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LYRA FILHO A criminologia dialética

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A criminologia dialética. Brasília: Ministério da Justiça, 1997.

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Série "Arquivos do Ministério da Justi~a" APRESENTAÇÃO

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Verdadeiro tormento para aqueles que seTnteres- sam pelo estudo de qualquer área do conhecimento é a busca de obras que se encontram esgotadas. O problema é ainda mais sério num país como o Brasil, de dimensões

. - - - -- territoriais imensas, onde as bibliotecas especializada~

- - - -- - - estão gerãlmenteZiKa-bas nas~c@iEisOu naSCiades de--- maior porte.

É de ser registrado que o desenvolvimento da In- formática, viabilizando a organização de. bancos de dados, tomou possível a integração de acervos biblio- gráficos. A tecnologia atenuou os percalços da procura, possibilitando a localização dos livros existentes em qualquer das entidades pertencentes a rede. Porém nem sempre permite o acesso, devido as grandes distâncias,

- ~ s s t r i n g i n d o - s e a a p o n t a r - o n d e seencontra-~exemplar~ -

Lyra Filho, Roberto, 1926 -. A remessa de cópias encontra óbices algumas vezes Criminologia Dialética 1 Roberto Lyra Filho. - Bra- incontorn~vek.

síiia<hlini~-térioda3usti~a, 1997- -A - -,T -- - -. - - - .- -- -- A E impossivel uma pesquisa completa quando não

1%. - (Série Arquivos do Ministério da Justiça). está disponível o material que se considera indispensá- Apresentação de Nelson A. Jobim. introdução de Ino-

cêncio Mártires Coelho. vel. Toma-se difícil viver o presente, que se projeta no futuro, quando se ignora o passado. Já afirmava Vieira,

Reimpressão fac-similar. há mais de três séculos, no Semião de Quarta-Feira de 1. Criminologia - Brasil. Cinzas, pronunciado em 1672:

"Se quereis ver o futuro, lede as histórias e olhai para o passado, se quereis ver o passado, lede as profecias, e olhai

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para o futuro. E quex q:iiser ver o presente para onde há de olhar? Não o disse S. :ornZo, mas eu o direi. Digo que olhe juntamente para um e para outro espelho. Olhai para o passado e para o futuro, e vereis o presente. A razão ou consequência é manifesta. Se no passado se vê o futuro e no futuro se vê o passado, segue-se que no passado e no futuro se vê o presente porque o presente é o futuro do passado e o mesmo presente é o passado do futuro."

Considero que se insere no âmbito da competência do Ministério da Justiça favorecer os estudiosos de temas jurídicos, mediante reimpressão e fornecimento às bibliotecas de instituições brasileiras, de ~ d u m e s de obras selecionadas que se tornaram raras ou estão esgo- tadas. Isto desde que se tratem de trabalhos que já caíram no domínio público ou exista anuência dos de- tentores dos direitos autorais, de forma a que não cons- tituam maiores Ônus para a Administração.

Tal se consumará mediante sugestões oferecidas por eminentes figuras do Direito pátrio, nos diferentes setores de atuação. Essas obras constituirão a série "Arquivos do Ministério da Justiça", contribuindo para o aprimoramento e aperfeiçoamento da cultura jurídica brasileira.

Confio em que a iniciativa adotada por esta Secre- taria de Estado possa corresponder aos propósitos que a inspiram, ampliando-se na medida da receptividade que venha a encontrar.

Brasília, março de 1997.

Ministro de Estado da Justiça

Contemporâneo do livro a que, agora, está servindo de prólogo, o trabalho transcrito a seguir foi redigido, em sua primeira versão, há mais de vinte anos.

Originariamente um voto-vista, que apresentamos perante o Conselho de Ensino e Pesquisa da Universi- dade de Brasília, no calor de uma reunião em que se deliberava sobre o enquadrarnento de professores nos diversos níveis da carreira docente, aquele primitivo arrazoado, rehndido e transformado em artigo, veio a público em 1971, no terceiro volume da Revista de Direito Penal, graças à generosidade do saudoso Hele- no Fragoso, para quem Roberto Lyra Filho, seu colega e amigo, era simplesmente o mais notável professor universitário da sua geração.

Tal como registramos em suas primeiras linhas, esse texto de circunstância destinava-se a transmitir o juízo de um discípulo sobre a importância da obra filosófico-jurídica do professor Roberto Lyra Filho, num momento particularmente atormentado da vida profissional do mais critico dos nossos jurístas críticos, quando patrulheiros ideológicos, travestidos de cientis- tas isentos, pretenderam, sem sucesso, impedir que o já incômodo adversário da ordem estabelecida ascendesse ao topo da hierarquia universitária. Imaginavam, aque- les novos inquisidores, que a "reprovação" da obra de

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Roberto Lyra Filho acabaria impondo uma espécie de silêncio obsequioso ao pregador irrequieto ou ao jurista "marginal", como ele próprio se qualificou antes. mes- mo que transitasse em julgado a sua condenação oficial.

A republicação, sob os auspícios do Ministério da Justiça, de Crinzinologia Dialética, uma das mais im- portantes obras do saudoso Roberto Lyra Filho, prece- dida deste depoimento, que fomos obrigados a prestar

- e m ~ o n d i ~ õ e s adversas, só agora reveladasyessa repu- -

blicação reveste-se de singular importância para urna reflexão sobre a necessidade de que o pluralismo polí- tico, que todos dizem praticar, deixe de ser qenas um enunciado em nosso texto constitucional para se con- - - -- verter numa-~~&as-1-ib-ei-tadora. - - - - - - -- - -

Quando tivernaos atingido esse nível de maturidade politica, quando os nossos adversários já hão forem tratados como inimigos, quando as nossas discordâncias de opinião não mais se reputarem declarações de guerra, homens de pensamento engajado como Roberto Lyra Filho não precisarão da solidariedade dos amigos, nem do fervor dos discipuIos para serem ouvidos ou tolera- dos. Afinal de contas, como ele mesmo dizia, não existe modelo fixo para o "reino da liberdade".

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A OBM CIENT~FICA E F X O S ~ F I C A DE ROBERTO LYRA FILHO

- Este ensaiovisa a-expor,-sistematicamente, as-c-era- -- --

tribuições do Prof ROBERTO LYM FILHO ao Direito Penal e Processual Penal, à Criminologia e à Filosofia Jurídica, na ocasião em que ele completa o primeiro vintênio (1 950- 1970) de ensino superior e pesquisa

-avançada. -Redi-gido-yor -um d-iseip~lo~ que-lhe. deve- - -- - -

grande parte de sua formação, sobretudo pós-graduada, representa a homenagem do reconhecimento, o eco das vozes de tantos, que têm recebido encaminhamento, apoio e orientação segura do Prof. L Y M .

A primeira observação a fazer sobre a perssnalida- de científica em estudo é a extraordinária amplitude do seu campo de formaçâo e atividade, com investigações que se expandem horizontal e, mais, verticalmente, dentro de -uma -- polarização de notável constância de

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interesses e habilitações. Fundamentalmente, aqui se trata do problema do

c r i w f o cads, oranõ 2ngu1o ~ c e s suzkp enzl; -

meira &se; depois, aprofbndado, na visão científica da ~ri ininolo~ia,-que lhe desvenda outras dimensões, e exploraçãi, em toda a gama micro e macrocriminológi- ca, desde as investigações bispsáquicas às sociológicas. Enfim, a preocupação de ordenar uma teoria criminoló- gica integrada leva a questionamentos radicais, pondo

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o autor em campo filosófico, sobretudo no que conceme a metodologia das ciências, notadamente as humanas, e ao "esquema de base", reclamado, aliás, pelo criminó- logo PINATEL, quanto a Antropologia Filosófica. E isto vem trazer a consideração todos os problemas gnosio- lógicos e epistemológicos, os problemas dos valores e das normas e o caminho da Filosofia Geral a Filosofia do Direito. A revisão desses roteiros leva o Prof. ROBER- TO LYRA FILHO a marcar planos originais de comuni- cação entre a problemática de formalização, eficácia e legitimidade das normas e os trabalhos jurídicos, em sentido estrito, rompendo os diques do tecnicismo, para o livre trânsito da especulação, e enriquecendo-os com as perspectivas científicas da Criminologia, que, já em si, forma uma prodigiosa encruzilhada.

Nesta primeira abordagem, visamos a manifestar a co-implicação de toda a obra, naquele duplo sentido de abordagem interdisciplinar e peculiar "especialização", assinalado por GIBERTO FREYRE, em comentário ao livro do Prof. ROBERTO LYRA FILHO, Perspecfivas Atuais da Criminologia. É aqui, nesse perfil de scholar, que reside a coerência capaz de movimentar a rede, onde se entretecem os elementos de uma erudição realmente incomum, sempre manejada com agilidade.

Substancialmente, defrontamo-nos com imenso painel, em que o tema é o crime, o criminoso, a pena, considerados sob todos os ângulos e com incursões na Biologia, na Psicologia, na Psiquiatria, na Psicanálise, na Sociologia, na litigiosa "Ciência do Direito" Penal e Processual Penal, na Criminologia, na Filosofia Geral e, especialmente, na Filosofia do Direito.

A passagem por todos esses terrenos, todavia, além de regida, digamos, por mola mestra de preocupações criminológicas, faz-se com tal aprumo, tão rigorosa informação e formação científica e filosófica, que mui- tos setores, não especialmente visados, recebem ilumi- nações incidentes que, em si, representam marcos , I

significativos e contribuições valiosas, sob o prisma de qualquer das disciplinas fi-eqiientadas, quando as consi- deramos em si mesmas.

Para destacar essas características, RECASÉNS SI- CHES - a cuja obra filosófico-jurídica dedicamos exaustiva análise crítica que constituiu nossa tese de doutoramento - desenterrou e repristinou um velho adjetivo - "exímio" - aplicando-o ao mestre ~ da Universidade de Brasília. É aquele perfeito rigor e aca- bamento, ali expresso, que se torna admirável. Esse itinerário, no seu delineamento geral, será seguido, aqui, com a miniicia que estiver a nosso alcance.

Deixamos, propositadamente, de lado a que o Prof. ROBERTO LYRA FILHO considera, ele pró- prio, "bissexta" - isto é, suas incursões na crítica literária, dramática e musical, seus ensaios, poemas e obras teatrais - em que, apesar de encontarmos cinti- lações peculiares e mais uma dimensão (propriamente artística) de sua cultura, o autor prefere situar como simples curiosidade intelectual de dilettante. Aliás, ca- beria desrespeitar-lhe a auto-crítica, com o registro de que o diletantismo é sui generis. A certa altura, vamos encontrar o Prof. ROBERTO LYRA FILHO, junto a SER- GE KOUSSEVITZKT, ELEAZAR DE CARVALHO, CA- MARGO GUARNIERI e outras grandes figuras, julgando partituras, num concurso de obras sinfônicas - donde

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Paralelamente, contudo, um espirito tão fecundo e que um processualista do porte de F. M. XAVIER DE aberto já se debatia na camisa-de-força duma doutrina. ALBuQUERQUE não hesitou em adotar, nos seus cursos, atada à lege lata, proctirando escape Aquela situacáo nos e lhe valeu a homenagem do convite, aceito e brilhan- estudos criminoldgicos, mais amplos. Nesse roteiro, é temente executado, para relator de uma parte do An- que se traduz o encontro com a obra paterna; mas, como teprojeto Buzaid, em congresso jurídico da maior escreveu o prbprio ROBERSO LYM, ídolo de tantas Aliás, aquela contribuição, atraindo a veia gerações acadêmicas, ROBERTO LYRA FILHO não pre- de processualista @enal e civil, no sentido unitário, que cisa de sua "herança", pois tem capacidade de produção e orientação própria. O carinho filial proclama, por outro lado, que foi ao contato com a notável obra do genitor que se adestrou seu espirito, permitindo-o lan- Esses títulos fizeram lembrado o Prof. ROBERTO çar-se a Crirninologfa, em roteiros originais.

3 . J ~ ~ ~ FILHO, muito recentemente, pelos organizadores jo 5" Congresso Internacional de Direito Processual, a Todavia, antes de passar aos campos da Crimino-

logia e da Filosofia do Direito, em que se abriu 2 fase iealizar-se no México (197 l), sendo ele incluído no rol de consagração internacional do Prof. ROBERTO LYM dos que receberam consulta especial, para escolher os FILHO, cumpre assinalar que, entre 196 I (Esquemas de nomes dos relatores parciais brasileiros e do relator Direito Processual Penal) e 1969 (Postilas de Direito Penal), ele fez despedidas áiureas a esses dois ramos do Por outro lado, no que tange ao Direito Penal, as Direito, em sua apresentação legitimamente técnica. ~os t i l as , publicadas em 1969, mas datadas de, pelo Esse caráter de despedida está bem marcado no prefácio menos, cinco anos antes, também não são mera eluci- ao segundo desses livros, em que o autor demonstra dação e sistematização de conceitos. A originalidade de como e por que abandonou a "navegação de cabota- certas colocações é tão flagrante, nesse livro, que ele gem", típica do trabalho jurídico em sentido tecni- ultrapassa o objetivo de servir à simples iniciação - cista. Mas o importante é assinalar que as duas obras que o titulo sugere - para abrir roteiros próprios, representam muito mais do que indicam os títulos, autônomos e harmoniosos. deliberadamente modestos. Eles podem iludir os não-especialistas; mas não enganariam, decerto, o Na Criminologia, atualmente, o Prof. ROBERTO gosto seguro dos realmente doutos. Assim é que, no LYM FILHO assumiu, como já notava, em 1965, a

Revista Brasileira de Çriminologia e Direito Penal, em referente ao Direito Processual Penal, além da contri- editorial, "uma posição de liderança". Seria buição original sobre classificação das infrações penais,

já citada, o Prof. ROBERTO LYRA FILHO deixou-nos quase dispensável de comprová-lo, pois o fato é, nos meios científicos, notório e pacífico. Demonstraram-no, uma nova sistemática dos ritos, totalmente reelaborada, inclusive além de nossas fronteiras, 0s convites aceitos

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para a tarefa de que se desincumbiu o Prof. LYRA, com grande brilho: delinear o panorama da Criminologia para auditórios pós-graduados no Instituto le Ciencias Penales e na Universidade do Chile, em Santiago e Valparaiso (1 968). Essas conferências, traduzidas para o castelhano pelo Prof. JAIME VIVANCO, sob o título EP? Torno a la Criminologia, foram publicadas, com -grande-êxito, n a Revista-de Ciências Pmales e encer- ram, junto com a elucidação de conceitos intrincados e controvertidos, posições originais, na metodologia e nas pesquisas empreendidas pelo Prof. LYRA, com o apro- veitamento de amplos estudos, feitos por ele no Brasil e-no-estrangeiro,-notadamente em Viegna,O-mesmo alto- apreço surge no interesse que demonstrou o Prof. DENIS SZABO pelos trabalhos do Prof. LYRA, chegando a convidá-lo para visitar o Departamento de Criminologia da Universidade de Montreal, Canadá, e o Centro Inter- nacional de Criminologia Comparada, que ali funciona - estabelecimento que constitui modelo internacio- nal de ensino e pesquisa criminológicos, no autoriza- do dizer de JEAN PINATEL. Ainda mais vigorosamente se marca a importância dos ensinamentos do Prof. L~~~ern-Criminologia, pelaacolhida-desuas-obras~ na América e na Europa, e os convites para visiting professor, como o formulado para outro grande centro, - - -- - - -- - -

a Universidade dnerusalém, pelo Diretor do Instituto de Criminologia, Prof. ISRAEL DRAPKIN. No âmbito nacional, muitos autores citam os trabalhos crimino-

DENIS SZABO (Canadá), SEBASTI~N SOLER (Argen- tina), LUIZ RECASÉNS SICHES (Espanha-México) e EDUARDO NOVOA MONWEAL (Chile).

Este ano, a Comissão Fullbright, depois da agrova- ção do plano de pesquisas do Prof. LYRA por WALTER C. RECKLESS, professor emérito da Universidade de Ohio, concedeu-lhe um guant para senior advanced

- ~ s e a r c h ~ a o qual-ele-renunciou por-excepcional-dedi~ cação às suas tarefas na UnB.

