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©is1.pdf · é um viés, um subprojeto do projeto de pesquisa do professor orientador. 2 Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é uma exigência legal para que o estudante conclua

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Organizadores:Paulo César Boni

Juliana de Oliveira Teixeira

Editores de fotografia:Paulo César Boni

Juliana de Oliveira Teixeira

Editores de texto:Paulo César Boni

Juliana de Oliveira Teixeira

Revisão:Paulo César Boni

Juliana de Oliveira Teixeira

Normalização:Laudicena de Fátima Ribeiro / CRB 9/108

Capa e programação visual:Heliane Miyuki Miazaki

Catalogação elaborada pela Divisão de Processos Técnicos doSistema de Bibliotecas da Universidade Estadual de Londrina (UEL)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Ficha catalográfica

Hotéis históricos do Norte do Paraná / organizadores Paulo CésarBoni e Juliana de Oliveira Teixeira. – Londrina : Midiograf, 2013.– 213p. : il. ; 21cm. – (Fragmentos da história do Norte doParaná em textos e imagens)

ISBN: 978-85-60591-90-9

1. Hotéis históricos - Londrina. 2. Norte do Paraná - Hotéis -História. I. Boni, Paulo César. II. Teixeira, Juliana de Oliveira.

CDU: 64.024.1

H832

Elaborada por: Terezinha Batista de Souza - Bibliotecária

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Agradecimentos

Agradecemos a todos que, direta ou indiretamente, contribuírampara a produção deste livro, especialmente às funcionárias do MuseuHistórico de Londrina Padre Carlos Weiss que, mais uma vez – e comosempre –, nos atenderam com simpatia e disposição; aos historiadores,jornalistas e fotógrafos convidados a participar deste projeto, poracreditarem na proposta e contribuírem para sua viabilização; às fontesconsultadas para acrescer informações e dirimir dúvidas, normalmentedescendentes dos pioneiros do ramo de atividade hoteleira no norte doParaná e aos colegas Widson Schwartz, jornalista, fonte permanente deconsulta e responsável pelas “orelhas” do livro; Laudicena de FátimaRibeiro, bibliotecária responsável pela revisão das normas daABNT;Terezinha Batista de Souza, bibliotecária e professoraaposentada da UEL, que nos auxiliou na elaboração da fichacatalográfica; e Heliane Miyuki Miazaki, responsável pela arte da capae pela programação visual da publicação.

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Dedicamos este livro a todos que,em tempos difíceis,

ajudaram a construir e a transformara história do norte do Paraná,e aos que, nos tempos atuais,

se esforçam para recuperá-la e preservá-la.

Dedicatória

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Sumário

Textos introdutórios:Hotéis: infraestrutura imprescindível para alavancar o desenvolvimentodo norte do Paraná ................................................................................................................ 11Paulo César Boni

Encontrando o outro: uma breve história mundial das hospedarias ............................ 21Levy Henrique Bittencourt Neto

Hotéis Históricos de Londrina:Hotel Luxemburgo: primeiro hotel comercial de Londrina ............................................... 41Mário Jorge de Oliveira Tavares

Hotel Triunfo: a hospitalidade da família Campana virou hospedaria ............................ 53Natália de Fátima Rodrigues e Paulo César Boni

Hotel Cravinho: um reduto da colônia japonesa.................................................................. 67Ulisses Sawczuk

Hotel dos Viajantes: uma mina de ouro para a história londrinense ................................. 83Vitor Hiromitsu Ferreira Oshiro

Hotel Berlim: o moderno e o tradicional se contrastam na década de 40 ...................... 95Juliana de Oliveira Teixeira

Hotel Londrina / Coroados: um hotel de luxo para receber os investidores .................. 107Luis Antonio Palma Hangai e Paulo César Boni

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Hotel Tókio: a simplicidade se hospeda na capital mundial do café ............................. 119Rosane Mioto dos Santos

Hotel Sahão: a “loucura” do velho Salim .......................................................................... 129Gabriel Felipe Oberle e Paulo César Boni

Monções: o hotel da “capital do café” ................................................................................. 147André Dantas

Hotéis Históricos de Rolândia:

Fotografia e Memória: 77 anos da história do Hotel Rolândiacontada em imagens............................................................................................................. 159Cássia Maria Popolin e Rosana Reineri Unfried

Hotéis Históricos de Apucarana:

Hotéis e pensões em Apucarana: uma relação de confiança entrehóspedes e proprietários ..................................................................................................... 177Heron Heloy Costa

Hotéis Históricos de Maringá:

Turismo de negócios: a primazia hoteleira de Maringá ................................................. 189Fábio Dias de Souza, Luiz Carlos Bulla Junior e Miguel Fernando Perez Silva

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Paulo César Boni *

No segundo semestre de 2009, propus aos estudantes da Oficina deJornalismo Impresso do quarto ano do curso de Comunicação Social –Habilitação Jornalismo da Universidade Estadual de Londrina, pesquisarmossobre os hotéis históricos de Londrina. Proposta aceita, eu e os estudantesconvidamos a pessoa que mais escreveu sobre os hotéis (e provavelmentesobre a história da cidade e região) de Londrina, o jornalista WidsonSchwartz, para uma reunião conosco no Museu Histórico de Londrina PadreCarlos Weiss. Por que no museu? Simples. Porque, além de ser um portoseguro para pesquisas históricas, acreditávamos que o assunto lhe era depeculiar interesse.

Lá fomos nós, professor, estudantes, Widson Schwartz, diretora efuncionárias (da biblioteca e do setor de documentação iconográfica) domuseu para a reunião que deflagraria o início de uma imensa – e intensa –jornada de pesquisa para recuperar e confirmar dados sobre a instalação dosprimeiros hotéis e pensões de Londrina. Mais tarde, em razão de orientações

Hotéis: infraestrutura imprescindívelpara alavancar o desenvolvimento

do norte do Paraná

* Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento deComunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Líder do grupo de pesquisa Comunicação e Históriado CNPq. Bolsista produtividade da Fundação Araucária. E-mail: [email protected]

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de Iniciação Científica1, Trabalhos de Conclusão de Curso2 e Dissertaçõesde Mestrado3, a pesquisa ganhou âmbito regional e se estendeu por outrascidades do norte do Paraná, como pode ser constatado neste livro.

Widson Schwartz gentilmente nos emprestou o acervo de suasreportagens publicadas em ambos os jornais da cidade – Folha de Londrina eJornal de Londrina – e o museu nos disponibilizou fotografias, recortes de jornaise revistas sobre os hotéis de Londrina. Mãos à obra! Lá fomos nós pesquisarsobre hotéis e pensões históricas. Além do museu, pesquisamos na SalaLondrina da Biblioteca Pública Municipal, no CDPH – Centro deDocumentação e Pesquisa Histórica, no Sistema de Bibliotecas da UniversidadeEstadual de Londrina e na internet. Além disso, procurávamos localizar osex-proprietários (ou seus descendentes) desses hotéis e pensões para entrevistá-los e, quem sabe, em um lance de sorte, conseguir algumas fotografias inéditasdas famílias e seus empreendimentos comerciais. E demos essa sorte!

Conseguimos localizar antigos proprietários e entrevistá-los (de 2009para cá, infelizmente, alguns entrevistados já faleceram). Na falta destes,conseguimos encontrar descendentes que nos atenderam com a maior boavontade. Em alguns casos, além de não encontrarmos ninguém, também nãoencontramos subsídios bibliográficos suficientes para sustentar a pesquisa.Com isso, alguns hotéis foram descartados da pesquisa, pois não conseguiríamosdados suficientes para justificar um capítulo de livro (desde o início, em 2009,a ideia era produzir um livro com os resultados da pesquisa). Em outros casos,como a quantidade de dados era muito pequena, optamos por publicar asinformações coletadas – de forma reduzida – no livro Memórias fotográficas: afotografia e fragmentos da história de Londrina, publicado em 2013. Foi o caso doHotel Campestre, Hotel Germânia, Hotel Paulista e Hotel Avenida.

1 Iniciação Científica é uma forma oficial de introduzir jovens estudantes de graduação ao universo da pesquisaacadêmica. Normalmente, o estudante prepara – e desenvolve – um projeto de Iniciação Científica que, não raro,é um viés, um subprojeto do projeto de pesquisa do professor orientador.2 Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) é uma exigência legal para que o estudante conclua o curso de graduaçãoou a pós-graduação Lato sensu, em nível de especialização. Nesse caso, os TCCs referem-se à graduação emComunicação Social – Habilitação Jornalismo e à especialização em Fotografia, ambos da Universidade Estadualde Londrina (UEL).3 Dissertação é a exigência legal para que o estudante conclua a pós-graduação Stricto sensu, em nível de mestrado.Nesse caso, as dissertações referem-se ao Mestrado em Comunicação da Universidade Estadual de Londrina(UEL).

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Também entendíamos que seria interessante contar um pouco da históriadas hospedarias, pensões e hotéis no mundo para contextualizar o leitor. Paratanto, um de nossos estudantes (hoje cursando doutorado na PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo – PUC/SP), Levy Henrique BittencourtNeto, ficou encarregado de produzir esse material. Trata-se do texto que abreeste livro: Encontrando o outro: uma breve história mundial das hospedarias. Nestetexto, ele comenta que “a história das hospedarias está intimamente ligada àhistória das civilizações”. Relata desde os caravanserai, postos de hospedagem àmargem das rotas de comércio, que ofereciam pouso, banho, descanso e trocasde animais aos viajantes; passando pelas tabernas, que ofereciam banho, pousoe serviços de prostitutas aos fregueses em trânsito; até a chegada dos hotéis noBrasil.

O primeiro hotel, com as características dos hotéis atuais, a ser construídono Brasil foi o Hotel Pharoux, que também foi o primeiro a ser fotografado. Aintrodução da fotografia no Brasil se deu em janeiro de 1840, quando o padreLouis Comte, de passagem pelo Rio de Janeiro, registrou cinco imagens da cidade,entre elas a do Pharoux. Foi no próprio hotel que ele exibiu suas fotografias (naépoca chamadas de daguerreótipos) e, entre os ilustres convidados para a exibiçãoestava D. Pedro II, então com 14 anos. Ele se apaixonou pela nova arte e, deimediato, encomendou um daguerreótipo que, vindo da França, chegou-lhe àsmãos em abril de 1840. D. Pedro II é considerado o primeiro fotógrafo brasileiro.Sempre cultuou a arte e, depois de deposto do poder e exilado, doou, em 1891,sua coleção de mais de 70 documentos iconográficos (atlas, mapas, pinturas emais de 25 mil fotografias) para a Biblioteca Nacional. Obrigado, D. Pedro II,por sua lucidez e generosidade!

Na sequência deste texto de contextualização, optamos por apresentar oshotéis por cidade e em ordem cronológica de inauguração. Portanto, começamospor Londrina, cujo primeiro hotel, o Campestre, construído em madeira pelaCompanhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) para alojar seus funcionários ehospedar os compradores de terras, foi inaugurado em janeiro de 1930. Seuprimeiro hóspede registrado, no dia 6 de janeiro de 1930, foi George Craig Smith,o chefe da “caravana dos desbravadores”, que chegou a Londrina em 21 deagosto de 1929. Não obtivemos informações suficientes para transformar oHotel Campestre em um capítulo do livro, mas ele é citado no texto Hotel

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Luxemburgo: primeiro hotel comercial de Londrina, produzido por Mário Jorge deOliveira Tavares, fotógrafo convidado a contribuir com este livro. Inauguradoem 1932, o Hotel Luxemburgo precisou mudar de nome, depois da entrada doBrasil na Segunda Guerra Mundial, para Hotel América. Uma lei federal proibia ouso de nomes de origem alemã, italiana e japonesa – países componentes doEixo, inimigos dos Aliados, que o Brasil passou a apoiar no conflito. O mesmoaconteceu com o Hotel Germânia, inaugurado em 1933 por Carlos Rottmann,que também teve que mudar seu nome. O estabelecimento, localizado na esquinadas atuais Avenida Celso Garcia Cid e Rua Mato Grosso, passou a se chamarGrande Hotel.

Em 1957, o casal Franz e Alzira Hesselmann voltou à direção do HotelAmérica (ex-Luxemburgo) e rebatizou-o de Franz Hotel. Em 2000, seu nome foinovamente alterado, desta feita para Hotel Aliança. Em 2010, o imóvel foiadquirido por Augusto Mariano Filho, que decidiu manter o hotel emfuncionamento, mas voltou a chamá-lo de Franz Hotel. Ou seja, este foi o hotelque mais mudou de nome em Londrina. Confira todas essas mudanças e muitomais informações no texto de Mário Jorge.

Na sequência, obedecendo a cronologia de inauguração dos hotéis, vemo texto Hotel Triunfo: a hospitalidade da família Campana virou hospedaria, produzidopor mim e pela estudante Natália de Fátima Rodrigues. O título diz bem o queaconteceu: a família Campana, sempre hospitaleira, percebeu um nichomercadológico e decidiu transformar a camaradagem em serviços, ou seja,fundou, em 1934, a Pensão Triumpho, precursora do Hotel Triunfo. Foi gratificanteproduzir esse texto, pois tivemos a oportunidade de entrevistar dois remanescentesdos bons tempos do Triunfo, o Sr. Vitelbino Campana e a Sra. Aida Daici Campana.

O Hotel Cravinho é o próximo de nossa lista. Ele foi construído entre ofinal dos anos 30 e o começo da década de 40, por um proprietário cujo nome seperdeu com o passar dos anos. No entanto, ganhou notoriedade a partir demeados dos anos 40, quando foi adquirido pelo japonês Mokutaro Morikawaque o administrou, com a esposa Mura e os filhos do casal, por muitos anos,tornando o hotel uma espécie de reduto da colônia japonesa. O estabelecimentosó saiu das mãos da família Morikawa em 1978, quando Kiyoshi (filho deMokutaro) vendeu-o para Reinaldo Mathias Ferreira. Ulisses Sawczuk,responsável pela pesquisa, e pelo texto Hotel Cravinho: um reduto da colônia japonesa,

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teve a sorte de encontrar e entrevistar a Sra. Kimiko Morikawa, viúva de Kiyoshie nora de Mokutaro, que trabalhou no hotel por quase três décadas.

O texto seguinte – Hotel dos Viajantes: uma mina de ouro para a histórialondrinense – é emblemático, pois recupera e revela dados da história de um hotelque se tornou um marco na história de Londrina, um exemplo de sucesso nostempos áureos do café. Vitor Oshiro pesquisou fragmentos da história do Hoteldos Viajantes, que ficava na Avenida São Paulo, em frente à Praça Rocha Pombo,local privilegiadíssimo para a exploração desse ramo de atividade. O hotel foiconstruído em 1938 e demolido no apagar das luzes de 1995. Sua demolição foiuma perda irreparável para a memória de Londrina, tanto que a Folha de Londrinaa noticiou, em 14 de janeiro de 1996, com a manchete “História abaixo”.

O moderno e o tradicional se contrastam na década de 40 foi o subtítulo escolhidopor Juliana de Oliveira Teixeira para o Hotel Berlim, o maior da cidade na décadade 40, que ocupava praticamente todo um quarteirão e tinha um corredor com115 metros de comprimento. O Berlim ficava na esquina da Rua BenjaminConstant com a Avenida Rio de Janeiro e foi demolido em 2011 para dar lugara uma loja de departamentos. Por que o contraste entre o moderno e o tradicional?O hotel adquiriu as mais modernas tecnologias para lavar e secar roupas existentesna década de 40; sua lavanderia tornou-se referência em toda a região. Por outrolado, o tratamento pessoal dispensado aos hóspedes era uma tradição dos hotéisdesse período na região. E mais: o Berlim promovia, veladamente, rinhas degalo, um “esporte” cultural à época.

Nas décadas de 40 e 50, além da febre do café – e outros produtos agrícolas,com menor intensidade – Londrina vivia um bom momento na construção civile se deliciava com a efervescência do comércio, que abastecia toda a região. Jáera uma cidade polo, prestes a ser batizada de “capital mundial do café”, e ummédico potiguar, o Dr. Newton Leopoldo da Câmara, se dizia inconformadocom a simplicidade dos hotéis que a cidade dispunha para receber os investidoresque para cá vinham em busca de novos negócios. Diante do cenário deoportunidades e de seu inconformismo, decidiu construir um hotel de qualidade,com boas acomodações, atendimento personalizado e bons serviços. Assim,em 1945, começou a construção do Hotel Londrina que, quando inaugurado, foiconsiderado o mais luxuoso da região. Eu e o estudante Luis Antonio PalmaHangai pesquisamos sua história e produzimos o texto Hotel Londrina / Coroados:

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um hotel de luxo para receber os investidores. Em 1962, amplamente reformado ecom a fachada totalmente remodelada, ele virou Hotel Coroados. Conseguimosfalar com a viúva do Dr. Newton Câmara, dona Vera de Almeida Cárdia e compessoas que lá se hospedaram nas décadas de 50 e 60.

A estudante Rosane Mioto dos Santos pesquisou um dos mais simpleshotéis londrinenses das décadas de 50 e 60, o Tókio. O hotel era simples, mas,em contrapartida, estava instalado nos três últimos dos 13 andares de um dosmais majestosos e imponentes edifícios da cidade naquelas décadas, comopode ser observado nas fotografias aéreas de Londrina publicadas no textoHotel Tókio: a simplicidade se hospeda na capital mundial do café. O Tókio, pelalocalização (esquina da Rua Sergipe com a Avenida Rio de Janeiro), facilidadede acesso e preços baixos sempre se caracterizou como um hotel de viajantes.Ele oferecia o melhor serviço de PABX (central telefônica) da cidade, o queagradava muito os vendedores que lá se hospedavam. O hotel fechou as portasno final de 1993, mas o edifício permanece no mesmo lugar. Já não é mais tãoimponente, mas é uma testemunha importante do desenvolvimento deLondrina.

Em 29 de novembro de 1952, Londrina assistiria, surpresa e incrédula,à inauguração de um dos mais luxuosos estabelecimentos hoteleiros do Brasil:o Hotel São Jorge, construído por um “investidor visionário”, para alguns, e“louco”, para a maioria: Salim Sahão. Obstinado, lutou contra tudo e contratodos para construir um hotel que hospedou celebridades, como o cantorRoberto Carlos; e autoridades, como dois presidentes da República: Café Filhoe Juscelino Kubitschek. A cidade não oferecia os serviços básicos que o hotelprecisaria para funcionar, como rede de esgoto e energia elétrica. Salim não sefez de rogado: comprou geradores para garantir a eletricidade sem interrupçõese caminhões tanques para fazer a coleta de dejetos, que despejava na árearural como adubo. O São Jorge teve seu nome alterado para Gávea Palace Hotele, por último, em 1992, para Sahão Palace Hotel, quando um dos filho de Salimassumiu sua administração. O Sahão fechou as portas em 8 de agosto de 2002,há menos de três meses de completar 50 anos de existência. Confira estas eoutras informações no texto Hotel Sahão: a “loucura” do velho Salim, que dividocom meu ex-orientando de iniciação científica Gabriel Felipe Oberle, hojeseminarista no Paraguai.

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Meses depois da inauguração do Hotel São Jorge, ali, bem próximo dele,seria concluída a construção do Monções Hotel, inaugurado dia 9 de maio de1953, na Avenida Paraná, entre a Avenida Rio de Janeiro e a Rua Minas Gerais,ao lado do Cine Ouro Verde. O estudante André Dantas, no texto Monções: ohotel da “capital do café”, apurou que ele era o preferido dos grandes cafeicultores,que costumavam negociar suas safras no salão do hotel. Outra característica desaudosa lembrança na mente dos entrevistados era a caipirinha preparada nobar do estabelecimento, considerada a “melhor caipirinha de Londrina”. OMonções também era o hotel preferido pelas delegações esportivas que vinhamjogar em Londrina. Na década de 70, inclusive, alguns jogadores do LondrinaEsporte Clube moraram lá. A construção do Calçadão, na década de 70,impedindo o acesso de carros, feriu mortalmente sua sobrevivência econômica.A modernização da cidade e a chegada de grandes redes de hotéis foram o golpede misericórdia: o Monções fechou suas portas na data mais triste possível: 24 dedezembro de 1983, véspera de Natal.

De Londrina, direto para Rolândia. A professora Cássia Maria Popolin e aestudante Rosana Reineri Unfried (minhas ex e atual orientandas,respectivamente) pesquisaram a história do hotel que determinou a data deaniversário da cidade, o Hotel Rolândia. Esse estabelecimento hoteleiro,pertencente a Eugênio Victor Larionoff, funcionário da Companhia de TerrasNorte do Paraná, foi a primeira edificação de Rolândia e o início de suaconstrução deu-se dia 29 de junho de 1934. Tudo isso está devidamenteexplicado no texto Fotografia e Memória: 75 anos da história do Hotel Rolândia contadaem imagens.

Em 1984, quando o Hotel Rolândia completou 50 anos, uma comissão devereadores propôs a alteração da data do aniversário de Rolândia de 27 denovembro para 29 de junho, dia do início da construção do hotel. Propostaaprovada, a Câmara de Vereadores convidou Eugênio Victor Larionoff paraparticipar das comemorações alusivas ao 50º aniversário da cidade e receber otítulo de Cidadão Honorário de Rolândia. Ele não só veio de São Paulo, onderesidia, para receber a homenagem, como presenteou a cidade com um diáriomanuscrito contando sobre a construção do hotel e o desenvolvimento da cidade.Este diário, hoje, faz parte do acervo do Museu Histórico de Rolândia. Desdeentão (1984), o aniversário da cidade é comemorado no exato dia em que se

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martelou o primeiro prego na construção do Hotel Rolândia, em 29 de junho de1934. Contudo, fica difícil prever se esta data continuará sendo comemoradacomo a do aniversário da cidade, pois o hotel foi posto abaixo em 2012.

Ao lado do Hotel Rolândia, de Eugênio Victor Larionoff, foi construído oHotel Estrela, pertencente a outro funcionário da CTNP, Luiz Estrella. EmLondrina, o Hotel Germânia foi construído por Carlos Rotmann, tambémfuncionário da colonizadora inglesa. Havia um termo no código de conduta queproibia seus funcionários de explorar negócios comerciais em sua área de ação.Contudo, nesses casos, excepcionalmente, foram-lhes concedidas permissões,pois a própria CTNP via os hotéis como infraestrutura imprescindível para odesenvolvimento do norte do Paraná.

Porém, a mesma CTNP que enxergava os hotéis como infraestruturaimprescindível para o desenvolvimento da região, negligenciou Apucarana. Lá,ela relutou em construir um hotel. O motivo? Praticamente no meio de onde éhoje a cidade, suas terras faziam divisa com a Fazenda Três Bocas, de propriedadedo ex-prefeito nomeado de Londrina (e pioneiro de Apucarana) Joaquim Vicentede Castro. A colonizadora sabia que se construísse um hotel no lugarejo estariatambém, direta e indiretamente, contribuindo para o desenvolvimento da fazendaconcorrente. Por isso, atrasou deliberadamente o desenvolvimento de Apucarana.Pura politicagem! Em razão dessa rusga política, a CTNP abriu a estrada deArapongas a Mandaguari (que à época chamava-se Lovat), passando pela Caixade São Pedro (hoje, Distrito de Apucarana), onde estavam seus interesses,deixando Apucarana sem vias de comunicação. Hoje, quem vai de carro deLondrina para Maringá, pegando o contorno que começa pouco antes deArapongas e termina logo após Marialva, passa em frente ao Distrito de SãoPedro, que fica relativamente afastado de Apucarana.

Independente dessas “pendengas”, o estudante Heron Heloy Costapesquisou as primeiras pensões e hotéis da cidade e os apresenta no textoHotéis e pensões em Apucarana: uma relação de confiança entre hóspedes e proprietários.Heron teve a sorte de encontrar – e entrevistar – duas senhoras que viverame trabalharam no ramo hoteleiro no início de Apucarana. Dona Vanda Flores,hoje proprietária de uma floricultura, cujo pai foi proprietário da Pensão SãoJosé, uma das primeiras do lugarejo, e dona Luísa Raduy, cuja família – pioneiraem Apucarana – foi proprietária de dois importantes hotéis: o Central e o

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América. O texto pesquisou e apresenta apenas a história do Hotel Central. Arelação de confiança alardeada no título refere-se ao fato de as pessoaschegarem ao lugar em busca de trabalho e, em um primeiro momento, nãoterem dinheiro para pagar a pensão. Os proprietários faziam “fiado” até ohóspede arranjar emprego e ter condições de pagar a hospedagem. E mais. Asduas entrevistadas disseram que, diante do cenário de dificuldades eadversidades, era comum a troca de favores entre os estabelecimentos domesmo ramo. Bons tempos...

Por fim, os professores de fotografia Fábio Dias de Souza e Luiz CarlosBulla Junior e o criador do Projeto Maringá Histórica, Miguel Fernandes PerezSilva – todos residentes e atuantes em Maringá – apresentam a história daspensões e hotéis históricos da cidade no texto Turismo de negócios: a primaziahoteleira em Maringá. Turismo de negócios nas décadas de 40 e 50? Os autoresexplicam que, ao contrário do que aconteceu em outras regiões do Paraná, Maringáfoi planejada sob conceitos modernistas à época de sua constituição. Por essacaracterística, e por receber agricultores, empresários e investidores, o ramohoteleiro de Maringá sempre esteve mais voltado aos negócios.

Contudo, a partir de 1955, com a inauguração do Grande Hotel Maringá– um empreendimento luxuosíssimo para a época, projetado também paraatender as demandas da crescente e exigente sociedade maringaense, notocante à realização de festas e banquetes, além dos negócios – a hotelariada cidade passou a servir o turismo em sua essência mais pura. Projetadopelo arquiteto José Augusto Bellucci e construído pela Construtora deImóveis de São Paulo, de propriedade de Cássio Costa Vidigal, oestabelecimento, além de hospedar turistas, tornou-se um ponto turísticode Maringá, tamanha era sua beleza e suntuosidade. Por sorte, o hotelcontinua em pé, no centro da cidade, entre a Prefeitura Municipal e a CatedralBasílica Menor de Nossa Senhora da Glória.

Para finalizar, é importante ressaltar que este livro é resultado de mais detrês anos de exaustivas pesquisas bibliográficas e documentais, muitos contatoscom historiadores e colaboradores de várias cidades, e muito trabalho. Seuobjetivo foi recuperar dados sobre os hotéis históricos norte paranaenses edisponibilizar os resultados à sociedade, para que essa possa conhecer, pesquisar,escrever ou reescrever a história do norte do Paraná.

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Ele é a soma de uma série de empreendimentos educacionais: os resultadosda Oficina de Jornalismo Impresso, ministrada no curso de Comunicação Social –Habilitação Jornalismo da UEL, em 2009; de fragmentos resultantes de doisprojetos de pesquisa por mim desenvolvidos na Universidade Estadual deLondrina: Fragmentos da História do Norte do Paraná (décadas de 30 a 60) em textos eimagens, recém-encerrado, e Gatilho da Memória: o uso da fotografia para a recuperaçãohistórica do Norte do Paraná nas décadas de 1930 a 1960, ainda em andamento; detrês projetos de iniciação científica, sob minha orientação; e da boa vontade depessoas convidadas a participar deste livro, como Mário Jorge de OliveiraTavares, Fábio Dias de Souza, Luiz Carlos Bulla Junior e Miguel FernandesPerez Silva. Aos colaboradores convidados e a todos meus alunos, ex-alunos,orientandos de iniciação científica, de trabalhos de conclusão de curso degraduação, de monografias da Especialização em Fotografia e de dissertaçõesdo Mestrado em Comunicação da UEL, meus mais sinceros agradecimentos.Foi um prazer trabalhar com vocês. Espero revê-los em outras jornadas.

Novas empreitadas, aliás, estão saindo da fase de planejamento para a deexecução. Este livro é o segundo da série Fragmentos da História do Norte do Paraná,criada pelo Mestrado em Comunicação da UEL. O primeiro foi Certidões denascimento da história: o surgimento de municípios no eixo Londrina – Maringá. Ospróximos serão sobre os fotógrafos pioneiros e as igrejas do norte do Paraná.Portanto, caros colaboradores, alunos e ex-alunos preparem-se, pois temos muitotrabalho pela frente.

Agradecimento especialíssimo à Juliana de Oliveira Teixeira, com quemtive a sorte e o prazer de dividir os trabalhos de edição dos textos, e a honra decompartilhar a autoria na organização deste livro. Antes disso, ela foi minhaorientanda de iniciação científica na graduação e na pesquisa para a dissertaçãono Mestrado em Comunicação; agora, prepara-se para o doutoramento emHistória na Unesp – Universidade Estadual Paulista de Assis (SP). Juliana estáse tornando uma historiadora ímpar, de invejável consistência teórica e deexemplar capacidade de resposta às demandas de pesquisa.

Boa leitura.

Prof. Dr. Paulo César BoniCoordenador do projeto

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Encontrando o outro: uma brevehistória mundial das hospedarias

Levy Henrique Bittencourt Neto *

* Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).Mestre em Comunicação e Semiótica pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). Doutorandoem Comunicação e Semiótica pela mesma instituição. E-mail: [email protected]

A história dos povos está atravessada pela viagem, como realidade oucomo metáfora, compreendendo tribos e clãs, nações e nacionalidades,colônias e impérios trabalham e retrabalham a viagem, seja comomodo de descobrir o ‘outro’, seja como modo de descobrir o ‘eu’.[...] Sempre há viajantes, caminhantes, viandantes, negociantes,traficantes, conquistadores, descobridores, turistas, missionários,peregrinos, pesquisadores ou fugitivos atravessando fronteiras,buscando o desconhecido, desvendando o exótico, inventando o outro,recriando o eu. (SERRANO apud MAGALHÃES, 2002, p.31).

Hotéis, hospedarias, estalagens, albergues – há alguma diferença entreessas palavras? Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2004, p.1554),hotel é um “estabelecimento que provê alojamento e, habitualmente, refeições,entretenimentos e outros serviços para o público”. Hospedaria é o local que“oferece hospitalidade, especialmente mediante pagamento”. Hospedariatambém pode ser sinônimo de estalagem e albergue. Todos esses termos têmem comum o ato de receber hóspedes, de forma remunerada ou não. Seja noséculo II, ou em um hotel luxuoso do século XXI, “os lugares de hospitalidadesão lugares abertos ao outro”. (BAPTISTA, 2008, p.6). E é isso que qualquer

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hotel faz, recebe de braços abertos o estrangeiro, o comerciante, o profissionalliberal, o político, o turista.

Os primórdios humanosA história das hospedarias está intimamente ligada à história das

civilizações. Quando o homem construiu as primeiras cidades, também alinasceram, provavelmente, as primeiras hospedarias. Antes mesmo da urbe setornar a residência fixa de alguns grupos, ela era, inicialmente, um lugar deencontro para onde, periodicamente, “as pessoas voltavam: o imã precede orecipiente, e essa faculdade de atrair os não-residentes para o intercurso e oestímulo espiritual, não menos do que para o comércio, continua sendo um doscritérios essenciais da cidade”. (MUMFORD, 1982, p.16).

É difícil dizer com precisão quando e onde surgiu a primeira urbe, pois“as origens da cidade são obscuras, enterrada ou irrecuperavelmente apagadauma grande parte de seu passado [...]. [Mas] No alvorecer da História, a cidadejá é uma forma amadurecida”. (MUMFORD, 1982, p.9). Em outras palavras,muito antes de inventarmos a escrita, que marca o surgimento da história, jáhavíamos inventado a urbe. Segundo Benevolo (2003, p.10), há aproximadamente5.000 anos,

[...] nas planícies aluviais do Oriente Próximo, algumas aldeias setransformaram em cidades; os produtores de alimentos sãopersuadidos ou obrigados a produzir um excedente a fim de manteruma população de especialistas: artesãos, mercadores, guerreiros esacerdotes, que residem num estabelecimento mais complexo, a cidade,e daí controlam o campo.

O surgimento da urbe força a especialização de seus habitantes emdeterminadas funções. É claro que antes dela já existiam guerreiros, sacerdotes,mercadores e artesãos – mas essas funções estavam, até então, dispersas edesorganizadas. Essa nova ordem urbana resultou, de acordo com Mumford(1982, p.16), em um aumento “das capacidades humanas em todas as direções”.Com isso, “a cidade efetuou uma mobilização de potencial humano, um domínio

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sobre os transportes entre lugares distantes, uma intensificação da comunicaçãopor longas distâncias [...], uma explosão de inventividade”.

A criação da urbe gerou não só uma divisão complexa do trabalho, mastambém estabelecimentos claramente definidos por sua função: “a estalagem, ataverna, o mercado, o templo, a escola, o bordel, tudo isso estaria sob os auspíciosde profissionais de tempo integral”. (MUMFORD, 1982, p.121). Provavelmente,na época anterior à cidade havia comércio, prostituição, o ato de ensinar e orecebimento de viajantes – porém, é com seu surgimento que tais lugares adquiremo status de mercado, bordel, escola e estalagem. É por isso que, falar da criaçãodas hospedarias é falar da criação das cidades.

A Antiguidade

Na pólis grega, um dos órgãos necessários para o seu funcionamento era ochamado lar comum, lugar “consagrado ao deus protetor da cidade, onde seoferecem os sacrifícios, se realizam os banquetes rituais e se recebem os hóspedesestrangeiros”. (BENEVOLO, 2003, p.76). Em outras palavras, na Grécia antiga,recebia-se o estrangeiro em uma espécie de consulado-templo. Segundo Benevolo(2003, p.76) o lar comum era um

[...] lugar simbólico, anexo ao edifício onde residem os primeirosdignitários da cidade (os prítanes) e se chama pritaneu. Compreende umaltar com um fosso cheio de brasas, uma cozinha e uma ou mais salasde refeição. O fogo deve ser mantido sempre aceso, e quando osemigrantes partem para fundar uma nova colônia, tomam do lar dapátria o fogo que deve arder no pritaneu da nova cidade.

Apesar disso, o estrangeiro e o comerciante1 eram figuras malvistas. Comoas cidades gregas tinham uma íntima relação com a zona rural, Mumford (1982,p.146) afirma que as famílias possuidoras de terras “mandavam seu azeite, seu

1 Assim como toda e qualquer pessoa envolvida nas diversas etapas da transação comercial, como “o banqueiro,o intermediário comercial, o emprestador de dinheiro e o detentor de hipotecas: na verdade, todas as pessoasativas que, para estender o comércio e promover a riqueza, estavam criando a nova economia monetária, tão hostilaos antigos modos rurais e à antiga penúria ática”. (MUMFORD, 1982, p.149).

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vinho, seu mel, seus figos e sua lã do campo para sua própria casa urbana,mantendo-se dessa forma parcialmente independentes do mercado [...]. Issodeve ter aumentado seu desdém pelos estrangeiros”. Não apenas a aristocraciaagricultora desconfiava deles; os camponeses também eram hostis. Até a próprialei era desfavorável ao mercado. Mumford (1982, p.149) explica que a própria“constituição de cidades comerciais tratava o comércio como se fosse inexistente.Um cidadão, por definição, não podia ter parte no comércio. Se queria seguir talcarreira, era necessário que migrasse, como estrangeiro, para outra cidade”.

Mesmo assim, nem toda a Grécia repudiava o mercado. Os habitantesdas cidades comerciais da Jônia2, por exemplo, abandonaram os “costumesaristocráticos da Grécia homérica e não mais igualavam os supremos bens davida com os que derivam da caça e da guerra [...]”. (MUMFORD, 1982, p.169).Foi a desconfiança do comércio e, por conseguinte, de todo e qualquer estrangeiro,que derrotou os gregos3. “A boa fé e a reciprocidade, necessárias a todas asformas de comércio a longa distância, que depende do crédito, jamais sepropagaram dos negócios à política; na verdade, justamente o contrárioaconteceu.” (MUMFORD, 1982, p.169).

Já o cosmopolita império romano se comportava de forma um poucodiferente. Apesar de os camponeses romanos partilharem do preconceito gregoem relação ao estrangeiro e comerciante, “quer se destinem ao descanso dopassante, a alimentar ou a hospedar o viajante, são muitos os estabelecimentoshospitaleiros no mundo romano”. (SALLES, 1983, p.240). Na capital, assim comoem outras cidades, esses estabelecimentos se localizavam, principalmente, nosbairros populares. As construções, geralmente modestas, eram compostas de

[...] uma ou duas salas [que] recebem os clientes; há alguns quartos noandar superior, assim como um jardim [...]. Muitas dessas tabernas –as termopolia – prolongam-se na rua através de um balcão, no qual sãopostas as ânforas contendo o vinho fresco ou quente; o passante, quenão tem tempo de entrar no estabelecimento para servir-se de umabebida, pode tomar rapidamente uma taça de vinho e, de pé, comeruma salsicha ou um doce quente. (SALLES, 1983, p.241).

2 “Conjunto de colônias da Grécia antiga nas ilhas e no litoral asiático do mar Egeu.” (HOUAISS, 2004, p.1686).3 “Todavia, foi das cidades comerciais da Jônia, e até mesmo de mercadores em pessoa, como Tales, que todo ummundo de ideias novas apareceu.” (MUMFORD, 1982, p.149).

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No império romano havia uma estreita ligação entre esses estabelecimentose os lupanares4. A maioria desses albergues ou tabernas funcionava, de formalegal ou não, “como locais de prostituição, algumas inscrições indicam que acasa pode oferecer outros prazeres além de beber e comer: um estabelecimentode Roma, certamente muito acolhedor, chama-se ‘As Quatro Irmãs’”. (SALLES,1983, p.241).

