus amados filhos, Neandra, Neander, Niciana e Raizza (meus mestres - ensinaram-me a sonhar e lutar por uma nova sociedade). Aos meus netos, Guilherme Neto, Jlia Beatriz, Geovanna e Neanderson (com alegria, inocncia e doura mostraram-me que vale a pena deixar uma luz de esperana de um futuro melhor). A minha amada esposa e companheira Glorinha (partilhamos alegrias, tristezas, sonhamos juntos e hoje, mais um sonho realizamos). Ao meu prezado amigo e compadre Antnio Tavares da Gama que muito me incentivou, acreditou e ajudou na reviso desta obra. memria do meu amigo e colega, Professor Jos Gama Filho. A todos os companheiros e companheiras que ultrapassaram do sonho e partiram para a luta por um mundo melhor. memria de Dom Jorge Marskell, amado pastor da Prelazia de Itacoatiara com seus exemplos e na convivncia muito me ensinou. amiga Sylvia Aranha, companheira de caminhada, que acreditou e me encorajou para que eu escrevesse e publicasse esta obra, como forma de mostrar que vale a pena sonhar e lutar para a transformao de uma sociedade to sofrida e injustiada como a nossa.

LISTA DE SIGLAS

AI5 ADUA AMOBI ANAMPOS APPAM APPM ASCOPE ATAIC BEA CCM CDDH CEAM CEBs CENTREPI CEPAM CIP CONCLAT CONFEST CPI CPT CREPI CSN CUT ENOS

Ato Institucional Nmero Cinco Associao dos Discentes da Universidade do Amazonas Associao dos Amigos dos Bairros de Itacoatiara Articulao Nacional do Movimento Sindical e Popular Associao profissional dos Professores do Amazonas Associao dos Professores de Manaus Cooperativa dos Produtores Rurais da Comunidade Sagrado Corao de Jesus do Paran da Eva Amostra de Teatro Amador Inter-comunitrio Banco do Estado do Amazonas Centro Comunitrio da Mulher Centro de Defesa dos Direitos Humanos Companhia Energtica do Amazonas Comunidades Eclesiais de Base Centro de Treinamento da Prelazia de Itacoatiara Congresso Estadual dos Professores do Amazonas Caderno Informativo do Povo Congresso Nacional da Classe Trabalhadora Congresso e Festival Comisso Parlamentar de Inqurito Comisso Pastoral da Terra Clube Recreativo dos Professores de Itacoatiara Companhia Siderrgica Nacional Central nica dos Trabalhadores Encontro Nacional das Oposies Sindicais

FECANI FEMUCRI FEMUPI FESTIM FETAGRI GETI

Festival da Cano de Itacoatiara Festival de Msica Crist Festival de Msica da Prelazia de Itacoatiara Festival de Msica Federao dos Trabalhadores da Agricultura Grupo Experimental de Teatro Amador de Itacoatiara IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renovveis INCRA Instituto de Colonizao e Reforma Agrria INSS Instituto Nacional de Seguridade Social IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano JAC SL Juventude Amiga Catlica de Santa Luzia JOCAP Jovens a Conquista do Amor e da Paz JUCAJ Juventude Catlica do Jauary LDB Lei de Diretrizes e Bases MEB Movimento de Educao de Base OEI Organizao dos Estudantes de Itacoatiara OSPB Organizao Social e Poltica Brasileira PJ Pastoral da Juventude PO Pastoral Operria PT Partido dos Trabalhadores PUC Pontifcia Universidade Catlica SAAE Servio Autnomo de gua e Esgoto SEDUC Secretaria do Estado de Educao do Amazonas SINTEAM Sindicato dos Trabalhadores da Educao do Estado do Amazonas SUDEP Superintendncia do Desenvolvimento da Pesca ZPE Zona de processamento e Exportao

LISTA DE FIGURASFigura 1: Represso atinge polticos, jornalistas e professores............ 86 Figura 2: Aloysio Nogueira dilogo com APPAM ................................ 87 Figura 3: Ianomami Vida e Morte no Amazonas ................................. 139 Figura 4: Construo do Prdio do CCM ............................................. 170 Figura 5:Prefeito e o Reitor assinam o Convnio ................................ 209

SumrioApresentao .....................................................................................................................15 Introduo ...........................................................................................................................17 Captulo IO contexto para o surgimento dos Movimentos Populares de Itacoatiara ..........................................................................................................................21 1 A importncia da Prelazia no contexto das organizaes populares de Itacoatiara .........................................................................23

Captulo II

Conflitos ..................................................................................................................................29 1 O Terminal Pesqueiro: ...............................................................................................29 1.1 A repercusso social e da mdia sobre a venda do CENTREPI e a instalao do terminal pesqueiro ......................................................................................................34 1.2 A repercusso da venda do CENTREPI A histria do Terminal Pesqueiro e a luta popular descrita atravs dos principais jornais de Manaus e as respostas dadas pelo Caderno Informativo do Povo (CIP)..............................................................36 1.3 Notcia relativa ao mesmo assunto veiculado pelo jornal A Crtica em 21 de agosto de 1980:.....................................................37

Captulo III

Conflitos pela Posse da Terra na Zona Rural e Interveno do Sindicato Rural....................................................................................................................41 1 Conflitos na Colnia do Itaubal .................................................................................41 2 Conflito em So Francisco do Igarap do Pa Rio Arari ............................................43 3 Conflito em Iracema Costa da Conceio ................................................................44 4 Conflitos entre os Trabalhadores Rurais e o Banco do Brasil ......................................47 5 A Invaso de Lagos e a Pesca Predatria - Importncia da CPT (Comisso Pastoral da Terra) nesse processo..........................................................50 6 A Reao das Comunidades Diante das Invases ......................................................51 7 O ltimo Encontro da Comisso Pastoral da Terra CPT............................................56

Captulo IV

As Lutas ...................................................................................................................................59 1 Lutas pela Posse da terra na Zona Urbana .................................................................59 1.1 A Luta dos sem teto por Moradia ............................................................59 1.2 Em Defesa de Dom Jorge e das Famlias dos Sem-Terra ...........................60 1.3 A Luta pela Gerao de Renda.................................................................62

2 Lutas, Intervenes e Conquistas dos Trabalhadores Madeireiros..................................................................................................................63 2.1 De Associao a Sindicato .......................................................................63 3 A Luta dos Trabalhadores para Tomar o Sindicato da Direo dos pelegos 1984/85 ...................................................................................................68 4 As Greves dos Trabalhadores Madeireiros - 1986/1989 .............................................71

Captulo V

A Luta dos Professores da Rede Estadual por Melhores Condies de Trabalho e Salrio Digno ..........................................................................................................77 1 Da APPM/APPAM (Associao Profissional dos Professores de Manaus, Associao Profissional dos Professores do Amazonas) ao SINTEAM (Sindicato dos Trabalhadores da Educao do Estado do Amazonas)...................................................................................................77 1.1 Antecedente Histrico .............................................................................77 2 A Intensa Campanha de Associao APPAM e o Embate entre Governo e Professores .........................................................................................83 3 A Represso Atinge Professores, Jornalistas e Polticos - 1985 ...................................86 4 Congresso para Unificar a Luta dos Professores .........................................................88 5 Movimento Grevista Sob Total Iniciativa dos Professores de Itacoatiara....................................................................................................................89 6 O Retorno da Democracia no Brasil ...........................................................................93 7 Presidentes da Delegacia da APPAM/SINTEAM de 1982 a1990 .................................97

Captulo VI

A Fundao do Clube Recreativo dos Professores de Itacoatiara CREPI- 1982/83 - Sonhos e Utopias..........................................................................................99 1 Providncias para a Construo da Sede do Club Recreativo dos Professores de Itacoatiara/CREPI ...........................................................101

Captulo VII

A Fundao de um Partido Poltico para dar Suporte s Lutas Populares em Itacoatiara..........................................................................................................107 1 A Diretoria Provisria ................................................................................................109 2 A Formao do Diretrio Municipal do PT .................................................................112 3 A Participao do PT nas Eleies ..............................................................................113 4 A Participao do PT na Cmara de Vereadores e na Assembleia Legislativa .................................................................................................114 5 A Representao da Legislatura Petista e a Mobilizao Popular Ajudam na Infraestrutura do Bairro da Piarreira Um Pouco da sua Histria. ...........................................................................................117 6 A atuao do Segundo parlamentar eleito pelo PT em Itacoatiara....................................................................................................................120 7 Um deputado de origem humilde na Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas .............................................................................121 8 Antnio Peixoto de Oliveira do PT: A Esperana pela transformao. .............................................................................................................123 9 Um Trabalhador Rural chega Prefeitura- 2008 .......................................................126

Captulo VIII

Movimentos Sociais .................................................................................................................129 1 A Juventude Busca sua Identidade nos Movimentos Culturais. ..................................129 2 O Movimento Estudantil e a Intensa Criao de Teatro ..............................................133 3 A Reanimao da Pastoral da Juventude ...................................................................137 4 A Produo Literria ..................................................................................................142 5 Canes Apresentadas ao Grande Pblico .................................................................146 6 A Produo Literria Desenvolvida nos Movimentos Populares Continua em Prosa .......................................................................................148

Captulo IX

A Participao dos Grupos de Base e a Pastoral Operria (P na .O) Constituinte .............................................................................................................................151 1 O Que foi a Pastoral Operria e como Surgiu em Itacoatiara? ....................................152 2 Movimento em Defesa dos Direitos Humanos CDDH e Pastoral Carcerria .......................................................................................................155 3 A Pastoral Carcerria e Assistncia Solidria aos Presidirios .....................................157

Captulo X

Movimento para Criao da Associao de Bairros de Itacoatiara AMOBI ................................................................................................................161

Captulo XI

Os Movimentos das Mulheres O Clube de Mes ...................................................................163 1 As Primeiras Manifestaes das Mulheres .............................................................................166 2 O Dia Internacional da Mulher ..............................................................................................167 3 O Centro Comunitrio da Mulher (CCM) ................................................................................169

Captulo XII

Movimentos pela tica na Poltica em Itacoatiara .....................................................................173

Captulo XIII

O 1 de Maio: Dia de Festa ou de Luta e Reflexo? ..................................................................177

Captulo XIV Captulo XV

Movimento de Ao da Cidadania Contra a Fome, Misria e pela Vida. ...................................179