A importância das posições em teoria criminológi- ca, do Prof. LYRA, demarca-se bem na combinação de

----processos das-direções-"naturalista" e-'kulturalistal'; na abordagem interdisciplinar, não apenas como "h- sãoVde dados de ciências diversas, mas enquanto abor- dagem multidimensional, armada ab initio, menos a título de protocolo metodológico do que da demolição das barreiras, em níveis de análise, com recorte trans- versal; na assunção do problema da definição do crime enquanto dado do próprio afazer criminológico, diale- tizando os impasses lógicos dos formalismos jurídico e sociológico, para superá-los, na preocupação de recon-

dlszir-ao~esque-ma-antropológi~o-de-base~Vimos-q~e- -

PINATEL reclamou esse esquema, para evitar "as mil sinuosidades dos trabalhos de detalhe" e as "pesquisas d w c a enVergadura"na CFiminologiã. K e ~ s e p e l o , ~ o Prof. LYRA dá uma resposta firme, cremos que mais firme do que a do próprio PINATEL, comprometido na

lógicos do Prof. LYRA, fazendo generalizado coro de adesão à metafisica, tomada de empréstimo a um psi- louvores as suas diretrizes originais, de GILBERTO quiatra devoto, embora digno e ilustre, como DE GREEF. FREYRE aos Profs.GILBERT0 DE MACEDO e HELENO Na obra do Prof. LYRA o caminho evolutivo, neste C. FRAGOSO, ecoando os juízos internacionais de JEAN momento, atinge o clímax, na verdadeira transfiguração GRAVEN (Suíça), GERHARD MULLER (Alemanha), em que, por assim dizer, os andaimes dessa obra são

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rompidos, para revelar uma fachada harmoniosa, com detalhes arquitetônicos insuspeitos. Ele retoma as gran- des correntes do pensamento contemporâneo, visando a tecer as abordagens originais, não como simples jus- taposição eclética, ao saber dos meros repetidores da ciência alheia, porém como integração original. OS aspectos biopsíquicos e sociais tornam-se mais agudos no seu estudo sobre caminhos e obstruções da teoria sociológica e uma verdadeira Aufhebung envolve o seu contato, agora rnarcante e explícito, com a problemática do homem e dos valores, das estruturas, fissuras e contestações, das bases econômico-sociais e dum novo engajamento de sua Criminologia viva ou, como diria NAGEL, Criminologia Crítica. Neste ponto é que o Prof. LYRA enriquece a ciência a que dedicou seu notável talento, com os resultados de suas investigações antro- pológico-filosóficas e jusfilosóficas.

Tendo analisado, a fundo, o tridimensionalismo jurídico, mediante o qual REALE pôde alcançar reper- cussão e mesmo adesões internacionais de vulto para uma contribuição brasileira, o Prof. LYRA procurou extrair novas conseqüências da dialética de implicação e polaridade, para evitar, como ele enfatiza, que o tridimensionalismo, dito específico, apresente a feição de um caminho mais complexo, matizado e indireto, para uma rendição final ao chamado "princípio da segurança7', que recobre, com verniz axiológico, algo redutível, afinal, a um novo tipo de formalismo. É que as posições do Prof. L Y M não se poderiam acomodar num arremate, em última instância conservador, tal como a dialética hegeliana, que termina com a dissolu- ção do indivíduo e uma sernidivinização do Estado

prussiano. Aqui, mais uma vez, a dialetização, tal como a compreende o Prof. LYRA, procura coligar teoria e práxis e questionar estruturas, sem compromissos com qualquer delas, ao invés de avalizá-las, eruditamente. O momento atual da reflexão jusfilosófica do Prof. EYM é marcado por uma preocupação, muito enfatizada, de uma espécie de "adeus a disponibilidade", fazendo o engajamento, não como o de outro célebre adeus, no sentido do passado, mas na direção do futuro. Os três princípios nucleares combinam-se, para a síntese: en- quanto a mera formalização tendia a recobrir as adesões do "positivismo"~~ formalismo legal, a pura eficácia tendia a formar-se em termos, quer de historicisrno clássico, quer do relativismo e do formalismo, que obscur.eceu a dialética estrutural, imobilizando os parâmetros numa "sociedade global", para cômoda referência. É certamente ao terceiro princípio, o da legitimidade, que o Prof. LYM vem dedicando maior atenção. A formalização detém-se na perfeição geomé- trica de KELSEN; a eficácia dissolve-se perante o jogo de pluralidades axiológicas e até pluralidades de "orde- namentos jurídicos", nas grandes formações dilacera- das pela estratificação em conflito. Para integrar a visão do Direito, o apelo à legitimidade é o único em que se evitam os formalismos sociológicos ou legais. Todavia, sua grande reelaboração, que levou o Prof. LYM a falar. num tridimensionalisrno, não só específico, mas global, coloca-o na vanguarda da construção, na qual ele não hesitou em reformular-se, interiormente, para atender ao clamor das tensões sociais. Nesse contexto, que sofre o acicate da práxis, o Prof. LYM tem procurado subli- mar o papel da consciência ética e das reformulações do rol capital dos direitos do homem, para que "represen-

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tem mais do que simples declarações internacionais, a prática efetiva, em todos os recantos do mundo".

Como intelectual livre, mostra-se infenso as exas- perações sectárias, ao mesmo tempo em que, com pro- gressivo aumento de força e clareza, também denuncia o isolamento teórico, surdo às conjunturas e perdido nas nuvens duma teoria que não corresponde ao nível de atuação num momento histórico. A dialética, atingindo simultaneamente os terrenos do concreto histórico e dos percalços dum princípio imanente de liberdade e liber- tação, une o homem enquanto cognoscente, enquanto agente puro e enquanto agente conscientizado das dire- ções possíveis, na "ação recíproca" entre reorientação

- teórica e atuação prática. Atuação intelectual; bem en- tendido - que nâo é o menos importante.

No passado, o terreno da legitimidade das normas formalizadas e eficazes ficou relegado a um jusnatu- ralismo, em última análise conservador, pela sua vin- culação a padrões axiológicos fixistas. A queda do jusnaturalismo clássico provocou a relativação histo- ricista, em que o formalismo floresce, pela falta dum terreno onde se resolva o confronto permanente entre Q e o n t m n t í g x a . - -- -

A grande fecundidade das colocações da obra do Prof. L Y M está em levar, para o interior da jusfilosofia, aquele confronto, enquanto tal, e fazE dele m e ~ ~ ~ o ingrediente nuclear da linha de absorção e superação. O problema da norma jurídica, tal como o problema do crime, formalizado em norma, são, enfim, substancial- mente idênticos, pois a norma jurídico-penal, com sua exacerbação sancionatória, denuncia, mais agudamen- te, as tensões de que nasce. A unidade substancial da

obra do Prof. L Y M está nesse empenho, que podería- e

mos classificar como de superaçâo das antinomiâs de MDBRUCH, conferindo-lhes um tonus dialético e não meramente lógico. Neste sentido, a anomia "integra" o sistema de normas -mas não coino o ilícito se integra no ordenamento jurídico à KELSEN -e O perfil global do Direitofunde as juridicidades substanciais e as for- mais: a afirmação normativa e a contestação anbmica indicam, nesta última, a portadora de outros projeios -

normativos e quadros referenciais de valor, cujo sucesso ou malogro representarâ-, em cada momento, a resultan- te do choque entre estrutura e controle, dum lado, e desafio e mudança, de outro. É claro que se distinguirão,

- nesse contexto, a mera infração de normas e-a anomia, pois a primeira representa, de certa forma, uma "acei- tação" da norma e uma expectativa "normal" de san- ção, tudo em conformidade com as "regras do jogomde determinada estrutura e organização sociais, enquanto a segunda representa uma presença de grupos mais ou menos amplos de questionarnento de normas, em fim- ção de outros projetos vitais. O amadurecimento destes, quando situados na linha objetiva da atualização histó- rica, desencadeia mudança, pondo o "direito" formali-

zado,-não em-conflitoc-om merm fatos*, sirn;cxm 0s- elementos da dialética do Direito mesmo e reativando o processo de formação jurídica. Com essa colocação, o eiquema do Prof. LYRA dissolve a Elha teoria das -

fontes e, ao mesmo tempo, destrói as barreiras teóricas i e, em certos formalismos, até mesmo práticas, entre

fonte, norma, interpretação e aplicação- do direito. A criação de novos modelos representará, assim, naais do que simples renovo de sistemas peremptos, como naE- p m a s tentativas, uma assunção das diretrizes históri-

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I ( Servir-te-ão de guia, "0 teu

caminho; velarão por ti, quando repousares ; e, quando desperta- res, falarão contigo".

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10 ROBERTO LYRA FILHO

I O padrão básico do livro provém do diálogo - -

com a mocidade brasileira, à qual não dedico êste volume, porque ela o inspirou e êle já lhe pertence, desta maneira, em linha de princípio.

Sinto, cada vez mais imperiosamente, que cum- pre à minha geração enfrentar a teoria científica e filosófica, no sentido de uma resposta séria ao incon- formismo dos jovens, evitando, sob qualquer aspecto, I." PARTE a "capta$o infradialética da realidade". A alie- nação pode ocorrer, tanto na teoria, desligada de suas projeções sociais, quanto nos "dogmatismos brutos"

A CRIMINOLOGIA E A IMAGEM DO

duma praxis acrítica. Os dois polos equivalem-se: HOMEM basta trocar o sinal. De qualquer modo, êles renegam o humanismo realista e entronizam estruturas, diver- sas na organização e endereço, mas igualmente in- fensas à liberdade criadora. A parte comum está na abordagem ãhistórica e reificada. 1 i

Tenho plena consciencia das dificuldades da ta- refa, mas também da necessidade íntima e do dever

1 social de empreendê-la; e prefiro, de todo modo, o I

risco das imperfeições, na execução dum projeto ar- !

rojado, ao perfeito acabamento, no jogo fútil de .empirismos rasteiros, bem comportados e medíocres. I

ROBERTO LYRA FILHO I

I Brasília, janeiro-março de 19 7 1. Caixa Postal 07-0063 - 70.000 - Brasília

~ ~ 2. JOSEPH GABEL - Lu Fausse Conscienre. Paris, Les

I I i Éditions de Minuit, 1962, p. 42.

3 . HENRI LEFEBVRE - Pour Connaitre lu Pensée de I ,%farx. Paris, Bordas, 1966, p. 10.

4. GABEL - Obra citada, p. 242. I !

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- - --

A or ien tasão G u a l , n o sent ido -duma teoria

criminológica integrada e ec~rrmênica,~ parece refletir

tendências, já presentes no primeiro impulso da cri-

minologia e que, agora, depois de longo banimento,

voltar-iam a gozar de seus direitos- de cidadania. No entan to , examinadas mais d e per to , as novas dire-

trizes não permi tem q u e se fale num re tô rco a o

espír i to d a s construções iniciais. Estas, embora cons-

tituindo um sistema coerente d e pensamento crimi-

5. RIOBERTO LYRA FILHO - En Torno a la Criminologh, separata da Revista de Cienck Penales, Santiago (Chile), tomo XVIII, n.O 1, ps. 3-45 (1969) ; ROBERTO LYRA, Crimi- nologia, Rio, Forense, 1964, passillz; PIERRE BOUZAT & JEAN PJNATEL, TraitÉ de Droit Pénuld t de Criminologie,-Paris, - Dalloz, 1970, tomo 111, ps. IX-X; DENIS SZABO, org., Crinzi- vzologie em Actio,n, Montréal, Les Presses de 1'Université de Montréal, 1968 (aí, sobretudo JEAN PINATELX-ps. 135-169, e ----- - - - - - -- - --

LLOYD OHLIN, ps.418-428) ; DENIS SZABO, Crinzinologie, Mon- tréal, Les Presses de 1'Université de Montréal, 1967, ps. 17 e segs. ; JEAN PINATEL, Scientific Research as a Basis for Cri- minal Policy, in International Review of Criminal Policy, New York (Nações Unidas), n.O 28, ps. 11-17 (1970) ; MARVIN E. WOLFGANG & FRANCO FERRACUTI, The Subcultwe of V ~ O - lente, London, Tavistock Publications, 1967, passim; WOLF MIDDENDORF, Die Kriminologkche Prognose, Neuwied, Luch- terhand, 1967, p. 103; WALTER C. RECKLESS, The Crime Pro- blem, New York, Appleton-Century-Crofts, 1%7, ps. 2-3 ; S. C. VERSELE, in Autour de POeuvve du Dr. E. de Greef, Louvain, Nauwelaerts, 1965, vol. I, p. 208; G. TH. G M P E , in La Nou-

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14 ROBERTO LFRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 15

nológico,6 surgiram, enformadas e informadas po r social, apareceram diversos ensaios de s i s t ema t i zação um clima filosófico m u i t o diferente. Refiro-me ao filosófica, desencadeando, ma i s tarde, com a síntese

I naturalismo, q u e remonta às origens da burguesia de LUDWIG FEUERBACH, as famosas teses críticas d e ascendente e a c u j o arsenal ideológico pertence. MARX? N a s iniámeras vertentes do positivismo, c o m o Quando esta classe passou a d i ta r as regras d o jogo as q u e vêm de CQMTE o u SPENCER - natura l i smo e

- posi t ivismo coligam-se - o mesmo estilo de refle- v c ~ ~ e École de Science Criminelle: L'Éco~e d'Utrecht, Paris, x ã o subdivide-se e m tentat ivas de reduz i r os f a to s d a Cujas, 1959, ps. 81 e segs.; MARC ANCEL, La Difense Sociale v ida h u m a n a - ind iv idua l e social - a epifenôme- No,uvelle, Paris, Cujas, 1966, p. 349 ; LEON RADZINOWICZ. O?) en est la Cri~ninologie?, Paris, Cujas, 1965, p. 155 ; G. STÉFANI, nos, derivados de realidades básicas, de o rdem soma- G. LEVASSEUR & R. JAMBU-MERLIN, Cri~ainologic et Sciencc

I Pénitencini+e, Paris, Dalloz, 1970, m. 34; FRANCO FERRACUTI, to-psíquica o u sociológica. Al i , o investigador se

I I T,endencia$ y Necesidades de la Investigación Cri~.tzinológica en def ronta c o m mui t a s versões d u m só determinismu I A~ncrinz Latina, Roma, Instituto de Investigación de las Na- rnscanicista. I I ciones Unidas para la Defensa Social, 1969, págs. 10-11 ;

HERMANN MANNHEIM, Cowzparative Criwzinology, London, Assim é que, nas distorções d o it inerário de t an - : Routledge & Kegan Paul, 1966, 1101. I, pág. 21 ; H. P. RICKMAN, tos pioneiros, estava, sempre, a mesma pressão, direta Understanding and the H.u~.nan Studies, London, Heineinann, OU indireta, d o na tura l i smo e do positivismo, c o m 1967, pág. 136 ; JOI-IN BARRON MAYS, Crime and the Sociat .Ctructure, London, Faber & Faber. 1963, passinz; DENIS SZABO, u m a antropologia subjacente, de índole biologista,

I in Actn Crinzinologica, Montréal, Les Presses de 1'Université psicologista o u sociologista. Obliteravam-se matizes, I

I de Montréal, 1968, n.O I, pág. 6 ; FRANK E. HARTUNG, Crime,

i I.aw and Society, Detroit, Wayne State University Press, 1965, interferências e associações de fatores, sobre tudo co- pág. 217; ISRAEL DRAPKIN, La Crirninologúz en Hispanoamkrica, implicações dialéticas, de acordo com a preocupação in Revista de Derecho EspaGol, Madrid, 1966, n.O 11, pág. 7 ; causal, mais o u menos rígida, po rém inevitàvelmente BENIGNO DI TULLIO, Principias de Crivninologia Clinica y Psi- qztWltrk Forense, Madrid, Aguiar, 1966, pág. 160; PAUL polar izada e m t o r n o de explicações, af inal exclusi- W. TAPPAN, Crime, Justice and Correction, New York, Mac- vistas e unilaterais.

I Graw-Hilk 1960, pág. 169; WOLF MIDDENDORF, Sociologia de1 I O s mesmos encaminhamentos p o d e m ser obser- Delito, Madrid, Revista de Occidente, 1961, pág. 247: H. VEIGA

I DE CARVALI-IO, Os Cri~minosos e swrs Classes, São Paulo, Ser- vados, desde LOMBRIOSO, p a r a citar u m marco do

I viços Gráficos da S. S. P., 1964, passirn; MANUEL LÓPEZ~REY, biologismo, o u DURKHEIM, pa ra mencionar a opo- Considérations Critiques su-r LU Criminologie Contemporaine, in Annales de Ia Faculté de Droit de Liège, 1966, pág. 344; GIL- siçzo sociologista, n ã o menos desvirtuadora. O socio- FERTO DE MACEDO, AS Novas Direfrizes da Crintinologk, São -

~ Paulo, Leia, 1957, mág. 26. I 8. C. I. GOULIANE - Le Marx.M.me Devant PHornme: I

I 6. MANNBEIM, Obra citada, vol. I," pág. 221 I

Essai d'Anthropologie Philosophique, Paris, Payot, 1968, pág. 28. 7. JEAN PAUL SARTRE, Questão de Método, São Paulo,

I 9. MIGUEL BUENO - Las Grandes Direcciones de I,a Fi- Difusora Européia do Livro, 1966, págs. 9-11.

I ! losofia, Mexico, Pondo de Cdltura Económica, 1957, pág. 36.