Esses lugares eram ricamente decorados, possuíam “afrescos, painéisornamentais ou informativos. Naturezas mortas representam os alimentosoferecidos pela casa; pequenos quadros evocam cenas familiares [...]: jogadoresde dados disputando [...] uma partida, cenas eróticas”. (SALLES, 1983, p.242).(Figura 1).

Figura 1 – Jogadores de dados em uma taberna

Fotografia: Reprodução fotográfica de Roger-ViolletFonte: Salles (1983)

4 Prostíbulos. Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa (2004, p.1792), lupanar é uma “casa de alcoviteira,propícia a relações amorosas”.

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Logo na entrada das tabernas, havia cartazes que informavam aosclientes sobre os serviços oferecidos, tais como alojamento, refeição, bebidaou mulheres. “Um proprietário de Bolonha indica as ofertas de seu hotel:bons serviços, banhos como na capital e todo o conforto”. (SALLES, 1983,p.242). Tais estabelecimentos foram muito populares, pois, muitas vezes,era lá que os romanos faziam a única refeição quente durante o dia, “já queos alojamentos excessivamente exíguos não comportavam fogões ondepreparar os alimentos”. (SALLES, 1983, p.243).

A popularidade das tabernas/albergues/lupanares entre os romanos,principalmente entre os mais pobres, chamava a atenção das autoridades,que enxergavam nisso uma ressurreição disfarçada dos “proibidos colégios5.É essa [...] uma das razões que explicam por que, ao longo de todo o séculoI, os imperadores tomaram medidas com o objetivo de limitar, em Roma, avenda de alimentos quentes”. (SALLES, 1983, p.243). A venda também erarestrita com o intuito de prevenir incêndios, porque os pequenos fogõespodiam facilmente espalhar suas chamas para as construções vizinhas. Osbairros populares eram particularmente suscetíveis ao fogo devido aoaglomerado de casas e estabelecimentos muito próximos uns dos outros.Por essas e outras razões, “os bares6 não têm boa reputação na Antiguidade:e é preciso dizer que, geralmente, essa má reputação é merecida”. (SALLES,1983, p.244).

Apesar de as tabernas e hospedarias serem mal-afamadas dentro doperímetro urbano, elas tinham fundamental importância para o sistemaromano de rodovias (Figura 2) e para a manutenção de todo o império.

Foram eles [os romanos] que desenvolveram grande capacidade deviagens a longa distância. Chegavam a viajar cerca de 150 km por diafazendo a troca periódica dos cavalos que puxavam suas carroças. Aolongo das vias de circulação eram montados postos de trocas de

5 “Desde sempre, os romanos dos meios populares agruparam-se em colégios funerários, em confrarias religiosas,que se reuniam para celebrar a festa de uma divindade tutelar ou honrar a memória de um amigo morto. Quemelhor ‘cobertura’ poderia haver para dar aparência legal a associações paramilitares?” (SALLES, 1983, p.211).6 Não havia uma diferenciação clara entre os diversos estabelecimentos. O lugar onde se dormia, também secomia, bebia-se e fazia-se sexo.

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animais, o que permitia vencer grandes distâncias em temposrelativamente curtos. [...] Surgia nessa época a hotelaria como umelemento fundamental na viabilização do turismo7. (IGNARRA,2003, p.3).

7 Seja ele por lazer ou a negócios.

Figura 2 – Mapa das estradas romanas

Fonte: Yasoshima e Oliveira (2005, p.30)

Sem essa logística, a administração e a distribuição de recursos seriaminviáveis. E, sem as hospedarias, não teria sentido haver um vasto sistema derodovias. Segundo Yasoshima e Oliveira (2005, p.24), “a necessidade de secontrolar o império, além de exigir viagens constantes de funcionáriosgovernamentais, tropas e comerciantes, obrigava o governo a propiciar ascondições básicas de infra-estrutura para possibilitar os deslocamentos”. Sob oimpério romano, as viagens na antiguidade clássica atingiriam seu apogeu. ParaMill e Morrison (apud YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.24), cinco motivoscontribuíram para isso:

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• O controle de uma vasta região estimulava o comércio, fazendo surgiruma classe média com recursos financeiros para viajar;

• As moedas romanas eram tudo o que os viajantes precisavam carregarpara o financiamento de suas viagens;

• Os meios de transporte – estradas e roteiros aquáticos – eram excelentes;• A comunicação era relativamente fácil, pois o grego e o latim eram as

principais línguas faladas;• O sistema legal propiciava proteção por parte dos governos estrangeiros,

garantindo segurança ao viajante.

Havia nos mapas romanos a indicação de alojamentos, representados porsímbolos de acordo com as condições de hospedagem – algo parecido com aantiga classificação dos hotéis por estrelas. As hospedagens iam desde simpleslugares para descanso – sem cômodos, até as estalagens que ofereciam serviçode escravos e reabastecimento de gêneros alimentícios e outros objetosnecessários à viagem. (YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.31).

Além de facilitar o deslocamento de tropas e o comércio, a infraestruturaromana também incentivava as viagens a lazer.

Os centros de férias de moda situavam-se ao redor da baía de Nápoles,com uma clara evidência da primeira segmentação de mercado entreesses destinos. Nápoles atraía os intelectuais e idosos, Cumae era ocentro de férias da moda, Puteoli atraía os ‘turistas’ mais formais,enquanto Baiae era uma cidade-balneário e atraía os viajantes demenores recursos, notórios por serem briguentos, bêbados e boêmios.(YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.25).

A Idade MédiaCom o fim do império romano, em 476 d.C., as viagens se tornaram mais

difíceis – percorrer grandes distâncias significava correr grandes perigos. Sem aantiga infraestrutura, os saques, assassinatos e ataques dos povos bárbaros eramcomuns. Segundo Sigaux (apud YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.32), “aordem deixou de existir e, em muitas regiões, as estradas foram destruídas ou

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desapareceram; [...] a mobilidade individual, condição primeira das viagens,tornou-se mais reduzida”. Não é preciso dizer que toda a imponente estruturaromana para as viagens – como estradas, hospedarias e segurança – desapareceuquase que por completo após a dissolução do império.

Não só a falta de recursos fez retroceder o padrão das viagens na Europa,mas também a forma como a própria sociedade da Idade Média era organizada.“[...] a fixação do homem à terra, a atividade econômica predominantementeagrícola, a auto-suficiência do feudo e a ausência de um comércio desenvolvido”(YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.32) fez com que as pessoas raramenteprecisassem sair de seus feudos.

As viagens, tão enraizadas na cultura romana, não faziam parte doshábitos medievais. No início dessa era, os raros deslocamentos eram feitos emdireção às feiras ou aos destinos de peregrinações religiosas.

Deslocamentos reduzidos no primeiro caso porque, além dasdificuldades de comunicação, as feiras eram relativamente raras [...].No segundo caso, eram feitos simples itinerários em que a fé, quemotivava o viajante, ocupava o seu espírito e seu coração mais do quea paisagem. Era a emergência do ‘turismo religioso’ coletivo que buscavanão o prazer, mas a ‘porta da eternidade’. (YASOSHIMA;OLIVEIRA, 2005, p.32).

Entre os anos 500 e 1400 d.C. a maior parte da “classe média” desapareceu,o comércio tinha declinado drasticamente – o que fez com que as pessoasretornassem ao campo. Segundo Yasoshima e Oliveira (2005, p.33) “a sombrado que é algumas vezes referida como a Idade das Trevas só começou a serlevantada por volta do ano 1000 d.C., quando a igreja abraçou um grande desafiode construções [...], onde novas igrejas e catedrais foram erguidas”. Esses novoslugares da fé, gradativamente, fizeram com que o turismo se reerguesse.

A igreja estimulava as peregrinações, prometendo a concessão de“indulgências e graças espirituais. As abadias e os mosteiros faziam sua parte,acolhendo e alimentando os peregrinos. [...] Como retribuições à hospitalidadecristã, as doações dos peregrinos eram bem-aceitas”. (YASOSHIMA;OLIVEIRA, 2005, p.33). A ida até a sede da Igreja Católica era relativamentecomum: “a partir do século IV, já eram freqüentes as peregrinações dos cristãos

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– chamados de ‘romeiros’ – para Roma”. (YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005,p.34). Por outro lado, visitar Jerusalém era um dos destinos mais desafiadores,tanto pela distância, quanto pela falta de infraestrutura e custo – no entanto, asdificuldades faziam parte do “jogo”. No início do século XII, as peregrinaçõesem direção aos locais mais sagrados da cristandade se tornaram

[...] o exercício de piedade favorável e reputado como o mais eficazpara apagar os pecados e conquistar a proteção dos santos. Ricos epobres, sem se preocupar com a distância, contavam com ahospitalidade das abadias, [e] com a caridade dos ribeirinhos sobresuas rotas. (YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.34).

A principal maneira de se hospedar na Idade Média era nos mosteiros eoutras construções católicas. Uma das mais famosas paradas era “a Casa deHospedagem do Grande São Bernardo8, nos Alpes Franceses, estabelecida noano de 962 d.C.”. (YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.35).

A partir do século XIII, a peregrinação aos locais sagrados começou ase tornar mais frequente em todas as camadas sociais, exceto nas muitopobres, que não tinham os recursos necessários para a empreitada. E,paralelamente a essas viagens religiosas, “havia uma verdadeira indústria deindulgências plenárias e de ‘comércio’ de relíquias de Cristo, da Santa Cruze dos santos, que nem sempre eram autênticas”. (YASOSHIMA; OLIVEIRA,2005, p.35).

A “indústria peregrina” cresceu nos dois séculos seguintes, até se tornarbastante organizada no século XV, servida “por uma grande rede de hotéis decaridade e um comércio florescente de venda de objetos religiosos”.(YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.35). Foi também neste século que ocomércio a longa distância se renovou, conduzido por “Veneza, com destino àChina e à Índia, e pela liga Hanseática em direção ao norte da Europa”.(YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.36).

Aos poucos se voltava a viver em cidades (os burgos) e o comércioprogredia. Marcava-se, então, o final da Idade Média e o início das viagensmarítimas de descobrimento. Cabe ressaltar que, no período medieval, apesar

8 É por isso que uma raça de cães, a São Bernardo, tem esse nome. Eram esses cães que procuravam por fiéisperdidos na neve.

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de ser bem mais esparso e desorganizado do que viria a ser na Idade Moderna,também houve grandes navegações e comércio a longas distâncias.

No século XI, os vikings já haviam navegado até a América do Norte.No século XIII, Marco Pólo explorara as Rotas da Ásia, enquanto osmercadores dos caravanserai percorriam por terra longas distâncias nastrilhas da Rota da Seda. (YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.37).

Enquanto a Europa se debatia entre o obscurantismo e feudos auto-suficientes, o comércio e as hospedarias árabes eram plenamente desenvolvidos.Os caravanserai, postos de hospedagem na beira das rotas de comércio, ofereciampouso, banho, descanso e trocas de animais. Além disso, serviam como umarede de informação a todo o império islâmico medieval.

A Idade Moderna

O Renascimento europeu trouxe vida nova às várias esferas dahumanidade – comércio, artes, ciência e política tiveram um grande avançono início do século XV. Em relação ao ato de viajar, “o Renascimentorepresentou um grande incentivo às viagens culturais [...]. Esse deslocamentode professores, artistas e intelectuais, por sua vez, também impulsionou asviagens com objetivos mercantis”. (YASOSHIMA; OLIVEIRA, 2005, p.37).Enquanto o viajante medieval experimentava os mistérios sagrados, oviajante moderno buscava o conhecimento e a cultura. Foi nesse períodorenascentista que surgiram grandes universidades como Oxford, Paris,Salamanca e Bolonha.

Nos séculos seguintes, com o desenvolvimento do capitalismo, criou-se o hábito de viajar para estações de águas termais. Esses “SPAs” “deixaramde ter uma destinação exclusivamente para saúde e passaram a ser procuradospara eventos sociais, bailes, jogos de azar e outras formas de entretenimento”.(IGNARRA, 2003, p.5). Assim, a partir do século XV, a hotelaria e seusdiversos ramos se tornaram um negócio desenvolvido e organizado, comsubdivisões temáticas e com público-alvo definido.

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Foi com a Revolução Industrial, no século XVIII, que o turismo seestabeleceu como se concebe hoje. “O fato mais importante foi, sem dúvidaalguma, o desenvolvimento do transporte ferroviário e da navegação a vapor.”(REJOWSKI et al., 2005, p.43). James Watt, inventor da máquina a vapor quasena virada do século, em 1800, propiciou a criação do primeiro trem por GeorgeStephenson, no ano de 1814.

O advento do transporte ferroviário mudou completamente os hábitos deviagem e a estrutura hoteleira. Com a máquina se tornando uma das principaisformas de transporte no século XIX, começaram a ser implantados os hotéis deferrovia.

Chamados de terminus hotels, situavam-se próximo aos terminaisferroviários e eram normalmente operados e financiados pelas própriasempresas ferroviárias, garantindo assim uma demanda constante.Substituíram os antigos hotéis e pousadas que atendiam aos viajantesnas rotas das diligências. A primeira estação com um hotel de ferroviafoi a de Euston, em Londres (1838), seguida pela Great Western Royal,em Paddington (1854). (REJOWSKI et al., 2005, p.64).

Foi também nesta época o início da hotelaria de luxo, “em que o principalpersonagem foi o suíço Cesar Ritz (1850-1918), denominado o pai da hotelariamoderna”. (REJOWSKI et al., 2005, p.65). Banheiros privativos, elevadores,iluminação elétrica, alta gastronomia e especialistas em vinhos (os chamadossommeliers) podem parecer corriqueiros atualmente, mas foram grandes inovaçõesna segunda metade do século XIX. Não é à toa que Cesar Ritz “ficou conhecidocomo ‘o Rei dos Hoteleiros’ e ‘o Hoteleiro dos Reis’ [...]. Sua preocupação eraatender a todos os desejos de seus hóspedes, mesmo sem terem sido solicitados”.(REJOWSKI et al., 2005, p.66).

Brasil, uma história à parteA história da hotelaria brasileira começa com a vinda dos portugueses

para o novo mundo. Porém, não foi por meio dos navegadores que se deu osurgimento das hospedarias, e, sim, por meio dos jesuítas. Em 1549 foi

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fundada a cidade de Salvador, a primeira capital do Brasil colônia. Logo emseguida, chegou ao Brasil a Companhia de Jesus, liderada pelo padre Manoelda Nóbrega.

O caráter filantrópico das Ordens Católicas deu origem às primeirasinstituições hospedeiras no Brasil [...]. O Terreiro de Jesus, em Salvador[...] foi endereço de uma Casa de Hóspedes [...] que recebeupersonalidades ilustres, vindas da Europa, e também pessoas quenecessitassem de acolhida generosa. No Rio de Janeiro, foramconstruídos aposentos para hospedagem num prédio anexo aoMosteiro de São Bento. Além disso, instituições da Igreja em váriospontos do país construíram ‘hospícios’ (do latim, hospitium,hospedagem) para acomodar religiosos em viagem. (BARBOSA;LEITÃO apud FALCÃO, 2007, p.22-23).

O surgimento das primeiras hospedarias estava ligado intimamenteaos religiosos católicos e sua instituição – a igreja. Por aproximadamentedois séculos, quase não existiam estabelecimentos laicos reservados ahospedar viajantes. Em parte, isso se deve à hospitalidade “típica portuguesa[que] retardou [...] a consolidação da hotelaria como atividade comercial.Todas as boas residências tinham que possuir um ‘quarto de hóspedes’, oque denotava maior prestígio social do anfitrião”. (FALCÃO, 2003, p.23).

Dessa forma, entre os séculos XVI e XVII, as hospedarias no Brasilestavam quase que exclusivamente ligadas à infraestrutura criada pelaCompanhia de Jesus. Mais do que isso – as primeiras explorações fora dolitoral brasileiro foram feitas pelos padres jesuítas. “Em 1554 foi criado naaldeia de Piratininga [...] o Colégio de Santo Inácio, [...] ao redor do qual sereuniam colonos e indígenas. Piratininga foi a primeira povoação não litorâneae o núcleo originário da futura cidade de São Paulo.” (VEIGA, 2007, p.61).

Os colégios jesuíticos eram muito mais do que escolas, eles“constituíam a base administrativa das atividades dos religiosos [...]. Alémde bibliotecas os colégios possuíam oficinas, enfermarias, e boticas eprestavam assistência à população em geral”. (VEIGA, 2007, p.60). Oobjetivo não era apenas o de propagar os valores católicos, mas também ode iniciar o processo de colonização do novo mundo. Segundo Veiga (2007,p.60) “o marco inaugural e prioritário das atividades jesuíticas na Colônia

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foi [...] a construção de igrejas, aldeamentos e colégios. [...] [Essas instituições]foram as primeiras referências de sociabilidade da civilização cristã colonial”.

Na segunda metade do século XVII, “em razão do declínio do comérciode açúcar no mercado europeu, a Coroa portuguesa estimulou as buscas demetais e pedras preciosas em terras brasileiras, através de expedições conhecidascomo entradas e bandeiras”. (BRAICK; MOTA, 1997, p.228). Os jesuítasacompanhavam muitas dessas expedições, “que duravam meses, até anos, [...][abrindo] caminho para que fossem assentados os primeiros pousos”. (FALCÃO,2003, p.24).

Entretanto, a atuação da Companhia de Jesus no país chegaria ao fim em1759 com a expulsão desta ordem religiosa por Sebastião José de Carvalho eMelo, o Marquês de Pombal, ministro do rei português Dom José I. “Os benspertencentes à Companhia de Jesus passaram às mãos dos militares e particulares,e parte foi doada ou vendida em leilão.” (BRAICK; MOTA, 1997, p.231). Assim,toda a infraestrutura deixada passou para mãos laicas. Tais acontecimentosestavam diretamente relacionados ao contexto das reformas iluministas que,entre outras propostas, defendia a laicização da sociedade e o predomínio dopensamento racional sobre o religioso. O Brasil colônia não fora o único lugar aexpulsar os jesuítas, Portugal também o fez no mesmo ano, assim como a França(1762) e a Espanha (1764). (VEIGA, 2007, p.43).

Também se intensificaram no início século XVIII as expedições ao interiordo Brasil, na direção dos atuais estados de Mato Grosso e Goiás. Segundo Galli(apud FALCÃO, 2003, p.24) “nos ranchos de pau-a-pique, cobertos por folhasde árvores, nasceu a hotelaria em Goiás”. Esse tipo de construção era cobertopor folhas e sem paredes.

Os ranchos eram um tipo de hospedagem construída à beira dasestradas, cujos proprietários eram, na maioria, donos das terrasmarginais. Junto aos ranchos, era comum haver uma venda. O pousoera gratuito, sendo seus proprietários remunerados pelo comércioestabelecido nas vendas. (FALCÃO, 2003, p.24).

Mesmo com a crescente exploração do interior do Brasil, o turismo aindaera muito precário. No ano de 1787, um cirurgião inglês chamado John Whiterelata que, “cansado de percorrer com outros passageiros de seu navio as ruas

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estreitas do Rio de Janeiro, considerou o maior incômodo não achar cafés ouhotéis, onde pudéssemos tomar refresco ou passar uma ou duas noites em terra”.(TRIGO apud IGNARRA, 2003, p.7). Se isso acontecia na capital do país, comonão deveria ser a infraestrutura do interior? Inexistente, ou parecida com o ranchoilustrado na figura 3.

Figura 3 – Ilustração representando um rancho do século XVIII

Fonte: Falcão (2003, p.24)

Foi somente no início do século XIX, com a vinda da corte portuguesa,que se iniciou um grande desenvolvimento urbano e logístico no Brasil, emespecial no Rio de Janeiro. A demanda por hospedagem na cidade cresceu “emrazão da visita de diplomatas e comerciantes, iniciando-se, assim, a hotelariabrasileira. [...] Petrópolis revelava-se como a primeira estância climática brasileira,local escolhido pela realeza para fugir do calor do Rio de Janeiro”. (IGNARRA,2003, p.7). Apesar de todo o progresso vindo com a família real, o ano de 1808não foi fácil para o cidadão carioca.

Como acomodar as quase 15 mil pessoas que chegaram ao Rio deJaneiro [...], em 14 navios sobrecarregados de bagagem? Só para se teruma idéia, a Corte portuguesa representava cerca de um terço dapopulação da cidade, calculada em 50 mil habitantes. [...] Pobre doproprietário que chegasse em casa e encontrasse na porta as inicias‘P.R.’. Tinha de desocupar o imóvel de imediato, para que os membros

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da comitiva do ‘Príncipe Regente’ pudessem se acomodar na residência.E, obviamente, eram escolhidas as melhores casas. (FALCÃO, 2003,p.24).

O precursor da hotelaria comercial no Brasil foi o Hotel Pharoux (Figura4), fundado no Rio de Janeiro, em 1817, pelo francês Louis Dominique Pharoux.Segundo Belchior e Poyares (apud FALCÃO, 2003, p.28), nos anos seguintes,outros hotéis foram construídos na capital, como a Hospedaria Chevalier (1820),os Hotéis de la Rade e do Fanha (provavelmente de 1822), o Hotel do Globo (1826),o de Mrs. Phillips (1827), o Hotel de França (1827), o Hotel de Antônio Francioni(1828) e o Hotel d’Ottani (1829).

Figura 4 – Hotel Pharoux, Rio de Janeiro, 1840

Fotografia: Louis ComteFonte: Falcão (2003, p.27)

A expansão da hotelaria comercial coincidiu com duas mudanças profundasna sociedade brasileira: a independência, em 1822, e o início da cafeicultura –que trouxe ao país grande desenvolvimento econômico. Muitos trabalhadoreslivres, tanto brasileiros quanto estrangeiros, eram atraídos para o Rio de Janeiro.Entre os anos de 1822 e 1840 a população da capital saltou de 100 para 135 milhabitantes. “Após a Independência [1822] e o Império [1889], a cidade

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intensificou suas relações com o comércio internacional e o café se estabeleceucomo a grande riqueza nacional, a partir do declínio da mineração.” (FALCÃO,2003, p.28).

Outros estados passaram a plantar café – como São Paulo, Espírito Santoe Minas Gerais –, porém, a produção se destinava quase que exclusivamente aoporto carioca. A cidade passou a “representar, além de pólo exportador eimportador, a função de centro de beneficiamento e comercialização do produto.Surgem as primeiras grandes companhias de financiamento e o comércio começaa atrair os imigrantes”. (FALCÃO, 2003, p.28).

Mesmo com os crescentes investimentos na área de hospedagem, ademanda era muito maior do que a oferta. Nas outras cidades, a criação dahotelaria comercial demoraria mais tempo para acontecer. “Em São Paulo só setem notícias de hotéis com algum padrão de qualidade em torno do ano de1870.” (IGNARRA, 2003, p.7). Apesar do atraso, em 1878, foi inaugurado oGrande Hotel, na capital paulista, considerado o melhor do Brasil na época.(FALCÃO, 2003, p.30).

Foi a partir da segunda metade do século XIX, com a implementação dotransporte ferroviário pelo Visconde de Mauá, que o turismo e a hotelaria, defato, começaram a se desenvolver. Em 1858, o primeiro trecho de ferrovia doRio de Janeiro foi inaugurado. A evolução dos transportes terrestres “propiciouum grande incremento de deslocamentos, notadamente de e para o Rio de Janeiro,onde, na metade do século XIX, existiam cerca de 200 estabelecimentos, entrehotéis, hospedarias e restaurantes”. (IGNARRA, 2003, p.7). Outras regiões doBrasil também começaram a fundar seus hotéis, como o Hotel del Siglo, em PortoAlegre (RS), em 1870; o Hotel Caxambu em Caldas (MG), em 1881; e o HotelCacina, em Manaus (AM), em 1899. (FALCÃO, 2003, p.30).

De acordo Ignarra (2003, p.7), em 1908, com a construção do Hotel Avenida(Figura 5), no Rio de Janeiro, teve início a hotelaria moderna no país. Esse hotelcontava com 220 quartos e era o maior da época. Ou seja, a hotelaria, conformese concebe hoje, só passou a existir no Brasil a partir do século XX. O início doséculo XX, aliás, coincide com o período de colonização do norte do Paraná ecom a construção de seus primeiros hotéis e pensões, um dos objetos de estudodos projetos de pesquisa Fragmentos da História do Norte do Paraná (décadas de 30 a60) em textos e imagens, recém-encerrado, e Gatilho da Memória: o uso da fotografia

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para a recuperação da história do norte do Paraná nas décadas de 1930 a 1960, emandamento na Universidade Estadual de Londrina, dos quais resultou o presentelivro.

ReferênciasBAPTISTA, Isabel. Hospitalidade e eleição intersubjectiva: sobre o espíritoque guarda os lugares. Revista Hospitalidade, São Paulo, ano 5, n.2,2008. p.5-14.

BENEVOLO, Leonardo. História da cidade. 3.ed. São Paulo:Perspectiva, 2003.

BRAICK, Patrícia Ramos; MOTA, Myrian Becho. História: das cavernas aoterceiro milênio. São Paulo: Moderna, 1997.

Figura 5 – Hotel Avenida, Rio de Janeiro, 1910

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Falcão (2003, p.30)

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Hotel Luxemburgo:primeiro hotel comercial

de Londrina

Mário Jorge de Oliveira Tavares*

* Especialista em Administração e Telecomunicações. Autor do livro Sercomtel: marca de pioneirismo. Colaborador daAssociação Pró-Memória de Londrina. E-mail: [email protected]

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43HOTEL LUXEMBURGO: PRIMEIRO HOTEL COMERCIAL DE LONDRINA

O Hotel Campestre foi a primeira edificação da Companhia de TerrasNorte do Paraná quando de sua chegada a Londrina, na época PatrimônioTrês Bocas. O estabelecimento, construído no local hoje conhecido comoMarco Zero, na Avenida Theodoro Victorelli (em frente ao ShoppingBoulevard), foi inaugurado em 1930, servindo de hospedagem aos funcionáriosda colonizadora e aos primeiros compradores que vinham de outras cidades,estados e países interessados na fertilidade da terra vermelha do norte doParaná. De acordo com informações do livro Colonização e desenvolvimento donorte do Paraná, editado em 1975, pela Companhia Melhoramentos Norte doParaná, o hotel foi também o primeiro endereço do escritório da CTNP. Oprimeiro hóspede registrado foi o chefe da “caravana dos desbravadores”,George Craig Smith, e seus primeiros administradores foram o casal Alberto eFrida Fleuringer.

Com o franco aquecimento das vendas dos lotes, a CTNP decidiu construirum escritório maior e mais próximo do futuro centro comercial londrinense.Em razão dessas circunstâncias, a sede da colonizadora foi transferida para aRua Maranhão, esquina com a Rua Minas Gerais, no espaço onde hoje estão oCine Teatro Ouro Verde e o edifício Autolon. Com a mudança, o Campestre foidesativado e pensões e pequenos hotéis começaram a surgir. No entanto, aindaera imprescindível a instalação de um hotel maior, que oferecesse boasacomodações e conforto aos potenciais compradores de terras, convidadosilustres e profissionais especializados que vinham a Londrina para a prestaçãode serviços temporários.

Foi em razão dessa necessidade que, possivelmente incentivado pelaCTNP, Gregorio Rosenberger construiu o primeiro hotel comercial de Londrina,o Hotel Luxemburgo, localizado na então Rua Cambé – hoje Avenida Duque deCaxias – esquina com a Rua Goiás, na quadra 51.

Segundo Widson Schwartz, na matéria Os hotéis do sertão, publicada noJornal de Londrina de 2 de maio de 2001, o Hotel Luxemburgo foi inaugurado emmaio de 1932 (Figura 1), praticamente no meio dos palmitais. O estabelecimentocontava com 25 quartos dotados de lavatório e seis banheiros comunitários,que ficavam no final do corredor principal. Além disso, havia uma bela varandae jardim – de onde, por certo, os hóspedes testemunharam a derrubada da matae a construção das primeiras edificações do ainda Patrimônio Três Bocas.

44 MÁRIO JORGE DE OLIVEIRA TAVARES

Por ser, à época, o prédio mais importante e com melhores condições dereceber pessoas, o Luxemburgo tornou-se o local preferido para a realização dereuniões de autoridades e investidores, quase sempre ligados direta ouindiretamente à CTNP, como pode ser observado na figura 2.

Com o falecimento de Gregorio Rosenberger, o Hotel Luxemburgo foicolocado à venda e comprado por Franz Hesselmann1, que assumiu sua direçãoem dezembro de 1940. Hoteleiro alemão, vindo de Jaraguá do Sul (SC) com aesposa Alzira Pedri e a filha Alice, Franz construiu sua casa contígua aoestabelecimento recém adquirido. Contudo, o registro do imóvel em seu nomesó veio a ocorrer em 16 de setembro de 1957.

Com a entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Aliados,Franz precisou mudar o nome do Luxemburgo para Hotel América, atendendo aproibição de nomenclaturas que fizessem menção aos países do Eixo (Alemanha,Itália e Japão), ou seja, inimigos do Brasil no conflito2. Não foi possível precisar

Figura 1 – Possível dia da inauguração do Hotel Luxemburgo em 1932

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

1 Franz Hesselmann faleceu em 8 de julho de 1974 e, como homenagem, tornou-se nome de rua no Jardim SãoPedro, em Londrina.2 O Hotel Germânia, inaugurado em 1933 por Carlos Rottmann, também teve que mudar seu nome. O estabelecimento,localizado na esquina das atuais Avenida Celso Garcia Cid e Rua Mato Grosso, passou a se chamar Grande Hotel.

45HOTEL LUXEMBURGO: PRIMEIRO HOTEL COMERCIAL DE LONDRINA

a data exata da mudança do nome, no entanto, parte-se do princípio que estaaconteceu após agosto de 1942, quando o país entrou na guerra (o envio detropas ocorreu em 1944) e decretou o confisco de bens de imigrantes alemães,italianos e japoneses. O único registro encontrado com relação à alteração donome data de maio de 1946, em um anúncio do hotel no jornal Paraná-Norte(Figura 3).

Figura 2 – O Hotel Luxemburgo, em 1933, quando da visita do ex-ministro da Alemanha Erich Koch-Weser e sua esposa Irma, em sua primeira viagem ao Brasil

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Associação Pró-Memória de Londrina e Região (2004, p.92)

Figura 3 – Anúncio publicitário publicado no jornal Paraná-Norte, de 23 de maio de 1946,já como Hotel América (Ex-Luxemburgo)

Fonte: Jornal Paraná-Norte (1946)

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Em novembro de 1946, a primeira ala de alvenaria foi construída noHotel América (Figura 4), envolvendo o térreo e o primeiro andar. Dois anosdepois, em 1948, o estabelecimento passou a ter também um segundo andar,totalizando 58 quartos. Neles, hospedaram-se diversos personagens ilustres eimportantes para a história de Londrina, como Willie da Fonseca BrabazonDavids, Hugo Cabral, Milton Ribeiro de Menezes e João Milanez. Além deles,Eurico Gaspar Dutra e Getúlio Dorneles Vargas, ex-presidentes do Brasil,também engrossam a lista dos que se hospedaram no estabelecimento.

Figura 4 – Fachada do Hotel América, já ampliado para 58 quartos, na década de 1950.A fachada é mantida até hoje, porém revestida de azulejos

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Hesselmann

Nem só de hospedar clientes vivia financeiramente o hotel. Desde ocomeço de sua história a partir de 1932, quando ainda se chamavaLuxemburgo, o estabelecimento oferecia os serviços de restaurante, comopode ser comprovado no reclame publicitário [cosinhas de primeira ordem]da figura 3, e locava seu espaço para a realização de festas, desde que opróprio hotel fosse o responsável pelo buffet. No dia 22 de janeiro de 1938,por exemplo, Gregorio Rosenberger organizou um grandioso baile,

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acompanhado de recital artístico, em comemoração ao aniversário da Grã-duquesa Carlota de Luxemburgo3.

Outro grande baile aconteceu em 1942, organizado pela comissão defestejos carnavalescos. A festa, inclusive, foi noticiada na primeira página doParaná-Norte, em 15 de fevereiro daquele ano. Além das festas dançantes, ohotel também foi palco de formaturas, desfiles de moda e de almoços e jantaresde algumas entidades. Clubes como o Rotary e o Lions, inclusive, deixavamseus brasões, flâmulas e bandeiras no salão do restaurante, pois suas reuniõeseram costumeiras no hotel (Figuras 5 e 6). A maçonaria também costumavaorganizar lá seus encontros festivos.

Figura 5 – O restaurante era utilizado não só para refeições dos hóspedes,como também por frequentadores avulsos4

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Hesselmann

3 A Grã-duquesa Carlota de Luxemburgo (1896 – 1985) foi a segunda filha do Grão-duque Guilherme IV, deLuxemburgo, e de Maria Ana de Bragança. Seus avós maternos foram o rei Miguel I, de Portugal, e Adelaide deRosenberg, princesa do condado de Löwenstien. Não foi encontrado registro histórico de ligação familiar comGregorio Rosenberger, mas o sobrenome do seu filho, Ernesto Rosenberg (engenheiro da Companhia de TerrasNorte do Paraná), é o mesmo da avó materna da Grã-duquesa Carlota de Luxemburgo, podendo ter sido o motivoda escolha do nome do hotel.4 A família Hesselmann, como a maioria das famílias, guardava as fotografias cuidadosamente em caixas de sapatose de chapéus, mas sem a preocupação de anotar a data e os nomes dos fotografados. Agora, 50, 60 anos depois,torna-se muito difícil precisar a data e os nomes.

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Agostinho Pedri e sua mulher Ophélia5, primos do casal Hesselmann efuncionários do hotel de 1951 a 1973, contam que as refeições servidas tambémfaziam sucesso – principalmente o café colonial e a feijoada, considerada amelhor de Londrina. Servida aos sábados, a feijoada era capaz de formar filasde clientes com panelas em frente ao estabelecimento para comprar uma porçãoe levá-la para comer em casa, com a família. De acordo com Agostinho, asporções servidas alcançavam facilmente a marca de 500.

O casal também relata que, quando chegou em Londrina, morou no própriohotel, em um mezanino que ficava sobre o forro da garagem. O dormitório,capaz de abrigar até 15 pessoas, era uma acomodação provisória para aquelesfuncionários que ainda não haviam se estabelecido na cidade.

De outubro de 1954 a outubro de 1956, Franz Hesselmann decidiu locaro América para José Curi. Para Agostinho Pedri, dois motivos o levaram a optarpela locação: o adoecimento de sua esposa, Alzira, e sua empolgação com aagricultura, ramo no qual resolveu investir com mais intensidade. No entanto,assim que o contrato de locação com José Curi venceu, o casal Hesselmann

Figura 6 - Almoço festivo no restaurante do Franz Hotel, provavelmente nos anos 60

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Hesselmann

5 Esta e as demais citações de Agostinho Pedri e sua mulher Ophélia neste texto foram obtidas em entrevistaconcedida pessoalmente a Mário Jorge de Oliveira Tavares, dia 21 de outubro de 2011, no comércio dosentrevistados. Agostinho faleceu duas semanas após a conversa com o autor, dia 6 de novembro de 2011.

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retomou a direção do estabelecimento. Em fevereiro de 1957, para chancelarde vez a “volta” dos donos, o nome do estabelecimento foi alterado para FranzHotel (Figuras 7 e 8), uma espécie de ligação direta do nome do proprietário aodo hotel.

Figura 7 – Franz Hesselmann, de terno branco, Mário Cunha, de terno escuro, eoutras autoridades, possivelmente quando da reinauguração do estabelecimento

com o nome de Franz Hotel, em fevereiro de 1957

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Hesselmann

Figura 8 – Também participaram da solenidade de reinauguração o recém-nomeado bispo de Londrina,Dom Geraldo Fernandes (de óculos e à direita) e outras autoridades eclesiásticas, abençoando o

empreendimento e seus hóspedes

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Hesselmann

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Com o falecimento de Franz Hesselmann, em 1975, a gestão do hotelficou a cargo de sua viúva Alzira e do filho Waldemar. Em 1996, com ofalecimento de Waldemar, o estabelecimento passou a ser dirigido pelo netode Franz (filho de Waldemar), Márcio de Machado Hesselmann.

Em razão da multiplicação de hotéis – de todos os padrões – emLondrina, a clientela caiu e o Franz Hotel deixou de ser lucrativo como antes,tornando sua administração cada vez mais custosa. Com isso, em dezembrode 2000, o Franz fechou as portas. Parecia o fim de um hotel histórico, queviu Londrina se transformar em município, passar pelas agruras da crise dedesabastecimento decorrente da Segunda Guerra Mundial, viver a repressãoda Ditadura Vargas, testemunhar a redemocratização do país em 1946, vibrarcom as grandes safras de café, ouvir as lamúrias dos cafeicultores ecomerciantes após cada geada, enfrentar o Regime Militar e votar novamentepara presidente. Parecia o fim do primeiro hotel comercial de Londrina. Mas,não! Em 2004, o imóvel foi vendido a José Maria Neiva, que o alugou em2006 para Edemilson Palmeira da Silva (ex-funcionário do Franz Hotel, entre1975 e 2000), que, por sua vez, reabriu o negócio com outro nome: HotelAliança.