Antecedentes da Implantao de Curso Superior em Itacoatiara ..............................................185 A Situao da Educao nos Anos 1980/85..............................................................................185 1 Ensino do Estado: Um Olhar Crtico ...........................................................................186 2 Tentativas de Implantao de Curso Superior em Itacoatiara .....................................189 3 Tentativas de Implantao da UA Universidade do Amazonas ................................193 4 A Implantao da Universidade Estadual Paulista UNESP-SP em Itacoatiara - A Luta Continua........................................................................................195 5 Esforos Decisivos para Implantao da Universidade do Amazonas/UA em Itacoatiara .......................................................................................197

5.1 Formao da primeira comisso pr-implantao da Universidade do Amazonas/UA em Itacoatiara...............................................199 5.2 A participao das entidades de classes na luta.......................................200 5.3 Reunies que Marcaram a Luta pela Implantao da Universidade em Itacoatiara ..........................................................................201 5.4 Reunio com os Prefeitos do Polo Mdio Amazonas ................................207 5.5 Reunio: na Faculdade de Educao FACED..........................................208 5.6 Reunio As Assinaturas do Convnio e o Cheque Que Valeu Mais que Ouro. ....................................................................................209 5.7 Apresentao Oficial ao Povo Itacoatiarense do Termo de Convnio de Extenso da Universidade do Amazonas. .............................211

Consideraes Finais........................................................................................................214 Referncias.....................................................................................................................216

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ApresentaoGuilherme Fernandes Pereira, professor, pedagogo e educador da rede pblica estadual, conta-nos que as dcadas de 70, 80 e 90 do sculo XX foram marcantes e efervescentes para a histria de Itacoatiara. Vrias vezes, em conversas, reunies, encontros, estudos, sempre falamos das aes desenvolvidas por trabalhadores rurais, pescadores, pequenos agricultores, produtores, donas de casas, jovens, crianas, estudantes, professores, comercirios, operrios, sindicato dos trabalhadores Rurais, Madeireiros, Construo Civil, associaes, cooperativas, partidos polticos, grupos de jovens, clubes de mes e pelas Comunidades Eclesiais de Base, nesse perodo. Uma professora, colega, aluna da primeira turma do curso de Pedagogia, da UFAM, do incio da dcada de 90, fez uma instigante questo: mas existe algum registro de tudo isso que vocs dizem que houve nesse perodo em Itacoatiara? Esse questionamento e tantos outros suscitaram este trabalho que o professor Guilherme Fernandes Pereira bem produziu de forma histrica, scio-poltica e cultural, brindando-nos com fragmentos da histria do nosso Municpio. Por que fragmentos? Porque nunca conseguimos traduzir num texto toda a histria da vida de uma sociedade em sua plenitude e totalidade, mas descrevemos, contamos e exaltamos fatos e acontecimentos que tiveram uma repercusso histrica, poltica, social e cultural na vida das pessoas, a partir do nosso ponto de vista. isto que o Autor nos apresenta para deleite de todos os que participaram direta ou indiretamente daqueles fatos e acontecimentos e, ao mesmo tempo, para enriquecimento e conhecimento de todos os que no vivenciaram aqueles momentos, fatos e acontecimentos, mas percebemGuilherme Fernandes Pereira

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que suas vidas, hoje, tm um pouco daquele passado. Deste modo, OS MOVIMENTOS POPULARES EM ITACOATIARA: CONFLITO, LUTAS E CONQUISTAS, traz em seu bojo um pouco de tudo: suor dos que trabalharam na esperana de que a sociedade itacoatiarense mudasse; sangue dos que morreram por essa causa; lgrima pelas derrotas que sofreram; alegria pelas vitrias que j, naquele momento, traziam germes do que parecia ser impossvel e, muita esperana. Esperana de ver que a luta no v. Esperana de saber que a sociedade pode ser melhor. Esperana de se ter orgulho de poder contribuir com um pouquinho que somado a outros pouquinhos, faro de Itacoatiara a cidade segundo o que determina a Constituio brasileira: lugar de sadia qualidade de vida para as presentes e futuras geraes. esse o feito do professor Guilherme Pereira. para ser lido e vivido como parte da sua vida! Itacoatiara, junho de 2011 Emanuel Altamor Viana de Souza Professor da Rede Pblica de Ensino do Estado e Advogado. Membro da Academia Itacoatiarense de Letras. [email protected]

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IntroduoO contedo desta obra tem como centro a luta do povo e as organizaes populares do municpio de Itacoatiara. Lutas e histrias que alimentaram esperanas e sonhos do povo deste municpio. Muitas delas resultaram em conquistas, outras no, mas no seu conjunto formaram um significado especial para a nossa sociedade. A partir da crena nos valores humanos, alguns movimentos oportunizaram mudanas e influenciaram no pensar e nas conquistas qualitativas do nosso povo. No restam dvidas de que esta obra fruto de um grande esforo pessoal. Embora elaborada com muitas dificuldades, foi escrita com profundo ardor e sentimento, a fim de valorizar as nossas razes populares. Tem a pretenso de contribuir com a histria, incentivar a produo intelectual dos nossos jovens e contar com a maior fidelidade possvel uma parte da luta e das organizaes populares do municpio de Itacoatiara, muitas delas j esquecidas, outras ainda vivas na memria, e outras tantas que foram apropriadas indevidamente pela histria oficial. Reconhecendo que a histria sempre foi manipulada e sempre esteve a servio da classe dominante, esta obra vem contrariar este princpio para dar vez aos esquecidos. Ela visa (re) contar a histria a partir daqueles que fazem verdadeiramente a histria, o povo. Nossa histria, assim como a do Brasil e do Amazonas, so todas oficiais demais, sequer lembra homens simples que morreram e dedicaram seu tempo por melhores dias ao nosso municpio. Esses heris so pessoas simples, donas de casa, operrios, religiosos, estudantes, professores,Guilherme Fernandes Pereira

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agricultores, desempregados, trabalhadores informais. Enfim, atores reais do palco da vida. O que me levou a escrever este livro, sobre os Movimentos Populares em Itacoatiara? Em primeiro lugar, foi a vivncia muito prxima que tive com eles. Pude v-los nascer, parar e renascer. Vi desejos, aspiraes e vitrias serem compartilhadas, sonhos e ideais que aos poucos foram enraizando no seio de nossa sociedade e que finalmente deram ganhos sociais que hoje vivenciamos, mas pouco se sabe das pessoas que construram os difceis caminhos destas conquistas. Vi homens, mulheres, jovens, dezenas ou quem sabe at, centenas de pessoas, heris annimos atuantes que deram sua vida na luta pelo sonho das conquistas sociais. Em segundo lugar, escrevo para fazer justia a alguns fatos que acredito merecerem algumas correes, pois, algumas vezes ouvi da boca de alguns desinformados a divulgao de certos acontecimentos no mnimo distorcidos, seno mentirosos, que subtrai o verdadeiro mrito de pessoas do povo quando se trata das conquistas sociais. E o terceiro e principal motivo, trata-se da correo da histria que pretendo fazer, quando me detive a um fato, um dos exemplos que ouvi: nas eleies de 2004, para prefeito e vereadores, um funcionrio pblico saiu de suas funes para concorrer a uma vaga Cmara Municipal, recebeu tantos elogios de um locutor de rdio a ponto de ele dizer: voc merece ser eleito pela luta em favor do povo; foi voc o principal lder que lutou pela vinda da Universidade Federal do Amazonas para Itacoatiara. Fiquei pasmo! Puxei pela memria, folheei as minhas anotaes de agendas, no encontrei o nome desse Senhor, o ento candidato. Ainda assim, busquei mais informaes com outros companheiros envolvidos18Guilherme Fernandes Pereira

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na luta, pela vinda da Universidade, porm ningum soube, ou sequer lembrou a participao da referida pessoa neste ou em outros movimentos populares. Convidamos, portanto, o leitor a viajar no tempo e refletir sobre o que relatamos. Esse trabalho, mesmo com muitas limitaes, quer trazer junto ao leitor elementos que possam lev-lo a refletir ou rediscutir sobre a organizao do povo. At que ponto elas foram fundamentais para o nosso desenvolvimento social? Como vemos hoje nossos movimentos sociais? Existe realmente ainda organizao popular autntica? Quais avanos ainda podero ter com essas lutas? Como estimular e instrumentalizar essas organizaes? Estes e outros questionamentos podem e devem ser respondidos a partir da leitura desta obra. Portanto, que essa obra sirva de instrumento para reflexo e recontagem da nossa histria sob uma tica do povo. De modo que este recorte no tempo e no espao traga as lembranas de tantas vidas doadas pela luta e pela sede de justia social. Meu papel foi resgatar os fatos. Quanto reflexo sociolgica ou filosfica deixo para o leitor julgar este mrito. O julgamento absolutamente seu.

O autor Janeiro 2011

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Captulo IO contexto para o surgimento dos Movimentos Populares de ItacoatiaraA dcada de 80 foi marcada por um perodo bastante frtil em termos de organizao dos movimentos populares; criao de Sindicatos, Centrais Sindicais, de partidos polticos de esquerda como o Partido dos Trabalhadores-PT, assim como o surgimento de expressiva liderana em nvel nacional, estadual e no municpio de Itacoatiara. Esta frtil dcada foi resultado de todo um longo processo de caos econmico-social que se instalou no pas naquele perodo. Os trabalhadores e a sociedade no suportavam mais o regime opressor, autoritrio; no acreditavam mais na poltica econmica nem na natureza do modelo de desenvolvimento capitalista imposto pelo regime militar que levou o pas situao de extrema gravidade e de total desgoverno. O caos econmico instalado no pas era caracterizado pelo aumento das atividades especulativas, alto ndice inflacionrio, corrupo chegando esfera da vida pblica e a submisso dos interesses gerais da classe trabalhadora ao FMI (Fundo Monetrio Internacional), que imps uma recesso econmica, e levou a populao a sacrifcios insuportveis como desemprego, misria, analfabetismo, etc. O trabalhador brasileiro acreditava na mudana e ia luta, Imbudo do sonho de mudana, acreditando na possibilidade de transformao dessa realidade. Ele percebeu que, sozinho, isolado,Guilherme Fernandes Pereira