Page 22: LYRA FILHO A criminologia dialética

16 ROBERTO LPBA FILHO

lagismo t a m b é m é, e m sí, a n t i d i a l é t i ~ o , ' ~ cedendo à l i n h a posi t ivis ta e na tura l i s ta de redesçiio causal, q u e tende a exprimir-se e m tê rmos m e c a n i ~ i s t a s . ~ ~

Aque la a t i t ude intelectual era t5o d i fund ida que a ela n á o escaparam, sequer, os q u e se a t r i bu i am o r ó t u l o socialista. É o caso típico de FERRI, preparan- - --

do um coctztail d e DARWIN, SPENCER e M A R ~ , c o m o se fossem complementares, e ex t r a indo dessa mis tura uma espécie de progressismo idílico.12 T a m b é m é a situa+ d e BQNGER, segundo o q u a l a criminalidade

. - emergir-ia, à maneira dum corolár io do sistema capi- -

talista. Essa leitura mecanicista do m a r x i s m o é, hoje , repelida, a t é pe lo cr iminólogo soviético, SAKHAROV, q u e a considera vaga e Bnsatisfatória,13 p a r a náo dizer, francamente, s implis ta e visceralmente anti-dialética.

A analogia forçada c o m os esquemas d e inteli- gibil idade dos fen6rnenos, peculiares à s ciências na-

10. LEFEBVRE, Obra Citada, pág. 12; GOULIANE, Obra citada, pág. 17-22.

11. LEON RADZINOWICZ, Ideology and Crime, London, Heinemann, 1966, passim. Éste autor, numa douta resenha, equivoca-se, todavia, ao considerar -o marxismo uma -filosofia - -- - -

economicista, pois esta versão subsiste, apenas, em deformações criadas, para fins polêmicos (GEORGE SAROTTE, Le Matérialissme 1

Hisforique duns Z'gtude dfc Droit, Paris, Les Éditions du Pavillon. 1969, pág. 13; LUCIEN GOLDMANN, S&mces Humaifies et

Bhilosophie, Paris, Presses Universitaires de France, 1952, págs. 82 e segs.; ARMAND CUVILLIER, Piartis-Pris, Paris, Armand êolin, 1956, págs. 322 e segs.).

I

12. RADZINOWICZ, Ideology, cit., pág. 55; DENIS SZABO, I

Déviance et Criminalité, Paris, Armand Colin, 1970, pág. 12. #

13. Ajud, ROBERTO LYRA, NOVO Direito Penal, Rio, E

Borsoi, 1971, pág. 209. L

t u ~ a i s , inclusive segundo o modêlo fisico - mesmo O R ~ E G A vincula esta caracioriqtica a o espírito d a burguesia ascendente " - des:ricamir,l?ou a crimino- logici, n o p róp r io berço e sob a influência dos mesmos fatores q u e t r aba lha ram as ciências humanas , em seu

conjunto . -- ---

I-IÕjc o biologisrno já não verá 6%%msito I i ~ r e , pelo menos e m suas pretensões de hegemonia micro- criminológica - apesar dos molombrosianismss retardatários, como a diencefalose criminógena de Dr TULLIO o u a explicacão com ayêlo a disfunções endócrinas, hipoglicemias e descalcificações; o u , a inda, a mais recente procura d a causa d a criminalidade em aberraçóes dos crornossornos.16

É claro q u e as investigações microcriminológicas n ã o são infeceindas, e m si. E las cont inuam a desen- volver-se, com mais v igor d o q u e se d e p e n d e da

14. JosÉ ORTEGA Y GASSET - Obras Col~lpletas, Madrid, Revistã de Occidente-964, vol. VII, fa i295 .

15. DI TULLIO, Obra Citada, págs. 139 e segs. 16. EDWARD PODOLSKY, T h e Clze'~~~.zical Brcw of Crit~zinal

Bclzavior in Jounzal of Cr i~~i ina l Law, C.r.iininology ,and Potice- -

S C ~ P ~ C , '1'01. 45, &S. 675 e segs. (1955) ; C h r o ~ ~ z o s o i ~ ~ e abnor- malzty nnd Cril~linal Rrspoxsability (Siinpósio) , Jerusalém, Pu- blication of the Iilstitute o€ Criminology, n.O 6 (1969) ; ELMER H. JOHNSON. C ~ ~ I I Z C , Cowcction und Socicty, Hommewood (11- iinois) The Dorsey Press, 1964, pág. 97 e segs.; BOUZAT & PINATEL, Obra Citada, vol. 111, págs. 297 e segs.; PAUL TAP- PAN, Obra Citada, pags. 98 e segs. ; VEIGA DE CARVALIIO, Obra Citada, pág. 1s; GILBERTO DE MACEDO, Horm6nios e Conduta Criminal i n Cadernos: Curso d e Doutorado, Maceió, Faculdade de Direito da Universidade Federal de Alagoas, 1965, págs. 1-13.

Page 23: LYRA FILHO A criminologia dialética

18 ROBERTO LYRA FILHO

resenha algo melancólica de ELLENBERGER,'~ inclu- sive nas pesquisas ditas "infractiológicas" da crimi- nologia japonêsa l \ em muitas outras iniciativas florescentes. O que se aponta é o insucesso das ten- tativas, no sentido de procurar acesso à macromino- logia, através de explicações microminológicas, mes-

I I mo quando estas admitem o concurso" de fatores sociais. O êrro, na perspectiva básica, impede o entro- samento dos dados, em virtude das distorções, man- tidas em todo o itinerário.

Por outro lado, os estudos psicológicos e psi- quiátricos enriquecem o elenco de visões parciais, sem esquecer os caminhos da psicanálise, mas, revelam, todos, a mesma incapacidade para cingir o fenômeno delituoso. do seu exclusivo ponto de vista espcciali- zado. Neste setor, fracassaram os esforços dum con- cordismo macro e microcriminológico, apesar de todo o talento e habilidade de cientistas como DOLLARD ou JEPFERY." Não está aí o caminho da almejada compreensão do crime, faltando a envergadura, para armar as "mil sinuosidades dos trabalhos de porme- nor"."O A microcriminologia revela-se deficiente, e ate

17. HENRI F. ELLENBEOGER in Crivtzinologie en Action, cit., págs. 46 e segs.

18. SHUFU YOSHIMAZU e SADAKATA KOGI, i n Acta Cri- wzinologicn. c k , vol. 11, jaxeiro 1969, págs. 147-160. O método infractiológico refere-se à pesquisa das relações entre os crimes, ii? vicia livrc. e as infra~ões penitenciárias, no interior das pri- sóes (pág. 159).

10. DENIS SZARO, DEeiiiinre, cit., págs. 18-19. 20. PIXATEL, in Criiizinoloyir e>t Action, cit. pá-

gina 136.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

nociva, quando pretende descobrir, em seu próprio nível, a "causa" da delinquência, baseada em elemen- tos somato-psíquicos, adquiridos ou hereditários.

Entretanto, a macrocriminologia não se pode pagar com arrogância o serviço de apontar as falhas da redução microcriminológica. A êsse propósito, convém recordar que o mestre da Universidade de Montreal, DENIS SZABIO, termina a resenha das mo- dernas doutrinas sociológícas da aberração (deviant beihaviour) com um apêlo à ética.'l

Em síntese, todas as explicações no antigo sen tido causal - ainda muito atraente para certos cien tistas, pouco informados sobre a evolução dêsse co ceito, na lógica "- e, inclusive, na lógica dialética 23

- esbarram num paradoxo fundamental. De um lado, é a predominância dos fatores ín-

ternos, às vêzes com o recurso tático de admitir a interferência dos fatores mesológicos. Porém - como

I '

extrair da órbita bio-psíquica, ao nível do crimí-

noso", geralmente estudado a posteriori e nas pri- sões," a própria razão de ser dum fenômeno, delimi- tado ao nível da "criminalidade", segundo parâmetros sociológicos?

21. SZABO, Dévinnce, cit., pág. 32. 22. MICHELANGELO PELAEZ, Introduzione allo Studio

delln Criminologin, Milano, Giuffrè, págs. 100 e segs.; MAN- NIIEIM, Obra Citada, vol. I, págs. 5 e segs.

l

i 23. ATH. JOJA, A Lógica Dialética, São Paulo, Fulgor,

i 1965, p a s i ~ ~ z .

24. SZABO, Déviuwe, cit., págs. 21-23; ELLENBERGER, in, I Criminologie en Action, cit., pág. 45. l 1

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2 O ROBERTO LYRA FILHO

De outro lado, é a predon-rinância da análise das normas sociais e da aberraçáo ou desvio, que a delin- qG6ccia manifesta. Mas, nessas normas, essencial- mente rnutáveis, não se encontra alguma espécie de estabilidade, que admita as generalizaçõc.; científicas. Elas oscilam, no tempo e no espaço e até. mesmo,

num tempo e espaço, por assim dizer, comuns, do ponto de vista horizontal. É que as estratificações sociais, desde a divisão estamental a estritamente clas- sística, determinam pluralismos éticos e oposições, na avaliaçio da legitimidade e normalidade das condu- tas. O sociologismo, como projeção ideológica, en- - trega à sociedade, dita global, o controle do parâme- tro, que utiliza, reservando a desvios e aberrações o conceito de subcultura. Ora, a sociedade global é mero arranjo, que depende de interêsse e forças gre- dominantes; e as crises sociais, desvendando contra- dições intrínsecas da estrutura e despertando contes- tações radicais, mostran-r a ambigüidade da noção sociológica - ou - psicológica da anomia, - expressivamente - -

tomada de empréstimo a DURKHEIM e reelaborada a partir AS subculturas também possuem suas

-- - - - - - - - - -- normas. - -

Certas explicações, construidas nêsse plano, já tentaram garantir a admissão da criminologia, na comunidade das ciências; mas, nisto, logo se mani- festou a inadmissibilidade das suas conclusões. Não basta referir, como o ilustre PINATEL, o fato básico do crime, exprimindo-o em têrmos de conflito e

25. SZABO, Dhiance, cit., pág. 26.

CRIMINGLOGIA DIALÉTICA 21

' L agressão contra os valores do grupo"." A palavra grupo torna-se muito imprecisa, para facilitar as transações, ao gosto da teoria de MERTON,~' e, de forma geral, das análises da criminalidade, com apoio nas idéias de associação difereaa~ial,'~ anomia e aber- ração,"' - - desorganizaçáo - - social3' -- - e quejandas. -

Evidencia-se, ai, não só um impusse teórico, através da relativização do conceito de crime; a tal ponto que se dissolve o próprio objeto da ciência cri- minológica, mas, inclusive, uma vocação eininente- mente conservadora. -Todo "fracasso, quebra ou desintegração" de estruturas será, nessas concepções de "vellao" (old man) , equivalente a "doença".31 E a tendência é., portanto, identificar o desvio como

I,

algo "patoTógico" - metáfora que propicia as liga- ções com o biologismo e o psicologismo, apontando

L I

causas ou concausas em anomalias" somáticas ou

26. PINATEL, in Cri??zinologie @tt Action, c&., pág. 140. 2 7 . ROBERTK, MERTON,&C~U~ Theofr31 - @nnd Social Struc- - -

twe, New York, Free Press, 1949, pussim 28. EDWIN H. SUTHERLAND & DONALD CRESSEY, Prin-

cipes Criw~inolo~ie, Paris, Cujas. 1966. págs. 85 e segs.; MA%-NHEIM. Obraci tada , võl. 11, pá@. 599 FTegs.

-- -

29. anomi mia é, em MERTON, Õ próprio fêcho da abóbada (clef de voute) dos estudos da aberração (SZABO, Criminologie, cit., pág. 167).

30. HARTUNG, Crime.. ., cit., págs. 19 e segs. Ver W. I. THOMAÇ & F. ZNANIECKI, no estudo clássico: Tlze Polish Peasant in Europe and A~wmba, New York, Knopf, 1918, pág. 1.128.

31. HARTUNG, Crinze.. ., cit., pág. 23. Sôbre a índole conservadora do clurkheiinisn~o em reaparição: SZABO, Dé- aiance, cit., pág. 31 ; GOLDMANN, Sciences. . . , cit., págs. 21 e seguintes.

Page 25: LYRA FILHO A criminologia dialética

22 ROBEBTO LYRA FILHO

psíquicas, reputadas correspondentes, Nêste sentido, a posição de QEFFERY é sintomática.

A organização social dominante é fixada, como parâmetro, para a análise da aberração, idéia que envolve a aceitação dos valores pelos qanais é deter- minada e acaba avalisando a estrutura, numa inves- tigaçáo muito amena da sociedade criminógena. A "explicação" desloca-se para um terreno securadá- rio. Já ADORNO denunciava a escamoteação, implícita nessas atitudes, lembrando que "a comunidade da reação social é, essencialmente, a da opr?ssão so~ial".~'

O núcleo estratificado defende-se, por êsse meio, de todo questionamento básico e movimenta o velho espantalho da defesa social. Aliás, a crise de consciên- cia dos mècanismos de controle deixou de apelar, doutriiaàriamente, para a punição do aberrante, pre- ferindo sugerir, com hipocrisia, a reeducação, o re- ajustamento, a cura de sua "doen<a". Todavia, ao menor abalo, as tensões sociais provocam aquêle pa- vor, que logo tende a lançar mão dos recursos mais violentos. regredindo, na ordem de evolução das ins- tituições. jurídicas, até as etapas ditas primitivas. O liberalismo, como projeçáo ideológica, só funciona desimpedido, na euforia das estruturas ainda não de- safiadas bàsicamente.

Sem dúvida, como nota ROBERTO LYRA, até numa sociedade dividida em classes e com o domínio

32. TH. ADORNO & MAX HORKHEIMER, Sociologica, Ma- drid, Taurus, 1956, pág. 285. Ver Luís GARCÍA SAN MIGUEL, Notas para una Critica de la Razón Jztrldiuz, Madrid, Technos, 1969, págs 103-105.

CBIMINOLOGIA DIALBTICA 23

de minorias privilegiadas, há crimes de perig0.e dano ~crnuns.~%as essa distinção válida tornou-se neces- sária, justamente porque a invocação, em abstrato,

< 1 da defesa social dissimula a existência de crimes" que resguardam privilégios, bem como o afeiçoamen- ~o de todo o sistema normativo aos interêsses funda- mentais dos melhor aquinhoados. DENIS SZABO acen- tua a índole das preceituações legislativas, traduzidas 12 defesa de bens e pessoa dos possédants." Ora, nem

~ ô d a definição formal de ilicitude penal apresenta eo ipso a chancela de legitimidade. E, além disso, no âmbito processual, as garantias judiciárias do fair trial só amparam, a bem dizer, aquêles que podem movimentá-las, em seu proveito. O ex-chefe do Mi- '

nistério Público, nos Estados Unidos, RAMSAY CLARK, em libelo, de publicação recente, coloca nessa perspectiva a organização judiciária do seu país.3"

SZABO já lembrava que, no século XIX, as clas- ses laboriosas eram sinônimo de classes perigosas; e

I ' os pobres, como os criminosos natos", foram con- siderados "inimigos da sociedade", aos quais se apli- cavam os rigores da lei, a título de " e ~ g e n i a " . ~ ~ Ainda hoje, a criminologia, realmente científica, precisa lutar contra o "estereótipo do criminoso", que, na expres- são de DENIS CHAPMAN, é "simples artefato social -

33. ROBERTO LYRA, E712 D ~ f e s a da Analogia, in Revista Erasilcira dc Crinlinologin, Rio, n.O 2, janeiro-iuarço de 1948, página 15.

31. S ~ A E O , DL:zfionce, cit., pág. 11. 35. RAAISAY CLARR, C ~ i l ~ l e in Americirt, New York, Sirnon

& Schuster, 1970, passinz. 36. SZABO, Uéviance, cit., pág. 27.

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24 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 25

e legal",3i para a criação de "bodes expiatórios" (sca- tes da estrutura; a intimidação revela, mais uma vez, pegoats). Daí a importância, atribuída por N A G E L , ~ ~ a sua ineficácia; e a repressão exasperada continua a em sua criminologia crítica, não sb à maneira por avolumar aquêle mesmo potencial, cujo transborda- que o delinquente chegou a conduta formalmente pu- mento queria evitar. I nível, mas, com ênfase peculiar, a outra questão, em Mesmo fora dêsse clima, as verificações mais-- - - ~ -

I

geral obscurecida ou abandonada: essa incriminaçáo -- lúcidds e serenas da ciência já tinham demonstrado deve ser mantida? E isto, diz o criminólogo de Lei- que o combate a delinquência envolve operações de den, é apenas um modesto comêço. mudança, ao nível da estrutura e organização sociais.