Em 18 de maio de 2010, o imóvel foi adquirido por Augusto MarianoFilho, que decidiu manter o hotel em funcionamento, mas retomou a antiganomenclatura de Franz Hotel. Este arrendou o estabelecimento para MariaHelena Mendes, que usou sua experiência de 35 anos no ramo hoteleiropara reformar e modernizar o prédio – mantendo, porém, alguns de seustraços históricos, como o luminoso da década de 1950.

O Hotel Luxemburgo teve seu nome forçosamente alterado para HotelAmérica, que depois passou a chamar-se Franz Hotel, que teve novamenteseu nome alterado para Hotel Aliança e, pouco mais tarde, voltou a ser FranzHotel. Desde 2010, sob a administração de Maria Helena Mendes, o hotelcontinua de portas abertas para receber antigos e novos hóspedes,sustentando há mais de 60 anos o título de primeiro hotel comercial deLondrina.

MÁRIO JORGE DE OLIVEIRA TAVARES

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______. Os hotéis do sertão. Jornal de Londrina, Londrina, 2 set. 2002.p.10A.

* A consulta bibliográfica foi o primeiro passo, mas inúmeras dúvidas só foram esclarecidas após cruzar os dadosbibliográficos com as entrevistas realizadas, especialmente as com o sr. Agostinho Pedri e sua esposa Ophélia; sra.Joeni Machado Gonçalves; sr. Benedito (“Dito”) Gonçalves da Silva (mecânico industrial); sr. Raul Pieretti(cabeleireiro); sr. Edemilson Palmeira da Silva (locatário que alterou o nome do hotel para Aliança); e sra.Rosângela Ricieri Haddad (bibliotecária do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss), aos quais muitoagradeço.

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Hotel Triunfo: a hospitalidadeda família Campana

virou hospedaria

Natália de Fátima Rodrigues *Paulo César Boni **

* Jornalista. Graduada em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina(UEL). E-mail: [email protected]** Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento deComunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Líder do grupo de pesquisa Comunicação e Históriado CNPq. Bolsista produtividade da Fundação Araucária. E-mail: [email protected]

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A história do Hotel Triunfo (Figura 1) se confunde com a própriatrajetória de Londrina. Desde seu surgimento, em 1934, como Pensão Triumpho,até os dias de hoje, o hotel manteve sua característica de abrigarprincipalmente viajantes, acompanhando as exigências de uma cidade emconstante crescimento. Desde os primeiros anos de sua colonização, Londrinateve que se preparar para abrigar os interessados em conhecer a prósperaregião do norte do Paraná.

Figura 1 – Fachada do Hotel Triunfo, reformado e ampliado pela família Campana

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Campana

Sua construção está ligada ao pioneirismo da família Campana que,em 1934, depois de haver acumulado prejuízos com a desvalorização docafé decorrente da crise de 1929, vendeu sua fazenda na cidade de Ipaussu(SP) e se mudou para Londrina. No primeiro ano na cidade, a família morouem uma casa1 na Rua Sergipe. Posteriormente, se mudou para outra, demadeira, na esquina das ruas Benjamin Constant e João Cândido

1 Anos depois, como afirma Widson Schwartz no Jornal de Londrina de 12 de agosto de 1997, essa residência darialugar ao armazém de Kusako Nishioka – a Casa Azul.

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(denominações atuais), onde mais tarde seria estabelecida a Pensão Triumpho.Com apenas quatro quartos, ela hospedou pioneiros e imigrantes atraídospela propaganda do novo “Eldorado”, disseminada pela Companhia de TerrasNorte do Paraná (CTNP).

A ideia de abrir a pensão surgiu por acaso. Quando o chefe da família,Primo Campana, foi contratado pela CTNP para ajudar na construção deestradas, muitos migrantes que lá trabalhavam lhe pediam alguma indicaçãode lugar para passarem a noite. O pedido era recorrente também entre oscompradores de terras que, muitas vezes, sem lugar para dormir, passavama noite na estação. Sem muitas opções de hospedagem, o jeito era oferecerum cantinho na própria casa (Figura 2). Aida Daici Campana2, nora de PrimoCampana, lembra que dormiam de cinco a seis pessoas em um mesmo colchãode casal: “O pessoal não queria nem saber, queria mesmo era dormir!”

Mas, o que começou como um favor, um “quebra-galho” entreconhecidos, logo se tornou um empreendimento. Diante da necessidadeverificada, a dona de casa Onesta Zucolin Campana, esposa de Primo, decidiuabrir uma pensão. Com apenas quatro camas para hóspedes, a pequena casade madeira da família dava início à história do Hotel Triunfo.

A localização também favorecia o empreendimento. Construídapróxima à estação rodoviária, a pensão estava a poucos minutos daquelesque seriam seus principais hóspedes: os viajantes. Vitelbino Campana3, filhode Primo, lembra que, quando a família comprou o terreno, havia divergênciassobre o local onde se construiria a estação. Na realidade, a CTNP haviaanunciado um lugar diferente apenas para acelerar a venda de terrenos emoutra região. A família Campana, no entanto, contou com a correta orientaçãode Eugênio Brugin, que indicou o local exato da rodoviária.

O terreno onde foi construída a casa da família foi comprado por doiscontos e quinhentos mil réis – metade do preço que era cobrado pela CTNPna época. Isso porque ela oferecia um desconto de 50% paraempreendimentos que fossem construídos em até seis meses.

2 Esta e as demais citações de Aida Daici Campana neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmentea Natália de Fátima Rodrigues e Paulo César Boni, dia 14 de outubro de 2009, na residência da entrevistada.3 Esta e as demais citações de Vitelbino Campana neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmentea Natália de Fátima Rodrigues e Paulo César Boni, dia 16 de outubro de 2009, na residência do entrevistado.

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Nos três primeiros anos, o movimento na pensão não foi muito expressivo.A família se mantinha cuidando do negócio, enquanto Primo Campanacontinuava trabalhando na construção de estradas. Porém, o desenvolvimentoda cidade era evidente – e fez dona Onesta enxergar uma oportunidade decrescimento. O vilarejo com 80 ranchos de palmito, que fora o cenário de suachegada a Londrina, dava lugar a uma cidade em constante evolução, quedeveria estar pronta para abrigar pessoas interessadas em conhecê-la. Foiquando a dona de casa alertou o marido sobre a possibilidade de estabelecerum hotel.

Primo Campana, então, comprou mais três terrenos. Em 1939, ao ladoda casa de madeira, construiu um prédio em alvenaria (Figura 3) com 12quartos, ostentando o nome Pensão Triumpho. Este nome foi escolhido paramarcar o restabelecimento financeiro da família, que havia “quebrado” depoisda crise de 1929. Nos outros dois terrenos, mais tarde, em 1942, a famíliaconstruiria o prédio maior do hotel, com dois pavimentos.

Figura 2 – Primeira casa de madeira da família Campanha, na qual nasceu a Pensão Triumpho

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Campana

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Dos 12 quartos que a pensão oferecia, três eram ocupados pela família eos outros nove eram alugados. O banheiro, como lembra Vitelbino, ficava dolado de fora, no entanto, o banho era tomado no interior da casa, em tinas. Asroupas eram lavadas no rio Quati e exigiam não só o capricho das mulheres,mas também a coragem dos homens. Enquanto elas lavavam as roupas eesperavam secar – trazê-las de volta secas minimizava os esforços por ficaremmais leves –, os homens montavam guarda com suas espingardas para afastar operigo das onças e jaguatiricas.

A aventura diária para lavar as roupas teve fim em 1943, quando PrimoCampana comprou uma secadora, que, ainda hoje, continua na lavanderia dohotel. A máquina foi adquirida depois de uma chuva que durou 40 dias, deixando

Figura 3 – Construção do prédio em alvenaria, que daria lugar ao Hotel Triunfo

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Campana

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os viajantes “presos” na pensão durante todo esse tempo, pois o deslocamentonessas condições era inviável. A secadora, trazida de São Paulo, foi um grandeinvestimento para a família – nada que uma nova chuva de 40 dias, “prendendo”os hóspedes novamente, não ajudasse a pagar.

Com a prosperidade do empreendimento, a pensão foi transformada emhotel em 1942. Para tanto, construíram um prédio maior, de dois pavimentos,na esquina das ruas Benjamin Constant e João Cândido (Figura 4).

Figura 4 – Ampliação do hotel em 1942, quando um prédio de dois pavimentos foi construído

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Campana

O hotel da família

Com a ampliação, a família toda passou a trabalhar no hotel, inclusivePrimo Campana. Dona Aida lembra que seu marido e os irmãos iam à rodoviáriaesperar por viajantes a procura de um lugar para passar a noite. “Elesperguntavam se as pessoas queriam que carregassem a mala e falavam do hotel.”

Os viajantes eram os principais hóspedes. Ligados ao comércio, passavamdias no hotel enquanto ofereciam seus produtos e anotavam as encomendas.Dependendo do negócio a ser resolvido pelos comerciantes que se hospedavam,

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sua estada podia se alongar por semanas, ou até meses. João Rodrigues4,garçom do estabelecimento durante cinco anos, recorda-se de um hóspedebastante conhecido na época, o “seo” Ferrari, que passava até três meses nohotel enquanto cuidava de seus negócios com o café. Outros até fixavamresidência no local, já que, segundo João, o que atualmente é um luxoreservado a poucos, naquele tempo não representava um custo muito alto.Havia ainda aqueles que só passavam ali por um dia, ou, às vezes, para umaúnica refeição no restaurante.

O Triunfo também ficou conhecido por hospedar pessoas ilustres. Aindacomo pensão, acolheu o primeiro pároco da cidade, Carlos Dietz – que, nainexistência de uma casa paroquial, passava suas noites ali. Já como hotel,abrigou grandes nomes da música brasileira, como Luiz Gonzaga, o “rei dobaião”, Nelson Gonçalves e Otávio Henrique de Oliveira, o Blecaute. Elesvinham, muitas vezes, para fazer shows na Rádio Londrina. Vitelbino selembra das rodas de música improvisadas no pátio, puxadas pela sanfonaanimada de Luiz Gonzaga.

O cantor que fazia a alegria dos hóspedes também tinha suas regalias.Aida Campana conta que, em uma noite, após um demorado show, Gonzagapediu a ela que lhe preparasse alguma coisa para comer, pois o horário dojantar no hotel havia passado há muito tempo. Atendendo ao pedido, ela foià cozinha para preparar algo e logo ganhou a companhia do próprio músico,que se dispôs a ajudá-la.

Tornar-se a escolha de hospedagem de pessoas famosas foi um grandeindício da qualidade que o estabelecimento tinha adquirido. Além daestrutura ampliada, contava com um restaurante (Figura 5) – o que era umdiferencial na época, posto que esse tipo de serviço era escasso. Era comumoutros hotéis reservarem mesas para seus hóspedes no restaurante do Triunfo,que logo se tornou conhecido na cidade, ganhando destaque nas propagandassobre o hotel. “Cosinha de primeira ordem” (sic) – é o que se lê em umanúncio do Triunfo na revista A Pioneira.

4 Esta e as demais citações de João Rodrigues neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmente aNatália de Fátima Rodrigues, dia 22 de outubro de 2009, na residência do entrevistado.

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Na cozinha, durante grande parte da história do hotel, quem cuidavada comida era Olga Campana, esposa de Vitelbino. Cozinheira bastanteelogiada pelos hóspedes e pelos funcionários, ela contava com a ajuda dequatro mulheres para preparar as refeições. Enquanto cozinhava, as outraslavavam as louças e as verduras e, quando necessário, “davam uma mão” aoúnico garçom do estabelecimento – João Rodrigues.

O trabalho mais cansativo do restaurante começava bem antes daprimeira refeição. Logo de manhã, os funcionários tinham que passar lustrol[na realidade, Lustrol era a marca, o nome comercial], um produtoantioxidante, em todos os talheres (150 facas e 150 garfos) para evitar aoxidação pelo vinagre. O cuidado com os talheres também incluía a marcação

Figura 5 – Vista parcial do restaurante, um dos responsáveis pelo sucesso do Hotel Triunfo

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Campana

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minuciosa das iniciais P.C. (Primo Campana) para evitar roubos. A táticatambém foi aplicada às toalhas, mas não evitaram os furtos. A solução dedona Onesta foi, então, fazer um grande furo no meio das roupas de banho,tornando-as facilmente reconhecíveis ou simplesmente indesejadas peloslarápios.

O cardápio do restaurante era simples, mas, como lembra dona Aida,farto. A sopa com legumes e macarrão era indispensável, seguida dos bifesbem temperados e fritos na chapa. As refeições especiais – massas, na maioriadas vezes – eram reservadas para os fins de semana, conta João Rodrigues.

Aida Campana também trabalhou no restaurante e se lembra dehistórias curiosas que aconteceram nessa época. A pioneira recorda de umfugitivo de guerra, o doutor Timóteo, que aparecia às vezes na cozinhaquando elas estavam cozinhando os ossos das carnes para fazer sabão. Eleficava indignado com o que dizia ser um “desperdício” de comida – já que,como relatava, nos tempos de guerra e escassez, havia cozinhado solas desapato para se alimentar. “Não joga isso fora!”, ele dizia. “Mas como a genteia aproveitar?”, questiona dona Aida.

O fogão a lenha era abastecido pela minilenhadora que mantinham aolado do hotel. Mas, o encarecimento da madeira exigiu dos proprietários umnovo investimento: a compra de um fogão abastecido por óleo diesel.

No restaurante do estabelecimento eram realizadas várias festas decasamento. O refeitório espaçoso e a boa comida oferecida tornaram-seatrativos para a realização deste tipo de evento (Figura 6). Os Campanatambém se reuniam al i para almoços de Natal , Páscoa e outrasconfraternizações. Nessas festas, os funcionários sempre estavam presentes.Dona Aida revela que, na realidade, todos faziam parte de uma grande família:a família Triunfo. O ambiente acolhedor é lembrado com carinho tanto pelosdonos como por quem trabalhou no estabelecimento. João diz que não sóconheceu a profissão que praticaria pelo resto da vida, mas também a mulhercom quem mais tarde se casaria e constituiria sua família.

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A família que começou no TriunfoProcedente de Imaruí (SC), João Rodrigues chegou a Londrina em 17 de

agosto de 1951. As dificuldades que a família passava em sua cidade natal foramo motivo pelo qual ele e seus nove irmãos se mudassem de lá. “A família eramuito pobre, passava muita dificuldade, então ‘esparramou’ todo mundo.”

Quando chegou em Londrina, João começou a trabalhar como serventede pedreiro. Com a produção cafeeira em expansão na década de 50, também selembra de haver trabalhado em colheitas de café. Mas, foi seu ofício na construção

Figura 6 – Comemorações e confraternizações eram frequentes noespaçoso restaurante do Hotel Triunfo

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Campana

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civil que lhe rendeu a oportunidade de começar a carreira de garçom. Enquantotrabalhava na obra de um dos prédios do Hotel Triunfo, João foi chamado parasubstituir o garçom que havia faltado no dia. Com alguma prática adquirida embares que havia trabalhado, assumiu sem dificuldades o posto. A afinidade foitanta que, o que era pra ser um “quebra-galho”, tornou-se emprego fixo pormais de cinco anos.

Nos anos em que trabalhou no hotel, ele conta que o movimento norestaurante sempre foi bom e o serviço continuava a oferecer a qualidade queconstruíra sua fama anos atrás. No entanto, com o surgimento de hotéis maiores– com a oferta desse serviço – e a multiplicação de restaurantes na cidade, aprocura pelo restaurante do Hotel Triunfo começou a cair gradativamente.

Na cozinha, durante o tempo em que João esteve lá, quem cuidava dacomida era Olga; depois, um polonês – conhecido como Parrim. Apesar deótimo cozinheiro, Parrim tinha problemas com bebida e abandonou o cargo.

Nessa época, no hotel, trabalhavam 12 funcionários – entrearrumadeiras, lavadeiras e cozinheiras. João era o único garçom. Quando oserviço “apurava” no restaurante, ele recebia ajuda de Vitelbino que, no restodo tempo, encarregava-se das compras para o estabelecimento. Todos osfuncionários moravam ali: “Éramos uma família.”

João também se recorda dos passarinhos (Figura 7) que o amigo Vitelbinocriava no hotel. O pátio, no qual os ilustres hóspedes Luiz Gonzaga, NelsonGonçalves e Blecaute improvisaram suas rodas de música, também servia depalco para os pássaros exercitarem sua cantoria diária. Segundo o ex-garçom,os hóspedes nunca se incomodaram com as aves. “Tinha um monte depassarinho! Canário, periquito australiano, bicudo que ele trazia lá do MatoGrosso.”

Das lembranças que João Rodrigues carrega do lugar, uma, em especial,emociona-o. Foi enquanto trabalhava no hotel que conheceu sua esposa,Francisca Rodrigues, que exercia ali a função de copeira. Os dois logocomeçaram a namorar e se casaram em 1954. A festa, como não poderia serdiferente, foi realizada no restaurante do Triunfo. Entre os convidados, estavamalguns dos hóspedes mais conhecidos, a família Campana e a família Triunfo,que continuou a ser companhia para o casal, pois, mesmo depois de casados,continuaram morando no hotel por mais um ano.

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O eterno “hotel dos viajantes”Em 1962, Primo Campana decidiu vender o Triunfo. O dinheiro foi dividido

entre os familiares. “O meu sogro passou o hotel para os filhos, mas não deucerto, porque um trabalhava mais que o outro e isso causava desentendimentos.Então, ‘seo’ Primo decidiu que já era hora de cada um ir para seu lado e vendeuo hotel e os prédios por 35 mil contos de réis, muito pouco para a época”, relataAida Campana.

O estabelecimento foi vendido para o proprietário do Hotel Cravinho, depoisa Helvécio Jorge. Atualmente, o prédio pertence a Mário Hatanaka, que demoliua parte mais antiga, construída em 1939, para dar lugar a novas lojas. O hotel,atualmente, é explorado por Paulo Sérgio de Oliveira5 e sócios.

Segundo Oliveira, no estabelecimento se hospedaram pessoas de várioslugares do mundo. “Desde que estou aqui, já passaram coreanos, holandeses e

Figura 7 – Os passarinhos, paixão de Vitelbino Campana, ficavam no pátio do hotel

Fotografias: Autores desconhecidosFonte: Acervo da família Campana

5 Paulo Sérgio de Oliveira. Entrevista concedida pessoalmente a Gabriel Felipe Oberle, dia 22 de novembro de2009, no Hotel Triunfo.

HOTEL TRIUNFO: A HOSPITALIDADE DA FAMÍLIA CAMPANA VIROU HOSPEDARIA

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até um rapaz que dava a volta ao mundo de bicicleta. Além de pessoas de váriasregiões do Brasil”, comenta.

Com 48 aposentos, entre quartos e apartamentos, o Triunfo, que sofreutantas mudanças, incorporando as novidades do mundo moderno (recepção comcâmeras de monitoramento e sala de televisão), ainda mantém característicasde seu passado, como a lavanderia, que funciona com todo maquinário original.O perfil de seus hóspedes também continua sendo o mesmo – os viajantes.

ReferênciasCUNTO, Adriana. Comércio quer ruína de hotel no chão. Folha deLondrina, Londrina, 25 fev. 1994. p.1.

SCHWARTZ, Widson. Campana começou o Triunfo em 34. Jornal deLondrina, Londrina, 12 ago. 1997. p.8A.

______. Campana escolheu o lugar há 70 anos. Jornal de Londrina,Londrina, 23 ago. 2003. p.4B.

NATÁLIA DE FÁTIMA RODRIGUES E PAULO CÉSAR BONI

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Hotel Cravinho:um reduto da colônia

japonesa

Ulisses Sawczuk *

* Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).E-mail: [email protected]

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A história do Hotel Cravinho começa a ganhar corpo com a chegada doimigrante japonês Mokutaro Morikawa a Londrina. Inicialmente, o imigrantehavia se estabelecido no interior de São Paulo, mas, após alguns anos, mudou-se para o norte do Paraná com sua esposa Mura, também nascida no Japão, e ostrês filhos do casal.

Ao chegarem a Londrina, em 1945, encontraram uma cidade em processode formação. Poucas ruas, até então, eram calçadas com paralelepípedos. Obarro vermelho e escorregadio era uma característica marcante – sendo que o“batismo” dos pioneiros recém-chegados era o primeiro tombo. A cafeiculturaera o carro-chefe da economia e migrantes de diversos estados brasileiros, assimcomo imigrantes dos mais variados países e etnias, vinham à cidade para nelatrabalhar e viver.

A configuração espacial do município era muito diferente da atual: aAvenida Juscelino Kubitschek, que à época se chamava Antonina, era umadas ruas limítrofes de Londrina. A antiga estrada de ferro, localizada às margensde onde hoje está a Avenida Arcebispo Dom Geraldo Fernandes (AvenidaLeste-Oeste), dividia a cidade em duas: de um lado ficava a Londrina maispopulosa e desenvolvida (posteriormente se tornou o centro da cidade) e dooutro ficava uma Londrina mais rural, menos povoada, mas que já tinha bairrosimportantes como a Vila Casoni e a Vila Nova.

Quando Morikawa adquiriu o Hotel Cravinho, em 1945 (mesmo ano emque chegou), o estabelecimento já funcionava e, inclusive, tinha este nome.O Cravinho havia sido construído entre o final dos anos 30 e o começo dadécada de 40, por um proprietário cujo nome se perdeu com o passar dosanos. Localizado na Rua Minas Gerais, número 88, entre as ruas Sergipe eBenjamin Constant, o hotel situava-se em um ponto estratégico, próximo daestação ferroviária e da futura estação rodoviária (que seria inaugurada em1952) – importantes pontos de entrada de viajantes na cidade.

O hotel era simples (Figura 1), mas bastante aconchegante para aquelesque nele buscavam hospedagem. Sua decoração exibia algumas peculiaridades,como cerâmicas antigas produzidas no estado de São Paulo, que adornavam osaguão de entrada. Estas cerâmicas formavam desenhos artísticos bemelaborados, lembrando os famosos painéis existentes nos majestosos casarões

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dos antigos barões do café no estado de São Paulo. Além disso, o proprietáriodo estabelecimento dizia ser aquela a primeira hospedaria construída em alvenariana cidade.

O Cravinho começou como um hotel pequeno. Inicialmente era apenasuma casa avarandada, mas foi posteriormente expandido para abranger tambémum prédio de dois andares no mesmo terreno (Figura 2). O hotel possuíaaproximadamente cinquenta quartos e oito banheiros coletivos. As refeiçõeseram servidas em um pequeno restaurante, espaço de encontros e interaçãoentre os hóspedes.

Dona Kimiko Morikawa1, nora do proprietário (hoje viúva, ela foi casadacom Kiyoshi Morikawa, um dos filhos de Mokutaro Morikawa), tem muitasmemórias do Hotel Cravinho, onde viveu da década de 50 ao início dos anos 70.Nascida em 1932, em São Paulo, filha de imigrantes japoneses, dona Kimiko éconhecida também pelo nome de Rosa, proveniente de seu batismo católico.Aos 10 anos de idade, ela mudou-se de São Paulo para Assaí (PR) e, aos 20,

Figura 1 – Fachada do Hotel Cravinho com os nomes em português e japonês

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Morikawa

1 Esta e as demais citações de Kimiko Morikawa neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmentea Ulisses Sawczuk, dia 2 de outubro de 2009, na residência da entrevistada.

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Figura 2 – Hotel Cravinho após concluída a construção da ampliação, no fundo do terreno

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Morikawa

casou-se com Kiyoshi, indo morar e trabalhar no hotel, que, naquele tempo,abrigava toda a família Morikawa. Além de Mokutaro e sua esposa Mura, viviamlá também os três filhos, o genro e os primeiros netos do casal. Apesar de havercomprado o hotel, Mokutaro, que tinha dificuldades com a língua portuguesa,não administrava o negócio, deixando essa responsabilidade para seu filho maisvelho, conhecido como “Baixinho”.

Naquele período, o Cravinho tornou-se um ponto de encontro da colônianipo-brasileira, como atestava o letreiro pintado em japonês na fachada.Localizado em frente ao Restaurante Matsuo (atual Restaurante Minato),especialista em comida japonesa, e próximo ao Cine Joia, que exibia filmesnipônicos, o estabelecimento ficava em uma área bastante frequentada pelosorientais. Apesar disso, o hotel não era exclusivo da comunidade japonesa. “Amaioria dos hóspedes era de japoneses, mas tinha brasileiros também”, afirmadona Kimiko. O público principal do estabelecimento era formado pelosvendedores-viajantes, que chegavam à cidade de ônibus ou de trem e realizavamseus negócios pela região.

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As figuras 3, 4, 5 e 6 mostram reuniões festivas e solenidades realizadasno restaurante do Hotel Cravinho.

Figura 3 – Reunião festiva da família Morikawa no Hotel Cravinho

Figura 4 – Os jantares da colônia japonesa eram muito concorridos

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Morikawa

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Morikawa

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Figura 5 – Festas sociais fechadas também eram comuns no restaurante do hotel

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Morikawa

2 Esta e as demais citações de Leda Morikawa neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmente aUlisses Sawczuk, dia 2 de outubro de 2009, na residência da entrevistada.

Na época do surgimento do Cravinho, existiam outros hotéis popularescomo o Franz Hotel, o Grande Hotel, o Hotel Triunfo e o Hotel dos Viajantes – todosfocados nesta categoria de hóspede, os vendedores-viajantes. Naquele tempo,também era comum a figura dos mensalistas, que residiam no Cravinho e emoutros estabelecimentos. Posteriormente, já nos anos 60, houve hóspedes comoos membros do staff de governadores estaduais, como Ney Braga e PauloPimentel. Eles se hospedavam no hotel enquanto os políticos ficavam alojadosno Sahão ou no Bourbon, hotéis de categorias diferenciadas.

O estabelecimento possuía cozinheiros, camareiras, porteiros e a própriafamília, que auxiliava nos trabalhos em momentos de maior necessidade. DonaKimiko assumia constantemente a função de cozinheira. Ela e sua filha Leda2

se divertem ao lembrar que muitos dos hóspedes preferiam comer na cozinhado Cravinho, onde a família se alimentava, ao invés do restaurante, devido aosdotes culinários de dona Kimiko. “Minha mãe fazia a miso, a sopa japonesa, queé feita com pasta de soja e água, e também conservas típicas. Então os viajantes,em vez de comer no restaurante, queriam comer na cozinha, porque lá tinhacomida japonesa”, recorda-se Leda.

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Assim como seus quatro irmãos, Leda nasceu, passou a infância eparte da adolescência no hotel. Ela se lembra bem das brincadeiras com asoutras crianças da região, assim como de um personagem peculiar do folclorelondrinense que costumava aparecer naquelas redondezas. “Quando a genteera criança, brincávamos muito na Rua Minas Gerais com os filhos da famíliaMatsuo, donos do restaurante que ficava perto do hotel. Às vezes apareciapor lá o ‘Estremelique’. A gente se assustava e corria para casa.”

A figura chamada por Leda de “Estremelique” era também conhecidana cidade como “Circuito”. Descendente de japoneses, esse misterioso ecalado personagem percorria Londrina e região modelando objetos por meioda técnica do kirigami, que consiste em esculpir figuras com tesoura e papel.Às vezes, ele tinha alguns acessos de tremores, que foram responsáveis porseus incomuns apelidos. ‘’Dizem que ele ficou assim porque almoçou e foiestudar. A gente nunca sabe, né? Mas na época a gente acreditava. Elesoluçava e montava figurinhas com tesourinha e papel. Eu nunca vi habilidadeassim, ele fazia de tudo’’, lembra Leda.

Figura 6 – Solenidades religiosas, cívicas e culturais eram frequentesno restaurante do Hotel Cravinho

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Morikawa

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Outras memórias que Leda guarda são de sua avó Mura, que cuidavadas crianças enquanto sua mãe Kimiko estava ocupada na cozinha do hotel.“Onde hoje é o museu era a estação ferroviária, que era bem ativa. A minhaavó levava eu e as outras crianças para brincar numa caixa de areia queficava do lado de fora da ferroviária.’’ Além disso, Mura costumava levar ascrianças para a escola de maneira peculiar. “A gente estudava no Megumi,uma escola japonesa que ficava onde hoje é o Super Muffato [da Rua QuintinoBocaiúva] e a avó levava a gente para aula de charrete, que era conduzidapor um cocheiro”, sorri ao lembrar-se. “É que naquele tempo não tinha táxi,né?”, acrescenta sua mãe. Além da avó, alguns dos funcionários do Cravinho,que residiam no hotel, também eram encarregados, vez ou outra, de cuidardas crianças.

No início da década de 60, o filho mais velho de Mokutaro e Mura, o“Baixinho”, decidiu mudar-se com a família para São Paulo. Com isso,Kiyoshi Morikawa, o segundo na ordem, passou a administrar o hotel. Poucosanos depois, em 1967, o patriarca Mokutaro Morikawa faleceu.

O período em que Kiyoshi administrou o hotel é lembrado com carinhopela família, que o descreve como um homem alegre, que gostava de jogarcartas, dançar e festejar. “Meu pai gostava muito das festas de fim de ano. Agente lembra até hoje porque era a noite inteira, era muita fartura. Tanto oNatal quanto o Réveillon eram importantes para ele”, afirma Leda.

O ambiente festivo do hotel favorecia as amizades e criava laços entreos Morikawa e as pessoas que nele se hospedavam. “Eu tenho 17 afilhados.Mas eles foram se casando e indo pra longe’’, diz dona Kimiko com olharsaudoso. Alguns anos antes de assumir o Cravinho, em 1961, Kiyoshi e Kimikohaviam adotado uma menina da idade de Leda, chamada Margareth, paraque fizesse companhia à filha, que até então só tinha dois irmãos homens,Celso e Sérgio. A garota, hoje Margareth Terencianni3, morou no hoteldurante apenas um ano, deixando-o em 1962 para viver com outra família.Ela jamais se esqueceu do tempo em que passou lá:

3 Esta e as demais citações de Margareth Terencianni neste texto foram obtidas em entrevista concedida portelefone a Ulisses Sawczuk, dia 22 de outubro de 2009.

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Eu fiquei lá só entre os 5 e os 6 anos, mas nunca me esqueci daquelaépoca, que foi a mais marcante da minha vida. A família era carinhosae o ambiente era muito alegre. No carnaval, eu e as outras criançasbrincávamos no quintal com confetes, serpentinas e lança-perfume.Na Páscoa, ganhei do meu pai um ovo de chocolate enorme, o maiorque já vi na vida.

Margareth também se recorda de passeios que fazia com a família,quando iam visitar o aeroporto de Londrina, ou passavam em Rolândia (PR)para tomar sorvete. Além dos bons relacionamentos afetivos, aquele foi umperíodo de prosperidade material para os Morikawa. Kiyoshi possuía váriosterrenos, automóveis, casas e até mesmo apartamentos no litoral. EmLondrina, adquiriu o Bar Moringão, que ficava entre as ruas Belo Horizontee Fernando de Noronha, e foi sócio por um tempo do Hotel Triunfo.

Não obstante, em certa época, começaram a surgir várias dívidas eproblemas financeiros em seus negócios, dificultando a situação doproprietário do Cravinho. Cada vez mais endividado, Kiyoshi passou a arrendaro estabelecimento. Manteve-se proprietário do prédio, mas o hotel passou aser administrado por arrendatários. Em 1972, mudou-se com a família parauma casa.

Como “japonês” e pai de família era fechado em relação aos negócios.Leda e Kimiko não sabem exatamente o que aconteceu para que ele perdessetanto dinheiro em um período tão curto. Leda tenta explicar:

Meu pai era uma pessoa que gostava de sonhar muito alto. Ele pegoutodo o dinheiro do hotel e investiu num negócio que não deu certo.E deve ter ficado com muitas outras dívidas, porque acreditava muitonas pessoas. Então acho que teve que vender o Cravinho, e o bartambém.

Após ter hipotecado o edifício na Caixa Econômica Federal, Kiyoshivendeu-o em 1978 para o professor Reinaldo Mathias Ferreira4, cortandoseus vínculos materiais com o estabelecimento. Reinaldo, era professor daUniversidade Estadual de Londrina (UEL) e comprou o imóvel como forma

4 Esta e as demais citações de Reinaldo Mathias Ferreira neste texto foram obtidas em entrevista concedidapessoalmente a Ulisses Sawczuk, dia 9 de outubro de 2009, na residência do entrevistado.

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investimento. Ele não tinha interesse em administrar o hotel, entãoprosseguiu arrendando-o. Na época, quem tocava o Cravinho era um senhorde nome Antônio Rodrigues, que, segundo Ferreira, permaneceu à frente doestabelecimento por muitos anos.

O professor, que está em Londrina desde 1947, vindo de Piraí do Sul(PR), sabia da existência do hotel desde sua infância e acompanhou asevoluções da cidade e do estabelecimento. No final dos anos 70, Londrinaestava bastante diferente do pequeno município emancipado em 1934. Acidade havia crescido vertiginosamente, contando com uma população quejá ultrapassava os 200 mil habitantes. Sua infraestrutura havia semodernizado e já existiam instituições de ensino superior importantes, comoa UEL e a Unopar (Universidade Norte do Paraná), centros esportivos comoo Estádio do Café e o Ginásio Moringão, centros de excelência em saúde,como o Hospital Universitário, diversas estações de rádio e televisão e váriosoutros sinais de desenvolvimento.

No entanto, a economia sofria mudanças – o que ficou evidente com ageada negra, no inverno de 1975, símbolo do encerramento da era dacafeicultura e do advento de novas formas de exploração agrícola.Paralelamente, o ciclo dos vendedores-viajantes, que tivera seu ápice nadécada de 50, também havia se encerrado. Essas mudanças, somadas aoasfaltamento das rodovias e ao surgimento de hotéis mais modernos esofisticados, foram decisivas para o processo de decadência do Hotel Cravinho.“O asfalto fez com que o viajante não precisasse mais pernoitar fora decasa. Ele vinha a Londrina e voltava pra cidade dele. Ou, se ele era deLondrina, ia pra outra cidade, trabalhava o dia inteiro e voltava. Então oshotéis do Brasil inteiro foram decaindo”, afirma Ferreira.

Além disto, o Cravinho era um hotel simples, dotado de quartos pequenose banheiros coletivos, já existiam estabelecimentos mais modernos como oSahão, o Bourbon, o Monções e o Tókio Palace Hotel – que introduziram melhoriasna hospedagem, como explica Ferreira:

Os outros hotéis começaram a criar regalias para o hóspede. Banheiroprivativo, por exemplo, era um conforto que não havia no Cravinho,mas havia no Monções. Já o problema da falta de estacionamentoafetava tanto um como outro.

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Já havia algum tempo que o público que se hospedava no Cravinhotinha mudado. O letreiro em japonês permanecia à frente do prédio, masapós a saída dos Morikawa, a colônia nipo-brasileira já não frequentava maiso estabelecimento como antes. O hotel passou a ter hóspedes de baixa renda,que não tinham condições para se hospedar em outros estabelecimentos.Em escala menor que nos tempos áureos, havia ocasionalmente funcionáriosde fazendas e vendedores de produtos veterinários, calçados e roupas quepassavam pela cidade.

Depois da saída de Antonio Rodrigues, quem tocou o Cravinho durantea década de 80 foi um descendente de japoneses, que teria emigrado para oJapão após acertar a venda do hotel para José Alfredo Sutil Quina5. Nascidona cidade de Vimioso, no norte de Portugal, José Alfredo veio para o Brasilem 1952, estabelecendo-se inicialmente em São Paulo e mudando-se paraLondrina em 1965. Ao chegar à cidade, trabalhou no Hotel Aliança, no qualchegou a sócio-proprietário. O imigrante português comprou o Hotel Cravinhoem 1989. Ele afirma haver conhecido o primeiro proprietário que sucedeuos Morikawa na administração do hotel, Antonio Rodrigues, e que ele teriafalecido em 1984. “Era um sujeito sério, mas dizem que de vez em quandoele exagerava um pouco na bebida e subia as escadas do Cravinho de gatinhas”,declara.

Segundo José Alfredo, o estabelecimento estava em mau estado deconservação quando ele o comprou. “Estava uma sujeira só. Nas mesas deplástico, você passava o dedo e saía poeira. O chão estava vermelho debarro, e foi preciso raspá-lo.” Mesmo assim, o hotel ainda tinha público,formado pelos hóspedes humildes. “Muitos trabalhadores que vieram paraconstruir o Shopping Catuaí ficaram hospedados no Hotel Cravinho”, relata.

Posteriormente, José Alfredo adquiriu o Hotel Rodoviário, onde estátrabalhando até hoje. Manteve-se administrando os dois estabelecimentossimultaneamente por um ano, até que resolveu vender o Cravinho, em 1995.O novo comprador foi o empresário Rogério Luppi6, genro do proprietáriodo edifício, Reinaldo Mathias Ferreira. Luppi havia sido dono de uma

5 Esta e as demais citações de José Alfredo Sutil Quina neste texto foram obtidas em entrevista concedidapessoalmente a Ulisses Sawczuk, dia 19 de outubro de 2009, na residência do entrevistado.6 Esta e as demais citações de Rogério Luppi neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmente aUlisses Sawczuk, no dia 16 de outubro de 2009, na empresa do entrevistado.