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desorganizado, sua condio de explorado piorava. No ano de 1980, surge um novo sindicalismo, combativo, comprometido com as lutas e aspiraes dos trabalhadores. Pois at ento, existiam muitos sindicatos que estavam quase todos atrelados aos interesses do patro. No final de 1980 e incio de 1981, realizou-se o primeiro Encontro Nacional das Oposies Sindicais (ENOS) que tinha, entre outros objetivos, criar estratgias para retirar dos sindicatos os diretores pelegos. A criao da ANAMPOS (Articulao Nacional do Movimento Sindical e Popular) desempenhou papel decisivo na articulao para conseguir o maior nmero de lideranas combativas, culminando na realizao do Primeiro Congresso Nacional da Classe Trabalhadora (CONCLAT) em 23 de agosto de 1981, em So Bernardo do Campo SP, e tambm a criao da CUT (Central nica dos Trabalhadores). Em Manaus-AM, em 1979/80, os combativos trabalhadores do Distrito Industrial motivados pelas pssimas condies de trabalho: salrios achatados, acidentes fatais, arrogncia dos patres, servios subumanos criaram o Sindicato dos Metalrgicos para defender seus direitos. Foi criado tambm o Sindicato da Construo Civil, Sindicato Eletroeletrnico e outros. No mesmo perodo os professores articularam a criao da APPAM (Associao Profissional dos Professores do Amazonas) que posteriormente se tornou Sindicato dos Trabalhadores da Educao do Amazonas (SINTEAM), como veremos mais frente neste relato. Na sucesso de como os fatos aconteciam e de como eles estavam relacionados no perodo do processo de democratizao do pas, no municpio de Itacoatiara a situao no era diferente das demais regies. Vivia-se sob toda espcie de opresso imposta pela elite dominante: carestia, desemprego, corrupo, descaso pela educao, nepotismo,22Guilherme Fernandes Pereira

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cabresto, ameaas queles que se opunham ao governo. Mas os trabalhadores e trabalhadoras no ficaram parados, inertes, aceitando essa situao, acreditaram no Deus da histria e na fora coletiva, comearam a se organizar nas Associaes, na criao e no fortalecimento de Sindicatos, nos partidos de esquerda, nas pastorais sociais e partiram para a luta.

1 A importncia da Prelazia no contexto das organizaes populares de Itacoatiara quase impossvel falar de Movimento Popular, sem se reportar Prelazia de Itacoatiara. Desde sua criao ela teve um comprometimento direto com o povo, quando assumiu o compromisso de alimentar a f do povo deste cho amaznico. Suas aes foram alm de pastorear suas ovelhas catlicas, luz da palavra de Deus. Orientavam, formavam, apoiavam inmeras aes das comunidades que buscavam justia social, sensibilizando nossa gente para organizarem-se de forma a promover uma condio de vida melhor aos mais sofridos. Os missionrios que aqui chegaram tinham uma tarefa pastoral que ia alm de difundir a f, nesta regio to vasta, que era a preocupao com o ser humano, feito de carne e osso, que reza, canta, sofre, mas que apesar de tudo, ainda sente a alegria de viver. Compreendiam sua ao evangelizadora baseada numa teologia que defendia os valores cristos. Esse compromisso missionrio assumido pela Igreja era uma resposta do contexto daquele perodo, pois havia muita pobreza, principalmente a pobreza material do homem do interior.Guilherme Fernandes Pereira

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Era um povo sofrido, pouco escolarizado, quase sem nenhum recurso ou meios econmicos para viver dignamente. Os mais pobres viviam do trabalho ou da produo de subsistncia. Os governantes quase nunca se importavam com essa realidade. Por isso, a Igreja de Itacoatiara entendia que, alm de cultivar a f j existente, o homem precisava se libertar da pobreza e do sofrimento, pois foi isso que Jesus pregou, no s a cura e a salvao da alma, mas a libertao da pobreza, de se viver dignamente enquanto filhos de Deus. Essa prtica evangelizadora foi um compromisso assumido pela sensibilidade dos missionrios que aqui chegaram e coordenaram a Prelazia. Compreenderam um Deus encarnando na vida e na histria do povo. A espiritualidade presente na f do nosso povo era posta em prtica sob a luz do Evangelho, seguindo os preceitos da partilha e da solidariedade. Procurava-se viver na fraternidade, no respeito e no amor verdadeiro, valorizando principalmente a cultura desse povo, to ligado s tradies de nossa origem indgena. O que os padres, os religiosos e catequistas pregavam nos sermes, o povo tentava viver na prtica. O exemplo mais bonito daquele jeito humano de ser e viver estava presente nos encontros de formao que comumente a Prelazia realizava com as comunidades do interior e da cidade. L, tudo era compartilhado. Desde as despesas do encontro como farinha, peixe, frutas, as tarefas domsticas, as brincadeiras e trabalho no encontro, at os compromissos. Por causa dessa relao estreita com a formao e influncia nos movimentos sociais, faremos agora, um pequeno histrico da criao desta Prelazia e sua contribuio na construo da conscincia crtica e24Guilherme Fernandes Pereira

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na participao popular. Ela defendeu sempre a f, ligada organizao do povo na luta pela manuteno da vida e da justia social. Em outubro de 1961, chegaram os cinco primeiros missionrios de Scarboro-Canad, Miguel OKane, Vicente Daniel, Douglas Maknnon, Jorge Edward Marskell e Francisco Paulo Mc Hugh. A posse que se deu no dia 1 de agosto de 1962, foi presidida por Dom Joo de Souza Lima, arcebispo de Manaus, momento em que os padre Alcides Peixoto e Francisco Pinto entregaram aos recm-chegados a Igreja de Itacoatiara. Em seguida, despediram-se dos paroquianos de Itacoatiara e de outros municpios da Prelazia onde trabalharam por vrios anos. Em 13 de julho de 1963, um ano depois da chegada dos missionrios, criou-se a Prelazia de Itacoatiara, atravs da Bula AD CHRISTI, do Papa Paulo VI que abrangia os municpios de Itacoatiara, Itapeau, Itapiranga, Silves, Urucar e Urucurituba (Sylvia A.Ribeiro, 2003. Pag. 49) Os padres canadenses encontraram aqui um povo muito religioso e um trabalho de desobriga que consistia em visitas s localidades mais distantes da sede, onde eram ministrados os sacramentos. Essa religiosidade era caracterizada num catolicismo tradicional, no havia um trabalho de conscientizao do papel da religio na vida do povo. Imperava a injustia, a pobreza vivida pela maioria da populao. De fato, o povo vivia num total abandono. Os missionrios perceberam que o problema da pobreza no se resolvia com doaes. As imensas reas a serem atendidas e o reduzido nmero de padres e religiosos, motivaram a urgente preparao de catequistas e pessoas atuantes nas vrias reas sociais. Da, a importncia estratgica da construo do CENTREPI (Centro de Treinamento da Prelazia deGuilherme Fernandes Pereira

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Itacoatiara). De 1969 a 1980, aconteceu a intensa atividade de formao catequtica, onde vrias lideranas foram formadas no CENTREPI. Em 1972, no 1 Encontro Pastoral de Santarm-PA, Dom Paulo Mc Hugh, primeiro bispo de Itacoatiara, juntamente com outros bispos do Regional Norte I estiveram presentes para estudar os documentos da Igreja a partir do Conclio Vaticano II, e a Igreja Latino Americana, a partir de Medellin-Colmbia. Depois destes estudos, os missionrios assumiram o compromisso com a Igreja da Amaznia, fazendo opo preferencial pelos pobres e por quatro prioridades bsicas: 1) Encarnao na realidade; 2) Evangelizao libertadora; 3) Formao de Agentes de Pastoral; 4) Formao de Comunidades Crists de Base; Dom Paulo, embora com muitas dificuldades, deu incio s quatro prioridades. Organizou uma equipe coordenada por padre Omar Dixon, Ir. Letcia de Oliveira (in memorian) e Graa Guimares que viajavam pelos beirades (rea rural) convocando a populao a se reunir aos domingos para orao e tambm para discutir seus problemas buscando formas de solucion-los. Assim foram surgindo as primeiras Comunidades Eclesiais de Base. Nos bairros da zona urbana tambm foram criadas as comunidades que se reuniam para o culto dominical e para discutir seus problemas em busca de solues. Dom Jorge, segundo bispo da Prelazia, aderiu totalmente a estas quatro prioridades. Procurou vivenciar a vida do povo a fim de compreend-lo profundamente. Ele (D. Jorge) com muita humildade depositava confiana no povo. Gostava de ouvir aquelas pessoas mais26Guilherme Fernandes Pereira

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simples, aqueles que eram considerados sem estudos. Seu desejo era oportunizar a todos para que tivessem vez e voz. Foi seguindo esses princpios que foi ajudando a formar uma Igreja participativa e solidria. Neste registro, quero fazer referncia e memria a Dom Jorge Marskell, que foi bispo e pastor desta Prelazia. Ele viveu profundamente a opo pelos pobres, por essa tica, permitiu-se descobrir a cultura desse povo e participar efetivamente dela. Foi por sua maneira simples de ser, sua forma de rezar, de celebrar, de encontrar-se com Deus e de se relacionar com os seus irmos de modo to distinto e humano, que chegou a doar sua vida por eles. Pela sua grande sensibilidade aos temas sociais, D. Jorge dava muito apoio a todas as lutas que se manifestassem em favor da vida e da liberdade do povo oprimido.

Guilherme Fernandes Pereira

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Captulo IIConflitos1 O Terminal Pesqueiro:Toda e qualquer forma de dominao e opresso traz em si, inevitavelmente, o germe da resistncia por parte dos oprimidos. (FREIRE, 1993/4)).

O poder dominante se acha dono de tudo: do saber, da verdade e da vontade do povo. O que ele decide, est decidido. Ignora o saber popular que fruto de experincia de vida (trabalho, vivncia afetiva, religiosidade, etc.). a partir desse saber que o grupo se identifica como tal. Sofrendo a carncia em todos os nveis, dela retira a sua fora. uma fora dbil, mas potencialmente mais forte do que qualquer outra. Assim demonstrou o povo da comunidade So Pedro, numa luta que foi denominada: O TERMINAL PESQUEIRO. Em maro de 1980 no bairro do Jauary, na rea onde hoje localizada a Comunidade So Pedro, residiam 82 famlias. uma rea vizinha do CENTRO DE TREINAMENTO DA PRELAZIA DE ITACOATIARA CENTREPI, de aproximadamente: 1.000m, que era de propriedade do sr. Aires Sanches Fernandes. O prefeito na poca, sr. Chibly Callil Abrahim, desapropriou a rea para a construo de um Terminal Pesqueiro. QuantoGuilherme Fernandes Pereira

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s famlias, de acordo com as promessas do prefeito, seriam transferidas para outro local denominado Estrada do Fomento. A igreja, representada por D. Jorge Marskell, os religiosos, agentes de pastorais e o povo cristo, atentos aos direitos fundamentais da pessoa humana, ficaram preocupados. Aquele povo no incomodava ningum reunia-se habitualmente para rezar, para celebrar a eucaristia, discutir seus problemas e buscar meios de solucion-los luz do Evangelho, e seu desejo era continuar no local. Exigiam apenas respeito a sua deciso, liberdade e autodeterminao. A igreja ficou mais preocupada ainda, quando o ento deputado estadual Cleuter Mendona PDS, fez duras acusaes atravs do Jornal A Notcia e no programa da Rdio Difusora de Itacoatiara, que de sua propriedade, afirmando que era o Pe. Jos Maria Pinheiro que estava promovendo discrdia entre o povo e as autoridades. Tanto o povo da comunidade So Pedro como o de outras comunidades sabiam que nem o Pe. Jos Maria ou outro religioso da Prelazia promoviam discrdia entre o povo e as autoridades. Na verdade, o que o padre fazia era ajudar quelas pessoas a refletir luz da Palavra de Deus sobre a dura realidade que viviam: falta de energia eltrica, de gua encanada, falta de emprego, de escola, de moradia digna e de terreno com titulo definitivo para morar. O que estava de fato acontecendo era algo maravilhoso, pois medida que os comunitrios se reuniam, tomavam conscincia de seus direitos de exercer sua autonomia como cidados da forma como afirma P.B. Garcia.