Enquanto as tensões sociais iam crescendo, a in- Em seu livro, justamente famoso, os criminólo- vestigação científica, furtivamente engajada, tranqui- gos americanos, CLOWARD e OHLIN, recolheram da- liza-va-se-com as idéias de -r-eeducação, -em q-ue-.o rigor dos, na in-v-e-stlgaç-ão- de campo, a -fim de robustecer - -

opressivo ganhou o aspecto de técnica pedagógica; conclusões pertencentes ao mais moderno estilo de mas as fissuras no sistema social, conscientizadas por pensamento social e criminológico: a deIinqiiência grupos cada vez mais numerosos, traduziram-se em não é propriedade de indivíduos ou grupos subcultu- I

contestação de normas e valores; e o poder social, rais e, sim, do próprio sistema estratificado, em que mais inquieto e mais franco, veio a adotar a linha êles se acham entrosados. Macrocriminològicamente, definida pelo eminente autor americano, LLIOY~> os grandes surtos delinqiienciais decorrem da ruina de OHLIN: "os grupos dominantes, politicamente, ten- velhas estrutura^.^^ tam impor uma definição de criminalidade aos que De qualquer forma, dissolvido o padrão da re- '

está~~desafiando~a~q~êle~poder".~~Ap~ir dêste enri- -feSência a-normas ecvalôres sociais,-formalisticamente- jecimento, a escalada de radicalização impulsiona o considerados, o terreno parece entregue à babélica e jogo de violências opostas, conduzindo grupos sociais irremediável confusão.

- - - -- - - - -- - -- - -- - -- -- --

contestantes a formas de auto-expressáCãGé em pa- Sem dúvida, é preciso chegar a posições integra- dróes da criminalidade chamada comum. Tumul- das, em teoria criminológica. Eu, mesmo, procurei. tuam-se as fronteiras, sempre litigiosas, entre defesa acompanhar êsse trend, em vários trabalhos;*' mas e opressão sociais, de acordo com as visões conflitan-

- 37. DENIS CHAPMAN. Sociology and tlze Stereotype of

fhe Criminnl, London, Tavistoclc Publications. 1970, pussim. 35. NAGEL, Obra Citada, pág. 7. 39. LLOYD OHLIN in SZABO. org., Criminologie en Action,

cit., págs. 436-437.

40. RICHARD A. CLOWARD & LLOYD E. OHLIN, Delin- quency and Oppo)*tunity, New York, Free Press of Glencoe, 1961, pág. 211.

41. Pa~toramm Atual da Crivninologia e Liv.~alizento Con- dicional e Intelífcrncigz Interdisciplir,ares in Revista Brasileira de Cri.ininologia e Direito Penal, n.cs 15 (outubro-dezembro.

Page 27: LYRA FILHO A criminologia dialética

creio que , neles, ainda sofria a influência d e cer tas correntes formal is tas , de q 3 e m e p r o c u r o l ibertar , nu- ma perspectiva mais a m p l a , matizada e profunda. O i m p o r t a n t e é refletir à altura do nosso t e m p o ; isto q u e r d izer , a p r o p r i a n d o - n o s da "circunstância" e m

que estamos imersos, para reenquadrá- la , num plano superior,que nos liberte da sua prisão lógica.42 A abor- d a g e m correta reclama uma espécie d e Aufhebung, no sen t ido h e g e l i a n ~ , ~ ~ d ia le t i zando os impasses, para absorvê-los e superá-los.

-

de 1966 págs. 37-52) e 16 (janeiro-março de 1967 págs. 87-102) ; Perspectivas Atuais da Crinzinologia, Recife, Imprensa Oficial de Pernambuco, 1967, passinz; En Torno a la Criminologia, cit.. passim. J á voltado para a atual linha de pensamento, o prefácio

.de minhas Postilas de Direito Penal, Brasília, Coordenada Edi- tora, 1969, págs. 11-13.

42. JULIAN MARÍAS, Ortega, I Circunstancia y Vocación. Madrid, Revista de Occidente, 1960, págs. 187 e 229. ORTEGA. I

Obras Counplctas, cits., tomo IV (1966), págs 156 e segs. Está visto que tal afinidade com o pensador espanhol não importa em adocáo de todas as diretrizes que êle esposa. Sua posição é visceralinente aristocrática e reacionária: mas não , , pode escapar, é evidente, ao movimento geral da reflexão con- temporânea. Neste sentido, veja-se a aguda aproxinlação do sistema da relações entre theoria e praxis, na obra de ORTEGA e I

.a ação recíproca Wechselwirkung marxista (ALAIN GUY, Ortega I

y Gasset, Paris, Seghers, 1969, págs. 36-37). 43. A difícil tradução do têrmo - Aufhebung - que I

I KAUFMAN chamou de sublimação (Hegel, Madrid, Alianza I Editorial, 1968, pág. 212) foi bem contornada, nos textos de I

I ORTEGA (Obras Cofnpl@tns, cits., vol. IV, 1966, pág. 25). Trata- se duma superação, que incorpora e absorve as contradições, de I

! certa maneira conserva~~clo o que é absorvido. com^ diz -- KAUFMAN, esta conservação importa na passagem a outro nível (Obra e pág. cits.).

Nos caminhos atuais da teoria criminológica, f i cou

p a t e n t e a obs t rução , m a n i f e s t a d a e m diferentes níveis

de análise; e essa obstrução arrisca o des t ino da pró- pria ciência, pois as const ruçóes interdisciplinares, q u e

se esbosam, carregam, e m si, uma pet ição d e pr incí - I I

pio. As "ciências" penais não-normat ivas" , q u e a c r imino log ia f u n d e e i n c o r p o r a no seu f o c o o b j e -

tual ," não têm, evidentemente , uma noção d e crime, I I

s e n ã o arrancada à "ciência", dita normat iva" , do direito. E elas se d i s t inguem, apenas , p o r q u e , nes ta

ú l t i m a , ainda p r e d o m i n a a exegese e c o n s t r u ç ã o d e

normas jur íd ico-penais , para o e n q u a d r a m e n t o de condutas, e n q u a n t o , nas pr imeiras , a t a re fa p r inc ipa l

~ .. 4 a análise dessas c o n d u t a s , reputadas del i tuosas , para - compreendê- las e explicá-las, e m sua génese, mani- festações t íp icas e possíveis sequelas. Na realidade, as relações a p r o f u n d a m - s e , cada v e z mais, pois a crimi- nologia se reserva o e s t u d o d e c o n d u t a s , q u e não es tão

de f in idas c o m o cr ime, tanto quanto abandona os tipos pena i s m e n o r e s e c o n v e n ~ i o n a i s , ~ ~ in f luenc iando

o direito pena l , p r i n c i p a l m e n t e na elucidação dos ins- titutos m i ~ t o s . ~ T o r outro lado, até o direito p e n a l

formalizado e v o l u i u , do tecnic ismo a n t i g o , nara in-

44. PINATEL, in cri.zlninologie en Action, cit., pá@. 432-34 45. ROBERTO LYRA FILHO, En Torno a . . ., cit., pági-

nas 12 e seguintes. 46. Refiro-me, com MEZGER, àquêles institutos porosos,

como OS relativos à imputabilidade, à periculosidade etc., que ALTAVILLA chamava órgãos respiratórios da lei e MESSINA estudou, medindo a do ordenamento em sentido formal. -_,.+A~ e

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28 ROBERTO LYRA FILHO

tegrar, na trama legislativa, dados criminológicos em sentido estrito."

Em todo caso, a criminologia, ganhando perfil autonomo, continua a oscilar, entre a porta estreita das formulações legislativas, quanto à noção de cri- me, -- e as - areias movediças - das normas -- sociais, f ~ m a l - mente consideradas; com o que tende a consagrar, após um rodeio sociológico, o outro formalisimo, da aberração, de alguma sorte redutível à sua contraparte

A distância é muito pequena entre o for- mal confinamento às normas sociais ou, particular- mente, às jurídicas: elas funcionam como gênero e espécie. E, no final, ainda surge a ética, enquanto instância mediadora, entre o relativismo de certas sociologias e aquêle esquema antropológico de base, que, como intuiu PINATEL, está sendo reclamado por todas as ciências humanas.49 Pena é que o grande cri- minólogo francês tenha, logo, desviado o foco, para o terreno me ta f í s i~o ,~~ prejudicando a sua construção. I? marcada, ~ ~ I N A T E L , ainfluência doqsiquiatra - DE GREEF, num apêlo a "valores tradicionais" e na procura dum "aspecto metafísico do conceito de per-

- -- sonalidade cFímiiGsa" .E' ISEzvidentement! não -se - - --

- 47. ROBERTO LYRA FILHO, En Torno a . . ., cit., pági-

nas 9 e segs. ; o meu trabalho, cit., sobre livramento condicional, é um exemplo de estudo integrante das perspectivas criminoló- gica e jurídico-penal, no sentido tradicional.

48. Ver a 2.a parte dêste ensaio. 49. PINATEL, Criwzizinologia en Action, cit., págs. 141-142, 50. Ibidem, pág. 48. 51. JEAN PINATEL in A U ~ O U Y de 1'Euvre d u Dr. E. de

Greef, cit., vd. I, págs. 11 e segs.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 29

ajusta à direção do pensamento contemporâneo. A an- tropologia filosófica de nosso tempo há de ser dialé- tica e, não, metafísica, no sentido clássico. Mas é fundamental, de qualquer maneira, estabelecer a ne- cessidade de explicitar essa antropologia, como exi-

- gência do próprio trabalho--cientifico; econsiderar, - --- por outro lado, as condições de sua inserção, de tal sorte que não pareça uma intromissáo gratuita da filosofia.

Aliás, é comum objetar-se, contra ela, a extrema dificuldade da tarefa ou a iraexistência de bons e só- lidos critérios universais e firmes, em filosofia ( o que já constitui, aliás, uma opção filosófica). Desde logo, cumpre assinalar, portanto, que o problema não está na dificuldade do empreendimento, nem na sua re- I ,

matada e definitiva certeza absoluta (a pressupor que as ciências humanas, entregues a si mesmas, apresen- tassem tão invejável caracteristica - o que está longe da verdade). O essencial é a inevitabilidade da refle- - L

xáo sÔbTFó tema. E aqui se torna muito oportuhla observação de CHESTERTON:~~ segundo êle, num li- vro que-iniciava, podexia-escrever de-outras maneiras,- . - -- --

certamente mais fáceis e, nada obstante, selecionara a mais difícil, pela simples razão de que as outras, mu- tilando o assunto, eram honestamente inexeqiiíveis.

Poderia limitar-me à verificação de que o tema antropológico-filosófico já se apresenta como inadiá-

52. GILBERT K. CHESTERTON, Sf. Francis of Assissi, New York, Image Books, 1957, pág. 9.

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30 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA '

vel, na metodologia das ciências humanas.53 CHES- não falava a sério, embora tenha, entre outros, um eco brasileiro, no estimável DOURADO DE GUSMÁJ~:

TERTON~* assinalou, com muita agudeza, que, nas êste receita uma "teoria geral do direito ocidental",, ciências, dotadas de um parâmetro físico, é possível

convir no diagnóstico e na terapêutica; geralmente, com a mesma impávida ~erenidade.~" obbjeção evi- dente a tais teorias é, decerto, que são muito pouco não há dúvida, quanto ao objeto da reconstrução,

que é obedecer ao modêlo natural. J á nas ciências so- gerais, para servir aos objetivos da universalidade

ciais o problema básico é o parâmetro mesmo, de ma- científica. O homem "oriental" é diferente, em subs-

neira que, com frequência, aderimos ao diagnóstico tância, do "ocidental"? Forte embaraço para o orien- talismo bíblico da "civilização cristã" e, ademais, ve- e nos separamos na terapêutica. As ciências sociais,

por sua índole e objeto, recebem, mais diretamente, xame grave, para o grupo oposto, que se alimenta

o impacto da praxis, devido à interferência das cria- com o produto intelectual dum filósofo alemão,

ções culturais e, em especial, do arranjo fundamental sepultado no cemitério de Highgate, Inglaterra.

de estruturas e superestruturas sociais. Dentro destas, O essencial no homem, como no direito, a que se - o homem é, na proporçao mais destacada, não só ente inclina, não fica- subordinado a barreiras convencio-

e cognoscente, como agente. A disputa, escreve CHES- nais, hoje carentes, até, de precisa demarcação geográ- fica e cultural. Aliás, a noção de "bloco monolitico" ti 1

TERTON, não é só a respeito das dificuldades, mas I

da teleologia. E isto é muito significativo, porque o está muito de~prestigiada,"~ por ambos os lados, e,

escritor inglês, em seguida a esta verificação de sinto- antes, em toda parte, se revelam afinidades do ho-

mas, passa a advogar teses e sustentar valôres dum mem, que serão, devidamente, assinaladas mais adian-

tradicionalismo obsoleto. te. Durante certo tempo, a filosofia marxista - cuja

O terreno está minado pela ideologia. DUVER- vitalidade é sublinhada por um adversário do porte

GER, por exemplo, chega a preconizar uma teoria de RAYMOND ARON~* - perdeu o gume dialético e

geral para os cientistas "ocidentais", que utilizariam crítico, numa crise de dogmatismos brutos, para usar

tal quadro de referência, como os seus colegas do .i expressão, já citada, de HENRI LEFEBVRE.~~ Mas

oriente se forjaram a relativa paz duma filosofia, de o fato decorreu de razões exclusivamente pragmáti- I I

certò modo ~ficial .~ ' Suspeito de que o autor francês 56. PAULO DOURA^ DE GUSMÃO, Introd~çi?~ à Ciência

- do Direito, Rio, Forense, s/data, (3." edição), pág. 27. 57. BERNARD JEU, La Pkilosophie Soztiktique et Z'Occideutt 53. MAURICE DUVERGER, Méthodes des Sciences Sociales,

Paris, Presses Universitaires de France, 1964, págs. 16-17. (1959-1%9), Paris, Mercure de France, 1969, passim. - i

58. RAYMOND ARON, p u n e Sainte Famille à Z'Autre, 54. GILBERT K. CHESTERTON, Wlzat's Wrong With the Paris, Gallimard, 1969, pág. 284. Wodd. Leipzig. Tauchnitz, 1910, págs. 11-1 3. 59. Ver nota 3. 55. Ver nota 53.

! I i

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ROBERTO LYRA FILHO 32

N O w I ~ ~ , que na0 prima pela simpatia a tal enderêco, registra, insuspeitamente, a procura de formas abct-

tas, mais consentâneas com o espírito originário do o, não só em vários setores do mundo socia- marxism