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transportadora, mas, com a crise ocorrida no setor durante os anos 90,resolveu mudar de ramo e comprou os direitos de exploração (o “ponto”como se diz no jargão econômico) e a mobília do Cravinho por apenas R$35.000,00, valor obtido com a venda de um único caminhão. O prédio, noentanto, continuava sendo de propriedade de seu sogro.

Rogério Luppi encontrou um hotel obsoleto, pois, segundo ele, a últimareforma feita no local teria ocorrido nos tempos dos Morikawa. Ou seja, ohotel ainda possuía banheiros coletivos. Os quartos eram simples, tendocerca de 2,20 metros de comprimento por 1,80 metros de largura, e nãotinham tomadas elétricas, apenas um interruptor. Eram mobiliados, em geral,com uma cama, um criado-mudo e uma pequena mesa. A mobília estavaem ordem, mas já era bastante antiga. Dessa forma, o Cravinho havia paradono tempo e enfrentava a concorrência já da terceira geração de hotéis emLondrina, pois, depois do Tókio Palace Hotel, do Sahão e do Monções, haviamsurgido estabelecimentos ainda mais modernos, como o Bristol Hotel e oCrillon Palace Hotel.

Para tentar tornar o Cravinho mais competitivo, Luppi investiu emreformas.

Na época, a parte elétrica do hotel era muito antiga, e até então seusava luz de 40 watts. Era um hotel que ficava taciturno à noite, e eupassei a iluminação para fluorescente. A parte de lavanderia era tocadaa tanque, e eu coloquei máquinas industriais de lavar e de passar.

O novo proprietário também reabriu o restaurante do estabelecimento,que passou a servir refeições e marmitex diariamente, no almoço e no jantar.Os pratos servidos eram simples, como frango a passarinho, macarronada edobradinha. “Chegávamos a fornecer em torno de 400 a 500 refeições noalmoço, e mais ou menos 250 ou 300 marmitex. De noite servíamos entre80 e 120 pessoas, mais 50 ou 60 marmitas”, lembra. Além disso, RogérioLuppi e seu sogro, Reinaldo Ferreira, transformaram três quartos embanheiros, criando suítes. No entanto, a reforma foi muito custosa e osproprietários não puderam continuá-la, mantendo a maioria absoluta dosquartos com banheiros coletivos.

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Mesmo com as tentativas de modernização, nos anos 90, oestabelecimento continuou atraindo pouquíssimos hóspedes, a maioria debaixa renda. Durante eventos como a Exposição Agropecuária de Londrinae o Festival Internacional de Londrina, peões de rodeio e companhiaspequenas de teatro faziam uso do Cravinho. “Quando houve o primeiro eúnico rodeio no centro de Londrina, no espaço onde hoje é a Praça TomieNakagawa, os locutores de rádio Asa Branca e Asa Negra ficaram hospedadosno hotel’’, conta Rogério.

Além desses hóspedes, havia vários mensalistas idosos, muitos delesdeixados pela família no hotel ao invés de serem mandados para asilos.Também índios, que ocasionalmente saíam de suas reservas e vinham àcidade, hospedavam-se ali.

A gente tinha contrato com a Funai [Fundação Nacional do Índio].Os índios vinham a Londrina para fazer tratamento de saúde, ouentão carteira de identidade. Às vezes tinha encontros entre as tribos.Cada um dormia no seu quarto com uma cama, mas os mais antigosdeixavam a cama e dormiam de cócoras no chão.

Não obstante a infraestrutura obsoleta, o novo proprietário enfrentavaproblemas com a imagem do hotel, que teria sido usado como ponto detráfico de entorpecentes e prostituição, após a saída dos Morikawa. Eleprocurou extinguir essas práticas proibindo a hospedagem de pessoas comesses perfis. Em outras palavras, em termos de hotelaria, essa medida reduziuainda mais o público do hotel. Assim, com poucos hóspedes e praticamentesem retorno financeiro, o empresário cansou-se de administrar o Cravinho evendeu os direitos de exploração do hotel para uma mulher, da qual preferiudeclinar o nome, em 1998.

Entre 1998 e 2000, a situação do estabelecimento piorou ainda mais.A inquilina não pagava as contas de água, luz e Imposto Predial e TerritorialUrbano (IPTU), muito menos o aluguel do prédio. Com a nova administradora,o Cravinho foi aberto à prostituição, ao tráfico de drogas, e tornou-seesconderijo de criminosos. “O que havia de comum lá era batida da políciaatrás de traficantes, e a fuga de bandidos pelas janelas”, conta ReinaldoMathias Ferreira.

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Diante de um panorama tão negativo, Ferreira decidiu fechar o hotel,pois acreditava ser impossível recuperar a imagem do estabelecimento ereformar sua estrutura. A rescisão de contrato com a última inquilina/administradora, que na ocasião estava presa em Curitiba, foi assinada e oCravinho foi parcialmente demolido entre novembro e dezembro de 2000. Oprédio de dois andares deu lugar a um estacionamento, enquanto que a casada frente passou a abrigar um salão de beleza.

A demolição do hotel foi noticiada nos jornais da cidade. O ParanáShimbun do dia 18 de novembro de 2000 teve uma reportagem intituladaAntigo hotel dos Morikawa é demolido. A Folha de Londrina de 5 de dezembro de2000 destacou a notícia com matéria intitulada Hotel pioneiro é demolido emLondrina.

Margareth Terencianni, a filha adotiva de Kiyoshi e Kimiko, haviaperdido contato com os Morikawa após ter deixado o hotel em 1962. Elaviveu com várias famílias diferentes até se casar. Ao ler a notícia da demoliçãodo Hotel Cravinho na Folha de Londrina, em 6 de dezembro de 2000, sentiuque poderia reencontrar a família da qual tinha muitas lembranças. Porcoincidência, aquele era o dia de seu 24º aniversário de casamento. Margarethtelefonou para a redação da Folha de Londrina, conversou com a jornalistaCélia Guerra, que havia feito a reportagem, e conseguiu os contatos dosMorikawa. O reencontro aconteceu após 38 anos. “Na hora não pudeacreditar, fiquei tão feliz. Só fiquei um pouco chateada porque Kiyoshi,meu pai adotivo, havia falecido cinco anos antes”, conta.

Ao lembrar desse reencontro, Kimiko Morikawa sorri. “A felicidade dagente é unir todos. Os filhos e os netos”, diz. E, após tantos anos distante dafamília, tendo passado por uma profunda decadência que levaria à sua demolição,o Hotel Cravinho serviu, uma última vez, para reunir os Morikawa.

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Hotel dos Viajantes:uma mina de ouro paraa história londrinense

Vitor Hiromitsu Ferreira Oshiro *

* Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).Especialista em Linguagem, Cultura e Mídia pela Universidade Estadual Paulista (Unesp). Jornalista responsávelpela TV USP de Bauru (SP) e repórter do Jornal da Cidade, de Bauru (SP). E-mail: vitohisro@gmail .com

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“Esmerado asseio e solicitude” – era com esse slogan, estampado nosanúncios de jornais, que um dos primeiros hotéis de Londrina esperava atrairseus hóspedes. Porém, resgatando sua trajetória, o antigo Hotel dos Viajantesparece ter conseguido muito mais do que uma boa clientela: ele se tornouuma importante referência na história da cidade.

Os depoimentos daqueles que conheceram o estabelecimento (oumesmo de quem “somente ouviu falar”), somados aos recortes de jornaisantigos, mostram que a memória do hotel se funde ao processo dedesenvolvimento da própria Londrina.

Antes localizado no número 680 da Avenida São Paulo, em frente àPraça Rocha Pombo, o Hotel dos Viajantes não existe mais (em seu lugar,hoje, funciona um estacionamento). De acordo com reportagem do jornalistaPaulo Briguet, publicada no jornal Folha de Londrina de 14 de janeiro de1996, o prédio foi posto abaixo na última semana de 1995. No entanto, mesmotendo mantido o nome inalterado por toda sua existência de quase 50 anos,prestes a ser demolido, o Hotel dos Viajantes estava longe de sustentar ostatus que desfrutou em suas primeiras décadas de existência.

O responsável pela construção do prédio foi Olinto Pedriali. Emmatéria do jornalista Widson Schwartz, publicada no Jornal de Londrina de14 de novembro de 1998, Otávio Pedriali, filho de Olinto, conta que oprédio foi construído em 1938 já com a finalidade de ser um hotel. De acordocom ele, o que mais chamava a atenção era o brilho das paredes externas –conseguido através da aplicação de um composto mineral conhecido como“mica” –, que conferia modernidade e diferenciava o hotel das demaisconstruções.

Ainda em relação ao edifício, pode-se destacar o fato de não ser demadeira, um traço que, segundo Antonio Castelnou (2002) no livro Arquiteturalondrinense, era algo relativamente inovador para a época. De acordo comCastelnou, a maioria das construções era de madeira por conta da pressa eda necessidade que os pioneiros tinham em se instalar.

Widson Schwartz (1998, p.4B) afirma que somente o assoalho e asjanelas do Hotel dos Viajantes eram de madeira, o que desfaz a “[...]presunção de que o Hotel Granada – alvará de licença de 1946 – seria oprimeiro de alvenaria na cidade”. Outra característica, citada por Castelnou

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(2002), é a fachada estilizada em Art déco , composta por contornosgeometrizados e volumétricos, influenciados pelo cubismo e pela arteegípcia, dando um ar moderno à construção.

A data exata em que Olinto Pedriali vendeu o hotel não é precisa, porém,em uma nota do jornal Paraná-Norte de 8 de janeiro de 1939, o proprietárioaparece como Octaviano G. Ferreira. No texto, há novamente a confirmaçãode que o prédio foi construído com a finalidade de ser um hotel e háreferências à qualidade da cozinha e do asseio.

Apesar do proprietário “intermediário”, o marco inicial do Hotel dosViajantes pode ser datado em 1943, quando o prédio e o terreno ao ladoforam comprados por Angelo Parra Carnicer. Angela Parra, filha de Angelo,em entrevista ao jornalista e historiador Widson Schwartz, relata que o paiveio a Londrina com a esposa Maria e os dois filhos do casal entre os anosde 1941 e 1942.

De acordo com o pesquisador José Miguel Arias Neto, na obra OEldorado: representações da política em Londrina – 1930-1975, de 1940 a 1950,a população do norte paranaense crescia de forma progressiva, graças aosmigrantes e imigrantes que se deslocavam em busca de melhores condiçõesde vida. Apesar de receber pessoas de Minas Gerais, Santa Catarina, RioGrande do Sul, estados do nordeste e até mesmo países estrangeiros, SãoPaulo era a origem da maior parte que vinha, correspondendo a um total de52% do contingente migratório. Entre essas pessoas, encontrava-se AngeloParra, que saiu do interior paulista, mais especificamente da cidade de Lins,para morar em Londrina.

Mesmo sendo um simples sitiante, suas pretensões pareciam bemdefinidas quando desembarcou em Londrina. Logo ao chegar, comprou aPensão Patriota, localizada na Avenida São Paulo, entre a Avenida Paraná(hoje Calçadão) e a Rua Sergipe. A pensão seria vendida dois anos maistarde, justamente para a aquisição do Hotel dos Viajantes. Segundo o próprioAngelo, em matéria escrita por Cláudio Osti na Folha de Londrina de 5 dejaneiro de 1995, ele não possuía dinheiro suficiente para comprar um hotelquando chegou. Assim, adquiriu a pensão e, como os lucros foram grandes,em poucos anos conseguiu comprar um hotel.

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Da antiga pensão, restaram na lembrança da filha, Angela Parra, asmáquinas importadas de lavar e passar e a excelente cozinha. Ela relata quechovia muito naquela época – provavelmente pela quantidade de mataexistente, que influenciava diretamente o clima – e as máquinas eram umatrativo importante. Em relação à referência da qualidade da cozinha, apreocupação foi levada da Pensão Patriota ao Hotel dos Viajantes.

Márcia Medeiros Parra1, neta de Angelo, lembra que todos comentavamsobre a qualidade da comida servida.

Eu era muito pequena quando entrei no hotel. Não me lembro nemdas histórias que meus avós contavam. Mas, sei que a comida eramuito elogiada. Havia um chef francês que veio de São Paulo paratrabalhar aqui e acabou cozinhando para o hotel. Apesar de ser umhotel simples, a comida era de primeira.

Ainda em relação à cozinha, Márcia Parra acredita que era um dosmaiores atrativos. “Minha tia [Angela Parra] contava que ficavam hospedadaspessoas importantes, como engenheiros e até mesmo os ingleses. E acreditoque, além de ser um dos poucos hotéis da cidade, o fato de eles se hospedaremera mesmo pela boa comida que era servida.” Na matéria da Folha de Londrina,que noticiava a demolição do prédio, Angela Parra confirma a informação eainda acrescenta que o gerente do Banco do Brasil da época fazia questão dealmoçar sempre no hotel.

Apesar dessas lembranças, Márcia Parra não tem muito do hotel emsua memória. Contudo, ao resgatar o que, segundo ela, “é a única fotografia(Figura 1) que conhece daquela época do Hotel dos Viajantes”, encontrafacilidade em descrever os personagens da imagem.

O senhor de terno é meu avô [Angelo Parra]. Ao lado dele estava meupai [José Parra] e a moça que está apoiada na janela é minha tia [AngelaParra]. Todos ajudavam no hotel e se esforçavam para manter aqualidade. Mas, hoje, só me lembro do que era comentado sobre acomida mesmo.

1 Esta e as demais citações de Márcia Medeiros Parra neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmentea Vitor Oshiro, dia 10 de novembro de 2009, na residência da entrevistada.

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A preocupação com a culinária pode ser comprovada também nos relatosde Alcides Niero2, proprietário de uma casa de carnes que abastecia o Hotel dosViajantes.

Eu trabalhei com esta casa de carnes de 1940 a 1950. Quase em todoeste tempo, meu primeiro cliente, todos os dias, era o Angelo Parra.Ele pedia sempre quatro ou cinco quilos de patinho para ser servidono hotel e pagava tudo a vista. E era ele mesmo que vinha buscar. Elechegava às 06h00 em ponto e vinha a pé do hotel, que não era tãoperto assim. E não tinha asfalto nem nada. Era tudo barro e poeira.Nessa época, não existia tudo o que existe hoje. Tinha somente aAvenida Higienópolis e as ruas Acre, Alagoas e Uruguai. E era tudode barro mesmo.

Em relação ao calçamento, a obra Londrina: 25 anos de sua História, deHumberto Puiggari Coutinho (1959), relata que, na época da fundação do hotel,

Figura 1 – Angelo Parra (de terno), José Parra (de camisa branca) e Angela Parra (na janela)em frente ao Hotel dos Viajantes

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da família Parra

2 Esta e as demais citações de Alcides Niero neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmente a VitorHiromitsu Ferreira Oshiro, dia 11 de novembro de 2009, no Calçadão de Londrina.

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não havia asfalto algum em Londrina. O único calçamento da cidade era formadopor blocos retangulares, encaixados uns aos outros para “cobrir” o chão de terra,os chamados paralelepípedos. A fotografia cedida pela família Parra (Figura 1)mostra exatamente a rua forrada por esses blocos. Hoje, a via é totalmenteasfaltada e, de acordo com Coutinho (1959), essa mudança na pavimentação deLondrina começou a ser feita em 1954.

Voltando à história do Hotel dos Viajantes, Angelo Parra ainda é citadopor Alcides Niero como o pilar do sucesso do estabelecimento. “Angelo era acabeça do negócio. Ele parecia gostar muito do hotel e, assim, tocava-o muitobem. Acredito que tudo que ele ganhou se deve ao hotel e tudo o que o hotelganhou foi resultado de seu empenho.” Entre os ganhos do hotel estava seucrescimento: o número de quartos foi ampliado dos 17 iniciais para 32,posteriormente.

“O hotel era simples. Eu lembro que você entrava e tinha um balcão parareceber os clientes. Depois tinha um corredor grande com os quartos dos ladose, ao fundo, tinha a cozinha”, lembra Niero. Apesar da simplicidade, o hotel foibastante lucrativo em seus anos iniciais. O próprio Angelo Parra, em entrevistaao jornalista Cláudio Osti para a reportagem publicada no jornal Folha de Londrinade 5 de janeiro de 1995, revelou que o negócio era uma verdadeira “mina dedinheiro” quando foi fundado. Porém, na época em que a matéria foi publicada(no início de 1995 e o hotel foi demolido no final do mesmo ano) ele se mostravapessimista, anunciando que o estabelecimento logo fecharia as portas.

A curva decrescente nos ganhos do Hotel dos Viajantes, na opinião deAlcides Niero, foi resultado das mudanças pelas quais Londrina e o mundopassavam.

Antes, existiam muitos viajantes fazendo comércio. Eles precisamcorrer a região toda para vender e depois levar os pedidos para as casasde comércio. Nessas viagens, eles ficavam em hotéis e um dos principaisera o Hotel dos Viajantes. Depois, quando a comunicação melhorou,diminuiu muito o número desses viajantes. Tudo passou a serencomendado por telefone.

E, em razão dessas transformações, o negócio começou a declinar, ficandomuito aquém do sucesso de antigamente. Por isso, Angelo Parra passou a alugar

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o hotel a quem desejasse mantê-lo. Um desses locatários foi Francisco Barbosade Oliveira, que o dirigiu de 1980 a 1986. Seu filho, Paulo Sérgio de Oliveira3,lembra que o hotel continuava bem simples na época, com cerca de 30 quartos.“Os quartos eram comuns. Lembro que as camas eram aquelas antigas, comuma cabeceira bem grande. Os colchões eram de mola. Não havia banheirosnos quartos, eles eram coletivos.”

A locatária seguinte foi a cunhada de Paulo Sérgio, Rosemeire TiniOliveira4, que administrou o estabelecimento por quatro anos. “Dirigimos ohotel de 1986 a 1990, mais ou menos. Apesar de ser diferente de seu início, aclientela ainda era fiel ao nome. Recebíamos viajantes simples, mascates, pessoasque vinham comprar ouro.”

Em relação à época “dourada” do hotel, Rosemeire lembra uma históriasobre um quarto que funcionava como um “estoque de colchões”.

O pessoal conta que, antigamente, o hotel era tão procurado que oAngelo Parra usava um dos quartos somente para guardar colchões.Quando o hotel estava lotado e mais gente procurava, ele pegava estescolchões e colocava na sala do café, corredores e por todo o hotel.

Mesmo com a queda na procura, ela afirma que, no período em que dirigiuo hotel, a clientela ainda era satisfatória.

Como não havia linhas de ônibus diretas, as pessoas que precisavamviajar faziam ‘baldeação’. Ou seja, os ônibus passavam por muitoslugares antes de chegar ao destino. Então, era muito frequente viajantesque precisavam passar um dia ou somente tomar um café e um banhoaté esperar o ônibus sair.

Bastante diferente da elogiada comida que marcou o hotel em seusprimórdios, na fase cuja direção ficou a cargo de Rosemeire (1986 a 1990), nãoeram servidas refeições, somente o café da manhã, marcado pela simplicidade.“O café eram bolachas doces e salgadas, pães, manteiga, laranja, banana, mamão,suco e um café”, lembra Rosemeire.

3 Esta e as demais citações de Paulo Sérgio de Oliveira neste texto são oriundas da entrevista concedida portelefone a Vitor Hiromitsu Ferreira Oshiro, dia 12 de novembro de 2009.4 Esta e as demais citações de Rosemeire Tini Oliveira neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmentea Vitor Hiromitsu Ferreira Oshiro, dia 12 de novembro de 2009, no local de trabalho da entrevistada.

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Em relação aos quartos, Rosemeire é mais detalhista. “Existiam as camas,cuja quantidade era a única coisa que variava entre os aposentos; um criado-mudo; um guarda-roupas e uma pia para quem quisesse lavar o rosto.” Emrelação aos banheiros, ela revela que eram oito, sendo divididos em quatro parabanhos (munidos com um chuveiro cada um) e mais quatro só com vasossanitários.

Como o hotel era relativamente pequeno, o relacionamento entre os donose os hóspedes era muito próximo. “Todos se tratavam como se fossem amigosmesmo. No fundo, havia um pé de manga e um puxadinho no qual torrávamoso próprio café. A gente sentia que ficava mais gostoso e dava um ar maisfamiliar”, afirma Rosemeire. “Era exatamente isso. Lembro dele dessejeitinho. A única coisa que tinha a mais na época em que dirigimos era umbanco, daqueles de praça, onde ficávamos sentados conversando. Foi umtempo muito gostoso”, relembra olhando a fotografia cedida pela famíliaParra.

Ao lado direito do hotel, atualmente fica o novo negócio de RosemeireTini Oliveira: um estacionamento particular. “Quando a gente alugou o hotel,alugamos também este terreno, mas na época, era muito pouco utilizado”,lembra. Quando questionada sobre os motivos pelos quais se desfez do hotel,contou que o negócio não compensava mais, já que os custos eram maioresdo que os lucros.

O aluguel ficou muito caro. Que eu me lembre, a gente sempre pagoumais ou menos 80 cruzados [moeda que circulou no Brasil de 1986 a1989; de 16 de janeiro de 1989 a 15 de março de 1990 o nome damoeda foi trocado para cruzado novo] de aluguel. Depois, oproprietário queria subir muito e, como havia pouco movimento,não dava mais para a gente tocar.

Para Rosemeire, a principal causa da queda no movimento do hotelfoi a mudança da Estação Rodoviária da Rua Sergipe (onde hoje está instaladoo Museu de Arte de Londrina) para a Avenida Dez de Dezembro. De acordocom o site Terminal Rodoviário5, Londrina teve cinco rodoviárias situadas emdiferentes pontos da cidade. A primeira rodoviária de Londrina, inaugurada

5 Informações disponíveis em: <http://www.trl.com.br>. Acesso em: 2 nov. 2009.

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em 1934, ficava localizada em frente à Praça Willie Davids, entre as ruasMinas Gerais e Maranhão. A segunda funcionou durante o ano de 1938, namesma praça. A terceira foi instalada na Praça Primeiro de Maio, entre osanos 1938 e 1950, onde hoje está a Concha Acústica. Depois disso, mudou-se para o sul da Praça Rocha Pombo, junto à Rua Sergipe, onde hoje funcionao Museu de Artes de Londrina. Somente em 1988, com um projeto de OscarNiemeyer (fora do catálogo de obras do arquiteto), instalou-se na intersecçãoda Avenida Arcebispo Dom Geraldo Fernandes (Avenida Leste-Oeste) coma Avenida Dez de Dezembro, sua atual localização.

Seguindo essa cronologia, Rosemeire Tini Oliveira presenciou atransição da Estação Rodoviária da Praça Rocha Pombo, bastante próximoao hotel, para onde está atualmente.

Como já afirmei, muitos vinham aqui somente para passar um diaou algumas horas, porque os ônibus faziam as chamadas ‘baldeações’.Por nosso hotel ser bem em frente à Rodoviária, éramos os favoritos.Quando ela mudou de lugar, o movimento foi caindo e os lucrostambém.

Após dois anos da mudança da Estação Rodoviária, Rosemeire devolveuo Hotel dos Viajantes ao proprietário, que continuou arrendando para quem seinteressasse em tocar o negócio. A partir desse momento, segundo a entrevistada,o ambiente familiar que o estabelecimento mantinha desde sua criação foi seperdendo gradativamente.

Sei que quem assumiu depois da gente foi um chinês, o senhor[Roberto] Lai. Ficamos sabendo que ele fez uma espécie de convêniocom as ‘meninas’ que trabalhavam na Praça Rocha Pombo e passou autilizar o hotel com esta finalidade. Ele construiu um bar lá dentro eassim por diante. É o que chamamos de hotel de giro.

O Hotel dos Viajantes seguiu com essa “nova função” em sua fase final. Namesma matéria em que Paulo Briguet (1996) noticia a derrubada do prédio, oúltimo dono citado é Roberto Lai. Era, portanto, a queda de um estabelecimentopioneiro, que participou da evolução de Londrina e hospedou, além de muitaspessoas, boa parte da história da cidade.

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Referências

ARIAS NETO, José Miguel. O Eldorado: representações da política emLondrina – 1930-1975. Londrina: Eduel, 1998.

BRIGUET, Paulo. História abaixo. Folha de Londrina, Londrina, 14 jan.1996. Caderno 2, p.1.

CASTELNOU, Antonio. Arquitetura londrinense: expressões de intençãopioneira. Londrina: Edição do autor, 2002.

COUTINHO, Humberto Puiggari. Londrina: 25 anos de sua história. SãoPaulo: Edigraf, 1959.

OSTI, Cláudio. Mais um pedaço da história é demolido. Folha de Londrina,Londrina, 5 jan. 1995. p.4.

NOVO hotel. Paraná-Norte, Londrina, 8 jan. 1939. p.2.

SCHWARTZ, Widson. Hotel “brilhava” na boca-do-sertão. Jornal deLondrina, Londrina, 14 nov. 1998. p.4B.

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Hotel Berlim: o modernoe o tradicional se contrastam

na década de 40

Juliana de Oliveira Teixeira *

* Mestre em Comunicação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Professora da Faculdade Pitágoras deLondrina (FAP). E-mail: [email protected]

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Entre as estações ferroviária e rodoviária de Londrina, uma quadrainteira de acomodações. O Hotel Berlim, fundado em 1944 por WaldemarHauer, fez história. Demolido em julho de 2011, o estabelecimento, nos seusúltimos anos, era alugado a um estacionamento privado e a uma igrejaevangélica. E, mesmo com esses locatários, grande parte do imóvel aindapermanecia fechada, ou seja, o Berlim era enorme (Figura 1). No cadernoLondrina – Capital do Café, publicado pela Folha de S.Paulo em 10 de dezembrode 1965, por ocasião do 31º aniversário de Londrina, o empreendimento éapontado como “o maior hotel da cidade [...], cujo prédio ocupa todo umquarteirão”. O tamanho, inclusive, sempre foi motivo de propaganda: 7.000m², 300 quartos, 500 camas – e com possibilidade de ampliar esses númerospara 1.000 quartos e 2.000 camas. Os dados eram um pouco exagerados (naverdade, o terreno somava cerca de 3.000 m² e os quartos eram entre 130 e140), mas, o entusiasmo com o crescimento correspondia à realidade daépoca, envolvida pelo boom do café.

Figura 1 – Fachada do Hotel Berlim na Rua Benjamin Constant, esquina com aAvenida Rio de Janeiro (onde hoje existe uma loja da Havan)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Branco e Mioni (1959, p.358)

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Quando chegou a Londrina, na década de 40, Waldemar Hauer, talvez,não pudesse prever seu rápido desenvolvimento, por isso seu hotel começoumodesto, todo feito em madeira. O grande movimento, impulsionado pelaconstante passagem de viajantes, foi suficiente para que o dono do Berlimpromovesse várias reformas e aproveitasse melhor o espaço da Rua Rio deJaneiro, número 11. Uma parte do imóvel passou a ser de alvenaria e oestacionamento se tornou capaz de receber até 200 veículos (Figura 2).

A grandiosidade do hotel também se estendia pelos corredores – oprincipal tinha 115 metros (Figura 3) – e pela lavanderia que, mesmo hoje,pareceria industrial, como pode ser visto nas figuras 4, 5, 6 e 7. Com 18modernas máquinas de lavar, secar e passar da marca Santo André, o hóspedepodia ter suas roupas limpas em meia hora, tempo suficiente para um bombanho. Jaime Geraldo da Silva1, ex-funcionário, ri ao lembrar da lavanderia,que “tinha uns ‘tamborzão’, era grande mesmo, chamava muita atenção”.E, por maior que fosse, todo o potencial era voltado para os hóspedes epara a manutenção de toalhas e lençóis limpos – o Berlim não “lavava parafora”.

Figura 2 – Estacionamento do hotel, com capacidade para 200 automóveis

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Branco e Mioni (1959, p.359)

1 Esta e as demais citações de Jaime Geraldo da Silva neste texto foram obtidas em entrevista concedida portelefone a Juliana de Oliveira Teixeira, no dia 10 de outubro de 2009.

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Figura 4 – Lavanderia do Hotel Berlim, com 18 máquinas industriais de lavar roupas

Figura 3 – Corredor principal do Hotel Berlim, com 115 metros de comprimento

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Branco e Mioni (1959, p.359)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Branco e Mioni (1959, p.361)

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Figura 5 – Depois de lavadas nas máquinas industriais, as roupas eram examinadas pelas lavadeiras

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Branco e Mioni (1959, p.360)

Figura 6 – Na sequência, as roupas eram postas para secar em secadoras industriais(à direita, o painel de controle da lavanderia)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Branco e Mioni (1959, p.361)

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Em 1976, Waldemar Hauer vendeu o hotel ao comendador JacobZwecker, de São Paulo. Londrina já não vivia mais a “era do ouro verde”,porém, o plano do comendador ainda era ambicioso: “hotel de cinco estrelase um shopping no lugar do Hotel Berlim” – conta Widson Schwartz em matériaintitulada Sofisticação e galistas no maior hotel, publicada no Jornal de Londrinade 6 de agosto de 1997. Os anos foram se seguindo, a economia declinou eas ideias de Zwecker ficaram no papel. O prédio passou por novas reformas,alguns quartos foram desmanchados, mas, a essência permaneceu a mesma– o estabelecimento continuava a abrigar viajantes, loteadores, mecânicosde manutenção e comerciantes.

João de Deus Corrêa2, que trabalhou como contador do hotel de 1977a 1989, diz que o preço da hospedagem era acessível e que eram poucos osmensalistas: “Lembro só de dois, o seo Antônio Santana, um corretor de

Figura 7 – Por fim, as roupas eram passadas por uma equipe de funcionárias. Toda essa estruturapermitia lavar e passar as roupas dos hóspedes em tempo recorde

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Branco e Mioni (1959, p.360)

2 Esta e as demais citações de João de Deus Corrêa neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmentea Juliana de Oliveira Teixeira, no dia 6 de outubro de 2009, no local de trabalho do entrevistado.

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imóveis e o Pimentel Arastruck”, lembra. Jaime Geraldo também recordade dois mensalistas, o próprio sr. Antônio e um delegado aposentado,chamado Odilon. O movimento, portanto, era centrado nas passagens rápidasde pessoas que ficavam alguns dias, no máximo, algumas semanas. Essarotatividade tornava o trabalho de Jaime mais interessante: “O pessoal defora trazia as novidades do Rio de Janeiro, de São Paulo... a gente via queeram gente de poder aquisitivo menor, mas muito comprometidos com ocomércio de Londrina.”

Outros hóspedes ilustres do estabelecimento foram os “galistas” –gente que participava das famosas rinhas de galo da cidade. “Eles vinhamaté de Minas Gerais, de Mato Grosso, lotando o hotel”, relatou FiladelfoLouzado a Widson Schwartz. De acordo com o jornalista, a Rua Alagoasteve uma rinha tradicional entre 1950 e 1980, além das montadas no próprioBerlim. Já João de Deus afirma que, no hotel, só havia alojamentos para osgalos e que as rinhas aconteciam na chácara de Orlando Mayrink Góes:

A hospedagem dos galinhos era nossa exclusividade, o hóspede nãoprecisava pagar a mais por isso. O movimento era maior nos finais desemana, eles chegavam com o galo numa gaiola ou então no banco detrás do carro... e entravam normalmente.

Os animais podiam ser acomodados tranquilamente e, se precisassemde um banho, o hotel também tinha pias apropriadas para a lavagem. Tantaregalia aos galinhos não podia passar intacta. O ex-contador do Berlim (Joãode Deus) lembra que, certa vez, o animal de um dos hóspedes foi parardentro da panela. “Ele saiu e deixou o galinho. Alguém, não sei se porbrincadeira ou maldade, largou o bichinho lá na cozinha do hotel. Então, ascozinheiras acharam que o galo fazia parte do cardápio. Só sei que, depois,todo mundo comeu o galinho.” Nessa época, as rinhas já eram clandestinas,previstas na “lei que só existia no papel”, conta Filadelfo Louzado naentrevista que concedeu a Widson Schwartz para o Jornal de Londrina. Nodecorrer da década de 80, os galistas foram diminuindo, até não apareceremmais no começo do ano de 1990.

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Assim como eles, o número de hóspedes no hotel foi se tornando cadavez menor. De acordo com João de Deus, de 1977 a 1982, o movimento era“razoável”, beirando os 60% de ocupação. Segundo o contador:

Depois de 82 foi decaindo e o desinteresse da família Zweckeraumentando, porque eles tinham outros empreendimentos melhores,como a construção civil. O Edifício Jacob Zwecker da Alameda MiguelBlasi é um deles, assim como um condomínio de prédios na RuaMaragogipe.

Os negócios do comendador realmente eram inúmeros, além dosimóveis, ele também era dono dos hotéis Bandeirantes de Londrina e deMaringá (PR), sócio na indústria de cachaça Tatuzinho – Três Fazendas eacionista do Unibanco. A partir de 1985, o estacionamento do Berlim passoua ser alugado para ajudar nas finanças e a média de 1.500 hospedagens pormês não era mais atingida. “Com a morte do comendador, a família decidiufechar o hotel e continuar alugando o estacionamento”, conta João de Deus.De acordo com a neta do comendador, Clara Zwecker3, o imóvel tambémfoi retirado do nome da família.

Os serviços do Hotel Berlim

Além de poder usar a lavanderia do hotel, o hóspede tinha direito ao caféda manhã e de deixar o carro no estacionamento. “Televisão no quarto nãotinha, nem frigobar. Não tinha nada de luxo, era tudo bem simples”, esclareceJoão de Deus. Se o cliente quisesse tomar um refrigerante, por exemplo, tinhaque telefonar ou ir até recepção, pois era lá onde ficava a geladeira. “Eu anotavao que o hóspede pegava e, depois, somava no fechamento da conta. Se ele levavaroupa para lavar, eu também anotava, porque era cobrado”, conta Jaime Geraldo.

Como o Berlim não tinha luxo, o hotel não era preparado para recebereventos.

3 Esta e as demais citações de Clara Zwecker neste texto foram obtidas em entrevista concedida por e-mail aJuliana de Oliveira Teixeira, em 28 de novembro de 2009.

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Trabalhando no hotel

“Depois de tanto tempo trabalhando lá, o hotel ficou familiar, a genteformou uma família”, relata João de Deus, comentando sobre os 35funcionários que foram seus colegas. Já faz muito tempo que ele não encontraesses amigos, mas as lembranças ainda existem – algumas delas beminteressantes.

Lá por 82, 83, as meninas estavam fazendo a limpeza do quarto deum hóspede que não aparecia há uns três dias. Elas acharam umpacote grande embaixo da cama, devia ter uns 5 kg mais ou menos.Me chamaram, eu olhei e falei: ‘Isso aí é farinha de trigo, pode jogarfora!’. E nós jogamos... Depois de uns quatros dias a polícia civilapareceu lá no hotel... tinham prendido o hóspede sumido e elecontou que tinha um pacote de cocaína dentro do quarto. Agora vocêimagina como foi difícil convencer a polícia que a gente tinha jogadoaquilo tudo fora! Foi dose!

Jaime Geraldo também não tem mais contato com os ex-funcionários,mas se recorda das funções que já exerceu no estabelecimento.

Entrei no hotel quando tinha 14 anos. Primeiro fui mensageiro, ficavalá na frente recebendo os hóspedes, orientando os carros quechegavam... dois anos depois, eu fui para a recepção. Ela funcionavaem três turnos – das 7h às 14h; das 14h às 22h e das 22h às 7h.

Jaime disse que nunca trabalhou no período da madrugada porquenão precisou, porém, confessou que sentiria um pouco de medo. “Não soubede assalto, nem nada, mas a Rua Benjamim Constant era meio esquisitona ànoite”, ri.

Entre os serviços de recepcionista estavam a hospedagem dos clientes,o controle da geladeira e da lavanderia, o atendimento do telefone, ofechamento das contas e do caixa no final do turno. “Trabalhávamos sempreem dois – um recepcionista e, geralmente, um mensageiro. Então era sempremuito tranquilo.”

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Londrina empreendedoraTanto Waldemar Hauer quanto Jacob Zwecker eram de fora: o primeiro

era de Curitiba, o segundo, de São Paulo. O que, então, levou os empresáriosa investir em Londrina? Clara Zwecker conta que o comendador veio aoParaná para montar uma fazenda na cidade de Nova Esperança: “Como eletinha que passar grande parte do tempo na região, acabou ampliando osnegócios”, explica. Foi assim que passou a investir no ramo hoteleiro emLondrina e em Maringá. A opção pelos hotéis foi motivada por experiênciasanteriores, pois ele “já tinha um hotel no Guarujá (SP)”, relata Clara.

Com os negócios no norte do Paraná, o comendador passou a morarno estado. Sua família, no entanto, vinha à região esporadicamente e, quandovinha, ficava em Maringá. O pai de Clara, Ricardo Zwecker, administrou afazenda da família durante um período e, nas poucas vezes que veio àLondrina, ficou hospedado no Hotel Bandeirantes.

Além da queda de movimento no Berlim, a neta do comendador contaque o hotel foi desativado por ser um empreendimento “trabalhoso, quemerece atenção, grande empenho e presença. Como não tínhamos adisponibilidade de ficar integralmente no Paraná, o hotel teve que serfechado”. Não só o Berlim cerrou as portas, como os dois hotéis Bandeirantesda família. Clara afirma que dificilmente a família voltará a investir no ramohoteleiro no Paraná – justamente por exigir o cuidado e a atenção que osZwecker já não dispõem.