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As pessoas no podem ser desenvolvidas; somente elas podem desenvolver-se a si mesmas... um homem se desenvolve a si mesmo pelo que faz, se desenvolve tomando suas prprias decises, aumentando sua compreenso do que faz e das razes para faz-los... (Pedro B. Garcia, 80.p.114).

Era justamente essa conscincia crtica de autodeterminao, de direito de ser livre para pensar, agir coletivamente, desenvolver-se, que adquiriam nos encontros com os comunitrios de So Pedro. Por outro lado, encontrava resistncia por parte da elite dominante que por no confiar no povo, impe, ordena, determina tudo para que ele continue sob sua dominao. Aquelas 82 famlias no haviam sido consultadas pelas autoridades se queriam, ou no, ser transferidas para morar na Estrada do Fomento. Tampouco a populao itacoatiarense, se necessitava ou no de um Terminal Pesqueiro. A igreja no concordou com a deciso de retirar as famlias da comunidade So Pedro para outro local. Talvez isso, tenha levado o prefeito a promover a venda do CENTREPI, para que naquele lugar fosse construdo o terminal pesqueiro. Essa proposta foi recebida como uma bomba pelo povo catlico da Prelazia de Itacoatiara. Conforme os relatos do senhor Eustquio Lobato, um dos carpinteiros na construo do CENTREPI, o incio da construo foi no ms de maro de 1967, e concludo em dezembro de 1968, inaugurado por Dom Francisco Paulo McHugh, primeiro Bispo da Prelazia de Itacoatiara. As finalidades do Centro de Treinamento eram: a formao de lideranas das pastorais, formao catequtica, encontros culturais tantoGuilherme Fernandes Pereira

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do povo catlico como evanglicos e da sociedade itacoatiarense. de tamanha importncia o que chegou a ser dito:O CENTREPI no deve ser encarado apenas como um lugar estvel, onde se realizam cursos, mas deve ser um tempo de formao visando unidade da pastoral de conjunto da Prelazia O CENTREPI deve ser uma troca de (...). experincias. A vida do CENTREPI depende dos lderes e do povo e o CENTREPI est a servio deles. ( RIBEIRO 1991, p.154).

A notcia da venda do CENTREPI tomou conta da cidade. Nas ruas, nos centros comunitrios, nas filas de bancos, bares, as pessoas que eram interrogadas sobre a venda, a resposta vinha na ponta da lngua: de jeito nenhum, o CENTREPI um patrimnio nosso, do povo cristo. D. Jorge convocou o Conselho da Prelazia para analisar a proposta. As questes foram colocadas: Quais os reais objetivos do Terminal Pesqueiro? Quais as vantagens e quais as consequncias advindas para a populao? Como saber se o peixe vai ficar em Itacoatiara ou ser exportado, como fazem outros frigorficos? No haveria outro local, sem ser o Centrepi e a comunidade de So Pedro para a construo do Terminal Pesqueiro? Enquanto permaneciam em reunio, chegou da parte do prefeito um comunicado explicando as finalidades do terminal pesqueiro: a o terminal pesqueiro no tem fins lucrativos; b) vai ser construdo para que o pescador tenha um lugar apropriado para conservar o pescado, evitando jogar fora quando no fosse vendido e estocar o peixe e evitar o prejuzo do pescador; e32Guilherme Fernandes Pereira

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c) os locais mais apropriados para essa construo: Comunidade de So Pedro e o Centrepi. Entretanto, para os representantes da Igreja ainda ficavam as dvidas:Vendendo o Centrepi, estaremos realmente contribuindo com a populao garantindo o abastecimento do peixe ou estaremos beneficiando grupos que s visam a lucros? Quem garante que o povo ser beneficiado, se a populao quase no encontra peixe e quando encontra o preo elevado? Se no est existindo nem para o consumo do dia-a-dia, como vai existir para estocar? Sabe-se que os frigorficos particulares que existem esto exportando toneladas de peixe liso (surubim, dourado, etc.) enquanto o povo mal encontra um peixe pequeno para o almoo? Ser que os pescadores tero interesse em vender seu peixe para o terminal pesqueiro ou para quem melhor pagar? CIP (Caderno Informativo do Povo da Prelazia, ano 5, n 29_julho/ agosto de 1980).

A reunio do Conselho terminou sem uma definio para a venda do Centrepi.

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1.1 A repercusso social e da mdia sobre a venda do CENTREPI e a instalao do terminal pesqueiroA repercusso da venda do Centrepi ganhou um espao grande na proporo da sua importncia para o povo cristo, que logo a notcia se espalhou e, chegou aos municpios de Itapiranga, Silves, So Sebastio do Uatum, Urucurituba, Urucar, Presidente Figueiredo e a toda a rea da Prelazia. Nos dias 1 e 2 de agosto de 1980, Dom Jorge consultou as principais lideranas das Comunidades Eclesiais de Base e os agentes pastorais para decidir sobre a venda ou no do Centrepi. Decidiram pela vontade da maioria da populao, de no vend-lo. A populao vivia numa grande expectativa, pois o assunto navegava por um rio, que mais cedo ou mais tarde desembocaria numa crise de grande proporo entre os poderes executivo, legislativo e a igreja. No deu outra. Sem nenhuma consulta populao, o inesperado aconteceu, conforme relato de Francisco Gomes:cf. decreto n55, de 7 de agosto de 1980, a Prefeitura Municipal decretou de utilidade pblica, para efeito de desapropriao, o imvel onde estava instalado o CENTREPI - Centro de Treinamento da Prelazia de Itacoatiara. Da mesma forma, pedia autorizao legislativa Cmara para doar ao Ministrio da Agricultura a aludida rea, A fim de ali ser construdo o Terminal Pesqueiro. Ocorre que o assunto ganhou enorme repercusso poltica e gerou grande tenso na cidade,... (SILVA, Francisco Gomes da. 98 p.341).

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Logo que a notcia do decreto de desapropriao chegou aos ouvidos do povo, as comunidades eclesiais de base, as associaes, os sindicatos e a pastoral da juventude se mobilizaram com abaixo- assinado, passeatas, apresentando cartazes com dizeres de protestos contra a venda do Centrepi, contra o autoritarismo e o abuso de poder. Segundo o CIP, no dia 19 de agosto de 1980:O povo vai Cmara Municipal, neste dia os vereadores iam votar o ecreto desapropriatrio: mais ou menos 150 pessoas vo participar, pacificamente, e demonstrar seu descontentamento, porque parte da rea do Centrepi est em vias de ser desapropriada pela prefeitura. Os vereadores do PDS com assento naquele poder legislativo eram a maioria, e ao verem a manifestao popular, retiraram-se antes de comear a sesso. Uns deixando o palet pendurados nas cadeiras, dizendo que iam ao banheiro, outros simplesmente foram embora. (CIP Caderno Informativo do Povo da Prelazia/ agosto de 1980).

Com medo da manifestao popular, os vereadores no compareceram plenria da Cmara, exceto os da oposio: Francisco Ramos de Melo e Bernardo Almeida. O povo percebeu que a atitude dos vereadores era uma grande falta de respeito para com aqueles que o elegeram. Indignados protestaram dizendo: Queremos votao, queremos votao. Queriam que o decreto fosse colocado em pauta de discusso, votado e rejeitado pela maioria. Mas, no havia qurum, isto , o nmero regimental de vereadores presentes, para que os trabalhos da Cmara fossem efetivados.Guilherme Fernandes Pereira

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No dia seguinte, o povo retornou Cmara, pois ouviu dizer que o documento de desapropriao seria votado naquele dia. Porm o vice-presidente da Cmara, sr. Jander Nobre avisou aos presentes que decreto fora pedido de volta pelo Prefeito Municipal para arquiv-lo. Os manifestantes com muita alegria retiraram-se, seguindo direto Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosrio para agradecer a Deus e Padroeira pela vitria alcanada. Dom Jorge soube que o povo tinha ido igreja,dirigiu-se at o local para tambm agradecer a Deus e ao povo que lhe deu todo apoio e solidariedade.

1.2 A repercusso da venda do CENTREPI A histria do Terminal Pesqueiro e a luta popular descrita atravs dos principais jornais de Manaus e as respostas dadas pelo Caderno Informativo do Povo (CIP).JORNAL DO COMRCIO DE 21 DE AGOSTO DE 1980Na ltima tera-feira, cerca de 100 pessoas mobilizadas pelos religiosos portando faixas e cartazes compareceram quele legislativo (Cmara), impedindo, por tumulto, a deciso dos vereadores. A mesa pediu a presena da polcia no podendo prosseguir nos seus trabalhos, suspendendo-os.

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RESPOSTAS DADAS PELO CIP:Quem esteve presente na Cmara nos dias 19 e 20 de agosto de 1980 pde perceber as inverdades que tem nesse artigo: Primeiro: As pessoas compareceram Cmara por livre iniciativa. No foram mobilizados pelos religiosos; Segundo: As pessoas se manifestaram s para bater palmas quando alguns dos vereadores da oposio falavam: Queremos votao, Quando o Presidente da Cmara disse que o assunto seria votado em uma outra reunio; Terceiro: A polcia compareceu, mas ao ver que tudo estava em paz, ficou do lado de fora, observando.

De fato, alm de ns que estvamos presentes nas duas manifestaes duas pessoas: Umbelice Pereira e Raimundo Par afirmaram categoricamente que os fatos ocorreram tal como esto narrados no CIP.