lista, -m as, inclusive, na matriz soviética. A crimino- - -- ---- - --- -

loeia russa, diz êle, vem-se tornando mais objetiva." -

~~~á claro que. noutra época, o marxismo, transfor- mado em "teologia", teve a sua "escolástica", inclu-

4 I * sive com "papa", "index" e inquisiçáo" - o que náo escapou à crítica de muitos dos seus próprios adeptos e simpatizantes. Ainda recentemente. Gou-

LIANE um dicionário da Alemanha orien- tal, se que a antropologia filosófica é um

ramo da "filosofia imperialista" ...62 Como se sabe, o filósofo de Bucareste não é, pròpriamente, um "oci-

dental". RUMIANTZEV pôde escrever, na Rússia que não está definitivamente elaborado em

M A ~ X e ENGELS" e que "todos os pontos da teoria - -

de uma construção profunda e convin- -estáo longe-- --

9 , 63 É O livre exame nascente e convicto de que cente a há de ser a mesma, em todos os quadrantes,

- - - - -- - mas dzda-apriori-nos-"llivros sagradosY'~"A his--- - rória náo termino^".'^

Por outro lado, há interfercncias ideológicas, - no sentido de perturbar aquela mesma obje-

amando

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 33

tividade, quando os opositores apaixonados polemi- zam contra MARX e EWGELS. Um fato é certo, en- tretanto: algumas teses dêsses autores (não, é claro, a sua filosofia, engulida como uma pílula, contra as

virtualidades do seu próprio impulso interno) já constituem ingredientes irreversíveis do pensamento

- - - -- -- -

ãtual. ~u lG&aram-se a tal ponto que há o risco do -

esquecimento de sua origem, incorporando-se o "diabo" às oracões. O mesmo se dirá de FREUD, como nota OSBORN, em paralelo dos fundadores da psica- nálise e do materialismo históri~o.~VAliás, a aliança tentada por êsse autor inglês, do ponto de vista da ciência psicológica, aproxima-se do esforço de SAR- TRE, no plano E essas preacupações ecoam no Simpósio da Unesco, onde se pretende fazer o balanço do marxismo, diante da ciência e da filosofia atuais.'j7

Procurando as raizes da antropologia filosófica, indispensável ao trabalho das ciências humanas, pa- rece-melítil r e t o m a r ~ f i o do assunto, no mominto em que o natu-alismo positivista foi mais duramente

- _ _ atacado. _Veremos surgir, então,-alguns elementos, - --

ainda passíveis de assimilação, desde que corrigidas as distorções ideológicas a que andaram vinculados e feita a absorção, num plano superador.

~ R T R E , @estão de Método, cit., pág. 23. 60. 61. LEON RADIZIN~WICZ, Ozi en est.. ., cit., p. 149. 62. C. I. ( ~ J L I A N E , Le Marrirme, cit., p. 13.

63. ~ p u d B E R ~ R D JEU, Obra Citada, p. 437. @. JEU, Obra Citada, p. 438.

65. REUBEN OSBORN, Ma~.2-isltle ct Psyclznnnlyse, Paris, Payot, iO65, pnssi:?~.

66. SARTRE, Qztestáo dc Método, cit., p. 53. 6 ~\IAIIX A N D C~OXTEMPORANY SCIENTIFIC TIIOUGHT

(Uriesco), The Hague, Mouton. 1969, pnssii~z.

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34 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

As grandes impugnações do positivismo e de A segunda corrente mencionada, predominando suas teorias explicativás podem ser condensadas em nos Estados Unidos da América, trocou em miúdos duas correntes: a primeira, golpeando a própria ima- a direçáo pragmática e instrumentalista, perdendo-se gem do homem, a que êle estava ligado, numa es- num "turbilhão de .fatosf', para usar a expressão do pécie de rewanche, que vingasse a humilhação imposta sociólogo inglês, E. T. MARSHALL.'~ É verdade que pelos determinismos rnecanicistas (esta direção opôs êste último tende para a chamada "teoria de alcance a um determinismo crú o idealismo subjetivista e ne- médio" - (middle range theory) , que constitui uma buloso) ; a segunda embora mantendo certa direçáo transação p~si lânime, '~ de origem, também, ameri- metodolóaica naturalista, revelava um decidido fas- cana. T a l espécie de teoria - embora legítima, como - tio, diante das grandes construções teóricas, trocando as hipóteses explicativas gerais pelo frenesí descritivo - aliás mal apoiado num repertório de conceitos operacionais, resvaladio e enganad~r.~ '

Aquela primeira corrente floresceu na Alema- nha, irradiando-se, a partir das "ciências do espírito", opostas às da natureza, como dois mundos inconci- liáveis, entre os qixais se cavou o abismo idealista.

hipótese mediadora de trabalho - constitui um ver- dadeiro desastre, quando absolutizada pela miopia filosófica de certos cientistas. Por seu intermédio, a

. teoria global passa a funcionar, implicitamente, como uma filosofia da pior espécie, ademais sobrecarregada .

deuinterferências ideológicas, nos partis pris, que go- vernam a seleçáo dos fatores e dos critérios, mediante os quais são postos em ~o r r e l ação .~~ Depois, a esta- -

E, nêle, sumiram as primeiras intuições de DILTHEY, - ainda movidas pelo subjetivismo da compreensão Court Trni té de PlziZosophie : Logique, Paris, Fernand Nathan,

pura, mediante processos que procuram transferir, 1960, ps. 137-130; ARMAND CUVILLIER, Où va La Sociologie

reproduzir e reviver (hineinversetzen, nac,hbilden e Française, Paris, Marcel Revière & Cie., 1953, ps. 57 e segs.; ROBERT K. MERTON, Social T h e o r y . . ., cit., p. 205; JOHN F.

nachleben) os conteúdos significativos da conduta CUBER, Sociology : a Synops i s of Principies, New York, Apple-

humana. As limitações eram óbvias e foram, logo, ton-~entury-~roits, 1963, ps. 38 e segs. 70. ROBERTO LYRA FILHO, prefácio do livr; de GILBERTO

apontadas, proscrevendo-se o enderêço, da côterie dos FREYRE. c o m o e Porque SOU e ~ ã o SOU Sociólogo, Brasília, ~ sociólogos profissionais - isto, apesar de alguns I

votos vencidos, de certo r e l ê . ~ o . ~ ~

68. Ver ADORNO, i n Obra Citada, capítulo: Sociologia y lnvestigación E m p i r k a , ps. 273-294.

69. DUVERGER, Obra Citada. ps. 26-28; RAYMOND BOU- WN, L e s Méflzodes e n Sociologie, Paris, Presses Universitaires de France, 1969, ps. 17-21 ; DENIS HUISMAN & ANDRÉ VERGEZ,

Editôra Universidade de Brasília, 1968, ps. 11-24; nesse escrito, vêm relacionados os grandes nomes da direção culturalista, com exame do estado atual dessa polêmica metodológica. Sóbre o assunto, R. P. RICKMAN, Unders tand ing . . ., cit., pnssim.

71. E. T. MARSHALL, Cidadania, Classe Social e Sta tus , Rio, Zahar, 1967, p. 32.

72. MARSHALL, Obra Citada, p. 44. 73. ROBERTQ LYRA FILHO, Perspectivas A t w i s . . , cit,

p. 153.

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ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALBTICA 37

'tística, matemàticamente perfeita, acaba avalisando - A indigência teórica daquela ciência social ames-

aquelas distorções. A middle range theory tem o du- ,quinhada tratou, em seguida, de organizar o próprio PIO ~ ~ n v e n i e n t e do empirismo que só deixa de ser 0 caos, nos dum quantificacionismo, que lhe 6 bruto, pelo corretivo duma teoria falsificada; e, além dá a de rigor. SOROKIN criticou-o. com via- disso, 0 da-antropologia filosófica, transformada enl -

b lência,'8 falando n u m a doença: a "quantofrenia"- -

--

dado implícito e introduzida sem maior exame. O libelo é, não só documentado e convincentef mas --

O W 6 l e r n a s voltam à tona, em travesii de pequenas tambémSigrificativo, porque-náo p r o v i L m - d ~ m - ~ i e ~ - verificações. em geral teleguiadas pela ideologia qui tista infenso a quantificaçáo OU a aplicação das ma- s'ignot-e. temáticas à sociologia. O que êle combate é o exclu-

Em crhinologia, o pragmatismo anti-teórico sivismo, levando esta última ciência, nos Estados i

. e n ~ n t r o u um advogado veern-ent-e-_no pr-of essor d - Unidos, - - a "testomanias", "testocracias", e, como já i Cambridge. LEICN RADZINOWICZ. O criminólogo pede , I foi citado, geral "quantofrenia". N O prefácio - *

fatos, fatos. fatos. ..74 Arremetendo contra esses "par- da edição francesas, GURVITCH a v a h o ataques7' tidários de insignificâncias"'- 0 pior é que elas Se quiséssemos discernir o que se oculta, Por trás

4' l se apresentam como bastante significativas - Lu- * I dessa cortina de fumaça, emergiria a índole Cmserva- :i

' I

CIEN FEBVRE intitulava-se historiador e, não tra- dera duma sociologia da integração", amável ró- peiro, que vai enfiando tudo no mesmo surráo pro- l i tulo de DAHRENDORF,'~ para definir a polarização

miscuo.'"utatis mutandis, a farpa atinge o empi- segundo o arranjo dominante; isto, inclusive, na ex--

rismo puro, em todas as ciências, particularmente as !I plicação de alcance médio, com variantes rdacionaih f

h m a n a s . Aliás. o simples recorte dos fatos já mo- I I estruturais, de interaçáo simbólica, de imperativism~ vimenta esquemas de relevância e inteligibilidade, que 3 funcionãl e quantoniãmorraalm-a-ginaçáo-des~is- ~òmente a açáo reciproca entre teoria o praxis pode I tadora." salvar-da empirismD-cezo-e-dõap~orismB idealistã. - '-p- - p - ~ o - c o n t ~ x t o f o r m a l i s t a ~ o ~ ~ i d a l i s t a e junto 5 j ' MAX HORKHEJMER enfatiza que, para a sociologia, 4 ! cisão entre o homem natural e o homem social, nutri- a relação com a filosofia "é algo de c ~ n ~ t i t ~ t i ~ ~ " , ~ ~ 1 - -

i " 78. PIRITIM SOROKIN, Tendances et Déboires de la So- 4 . RADIZINOWICZ, Ideology.. ., cit., p. 127. i i ciologir A7iz&icaine, Paris, Aubier, 1959, p. 130 e %$S. 75. ~ J A R S I I A L L , Obra Citada, p. 27. i j 79. Ióidei~, p. 4. 76. LUCIEN FEBVRE, CO??I~CI~S P o ~ I ~ L'Histoire, Paris, Ar . i 80. K. DAHRENDORE, Lns Clnscs Socialcs y su Conflito

mand Colin, E954, 17s. 7-8. NO nlesino sentido: E. H. . I la Soricdod, Madrid, Rialp, 1962, p. 207; Luís G A R C ~ A SAN W h ~ t is Hi~tol.~?, Harmondsworth, Penguin Books, 1964, p. 9 ~IIGUEL, Obra Citada, p. 105. e segs. 81. ver a resenha de WALTER L. WALLACE, Soci010gicd

77. M*x HQRKEIMER, in Sociologica, cit., p. 21. Thcory, Loridon, Heinemann, 1969, pussim.

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38 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 39

V i e n a e seus satél i tes intelectuais, e m i g r a n d o p a r a os a l g u m a generalidade"65 - e o registro insuspeito do E s t a d o s U n i d o s , o n d e c o n s u m a r a m a vocação da I

m a t e m á t i c o FRÉCHET - "as ciências h u m a n a s cor- A u s t r i a : al iás, na v iagem, p a r a o c a s a m e n t o do r e m o risco d e se t o r n a r e m m a i s erroneas, no m o m e n t o

empirismo c o m a lógica s imból ica , uma p a r t e dc cor- f

I preciso e m q u e se t o r n a m mais exatas"."

têjo deixou-se f icar na Ing la te r ra , c o n q u i s t a d a e sub- por o u t r o l ado , não bastar ia , p a r a defender a missa. O uftimo recurso da razão esvaziada era o o apelo desesperado à fenomenologia husser- jogo da ."quantofrenia" ou seu equivalente , no for- !

i l i ana , cr iada e m p a u t a idealista o o b j e t o de apossa- rnalismo da anál ise l ingii íst ica, d e n t r o d e i n s t r u m e n -

mente pela f i losof ia existencial, q u e a a d o t o u , en- tos c o m o o nada m e n o s q u e licencioso T o l e r a n z - quanto método, sub t ra indo- lhe o las t ro idealista (no prinzip der S y n t a ~ . ~ O m a t e m a t i c i s m o , por outro sentido gnoseológico es t r i to ) . A aplicação d a Pr r - l a d o , fazia caso omisso dos p r o b l e m a s i n t e r n o s d a s pectiva fenomenológica à epistemologia científica p r ó p r i a s r n a t e r n á t i ~ a s ~ ~ e d e sua inap l i cab i l idade às

não conseguiu vencer o impasse dos parênteses ar- 82. Ver JEAN PAUL SARTRE et alii, Kierkegaurd Vivo, b i t r á r i o s de HUSSERL, apesar d e esforços m u i t o

Madrid, Alianza Editorial, 1966 (sobretudo - SARTRE, ps. 17-49 b r i lhan tes , c o m o os d e MERLEAU PONTY" ou de e GOLDMAN, ps. 97-122, discutindo as tesse de L u ~ Á c s ) . Tam- bém: GOULIANE, Obra Citada, ps. 21 e 148 e segs.; EMANUEL S T R A ~ S E R . ~ ~ Uma psiquiatria e x i s t e n c i a l i ~ t a . ~ ~ c o m o M~OUNIER, Introductioin aux Exzktentialismes, Paris, Denod, 1947, passim. Por outro lado, quanto à contribuilão do exis- c - há uma dialética do método m;ttemático? Também: MAU- tencialismo às ciências sociais, SARTRE, Questão de Método, cit., R~~~ FRÉCHET, Les M a t h h u t i q ~ f ~ s e t le Con'cret, Paris, Presses passim; DUVERGER, Obra Citada, p. 24; MAURICE MERLEAU

t Universitaires de France, 1955, ps. 1 e (sobre uma desa- PQNTY, Les Sciences de l'Homme et la Phénoménologie, Paris,

1 xiomatização da ciência). Centre de Documentation Universitaire, 1965, pussim, e MAU- 85. EMMANUEL MOUN~ER. l'raitk du Caractère, Paris, RICE MERLEAU PONTY, Résumés des Cours: Collège de France Éditions du Seuil, 1946, p. 39. (1952-1960), Paris, Gallimard, 1968, sobretudo ps. 77 e segs. 86. FPÉCHET, Obra Citada, p. 116.

83. A respeito, JOJA, Obra citada, p. 38. 87. MERLEAU PONTY, Les Sciences.. . , cit., passiw. 84. Ver GEORGES BOULIGAND & JEAN DESGRANGES, Ee - 88. STEPHAN STRASÇER, Phénoménologiz ef Sciences de

Déclin des Absolus Mathémtico-Logiques, Paris, Smiété d>Édi- 1 IJHomme, Lourain, Publications Universitaires de Louvain, 1967. tion d'Enseignement Supérieur, 1949, passim, sobretudo o en-

t 89. No texto, que não se destina a leitores formados em saio de ~ E ~ G R A N G E S (ps. 75 e segs.), respondendo à questão

t filosofia, evito, por isso mesmo, as subdistinções sibilinas, entre

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I

40 ROBERTO LYRA FILHO i

i CRIMINOLOGIA DIALfiTICA 41 . r

4 . I I a de FRANKL, mestre da 3." Escola de Viena, interessa, de ferro ideológica separava o mundo russo", o I I

nlais, pela sua construçáo, no terreno da logoterapia, europeu continental e o anglo-americano", como h

em militança clínica, do que pela fundamentação an- três climas bem distintos de pensamento,: o primeiro, tropológico-filosófica - embora haja, nesta, agudas~ marxista; o ,segundo, lato sensu "metafísico" 0 ter-

- intuições e observações de extrema lucidez, sob o ró- ceiro, filiado às posições analíticas e lógico-empi- L U ~ O í'metaclínico".'" ristas.'"

- .. H conjuntura f i l õ s Ó T i F t ~ d ~ a r ~ ~ - b - ~ ~ - ~ ô ~ ~ No terreno científico, a repercussão dêsse éstado - - ,-.--- alento da tradição realista e dialética, pois o existen- de coisas prestava-se à satira, f ~ t r ~ m - R ~ v ~ - I h - 4 ~

c i-2-1 i s rn o-s e-eo-n-t-=pua h a - a - k k ~ ~ ~ . , a b u c a do c o n - explicaçóes s i r n p l i s t a ~ ; ~ ~ diante de um homem que creto mti-sistemático, a partir de KIERKEGAARD; e, exprime suas posiç6es-pol-ít-icas-a um amigo, com

I

I Por outro lado, os hegelianismos de esquerda, longe grande vivacidade, vários espectadores oferecem, logo. das cátedras universitárias, salvo em figuras isoladas a I I expiicagáo" - é uma crise de hipomania (um e POUCO características, tal como a de MONDOLFO, psiquiatra) ; Esse desafio à autoridade trai um ódio estava entregue àquelas formas dogmáticas, inspira- infantil ao pai (um psicanalista freudiano) ; Puro

I das em razões táticas e de ocasião.'" efeito duln metabolismo descalcificado (um disc í~u- Completara-se a dissociaçáo antropológica. As lo de RABAUD) ; obedece aos interêsses de classe (um

, direções filosóficas, subjacentes à atividade científica, - - - -

marxista). Trata-se, é evidente, duma caricatura~ -

- - - - - que-só as proscrevia para melhor seguí-las, na tônica --- -- - -- -- - - - - - que visa a desmoralizar psiquiatras. psicanalistas. idealista geral, criaram uma espécie de hsmem frag- - -

&&pulos ~ ~ R A B A U D - ~ U - marxistas - por& a ex- - - - - -- .-

mentário e fragmentado, reservando-se as partes como primir o "tipo ideal" " da exacerbação sectária de -

um todo, Nêsse contexto, apareceram os grandes "im- cada direçáo. Um marxismo pregui~oso, nota SAR- périos", delineados por FERRATER MORA : a cortina

-------- - -.- FERRATER TER MORA, La Filosofia en e' Mundo d e H~~

- - - - - - - as -posições c.t-istr~zcial~.~ e exisfcncicllcs, tão gratas ao estilo i,, obros Selectas, Maclrid, Revista dt-Occidente,l-967,-~~1.-=?------ eufuísta de HEIDEGGER (ver ROGER VERNEAUX, Leçons szir ps. 92 e segs. I'E.risfentinlisiizc ct scs F~ril ics P~incipnlrs, Paris, Téclui, s/&ta, 94. A P " ~ HUISMAN & VERGEZ, C O W ~ Traifé. e . , C ~ L