Referências

LONDRINA: Capital do Café. Folha de S.Paulo, São Paulo, 10 dez. 1965.Caderno Ilustrada.

BRANCO, Gustavo; MIONI, F. Londrina no seu jubileu de prata1934-1959: documentário histórico. São Paulo: Revista RealizaçõesBrasileiras, 1959.

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SCHWARTZ, Widson. Sofisticação e galistas no maior hotel. Jornal deLondrina. Londrina, 6 ago. 1997. Coluna Ligue-se em Londrina, p.8.

______. Um prédio para muita gente, e para galos também. Folha deLondrina. Londrina, 6 ago. 2010. Folha Cidade, p.1.

JULIANA DE OLIVEIRA TEIXEIRA

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Hotel Londrina / Coroados:um hotel de luxo para receber

os investidores

Luis Antonio Palma Hangai *Paulo César Boni **

* Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).Especialista em Mídias Digitais pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/PR). Mestrando emComunicação pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). E-mail: [email protected]** Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor do Departamento deComunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Líder do grupo de pesquisa Comunicação e Históriado CNPq. Bolsista produtividade da Fundação Araucária. E-mail: [email protected]

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Poucas casas, pouca gente e algumas ruas de terra batida constituíamo cenário da jovem cidade em meados da década de 40. Nessa época, aregião do norte do Paraná prometia aos empreendedores o enriquecimentocom o cultivo de café e outros produtos na fértil terra vermelha. Londrina,além da agricultura, oferecia ótimas oportunidades com a construção civil,em ritmo acelerado, e o efervescente comércio, que abastecia toda a região.Nesse panorama, iniciou-se a história do Hotel Londrina. Sua construçãoremonta ao ano de 1945, e foi iniciativa do médico potiguar NewtonLeopoldo da Câmara – que teria argumentado que a cidade merecia um hotelmelhor, com mais qualidade para receber os comerciantes que viajavam embusca de novos negócios.

Vera de Almeida Cardia1, viúva de Newton Câmara, recorda o espíritoempreendedor do marido que, embora se dedicasse a sua profissão (médico)cotidianamente, sempre sonhou com o desenvolvimento da cidade por meioda ampliação do comércio e da prestação de serviços. O café angariava umnúmero cada vez maior de viajantes ansiosos por estabelecer negócios eparcerias, com possibilidades potenciais de alavancar a economia no norteparanaense. Por essa razão, sobretudo, o médico visionário percebia anecessidade de transformar Londrina em um lugar acolhedor, no qual quemaqui chegasse, encontrasse um ambiente amigável, moderno, civilizado,propício para investimentos e ampliação de capitais.

Quando veio à cidade, em 1940, Newton Câmara já previa que aquelasruas de barro e lama poderiam – com o esforço adequado e com o auxíliodas pessoas certas – transformar-se em vias asfaltadas e movimentadas, comosão hoje. Quando se casou com Vera Cardia, em 1943, decidiu permanecerem Londrina de vez, fincando raízes e trabalhando pelo desenvolvimento ebem estar da cidade, que, naquele ano, tinha cerca de dez mil habitantes,duas mil residências e pouco mais de 500 veículos motorizados. Ou seja,Londrina reunia as características típicas de um município do interior doestado.

O edifício construído na atual Rua Senador Souza Naves, entre asruas Goiás e Espírito Santo, a princípio, não estava destinado a ser um hotel,

1 Esta e as demais citações de Vera de Almeida Cardia neste texto foram obtidas em entrevista concedidapessoalmente a Luis Antonio Palma Hangai, dia 20 de outubro de 2009, na residência da entrevistada.

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mas um hospital oftalmológico – “de olhos”, como era comum se expressarnaquela época. Evidente, pois Newton Câmara era um especialista em clínicaoftálmica e, antes de imaginar um hotel para a cidade, presumiu que apopulação carecia de cuidados médicos especializados. De fato, a arquiteturado Hotel Londrina muito lembra a de um hospital: sua formação em “H”,mais largo do que alto, deveria facilitar o trânsito de pacientes e profissionaisda saúde. Mas, o prédio jamais chegou a servir à medicina. Ao término desua construção, em abril de 1949, começaram as atividades do acolhedorHotel Londrina. Empreendedor, o médico acreditava que um hospital eranecessário, porém, naquela ocasião, com o crescimento do município, eramais importante oferecer boa hospedagem para aqueles que chegavam eque, futuramente, construiriam suas casas naquela região. Nas figuras 1 e 2é possível ver o edifício sendo construído, no final de 1948, e pronto paraser inaugurado, no primeiro semestre de 1949.

Figura 1 – Edifício Mariú, no qual foi instaladoo Hotel Londrina, em fase de construçãono segundo semestre de 1948

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

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Os três andares do prédio comportavam 60 quartos e 30 apartamentos,todos mobiliados e com colchões de mola em todas as camas, além dofornecimento de água quente e fria nos banheiros. Havia também um bar,uma sorveteria e um salão de chá, onde os hóspedes se reuniam para passaro tempo. As figuras 4, 5, 6 e 7 mostram cenários e ambientes internos dohotel. Além disso, em anexo, funcionava uma barbearia e um salão de beleza,com serviços de manicure, a fim de atender as exigências de homens emulheres de todas as idades, preocupados com a beleza mesmo longe desuas casas. Nessa época, o fluxo de automóveis era pequeno, por isso nãohavia um estacionamento exclusivo para o hotel. Os donos de carros estavamhabituados e deixá-lo nas ruas próximas, sem o receio de serem roubados.

A revista A Pioneira, de setembro/outubro de 1949, traz umapublicidade com uma fotografia e o logotipo do hotel (Figura 3), anunciandoo início de suas atividades hoteleiras. Mais ainda: informa que “em menosde quatro meses de funcionamento, o hotel já havia hospedado mais de milpessoas”.

Figura 2 – Edifício Mariú (obras concluídas no primeiro semestre de 1949)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Revista A Pioneira (v.2, n.5, set./out. 1949)

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Figura 3 – Fotografia e logotipo do Hotel Londrina em publicidade publicada na revista A Pioneira

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Revista A Pioneira (v.2, n.5, set./out. 1949)

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Figura 4 – Cozinha do Hotel Londrina (imagem tomada no segundo semestre de 1949)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Revista A Pioneira (v.2, n.6, nov./dez. 1949)

Figura 5 – Restaurante do Hotel Londrina (imagem tomada no segundo semestre de 1949)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Revista A Pioneira (v.2, n.6, nov./dez. 1949)

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Figura 6 – Bar do Hotel Londrina (imagem tomada no segundo semestre de 1949)

Figura 7 – Um dos apartamentos do Hotel Londrina, considerado de “luxo” à época

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Revista A Pioneira (v.2, n.6, nov./dez. 1949)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Revista A Pioneira (v.2, n.6, nov./dez. 1949)

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Assim, a partir do finalzinho da década de 40, o Hotel Londrina, comopreconizava Newton Câmara, passou a receber hóspedes de todos os cantos dopaís e até do exterior, oferecendo atendimento de qualidade e serviços extras,como os do salão de beleza. Além disso, o hotel ficava ao lado da concorridíssimaPadaria Olímpia, fundada por Vergílio Jorge e filhos em 1944, que ficava naesquina das ruas Senador Souza Naves e Goiás. Além das delícias gastronômicas,a Olímpia atraia a atenção de quem passasse pela Souza Naves em razão deuma lindíssima pintura de 30 metros, exposta na parede de fundo e em uma daslaterais, que representava o ciclo produtivo do pão, desde o plantio do trigo atéa chegada do produto à mesa do consumidor. Os hóspedes do hotel gostavammuito de dar uma passada por lá para tomar um cafezinho, comer um salgadoou deliciar-se com algum de seus variados doces. A Padaria Olímpia fechou em1998, mas, para a sorte da memória e da história de Londrina, a pintura, que por45 anos deliciou os olhos dos londrinenses, foi doada ao Museu Histórico deLondrina Padre Carlos Weiss.

Quase todas as fotografias reproduzidas neste texto (Figuras 2, 3, 4, 5, 6e 7) foram tomadas no segundo semestre de 1949, quando o Hotel Londrinaainda reluzia de novo, para uma “reportagem publicitária” de quatro páginas naA Pioneira, revista produzida em Londrina, mas que circulava por diversos estadosbrasileiros. A publicidade contribuiu para que muitos vendedores e profissionaisliberais vindos de outros estados, especialmente de São Paulo, escolhessem ohotel para sua permanência em Londrina. A hospedagem e o atendimento eramtão diferenciados que antigos hóspedes nunca se esqueceram do hotel.

No final de 1950, o hoje bancário aposentado Fábio Marchetti Chueire,então com 10 anos de idade, passou dois meses (novembro e dezembro)hospedado com a família no Hotel Londrina. Seu pai2 era funcionário de carreirado Banco do Brasil e foi transferido para o Rio de Janeiro. A família vendeu ostrês terrenos que possuía na esquina das atuais Avenida Rio de Janeiro com aRua Espírito Santo e, enquanto aguardava a transferência definitiva, ficouhospedada no hotel. Fábio Chueire3 lembra que “o Londrina era o melhor hotel

2 Aristóteles de Oliveira Chueire trabalhou no Banco do Brasil de Londrina de 1947 a 1950, quando foitransferido para o Rio de Janeiro. Em 1953, pediu licença no BB e voltou a Londrina para organizar e gerenciaro Banco Nacional do Paraná e Santa Catarina (Nossobanco). Em 1954 voltou ao Banco do Brasil em São Paulo e,em 1957, voltou para a agência de Londrina e a residir definitivamente na cidade. Em 1965, aposentou-se comogerente do Banco do Brasil de Bela Vista do Paraíso. Faleceu em 1979 e empresta seu nome para uma rua noJardim Aragarça, em Londrina.3 Esta e as demais citações de Fábio Marchetti Chueire neste texto foram obtidas em entrevista concedidapessoalmente a Paulo César Boni, dia 15 de agosto de 2013, na residência do entrevistado.

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da cidade, com quartos muito amplos”. Segundo ele, a comida também eramuito boa. “Ficamos todos [pai, mãe e ele] acomodados em um único quarto,com sobra de espaço. Fazíamos todas as refeições no hotel e a comida era muitoboa. Lembro com água na boca de uma sopa maravilhosa que eles serviam”.

Em janeiro de 1964, já como funcionário concursado do Banco do Brasil,Fábio se casou. Seu pai reservou diversos quartos do agora Hotel Coroados parahospedar os familiares que vieram de outras cidades. “Um quarto foi reservadopara eu e minha esposa, Sueli, passarmos a lua-de-mel”, conta Fábio Chueire.

Newton Câmara e dois de seus irmãos mais novos, Roberto e Gustavo,tornaram-se os administradores do negócio hoteleiro4. Newton apenasacompanhava a administração e “fiscalizava” o andamento do hotel, poispermaneceu atuante em sua profissão de formação: médico oftalmologista. Assim,Roberto e Gustavo eram os responsáveis diretos pela manutenção, organizaçãoe crescimento do estabelecimento, inclusive passaram a morar no próprio hotel.Roberto, mais velho que Gustavo, era quem dava a última palavra nos assuntosreferentes ao empreendimento, pois era considerado mais “pé no chão”. Antesde apoiar e trabalhar no projeto hoteleiro, Roberto era vendedor de produtosfarmacêuticos na região. Como as estradas ainda eram de terra batida, quasesempre em estado precário de conservação, fazia a entrega dos produtosfarmacêuticos em seu jipe, um dos veículos com maior mobilidade em condiçõesadversas. Passou a ser dele a função de administrar o hotel e cuidar de Gustavo,o irmão mais novo, procurando evitar as consequências de sua vida boêmia.

Gustavo era o irmão “temperamental”, de comportamento “explosivo”.Gostava de levar uma vida cheia de aventuras e riscos. Suas mudanças bruscasde humor geraram muitas desavenças no âmbito familiar, sobretudo com Newton,seu irmão mais velho. Certa vez, quando Newton era presidente do Aeroclubede Londrina, realizou um sonho do irmão mais novo ao ensiná-lo a pilotar aviõesde pequeno porte. Jovem e inconsequente, Gustavo aprendeu rápido a conduzira máquina e, em pouco tempo, realizava manobras inusitadas e arriscadas. Tinhao hábito de fazer voos rasantes pouco acima da fiação elétrica da EstaçãoFerroviária de Londrina (atual Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss).

4 Newton Câmara tinha três irmãos mais novos: Roberto, Gustavo e Danilo. Roberto e Gustavo trabalharam noHotel Londrina. Danilo graduou-se em Medicina e especializou-se em Oftalmologia. Nunca trabalhou noempreendimento hoteleiro. Dos quatro, Danilo é o único ainda vivo, residindo atualmente em Anápolis (GO).Newton, Roberto e Gustavo são falecidos. Newton Câmara faleceu em Londrina em março de 1985.

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Os moradores reclamavam constantemente e Newton proibiu Gustavo de pilotar,o que agradou a população do entorno, receosa com a possibilidade de algumacidente trágico acontecer.

Em 1962, os irmãos5 Dorival, Antônio, Nelson e Walter da famíliaVicentini compraram o edifício do Hotel Londrina. Fechado durante quase umano para reformas e reestruturações, o prédio voltou a funcionar com o nomede Hotel Coroados – nomenclatura dada em homenagem aos indígenas presentesna região norte do Paraná. Devanir Ribeiro Fabri6, hoje secretária na Clínica deOlhos onde também trabalha Newton Leopoldo da Câmara Filho, nesta épocamorava no local onde hoje fica a Super Quadra Tupã (Vila Brasil) e trabalhavano edifício Júlio Fuganti. Todos os dias ela passava em frente ao hotel e garanteque acompanhou de perto o desenrolar da reforma porque a Padaria Olímpia(ao lado do hotel) era parada obrigatória para comprar pães e salgadinhos quelevava para comer no local de trabalho. “Foi um ano todo de reforma”, diz asecretária.

A reinauguração (agora, Hotel Coroados) ocorreu no dia 22 de junho de1963, quando o bispo Dom Geraldo Fernandes abençoou os proprietários doestabelecimento e todos aqueles que um dia nele viriam a se hospedar. Estiverampresentes nessa data mais de 200 pessoas, entre autoridades municipais, gerentesde banco e demais convidados.

Antes de ingressar no ramo hoteleiro, a família Vicentini desenvolvia outrostipos de empreendimentos e prestação de serviços. Foi em 1942 que o imigranteitaliano naturalizado brasileiro, Immo Vicentini, junto com sua esposa, MatildeBenzoni Vicentini, vieram se estabelecer no norte paraense. Compraram umafazenda em Sertanópolis e outra na barranca do Rio Tibagi. Com 80 alqueiresadquiridos na região, plantaram uma lavoura de aproximadamente 50 mil pés decafé. Poucos anos depois, a fazenda cresceu e mais 18 mil mudas foram plantadas.Em 1948, Immo e seus filhos montaram a empresa Monções Agro Industrial Ltda.,voltada para a manutenção de um porto de areia – um dos principais negócioscomerciais da família.

5 Além de Dorival, Antônio, Nelson e Walter, Immo e Matilde também tiveram uma filha: Nair. Ela, no entanto,não acompanhou a família na vinda à Londrina, ficando na cidade paulista de Ituverava.6 Esta e as demais citações de Devanir Ribeiro Fabri neste texto foram obtidas em entrevista concedida portelefone a Paulo César Boni, dia 1º de agosto de 2013.

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Immo Vicentini, até então, vivia em Ribeirão Preto (SP), exercia o cargode presidente da Associação Comercial de Ribeirão Preto e possuía maquináriopara tratamento e processamento de arroz. Foi nessa época que o comendadorJulio Fuganti, outra personalidade “emblemática” da história londrinense,convidou-o para morar em Londrina e ajudar no progresso da cidade. Fuganticonvenceu Vicentini a se “embrenhar” pelos negócios da cafeicultura, atividadeque alavancou o município para a posição de um dos principais do estado.

Somente no ano de 1951 a família Vicentini reconheceu que Londrina,em vertiginosa expansão, precisava urgentemente de um hotel confortável eacessível para hospedar fazendeiros de café, comerciantes e viajantes. Nesseano, começou a ser erguido um edifício de oito andares na Rua Maranhão, pelaConstrutora David Primo Lattes, de São Paulo, sob a supervisão do engenheiroMitomo Simamura. Enfim, em 8 de maio de 1953, os Vicentini inauguraram oluxuoso e sofisticado Monções Hotel, bem ao lado do moderno Cine Ouro Verde(atualmente Cine Teatro Ouro Verde, pertencente à Universidade Estadual deLondrina).

Na véspera do Natal de 1983, ao meio-dia, o Monções Hotel encerrou asatividades e decretou o fim de mais um importante estabelecimento surgidodurante o “apogeu” do café na cidade. A grande maioria dos funcionários doMonções migrou para o já ativo Hotel Coroados, único empreendimento do ramoda família Vicentini em atividade. O atual proprietário do Coroados é Luiz AlbertoVicentini Filho, bisneto do patriarca Immo. O hotel ainda funciona, atendendoantigos e novos clientes, sobretudo comerciantes – muito parecido com aproposta inicial do Hotel Londrina.

Referências

SCHWARTZ, Widson. Coroados tem herança do Monções. Jornal deLondrina, Londrina, 1 maio 1996. Coluna Ligue-se em Londrina, p.8.

A PIONEIRA. Londrina, ano 2, v.5, set./out. 1949. (Publicidade)

A PIONEIRA. Londrina, ano 2, v.6, nov./dez. 1949. (Publicidade)

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Hotel Tókio: a simplicidadese hospeda na capital

mundial do café

Rosane Mioto dos Santos *

* Graduada em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).Especialista em Comunicação Popular e Comunitária pela mesma instituição. Assessora de imprensa da DefensoriaPública do Estado do Paraná. E-mail: [email protected]

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Quem chega a Londrina pela zona norte, vislumbra uma paisagem quejá é quase um cartão-postal: o centro da cidade, com seus inúmeros edifícios,demonstrando a grandeza daquela que já foi considerada a capital mundialdo café. Nesta paisagem, um edifício se destaca pelo seu formato e por suaposição privilegiada. Trata-se do edifício Tókio que, em seus mais de 40anos, abrigou várias histórias. Uma delas é a do Tókio Palace Hotel, ousimplesmente Hotel Tókio.

Origem

Com a inauguração da Estação Rodoviária, na Rua Sergipe, em 1952, aregião central de Londrina tornou-se muito valorizada. De acordo com acertidão cinquentenária do edifício Tókio, foi por esta época, mais precisamenteem 3 de julho de 1951, que Senosuke Matsukura comprou, de Otoiti Sogabe,o terreno da Rua Sergipe, número 598, esquina com a Avenida Rio de Janeiro,lote 11, quadra 3, pelo valor de 625 mil cruzeiros. Começava assim a históriado edifício e do Hotel Tókio.

A década de 1950 foi, sem dúvidas, uma das mais importantes para oprogresso de Londrina. A riqueza gerada pelo café estimulava a construçãode novos espaços e a cidade, de raízes no campo, urbanizava-se rapidamente.Neste momento, o norte do Paraná era o maior produtor de café do país e opreço internacional desta commodity era bastante bom.

O final dos anos 40 encerrou uma época dominada exclusivamentepelos colonizadores ingleses e deu lugar a projetos urbanos ousados,como a inserção do concreto, do ferro e vidro nas futuras construçõesda cidade. Esse processo ficou conhecido como modernização, queveio corrigir o desordenado meio urbano londrinense.(GONÇALVES, 2009, p.2).

A mudança não acontecia apenas na arquitetura da cidade – gente detodos os cantos do país e de diversas partes do mundo chegava a Londrinaem busca de oportunidades. Foi assim que, em meados dos anos 50, osportugueses Emílio Rodrigues e Adelino Ferreira chegaram ao norte do

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Paraná. Adelino Ferreira1 lembra que, nessa época, a Rua Sergipe “terminavapraticamente na delegacia” – hoje delegacia de Polícia Civil, esquina com aAvenida Arcebispo Dom Geraldo Fernandes (Avenida Leste-Oeste). O asfaltocobria a via até a Avenida Duque de Caxias; dali até a Rua Rio Grande do Sul,a poeira e a lama formavam a paisagem.

Emílio Rodrigues2 trabalhou na construção do edifício Tókio e recorda-se que parte dos apartamentos do prédio havia sido vendida ainda na planta,conforme demonstra um anúncio publicado no Guia Geral de Londrina,publicado em 1954. Contudo, como alguns condôminos não pagaram – ouatrasavam – suas quotas, as obras foram suspensas por volta de 1955, períodoem que Emílio se acidentou no trabalho e precisou se afastar da construção.Adelino Ferreira ressalta que, durante esses anos, era muito comum obraspararem por falta de verba. Como o período era de desenvolvimento a olhosvistos, pessoas e empresas decidiam construir no “entusiasmo”, semplanejamento adequado e isso, por vezes, complicava o andamento da obra.

Quando a construção foi retomada, ela ficou a cargo da EdificadoraParanaense, de Curitiba. Na documentação disponível na Secretaria de Obrasde Londrina, consta o nome do engenheiro civil Harro Olavo Mueller que,assim como a construtora, era da capital paranaense. De acordo com EmílioRodrigues, foi esta empresa que concluiu o prédio. Um fato interessante: naestrutura do edifício Tókio há uma quantidade de ferro suficiente paraconstruir três edifícios iguais pelos padrões de hoje.

Cabe destacar que o edifício foi projetado para ser um estabelecimentocomercial e residencial. Na planta original, os três primeiros andares seriam– e foram – ocupados por salas comerciais, especialmente projetadas paraserem, principalmente, escritórios; do quarto ao décimo andar, a planta previaapartamentos residenciais; e, finalmente, os três últimos andares, ou seja,do 11º ao 13º, foram projetados como quartos de hotel. Em 26 de junho de1961, o advogado Miguel Buffara e o comerciante Imil Farah adquiriram ostrês pavimentos correspondentes ao hotel por 268.950,00 cruzeiros. Juntos,

1 Esta e as demais citações de Adelino Ferreira neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmente aRosane Mioto dos Santos, dia 26 de outubro de 2009, no local de trabalho do entrevistado.2 Esta e as demais citações de Emílio Rodrigues neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmentea Rosane Mioto dos Santos, dia 27 de outubro de 2009, no local de trabalho do entrevistado.

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esses andares somavam 116,311 m² de construção, divididos em 49 quartoscom banheiros privativos – 19 ficavam no 11º andar; 19 no 12º; e, por fim,11 quartos no 13º andar, no qual também funcionava a lavanderia do hotel.

Infelizmente, não foi possível localizar fotografias internas do HotelTókio. Mas sua magnitude pode ser conferida nas três fotografias em planogeral (Figuras 1, 2 e 3), duas com tomadas aéreas da cidade e uma daRodoviária de Londrina (hoje Museu de Artes), na qual o edifício Tókioaparece imponente, ao fundo da fotografia.

Figura 1 – Vista aérea de Londrina no final de década de 50. O edifício Tókio aparece imponente novisual da cidade (é o último prédio à direita, o mais próximo à antiga ferroviária, hoje Museu Histórico)

Fotografia: Shigeso Kato (Foto Paraná)Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

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Figura 3 – Vista da Estação Rodoviária. Ao fundo, à esquerda, o edifício Tókio.À direita é possível ver parte do edifício América, com o “relojão”

Figura 2 – Vista aérea de Londrina na década de 60. O edifício Tókio é o primeiro no centro dafotografia, de “costas” para o leitor. No fundo, à esquerda, observa-se a construção

dos edifícios Júlio Fuganti e Centro Comercial

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

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Por dentro do Tókio“Um hotel de viajantes”: é como alguns ex-funcionários definem o

Tókio. Pessoas que vinham a trabalho e procuravam um bom lugar para sehospedar durante a estada na cidade ficavam ali. E, no princípio não erampoucos. Muitos chegavam em busca de oportunidades, estimulando ahotelaria – o que explica o grande número de estabelecimentos hoteleirosinaugurados durantes as décadas de 40 e 50 nos quadriláteros próximos àsestações ferroviária e rodoviária.

O Tókio tinha a peculiaridade de ser um “hotel misto”, ou seja, nomesmo edifício conviviam hóspedes, condôminos e clientes das salascomerciais dos primeiros andares. Apesar disso, não havia problemas derelacionamento. A portaria era dividida: de um lado, a recepção do hotel, deoutro, a entrada do condomínio. Durante a madrugada, quando orecepcionista precisava atender algum hóspede – pois era o único funcionárioque trabalhava no período noturno – o porteiro do condomínio ajudava a“olhar” a recepção. Laércio André3, que trabalhou como porteiro durante osúltimos cinco anos do hotel, lembra que, durante a noite, os recepcionistassó acompanhavam os hóspedes novos. Aqueles que já frequentavam oestabelecimento com certa regularidade subiam sozinhos até os quartos.

Apesar do pouco espaço e da simplicidade, o hotel buscava atender asnecessidades de seus clientes. Contava com uma sala de TV no 12º andar –onde também funcionava, no mesmo corredor, a copa e o serviço de café damanhã. A recepção contava com um sistema de PABX para atender os quartose, diferentemente de outros hotéis ao redor da antiga rodoviária, todos osquartos contavam com banheiros privativos. Nas palavras de Laércio André,“era um hotel simples, sem luxo, sem estrelas, mas os hóspedes gostavam”.

Em março de 1976, Miguel Buffara faleceu em Curitiba, deixando oTókio para a esposa e os filhos. Alguns funcionários lembram da família

3 Esta e as demais citações de Laércio André neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmente aRosane Mioto dos Santos, dia 27 de outubro de 2009, no local de trabalho do entrevistado.

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proprietária e ressaltam que eram todos muito cordiais quando se hospedavamno hotel. Eles viviam no Rio de Janeiro, mas tinham terras em São Jerônimoda Serra (PR) e, portanto, costumavam passar por Londrina quando visitavama fazenda no município vizinho.

No entanto, é o nome de Nagibe Abraão Zattar o mais lembrado pelosfuncionários do antigo hotel. Todos concordam que era ele quemacompanhava com mais regularidade as atividades do estabelecimento. Foiele, também, quem admitiu Laércio quando este adoeceu sem que os médicosdescobrissem qual era sua doença. Segundo o ex-porteiro, Nagibe lhe disse:“Pode ficar no meu hotel e, se precisar de medicamento, me dê a receita queeu compro.” Certa vez, quando precisou fazer consultas no HospitalUniversitário (HU), o patrão teria dito: “Pode ir e ficar o quanto precisarque o seu emprego tá aqui”, lembra Laércio, para quem Nagibe – já falecido –era “um paizão”.

Fim de uma era

Na década de 90, Londrina já não era a mesma. Havia deixado de sera capital mundial do café, expandindo os negócios dentro e fora do campo.A zona urbana também havia crescido de maneira acelerada e pouco lembravaa cidade que os pioneiros encontraram nos primeiros anos da colonização.E, essa nova época, já não comportava os velhos hotéis.

A partir dos anos 90, muitos estabelecimentos em torno da antigaestação rodoviária foram desativados – com o Tókio não foi diferente. Deacordo com Laércio André, o dia 2 de dezembro de 1993 marcou ofechamento definitivo das portas do hotel. Muitas são as explicações para ofim desse empreendimento.

Para outro ex-porteiro, Hermes Alves da Silva4, a falta de investimentoem melhorias – como um estacionamento ou mesmo roupas de cama maisnovas – fez com que o Tókio perdesse clientes para os novos hotéis que

4 Esta e as demais citações de Hermes Alves da Silva neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmentea Rosane Mioto dos Santos, dia 28 de outubro de 2009, no local de trabalho do entrevistado.

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surgiam em ritmo acelerado na cidade, que estava se tornando um importantecentro de eventos. Na opinião de Adelino Ferreira, a expansão da zona urbanada cidade fez a Rua Sergipe perder a importância que tinha nas décadas de40 e 50, “espalhando” os recém-chegados para outras regiões. EmílioRodrigues complementa lembrando que na época em que o hotel surgiu “valiatudo, até dormir no chão”. Com o passar dos anos, os hóspedes teriam ficadomais exigentes e não aceitariam mais hospedar-se em um “hotel misto”.

Laércio André, por sua vez, acredita que o fato de o edifício congregarsalas comerciais, apartamentos residenciais e hotel nunca foi um problema,pois todos conviviam tranquilamente. Para ele, a mudança de sentido daRua Sergipe, no final da década de 80, foi um dos fatores determinantespara a queda do movimento, posto que era a rota de chegada dos viajantesque entravam em Londrina. “Para chegar até o centro, eles desciam aquelarua e logo avistavam o letreiro do hotel. Com a mudança, a Rua BenjaminConstant passou a ocupar este papel de via de chegada.”

Contudo, a maioria dos entrevistados concorda que a mudança daEstação Rodoviária da Rua Sergipe (onde hoje funciona o Museu de Artesde Londrina) para a Avenida Dez de Dezembro, em 1988, foi o principalmotivo que levou o Hotel Tókio a encerrar suas atividades. De acordo comLaércio André, o hotel não tinha o famoso “convênio” com os taxistas darodoviária – que, muitas vezes, recebem uma gratif icação dosestabelecimentos para levarem os viajantes recém-chegados até eles. Nosúltimos anos, inclusive, os donos do Tókio tiveram que desviar recursos deoutros empreendimentos para mantê-lo.

Em razão dos prejuízos com o negócio hoteleiro, a família Buffaranegociou o Tókio, trocando-o por uma propriedade rural em São Jerônimo daSerra, onde já possuía outra propriedade rural. Os novos donos do imóveldesativaram o hotel, desmancharam os quartos e reformaram o espaço paraformar quitinetes, que hoje são alugadas nos três últimos andares do edifício.

Da forma simples que surgiu e se manteve durante mais de quarentaanos, o Hotel Tókio desapareceu. Contudo, mesmo sem estrelas, sem o glamourdos grandes hotéis que hospedaram os barões do café, deixou sua marca nahistória de Londrina, abrigando muitos daqueles que chegaram e auxiliaramna construção da cidade.

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Referências

EMPRESA Propagandista do Norte do Paraná. Guia geral de Londrina:indicador histórico e comercial. Londrina: Empresa Propagandista do Nortedo Paraná, 1954.

GONÇALVES, Paulo de Tarso. O modernismo e a modernidade emLondrina nos anos 50. Londrina, 15 out. 2009. 1 arquivo (101 KB). PDF.

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Hotel Sahão:a “loucura” do

velho Salim

Gabriel Felipe Oberle *Paulo César Boni **

* Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).E-mail: [email protected]** Doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de São Paulo (USP). Professor e pesquisador doDepartamento de Comunicação da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Líder do grupo de pesquisaComunicação e História do CNPq. Bolsista produtividade da Fundação Araucária. E-mail: [email protected]

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O Hotel Sahão, fundado como Hotel São Jorge, foi inaugurado junto ao seuedifício, o Sahão, no dia 29 de novembro de 1952. Desde o princípio, a ideia deconstruir o prédio foi de Salim Sahão, proprietário do terreno. Por conta doprojeto ambicioso, ele foi chamado de “louco” e “aventureiro”, pois o municípionão possuía serviços básicos para garantir o pleno funcionamento do hotel,como esgoto e luz elétrica. Ignorando esses problemas, começou a construçãodo primeiro “arranha-céus” de Londrina.

O terreno de 1.350,00m², comprado da Companhia de Terras Norte doParaná (CTNP), abrigava a casa de Mr. Arthur Thomas, seu antigo gerente eamigo de Salim. A residência, demolida para dar espaço à nova obra, ficava notopo de uma “montanha” de pedras, que foram utilizadas no calçamento daatual Rua Quintino Bocaiúva. Assim, nas esquinas das atuais avenidas Paraná eSão Paulo, iniciou-se a construção do edifício.

Salim Sahão

Salim Sahão era libanês, nascido em Hasbaya, no dia 19 de janeiro de1900, em uma família de criadores de bicho da seda e vendedores de casulos.Ainda criança, começou a trabalhar com seus familiares, acordando às 03h00da manhã e andando cerca de dez quilômetros para colher folhas de amoreira àbeira do rio Hasbene. Depois de colhidas, colocava-as sobre pedaços de pano,levando-as para a criação. Ele repetia esse serviço mais uma vez antes de ir paraa escola. Também trabalhou na sapataria de seu pai, aprendendo o ofício. Coma profissão, acreditava que não seria chamado para cumprir seus deveres naPrimeira Guerra Mundial, que teve início em 1914. A princípio, seu “plano”deu certo, no entanto, em 1917, acabou sendo convocado. Seu pai, então, pagou30 libras inglesas para que o filho fosse liberado dos campos de batalha.

Com a dispensa de Salim e o final da guerra em 1918, os negócios dafamília Sahão aumentaram – expandindo-se para as plantações de trigo, milho,cevada, lentilha, uva, azeitona e figo. Nessa época, Salim sempre ouvia falar doBrasil, alguns tios, inclusive, moravam em São Paulo. Dessa forma, atraído pelaoportunidade de prosperar, decidiu emigrar em outubro de 1920, tendo que

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percorrer uma verdadeira “saga” para conseguir chegar ao Brasil. A viagemcomeçou com uma caminhada de mais de 15 quilômetros, até conseguir caronacom um caminhão que o deixasse em Beirute, capital do Libano.

Em Beirute, seguiu até o porto, embarcando no navio de guerra Spenz,que o levou até Marselha, na França. Salim passou 43 dias em terrasfrancesas, hospedando-se no Hotel Union. Para ajudar no orçamento, acaboutrabalhando como atendente no próprio hotel . Jorge, o dono doestabelecimento, ficou tão satisfeito com seu empenho que o convidou apermanecer na França e continuar trabalhando no hotel. Porém, obstinadoem cumprir a promessa que havia feito à família, no Líbano, de enriquecerno Brasil, recusou a oferta. Para continuar sua viagem, teve que voltar aalto mar – dessa vez, a bordo do navio Provence. Um mês após o embarque,chegou a Santos (SP), dia 30 de janeiro de 1921. De lá, partiu direto paraIbitinga (SP) e, depois, para Borborema (SP), onde moravam alguns parentes.Lá, ficou hospedado na casa de Calil Taiar, esposo de sua tia materna.

Para manter-se na casa de Taiar, Salim ajudava – sem remuneração –nos afazeres domésticos. Percebendo que, nesta condição, não conseguiriaarrecadar o dinheiro que pretendia, pediu ao tio que o pagasse pelos serviçosque fazia, gerando um desentendimento entre os dois. No dia seguinte àdiscussão, juntou suas coisas e mudou-se para a casa de outro membro desua família, Nagibe e, de lá, acabou voltando para Ibitinga, onde se instalouna residência de João Abib, outro tio. Abib era proprietário de um armazéme contratou o sobrinho como funcionário, por 30 mil réis mensais. A rotinade Salim começava às 06h00, quando varria o salão e arrumava os produtos.No decorrer do dia, atendia os clientes e ficava à disposição do tio paraoutras tarefas.

Dono de um espírito empreendedor, Salim logo teve a ideia de tambémse arriscar no comércio, abrindo seu próprio bar. Para tanto, alugou umimóvel, que contava com uma sala e um quarto, na Rua Prudente de Moraes.Em pouco tempo, abriu o Boteco, atraindo uma freguesia fiel – principalmenteporque parcelava as dívidas dos clientes, dando prazos de até três mesespara os pagamentos. Além disso, adotou a estratégia, que logo caiu no agradodos clientes, de oferecer pequenas doses de pinga gratuitamente.

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Enquanto administrava o bar, começou a se aventurar em outras áreas.Em 1924, comprou terras e montou uma máquina de beneficiamento dealgodão – vendendo o empreendimento logo em seguida. Depois,comercializou arroz, café, milho e feijão, expandindo seu eixo de atuaçãopara outras cidades além de Ibitinga. Em Guarantã (SP), por exemplo,instalou um armazém de arroz e uma máquina de beneficiamento de café.Em pouco tempo, já negociava com empresas de Santos e de outros estados,como Mato Grosso.

Com a “quebra” da Bolsa de Nova Iorque, em 1929, Salim “congelou”seus negócios por dois anos. Em seguida, arrendou terras no interior paulistae, com o dinheiro obtido, começou a comprar novos terrenos. Estimulado porseus funcionários, adquiriu lotes no norte paranaense – e, ao ver a região deLondrina, animou-se, decidindo que este seria seu lugar de rendimento. Dessaforma, em 30 de agosto de 1935, comprou 54 alqueires de terras na cidade.

No ano de 1937, deu início à construção de uma máquina de café emLondrina e fundou a Sociedade Sahão, junto com Neman Sayun, JoãoAzevedo Correa e Calil Sahão, seu irmão. Três anos depois, em 1940, Salimcomprou as partes de Neman e João, ampliando a atuação do negócio com aaquisição de novas fazendas nos municípios paranaenses de Jaguapitã,Paranacity e Paranavaí. Foi em Paranavaí, inclusive, que o libanês construiuseu primeiro hotel, o Carabina.