1.3 Notcia relativa ao mesmo assunto veiculado pelo jornal A Crtica em 21 de agosto de 1980:A invaso inesperada de anteontem de aproximadamente 200 pessoas encabeados pelo Pe. Terncio impediu que a Cmara Municipal de Itacoatiara votasse durante a reunio da ltima segunda-feira o projeto de Lei de desapropriao de uma rea de terras no Bairro do Jauary destinada construo do Terminal Pesqueiro daquela cidade. O problema que j vem se arrastando h cerca de dois meses chegou ao clmax durante a reunio da Cmara, quando populares, demonstrando hostilidade para com os vereadores,Guilherme Fernandes Pereira

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invadiram o legislativo para impedir a votao. Em virtude dos nimos estarem exaltados e do Plenrio encontrar-se completamente tumultuado pela presena dos populares, o vereador Presidente Jos Resk chegou a propor a retirada da bancada do PDS que detm a maioria da casa ficando o projeto desapropriatrio para ser votado na reunio do dia seguinte, ontem, s que no houve nmero regimental para a Cmara se reunir. A falta de segurana no legislativo de Itacoatiara segundo o vereador Jos Resk foi um dos determinantes que impediram a votao.

RESPOSTA DO CIP Dos dias 19 e 20 de agosto de 1980.1. Pe. Terncio trabalha em Urucar e esteve de passagem por Itacoatiara; 2. O povo no demonstrou hostilidade pelos vereadores, pelo contrrio, aplaudia aqueles de oposio, principalmente o vereador Francisco Ramos Melo que sempre se manifestava a favor do povo; 3.O povo no impediu que o projeto fosse votado, pediu sim a sua votao, uma vez que era do seu maior interesse.

O embate travado na histria do Terminal Pesqueiro, entre o poder dominante e a fora popular unida e organizada, serviu para ensinar e refletir que: a classe dominante defende e faz de tudo para defender seus prprios interesses. Ela no se importa se a maioria vai ficar prejudicada. A classe dominada precisa estar atenta, permanentemente unida e organizada procurando ver melhor aqueles que vo pedir votos no tempo de eleio prometendo defender o povo, depois de eleitos no38Guilherme Fernandes Pereira

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cumprem o prometido. Enfim, a verdade vem tona sobre as finalidades do Terminal Pesqueiro. De acordo com a afirmao do coordenador da SUDEP, (Superintendncia de Desenvolvimento da Pesca) sr. Joo Cunha Blos - setembro de 1980, uma das finalidades do Terminal Pesqueiro de Itacoatiara ser o abastecimento de Manaus. Citado pelo Caderno Informativo do Povo de Itacoatiara (CIP) Ano 5, n 30 - setembro/ outubro.

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Captulo IIIConflitos pela Posse da Terra na Zona Rural e Interveno do Sindicato RuralNo municpio de Itacoatiara, a luta pela posse da terra se travou entre os latifundirios que se dizem donos das terras e os despossudos que no tm um palmo de terra para morar, geralmente sempre, os primeiros levam vantagens na disputa. Na zona rural do municpio de Itacoatiara aconteceram vrios conflitos. Citaremos apenas quatro.

1 Conflitos na Colnia do ItaubalNa Colnia do Itaubal o conflito j se arrastava desde a dcada de 70. Mais ou menos quarenta famlias dos sem-terra ocuparam uma rea devoluta com a inteno de cultivar e dar o sustento para suas famlias. Naquela rea, tambm residia um senhor de sobrenome Ozaki que se dizia proprietrio daquelas terras. Entendendo que as terras lhe pertenciam, o senhor Osaki interveio de modo arbitrrio e at agressivo junto s famlias. Assim o senhor Ozaki e mais cinco capangas dizendo-se ser o dono daquelas reas de terra, fez ameaas de expuls-las, se no sassem o mais rpido possvel. As famlias ficaram apavoradas, e a cada ameaa, tremiam de medo, pois no havia a quem recorrer. Na poca, no existia o movimento dosGuilherme Fernandes Pereira

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sem-terra. O Sindicato dos Trabalhadores Rurais tomou conhecimento por meio do sr. Antnio Ferreira Neves que era o secretrio do Sindicato e conhecido de algumas daquelas famlias. Em defesa dos posseiros, o Sindicato de imediato agiu. Ao consultar o INCRA, (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria) detectou que mais da metade daquelas terras no estavam registradas em nome do senhor Ozaki e em nenhum outro nome, isto , pertenciam ao Estado, portanto a rea ocupada por aquelas famlias eram devolutas. Com a interveno dos trabalhadores rurais e do Sindicado, o conflito foi amenizado e a desapropriao impedida, entretanto, os resqucios do conflito permaneceram. Dois moradores do local, os irmos Francisco e Raimundo Rolim que defendiam os interesses do dito dono se desentenderam com o secretrio do Sindicato, o sr. Antnio Ferreira Neves. O desentendimento ocorreu porque o secretrio tambm adquiriu uma rea de terras no Itaubal, a qual foi imediatamente limpa e cercada. Isso foi o suficiente para suscitar o dio dos irmos Rolim que numa emboscada sacaram as armas e desferiram dois tiros no peito e nas costas do sr. Antnio, que caiu sem vida deixando esposa e sete filhos na orfandade. Os trabalhadores rurais ligados ao Sindicato e s famlias moradoras daquela localidade ficaram revoltados e exigiram que o caso fosse investigado e os culpados fossem punidos. Porm, apesar do esforo do Sindicato, os assassinos no foram a julgamento. Diante de todas as dificuldades os trabalhadores no desistiram e agindo conjuntamente com o Sindicato obtiveram as seguintes conquistas: 1. O assentamento definitivo das famlias e suas terras no Itaubal; 2. A abertura da estrada para o escoamento dos seus produtos, realizada em forma de mutiro;42Guilherme Fernandes Pereira

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3. E a abertura do Cavado (um igarap que seca no perodo de vero e que d acesso a todas as comunidades do Rio Arari).

2 Conflito em So Francisco do Igarap do Pa Rio ArariEsse segundo conflito pela posse da terra, aparentemente, sem muita importncia, teve uma enorme repercusso. Havia na comunidade de So Francisco do igarap do Pa, vinte famlias que moravam nessa localidade h mais de quarenta anos. Com seus terrenos todos cultivados com rvores frutferas, benfeitorias e j cadastrados no INCRA (Instituto Nacional de Colonizao e Reforma Agrria). Nessa regio, havia um senhor apelidado de Venezuela, que dizia ser o dono de todas aquelas terras. Na verdade, Venezuela era pecuarista, possua muitas fazendas de gado, era um homem truculento e ambicioso. Usou de certa influncia com algumas autoridades para intimidar as famlias que ali residiam. Certo dia, os moradores receberam uma notificao do juiz Dr. Valfrido Maia para que se retirassem daquele lugar, alegando que toda aquela rea pertencia ao Venezuela. O sindicato, atravs do setor jurdico, interveio, orientando os moradores para que no sassem do local. O truculento fazendeiro ameaava, dizendo ou vocs vo sair por bem, ou pela fora. Estipulou uma data para retirar as famlias, caso resistissem, ele levaria um peloto da polcia militar para expuls-las. Os moradores, por seu lado, no esmoreceram, armaram-se de espingarda, terado, arpo, zagaias, com esse arsenal, prepararam-se para dar a resposta ao Venezuela. A situao ficava mais tensa. Cada diaGuilherme Fernandes Pereira

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Venezuela fazia novas ameaas e as famlias resistiam. Antes que terminasse em tragdia, a Igreja, por meio de Dom Jorge Marskell, da Pastoral da Terra e o Sindicato Rural agiram: convocaram uma reunio juntamente com as lideranas daquelas famlias, elaboraram dois ofcios convocando o FETAGRI (Federao dos Trabalhadores na Agricultura) e o Governador Gilberto Mestrinho narrando os fatos e, ao mesmo tempo solicitando urgente soluo para o caso. A resposta foi rpida e decisiva. O Governador enviou uma equipe composta por engenheiros tanto da FETAGRI quanto do INCRA e agentes da polcia federal, que foram ao local do conflito, examinaram os terrenos e chegaram concluso de que aquelas famlias estavam agindo de acordo com a lei. Portanto, ningum tinha o direito de expuls-las. Ao se retirar deixaram um documento que autorizava a permanncia das famlias naquela localidade e assegurava a proteo de vida e integridade delas. Foi mais uma vitria dos trabalhadores que permaneciam unidos e organizados no seu Sindicato e na Igreja.

3 Conflito em Iracema Costa da ConceioSegundo relatos do sr. Jaime Arruda, em 1982, na localidade denominada Iracema, na Costa da Conceio, municpio de Itacoatiara, h muito tempo moravam 46 famlias. Eram elas pessoas simples e humildes na maneira de viver, no tinham nenhuma ambio a no ser o puro desejo de plantar a terra e dela retirar o seu sustento, assim como faziam outras tantas famlias. Tanto assim, que o nico documento que possuam dessas terras era o registro do INCRA (Instituto de Colonizao e Reforma Agrria).44Guilherme Fernandes Pereira

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Ao lado dessas famlias, morava um senhor de nome Joaquim Barata que tomava conta de uma enorme rea de terras, que em extenso, era superior ao tamanho da rea ocupada pelas 46 famlias. Segundo o senhor Barata, as terras pertenciam ao seu irmo, Rio Negro Queiroz, que morava em Manaus. Mas o senhor Queiroz no estava satisfeito com toda terra que possua, seu desejo era ampli- la para a criao de bfalos, e a maneira mais fcil de fazer isto, seria expulsando as famlias de alguma maneira e apossando-se das terras ocupadas. Diante de tal propsito, a perseguio no demorou. A primeira forma foi a tentativa de convencer as famlias a abandonar aquele lugar. Assim dizia o senhor Barata: - Aqui no h prosperidade para as famlias. No h Escola para a crianada aprender, as plantaes so de curta durao. Entre os moradores havia uma pessoa que era bastante alegre e extrovertida, chamada Manoel Pinheiro Lucena. Na verdade, Manoel era o lder daquela comunidade, amigo de todos os comunitrios, scio do Sindicato Rural e muito conhecido em Itacoatiara. Aos domingos, como de costume da maioria dos moradores da zona rural, Manoel com sua famlia e as demais famlias iam Capela de Nossa Senhora da Conceio, padroeira daquela comunidade, para as celebraes. Aps os atos religiosos reuniam-se, sempre sob a liderana de Manoel para discutir seus problemas e juntos encontrarem soluo. Numa dessas reunies dirigidas por Manoel, diante do problema das terras, de comum acordo decidiram: 1- no temer as ameaas; 2- no sair das terras; e45