11. 19). ~íCtc7i>lzysique, p. 65. 90. VIKTOR FRXNKL, P s y c h o t l z ~ ~ a p ~ and Exisfentialifi.12, 95. P ~ ~ p ~ f i a RODRIGIJES ( i n ddéfodos Crité&s de

New York, Jtrashington Square Press, 1967, passiln; V I K T O ~ ~ o ~ i ~ l o ~ í , ~ Contc?~fordncn, Madrid, Instituto Balmes de Filo- FRANRL, Tlzeorie rwzd Therapie der Neurosen, Wien, Urban 1955, p. 357) mostra como OS tipgs ideais weberianos Te- & Sch\frarzenherg, 1956, principalmente parte B, n . 0 ~ I IV. presentam, eln última análise, úteis "caricaturas", que permiteln

91. Ver R ~ G E R VERNEAUX, Obra Citada, ps. 10 e passit~. c-estacar certas característicsa reais. 92. SARTRE, Questão de Método, p. 23. 96. SARTRE, Questão de Método, cit., P. 48.

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TRE, desvirtua o próprio enderêço, a que adere,g6 obscurecendo, por exemplo, a contribuição da psi- canálise," que, por outro lado, em FREUD e, sobre- tudo, em JUNG, se faz acompanhar du'a "mitologia perfeitamente inofen~iva" .~~

A integração das ciências humanas, representan- do, no seu quadro geral, tanto quanto no setor cri- minológico, uma insistente preocupação de nosso tempo, arrisca-se, contudo, a terminar num jogo di; cancelamentos recíprocos, mais do que de colaboração fecunda.

WQLFGANG e FERRACUTI esbanjaram talento e erudição na sua tentativa de encontrar o caminho.gg Seu livro, associando a investigação empírica à voca- ção teórica, é, sem dúvida, u m dos mais importantes da bibliografia criminológica atual. Eles procuram abandonar aqueles outros tipos de pesquisa interdis- ciplinar, recenceados pela National Education ASSO- ciation; fixam-se no que esta denominou "fusão" e que tornaria indispensável um sistema teórico abran- gedor.laa Entretanto, na construção empreendida pelo sociólogo americano e pelo psicólogo da Itália, fica, mais do que nunca, evidente que falta explorar tôdas as contradições internas das disciplinas, trazidas à colação. É, talvez, êste o motivo das reticências, com que MANNHEIM pesponta seu agudo prefácio:lol e

97. Ibidem, p. 53. 98. Ibideun, p. 54. 5 9 . WOLFGANG FERBACUTI, Tlze Subculture of Via-

lente, cit., pussim 100. Ibidew, p. 10. 101. Ibidewz, especialmente p. IX.

CRIMINOLOGIA DIALfiTICA

ainda se poderia acrescentar o eco de problematizagões radicais, a exemplo de B A E C H L E R , ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ ~ , pura -

e simplesmente, a divisão das ciências sociais e prefe- rindo falar em redefinições de tais ciências, conforme os diferentes níveis de análise da realidade social.lV3 Aliás, o sempre bem informado PINATEL já destacara à existência de novas e surpreendentes formações interdisciplinares, mostrando como ruem as barrei- ras de metodologias baseadas no protecionismo de áreas,lo4 Isto atinge, inclusive, o terreno das cigncias da natureza, como não deixou de assinalar o eminente criminólogo francês,

A fusão, portanto, já parece bem tímida e, ade- mais, nela, se admite, ainda, aquela espécie de oposi- são do "criminólogo clínico" e do "criminólogo so- c i o l ó g i ~ o ' ~ . ~ ~ ~ O problema, assim, escapa ao eontrôle duma teoria, realmente básica, para reduzir-se às aco- modações, com sabor diplomático, do "protocolo metodo lóg i~o" ,~~~ recomendado, há muito, pelo 2."

102. JEAN BAECHLER, Les Phénomèns Revolutionnaires, Paris, Presses Universaires de France, 1970, p. 15. Aliás, como assinalou, oportunamente, JEAN CAZENEUVE (in Quinzaine Lit- ctéraire, 1/15 de novembro de 1970, p. 20) seria injusto situar o estudo de BAECHER entre os funcionalistas-estruturais, pois êle não adere i simples rrgulação homeostática. Isto não quer dizer. entretanto, que se deva aderir a toda a análise de BAECHLER: defende-o, apenas, de uma acusação injusta; e, de qualquer ma- neira, fica aberta a possibilidade de encontrar, ali, muitas obser- vações pertinentes e exatas. Um exemplo é a revolta contra os compartimentos estanques, nas ciências sociais.

103. BAECHLER, Obra citada, p. 15. 104. PINATEL, Criminologie en Action, cit., ps. 433-434. 105. WOLFANG & FERRACUTI, Obra Citada, ps. 74-75. 106. BOUZAT & PINATEL, Traité . . . , cit., vol. 111, p. 76.

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ROBERTO LYRA FILHO

Congresso Internacional de Criminologia (Paris, 19 50). Ora, nesse "protocolo", defrontam-se as "competências especializadas", que trariam o dado científico de cada ramo, formando blocos de informa- ção; e a teoria abrangedora não pode suturá-los, sem

- - - uma espéciede inter-vençãofederal no conjunto das --- --7 -.- - -- - - - ---

ciências participantes. Doutra maneira, subsistiriam as distorções metodológicas internas, que comprome- tem a perspectiva, nas microvisões monodisciplinares. Aliás, toda essa discussão, em torno de relações ex- teriores e vinculaçóes interdisciplinares, salta por cima de uma situação bem mais grave, como o proverbial gato sobre brasas. É que, procurando vencer as resis- tências da psicologia ou d a sociologia, pressupõe-se que existe algo como uma frente única no seio dessas disciplinas. Em realidade, elas só forjam a sua "união

' I . riacional", -- para atacar invasores"; entregues a si mesmas, caem, lo@ no eterno jogo-das dissenções in-_ -

ternas. Pensando que vão ser "colonizadas", esque- ' C * cem a sua índole essencial e conjunta de instituição

para reconhecer a verdade", na expressão de SCHE- - LER."^ A "autonomia9' - de cada setor não é o reflexo

dalguma intrínseca vocação soberana, mas de simples - -

e pragmática divisão de trabalho. De qualquer for- ma, todas as ciências humanas carecem dum esquema antropológico geral, comumente aceito e apto a fixar o alcance e a hierarquia das investigações esperializa- das. Isto, sem prejuízo do acêrvo de elementos, que

- 107. M A X SCHELER, Lu Esencia de lu Filosof.icl, Buenos

Aires, Editorial Nova, 1958, 1). 133.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 45

essa própria investigação derivada possa trazer às reformulações da visão total, na instância unificadora e superadora da filosofia. Por outro lado, a constru- ção filosófica não é simples articulação dos resultados obtidos pelas ciências, como no positivismo de CQMTE, que a transforn~ou numa espécie de arquivo

- 4enciclopédico.-A filosofia ultrapassa êsses dados, nu- ----- - - - _ - --- - - _ .- - . C - - - -

ma operação críti~a,'~%ssim como disciplina e reaT-- - - -

justa o instrumental epistemológico empregado nas ciências.

I ' Há, de certo, um esprit d e corps, cioso da auto- nomia" daquêles saberes parcelados, O criminólogo ELLENBERGER, por exemplo, chega a ponto de cha- mar "ciência" cada um dos ramos específicos de in- vestigação, como o estudo de eletroencefalogramas.lOg As atitudes isolacionistas, aliás, ganharam o título amável de "lealdade disciplinar"; mas, sob essa apa- rência de - boa - ética, - -- existe - apenas a íntima insegurança com que tais disciplinas alteiam a-voz; -Ao-c-abo, elas

1 ' vêm proclamar suas descobertas, como explicação" de fenômenos, em última análise vinculados a uma trama, situada além do seu próprio horizonte cien- tífico.

Em síntese: andam às voltas com a falta daquela imagem global do homem, que ~ermit ir ia focar e ge- neralizar os aspectos cometidos à investigação. A im- pressáo que oferecem é a dos cinco cegos em torno do -

108. GOULIAXE, Obra Citada, p. 15. 109. ELLEXBERGER, Crimimlog ie e n Action, cit., p. 46

e segs.

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46 ROBER'EO LYRA FILHO

espécime ap01ogal:l'~ o primeiro, sentindo a tromba, afirma que é uma serpente; o segundo, apoiado às pernas cilíndricas e grossas, declara que é um tronco de árvore; o terceiro, que se encosta ao corpo, sustenta que é um muro; o quarto, segurando a cauda, fala numa corda esfiapada; e o quinto, batendo nos den- tes, descreve-os como lanças. Afinal, seria, na própria integridade, um elefante, aquêle bicho "mai feio, que era coisa gentil de se ver".'ll E êle bem pode fugir de circos científicos, na "subversão do método ou do do rítmo sossegado e harmonioso", como o viu o poeta.'"

O movimento atual é, sem dúvida, no sentido da unificação; mas, para ordenar o elenco de "disci- plinas indisciplinadas, usurpadoras e absorventes", como diz RQBERTO LYRA 'I3, é insuficiente o apêls à velha "sociologia geral". Assim, teríamos o desco- nhecimento de que a sociologia mesma participa da crise das ciências humanas; e, de quebra, voltaríamos à reificação comteana 114, de que os formalismos di- versificados, desde os funcionalistas 'I5 até os estrutu-

- 110. GILRERT K. CHESTERT'ON, Ortodoxia, Pôrto, Tava-

res Martins, 1950, p. 9. 111. Documento citado por JORGE DE LIMA, apud CAS-

SIANO RICARDO, ,Poesias Completas, Rio, José Olyrnpio Edi- tora. 1957, p. 459.

112. CAÇSIANO RICARDO, Ibidewt, p. 462. 113. ROBERTQ LYRA, C~~iminologia, cit.; p. 44. 114. GUERREIRO RAMOS, A Redução Sociológica, Rio,

Tempo Brasileiro, 1965, p. 192. 15. Iòidem, ps. 98-99.

CRIMINOLOGIA DIALPTICA 47

ralistas, herdaram a casca, sem a polpa. Nota, acer- .

tadamente, GILLES GASTON GRANGER, que o estru- ' 4 turalismo compromete mais do que uma simples

opção metodoiógica", "postulando certa definição do objetivável" e, não raro, com o risco de trans- formar-se "num espantalho, erguido pelos adversá- rios da ciência, para se apartarem do conhecimento positivo do homem" '16. Não seria, contudo, impug- nável, de igual maneira, o simples emprêgo da aná- lise estrutural, cortando as asas do ismo preten- sioso 'I7.

A volta ao sociologismo resultou impossível: está fora do tempo. Êle representava o momento de ascensão da burguesia recém-instalada 'IS que não se recupera, salvo com a feição anacrônica de múmias, tomadas como sêres vivos.

Hoje, restam os fragmentos desossados da teo- ria primitiva, sempre refratários à unificação. Em si, já constituem imagens distorcidas, enquanto preten- samente explicativas do homem e da sociedade ou, mesmo, incorretamente descritivas dêsses mesmos as- pectos da realidade, quando, em desespero de causa, renunciam à explicação.

O preço que se paga pela ausência duma antor- pologia filosófica diretamente enfrentada é a prolife-

116. GILLES GASTON GRANGER, Pende Formelle at Scien- ces de L'Homme, Paris, Aubier, 1967, p. 5. -

117. A respeito, o estudo de ZYGMUNT BAUMAN, sobre as teorias contemporân~as da cultura, notadamente na crítica à on- tologia sociológica de LÉvI-STRAUSS (in MARX and. . ., Unesco, cit., ps. 483 e segs. ; em especial, p. 492).

118. GUEBBEIRO RAMOS, Obra Citada, p. 193.

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ROBERTO LYRA F I L H O

, ração de antropologiazinhas ad usum delphini, para os objetivos conturbados de tôdas as ciências huma- nas. Isto, ou a adoção duma linha filosófica, en- quanto catecismo onie~plicativo, desde o tomista,

- inclusive com a injeção de coramina de Louvain, que, evidentemente, não basta para ressuscitá-lo, até o

. r , marxismo preguiçoso, na xpressão,-ja-~-i~aada~de--_- SARTRE. Quero dizer: endereços filosóficos, arranca-

------- dos à-gleba-hisibnca-donde surgiram, para uma plas- tificaçáo em quadros de referências, imóveis, irreto- cáveis e, portanto, irremediàvelmente mortos.

Na criminologia, não faltam exemplos dêsse . tipo de falsificação. Delinquência? É a tradução dum

sentimento de culpa ou de complexo de inferioridade, conforme a escola psicanalítica preferida (atrás disso, está a redução do homem a mecanismos psicológi- cos, numa estrutura social não questionada, que fun-

. L - ciona-como uma espécie de super-ego, extrapolado - -

-

e imobilizado em parâmetro) ; é, conforme a direção - - -

biológica adotada, o resultado de uma disfunção en- dócrina, duma diencefalose crirninógena, de aberra- ções de cromossomos (atrás disso, está a redução mecanicfsta do homem aos dados de sua_biologh, mais - -

- - - - -

uma vez tomado o crime como algo estável, para fa- zê-lo "corresponder" a um elemento da estrutura e processo somáticos) ; é o produto de associação dife- rencial ou inadaptaçáo psico-social, manifestando uma espécie de anomia, conforme o gosto dos for- nialismos sociológicos (atrás disso, está um relativis- mo, que, pelo avêsso, é conservador, pois esvazia o conceito de crime e não vê suas relações com os con-

CRIMINOLOGIA D I A L ~ T I C A 49

teúdos concretos de superação dialética das estruturas consideradas).

A consideração pan tôn~ma ' ' ~ estaria irremedia- velmente perdida? Ao contrário, se a visão for mais penetrante, chegará, decerto, a um verdadeiro reajus- te, na organização de tôdas as ciências humanas, cujo elenco e esquema divisório resulta claramente - %.

obsoleto 12$ em seguida~csó-em-seguida,-a-integr~~ ção se tornará manifesta. Para isso, virá uma obje- tividade-aprofundada, a-que LEFEBVRE 121 procurou dar expressão, reinterpretando a ação circular, entre teoria e praxis e denunciando as antinomias abstratas e lógicas do idealismo e realismo puros, sem corres- pondência na realidade da ação e da cogniçáo hu- manas.

Neste sentklo, é muito expressivo que as pseu- do-dialéticas, a que se refere SARTRE "', tendam a desaparecer, em obras mais fecundas e flexíveis, como a-de-GOULIANE, _Ressurge - - o perfil do homem, bus- cando orientar-se, nos têrmos- do hUmanismo-realis- ta lz", enquanto ele não importa em compromisso com uma espécie de materialismo clássico e enquanto se abrem possibilidades de análise, dentro dos níveis adaptados à confluêicia das investigações científicas, -

no mesmo plano global 12'. Para o encaminhament;,

119. ORTEGA, Obras Completar, cit., tomo VII, p. 336. 120. GUERREIRO RAMOS, Obra Citada, p. 199. 121. LEFEBVRE, Pour Conmitre. . . , cit., ps. 12-13. 122. SARTRE, Questão de Método, ps. 48 e Pd~si11~. 123. Ronou~o MONDOLRO, Estudos sobre Marx, São

Paulo, Mestre Jou, 1967, ps. 215 e segs. 124. ÇOULIANE, Obra Citada, p. 88.

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50 ROBERTO LYRA FILHO CRIM~NOLOGIA DIALBTICA 51

GUERREIRO RAMOS pediu elementos da dialética, da dente que a reivindicação filosófica SÓ prosperará*

sociologia do conhecimento, do historicismo e do sob condição de "podar algumas de suas árvores

culturalismo 12j demasiadamente frondosas" 13'. Devolvida à sua ver- dadeira situação, a filosofia não tem, para si, nem A partir dêsse ponto, com a sua influência, de a mera adição de informações científicas (infrafilo-

retorno, sôbre o afazer interno das ciências humanas, positivista), nem o atalho para o ser, em d ím- é que se poderá pensar numa teoria integrada; tudo

pico e arbitrário isolamento (hiperfilosofismo idea- 0 mais é contrafação. A troca de informações, em

lista) : vive engajada, na teoria e na praxis , como cada setor especializado, há de realizar-se, através da L I

participante e teorizante, nos padrões duma espe- I

l o n g a m a n u s dum saber coerente. I

culação crítica1' I3l . Assim, e para marcar o acordo, Em tal perspectiva abrangedora é que se dissol- ve a falsa oposição entre filosofia e ciência - a pri- . é que se interpreta aquela tese aparentemente a rna

sadora de MARX sobre FEUERBACH, contrastando meira, como um saber apodíctico e alienado, em apriorismos estéreis; a segunda, como empirismo a simples interpretação filosófica do mundo e a sua.

reconstrução 133. A especulação crítica, para. rasteiro e bitolado, segundo a própria epistemologia não perder-se nas nuvens "metafisicas", não nem- míope. Contenha a filosofia seu orgulho, perante a

ciência; isso termina, como diz ADORNO, em '6aná- sita exercer a função subalterna de almoxarifado das

temas recíprocos" 126. A soberba, aliás, esconde um descobertas científicas; e a ciência, para desenvolver

complexo de inferioridade, nutrido pelo temor do fi- sua atividade, não prescinde do retorno crítico per-

lósofo do se ver desmascarado como diletante Há, manente a seus resultados, como aos fundamentos e pressupostos lógicos, ontológicos, axiológicos, gno- sempre, uma função para o comando filosófico,