A instalação de máquinas também foi expandida, abrangendo obeneficiamento de café, algodão e soja nas cidades de Maringá, Apucarana,Mandaguari e Rolândia – todas localizadas no norte do Paraná. Aproveitandoa aproximação com essas regiões, também montou armazéns e casas decomércio. Londrina não escapou de suas “obras”. Em 1945, ele construiu suacasa na antiga Rua São Salvador, hoje Rua Maragogipe. Na época, a obra foiconsiderada gigantesca (o prédio continua no mesmo endereço, mas, em razãode uma disputa familiar, está praticamente abandonado; seu atual estado deconservação em nada lembra o glamour de antigamente). Diante de tamanhocrescimento, a antiga Sociedade Sahão teve seu nome alterado para Comércioe Indústria Sahão S.A. (Figuras 1 e 2), tendo como sócios seus irmãos Calil eAssad Sahão e Michel Sahão (primeiro filho de Salim). Ou seja, uma sociedadefamiliar, como era costume antigamente.

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Salim continuou seus empreendimentos durante toda a sua vida, semesquecer as dificuldades e problemas do passado. Guardou consigo os títulosdo prejuízo que teve com a “quebra” da Bolsa de Nova Iorque até 1975,quando os enterrou no quintal de seu palacete em Londrina. Dois anos maistarde, dia 9 de outubro de 1977, o imigrante libanês faleceu, aos 77 anos, emIbitinga. No final de sua vida, começou a escrever uma autobiografia, masnão conseguiu terminá-la. Alguns de seus escritos podem ser lidos no livroSalim Sahão, meu avô, que sua neta Sônia publicou em 1989. Neste livro, alémdos escritos que o avô preparava para sua autobiografia, a autora colheudepoimentos de parentes e amigos sobre o perfil, o empreendedorismo e atrajetória de sucesso de Salim Sahão.

Figura 1 – Salim Sahão diante de uma de suas empresas em Londrina na década de 40

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão1

1 Nossos agradecimentos a Sônia Sahão, neta de Salim Sahão, que gentilmente cedeu fotografias de seu acervopessoal para a produção deste livro.

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Figura 2 – Salim Sahão nos galpões de propriedade da família, na Rua Paraiba,próximo à linha férrea

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

O Hotel SahãoEm 1949, começaram as negociações com Arthur Thomas para a

construção de um edifício na cidade. Não um simples edifício, mas o maior emais luxuoso de Londrina até então. Mr. Thomas, com a típica racionalidadebritânica, acreditava ser impossível, pois as condições de infraestrutura da cidadenão condiziam com as necessidades do hotel, especialmente no tocante aofornecimento de água, saneamento básico e energia elétrica. Muitos amigos eempresários sugeriram que o libanês realizasse esse empreendimento na capitalpaulista, mas ele negava. Salim Sahão estava obstinado e nada ou ninguémdemovia de sua cabeça a ideia de construir um hotel de luxo em Londrina.

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Insistiu com Mr. Thomas e pediu para que deixasse tudo “por sua conta”, umaversão polida para o tradicional “deixa comigo” dos tempos atuais.

A obra foi complicada, principalmente porque quase todo o material eracomprado de outros estados e sequer havia estradas asfaltadas na época. Ostijolos, por exemplo, vinham de Pederneiras (SP) por balsas até o Rio Tibagi,onde eram recolhidos e trazidos pelas estradas de terra que levavam ao centrode Londrina (Figura 3). Os vidros e cristais eram importados da Europa – oslustres vinham de Boêmia, na Alemanha, e, também, da Tchecoslováquia2. Osmármores eram procedentes de Carrara, na Itália. Contraste interessante: tantosluxos importados, mas, para pedi-los por telefone, por exemplo, era precisodeslocar-se a Ourinhos (SP) ou usar (pedir emprestado) o aparelho telefônicoda Companhia Melhoramentos Norte do Paraná (CMNP), sucessora daCompanhia de Terras Norte do Paraná (CTNP).

Figura 3 – Construção do edifício Sahão, no centro de Londrina (provavelmente no início de 1952)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

2 A antiga Tchecoslováquia foi desmembrada em 1º de janeiro de 1993, em República Theca (capital Praga), deonde vieram os cristais, e República da Eslováia (capital Bratislava).

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A obra foi entregue à Construtora Zancaner, de São Paulo, para aviar oprojeto do arquiteto paulista Justiniano Cavaglieri. O trabalho durou quase doisanos e os problemas com a infraestrutura da cidade foram deixados de lado: oselevadores utilizavam energia vinda de um gerador movido a óleo diesel e oesgoto era armazenado em fossas sépticas, esvaziadas periodicamente porcaminhões-bomba. Providências tomadas e custeadas pelo libanês, afinal, nãofoi à toa que ele disse “deixa por minha conta” ao Mr. Thomas.

O desenho da fachada do edifício merece destaque, pois tinha uma limpezaarquitetônica notável, com janelas dispostas geometricamente (Figura 4). Oprédio se destacava, também, pela junção da funcionalidade com o requinte:unindo apartamentos completos com móveis e detalhes elegantes.

Figura 4 – Vista do edifício Sahão depois de pronto,uma construção imponente no centro de Londrina

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

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No edifício, além do hotel com seus 98 aposentos (82 apartamentos e 16suítes), funcionavam, no andar térreo, uma agência do Banco de Crédito Realde Minas Gerais S.A. e o escritório da Real Transportes Aéreos. Funcionavam,também, a sede da empresa da família, a Comércio e Indústria Sahão S.A. e umaárea residencial, que existe até hoje. O hotel era considerado um dos maisluxuosos da região sul do Brasil, merecendo destaque em uma reportagem da OCruzeiro, a principal revista de informação do país à época, e a vinda de DavidNasser, o mais importante repórter da revista de todos os tempos. A reportagemintitulada Onde a terra cheira a dinheiro, sangue, café e grilo fala do surtodesenvolvimentista do norte do Paraná e destaca o Hotel São Jorge, um arranha-céus de oito andares (mais o térreo) em uma cidade de apenas 20 anos (Figuras5 e 6). David Nasser, diante do acelerado desenvolvimento da região, damagnitude do edifício e da história de sucesso do imigrante libanês escreveu:“Aqui se readquire a fé no Brasil.”

Figura 5 – Vista aérea do centro de Londrina (década de 50), mostrando a imponência do edifícioSahão (prédio branco no centro da fotografia, logo atrás da catedral)

Fotografia: Yutaka Yasunaka (Foto Estrela – Londrina)Fonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

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A festa de inauguração estava programada para o dia 15 de novembro de1952, mas, em razão de pequenos atrasos no acabamento do prédio, ocorreu dia29 de novembro de 1952 (Figuras 7, 8, 9 e 10), no Garden Bar, localizado noprimeiro andar do prédio e contou com a presença de aproximadamente 500pessoas, vindas de vários locais do país. No mesmo dia também foi realizado obatizado de sua neta Sônia Sahão dentro do novo empreendimento (Figuras 11e 12), presidido pelo padre Elias Kerbaut, da igreja ortodoxa. O padrinho foininguém menos que o cônsul do Líbano, Naim Amioune, a madrinha foi suaavó materna, dona Alia. Além do bar, no primeiro andar, o hotel oferecia uma“visão aérea” de Londrina em seu restaurante panorâmico que ficava no topodo prédio. Sônia Sahão3, sua primeira neta, era muito ligada a Salim. Ela recordaque, todas as noites, ia com seu avô até o hotel. “Eu ficava subindo até oprimeiro andar para comer batatinha”, conta. Salim Sahão sempre se preocupoucom os netos, construindo, inclusive, uma casa em São Paulo para que elesfossem estudar em uma cidade mais desenvolvida.

Figura 6 – Vista da Avenida Paraná (década de 50), com a PraçaMarechal Floriano Peixoto e o Hotel São Jorge ao fundo

Fotografia: Yutaka Yasunaka (Foto Estrela – Londrina)Fonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

3 Esta e as demais citações de Sônia Sahão neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmente aGabriel Felipe Oberle, dia 8 de outubro de 2009, na residência da entrevistada.

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Figura 7 – Convite para a inauguração do Hotel São Jorge (parte externa do convite)

Fonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

Figura 8 – Convite para a inauguração do Hotel São Jorge (parte interna do convite)4

Fonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

4 No convite consta dia 15 de novembro de 1952, depois alterado, à caneta, para 29 de novembro de 1952.

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Figura 9 – Solenidade de inauguração do edifício Sahão e doHotel São Jorge (29 de novembro de 1952)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

Figura 10 – Corte da fita inaugural do edifício Sahão, pelo prefeito Milton Ribeiro de Menezes

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

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Figura 11 – Batizado de Sônia Sahão, neta de Salim Sahão, pelo padre Elias Kerbaut,da igreja ortodoxa, nas dependências do Hotel São Jorge

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

Figura 12 – Festa da inauguração do edifício e do batizado de Sônia Sahão, nas dependênciasdo Hotel São Jorge5, com a presença de 500 convidados

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Sônia Sahão

5 À esquerda da fotografia é perceptível a presença de um repórter e um cinegrafista, provavelmente dacapital paulista. Em 1952 a Folha de Londrina circulava na cidade havia quatro anos.

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Para se ter uma noção da magnitude do evento e da importância que umhotel de luxo representaria para a então região mais próspera do país, o jornal oDiário de São Paulo, da capital paulista, publicou uma nota dia 2 de dezembro de1952 sobre sua inauguração, listando algumas das pessoas ilustres presentes.

Sábado último a cidade de Londrina foi cenário de uma das maioresfestividades, motivada pela inauguração do Edifício Sahão e do‘São Jorge Hotel’, situado no coração da cidade. Desde as 8h30começaram a chegar ao aeroporto local, ilustres personalidades domundo político, militar e financeiro do país e mesmo doestrangeiro, entre elas o Cônsul do Líbano, Naium Amioune, oGeneral Marcial Samarniego, Sub Secretário da Defesa do Paraguai,o General Odilon Braga, o prefeito de Londrina, Milton Ribeirode Menezes, o Comandante Lineu Gomes, diretor presidente daReal Transportes Aéreos, Padre Ortodoxo Elias Kerbaui, AlcidesFeijó, Araupp, Diretor de Tráfego da Real, Coronéis CasimiroMontenegro, Jorge Proença e Mendes Palma. Marcos Melega, BentoAlmeida Prado, Diretor de Publicidade da Real, José Tavares Pereira,José Hosken de Novaes, Jamil Buffara, Diretor da Cia. Progressode Armazéns Gerais de Paranaguá, Antonio Carlos M. Rego, PauloSantos Mattos, Imil Farah, Antonio Zambardino Wilson Porto,Desembargador João Rocha Loures, Kleber Leite Antunes,Gunther Alt, Nassib Mattar, Deputado Miguel Nicolal do PTB deSão Paulo, Gabriel Bernardes, Rubens Mello Braga, Ciro Ibirá deBarros, Raphael Behar, diretor dos hotéis Jaú, Clotário Guimarães,Eduardo Suplicy, Tenente Luiz Ramirez, Hermes Guimarães,Salvadors Torres Perez, Getúlio Carlos Bentivogio, representandoa têxtil São Martinho, Espiridião Bittar, Celso B. Navarro e inúmerasoutras pessoas de Londrina, Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro.

O nome do estabelecimento fazia menção a um conhecido hotel deluxo do Líbano, além de ser uma homenagem a São Jorge, o santo padroeiroda comunidade árabe. Apesar de já haver trabalhado em hotel e ser muitocomunicativo, Salim não era do ramo. Por isso, optou por arrendá-lo a EliasTarran – que, com sua mulher Josefina e sua cunhada Paula, administraramo São Jorge por cinco anos. Segundo Widson Schwartz, na reportagem Sahãoestá ‘anestesiado’ e Berlim fecha a história, publicada pela Folha de Londrina, em

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4 de agosto de 2010, Tarran fez uma promoção de inauguração de sua gestão,premiando o primeiro hóspede com quarto e comida gratuitos. O ganhadorfoi Amador Aguiar, presidente do Banco Brasileiro de Descontos S.A.(Bradesco) na época. A lista de hóspedes ilustres não parou aí: o empresárioAndré Matarazzo, o ex-governador de São Paulo Adhemar de Barros, os ex-presidentes da República Café Filho e Juscelino Kubitschek, além do cantorRoberto Carlos têm seus nomes grafados no livro de registro de hóspedes dohotel.

O requinte do hotel começava nos quartos, com roupas de camaconfeccionadas artesanalmente por Josefina Tarran. Eram mais de mil peçaspara embelezar os 98 aposentos. O contrato de aluguel, realizado entre osamigos Salim e Elias, foi feito a mão, em uma folha de caderno, e nunca foioficializado. Findo o contrato com Elias Tarran, o estabelecimento foiarrendado para o empresário do ramo hoteleiro Miguel Buffara, que sob arazão social de Buffara & Farah Ltda., administrou o hotel por poucos anos,mantendo seu nome fantasia: Hotel São Jorge. A família Tarran, transferiu-separa o estado de São Paulo e mudou de ramo: lá abriu o Restaurante Aladim.Depois de Buffara e Farah, a administração passou para a Rede de HotéisGávea e o nome do estabelecimento foi alterado para Gávea Palace Hotel.

Em 1992, após 40 anos da abertura, José e Fernando Sahão,respectivamente filho e neto de Salim, assumiram o empreendimento. Maisuma vez o hotel mudou de nome, para Sahão Palace Hotel, ampliando suacapacidade para 113 apartamentos. Para a comemoração do 40º aniversáriodo local, Sônia e Fernando organizaram uma festa e um informativo, contandoalgumas histórias do estabelecimento.

Entre os funcionários que acompanharam muitas dessas histórias estáAlice Pereira dos Santos6, que trabalhou dez anos no Gávea Palace Hotel e,depois, mais cinco no Sahão Palace Hotel. Ela chegava todos os dias às 05h30da manhã no hotel e, em dias de vestibular na Universidade Estadual deLondrina (UEL), conta que ia para o trabalho às 02h00. Alguns hóspedes,

6 Esta e as demais citações de Alice Pereira dos Santos neste texto foram obtidas em entrevista concedidapessoalmente a Gabriel Felipe Oberle, dia 9 de outubro de 2009, na residência da entrevistada.

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como uma equipe de jornalistas que vinha de Curitiba, pediam para que ela,em especial, ficasse a cargo do atendimento. “Nesses dias eu entrava às05h30 e, lá pelas 15h00, ia para casa tomar banho. Depois voltava para ohotel e ficava até às 18h00”, conta. Seu trabalho era de copeira, mas tambémexercia a função de camareira se fosse necessário. Além disso, o almoxarifadoera de sua responsabilidade. Questionada se sente falta do trabalho, respondede imediato: “Sinto muita falta, gostei muito de trabalhar lá.”

Faltando meses para completar 50 anos de existência, o Sahão PalaceHotel fechou suas portas dia 8 de agosto de 2002, em razão de uma disputafamiliar pelo espólio do “velho” Salim. Os 46 funcionários que trabalhavamno hotel foram remanejados para outros estabelecimentos, ou cumpriram oaviso prévio e foram desligados da empresa. Na época da reportagem deWidson Schwartz (2010), Sônia Sahão declarou ao jornalista que, se vencidasas divergências familiares, pensava em reabrir o hotel. Segundo ela: “Reabriro hotel será, também, um ato de responsabilidade social, pela criação deempregos num momento em que o setor cresce, despontando novas escolasde hotelaria.” Ao que tudo indica, as divergências familiares ainda não foramresolvidas, pois aquele que foi um dos mais luxuosos hotéis do sul Brasilcontinua fechado.

Em frente ao edifício Sahão está o ponto de táxi em que ReinaldoHilário7 trabalha há mais de 30 anos. Ele sente falta da época em que o hotelfuncionava: “É como uma ferida que sarou, mas ficou a marca.” Reinaldoconta que, ainda hoje, quando José Sahão passa pelo ponto, cumprimenta-o.

No dia 12 de março de 2007, a Assembleia Legislativa do Paranárealizou uma solenidade in memorian a Salim Sahão. Na homenagem, foientregue a sua neta Sônia Sahão o título de cidadania honorária, comoreconhecimento pela empreitada do libanês e sua importância para odesenvolvimento do norte do estado do Paraná.

7 Esta e as demais citações de Reinaldo Hilário neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmentea Gabriel Felipe Oberle, dia 10 de outubro de 2009, no local de trabalho do entrevistado.

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Referências:DIÁRIO DE SÃO PAULO. São Paulo, 2 dez. 1952.

NASSER, David. Onde a terra cheira a dinheiro, sangue, café e grilo. OCruzeiro, Rio de Janeiro, 21 nov. 1953. p.8-15. (Fotografias de BadaróBraga).

SAHÃO, Sonia. Salim Sahão, meu avô. Londrina: Gráfica Cotação, 1989.

SCHWARTZ, Widson. Sahão está ‘anestesiado’ e Berlim fecha a história.Folha de Londrina, 4 ago. 2010. Folha Cidades, p.1.

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Monções: o hotel da“capital do café”

André Dantas *

* Graduado em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).E-mail: [email protected]

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“Inaugura-se hoje o luxuoso e moderno Monções Hotel.” Foi com essamanchete que a Folha de Londrina de 9 de maio de 1953 noticiou a aberturadaquele que, por muitos anos, foi considerado um dos melhores hotéis da cidade.O Monções era o preferido dos grandes cafeicultores que, à época, compareciamao seu salão para negociar suas safras; era parada obrigatória dos boêmios, quesaboreavam a “melhor caipirinha de Londrina” em seu bar; e, também, era pontode encontro dos comerciantes, que acorriam ao norte paranaense em busca denegócios (Figura 1). Nos mais de 30 anos em que ofereceu seus serviços, ohotel foi responsável, ainda que indiretamente, por parte da fama da “capital docafé”. Abrigou artistas, esportistas, empresários e negociantes de outros estados.Enfim, “assistiu de camarote” ao crescimento vertiginoso da cidade – cujodesenvolvimento e modernização, infelizmente, ele próprio não acompanhou,sendo obrigado a fechar suas portas.

Figura 1 – O Monções Hotel, edifício imponente, construído ao lado do Cine Ouro Verde e do edifícioAutolon, em frente à Praça Willie Davids, no centro de Londrina

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

MONÇÕES: O HOTEL DA “CAPITAL DO CAFÉ”

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O fundador do hotel foi Immo Vicentini, imigrante italiano naturalizadobrasileiro. Comerciante de arroz em Ribeirão Preto (SP), mudou-se para Londrinaem 1942, atraído pelo desenvolvimento econômico da região e pelo convite docomendador Julio Fuganti. Acompanhado por sua esposa Matilde e pelos filhosNelson e Walter, Immo se estabeleceu na Fazenda Palmital – à margem doriacho Couro de Boi, divisa entre Londrina e Sertanópolis (PR). De início, afamília dedicou-se ao plantio de café, impulsionador da economia do norte doParaná na época.

Além de Nelson e Walter, Immo e Matilde tinham mais três filhos: Dorival,Antônio e Nair. Dorival estava a serviço do Exército Brasileiro no QuartelGeneral da 2ª Região Militar e juntou-se à família, em Londrina, somente em1945, depois da desmobilização das Forças Armadas por conta do encerramentoda Segunda Guerra Mundial. Antonio era interventor do Banco Francês-Italianopara a América do Sul em Araraquara (SP) e veio à “capital do café” no esteiode uma transferência para o Banco Brasileiro para a América do Sul (Brasul),onde passou a ocupar o cargo de gerente. Dos filhos do imigrante italiano, aúnica que não veio morar em Londrina foi Nair, que permaneceu em Ituverava(SP) com o marido.

Em 1946, a família Vicentini adquiriu uma fazenda na localidade deTaquara do Reino, às margens do Rio Tibagi, no município de Ibiporã (PR).Nessa região também foi instalado um porto de areia, e a família passou a forneceresse mineral para a crescente indústria da construção civil no norte do Paraná.Com o início dessas atividades, foi fundada a Irmãos Vicentini Ltda. que, maistarde, adotaria o nome de Monções Agro Industrial Ltda. – uma homenagem àsexpedições colonizadoras dos bandeirantes paulistas1. A empresa era compostapelos irmãos Nelson, Dorival, Antonio e Walter.

O acelerado crescimento da região e a consequente afluência de viajantesinteressados em fazer comércio inspiraram o patriarca Immo a investir no ramohoteleiro – já que, na época, os estabelecimentos desse tipo ainda eraminsuficientes para atender a crescente e cada vez mais exigente demanda pelos

1 Monções eram expedições fluviais paulistas que partiam com destino às áreas de mineração em Mato Grosso,com a finalidade de abastecê-las. As canoas levavam mantimentos, ferramentas, armas, munições, tecidos,instrumentos agrícolas e outras mercadorias para serem comercializadas nos povoados, arraiais e vilas do interior.Na volta, traziam principalmente ouro e peles de animais.

ANDRÉ DANTAS

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serviços de hotelaria. Para tanto, a família vendeu a Fazenda Palmital, paragerar o capital necessário para a construção do edifício Vicentini, localizado naRua Maranhão, número 65, em frente à Praça Willie Davids. Projetado pelaConstrutora David Primo Lattes, a obra foi iniciada em 1949 e concluída em1953. Além do Monções Hotel, inaugurado neste mesmo ano, o prédio tambémpassou a abrigar o Banco Brasul em seu andar térreo (Figura 2).

Figura 2 – O Monções ficava em uma área de comércio efervescente emuitas casas bancárias. Na esquina da Avenida Rio de Janeiro com a

Rua Maranhão ficava a agência do Banestado (hoje Banco Itaú)

Fotografia: Yutaka Yasunaka (Foto Estrela)Fonte: Acervo do Museu Histórico de Londrina Padre Carlos Weiss

A inauguração do hotel não ficou sem “estardalhaço”. A Folha deLondrina o chamou de “novo marco de progresso”, destacando sua elegânciae louvando-o como “uma dessas obras que imortalizam o nome dos seusfundadores por se tratar de um patrimônio urbanístico e arquitetônico, deexcepcional valia para o aspecto funcional da cidade”. A solenidade, segundoo jornal, contou com a presença de inúmeras autoridades de Londrina e doParaná, bem como financistas de São Paulo e do Rio de Janeiro.

O estado impecável em que se encontravam as instalações do Monções nodia de sua inauguração, de acordo com a descrição da Folha de Londrina, demandouhoras de trabalho exaustivo de várias pessoas – dentre eles, um jovem de 20

MONÇÕES: O HOTEL DA “CAPITAL DO CAFÉ”

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anos, chamado Benedito Felício. Ele e mais quatro homens ficaram responsáveispela limpeza do piso dos oito andares do edifício Vicentini. “A gente pisavanuma palha de aço e ia andando e lixando o piso todinho. Era quase como umsamba no pé”, sorri Benedito2, relembrando os oito dias que ele e seuscompanheiros demoraram para realizar o serviço. “Na época não tinha essasenceradeiras não, era tudo na raça mesmo”, lembra.

A trajetória de Benedito Felício se mistura com a do próprio hotel. Oriundoda cidade de Batatais (SP), ele veio a Londrina ainda jovem, para trabalhar naFazenda Palmital. Em 1949, passou a fazer a limpeza do terreno onde seriaedificado o Monções. Com o fim das obras, foi chamado por Nelson Vicentinipara trabalhar no hotel, passando a exercer a função de ascensorista no turno danoite, que ia da 00h00 às 08h00 da manhã. Benedito foi aos poucos diversificandoseus serviços, tornando-se, com o passar dos anos, uma espécie de “faz-tudo”.

As dificuldades dos primeiros anos estão guardadas na memória. A faltade infraestrutura da cidade que, naquela época, ainda não contabilizava nem 20anos, gerava alguns transtornos para os empregados e hóspedes do hotel. Ofornecimento de energia, por exemplo, era precário e instável. “Era só dar umtrovãozinho e pronto, acabava a luz”, conta Benedito. Por conta disso, no começodos anos 50, os Vicentini instalaram um gerador a óleo diesel, que era ligadosempre que o tempo “ameaçava chuva”.

A chuva causava tantos transtornos que era comum que alguns hóspedes,principalmente os representantes comerciais, pedissem aos funcionários que osacordassem em determinado horário – mas sempre com uma ressalva. “Elesescreviam no bilhete o horário que queriam que a gente chamasse, e embaixoescreviam assim: menos se estiver chovendo, aí pode me deixar dormir”, afirmaBenedito. As estradas de terra da região, ainda precárias, tornavam-seintransitáveis quando chovia.

Outro problema era a falta de calçamento na maior parte das ruas –causando “dores de cabeça” para os funcionários do turno da noite. Naqueletempo, a famosa zona do meretrício movimentava Londrina: “Alguns freguesesiam para a zona e voltavam com os sapatos cheios de barro, e a gente tinha que

2 Esta e as demais citações de Benedito Felício neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmentea André Dantas, dia 30 de outubro de 2009, na residência do entrevistado.

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ir atrás passando pano no chão”, conta Benedito. Uma das soluções encontradaspelos funcionários foi, em dias de chuva, colocar pó de serra na entrada dohotel, ao lado de um capacho para que os fregueses limpassem ali os resquíciosdas “perambulações noturnas”.

Alguns hóspedes mergulhavam “de cabeça” na vida boêmia. Um delesficou famoso – pelo menos para Abelardo Barbosa3, ex-funcionário do Monções,que trabalhou lá de 1955 a 1972. Ele se lembra do representante de umafirma de pneus que alugava um quarto apenas para “guardar a roupa, tomarbanho e ter a nota fiscal para apresentar para a empresa, porque vivia nazona”, diverte-se.

Desde o começo, o hotel foi ponto de encontro de cafeicultores da região,que o usavam para reuniões de negócios. Segundo Carlos Umberto Vicentini4,neto de Immo, a presença constante de seu avô, que morava em um dos 12apartamentos do hotel, funcionava como um atrativo para os fazendeiros. “Meuavô era uma espécie de conselheiro dos fazendeiros, por isso eles iam muito láfalar com ele”, relata. Sempre elegante, de terno e gravata, o Sr. Immo nãotomava parte dos negócios do hotel, mas funcionava como um “talismã” –atraindo hóspedes em potencial com seu tino e sabedoria. Benedito Felíciotambém descreve o antigo patrão como um homem culto que, apesar de nãopossuir educação formal, gostava muito de ler.

Nelson e Dorival Vicentini administravam o Monções, sendo responsáveis,respectivamente, pela gerência e pela contabilidade. A morte de Walter, um dosquatro filhos homens de Immo, consolidou essa situação, pois, em um acordofeito com sua viúva, a parte de Walter na empresa foi cedida aos irmãos.

A fama do hotel entre os cafeicultores era tão grande que até o condeFrancisco Matarazzo, um dos maiores empresários do país na época, se hospedouno Monções quando desembarcou na cidade para tratar de negócios. Matarazzotinha uma fazenda de café em Colorado (PR) e, durante uma visita à região,escolheu o estabelecimento dos Vicentini para se hospedar, juntamente comsua comitiva. Antes, porém, enviou um representante, Amadeo Vitta, para tratar

3 Esta e as demais citações de Abelardo Barbosa neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmentea André Dantas, dia 29 de outubro de 2009, na residência do entrevistado.4 Esta e as demais citações de Carlos Umberto Vicentini neste texto foram obtidas em entrevista concedidapessoalmente a André Dantas, dia 25 de outubro de 2009, na residência do entrevistado.

MONÇÕES: O HOTEL DA “CAPITAL DO CAFÉ”

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da reforma dos dois apartamentos que iriam abrigá-los. Abelardo Barbosa relataque, nesses tempos, “corria dinheiro” em Londrina por conta da presençaconstante de comerciantes de Santos e do Rio de Janeiro, e de fazendeiros deMinas Gerais e São Paulo.

O café era responsável pelo acúmulo de fortunas – mas, muitas vezes,efêmeras. Foram muitos os fazendeiros que faliram, vítimas do maior pesadelodo cafeicultor da época: a geada. Abelardo recorda-se de uma anedota que resumebem o sentimento corrente entre os fazendeiros em relação às intempéries queameaçavam suas safras. Na porta do Monções havia um termômetro que informavaa temperatura para os transeuntes e, também, para as pessoas que ligavam semparar para a portaria do hotel em busca de informações climáticas. “Num diameio frio, tinha três fazendeiros reunidos na porta, preocupados com o tempo,conferindo o termômetro”, conta Abelardo. “No que eles foram para o CaféOuro Verde, alguém do hotel pegou uma pedra de gelo e colocou notermômetro, e a temperatura baixou uns 4 graus”. Quando os três voltaram,ficaram boquiabertos com a queda brusca e entreolharam-se – o medo dageada já estampado em suas expressões de desalento. Assistindo à cena,Abelardo e os outros funcionários responsáveis pela brincadeira riram e sedivertiram. “Um deles ficava pondo e tirando os óculos, desesperado, olhandopro termômetro”, conta, alheio ao fato de que a peça pregada provavelmentecustou aos fazendeiros algumas noites mal-dormidas.

Benedito Felício e Abelardo Barbosa eram dois integrantes daquelaque ficaria conhecida como “a melhor portaria do Paraná”, segundo CarlosUmberto Vicentini. Prestativos e eficientes, os funcionários do Monções deramfama ao hotel. A relação com os clientes era tão harmoniosa que Benedito,à época do nascimento de sua segunda filha, foi presenteado com 1.900cruzeiros arrecadados entre os hóspedes. “Dito”, como era conhecido, era“querido” por sua eficiência e, também, por sua personalidade extrovertidae brincalhona. Certa feita, resolveu pregar uma peça na cozinheira.Aproveitando-se de sua condição de funcionário do turno da noite, entroudespercebido na cozinha e, um a um, fez pequenos furos em todos os ovosda geladeira e bebeu seu conteúdo para, depois, recolocá-los em seu lugaroriginal. “No outro dia, quando ela foi fritar os ovos, ficou louca da vidaquando viu que não tinha nada dentro da casca.” Sua reputação, porém, o

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precedia e, sem demora, foi chamado à presença de Dorival Vicentini, gerentedo hotel. “Eu lembro que fiquei bravo”, afirma Benedito, “tá bom, fui eu,mas como é que o povo sabia, se eu tinha ido lá escondido à noite e ninguémtinha visto?”

As reprimendas aos funcionários, embora necessárias em muitos casos,eram esporádicas e administradas de tal forma que não comprometiam aboa relação com os proprietários. No geral, reinava um ambiente tranquilo edescontraído nos corredores do hotel – paz quebrada somente de vez emquando pelos arroubos de mau-humor de Nelson Vicentini. “Quando elepassava, a gente falava ‘o leão’ chegou”, afirma Benedito. Apesar disso, elefala do ex-patrão com carinho: “Ele só ficava bravo na hora, depois queacalmava vinha conversar e brincava conosco.” Na hora do almoço, o climade descontração entre os funcionários e os proprietários aflorava. “Dito”conta que, durante as refeições, eles se reuniam para contar as aventuras danoite anterior. No Monções “ganha-se pouco, mas se diverte”, definia um dosantigos funcionários da lavanderia do hotel.

Abelardo Barbosa reforça essa ideia, afirmando que “tinha tanto amorpelo lugar que dava impressão que ele era meu”. Durante os 17 anos em quelá trabalhou, nunca tirou férias “por falta de dinheiro para passear”. OsVicentini nunca atrasaram um pagamento e sua honestidade era retribuídapelos funcionários e hóspedes – que, muitas vezes, recorriam ao bom e velho“fiado” para pagarem suas dívidas. De acordo com Carlos Vicentini, um dosprincipais fatores que contribuíram para o sucesso do hotel foi, além daportaria eficiente, a boa-vontade dos proprietários com os hóspedes na horada cobrança.

Embora não fosse considerado de luxo, o Monções era adequado paraos padrões da época, possuindo uma suíte ocupada por Immo Vicentini, 12apartamentos (sendo oito duplos) e 82 quartos. Os apartamentos, que tinhamem média 30,00m², contavam com sala e banheiro privativo. Já os quartos,que variavam entre 9,00m² e 14,00m², não possuíam banheiro – estes ficavamdistribuídos pelos corredores, na proporção de um para cada dez ou 12quartos.

O restaurante, com cerca de 80,00m² e com 12 mesas, ficava no térreo.O hotel servia uma única refeição diária – o café da manhã. Outros tipos de

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lanches podiam ser requisitados pelos hóspedes, como a famosa caipirinha,conhecida como a melhor da cidade. “Sábado e domingo o movimento nobar era tão grande que não tinha nem lugar para sentar”, conta CarlosVicentini. Na cozinha, a especialidade era o mexido, que levava ovos, queijo,presunto, alface e tomate. O hotel também contava com uma equipe defuncionários alocados nas estações rodoviária e ferroviária, à espera deviajantes em busca de hospedagem. Os que optavam pelo Monções, eramtransportados ao hotel em charretes.

No último andar do edifício, havia um salão que era muito utilizado porcafeicultores e outros comerciantes para reuniões de negócios. Médicos da cidadetambém se encontravam ali periodicamente para reuniões formais e festivas daAssociação Médica de Londrina (AML). O hotel também foi, por algum tempo,o local de concentração dos jogadores do Londrina Esporte Clube antes daspartidas. A lista de hóspedes ilustres do hotel inclui o cantor Nelson Gonçalves,o sambista Jamelão, a cantora Elza Soares e o dono da cadeia de jornais DiáriosAssociados, Assis Chateaubriand.

Figura 3 – Os médicos de Londrina tinham o costume de se reunir no salão do Monções Hotel

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo de Luiz Alberto Vicentini Filho

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Figura 4 – Entre as atividades dos médicos no Monções estavam os “bolos esportivos”.Na fotografia, os participantes, com os lances anotados no quadro, escutavampelo rádio o jogo da final da Copa do Mundo de 1958, entre Brasil e Suécia

Figura 5 – Médicos comemoram o resultado da final da Copa do Mundo de 1958,quando o Brasil sagrou-se campeão. Alguns dos participantes do “bolo esportivo”apresentavam o score do jogo com as mãos: cinco para o Brasil, dois para a Suécia

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo de Luiz Alberto Vicentini Filho

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo de Luiz Alberto Vicentini Filho

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O Monções, aliás, sempre teve uma relação próxima com o esporte. Alémde reunir pessoas para torcer pela seleção brasileira em suas dependências, ohotel também hospedou boa parte dos jogadores do Londrina Esporte Clube,na década de 70, quando ocorreu a inauguração do Estádio do Café e o timecomeçou a disputar o Campeonato Nacional, realizando uma brilhante campanhaem 1977. Carlos Alberto Garcia e Marco Antônio, as duas mais brilhantes estrelasdaquele time, “moravam” no hotel.

Do ponto de vista comercial, segundo Carlos Vicentini, a trajetória doMonções foi “tranquila”. A administração nunca saiu das mãos de sua família ehóspedes fiéis sempre garantiram ocupação satisfatória ao longo dos anos. Porém,o aumento da concorrência e sua defasagem em relação a estabelecimentosmais novos provocaram uma sensível diminuição do movimento. A falta demodernização das instalações físicas, somada à deterioração das partes elétricae hidráulica, fez cair o status de “luxo” do hotel.

O golpe final veio com a construção do Calçadão, na década de 70, quedificultou o acesso de carros. O aumento do número de furtos de veículos, queficavam estacionados nas cercanias do hotel, gerou demandas por hotéis maisseguros para os hóspedes e seus veículos. Os Vicentini optaram por um convêniocom a Viação Garcia, proprietária de um terreno na Rua Maranhão (onde hojeestá instalado o Royal Plaza Shopping) para garantir estacionamento para oshóspedes. O esforço, porém, não atingiu os resultados esperados e o movimentocontinuou caindo. Com isso, funcionários foram demitidos.

A pouca rentabilidade forçou os proprietários a fecharem as portas dohotel no dia 24 de dezembro de 1983 – transferindo parte dos funcionários parao Hotel Coroados, também da família Vicentini. Todos os móveis foram vendidose, em 1990, o prédio também passou a ter novos proprietários. O Monções Hotelfoi mais uma vítima inexorável da marcha do tempo. Porém, independente deseu triste final, será sempre lembrado como um símbolo do desenvolvimento deLondrina.

Referências

INAUGURA-SE hoje o luxuoso e moderno Monções Hotel. Folha deLondrina, Londrina, 9 maio 1953.

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Fotografia e Memória: 77 anosda história do Hotel Rolândia

contada em imagens 1

Cássia Maria Popolin *Rosana Reineri Unfried **

1 Este texto, com algumas adequações, foi apresentado no VII Encontro Nacional de História da Mídia, realizadoem Fortaleza (Ceará), de 19 a 21 de agosto de 2009.* Graduada em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo e Mestre em Comunicação pela UniversidadeEstadual de Londrina (UEL). Professora de Fotografia nas Faculdades Adamantinenses Integradas (FAI). E-mail:[email protected]** Graduanda em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).Pesquisadora de Iniciação Científica do Grupo de Pesquisa Comunicação e História, do CNPq – ConselhoNacional de Desenvolvimento Científico. Co-autora do livro Memórias fotográficas: a fotografia e fragmentos da históriade Londrina. E-mail: [email protected]

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Rolândia, município norte paranaense, foi idealizado pela Companhia deTerras Norte do Paraná (CTNP) – empreendimento imobiliário de capital inglês,responsável pela colonização de boa parte da região. Em 1932, a colonizadoradeu início à venda de lotes rurais, tendo os imigrantes japoneses como principaiscompradores e, em 1934, passou a negociar lotes urbanos, popularmenteconhecidos como “datas”. Elmar Kirschnich foi o primeiro a se arriscar nessanova empreitada, adquirindo um pedaço de terra em 18 de junho de 1934. O“pioneirismo” de Elmar foi logo acompanhado por outros empreendedores, quetambém se interessaram e investiram na região.