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3- recorrer ao Sindicato e Igreja, a fim de adquirir apoio e lutar at o fim para conquistar os seus direitos. E assim, recorreram ao Sindicato e Igreja, dos quais receberam total apoio para permanecerem e lutarem pela posse da terra. Por parte da Igreja, Dom Jorge acionou a Pastoral da Terra que em conjunto reuniu com o Sindicato, enviaram ofcio a FETAGRI (Federao dos Trabalhadores da Agricultura) e ao INCRA para resolver esse impasse. As duas instituies, depois de acionadas e cientes dos fatos, oficializaram ao senhor Queiroz exigindo que deixasse as famlias em paz. Diante desse fato, Queiroz e Barata abandonaram temporariamente as ameaas. Com muita alegria os comunitrios festejaram aquela conquista, sem imaginar que o pior estava por vir. Na zona rural, comum os companheiros trabalhadores se ajudarem em forma de puxirum1 ou mutiro. Manoel com seu sorriso alegre corria o rio, assobiando, remava de canoa com seu filho de 10 anos de idade, para prestar ajuda a um companheiro em um desses trabalhos. De sbito, ouviu uma voz: - Manoel, tu no vai sair das minhas terras? Manoel olhou para o lado, era o senhor Barata. E de prontido e com firmeza respondeu. - No! Nem eu e nem meus companheiros! - Ento toma essa!_____________________________ 1- Puxirum = Mutiro - Segundo o Aurlio:[Do tupi] auxlio gratuito que prestam uns aos outros os lavradores reunindo-se todos da redondeza e realizando o trabalho em proveito de um s, que o beneficiado, mas que nesse dia faz as despesas de uma festa ou funo. Esse trabalho pode ser a colheita, ou queima ou roado, ou plantio , ou taipamento ou construo de uma casa.46Guilherme Fernandes Pereira

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Barata disparou um tiro certeiro no peito de Manoel, que caiu sem vida, sendo amparado apenas pela sua canoa e na presena da criana. O fato ocorrido foi uma tragdia para aquelas famlias, mas o sangue derramado desse trabalhador serviu como semente que jogada em terra frtil d frutos e se multiplica gerando no meio da sociedade mais unio, perseverana na luta para construo de um mundo melhor. Esse fato foi um exemplo digno daqueles que do a prpria vida em favor de seus amigos, como fez o Senhor Jesus que afirmou: EU GARANTO A VOCS: SE O GRO DE TRIGO NO CAI NA TERRA E NO MORRE, FICA SOZINHO. MAS SE MORRE PRODUZ MUITO FRUTO ( Jo. 12,24). Da parte da justia este foi um caso em que o assassino no foi julgado, e o caso permaneceu no esquecimento.

4 Conflitos entre os Trabalhadores Rurais e o Banco do BrasilNo governo do Presidente Joo Batista de Figueiredo (1979 1985), houve um programa em nvel nacional de financiamento aos trabalhadores rurais com o ttulo Plante, que o Joo garante. Conforme o senhor Jaime Arruda, presidente do Sindicato Rural de Itacoatiara e Manoel Castro: o Banco do Brasil financiou a ttulo de emprstimo aos trabalhadores rurais, muito dinheiro, entretanto, no houve um rigoroso critrio na forma de aplicao do mesmo. Isto , no havia um planejamento, nem uma definio, em que rea de negcio o recurso deveria ser aplicado: se na agricultura, na pecuria, na pesca, ou em outras atividades.Guilherme Fernandes Pereira

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Em decorrncia da falta de planejamento na aplicao do dinheiro financiado, alguns trabalhadores rurais usaram o emprstimo para compra de rdios, televisores, aparelhos de som, etc., outros aplicaram no comrcio. Foi uma minoria que usou devidamente o recurso para a agricultura. Algum tempo depois, veio a fiscalizao e encontrou poucas terras cultivadas. Grande parte dos financiados, no sanaram uma parcela sequer das prestaes, por falta de condies, uma vez que a aplicao do dinheiro foi desviada da sua finalidade: a agricultura. Foi ento, que o gerente do Banco do Brasil, agncia de Itacoatiara, senhor Djacir Rodrigues, ameaou os trabalhadores rurais afirmando que iria tomar os terrenos, casas, canoas, utenslios de pesca, e todos os outros bens para quitar as dvidas. Com essa ameaa os trabalhadores ficaram muito apavorados. Recorreram imediatamente ao Sindicato Rural que nesse perodo (1982), contava no mdio Amazonas com dois Sindicatos, o do municpio de Itacoatiara e outro do municpio de Borba. Nos demais municpios da regio, funcionavam apenas as Delegacias Sindicais. As grandes questes como essa, entre trabalhadores rurais e o Banco do Brasil seriam discutidas e decididas na sede do Sindicato Rural de Itacoatiara. Os trabalhadores rurais pertencentes s delegacias dos municpios de Urucurituba, Boa Vista do Ramos, Urucar, So Sebastio do Uatum, Itapiranga, Silves, subordinados ao Sindicato de Itacoatiara, e os dos municpios de Nova Olinda do Norte, Autazes e Borba, ao Sindicato de Borba, aproximadamente oito mil trabalhadores, reuniramse em Assembleia Geral na sede do Sindicato de Itacoatiara com dois representantes da FETAGRI, (Federao dos Trabalhadores da Agricultura), dois representantes do Banco do Brasil e os delegados de oito municpios.48Guilherme Fernandes Pereira

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Aps a produtiva discusso decidiram levar a questo Capital Federal (Braslia) aos ministros da Agricultura e do Trabalho e um abaixo-assinado contendo 5.698 assinaturas com as seguintes propostas: 1- Prorrogao dos dbitos e com menos juros nas prestaes; 2- O compromisso dos trabalhadores para pagar as dvidas; 3- Elevao dos preos dos produtos agrcolas, inclusive da juta para todo o Estado do Amazonas; 4- A transferncia do gerente do Banco do Brasil da agncia de Itacoatiara, sr. Djacir Rodrigues. Nessa Assembleia, tambm houve a escolha dos representantes que iriam a Braslia para apresentar as propostas. Os escolhidos foram o senhor Jaime Arruda, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itacoatiara e o senhor Prudncio Morais, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Borba. Os dois lderes viajaram at Manaus, e na oportunidade aproveitaram para solicitar tambm o apoio dos Deputados na Assembleia Legislativa do Estado, dos quais obtiveram todo o apoio necessrio, recebendo inclusive uma Carta de Recomendao do Presidente da Assembleia, senhor Josu Cludio de Souza. Em Braslia, os representantes dos agricultores foram recebidos pelos Ministros, para os quais expuseram os motivos que os levavam at eles. Entregaram as propostas, o abaixo assinado e aps a audincia, imediatamente obtiveram uma resposta positiva por parte dos ministros. Todas as reivindicaes foram deferidas. Receberam inclusive parabenizaes e elogios das autoridades pela tomada de atitude.

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5 A Invaso de Lagos e a Pesca Predatria - Importncia da CPT (Comisso Pastoral da Terra) nesse processoNo sistema capitalista, o regime que valoriza os detentores dos meios de produo, no existem limites para conter a ganncia do lucro. A ganncia est acima de tudo, no importando se para atingir seus intentos destri a prpria vida, sua ao devastadora. Desde a dcada de 1960, j havia nos lagos do municpio de Itacoatiara a pesca predatria. Grandes e mdios barcos invadiam lagos na captura indiscriminada de peixes como, por exemplo, no lago Sarac, na Ilha do Risco, Lago do Batista, Ara e Tapaiuna no Rio Arari. Utilizavam redes de arrasto, malhadeiras, tarrafas de malha mida, para pescar grande quantidade de peixes e tambm quelnios. Os peixes de maior porte e de maior valor comercial eram levados, os menores jogados fora, servindo apenas como refeio para os urubus. Com o tempo, os problemas comearam a aumentar, tanto para o trabalhador rural quanto para o povo da cidade. O peixe, principal alimento na mesa do pobre estava faltando, chegando ao ponto de se recorrer aos alimentos enlatados (sardinha, carne em conserva) vindos do sul do pas para alimentar as comunidades.

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6 A Reao das Comunidades Diante das InvasesAs rosas, as flores, a flora no falam. Os bichos gritam, mas tambm no falam. talvez por isso, que sua eliminao vai ocorrendo e, por meio dela vo se vidas inteiras. Mas ns falamos, vamos gritar por nossos direitos.

(Fala de Manoel Capim, um membro da comunidade Nossa Senhora do Perptuo Socorro, Lago do Aibu, durante um encontro no Centrepi).

Em outubro de 1983, as lideranas das Comunidades que estavam sendo mais atingidas pela pesca predatria se reuniram para um grande encontro no Centro de Treinamento da Prelazia (CENTREPI), com o objetivo de discutir e encontrar uma soluo urgente para o problema das invases nos lagos. Compareceram neste encontro aproximadamente 100 (cem) pessoas, onde cada representante de comunidade expunha sua situao. Aps esta exposio, trs propostas foram eleitas como as mais viveis para dar soluo ao problema a curto, mdio e longo prazo. Ficando assim definido: 1) Mobilizao da comunidade os animadores de comunidade ficaram responsveis de reunir com as demais pessoas (catlicas, evanglicas, e as que no tinham nenhum credo religioso), a fim de sensibiliz-las da necessidade de entrar na luta para impedir os invasores; 2) Distribuio de tarefas na luta contra a invaso A princpio todos os envolvidos na luta ficaram de sobreaviso na vigilncia dos lagos. Essa vigilncia consistia em uma ao cansativa diria para apenas uma famlia, e assim seria difcil por em prtica essas aes. Por isso, essaGuilherme Fernandes Pereira