independente da ressurreição da metafísica clássica: seológicos e epistemológicos - o que é pura filo-

é a vigilância crítica e totalizadora, que subsiste, nas sofia.

formulações atualizadas lZ8. Aqui, O filósofo recupera O itinerário, nessa direção, parece bastante mar- cado, apenas em combinações de elementos das o seu s ta tus , outrora rebaixado à escravidão comtea-

na do "especialista em generalidades" 129; mas é evi- correntes que disputavam a abordagem do -- homem, traçando imagens parciais e rigidamente con-

12.5. GUERREIRO RAMOS, Obra Citada, p. 199. 126. TH. ADORNO, JwtiJicaciÓn de lu Filosofh, Madrid,

Taurus. 1964, p. 14. 2 Ibidem, p. 12. 128. CTTVIILIER. Pcirtis-Prk. cit., ps. 50-55 ; FERRATER

MORA, Lu Filosofh. . ., cit., ps. 85 e segs. I FERRATER, Ibidam, p. 85.

130. FERRATER, Ibidewt, p. 118. 131 . FERRATER, Ibidena, p. 89. 132. Tese n.O X I : "Os filósofos liinitaram-se a interpre-

tar diversamente o mundo ; agora, é preciso transformá-lo". 133. LEFEBVRE, POUI Conmitre.. ., cit., ps. 123 e segs..

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52 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 53

flitantesv maS. também, na acentuada tendência para na e de controle, c o n c e p t ~ a l i z ~ ~ ~ ~ e derrubar as reprêsas das ciências particulares e trans- transmissão 13'.

em uma espécie de fundo comum. Ele A teimosa cisáo entre natureza e espírito* que redistribuido2 a cada momento, segundo a necessida- ainda animava HUSSERL, o "espirifo em si e por de dos diferentes níveis de análise. do seu idealismo básico, não tem sentido e já

Por exemplo, a primeira antítese, com ------------------- vai perdendo terreno. A compreensão se a's prO-

que nos d e f r ~ t ~ ~ a ~ o ~ - d e p o i s do-movimente posi- - - - - - - entes gerais, para evitar - - --- --- - - - - - . - - - - - - r 9 9 138

tivista e da g r m d theory correspondente, era a de .lsisternas que só existem nx-cabesa- do -teor**---:-- - --- - - - - -

naturalismo e culturalisrno. princi- por outro lado, a tradição empirista americana ' I ~almente. em torno de natureza e para procura uma ossatura teórica mais firme* Com PAR-

terminar entregue às noções, falsamente opostas, de SONS, por exemplo, reclamando pesquisa ernpirica liberdade e determinação. Aquelas duas direCões fo- cisôbre problemas teòricamente significativos", tanto ram, no entanto, restringindo o seu clamor, até o quanto I I a construç~o teórica, no sentido especifica- encontro, no plano metodológico, escoimado da fi- -. mente técnicov 139. Está claro que PARSONS aina losofia idealista, que inspirara a segunda corrente. Depois da mera empatia intuitiva de DILTHEY, o culturalismo, principalmente com MAX WEBER 13*, procurou cgganizar-se científica e objetivamente, em

- - - - - - -

- - - - forma de investigação ernpirica 135, observa& exter-

-

da está muito longe de sentir o problema na sua inteireza, mas a sua preocupação teórica já é bem sen- sível

No clima atual, a cornpreensáo ( ~ e r s t e h e n ) , ponto de-honra- do culturalismo, enquanto contra- -

forte subietivista e idealista, $de s e r incorporada,

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ROBERTO L Y R A FILHO CRIMINOLOGIA DIALfiTICA 55

~ tranquilamente, ao sistema de técnicas, em que se re- O afastamento da linha "espiritualista", inicial- parte a metodologia científica e vincar preocupaçóes mente irmã xifópaga do culturalismo, ensejou a in-

6 ' das ciências sociais inglêsa 14', americana 14"u f ran- corpora+o das intuições compreensivas àquele es- &a 14" chegando à criminologia, onde é assimilada, quema que integra a "'complementarie- Além do caso expressivo de WOLGANG e FERRACUTI, dade polarizada dos estudos" 15? por isto, 0 cultu- que a adotam explicitamente, é preciso citar a obra ralismo pôde surgir, acima de fundas divergências de MANNHEIM. cuja familiaridade com a bibliogra- ideológicas, tanto num GILBERTO FREYRE. quanto fia e estilos de reflexão da sua Alemanha de origem num GUERREIRO RAMOS, cuja "redução sociológi- é temperada pelas tendências inglêsas, de adoçáo. 4 6

r3'9, não obstante, já sofreu a crítica de que fica a MANNHEIM sustenta, aliás, que a criminologia é caminho 1 1 151 . Focalizando, quase exclrrsivamen- ciência idiográfica e nomotética (dentro da classifi- te, a "contradição nacional", ela obscureceria as cação cunhada pelo chefe da Escola de Baden a "contradições entre as classes". Não se deve, entre- que serviu de complemento a metodologia rickertia- tanto, desprezar, em qualquer hipótese, O encontro, na) 148. e manobra a compreensão com teutônica fa- pois, decerto, "pensadores de diferente orienta~ão miliaridade li'. Aliás, desde EXNER, pelo menos, a teórica podem contribuir, embora em grau desigual. compreensão ganhara prestigiosos foros de cidade, na para o acervo das verdades científicas H 152 . Ademais, criminologia "' e PELAEZ já procurava disciplinar a 0s pontos críticos, de convergência e divergência Per- auspiciosa convivência daquela abordagem com a mitem determinar as fraquezas de arcabouço teórico, Pura explicação (erklaren) , referindo-se, ademais, ao em cada caso, bem como se tornam sintomáticos da ~ erro de se opor determinismo e liberdade ordem de problemas e sugestões atualizados, marcan-

do a onde se faz necessária a Aufhebung. 141. R. P. RICKMAN, Und~rs tand in~ . . . , cit., pussim. 142. Ver WOLFGANG & FERRACUTI, Obra Citada, ps. 4-5. Assim é que, dialèticamente, mesmo na sua mar- 143. Ver RAYMOND BOUDON, Obra Citada, pç. 20-21. -- 144. WILHELM WINDELBAND, Prelzidios Filosóficos, Bue- 119. GILBERTO FREYRE, Sociologia : Introdztção ao Es-

nos Aires, Santaigo Rueda, 1949, ps. 311 e çegç., particular- tzldo dc sezis Principios. Rio, José Olympio, 1957, tomo 1, P. 146. mente p. 317. Ver ROBERTO LYRA FILHO, prefácio ao livro de F R E Y ~ ~ , Como

145. H. RICRERT, Ciencia CuZtural y Ciemcià Avaturpl, c Porque. . . , cit., p. 17. Buenos Aires, Espasa Calpe, 1952, passinz. 150. PELAEZ, Obra Citada, p. 186.

146- MANNHEIM, Cowtparafive.. ., cit., vol. I, ps. 4 e 12, 151. Crítica recolhida, com elevação, pelo próprio GuER- sobretudo. E;EIRO (Obra Citada, ps. 218 e 227), que, entretanto, 1-120 Parece ~

" 147. FRANZ E ~ N E R , BioIo~/ia Criutzinal en sus Rasgos ter com vantagem. a esse ponto, apesar de se de- Fundanzentales, Barcelona, Bosch, 1917, ps. 30-31. A respeito, fender, sob outros aspectos, com ponderações de muita vivaci-

~ R O ~ ~ ~ * LYRA FILHO, En Torno.. ., cit., ps. 10 e passim. dade e pertinência. I

148. PELAEZ, Obra Citada, ps. 101 e 106. 152. Ibidem, p. 225.

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ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

cada individualidade, qualquer sistema vai armando, cumulativamente, os indícios à altura do tempo. Veja-se, por exemplo, como a difusão de certas co- gitações atinge diversas áreas especializadas e indica os lineamentos do estilo corrente, bem como certos conteúdos,-geralmente adotados. As premissas de va-

%- lor explicitadas, na teoria econômica de MYRDAL, pertencem a êsse elenco. Há, por outro lado, expres-

--- - -- - - - - - - - - -

I , sivos pontos de ~poto-comuns;-na-ref-lex-ão -soc-iolo-------- gica de FREYER, RECASÉNS e ECHAVARRI* I", mes- mo descontando tudo o que os separa.

A polarização temática reflete, nas posições mais conflitantes, algo pertinente à situação dos pen- sadores e cientistas: as suas raízes numa determinada etapa histórica. Aderindo ou reagindo, êles destacam, todos, aqueles pontos em que o ingrediente coetâneo

sublinhadas por BAUMAN. Êle mostra que, por uma "estranha coincidência", a idéia da equivalência e al- ternativa das culturas chegou ao apogeu, i i no exato momento em que a grande maioria dos povos pri-

mitivos'' aceitava o padrão europeu de vida. E isto da miséria em que os lançara a destruição. xado-mundd, de suas estruturas tradicio-

T- ---- - . Eis um dado, em sociologia do conhecimen- to de que não seria honesto fazer caso omisso. --- -- -- --,--- -- -- -

Na realidade, o relativismo-pro -tende a s s o - ciar-se ao formalismo Ôbjetivo-funcional ou estru- tural, como se observa nos estruturalismos, há pouco em voga 15'. Isto importa dizer que, assim como a explicação e a compreensão descobriram vínculos na análise de valores, associada ao senso da ~ositividade científica, as abordagens formais também vão acen-

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I 58 ROBERTO LYRA F I L E 0 CRIMINOLOGIA DIALaTICA 59 +

I

, na psicologia, APRESIAN, ZINOVIEV, MARTYNOV, esgotado. A oposição baseia-se no meca,nicismo, dum BIOYKO, na linguística e semiótica. IVANOV, Tom- lado, e na abstração idealista, de outro. Forte em RIOV, ZALIZNIAK, BAHTIN e outros, na aplicação de seus princípios teológicos, DEPLOIGE procurava opor métodos semióticos à análise de correlações culturais, um veto à sociologia empírica, no exato instante todos buscando modelos que abrem o marxismo à em que DURKHEIM lutava para constituí-la, Empe- análise estrutural. nharam-se numa polêmica onde os equívocos, de

Nessa ordem de conciliação, a nova lógica (sim- parte a parte, só mantiveram, no cientista franczs, bólica, matemática) e a aplicação de procedimentos a margem necessária à vitória, porque êste, ao me- de quantificação às ciências humanas não são eo ipso nos, poupava ao leitor a constrangedora exibição incompatíveis com o senso dialético do homem inte- dum livrearbitrismo religioso, sem espanar o pó dos gral. Aquelas direções científicas só merecem repulsa, séculos. A verdade, porém, é que, após DEPLOIGE,

? - quando se apresentam como substitutivos duma ver- o núcleo de Louvain procurou utilizar o espanador,

dadeira antropologia filosófica, trocando a pesquisa com LECLERCQ, na filosofia social e na sociologia,

da verdade pela barragem de números e palavras, e NUTTIN, no trabalho por exemplo. como se estes fossem o "fato Último" da realidade. Hoje, o idealismo espiritualista bateu em reti-

Neste caso, representam o exacerbado nominalismo rada, espancado pelo evolucionismo triunfante, em

já combatido por SCHELER, mostrando que confun- todas as correntes de opinião, embora pagando o preço de cortar as asas à struggle for life do biolo- I

de as coisas mesmas com os processos mais econômi- cos de designá-las e troca o corpo de princípios pela gismo darwiniano. Mesmo os católicos, aceitaram sua vestimenta lógica 15s. Aliás, é nesse ponto que uma espécie de concordata, cujo exemplo mais avan- se desatam os aspectos positivos e negativos dum es- çado é TEILHARD DU CHARDIN.~". truturalismo à LÉvI-STRAUSS, cujas belas contribui- Em síntese, é a assunção e, não, a rejeição do ções antropológicas permanecem fora de foco, desde determinismo, que define o homem como ser livre

o momento em que o "fato Último" é esvaziado, 160. JOSEPH NUTTIN, Psicancíliss e Persomlidade, Rio, para constituir uma antologia do homem com me- Agir, ( 1961, ps. 166-167; JACQUES LECLERCQ, Introdução à So- ras relações de estrutura 15'. ciologia, Coimbra, Arménio Amado, 1963, ps. 147 e segs.

I 4 161. TEILHARD DU CHARDIN, L'ApparitEon de Z'Homme, 0 confronto entre "materialismo" e espiritua- Paris, Editions du Seuil, 1956, ps. 298 e segs., no desenvolvi-

h m o " despertara uma antítese, cujo ciclo acha-se mento da lei de tomplexidade-consciência a partir da matéria. Para uma atualização das correntes teilhardianas : Étzides Tei-

157. BAUMAN, Obra Citada, p. 493. lhardiennes, anuário da Associação de Amigos de Pierre Tei- 158. SCHELER, Obra Citada, p. 11 1. Ihard du Chardin, Centro Belga, Bruxelas, 1969, n.O 2, !assim 159- BAUMAN, Obra Citada, p. 492. (coletânea com o título : L'Évolutif et L'Huwtain Aujourd'hui) .

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ROBERTO LYRA FILHO . CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

.nea, como a bela ordenação compendiosa de VAZ- - têrmos absolutamente incompreensíveis para quem! careça de elementar iniciação dialética, porém, afinal, QUEZ I", muito recomendável pela limpeza do estilo uma verdade adquirida, segundo os estilos de pen-, e argúcia da análise, ainda mantêm uma concepção, sar de nosso tempo. A prova disso é que a superação a meu ver, demasiadamente estreita do jurídico 166,

da antítese clássica passou às obras de mera divul- porque só encaram o fenômeno, sob o ponto de vista gasão 16'. A assimilação dá-se tão espontâneamente do direito formalizado, através do conduto estatal.

- - _ q g não seria grcciso-reeorrer-a-E~~~~~para- nda parte dêste trabalho, cuidarei, especial-

-- tir o que êle já exprimia, nestes têrmos: 'o conh probkmat-tentctndo-sti-pexaras~ambigui- -- - - - - - - - - ci-msnto e-a _utiliza&~ do determinismo são instru- concepção do direitõ e do Estado, que

------- .--- - -, mentos de libertação do homem, A necessidade s o ----- I ~ E F E R V R E ~ ~ O ~ ~ O U ' G ~ , agudamente.

é cega, quando não é entendida" lC3 Tôda ética funda-se na liberdade, mas, salvo--------- Por outro lado, não basta invocar a dialética, as velhas direções, já superadas, lida com sujeitos

tal como se faz, com excessiva frequência, para re- conscientes (de suas determinantes) e livres (dentro solver todos os problemas: cumpre dinamizá-la numa do quadro que as determinantes podem traçar). captação constante, a seu nível, que é a verdadeira Êsses sujeitos defrontam-se com um sistema ético "apropriação da essência do homem, pelo homem e normativo, que constitui a superestrutura de seus para o homem" 164. padrões básicos de convivência social. Por outro lado,

- - - Os determinismos - - mecanicistas, desde os fisio- o referido sistema não é único, mas vem contrastar-se, psíquicos aos sociais, estão liquidados. Mas õ deter- - -na _dialética d e -- grupos -- - e classes, dentro da sociedade minismo sobrevive, indene, dentro de uma antropo- chamada global, com outr&spadrões, que disputam - - - -

logia filosófica dialetizada. Quando a macrocrimino- a hegemonia. Há um jogo de contradições, em que o logia desarmou as explicações do crime, em têrmos verniz moral encobre a racionalização das atitudes

- -- - L microcriminológicos; vimos- q u e ficou iis daqueles mesmos grupos e classes. Sabendo-o, isto é,

as limitações formalisticas da aberração, p ropriando-se da -idéia d a sua- posição relativa - - - _ - _ na - -

aquele apêlo dramático de SZABO à ética. É preciso, estrutura, é que o homem pode conscientizar o pro- entretanto, explorar êsse veio mais profundamente. cesso e contribuir para- reorientá-10, instaurando a Algumas tentativas de sistematização contemporâ-

165. ADOLFO SANCHEZ VAZQUEZ, Ética, Rio, Civilização

162. Por exemplo i n HUISMAN & VERGEZ, Traité, cit, Brasileira, 1970. Métaphysique, p. 15 1. 166. Ib-z'dem, p. 83 e segs.

163. Ibidem, p. 152. 167. HENRI LEFEBVRE, Lu Sociologie de M a w , Paris, 164. GRANGER, La Raison, cit., p. 101. Presses Universitaires de France, 1968, p. 137.

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62 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALETICA 63

dialética do possível sub jetivo, diante dos impera- car o' parâmetro da conduta dentro de si mesmo. tivos das normas objetivas lGs, que não são, apenas, Dialèticamente, a verdade não está em qualquer da- as da sociedade global, mas também as da própria quelas resultantes - da institucionalização social. ou "subcultura" onde êle esteja eventualmente imerso. da autognose individual, subordinada a mandamen-