Entre esses investidores, estava o russo Eugênio Victor Larionoff,funcionário do escritório da CTNP em Londrina. Percebendo o potencial decrescimento da área, Larionoff foi o responsável pela primeira construção emperímetro urbano: o Hotel Rolândia. A data de início da obra, 29 de junho de1934, é comemorada, inclusive, como a de aniversário da cidade – demarcandoa importância do estabelecimento para seu desenvolvimento.

De fato, o hotel foi o começo de inúmeras edificações que se sucederiam,transformando, em pouco tempo, o que era para ser um pequeno patrimônio emuma vila próspera. Em um diário, escrito pelo próprio Larionoff em 1984 (ehoje parte do acervo do Museu Histórico de Rolândia) é possível acompanhar atrajetória do empreendimento, descrita em texto e imagens por seu idealizador(Figura 1).

Figura 1 – Diário de Eugênio Victor Larionoff, escrito em junho de 1984.Em suas páginas, ele narra a história do Hotel Rolândia

Fotografia: Reprodução fotográfica de Cássia Maria PopolinFonte: Acervo do Museu Histórico de Rolândia

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O russo conta que a ideia de construir o hotel veio de repente – surgidaem um dos muitos momentos “exóticos” que marcaram sua vida:

Foi num cemitério. Este, porém, pertencia à então humilde povoaçãode Londrina, durante o enterro de uma senhora ligada à Cia. de TerrasNorte do Paraná, em abril de 1934. Neste dia, o tempo esteve tãoesplêndido, com um céu tão límpido e azul, o ar tão puro e tanta luzsolar cintilante e faiscando pelo mundo verde em que vivia, que nãoconsegui concentrar-me na cerimônia fúnebre. A imagemresplandecente e alegre da natureza inundava minha alma toda. [...]De súbito, lembrei-me da informação recebida há poucos dias quelogo seria aberta uma clareira, distante uns 21 quilômetros de Londrina,na qual seria fundada pela Cia. a sua terceira cidade. Irei construir alialgo notável para aquela época, disse a mim mesmo: um hotel.(LARIONOFF, 1984)1.

Para evitar especulações, a CTNP não permitia que seus funcionárioscomprassem lotes de terra. Esse foi o primeiro empecilho que Larionoff teveque enfrentar para conseguir realizar seu sonho. Decidido, na manhã seguintefoi conversar com Mr. Arthur Thomas, diretor da companhia, que não só abriuuma exceção ao colega, como apoiou o projeto por reconhecer que um hotelseria de grande utilidade – uma infraestrutura necessária para receber ehospedar os possíveis interessados em conhecer a nova localidade e comprarsuas terras.

Para as futuras instalações do hotel, adquiriu, com recursos próprios, trêspequenos lotes de terra no dia 20 de junho de 1934, na atual Avenida PresidenteGetúlio Vargas.

Logo a planta do hotel estava pronta. A fachada e a disposição internaforam idealizadas por mim, ao passo que a preparação técnica coubeao nosso engenheiro Dr. Ernesto Rosenberger, filho do proprietáriodo Hotel Luxemburgo, de Londrina, bem como foi assinado o contratode empreitada com os dois carpinteiros alemães. E assim, no dia 29de junho de 1934 foi começada a primeira edificação na futura cidadede Rolândia: o meu hotel. (LARIONOFF, 1984).

1 Todas as falas atribuídas a Eugênio Victor Larionoff neste texto foram retiradas das páginas de seu diário,durante pesquisas documentais realizadas por Cássia Maria Popolin no Museu Histórico de Rolândia, em 2009.

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Construindo história

Como pontua Boris Kossoy (2001, p.45), toda fotografia tem atrás de siuma história que pode e deve ser utilizada como fonte histórica. Recuperar asimagens do Hotel Rolândia, primeira construção da cidade, desde seu alicerceaté 2011 (quando foi demolido, 77 anos após sua fundação), é percorrer umcaminho no qual passado e presente convergem. É reconstruir, por meio dafotografia, a própria história do município. Em agosto de 1934, apesar de todosos percalços, a construção do hotel começava a se destacar no meio da matavirgem – suas paredes eram o único sinal da presença humana naquele local(Figura 2).

Às vezes dava um passeio pela área da futura cidade de Rolândia, quenão passava de alguns alqueires. A mata silenciosa era como umacortina verde que cercava toda a área destinada para a cidade. Nessesmeus passeios o mundo exterior parecia muito longe e eu sentia-meinteiramente afastado dele. Para me compensar dessa solidão tinha‘amigos’ que muito admirava, pois nunca os vira antes nem durantea construção da estrada de ferro de Cambará até Jataí e nem emLondrina no seu primórdio. Eram os tucanos. Eles me fascinavam.(LARIONOFF, 1984).

Durante os três meses da obra, Larionoff contou com a permissão de Mr.Arthur Thomas para usar o carro e o caminhão da Companhia de Terras Nortedo Paraná para transportar os materiais necessários para a construção.

Segundo o russo relata, era enorme a dificuldade na encomenda etransporte da madeira comprada na única serraria, localizada em Nova Dantzig(hoje Cambé) de propriedade de Amadeo Baggio Merlo e Carlos de Almeida.“Apesar da boa vontade desses dois sócios, meus bons amigos, não era possívelevitar o atraso. E isso irritava os dois carpinteiros alemães, que não conseguiamconcluir a obra. E de fato, a construção passou um mês além da previsão.”(LARIONOFF, 1984). Mas, apesar de tudo, o empreendedor se sentia realizadoem ser o primeiro a construir um empreendimento que daria início a umacidade.

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“Tudo isto era tão empolgante que apesar de trabalhar muito duranteos três meses da construção do meu hotel nunca me senti tão feliz e comtanta saúde”, escreveu Larionoff em seu diário. Estar no meio da florestaera revigorante para ele. E isso o fazia valorizar ainda mais a naturezaexuberante que o cercava. Para quem passou a infância na longínqua e geladaSibéria, de natureza austera, e viveu anos no árido deserto à beira do Canalde Suez, no Egito, em um acampamento de cadetes do exército imperialrusso, o ambiente e o clima tropical do norte do Paraná eram, para ele, umverdadeiro “paraíso”.

Larionoff trabalhava arduamente dia e noite. “Volta e meia ia pelamanhã à Rolândia, por ser este o período do dia em que os compradores dasterras, acompanhados por agentes, embrenhavam-se na mata a fim de escolher

Figura 2 – Construção do Hotel Rolândia, agosto de 1934

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu Histórico de Rolândia

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seus lotes.” (LARIONOFF, 1984). Na figura 3, com o prédio do hotel já emfase final de construção, o russo (em pé, no chão, calçando botas pretas decano alto) mostra as futuras instalações a uma família de alemães, interessadaem adquirir terras na região. À noite, voltava à Londrina para fechar a compra.Sua presença era imprescindível, pois era responsável por lavrar o contratode compromisso de venda e compra, emitir as notas promissórias, receber aprimeira parcela e preencher o recibo. Na época ainda não havia casasbancárias na região e, na falta de um banco, o dinheiro era guardado nocofre da CTNP. Depois o dinheiro era enviado, por trem, até a cidade deOurinhos, no interior do estado de São Paulo.

Figura 3 – Larionoff, aos 28 anos (no chão, de botas pretas), recebe uma família de alemãesvinda de São Paulo, interessada na compra de terras (setembro de 1934)

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu Histórico de Rolândia

No final de setembro, as obras do Hotel Rolândia estavam terminadas eoutras edificações já haviam sido iniciadas. No dia 1º de outubro de 1934, deu-se a inauguração oficial do estabelecimento, comemorada com um farto almoço.Estiveram presentes Mr. Arthur Thomas e Willie Davis (diretores da Companhiade Terras, devidamente acompanhados de suas esposas), George Craig Smith,

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Luiz Estrella, Dino Schneider e Carlos de Almeida (funcionários da CTNP),Amadeo Baggio Merlo (dono da serraria que forneceu a madeira para aconstrução), os dois construtores alemães e outros convidados.

Neste dia tão memorável para mim, hasteei à direita a bandeirabrasileira que para mim significava o carinhoso acolhimento que recebiem minha nova pátria, e à esquerda a bandeira tricolor do ImpérioRusso – a bandeira dos Czares confeccionada para mim por umamulher russa, de Londrina. A previsão constantemente repetida peloscarpinteiros alemães que o hotel tão bem construído por eles durariacinqüenta anos cumpriu-se inteiramente. (LARIONOFF, 1984).

Apesar de a solenidade de inauguração ter acontecido no início de outubro,o hotel só entrou em pleno funcionamento no mês seguinte, em novembro, coma chegada dos primeiros hóspedes (Figura 4), o que alavancou o progresso domunicípio (Figura 5).

Figura 4 – Grupo de alemães, acompanhado por um padre, em visita ao Hotel Rolândia, onde foirecebido por Larionoff (primeiro à direita, de paletó), no dia 11 de novembro de 1934

Fotografia: José Juliani (Photo Studio)Fonte: Acervo do Museu Histórico de Rolândia

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Quando o Hotel Rolândia comemorou cinquenta anos do início de suaconstrução, em 1984, uma comissão de vereadores, liderada por Antonio deOliveira Muller, Nikolaus Shauff e Manoel Flores Segura, propôs a alteração dadata do aniversário de Rolândia de 27 de novembro para 29 de junho, dia doinício da construção do hotel. Segundo a historiadora Cláudia Schwengber (2003,p.255), a cidade já comemorou seu aniversário em quatro momentos diferentes.

No início comemorava-se no dia 28 de janeiro, data em que aconteceua instalação do município. Em 1962, sem nenhum fato histórico, aCâmara de Vereadores altera a data para 27 de novembro. Em 1974 oprefeito Orlandino de Almeida volta a comemoração para 28 de janeiro.Após curto período, volta para 27 de novembro. Em 1984, o prefeitoEurides Moura, através da lei 1596, aprovou decisão da CâmaraMunicipal instituindo o dia 29 de junho de 1934 como a data dafundação da cidade de Rolândia.

Figura 5 – O início de Rolândia deu-se na Avenida Getúlio Vargas. Na fotografia, tomada dia 12 dejaneiro de 1935, vêem-se as primeiras construções: padaria do Max Dietz, Hotel Rolândia, Hotel Estrela

(em construção) e o escritório da Companhia de Terras Norte do Paraná

Fotografia: José Juliani (Photo Studio)Fonte: Acervo do Museu Histórico de Rolândia

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Com a aprovação do prefeito municipal, a Câmara de Vereadores convidouEugênio Larionoff para participar das comemorações alusivas ao 50º aniversárioda cidade e receber o título de Cidadão Honorário de Rolândia. Foi por contadeste convite, da alteração da data de comemoração do aniversário da cidade eda homenagem que receberia, que o russo escreveu um diário e o doou ao museuhistórico do município.

História abaixo, 77 anos depois

De acordo com Kossoy (2007, p.156), “fotografia é memória e comela se confunde. É uma fonte inesgotável de informação e emoção. Memóriavisual do mundo físico e natural, da vida individual e social”. Recuperar eatualizar a história imagética do Hotel Rolândia é possibilitar o estudocomparativo entre as duas histórias latentes: a do passado distante e a dopresente recente.

Além de o hotel ter cumprido sua função inicial, que era receber eacomodar os futuros compradores de terras da CTNP, o jornalista Lucius deMello (2007, p.205-206), autor do livro A travessia da terra vermelha: uma saga dosrefugiados judeus no Brasil diz que:

Além de servir aos encontros clandestinos e aos viajantes, os hotéisEstrela e Rolândia também eram locados pelas famílias quemoravam na zona rural para tratamento médico. [...] era muitocomum, por exemplo, os maridos hospedarem suas mulheresgrávidas uma, duas semanas antes do parto, para que não corressemnenhum risco e pudessem ter a assistência ou da parteira [...] ou deum médico. Muitas crianças nasceram dentro desses hotéis. Osquartos também eram alugados para um simples banho no casode as mulheres chegarem muito sujas de poeira das fazendas eterem de passar o dia todo na vila, fazendo visitas ou compras, ouainda à espera do trem que fosse levá-las a São Paulo, no caso deuma viagem mais longa.

A família Pereira foi a última proprietária do Hotel Rolândia e o administroupor mais de 40 anos, de 1967 a 2011. Nos últimos tempos, Maria Júlia e sua

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mãe, Irene, permaneceram à frente do negócio. O patriarca, Francisco, faleceuem setembro de 1983, sem presenciar o ato de reconhecimento histórico doestabelecimento.

Revendo os álbuns da família, Maria Júlia2 lembra da época em que omovimento de hóspedes era intenso, das festas do seu casamento (Figura 6) edo de seus irmãos, e, principalmente, dos artistas que se hospedaram no hotel.“Na década de 70, tivemos bons momentos. Muitas reservas, artistas como LéoCanhoto e Robertinho ficaram hospedados aqui. Hoje [em 2009, quandoconcedeu entrevista], a situação é bem diferente, o movimento é pequeno,atendemos mais viajantes e oferecemos só a pernoite.” A família Pereira fezpequenas reformas no hotel (Figura 7), mas sua decadência tornava-se, a cadadia, mais visível.

Figura 6 – Casamento de Maria Júlia, em 5 de novembro de 1977. À esquerda, Francisco Ramos Pereirae Irene Maria Monteiro Pereira, seus pais e proprietários do hotel. Todos os sete filhos do casal

realizaram a festa de casamento no Hotel Rolândia

Fotografia: João UssoFonte: Acervo de Maria Júlia Pereira

2 Esta e as demais citações de Maria Júlia Pereira neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoamentea Cássia Maria Popolin, no Hotel Rolândia, em 17 de março de 2009.

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Em março de 2009, além desta fotografia (Figura 7), foram tomadasoutras imagens do hotel (Figuras 8, 9, 10 e 11) por ocasião das pesquisas paraeste livro, posteriormente convertidas para o preto e branco. Com isso, aintenção era remeter o leitor ao passado, às primeiras imagens doestabelecimento. Em seus 77 anos de existência, pouca coisa mudou. O HotelRolândia passou por poucas alterações estruturais e por uma pequena ampliaçãoao longo de sua história – conservando, assim, suas características originais.Mesmo em seus últimos e “agonizantes” dias, a história continuava impregnadaem cada detalhe: nas mesmas paredes de madeira que Larionoff avistava delonge em meio à mata; na mobília; e no fogão à lenha que insistia em fazeralusão aos “tempos áureos” de sua cozinha. Hoje, o silêncio da imagemfotográfica se mistura ao silêncio das lembranças, de um tempo que não voltamais e que virou história.

Figura 7 – O hotel passou por algumas reformas. Em uma delas foi fechada a porta da lateral, presentena construção original. A diferença pode ser notada em comparação com a figura 4

Fotografia: Cássia Popolin (17 de março de 2009)Fonte: Acervo pessoal de Cássia Popolin

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Figura 8 – Recepção do Hotel Rolândia (imagem tomada em 2009)

Figura 9 – Sala de jantar. Segundo Álvaro Pesenti (s/d, p.132), o Hotel Rolândia foi palco de showsexclusivos de Silvio Caldas e Vicente Celestino, com plateias seletas que não passavam de 50 pessoas

Fotografia: Cássia Popolin (17 de março de 2009)Fonte: Acervo pessoal de Cássia Popolin

Fotografia: Cássia Popolin (17 de março de 2009)Fonte: Acervo pessoal de Cássia Popolin

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Figura 10 – Em 2009, os 18 quartos ainda operantes do hotel mantinham a mobília e apia originais de quando o estabelecimento iniciou suas atividades, na década de 30

Fotografia: Cássia Popolin (17 de março de 2009)Fonte: Acervo pessoal de Cássia Popolin

Figura 11 – Banheiros nos corredores do empreendimento: o do lado esquerdo era só para o banho

Fotografia: Cássia Popolin (17 de março de 2009)Fonte: Acervo pessoal de Cássia Popolin

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Pelas fotografias do diário de Larionoff e do álbum de família de MariaJúlia Pereira constata-se a ação inexorável do tempo e as marcas por ele deixadas– ora traduzidas em emoções, ora em histórias.

O fim do RolândiaFoi justamente a falta de manutenção das instalações do Hotel Rolândia

que fez com que o número de hóspedes diminuísse. Nos últimos anos,segundo publicação do jornal Gazeta do Povo de fevereiro de 2011, o hotelrecebia poucos hóspedes e somente alguns mensalistas viviam lá. Além disso,sua aparência antiga afastava novos clientes.

Como o Rolândia havia deixado de dar lucro, não restou alternativaaos proprietários senão vender o terreno onde estava construído,aproveitando a valorização imobiliária. Um dos herdeiros do hotel, oadvogado Pedro Pereira, disse, em entrevista à Gazeta de Maringá de 1° defevereiro de 2011, que o terreno havia sido vendido a investidores da regiãode Londrina, que pretendiam construir dois prédios residenciais no local.Segundo ele, foi feita uma proposta de venda do terreno à PrefeituraMunicipal de Rolândia a fim de se preservar a identidade histórica da cidade,no entanto, a prefeitura alegou não ter condições de pagar os R$ 2 milhõespedidos pelos proprietários. Com isso, o mais importante edifício histórico deRolândia foi vendido a investidores que o demoliram sem constrangimentos(Figura 12). A madeira – peroba rosa – foi vendida para um depósito dacidade.

O governo municipal conseguiu reaver, pelo menos, um “pedaço” dahistória do estabelecimento quando adquiriu parte dessa madeira. A intençãoera remontar a fachada em um terreno próximo à estação ferroviária e abri-lo à visitação pública, transformando-o em um museu. De acordo compublicação do jornal O Diário, de 31 de janeiro de 2011, essa aquisição eobra fariam parte de um projeto de revitalização do centro da cidade, com aconstrução do Centro Histórico do Município de Rolândia. O centro contariacom a edificação de um museu, um espaço reservado ao artista rolandense

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de reconhecimento internacional, Elifas Andreato, e a montagem da fachadahistórica do hotel.

Figura 12 – Imagem da demolição do Hotel Rolândia em 2011

Fotografia: José Carlos Farina (2011)Fonte: Acervo pessoal de José Carlos Farina

Recentemente, em 8 de fevereiro de 2013, em entrevista ao jornalManchete do Povo, Marco Antônio Neves Soares, professor doutor doDepartamento de História da Universidade Estadual de Londrina (UEL) ecoordenador do Centro de Documentação e Pesquisa Histórica (CDPH) damesma instituição, disse que, em sua opinião, o Hotel Rolândia jamais poderáser remontado. Segundo ele, suas instalações foram demolidas e nãodesmontadas – pois não houve o acompanhamento de um profissionalespecializado em conservação histórica orientando a retirada correta dospregos, a numeração das peças, a embalagem e armazenamento em conjuntospara facilitar no processo de reconstrução. Soares explica que a UELdisponibiliza desse tipo de acompanhamento, mas o serviço nunca foisolicitado pela Prefeitura Municipal de Rolândia.

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O advogado rolandense José Carlos Farina3, autor do Blog do Farina,conta que a prefeitura se mostrou – e continua se mostrando – apática emrelação às questões históricas que envolvem a cidade. E a população, quepoderia lutar para preservar as construções e identidade de Rolândia, nãose mobiliza. Ele conta que a prefeitura só se empenhou em adquirir a madeirado desmanche do hotel diante de uma ação popular ajuizada por ele contrao prefeito. Mas, dois anos depois, o material está desaparecendo do depósitoonde foi guardado e, o que ainda resta, encontra-se em péssimas condições.Além disso, a proposta da construção do Centro Histórico ainda não saiu dopapel. As obras até foram iniciadas, mas, quando na edição deste texto, emagosto de 2013, estavam paralisadas havia quase seis meses.

Atualmente, no local onde estava o Hotel Rolândia, encontra-se aconstrução dos prédios residenciais prometidos pelos investidores quecompraram o terreno em 2011. Para os que quiserem assistir ao “último dia”do Hotel Rolândia, basta acessar o link: http://youtu.be/WqZ0f0Y7WcY. Neleconsta um vídeo da demolição do hotel, gravado pelo advogado José CarlosFarina.

ReferênciasCALSAVARA, Fábio. Hotel Rolândia vai ser transformado em museu.Gazeta do povo (online). Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/vidaecidadania/conteudo.phtml?id=1092465&tit=Hotel-Rolandia-vai-ser-transformado-em-museu>. Acesso em: 27 set. 2011.

KOSSOY, Boris. Fotografia e história. 2.ed. rev. Cotia: Ateliê Editorial,2001.

______. Os tempos da fotografia: o efêmero e o perpétuo. Cotia: AteliêEditorial, 2007.

3 Esta e as demais citações de José Carlos Farina neste texto foram obtidas em entrevista concedida por telefonea Rosana Reineri Unfried, dia 8 de agosto de 2013.

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LARIONOFF, Eugênio Victor. Diário. Rolândia: Museu Histórico deRolândia, 1984.

MELLO, Lucius. A travessia da terra vermelha: uma saga dos refugiadosjudeus no Brasil. Osasco: Novo Século, 2007.

PESENTI, Álvaro. De política e outras histórias. Rolândia: Mart’sDesigner, s/d.

REDAÇÃO. Prefeitura compra a estrutura do Hotel Rolândia. O Diário(online). Disponível em: <http://londrina.odiario.com/parana/noticia/388234/prefeiura-compra-a-estrutura-do-hotel-rolandia/>.Acesso em: 7 ago. 2013.

SANTA, Amanda Gonçalves de. Marco histórico de Rolândia pode vir abaixo. Gazeta de Maringá (online). Disponível em: <http://www.gazetamaringa.com.br/online/conteudo.phtml?tl=1&id=1086702&tit=Marco-historico-de-Rolandia-pode-vir-abaixo>. Acesso em: 7 ago. 2013.

SCHWENGBER, Cláudia Portellinha. Aspectos históricos de Rolândia.Cambé: Wgraf, 2003.

SOARES, Marco Antônio Neves. Opinião do leitor. Folha de Londrina.Londrina, p.3, 20 fev. 2013.

STUTZ, Rodrigo. Demolição do Hotel Rolândia, crime contra a memóriahistórica? Jornal Manchete do Povo (online). Disponível em: <http://tetodebarro.blogspot.com.br/2013/02/demolicao-do-hotel-rolandia-crime.html>. Acesso em: 8 ago. 2013.

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Hotéis e Pensões em Apucarana:uma relação de confiança entre

hóspedes e proprietários

Heron Heloy Costa *

* Graduando em Comunicação Social – Habilitação Jornalismo e pesquisador de Iniciação Científica na UniversidadeEstadual de Londrina (UEL), sob orientação do Prof. Dr. Paulo César Boni.

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Apucarana é uma espécie de “entroncamento” entre Londrina eMaringá, duas das maiores cidades do norte do Paraná. Por conta disso, noinício da colonização da região, na década de 40, era a última cidade onde otrem parava.

O desenvolvimento da cidade se deu tardiamente em relação a outrosmunicípios da região, pois a planta primitiva de Apucarana englobava a extensãoda Fazenda Três Bocas, demarcada da atual Avenida Curitiba, próximo aoPalace Hotel, para cima, abrangendo todo lado direito até Arapongas. ACompanhia de Terras Norte do Paraná (CTNP) tinha suas terras do ladoesquerdo. Em função dessa divisa, e não desejando valorizar as terras do“vizinho” que seria a Fazenda Três Bocas, abriu a estrada de Arapongas aMandaguari (que à época chamava-se Lovat), passando pela Caixa de SãoPedro (hoje, Distrito de Apucarana), onde estavam seus interesses, deixandoApucarana sem vias de comunicação.

A CTNP propagava os nomes de Arapongas e Lovat e, inclusive, instalouescritórios de administração de vendas nesses patrimônios, enquanto emApucarana apenas loteavam e vendiam terrenos, sem nenhum investimento.Nesse sentido, a fala do dr. Joaquim Vicente de Castro (um dos pioneiros deApucarana, ex-prefeito nomeado de Londrina e proprietário da Fazenda TrêsBocas), reproduzida no livro Norte do Paraná: Apucarana em prosa e verso, apesarde um pouco “bairrista”, ilustra a situação: “Os pioneiros apucaranenses sesobressaem dos demais norte-paranaenses pela valentia, face às agruras naturais,lutando sós, sem a ajuda da colonizadora estrangeira, Companhia de TerrasNorte do Paraná [...].” (SOBRINHO, 2007, p.56).

Apesar dos entraves internos, Apucarana havia sido planejada pelaCompanhia de Terras Norte do Paraná como um pequeno núcleo deabastecimento à zona rural e participou do boom cafeeiro do período de 1940 a1960. Nesses 20 anos, o norte do Paraná viveu uma explosão demográfica.Com isso, assim como em todos os outros lugarejos da região, surgiram nalocalidade os primeiros hotéis e pensões, infraestrutura imprescindível paraatender potenciais compradores de terras, proprietários que moravam em outrascidades e vinham vistoriar suas lavouras, profissionais liberais que vinham arriscara sorte e funcionários públicos que vinham prestar serviços especializados – eessenciais – à organização de Apucarana como município.

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Dona Vanda Flores1, hoje proprietária de uma floricultura, foi testemunhadesse processo. Seu pai era dono de uma das primeiras pensões de Apucarana, aSão José (Figura 1), construída na década de 1940, assim como outras do município.Ela mesma trabalhou no estabelecimento por muitos anos, dada a tradição dese trabalhar em família neste tipo de negócio, e também porque as primeiraspensões e hotéis não eram de famílias financeiramente abastadas ou de grandesgrupos empreendedores, mas sim de pessoas trabalhadoras que vinham tentar asorte na nova fronteira agrícola. “Todos vieram tentar a sorte. Não tinha famíliafinanceiramente bem, não. Era um negócio de família mesmo, tanto que poucostinham empregados”, relata Vanda.

Esta fotografia (Figura 1), da década de 60, quando a São José já era emalvenaria, é a mais antiga da pensão em poder de dona Vanda. À frente doestabelecimento, a família Flores. Os primeiros hotéis e pensões eram todos demadeira. Há de se ressaltar que foi uma época de abrir clareiras para o avanço

Figura 1 – Pensão São José, na década de 60, reformada e ampliada

Fotografia: autor desconhecidoFonte: Acervo pessoal de Vanda Flores

1 Esta e as demais citações de Vanda Flores neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmente aHeron Heloy Costa, dia 5 de setembro de 2011, no estabelecimento comercial da entrevistada, em Apucarana (PR).

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da cidade. “Usava-se muito a peroba para as construções”, comenta dona LuísaRaduy2. Família pioneira no município, os Raduy foram proprietários de doisimportantes hotéis em Apucarana: Central e América.

O Hotel Central (Figura 2), juntamente com as pensões, foi um dos primeiroslocais de pernoite do contingente de trabalhadores, mascates, comerciantes ecompradores que vinha para Apucarana. A família comprou um terreno em1949 e construiu o hotel. As lembranças de dona Luísa convergem em certospontos com as de dona Vanda, que se refere ao Central como “um hotel muitobem cuidado. Muito limpo, o chão de tábua sempre areado. Lembro que todasas mulheres da família trabalhavam nele, só tínhamos uma lavadeira de vez emquando”, comenta Luísa.

Figura 2 – Hotel Central na década de 50 (primeiro à esquerda na fotografia)

2 Esta e as demais citações de Luísa Raduy neste texto foram obtidas em entrevista concedida pessoalmente aHeron Heloy Costa, dia 29 de agosto de 2011, na residência da entrevistada, em Apucarana (PR).

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Dias Sobrinho (2007, p.234)

O trabalho era árduo, pois o movimento era intenso. Muitas vezes, ashospedarias não davam conta de atender toda a demanda impulsionada,principalmente, pelo café. Dona Vanda explica:

Vinham muitas pessoas do nordeste. O contingente de pessoas eratão grande que às vezes não tinha pensões suficientes. Eles chegavame se acomodavam nas pensões. Dali a dias passavam os proprietários

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das fazendas perguntando se tinha gente pra trabalhar no café. Aspessoas que chegavam já arranjavam emprego.

Na esperança de ganho no futuro emprego, muitas pessoas vinham compouco dinheiro e gastavam-no todo no custeio da viagem. Era prática comumestabelecer-se uma relação de confiança entre hóspede e proprietário. “Quandonão tinham dinheiro para pagar as despesas da viagem, eles [os hóspedes]prometiam pagar assim que arranjassem o serviço, e realmente pagavam”, atestadona Vanda.

A entrevistada revela que a Pensão São José também funcionava como “umentreposto dos Correios. As pessoas que vinham e viam que, de fato, existiaserviço nos cafezais, mandavam cartas convidando seus parentes a virem paracá. Elas usavam nossa caixa postal como endereço”. Dona Luísa, cuja famíliaera proprietária de um hotel, revela não ser uma exclusividade da Pensão São Joséessa relação amistosa. No Hotel Central também aconteciam situaçõessemelhantes. “O pessoal confiava tanto no nosso hotel que guardava seu dinheiro– maços e maços – suas pistolas e armas com a gente”, revela.

Dona Vanda fala com brilho nos olhos que “aquela era outra época”.Comenta outra prática comum daquele tempo: a relação amistosa entre hotéis epensões.

Outra coisa que acontecia também era quando alguém vinha comerem casa e não tínhamos comida, emprestávamos deles (outras pensões)uma carne ou um arroz já pronto e vice-versa. Os vizinhos se davambem, mesmo sendo concorrentes. Não havia espírito de competição.

Apesar do companheirismo entre os estabelecimentos e entre estes e seusclientes, também era preciso um registro de quem chegava e saía das pensões ehotéis e, consequentemente, da cidade. Dona Vanda explica:

Todo hóspede que pegava um quarto, a gente fazia um controle praver se era bandido, assassino ou não. Então, quando chegava,preenchíamos uma ficha e registrávamos no livro, com informaçõescomo: de onde vinha, para onde ia e entregávamos na delegacia. Seviesse uma família, registrava-se no nome do pai de família. Era olivro de registro de hóspedes. [...] Uma ou duas vezes a polícia foi lápara tentar prender alguém que cometeu algum delito em outra cidade.

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Mesmo com a prevenção, a Pensão São José acabou sendo vítima de farsantes.“Aconteceu uma vez de um hóspede deixar uma mala com roupa como garantiade que iria pagar a conta da hospedagem e alimentação. O tempo passou eaquela mala ficou lá. Quando fomos ver, só tinha tijolos dentro”, lembra donaVanda, com um indisfarçável sorriso.

As dificuldades de Apucarana em suasprimeiras décadas (1940 e 1950)

Como todas as cidades que surgiram no norte do Paraná, a partir doempreendimento da CTNP, na década de 1930, Apucarana também enfrentouproblemas e dificuldades. Problemas de abastecimento de gêneros de primeiranecessidade, de escoamento da safra; dificuldades de transporte, de acesso àeducação, de assistência médica. Dona Luísa resume a realidade do lugar emseus primórdios: “Era um barro tremendo, grudava no pé da gente. Havia tocosnas ruas, sem asfalto. Já existiam algumas lojas, a igreja ainda era de madeira,bem pequenininha.” Até existiam ônibus, mas dada a falta de asfalto, o trem semostrava o meio mais eficiente tanto para o transporte de pessoas como o decargas. Dona Vanda também tem recordações daquele tempo: “Lembro de umavez que choveu muito, quase dez dias sem parar. Tinha ônibus, mas dependiade boas condições das estradas. Os hóspedes ficaram quase uma semanaesperando a melhora do tempo pra poder prosseguir suas viagens.” Nem a AvenidaCuritiba, uma das principais da cidade, era asfaltada naquele tempo. Aliás, elasó viria a ser calçada com paralelepípedos no final da década de 1950.

Outra dificuldade daqueles tempos – e que afetava o serviço dos hotéis epensões – era o acesso à água e energia elétrica. Desde a fundação do que viriaa ser Apucarana, em 1934, e ainda por um longo período, os moradores tinhamque conviver com a precariedade do lampião ou lamparina, como fonte deiluminação para suas casas. Não existia um sistema elétrico estadual. Para se teruma ideia das precariedades do início da colonização do norte do Paraná, bastadizer que, só no ano de 1946, Apucarana deixou de receber dez indústrias, dosmais diversos segmentos de atividades, que estavam procurando um lugar para

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se instalar, mas descartaram-na em razão da falta de condições adequadas. Leia-se energia elétrica, água potável, transportes e mão-de-obra.

O problema energético viria a ser resolvido apenas em 1961, quando, apartir do esforço das associações comerciais da região, foi concedido pelogovernador de São Paulo, Carlos Alberto de Carvalho Pinto, a concessão deuma quota da usina hidroelétrica de Salto Grande. Quanto à água potável,somente era possível obtê-la por meio da perfuração de poço no solo, trabalhoque muitas vezes era totalmente inútil, quando se deparava com uma camadade pedra no subsolo.

Era o que ocorria na Pensão São José. A água para tomar banho tinha queser retirada de um poço, que ficava no quintal. Esse trabalho normalmente erafeito pelos próprios hóspedes, fato que, não raro, os deixavam desanimados,afinal muitas vezes eles chegavam cansados da viagem ou de um dia inteiro detrabalho e queriam apenas tomar um banho, comer alguma coisa e dormir.Também era preciso revezar no uso do único banheiro nos fundos do local. Asdificuldades eram tantas – e para todos – que dona Vanda, mesmo apontandoas diferenças e vantagens entre pensões e hotéis, lembra que ambos eram vítimasdas precariedades do município. “Pensão era bem mais simples. Tínhamos sóum banheiro no fundo. Porém, nos hotéis havia um banheiro para cada doisquartos, colchão de mola.” Mesmo oferecendo alguns luxos, os hotéis tambémestavam sujeitos à falta de estrutura adequada da época. Dona Luísa, que, juntocom o marido tocava o Hotel Central, lembra que não havia acesso à luz durantea noite inteira. “Se quisesse ter luz depois das dez da noite, tinha que ligar olampião, porque o gerador dava luz só até esse horário.”

Na falta de energia elétrica, os hóspedes se reuniam, à luz de lampião,para contar histórias e conversar. Dona Vanda conta como era o clima em suapensão. “Tinha um rapaz do exército que tocava violino muito bem. Por vezesficávamos ouvindo-o tocar. Também acontecia dos nordestinos se reunirem paracontar histórias de assombração. Era outro tempo, não havia brigas.”

Desde a chegada do primeiro trem, em 19 de abril de 1943, era elequem trazia, levava e movimentava a economia da cidade. Não seria diferentecom as pensões e hotéis. A Pensão São José, por exemplo, estava localizadapróxima à estação ferroviária da cidade (hoje região da Barra Funda). DonaVanda explica que:

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Muita gente vinha para pernoitar antes de ir para Curitiba ou SãoPaulo. A nossa pensão era a uma quadra da estação ferroviária. [...]Lembro-me de ter acordado muitas vezes às cinco da manhã parapreparar o café dos hóspedes. Como o movimento era constante,fazíamos uma relação dos quartos que tínhamos que acordar nooutro dia.

Ou seja, distribuía-se o movimento entre as pessoas que vinham paratrabalhar com o café e as que passavam apenas uma noite, por conta da“baldeação” em Apucarana antes de prosseguir viagem. Na estação ferroviária,era comum a presença de pessoas para “agenciar” hóspedes para os hotéis epensões da cidade. Nas palavras de dona Vanda:

Para os meninos de 13, 14 anos, que não tinham serviço, existiamduas opções. Ser engraxate, pois tudo era empoeirado, ouagenciador de hóspedes para as pensões. A função deles era, assimque o trem chegava, perguntar para quem desembarcava se queriapernoitar em alguma pensão. Às vezes ganhavam uns trocados dodono do estabelecimento por ter levado clientes. E por vezestambém havia brigas por conta de um agenciador querer levar ofuturo hóspede do outro.

Outra figura sempre presente na época – temida pelos donos de pensões –era o fiscal. Para forçar os estabelecimentos a oferecerem boas condições a seushóspedes, um fiscal aparecia – com frequência – para conferir as condições delimpeza, higiene e conforto do lugar. Se encontrasse pulgas nos colchões e camas,por exemplo, o material era incinerado e os donos tinham que comprar novosconjuntos. Dona Vanda relata que os fiscais eram “o pavor” dos proprietários.

Com a expansão do norte do Paraná, acentuadamente a partir das décadasde 1950 e 1960, as pensões apucaranenses foram gradativamente perdendoespaço. A cidade também já não recebia o mesmo contingente de décadas atrás,haja vista que a parada final do trem passou a ser Maringá. Dona Vanda, mesmocom movimento e lucro decrescentes, manteve a Pensão São José em funcionamentoaté 1965. Mesmo fechando a pensão, manteve-se proprietária do terreno e daconstrução, localizada na Avenida Curitiba, 123, que, atualmente, abriga seunovo negócio, uma floricultura. Manter-se comercialmente no mesmo local talvezseja uma forma de manter vivas as lembranças do passado. “Quanto à obra, era

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um trabalho muito pesado, manual, assentado tijolo por tijolo. Mas muito bemfeito. Até hoje temos a floricultura aqui e sem nenhuma rachadura na construção”,orgulha-se. Já o Hotel Central foi administrado pela família Raduy até o ano de1979, quando encerrou as atividades. No local do antigo hotel, na Praça RuiBarbosa, 590, hoje funciona uma agência do Banco Itaú.