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vigilncia tornou-se uma tarefa socializada com todos que acreditavam no movimento. Havia um revezamento na vigia dos lagos e cada famlia ficava responsvel diretamente por uma semana, na observao quanto entrada de barcos pesqueiros no lago. Cada semana, uma famlia fazia o seu planto de vigilncia, num revezamento constante, de modo que no sobrecarregasse apenas uma famlia. Assim que avistavam o barco desconhecido, outros moradores eram avisados e logo em seguida se mobilizavam para impedir a invaso. Era um trabalho de alto risco, pois quase sempre os invasores se recusavam a obedecer ordem dos comunitrios de se retirarem sem uma determinao judicial; e 3) O trabalho educativo e de conscientizao deveria continuar, pois se algum da prpria comunidade juntamente com os invasores, continuasse pescando e sem conscincia de preservao, o prejuzo era de todos. Sem preservar as reas de vrzea e sem deixar uma quantidade de peixes suficiente para a reproduo, os estoques iriam diminuir podendo acabar. Com isso, todo mundo perdia, principalmente as famlias pobres dos pescadores, que no tendo o peixe para seu alimento, nem para vender e garantir a sua sobrevivncia sofreriam ainda mais. Apesar das dificuldades prticas, as aes propostas naquela grande reunio surtiram efeito e funcionaram. Vale ressaltar que devido insistncia e a frequncia de muitos invasores, algumas comunidades optaram por usar armas de fogo (sem violncia) para intimid-los. Com esta operao de bravura e coragem, os invasores percebiam que os comunitrios no estavam ali para brincadeiras. Com isso, os comunitrios saam vitoriosos em todas as operaes que realizavam. Embora a CPT no fosse um organismo propriamente de luta, mas uma pastoral social educativa, ela trouxe relevante contribuio na52Guilherme Fernandes Pereira

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formao dos trabalhadores e em especial s comunidades mais distantes do municpio de Itacoatiara. necessrio tambm destacar como se deu a contribuio da CPT, na formao e luta das comunidades rurais. A experincia da CPT em outros estados era tambm positiva; ela fomentava a luta dos agricultores das comunidades, que movidos pela f e pela sede de justia enfrentavam os grandes do poder poltico e econmico. Faremos um breve relato da ao educativa da Comisso Pastoral da Terra (CPT), que tanto contribuiu para elevar a conscincia crtica de preservao junto populao das comunidades do interior de nosso municpio. Os relatos extrados da agenda do sr. Bento Silva de Menezes, 1981, do conta de que a CPT (Comisso Pastoral da Terra) comeou a atuar na questo da invaso de lagos, igaraps e a pesca predatria a partir da Assembleia do Povo, realizada na Cidade de Silves nos dias 15,16, 17 e18 de janeiro de 1981. Oportunidade na qual foram debatidas com muita nfase as invases dos lagos, a comercializao do peixe, quelnios e a ganncia dos grandes pesqueiros. Embora a CPT j viesse atuando desde 1978, num trabalho educativo para o desenvolvimento sustentvel que envolvia a educao ambiental, percebeu-se naquele encontro que houve pouca evoluo por parte do caboclo intervir no que tange conservao ambiental. Por isso, o assunto retornava discusso, pois no haviam cessado essas invases. O caboclo simples, humilde, com pouca ou nenhuma escolaridade tinha como caracterstica uma baixa autoestima. Em decorrncia disso, considerava-se um incapaz, depositava sua confiana somente nos polticosGuilherme Fernandes Pereira

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ou nas autoridades e como a soluo no vinha, buscava no alcoolismo o refgio para os seus problemas. A partir desse contexto a Comisso Pastoral da Terra, percebeu que as comunidades rurais deveriam ir de encontro a essa triste realidade, e comea a atuar por meios de estudos de: Lideranas e dinmicas de grupo num processo democrtico e participativo; Preparao da terra para o plantio; Preservao de lagos, rios, florestas e dos animais silvestres; Noes de cultura e de valores da dignidade humana, do potencial que o caboclo tem de amar a terra onde nasceu e nela se fixar; Conscientizao coletiva, crtica e cidad; Nesse processo de formao, as comunidades contaram com o auxlio de convidados e intelectuais ilustres como Daniel Rech que discorreu sobre as Leis Agrrias e a necessidade de uma reforma agrria geral; Jos de Souza Martins, da Universidade de So Paulo, exps sobre a sociedade capitalista e como a classe dominada toma conscincia da sua fora quando age coletiva e organizadamente; Dom Pedro Casaldliga, Bispo de So Flix do Araguaia que falou da ao dos leigos cristos na conjuntura daquele perodo. Contou-se tambm com a excelente contribuio de Giancarlo Steffani e Irm Helena Siqueira no processo educativo dos trabalhadores e das comunidades rurais. Com o despertar crtico dessa formao, logo os trabalhadores perceberam que a luta necessitava de um envolvimento maior e que atuao da CPT tinha seus limites, no poderiam ficar restritos a cursos54Guilherme Fernandes Pereira

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e encontros. Partiram ento para projetos prticos como: o grupo de trabalhadores independentes do patro; criao de Cooperativas; apoio sindicalizao ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itacoatiara STRI; Associao de Desenvolvimento dos Trabalhadores do Paran da Eva ASCOPE, criada na dcada de 90 e que trouxe desenvolvimento e benefcios aos trabalhadores da regio. A contribuio da CPT em Itacoatiara, de 1978 a 2001, foi marcante porque deixou um legado de conhecimento para mudana no comportamento das comunidades. No se pode afirmar que sua contribuio foi 100% frutificada, mas certamente as pessoas que mais se envolveram nesse processo de educao e de mudana conseguiram compreender que: O meio ambiente ecologicamente equilibrado direito de todos, bem de uso comum, essencial qualidade de vida sadia; Preservar e defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado para o presente e as futuras geraes dever do poder pblico e da coletividade; Preservar e defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado antes de ser um dever, um compromisso tico para com o presente e as futuras geraes. Preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado , acima de tudo, dar oportunidade a todo homem e mulher ter educao, sade, moradia, emprego e lazer com dignidade sem estar na dependncia de algum.

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7 O ltimo Encontro da Comisso Pastoral da Terra CPTNos dias 25 e 26 de abril de 2001, aconteceu o ltimo encontro da Comisso Pastoral da Terra CPT, com os Agentes Ambientais, IBAMA, e o Movimento de Educao de Base MEB de Itacoatiara, no qual ramos representantes. Participaram do encontro: o pessoal do IBAMA de Manaus, representado pelo Dr. Walmir Santos, 120 Agentes Ambientais das Comunidades Rurais, representado por 8 mulheres, 30 adolescentes de 12 a 17 anos, 82 homens, o representante do MEB, professor Guilherme Fernandes Pereira e o coordenador geral dos Agentes de Proteo Ambiental da Prelazia, o sr. Caiano Rodrigues. Os temas estudados no dia 25-04/2001 foram: o Ordenamento pesqueiro conceitos e objetivos; Competncia e responsabilidade do setor pblico que atravs de Leis, Decretos e Portarias e aes motivam a sociedade a conservar os estoques pesqueiros; Gesto participativa com diretrizes para uma pesca racional dentro das normas legais e ambientalmente aceitas. Abordagem sobre a pesca na regio: pesca de subsistncia, pesca artesanal de carter comercial, pesca industrial, tipos e arreios. A piscicultura como alternativa de produo de alimentos. No dia 26-04-2001 os estudos foram sobre: Flora e tipos florestais56Guilherme Fernandes Pereira

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Classificao comum: distino das florestas de terra firme, de vrzea, de igap. Floresta de vrzea, igap e vida aqutica. Mata ciliar. Floresta de preservao permanente e Floresta de reserva legal Lei 4.771/65. Causas e consequncias do desmatamento. Neste encontro, tivemos a oportunidade de ouvir e aprender com as experincias de preservao da sra. Socorro da Silva Rodrigues - agente ambiental, representando as Comunidades dos Lagos: Ara, Tapaiuna, Batista e o Rio Arari. Representando a Comunidade Santa Maria do Boqueiro, a senhora Maria do Carmo Maciel Rodrigues- agente ambiental, defensora dos lagos: Tuiui da Ilha do Risco, Lago de Manuteno, Lago do Tracaj, onde at hoje esto sendo preservados o pirarucu, quelnios e a capivara. A senhora Maria do Carmo relatou tambm, como foi criada a Associao dos Pequenos Agricultores Rurais da Comunidade de So Sebastio da Ilha do Risco e organizada com incentivo da CPT. O Agente Ambiental Normando Martins Vieira, do Lago de Serpa, Comunidade Sagrado Corao de Jesus, fez seu relato destacando que a preservao do Lago de Serpa foi uma experincia vlida e de fundamental importncia, na qual se aprendia a conviver na adversidade e nos interesses comuns da coletividade. A CPT encerrou suas atividades como Pastoral na Prelazia neste ltimo encontro. O fim da CPT foi o resultado das mudanas ocorridas na Prelazia com o falecimento do Bispo Dom Jorge Marskel, que tinha como linha de ao pastoral, uma concepo ligada Teologia da Libertao, e os direcionamentos preferenciais pelos pobres e oprimidos.Guilherme Fernandes Pereira

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Nestes quase 30 anos de existncia, a CPT deixou um legado importante no contexto das lutas das comunidades do interior de Itacoatiara. Como dissemos no incio, ela no era um organismo de luta, mas deixou sua marca de formao conscientizadora. Atualmente muitas comunidades desfrutam de experincias exemplares de organizaes que deram e continuam dando frutos. Um dos exemplos que podemos citar o da Comunidade de So Joo do Ara, Rio Arari, que anualmente faz o manejo do Pirarucu, trabalha a gerao de renda atravs da confeco de bio-jias e desfruta de uma organizao que permite aos comunitrios uma vida mais digna e humana.

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Captulo IVAs Lutas1 Lutas pela Posse da terra na Zona Urbana 1.1 A Luta dos sem teto por MoradiaEm meados dos anos 80 um grande nmero de pessoas que veio da zona rural em busca de melhores condies de vida, emprego e de educao para seus filhos no tinha casa para morar. Na cidade passaram a morar com parentes, conhecidos, em alguns casos em casa alugada. Em 1985/87, havia aproximadamente 700 famlias vivendo nessa situao morando nos bairros do Jauary, Santo Antnio, Arajo Costa. E na Rua Guianas Brasileiras, atual Armindo Auzier, no bairro do Jauary, havia uma extensa rea de terra que pertencia aos senhores Nicolas Lekakis e Agenor Prado que estava ociosa e abandonada. O Movimento dos Sem-Terra foi criado no incio de 1986, a partir da iniciativa de algumas lideranas das famlias que no tinham casa para morar. Em setembro de 1986 j havia mais de 400 famlias cadastradas no Movimento. As famlias percebendo que a rea das Guianas Brasileiras estava devoluta foram por repetidas vezes Prefeitura solicitar do prefeito que a mesma fosse desapropriada e negociada com as famlias que no tinham onde morar. A resposta do prefeito, poca senhor Mamoud Amed, tinha sempre a mesma resposta, vou estudar com carinho o caso, passemGuilherme Fernandes Pereira

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outro dia para eu dar uma resposta definitiva. O tempo passou, e como a resposta do prefeito no veio, eles decidiram ocupar a rea. Tudo ocorria bem durante aquela ocupao. As famlias felizes construam seus barracos na esperana de l fixar definitivamente sua casa. De repente, surgiu polcia cumprindo ordem judicial e com ao truculenta, logo foi derrubando os barracos, recolhendo tudo que estava na rea. Prenderam e espancaram Antnio Carlos Lira Menezes, sob a acusao de agresso e desacato autoridade. O povo ficou indignado, quando soube que o sr. Nicolas Lekakis acusou publicamente Dom Jorge de ter sido o mandante da ocupao. Foi quando o CDDH Centro de Defesa dos Direitos Humanos e a CPT Comisso Pastoral da Terra, passaram a inteirar-se melhor dos fatos e prestar solidariedade s famlias, ao Movimento dos Sem-Terra e a Dom Jorge.