O Hotel Central e a Pensão São José são duas referências quando se fala dosprimórdios de Apucarana. Porém, são apenas dois dos muitos estabelecimentosexistentes à época. Demos a sorte de encontrar duas pessoas que vivenciaramessa experiência e que ainda estão vivas e com a memória boa para relembrar.Mais que isso, que nos receberam com entusiasmo para lembrar – e contar – umpouco dos velhos tempos: dona Vanda Flores, cuja família foi proprietária daPensão São José e dona Luísa Raduy, cuja família foi proprietária do Hotel Central.Por razões de tempo e espaço, por enquanto, estamos tomando seus depoimentoscomo uma “amostra” para rascunhar a história das pensões e hotéis e a históriada própria cidade de Apucarana, mas esse tema pode render muito maispesquisas, trabalhos acadêmicos e publicações. Logo abaixo, uma lista com osnomes de outras pensões e hotéis das décadas de 1940, 1950 e 1960, com sualocalização e os nomes de seus respectivos proprietários. A relação foi obtidapor meio dos livros Vivo Apucarana e Apucarana nossa terra (citados na bibliografia)e algumas informações foram completadas por este estudo.

Hotel América. Pertenceu à família Raduy. Ficava na Rua Renê Camargode Azambuja (em frente à revistaria Cidade Alta). Esse hotel foi demolido em2007, mas antes disso foi palco das filmagens do documentário “Hotel América”,produção do diretor apucaranense Semi Salomão Neto.

Hotel Avenida. Pertenceu à família Riva. Ficava ao lado de onde hoje estáa loja de móveis Denobi.

Hotel Brasil. Era propriedade do sr. Silvio Mangolim. Ficava na TravessaPalmeiras, próximo à Praça Mauá.

Hotel Santa Catarina. Era propriedade do sr. Casemiro Bochanovski. Ficavano local onde hoje está o prédio da Onça, na Praça da Cascata.

Hotel São Luís. Era propriedade do sr. José Henrique Machado. Ficava naAvenida Curitiba, onde hoje está instalada a Igreja Universal do Reino de Deus.

Hotel dos Viajantes. Era propriedade do sr. Célio Pelegrini. Ficava na RuaOsório Ribas de Paula, em frente ao Hospital Vera Cruz.

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Hotel Comercial. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Rua João Cândido, ao lado da Farmácia Saúde, onde hoje funciona um lava-jato de automóveis.

Pensão Regina. O primeiro proprietário foi o sr. Arlindo Maziero e o últimoo sr. Bento Joaquim do Nascimento. Ficava na Vila Regina, abaixo da linhaférrea.

Pensão São Benedito. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Avenida Souza Naves, em frente à Estação Ferroviária, onde hoje funcionaa EletroMax.

Pensão Curitiba. Pertenceu ao sr. Domingos Benezzi. Ficava ao lado daPensão São José, na Avenida Curitiba.

Pensão Esplanada. O sr. Bento Joaquim do Nascimento foi um de seusúltimos proprietários. Ficava na Avenida Curitiba, esquina com Rua AntônioJosé de Oliveira.

Pensão Santa Cruz. Pertenceu à família Malaquias. Ficava na AvenidaCuritiba, abaixo da Frimesa.

Pensão Caiaque. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Rua Geremias Lunardelli, esquina com a Rua Munhoz da Rocha.

Pensão Paulista ou São Paulo. Não conseguimos apurar o nome doproprietário. Ficava na Rua São Jerônimo, ao lado do Edifício Hanoun.

Pensão São Geraldo. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Rua São Jerônimo, esquina com a Rua Tamandaré.

Pensão Portuguesa. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Rua Manoel Carvalho, onde hoje funciona a Concessionária Chevrolet.

Pensão Machado. Pertenceu ao sr. José Henrique Machado. Ficava na RuaPonta Grossa, ao lado do Instituto Manoel de Abreu.

Pensão Maracanã. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavaabaixo da sede do Ferramula, onde hoje é a Cafeeira Verona.

Pensão Maringá. Era propriedade do Sr. Remi Dionísio. Ficava no localonde hoje está o Edifício Milano, em frente à Praça Mauá.

Pensão Mineira. Era propriedade da sra. Nilda Ferreira. Ficava na RuaDomingos Alexandre.

Bar, Restaurante e Pensão Pinguim. Pertenceu ao sr. Inácio Przybysz.

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Pensão Ouro Verde. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Rua Ponta Grossa, acima da Cartola, ao lado do antigo Bar Primor.

Pensão Capela. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Rua Ponta Grossa, onde hoje funciona o Restaurante Cheiro Verde.

Pensão do sr. Deolindo. Não conseguimos apurar o nome completo doproprietário. Ficava na Rua Ponta Grossa, próximo à Selaria Mato Grosso.

Pensão Apucarana. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficavana Avenida Curitiba, onde hoje está instalada uma loja da BJ Santos.

Pensão Santa Teresinha. Não conseguimos apurar o nome do proprietárionem o endereço completo. Ficava abaixo da linha férrea.

Pensão Tibagi. Não conseguimos apurar o nome do proprietário. Ficava naAvenida Curitiba, ao lado da Igreja Universal do Reino de Deus.

ReferênciasDOMINGUES, Márcio Guilherme. Vivo Apucarana. Apucarana: Edição doautor, 1995.

ROSA, José de Oliveira. Apucarana nossa terra. Apucarana: Edição doautor, 1990.

DIAS SOBRINHO, Francisco Soares. Norte do Paraná: Apucarana emprosa e verso. Apucarana: Edição do autor, 2007.

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Turismo de negócios:a primazia hoteleira

de Maringá

Fabio Dias de Souza *Luiz Carlos Bulla Junior **

Miguel Fernando Perez Silva ***

* Fotógrafo. Professor de fotografia do curso de Publicidade e Propaganda da FAMMA (Faculdade Metropolitanade Maringá). E-mail: [email protected]** Fotógrafo. Professor de fotografia do curso de Jornalismo da Faculdade Maringá. E-mail: [email protected]*** Bacharel em Turismo e Hotelaria pelo Centro Universitário Cesumar. Especialista em História e Sociedadedo Brasil pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Criador do Projeto Maringá Histórica (http://maringahistorica.blogspot.com). Diretor executivo do Instituto Cultural Ingá (ICI), agência de fomento e incentivoà cultura regional no interior do Paraná. E-mail: [email protected]

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“O centro da vila era o hotel: paravam ali os ônibus, os viajantes, quevinham visitar e talvez comprar um sítio, ali se amontoavam com desconforto.Começava a vida urbana pela função hoteleira.” As palavras de Pierre Monbeig(1984, p.357) relatam os primeiros dias de Maringá, ainda antes de sua fundação.No livro Pioneiros e fazendeiros de São Paulo, ele descreve a cidade como sendocercada de mata por todos os lados e onde se descobriam desbravadores urbanos.

Antes de vasculhar os antigos livros de registros dos hóspedes quepernoitaram em Maringá, é importante situar o leitor que, diferentemente doque ocorreu em outras regiões do Paraná, a cidade foi planejada sob conceitosmodernistas à época de sua constituição, em contraposição aos demaisempreendimentos que vinham sendo instalados pela Companhia de Terras Nortedo Paraná (CTNP) – empresa que havia comprado do governo do estado terrasdevolutas no norte do Paraná e as estava vendendo em pequenos e médioslotes1.

Anteriormente denominada Vila Macuco (devido à ave silvestre muitopresente na região) e, depois, Vila Pinguim (em função de um ribeirão que cruzaparte da gleba), Maringá foi demarcada no mapa do estado, pela primeira vez,em 1938. (SILVA, 2011). Contudo, conforme relato de Willy Taguchi2, emsetembro de 2011, desde 1936 famílias plantavam café em diferentes locais dosítio.

Sob as inúmeras oportunidades de negócios na promissora região, acolonizadora tratou de desenvolver um projeto urbanístico provisório, a fim dedemarcar o território. Isto é, apesar de Maringá constar no mapa desde 1938,sua área urbana, efetivamente, não existia – era nada mais que um encontro defazendas. Na ânsia de consolidar a futura cidade, os diretores da CTNPsolicitaram que seu engenheiro Aristides de Souza Mello produzisse um pequenotraçado urbanístico para abrigar a região prestes a se formar. Nas oito quadrasconcebidas, sua pedra fundamental foi lançada a 10 de novembro de 1942 (Figura1). Na mesma oportunidade, foi inaugurado o Hotel Campestre, um dos primeirosestabelecimentos comerciais da vila.

1 Pesquisas recentes apontam que não só os pequenos lotes estavam em processo de comercialização. Grandesespaços de terra eram priorizados conforme interesses da colonizadora, conforme Renato Leão Rego em Ascidades plantadas: os britânicos e a construção da paisagem do norte do Paraná (Londrina: Humanidades, 2009).2 Willy Taguchi. Entrevista concedida a Fábio Dias Souza em 18 de setembro de 2011. Willy é neto de MitsuzoTaguchi, que chegou a Maringá em 1936.

TURISMO DE NEGÓCIOS: A PRIMAZIA HOTELEIRA DE MARINGÁ

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O lançamento da pedra fundamental foi, inclusive, o primeiro evento adar movimentação aos quartos do Campestre. Uma comitiva, formada porrepresentantes políticos e empresariais de Londrina e região, participou dasfestividades compostas pelo hasteamento da bandeira nacional, discursos e jantarsolene. Surgia, assim, o primeiro hotel oficial da futura cidade, que foi legitimadodessa forma por sua própria proprietária – CTNP – que tratou de moldar ahistória baseada em seus interesses, conforme levantamentos junto ao MuseuBacia do Paraná da Universidade Estadual de Maringá e Gerência de PatrimônioHistórico de Maringá.

Pouco tempo depois, o Hotel Campestre foi arrendado por José Inácio daSilva, que o rebatizou de Hotel Maringá. A mudança de nome foi motivada poruma placa instalada em sua estrutura, que estabelecia os limites da cidade. Onegócio era modesto, a construção em madeira tinha apenas quatro quartos,uma sala, cozinha e uma pequena varanda na frente. Mais adiante, asacomodações foram ampliadas, aumentando o número de quartos para 36.

José Inácio da Silva era proveniente de Guaranhuns, estado de Pernambuco,e ficou conhecido como o primeiro morador da cidade, apesar de não o ser.Possivelmente, o título tenha sido conferido em analogia por ser proprietário do

Figura 1 – Lançamento da pedra fundamental de Maringá em 10 de novembro de 1942

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná

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primeiro hotel. Com relação a sua primazia, ainda, Silva foi, ao lado de suaesposa Eleutéria Cordeiro, pai da primeira criança nascida na cidade, em 11 defevereiro de 1942. O filho recebeu o nome de Juracy Cordeiro da Silva.

Em 1946, o Hotel Maringá foi adquirido por Arlindo de Souza, queremodelou a estrutura do espaço ao longo da década de 1950 (Figura 2), a fimde atender mais hóspedes e oferecer melhor qualidade nos serviços.

3 Jean Manzon, fotógrafo francês, foi um dos responsáveis pela valorização da fotografia e revolução dofotojornalismo no Brasil. Na época em que fez esta fotografia (1952) era fotógrafo da O Cruzeiro, a mais importanterevista de informação e entretenimento do Brasil.

Figura 2 – O Hotel Maringá na década de 1950. Na época,seu proprietário era Arlindo de Souza

Fotografia: Jean Manzon3

Fonte: Acervo de J. C. Cecílio / The Saturday Evening Post, 22 nov. 1952

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Esse núcleo inicial que se formava passou a ser um ponto de grandemovimentação, tanto de pessoas quanto de dinheiro. O que viria a ser conhecidocomo “Maringá Velho” décadas mais tarde, era, naquele momento, o “olho dofuracão”. De um lado, a CTNP investia em ações de marketing, com o intuito deatrair investidores para a região. Por outro, muitos sitiantes sonhavam com aindependência financeira. Então, como recepcionar esses investidores?

Pode-se dizer que, guardadas as devidas proporções, Maringá, entre outrasregiões do norte novo e novíssimo do Paraná, surgiu em razão de uma espécie“arcaica” de turismo de negócios – modelo empregado pela CTNP baseado emexperiências anteriores que haviam logrado sucesso em outros países.

No entorno do núcleo inicial, diversos estabelecimentos hoteleiros foramsendo constituídos como hospedarias, na década de 1940. Quase semprefuncionando em um sistema mais precário do que os hotéis – e anexadas àresidência da família proprietária – as hospedarias deram o suporte necessárioaos menos favorecidos que aportaram em Maringá. Com um custo mais reduzido,pouco se esperava dos serviços prestados: alimentos salgados para evitarapodrecimentos; camas de feno; goteiras no interior dos cômodos; poucaprivacidade – esses eram somente alguns dos desafios encontrados pelosaventureiros. Depois de diversos dias, ou até semanas embrenhados na mata,chegar a uma hospedaria, por pior que fosse, era como encontrar um “oásis nomeio do deserto”.

Na então Rua Jumbo, atual Rua Lafayette da Costa Tourinho, esquinacom a Avenida Brasil, funcionou o Hotel Catanduva, da família Costa Curta.Suas proprietárias, Ana e Elvira, quase sempre eram as responsáveis porapaziguarem os ânimos e cessarem as brigas e discussões que ocorriam nosarredores, normalmente provocadas pelo “excesso de álcool”.

O Hotel Carniege, de propriedade de Mário Reis Meira, atuou durante algunsanos na Avenida Brasil, em frente à Casa Planeta, de Ângelo Planas. Oestabelecimento foi uma das referências do empresário Meira, que tambémtrabalhava em outros segmentos, como venda e locação de roupas para festas ecomércio de joias.

No encontro das ruas Moscados e Guarani – hoje ruas Santa Joaquina deVedruna e Octavio Scramim – funcionou a Pensão Lusitana. Já na antiga RuaPinguim, a Pensão e Restaurante Carniel, de Antonio Carniel (Figura 3), desenvolveu

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suas atividades. A via que dava lugar ao estabelecimento, inclusive, teve seunome alterado como reconhecimento aos serviços prestados por Carniel àsociedade maringaense. Por fim, na Avenida Brasil, ainda no “Maringá Velho”,foi instalado o Hotel e Restaurante Verdadeiro (Figura 4), de João Verdadeiro –personagem pouco conhecido da história local.

Figura 3 – Antonio Carniel, proprietário da pensão e restaurante que levou o seu sobrenome

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da Gerência de Patrimônio Histórico de Maringá

Muitos outros estabelecimentos hoteleiros funcionaram por décadas no“Maringá Velho”. Entretanto, após a oficialização do local como Distrito, em10 de maio de 1947, foram desvendados os reais objetivos da Companhia deTerras Norte do Paraná para com as glebas. Jorge de Macedo Vieira, importanteurbanista que se beneficiou de novos conceitos arquitetônicos, entregou oanteprojeto do novo traçado urbanístico de Maringá para a colonizadora doisanos antes, em 1945. Nesse desenho, a área inicial erigida fora deixada emsegundo plano. Um novo centro foi estabelecido alguns quilômetros dali, emuma região plana e, segundo o discurso da CTNP, próximo de onde a estaçãoferroviária seria construída. Por isso, a brusca mudança.

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A rede hoteleira tratou de se reestruturar – mas não deixou de atender osclientes no “Maringá Velho”. Um claro exemplo disso é o Hotel Nossa Senhora deFátima, hoje Hotel Fátima. Fundado em 1958, o hotel ainda se mantém no mesmoendereço. O alemão Edgar Osterroht4, que chegou em Maringá em 1951, lembradesse período:

[...] paramos no centro de Maringá. Então, minha mãe falou queprecisávamos procurar um hotel. Ela foi até a Praça Napoleão Moreirae lá tinha esse Hotel Bom Descanso, que era muito, muito simples; nãotinha forro, não tinha nada, não tinha nem porta nos quartos, tinhacortina... Então, ela falou: ‘como vou fazer aqui, tenho que trocar aroupa e segurar a cortina?’ Nós procuramos mais e mais e chegamosna Rua Joubert de Carvalho, que antigamente se chamava RuaBandeirantes. Lá tinha um hotel de madeira de dois pavimentos, enós conseguimos dois quartos lá em cima. Esse hotel pelo menostinha porta, você podia fechar; mas eram portas com trincos antigos,tipo de castelo. Então nós ficamos nele, Hotel São Sebastião e,

Figura 4 – Fotografia do Hotel e Restaurante Verdadeiro, localizado na Avenida Brasil

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo de J. C. Cecílio

4 Esta e as demais citações de Edgar Osterroht neste texto são oriundas da entrevista concedida pessoalmente aFábio Dias de Souza, dia 4 de outubro de 2011, na residência do entrevistado.

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logicamente, os banheiros estavam no fundo do quintal. Era umnegócio de louco lá, mas ficamos só três ou quatro dias porqueprocuramos uma casa para alugar, que saía mais barato, e porquetambém tinha barulho lá dentro; tinha esses caipiras que faziam músicacom violão. Era uma bagunça, só festa [...].

O Hotel Bom Descanso (Figura 5), que ficou nas lembranças de Edgar, foi oprimeiro estabelecimento a ser construído no espaço que ficou conhecido como“Maringá Novo”, em 1946. De propriedade de Suzana e Flávio Ceravolo – ele,paulista, e ela, húngara – o hotel funcionou na Rua Santos Dumont, em frente àantiga Praça da Rodoviária, atual Praça Napoleão Moreira da Silva. (DUQUEESTRADA, 1961).

Figura 5 – Fachada do Hotel Bom Descanso, em 1947

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da Gerência de Patrimônio Histórico de Maringá

Foi no Hotel Bom Descanso que, em 1947, Odwaldo Bueno Netto e suafamília também ficaram hospedados, aguardando até que sua residência ficassepronta, na Avenida Brasil. Bárbara Barros5, uma das filhas, conta um pouco dahistória:

5 Esta e as demais citações de Bárbara Barros neste texto são oriundas da entrevista concedida a Fábio Dias deSouza, dia 4 de outubro de 2011, na residência da entrevistada.

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Chegamos em 14 de dezembro de 1947. Ficamos hospedados noBom Descanso. Era um hotel simples, não tinha apartamentos, eraapenas um corredor e quartos para os dois lados. Como em maiodeste mesmo ano meu pai já havia mandado construir nossa casa,ficamos no hotel o tempo suficiente para cobri-la; conseguimos passaro Natal em nossa própria residência.

Na figura 6 é possível ver outra atividade do Hotel Bom Descanso: as festas.A fotografia mostra um importante evento que ocorreu no interior do hotel,provavelmente no final da década de 1940. Com um banquete, a CTNP sereuniu com representantes da Viação Aérea São Paulo (VASP), com o objetivode estabelecer mais uma linha aérea comercial em Maringá.

Sérgio Ceravolo (Figura 7), filho de Suzana e Flávio, proprietários do HotelBom Descanso, nasceu em 12 de fevereiro de 1949, no interior do estabelecimentodos pais. Maringá já havia se tornado Distrito, mas ainda aguardava a instalaçãodo Cartório de Registros. Muitos pais também esperavam ansiosos pelo cartório,já que queriam que uma de suas crianças fosse considerada a primeira registrada

Figura 6 – Banquete reunindo a Companhia de Terras Norte do Paraná (CTNP)e representantes da Viação Aérea São Paulo (VASP), no final da década de 1940

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Revista Maringá Ilustrada, 1957

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na cidade. No entanto, foram os pais de Sérgio que venceram a disputa,conseguindo o registro de seu filho em 23 de maio de 1949.

Figura 7 – Sérgio Ceravolo (sobre o veículo) e seus pais Suzana e Flávio:ele foi a primeira criança registrada em Maringá, dia 23 de maio de 1949

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da Gerência de Patrimônio Histórico de Maringá

Nos anos de 1950, apesar do sucesso que o nome Bom Descanso haviaalcançado, seus proprietários decidiram alterá-lo para Hotel Aliança.

Outro local de referência em Maringá foi o Hotel Esplanada, que iniciousuas atividades em 21 de setembro de 1949. De propriedade de Luiz Sandri esua esposa Isabel Wagner, o estabelecimento foi construído em um dos pontosmais estratégicos da época: em frente à CTNP, no cruzamento da Avenida Duquede Caxias com a então Rua Bandeirantes (atual Rua Joubert de Carvalho). Essaera uma região de grande movimentação financeira, principalmente em razãodas aquisições e negociações da colonizadora e seus agentes.

Luiz e Isabel já administravam um hotel em Irati, estado de Santa Catarina,quando souberam, por um jornal, que havia lotes à venda no norte do Paraná.Luiz partiu a cavalo do estado catarinense e, assim que chegou à região, adquiriu

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terras em Paranavaí. Lá, montou um sítio e, em seguida, comprou duas datasem Maringá – em uma delas, construiu o Hotel Esplanada. Por ser o único hotelem alvenaria da cidade, a possibilidade de se conseguir uma vaga noestabelecimento era bastante disputada (Figuras 8 e 9).

Figura 8 – Primeiro livro de registros de hóspedes do Hotel Esplanada, do ano de 1949

Fotografia: Reprodução de Luiz Carlos Bulla JuniorFonte: Acervo de Ermínio Sandri

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Além de hospedagem, o Esplanada oferecia refeições avulsas diariamente.No entanto, nada se comparava ao grande evento gastronômico e social que eraorganizado no hotel em todo 1º de outubro, conhecido como Dia do Viajante.Nesse dia, o estabelecimento oferecia para todos os hóspedes um grandebanquete (Figura 10).

Figura 9 – Primeiras instalações do Hotel Esplanada, em 1949

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo de Ermínio Sandri

Figura 10 – Banquete em comemoração ao Dia do Viajante, organizado pelo Hotel Esplanada todo dia 1ºde outubro. A fotografia, provavelmente, faz parte de uma das festividades da década de 1950

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo de Ermínio Sandri

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Em meados da década de 50, os anúncios publicitários do hotel diziam:“Venha conhecer o Esplanada Hotel. O mais bem instalado da cidade. Asseioe conforto. Quartos arejados. Cozinha de primeira ordem. Mesa farta evariada. Ambiente puramente familiar. Aos Srs. Viajantes e Exmas. Senhoras,o Hotel Esplanada”6. Com o sucesso do negócio, o prédio foi ampliado,passando a contar com três pavimentos – o mais alto da cidade na época(Figuras 11 e 12). A administração da família Sandri se estendeu até 1981,quando o imóvel deu lugar a uma clínica. Mais tarde, em 2005, o sobradofoi demolido.

Figura 11 – Obras de ampliação do Hotel Esplanada, em 1951. Com os trêsandares construídos, o imóvel passou a ser o mais alto da cidade

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná

6 Fonte: O Jornal de Maringá, anúncio publicado em várias edições do jornal ao longo da década de 1950. Coleçãodisponível na Biblioteca Municipal Bento Munhoz da Rocha Neto, em Maringá (PR).

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Com o foco no “Maringá Novo”, a Companhia de Terras Norte do Paranáanunciou um gigantesco empreendimento hoteleiro que surpreenderia toda acomunidade: o Grande Hotel Maringá (Figuras 13 e 14). Para tanto, em 1950, odiretor-gerente da colonizadora, Hermann Moraes Barros, contratou o arquitetoJosé Augusto Bellucci para conceber o projeto.

Figura 12 – O Hotel Esplanada com as obras de expansão concluídas, em 1951,e uma frota de veículos de aluguel à sua frente

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná

Figura 13 – Fachada do Grande Hotel Maringá em 1957. O projeto foi concebidopelo arquiteto José Augusto Bellucci

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná

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Em sua dissertação de mestrado sobre a obra de Bellucci em Maringá, oarquiteto Aníbal Verri Junior (2001) relata que a CTNP solicitou um hotel de35 a 40 quartos, com possibilidade de expansão para 80 unidades habitacionais– de maneira a investir uma quantia menor no caso do empreendimento não daro retorno esperado. Além dos serviços de hotelaria, o edifício deveria atendertambém a sociedade maringaense que se formava, oferecendo a possibilidadede uso de seus salões para banquetes e festas sem que interferissem no cotidianodo hotel. Verri Junior (2001) ainda diz que, para se chegar à solução definitivado projeto do hotel, Bellucci percorreu um longo caminho, tendo de apresentarnove estudos até que chegassem ao escolhido.

A obra teve início em 1951 e estendeu-se até 1955 (Figura 15), com ainauguração da primeira etapa em 22 de setembro de 1955. Sua execução foifeita pela Construtora de Imóveis de São Paulo, de propriedade de Cássio CostaVidigal, diretor-presidente da já CMNP – Companhia Melhoramentos Norte doParaná (a colonizadora teve sua razão alterada em 1951).

Figura 14 – Recepção do Grande Hotel Maringá nos anos 50. O requinte do empreendimentoestava presente até mesmo nos pequenos detalhes, como nas luminárias de teto

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná

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O escritório do arquiteto José Augusto Bellucci ainda ficou responsávelpelo detalhamento de toda ambientação e mobiliário do hotel. Um fatointeressante, exposto por Verri Junior (2001), é que a construção foi feita comestrutura de concreto armado e com alvenaria de tijolos produzidos pela olariada própria CMNP.

Figura 15 – Obras do Grande Hotel Maringá em 1953

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná

Durante a solenidade de inauguração do Grande Hotel Maringá, diversosmembros da elite local se fizeram presentes; e um episódio fez os ânimos sealterarem quando a CMNP hasteou as bandeiras do Brasil, do Paraná e de SãoPaulo. Aníbal Goulart Maia, concessionário do Matadouro Municipal na época,sacou dois revólveres e os descarregou na bandeira paulista, alegando que aquiloera uma calúnia, pois estavam no Paraná. Um dos que apartaram a confusão foiNapoleão Moreira da Silva, que, na ocasião, era vereador em Maringá.Independente das rusgas da inauguração, o hotel se tornou uma atração na cidade(Figura 16) e objeto de desejo dos que a visitavam.

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O Grande Hotel Maringá, dado o requinte de suas instalações, rapidamentese transformou no local recorrente dos eventos da elite maringaense. O Festivaldo Cinema Nacional, ocorrido entre os dias 3 e 10 de maio de 1958, foi oprimeiro a ganhar grande visibilidade. Américo Dias Ferraz, prefeito na época,investiu recursos públicos no festival e contou, ainda, com a articulação doexpoente político Renato Celidônio. No último dia do evento, aproveitou-se afestividade para comemorar o 11º aniversário da cidade.

O hotel foi gerenciado até 1961 pelo alemão Herbert Mayer, que haviaestudado administração e hotelaria na Europa. Em Maringá, ele também foiproprietário de um dos restaurantes mais requintados, o Lord Lovat. Desde suaconstrução até 1964, o Grande Hotel Maringá pertenceu à CompanhiaMelhoramentos Norte do Paraná; depois, foi vendido para a família Ferrareto.Hoje, o prédio é propriedade da família Zwecker.

Em seus tempos de glória, o hotel hospedou dois “reis” e um príncipe. Osreis foram Edson Arantes do Nascimento, o jogador de futebol Pelé, consideradoo rei do futebol, e Roberto Carlos, considerado o rei da música popular brasileira.Já o príncipe era de fato e de direito. Trata-se do então príncipe do Japão Akihitoe sua esposa (que tiveram um quarto especialmente elaborado para aoportunidade). O Grande Hotel Maringá tornou-se referência, memorável até aos

Figura 16 – Mulheres passeiam de bicicleta em frente ao Grande Hotel Maringá em 1957

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo do Museu da Bacia do Paraná

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dias atuais. Sua estrutura externa, inclusive, foi tombada pelo Patrimônio Culturaldo Paraná em 2005.

Quando a construção do Grande Hotel Maringá estava mais ou menos nametade, em 1953, a família Planas deu início à construção do Palace Hotel, emplena Avenida Brasil, no coração do “Maringá Novo”. Esse estabelecimento setornou muito conhecido na cidade não tanto em função dos serviços prestados,mas em razão do assassinato de um funcionário do estabelecimento em novembrode 1967. Clodimar Pedrosa Lô, então com 15 anos de idade, foi acusado semprovas concretas de furto. Detido, foi torturado e morto pela polícia repressorano auspício da ditadura militar. O assassinato do rapaz repercutiu intensamentena sociedade maringaense. (SILVA, 2010). Foi a partir deste caso, que a PolíciaMilitar do interior do estado foi reformulada e treinada a pedido do entãogovernador Paulo Pimentel. Hoje, Clodimar é considerado uma espécie de santopopular e seu túmulo é um dos mais visitados no Cemitério Municipal deMaringá.

No ano seguinte à inauguração do Palace Hotel, em janeiro de 1954, aEstação Ferroviária de Maringá iniciou suas atividades. O evento festivo contoucom a participação, segundo relatos, de mais de 4.000 pessoas. Essa novafronteira, ora aberta, foi a sustentação para dezenas de hospedarias, pensões ehotéis nos arredores do pátio de manobras ferroviárias.

A Avenida Tamandaré e a Rua Joubert de Carvalho foram tomadas peloshotéis ainda na década de 1950 (Figura 17). Somente na quadra entre a AvenidaHerval e a Praça Raposo Tavares, estavam em pleno funcionamento o HotelSantos, o Hotel Brasil, o Hotel Ypiranga, o Bar, Restaurante e Pensão Ouro Preto e oBar e Hotel Rio Branco.

Um dos personagens que esteve envolvido na atividade hoteleira à épocafoi Antonio Martins Filho7 – conhecido como Lenço Verde em decorrência dotrio musical do qual fazia parte. Ele conta que Júlio Jerônimo dos Santos,proprietário do Hotel Garoto, construído entre 1951 e 1952 na Avenida Duquede Caxias, ao lado do atual Banco do Brasil, comprou o Hotel Parisi, que haviasido inaugurado em 1950, na Rua Joubert de Carvalho. A partir de então, onovo proprietário confiou a gerência do hotel a ele (Lenço Verde), que relata

7 Antonio Martins Filho. Entrevista concedida a Fábio Dias de Souza em 8 de setembro de 2011.

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que o estabelecimento contava com um bar8, um restaurante e 14 camasdisponíveis para hospedagem.

Funcionários da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná costumavamalmoçar no restaurante do Hotel Parisi – e, percebendo as condições precáriasdo hotel, acabaram cedendo a madeira para o proprietário melhorar a aparênciado ambiente. Aproveitando o ensejo, Olavo Parisi desmanchou o imóvel inteiro,construindo-o novamente.

Um funcionário da prefeitura, que também fazia suas refeições lá,questionou o nome que seria dado ao hotel após a reforma. Sua sugestão eraHotel Paulista, já que tinha vindo de Itápolis, no interior de São Paulo – mesmacidade do proprietário. O dono, no entanto, adaptou o nome sugerido para HotelPaulistano. Pela localização privilegiada, uma porta foi alugada à empresaExpresso Maringá, onde eram vendidos bilhetes aos viajantes (o Paulistano ficavaao lado da Rodoviária Américo Dias Ferraz, à época, ainda em construção).

Figura 17 – Avenida Tamandaré na década de 19609. Com a inauguração da EstaçãoFerroviária de Maringá, a via passou a abrigar diversos estabelecimentos hoteleiros

8 Nesse contexto, Luz France (1997, p.95) explica que “era comum que um hotel incluísse também bar e umrestaurante, embora para efeito de fornecimento de alvarás fossem considerados estabelecimentos diferentes.Dos 697 alvarás concedidos para estabelecimentos de prestação de serviços, 487 se referiam a serviços dealojamento e alimentação (69,9%)”.9 Esta imagem, na realidade, é um recorte da fotografia original, em poder da Gerência de Patrimônio Históricode Maringá.

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo da Gerência de Patrimônio Histórico de Maringá

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Como mencionado, Lenço Verde era integrante de um trio musical, “OsAlegrezinhos do Rádio”. Quando surgiu a oportunidade de gravar em São Paulocom o grupo, conheceu diversos artistas paulistas, que passaram a vir comfrequência à região para se apresentar em praças públicas, cinemas e circos. Aprimeira dupla a ficar hospedada no hotel, devido à amizade com Lenço Verde,foi Campanha e Cuiabano (e Celinho, o sanfoneiro). Quando voltaram a SãoPaulo, fizeram uma grande propaganda positiva do estabelecimento, atraindooutros artistas para o Hotel Paulistano. Em certa ocasião, reuniram-se para oalmoço, em uma só mesa, 36 violeiros – e a empolgação foi tamanha que nem selembraram de fotografar o “momento histórico”.

Após mais de 50 anos de histórias e muita música, o hotel encerrou assuas atividades, em 8 de dezembro de 2010.

Em entrevista concedida aos autores, em 17 de agosto de 2011, JoãoLaércio Lopes Leal, historiador e funcionário da Gerência de PatrimônioHistórico de Maringá, relatou que, em 1958, foi inaugurado o Hotel Indaiá, naentão Rua General Câmara, atual Rua Basílio Sautchuk. Por ser um dos poucosprédios da época, em pouco tempo, acabou se tornando referência geográficade localização aos viajantes.

Outros estabelecimentos do segmento foram, gradativamente, instalando-se fora do eixo urbano central, como na Vila Operária (Zona 3) – maior bairrode Maringá até os anos 70. Esse é o caso do Hotel e Restaurante Bela Vista (Figura18), adquirido em 1949 por Antônio Antunes Barbosa. O estabelecimento ficavapróximo à Praça Rocha Pombo, na Avenida Brasil, entre o antigo RestauranteDomênico e o posto de combustível Touring Club. Conforme relato de JoséOsmar de Araújo10, neto de Antonio Antunes Barbosa, vários viajantes sehospedavam no Bela Vista, como os libaneses que vendiam em malas – maisconhecidos como mascates.

Ainda na Vila Operária, outro sistema de hospedagem pouco lembrado éa clínica de repouso e recuperação de pessoas com necessidades especiais. Noinício da década de 1960, a Casa de Repouso Santo Agostinho passou a prestar seusserviços. Já do outro lado da cidade, no “Maringá Velho”, o Sanatório Maringáfoi fundado em 23 de dezembro de 1966, pelo médico paulista Onofre Pereira

10 Depoimento de José Osmar de Araujo, neto de Antônio Antunes Barbosa, concedido a Miguel Fernando PerezSilva em 16 de março de 2010. Acervo: Maringá Histórica.

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de Mendonça. Antes de esses espaços serem instalados, a função de recolhimentocabia à Delegacia Municipal, a qual, pela falta de treinamento, não dava omerecido tratamento aos pacientes. Não raro, esses eram classificados comocriminosos.

De estilo colonial, o Hotel Vila Rica também iniciou as atividades nadécada de 1960. Cogita-se que foi nele que o guerrilheiro Ernesto Guevarade la Serne, o Che Guevara, teria pernoitado em algum momento nessemesmo decênio. Em 1961, Che Guevara esteve no Brasil, onde acabourecebendo uma honraria do então presidente Jânio Quadros. Provavelmentenão tenha sido nessa visita em caráter oficial que esteve em terrasmaringaenses – mas é sabido que ele passou pelo Paraná, planejando sua idaa outras regiões da América do Sul. O assunto ainda carece ser estudado,porém, suposições à parte, o certo é que, no início daquela década, Maringáfoi palco de diversos embates políticos de sindicalistas e opositores dogoverno federal.

A efusão cafeeira, aliada às ações de divulgação da região, foram peçasfundamentais para o sucesso financeiro de Maringá. A cidade, em 1957,

Figura 18 – Fachada do Hotel e Restaurante Bela Vista na década de 1950

Fotografia: Autor desconhecidoFonte: Acervo Maringá Histórica

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chegou a possuir 19 estabelecimentos bancários. Nesse mesmo período, maisde 25 serrarias funcionaram simultaneamente. Sobre as máquinas de café,até hoje não existe um estudo aprofundado sobre o tema, no entanto, estima-se que estavam em funcionamento na época mais de 30.

As pensões, sobretudo, exerceram um papel fundamental para acolonização e derrubada da mata. Isto é, os lenhadores que aportavam pelacidade, sem recursos, instalavam-se em pensões, hospedarias, ou similares,aguardando os funcionários das fazendas os reunirem para exercerem suasfunções. Os fazendeiros quitavam as despesas de alimentação e hospedagemdesses homens e transportavam-nos até o local do trabalho. O ciclo se repetiapor diversas vezes ao longo do ano.

Não era um período dos mais fáceis, isso é fato. A alimentação eraprecária; a bebida era resfriada em alçapões embaixo da terra vermelha; ebanheiros coletivos não era exceção. Foi somente na década de 1950 que aágua passou a ser encanada para os quartos e as camas passaram a ser demolas – o que propiciava mais conforto.

Dos hotéis com mais de cinquenta anos de funcionamento, poucosainda estão em atividade. A justificativa se dá em diversos níveis, mas, oque se constata é que o segmento, de maneira geral, se profissionalizou e semodernizou rapidamente, o que defasou a concorrência do mercado. Naoutra via, a procura por lotes foi suprimida com o encerramento das vendaspor parte da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná.

O ciclo planejado pela colonizadora se fechou. Agora, Maringá estáem outro patamar e seus desafios aumentaram. É preciso pensar seu futuropara lutar contra os problemas urbanos e sociais que vem surgindo dia apósdia. E, pensar no futuro, também quer dizer preservar sua memória, quetem se tornado cada vez mais frágil quando materializada na forma da suaarquitetura, que, para Raquel Rolnik (1988), representa também uma formade escrita – e, como um texto, tem a propriedade de durar, de permanecer.Sendo assim, pensar a sua conservação é “impedir que estes textos sejamapagados mesmo que, muitas vezes, acabem por servir apenas àcontemplação, morrendo assim para a cidade que pulsa viva, ao redor”.(ROLNIK, 1988, p.18).

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