1.2 Em Defesa de Dom Jorge e das Famlias dos Sem-TerraUm documento dos arquivos da Prelazia de Itacoatiara, a respeito desses acontecimentos, assim se expressa:O Centro de Defesa dos Direitos Humanos CDDH e a Comisso Pastoral da Terra CPT da Prelazia de Itacoatiara, vem de pblico manifestar irrestrita solidariedade s famlias dos Sem-Terra, prestar alguns esclarecimentos opinio pblica uma vez que fizeram acusaes gratuitas pessoa de Dom Jorge Marskell e repudiar com veemncia a arbitrariedade e violncia praticada pela Polcia Militar.60Guilherme Fernandes Pereira

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Esclarecemos que o Movimento dos Sem-Terra de Itacoatiara nasceu por iniciativa dos trabalhadores sem casa pra morar. No houve interferncia da Prelazia na sua organizao, embora merea todo o nosso apoio. . repudiamos a calnia e a difamao dirigida a Dom Jorge como mandante da ocupao. O povo ocupou a rea porque est cansada de clamar e no ser ouvida pelos homens que tm tarefa de ouvir os anseios populares. Reafirmamos que o Movimento dos Sem-Terra autnomo. Tem o apoio da Prelazia de Itacoatiara, pois baseados na palavra de Deus e da Igreja, entendemos que a terra de Deus e, portanto, deve ser terra de irmos. Itacoatiara, 28 de maro de 1986. Centro de Defesa dos Direitos Humanos, Comisso Pastoral da Terra Prelazia de Itacoatiara.

Apesar disso, a luta continuava, e os Sem-Terra no se intimidaram. Expulsos da rea dirigiram-se mais uma vez prefeitura na busca por seus direitos. Homens, mulheres e crianas caminharam debaixo de forte chuva para solicitar mais uma vez a desapropriao da rea. Porm em vo, o prefeito no os recebeu. Apenas a promessa de que da a cinco dias ele os receberia. Em setembro de 1986, os Sem-Terra obtiveram apoio da Cmara Municipal atravs do Vereador Francisco Ramos Melo, um dos poucos vereadores comprometidos com a causa popular. Sensibilizado pela causa, elaborou uma propositura requerendo a desapropriao da rea juntamente com um abaixo-assinado, encaminhado ao prefeito, exigindo que decretasse a desapropriao da rea em questo, num prazo de vinte dias.

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Embora cansados de tanta humilhao e de promessas enganosas, as famlias jamais desistiram da luta, sendo que o processo desapropriatrio aconteceu somente no ano de 1987.

1.3 A Luta pela Gerao de RendaEm 1987, algumas famlias oriundas do interior, fixaram morada na cidade, no entanto no se esqueceram da experincia na zona rural, onde desenvolviam o plantio da roa e frutas para suas subsistncias. Fato que levou a ocuparem, desmatando, uma rea devoluta pertencente ao municpio, denominada Cacaia, atual Bairro da Paz, a fim de cultivarem o plantio de mandioca, macaxeira, banana, abacaxi entre outros produtos agrcolas. Decorridos sete meses, os agricultores estavam contentes, pois com a terra frtil, as plantas cresciam com vivacidade e de l poderiam dar o sustento s suas famlias. Porm esta alegria durou pouco, porque logo chegou a primeira ordem do prefeito para desocupar a terra. Depois disso, veio a segunda ordem com a ameaa de que, se permanecessem, mandaria o trator para arrancar toda a plantao. Diante dessa situao, os posseiros se uniram e receberam apoio da CPT Comisso Pastoral da Terra, que acionou o seu setor jurdico o qual tomou cincia dos fatos, e orientou que, se as plantaes fossem destrudas, os posseiros teriam direito indenizao. De posse dessa informao e de seus direito, l permaneceram e continuaram cultivando. Receberam tambm apoio do Sindicato Rural e do Sindicato dos Madeireiros.62Guilherme Fernandes Pereira

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O caso ganhou repercusso na cidade, de forma que todos censuravam a perseguio quelas famlias que s queriam trabalhar a terra. Por isso, percebendo que as famlias se achavam coletivamente organizadas e estruturadas, o prefeito desistiu da perseguio.

2 Lutas, Intervenes e Conquistas dos Trabalhadores Madeireiros 2.1 De Associao a SindicatoAntecedente histrico do Sindicato dos Madeireiros Em abril de 1940, instalou-se no municpio de Itacoatiara, na Estrada Stone a Serraria Amazonas Industrial, de propriedade do francs Enclio Chianivest, onde trabalhavam aproximadamente 50 operrios. Em abril de 1954, o senhor Moiss Israel Sabb comprou a Serraria Amazonas Industrial, que passou a se chamar Itacoatiara Industrial. Os relatos dos senhores Afonso Gomes da Costa, popularmente conhecido como seu Santos, e Agenor Miquiles, do conta que: havia muitas dificuldades na execuo dos trabalhos, tudo era feito mo, sempre estavam acontecendo acidentes; a jornada de trabalho era na ordem de 10 a 12 horas por dia; o salrio mal dava para sustentar nossa famlia. Os trabalhadores tinham vontade de fazer reunio para discutir seus problemas, mas por medo de perder o emprego e por falta de tempo desistiam da Ideia. Na verdade, desde os meados do sculo XIX, a falta de uma legislao trabalhista, as pssimas condies de trabalho e os baixosGuilherme Fernandes Pereira

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salrios levaram o operariado do sul e do centro-sul brasileiro a formar diversas entidades de classe. Nesse perodo j despontavam algumas Associaes que buscavam o aperfeioamento da mo de obra, o auxlio aos trabalhadores em dificuldades e at a organizao de movimentos reivindicatrios. Isso forou o presidente Getlio Vargas a criar, em 1930, o Ministrio do Trabalho Comrcio e Indstria. No ano seguinte, 1931, criou o Decreto N 19770, que regulamentava as entidades dos trabalhadores e dos patres. Entretanto, ao mesmo tempo em que o Estado criava essas Instituies trabalhistas e sindicais, ele tambm as Mantinha sob seu domnio. Essa dicotomia ficou chamada de corporativismo do Estado. Para justificar a nova lei, o Estado que sempre defendeu a classe patronal, convencia os patres a controlar de forma harmoniosa e conciliadora a relao entre patro e empregado a fim de manter o bom equilbrio entre eles. Ainda que constassem na lei os direitos conquistados como a jornada de 08 horas dirias; salrio igual para as mulheres; frias remuneradas etc., na prtica estas mesmas leis no funcionavam, pois o trabalhador era explorado de igual modo e sempre estava sob o cabresto dos patres. Enquanto isso, os trabalhadores da Empresa Itacoatiara Industrial, sentem o peso da explorao do grande capital, sem muita clareza, percebem o impacto contraditrio e conflituoso entre empregados e empregadores, logo sentem a necessidade de unir a categoria para discutir seus problemas e buscar alguma soluo. Em 1959, sob orientao do rbula, senhor Paulo Sampaio, fundaram a Associao dos Profissionais Trabalhadores de Servios de Mveis e Madeira de Itacoatiara.64

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A primeira diretoria da Associao teve a durao de dois anos 1959 a 1961 composta por Melquades Barbosa Marques, Marclio Barbosa Marques e Manoel Oliveira. A segunda diretoria dirigiu de 1961 a 1963, e os diretores foram: Abelardo Seabra, Melquades Barbosa Marques e Jos dos Santos Arajo. Conforme os registros do Sindicato somente no final do ano de 1964 a Associao passou a ser chamada de Sindicato. Embora tenha sido oficializado atravs da Carta do Ministrio de Estado dos Negcios do Trabalho e Previdncia Social no processo MTB 86 e o Registro no Livro n 45, fls. n 69, em 16 de novembro de 1966, com o nome de Sindicato dos Oficiais Marceneiros e Trabalhadores nas Indstrias Madeireiras de Itacoatiara AM. Na dcada de 80, j se encontravam aqui instaladas algumas das empresas madeireiras, tanto as locais como as multinacionais. As empresas locais beneficiavam madeiras em peas e abasteciam o mercado local, enquanto as multinacionais produziam laminados e exportavam para o centro sul do pas e para a Europa para a produo de compensados. As empresas locais eram: Serraria Unio, Serraria Progresso e Boa Vista. As multinacionais Atlantic Vinner do Brasil que mais tarde passou a chamar-se Carolina Indstria e Comrcio, pertencente a um grupo alemo. A outra era a Gethal, instalada onde antes estava localizada a Serraria Amazonas, tambm pertencente a um grupo alemo. Essas ltimas, as multinacionais, ao se instalarem no municpio de Itacoatiara, abriram uma acentuada oferta de emprego aos trabalhadores itacoatiarenses. No resta dvida de que, essas madeireiras, principalmente as multinacionais, contriburam no desenvolvimento de Itacoatiara, naGuilherme Fernandes Pereira

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medida em que ofereciam mais de dois mil (2.000) empregos. Por outro lado, suas prioridades no eram ajudar os operrios e trabalhadores, mas sim obter lucro fcil e enriquecimento rpido. Aqui, estas empresas encontraram o lugar ideal para seus intentos, pois tinham a madeira como farta matria prima disponvel para a produo dos seus produtos. Podiam contar ainda, com uma razovel infraestrutura como o porto e a estrada AM 010 interligando a capital, assim como, mo de obra barata. Alm disso, possuam um conjunto de mquinas e equipamentos aptos para produo em grande escala. O operariado local como sujeito principal no processo de criao do lucro obtido por essas empresas era explorado, e vinha sendo tratado como objeto de uso em regime de escravido, especialmente nas empresas multinacionais, onde o capricho pelo lucro planejado e organizado sistematicamente. Nas empresas madeireiras locais de menor porte, a realidade no era muito diferente. Os direitos dos trabalhadores sempre foram desrespeit