' i Por outro lado, o sociologismo ético obscurece o tos divinos ou mergulhada em profundezas subjeti- que ocorre no homem concreto, do momento sub- vas. A verdade está no processo mesmo, conscienti- jetivo à dialética de objetivação" 16'. Nessas contra- zado como trânsito constante entre valor e necessi- dições entre o homem concreto e as determinações dade. A inserção histórica das opções não reside, nem exteriores é que se manifestam os rumos objetivos d o no foro íntimo da consciência individual, ligado ou processo histórico, impelido pelas classes em ascen- não à captação, nesse nível, de supostos imperativos são e abrindo ensejo à viabilidade das reorientações, revelados por uma instância transcendente (primeiro dentro do quadro de possibilidades da conjuntura. subjetivismo) ; nem na pressão duma consciência Dêsse impulso nascem as éticas de realização, en- coletiva irremovível e falsamente homogeneizada (se- quanto se opõem às éticas estáticas dos arranjos do- gundo subjetivismo, êste último hipostático) . A cha- minantes li''. Isto jamais reduzirá o sujeito indivi- ve aparece na interação dialética de teoria e praxis, dual, ou os grupos, à absorção automática de valô- de reversão crítica perante normas positivadas e rea- res impostos. O homem é, ao mesmo tempo, deter- tivação do processo nomogenético. A reflexão do minado e livre, ente, cognoscente e agente - dentro homem não se opõe ao meio natural ou social (quer dos limites progressivamente alargados, de seu po- na disposição dum plano global, quer no desnor- tencial d? auto-conhecimento e remodelação, como teante e plurívoco mundo "subcultural") . Para cap- espécie e como pessoa. As éticas idealistas é que ca- tar a realidade, o pensamento salta dela própria; vam abismos entre dado e valor, porque absolutizam desvenda e, portanto, domina, as forças biológicas o valor para querer que o dado se conforme a êle. donde emergiu, estrutura psíquica com que atua e Daí a separação kantiana do mundo do sein sollen, os produtos culturais que forjou. "Produzindo-se, perante o mundo do sein, que terminará em uma assim, o homem produz seu mundo e se modifica e èspécie de solipsismo ético do sujeito moral, para bus- 9 9 171 produz a si mesmo .

O homem completo é natural e cultural, na in- 168. JEAN PAUL SARTRE, Deterulzinnción y Liberdad i n terferência de seus dois polos imanentes. Decerto êle

Moral y Socicdod (vários autores), Córdoba, Universitária, ps. 31 e segs. 171. LEFEBVRE, POUI Conmzaitre. . . , cit., p. 13. Ver

169. GOULIANE, Obra Citada, p. 210. ADOLFO SÁNCHEZ VAZQUEZ, Filosofk da Praxis, Rio, Paz e 170. Ibidenz, p. 212. Terra, 1468, pussim.

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64 ROBERTO LYRA FILHO

aparece como progressão de valores da matéria, levada a altos graus de arranjo e centração, homini- zando-se, a partir da biosfera (terreno em que surge a vida), para inaugurar a noosfera (onde essa vida se torna consciente de si mesma). É o roteiro de

CRIMINOLOGIA DIALBTICA 65

desenvolvimento, operação e enderêço. O homem é capaz de dobrar-se sobre si mesmo e, não só conhecer, transitivamente, outros objetos, mas conhecer-se en- quanto cognoscente, na dialética do ser e estar no mundo e do saber-se, sendo e estando no, e transfor-

TEILHARD '7Tulturalmente, o homem altera, mais mando o mundo e a si mesmo.

- - - - - tarde,-o-p-uro-qwaho-naturalístics O orgulho que essa faculdade trouxe consigo

produtos de sua interação formativa tendeu a sob~mti-mar-a-raz5o.A--aliena+,que-foi-

e com os outros homens, segundo diferentes padrões. produzindo o pensamento, como desporto de classes -

- - - - - - - -

Como fiÚ ZOETHET Toprlncípiõ eraaação; - +ociosas,+passow_a_ descomedir-se, a isolar o "dom

- - - - - - -- - -

4 1 ,

mas sobre êsse movimento dum trabalho originário divino" da estrutura somática, inferior", só apro-

- primeiro ato histórico de produção dos meios de veitada pelos que usam, sobretudo, os músculos, para

existência lm -, os elementos estruturais, de orga- carregar, no trabalho físico, o pêso da estratificação

nização cada vez mais complexa, revertem, para in- social. São muito renitentes os espiritualismos de vá-

fluenciar a base natural e social, segundo aquisições rios tipos e a arrogância da chamada intelligentzia.

libertadas, que os projetos emergentes reorientam, a As religiões, a seu tempo, atuaram, socialmente, nas

partir dos dados daquela praxis mesma. suas formas hierarquizadas e comprometidas com os

A razão não é mero ingrediente, pôsto no ho- diferentes establishments, à maneira dum aval dos - - - -

mem (o "espiritual"; para além do fisio--psíquico-e ilégios. - - Por outro lado, o racionalismo "desteo- - -- - - - - - - - - - ,- -- - - - - -

vital), por uma criação, funcionando em sede trans- logizado" constituiu, apenas,-o refúgio, no crepusculo

cendente. Por outro lado, também não é simples epi- dos deuses, dum homem, que se divinizava, sem o

fenômeno de base fisio-psíquica. Ela está imanente intermediário transcendente. Continuava a ser, entre-

- na estrutura do b m e m , a partir daquele potencial, tanto, uma razão como princípio espiritual estranho, - - - - - - - - - - -

oriundo de uma transformação qualitativa - a o ro do c-orpo-humano, sinal de singularidade, não - - -

l imite da biosfera -, que nã,o foi puro "salto ana- -

iológica e efetiva, porém metabiológica e ideal. Que- I I tômico" : a consciência centrada", que TEILHARD radas as imagens an t r~~omórf icas , restou o espelho, - -

chamou "conscii?ncia ao quadrado", pois é, também, em que o homem passou a mirar-se, vaidosamente.

consciência da consciência, no seu processo de gênese, Sob o ponto de vista filosófico, o desaparecimento - - - - - - dos numes, deixou o pensamento entregue à postula-

-

ção dos númenos, seguindo o caminho comteano, do -

172. TEILHARD, Obra Citada, p. 302. 173. GULIANE, Obra Citada, p. 17. teológico ao metafísico. Porém, quando se inaugurou

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66 ROBERTO LYRA FILHO

a etapa dita científica, numes e númenos perderam-se nos fenômenos, e o homem, reduzido a epifenômeno, escondeu os próprios ressentimentos na deleitação no- minalista dos números. Êsse caminho só poderia ter- minar, como de fato ocorreu, numa espécie de revolta da consciência désaxée, ao momento em que a euforia social burguêsa, que, ideològicamente, se exprimira nos t-trmos do cientificismo, encontrou, em crises de seu prolongado declínio, um instrumento adequado pelo conteúdo anti-científico. Veio o existencialismo, filosofia própria da desorientação institucionalizada, com a sensação de isolamento, buscando compensa-

< I ções no "eu" que se experimenta", em comunicaçáo. A abertura para a recuperação da dignidade,

através do humanismo realista, proscreveu o positi- vismo naturalista e mecanicista e o subjetivismo exis- tencial (muitos existencialismos transformaram-se, inclusive o de SARTRE), desenterrando o caminho dialé.tico, para evitar os falsos subjetivismos, tanto quanto os falsos objetivismos lq4. Mas êsse roteiro teve de lutar contra a distorção de sua linha de desen- volvimento, pelos determinações duma praxis, sem voo teórico e que se enrijecera nas formas do "dog- matismo bruto".

A criminologia não poderia deixar de acompa- nhar todas essas peripécias; e a reaquisição de um itinerário, baseado no esquema do homem global, poderá chegar a desobstruir os impasses da teoria

174. LEFEBVRE, Pour Connuitre.. ., cit., ps. 12 e 124 e segs.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 6 7

criminológica, na medida em que, também dialètica- mente, comece por afastar o seu paradoxo científico. Enquanto ciência, que procura a compreensão e ex- plicação do fenômeno delituoso, a criminologia é forçada a operacionalizar um conceito, o de crime, històricamente determinado pelas manifestações espe- cíficas da cultura - e, inevitàvelmente, das "subcul- turas' '.

Nesse empenho, o conceito de crime é parte d o afazer criminológico; e o afazer há de estudar, con- juntamente, o processo de aberraçáo e a gênese das: normas éticas e, em especial as jurídicas, apropriando- se da relatividade das formalizaçóes, para integrá-la numa teoria superior, mais abrangedora, que com- preenda e explique o fenômeno delituoso, como um capítulo da dialética dos valores. A situação é seme- lhante à que, mutatis mutandis, ocorre na psiquiatria, com a noção de doença mental, como já observei e demonstrei, noutro ensaio 1'75

Aqui, em sua focalização do crime, não basta determinar as características formais, pois a crimino- logia não funciona como reboque do formalismo ju- rídico. Por outro lado, também não há- saída, através da delegação à sociologia empírica.

A integraçáo da criminologia e do direito pena1 há de buscar suas raizes dentro dum reexame da fi-

175. Panorama Atual da Criminologia, in Revista Bra- sileira de Criminologia e Direito Penal, outubro-dezembro, 1966, n . O 15, p. 51. Aliás, isto se torna óbvio nas atuais correntes da chamada Antipsiquiatria.

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68 ROBERTO LYRA FILHO

losofia jurídica, em correlação com a antropologia filosófica. Essa tarefa de repensar o conceito de di-

o desdobramento natural e necessário duma investi- gação árdua, mas inevitável. E, através dela é que poderá encaminhar o entrosamento da especulação

- -

xnentada neste livro. I

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3 I - r

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J;

- . - -

V-

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s

- 7

A noção de crime está òbviamente ligada à de Direito; mas, quando aprofundamos a análise, emerge

1 4 uma verificação surpreendente. Os criminalistas, salvo 1 1 algumas raras exceções, mostram-se pouco familia- , I I B I < I

rizados com o que se vem realizando, na filosofia 2 juridica e até na teoria geral do direito l. Aliás, mesmo

os que transitam, desembaraçadamente, nessa área, I náo parecem dispostos a purgar a mora, fazendo os

1, I necessários reajustamentos internos da doutrina. Por

1. Emprego a expressão, no sentido duma disciplina in- termediária, em parte atinente à filosofia jurídica e, em parte, relativa à chamada ciência do direito, a que a teoria geral serve, mediante a sistematização de métodos e conceitos operacionais. RQBERTO LYRA FILHO, Teoria. Gerd do Direito, Brasília, UnB,

, 1970, edição mimeografada. Sôbre o assunto, E. B. PASUKANIS, I

Lu Théorie Générale du Droit et le Marxisnze, Paris, Études et r Documentation Internationales, 1970, p. 37. Quanto às vicissi- tudes da teoria geral do direito, vide .e.g., LUIGI BAWLINI, Vi-

i Soni dellu Giustiziu e Senso Commune, Bologna, 11 Mulino, 1968, sobretudo ps. 221 e segs.; MIGUEL REALE, Filosofia do D h i t o , São Paulo, Saraiva, 1969, vol. 2, ps. 514 e segs.; LUÍS RECA- SÉNS SICHES, Tratado General de Filosofia de1 Derecho, México, Porrua, 1959, ps. 160 e segs. Não é possível discutir, aqui, ade- quadamente, a questão da chamada "ciência normativa" do di- reito. "Ver, a propósito, G. S A R ~ E , Le Matéralisme Histo- rique duns Z'Etude du Droit, Paris, Les Btudes du Pavillon, 1969, ps. 21 e segs.; GEORGES KALINOWSKI, La Querelle de lu

f Science Normative, Paris, L. G . D . J., 1%9, passirrc.

i --

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72 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALBTICA 78

. %

outras palavras, a reflexão teórica mais ampla jurídico' esgotou-se num tecnicismo estéril, a que não chega a ser domèsticamente atuante, no direito não traz remédio a reedição da filosofia tradicional '. penal, e o capítulo das relações dêste último com a Esta é completamente inadequada para a tarefa, sem- -

filosofia jurídica, mesmo quando frontalmente en- - - pre necessária ao cientista, de meditar sobre pressu- carado, termina, via de regra, com apêlo a velhas postos e resultados do seu afazer metafísicas de vário estilo (como é o caso, por exem- Por outro lado, as dificuldades aumentam, quan- PIO, do eminente BETTIOL) \ou suas - - - - - - - - - - - c considera que a teoria geral do direito foi, em aplicações. Destas-resulta um- , construída-com-materiaissxtraidos do maior do assunto. Assim acontece, do e afeiçoados à Óptica peculiar dos

ob ra , s emd5v ida -importante, d e - w ~ ~ ~ ~ - 3 , cuja- , . . fica bem patente na utili- - - - uv~listas---o q- - --

influência, aliás retardada, pesa, hoje, sobre muitos zaçáo, como fundamentais, dos conceitos de obki-;--- especialistas latino-americanos. O mestre de Bonn g a ~ ã o e prestação, por exemplo. Aliás, o ~ r imei ro tem, no Chile, alguns de seus mais talentosos discí- grande impulso daquela teoria corresponde, justa- pulos, como JUAN BUSTOS e ENRIQUE CURY UR- mente, à era do privatismo burguês, desdenhando, zÚA,' entre outros.' A pbra dêstes é densa e valiosa, ademais, o estudo dos fundamentos de sua dogmática, não em virtude, mas apesar, da filiação. ao menos enquanto a chamada "sociedade ocidental"

Diante da herança dos positivismos filosóficos permanecia I ' firme em suas estruturastJ, como assinala do século XIX, criando obstáculos para a compre- MIGUEL REALE " A coruja filosófica desperta e voa ensáo do verdadeirosentido-das interferências inpr-

- -

disciplinares, a oposição dogmática do positivismo - - - - - - - -

7. Refiro-me ao positivismo juridico, sob certo ângulo. oimsto ao @sitivismo filosófico. E m têrmos jurídico-~enais,

2. Ver GIUSEPPE B E ~ I O L , O Problema Penal, Coimbra, se sabe, é chamada, de preferência, Coimbra Editora Ltda.. 1967, ps. 15-44. a distinpí-la da escola positiva, esta,

- - 3; Ver HANS WELZEL, Das Nezre Bild d e s St-f-chts- ;fica positivista. systewu: Eine EinJiihrung i?z die Finule Handl~n~slehre , G O ~ , aliás, oscilam,-até coaraditòriamente, - - - - -

- tingen, Verlag Otto-Schwarz & Co., 1961, p-sim. ático e essa filosofia tradicional, como, 4. Ver JUAN BUSTOS, Culpa y Finulidad, Santiago, Edi- - por exemplo, EIAGIO PETROCELLI. Veja-se, neste sentido, os -

torial Jurídica de Chile, 1967, pmim. .7aggi cits.. ps. 178 e 95, para o contraste entre certas postula- 5 . Ver ENRIQUE CURY URZÚA, Orientación para e1 Es- qões, feitas em linha de princípio, no âmbito filosófico-jurídico

tudio de 10 Ten& de1 Delita, Valparaiso, Edeval, 1969, passiwi. e os cortes sumários de aderência estrita ao direito legislado. - 6 . Não h á lugar, aqui, para uma discussão minuciosa das 9. Sôbre o assunto, ARMAND CUVILLIER, Partis PP-is,

posições de WELZEL. Sôhre o assunto, Ger a síntese de BTAGIO - ris, Armand Colin, 1956, ps. 53 e segs: PETROCELLI, Sngg i di Diritto Pevtale, Padova, Cedam, 1965, 10. MIGUEL REALE, Teoria Tridimensionul do Direito, ps. 81 e segs. São Paulo. Saraiva, 1%S, ps. 16 e segs.

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74 ROBERTO LYRA FILHO

nas noites da crise dum sistema de "crenças" l1 - já o sublinhava, noutro contexto, o próprio HEGEL.

Aquêle privatismo, entretanto, não impediu que se tentasse uma adaptação e harnionizqão~ no terreno penal, em proveito de sua própria estrutura orgânica e do apuro do elenco de conceitos gerais 12. Neste sentido, são relevantes, por exemplo, as contri- buições de CARNELUTTI, em que pese o vêzo de ori- ginalidade, a todo custo, atingindo proporções fan- tásticas, sôbre o pano de fundo de seus cornpromisso.s filosóficos, nitidamente obsoletos 13. Outras tentati- vas frustadas aparecem, como a de GRISPIGNI, que trocou o enderêço do engajamento, sem ganhar em atualidade, e ainda acrescentou um estilo de construção sobrecarregado pelos ornatos rococós 14.

Em qualquer hipótese, parece espantoso que, atualmente, escapem à atenção da maioria dos crimi- nalistas os debates, referentes à natureza e estrutura da norma, à pluralidade dos ordenamentos - e, por- tanto, à teoria das fontes -, bem como os novos caminhos da hermenêutica: em síntese, todas as inves-

CRIMPNOLOGIA DIALeTICA 75

tigações sôbre epistemologia jurídica e suas irnpli- cações ontológicas e axiológicas, de alcance, inclusive prático, no trabalho científico. Obscurece-se a "efetiva continuidade entre a tarefa do filósofo e a do jurista enquanto tal" l5 - e isto atinge, com maior ênfase do direito penal, onde a consciência daquela continui- dade ainda não pôde inspirar investigações especia- l izada~, no genero e ao nível da obra de LARENZ predominantemente orientada para o direito civil 16.

Esta situação dificulta, extremamente, o estudo das relações entre o conceito de crime, em criminologia e direito penal. Vimos que aquela é, no momento, muito influenciada pelo formalismo sociologista, mas não se pode afirmar que seja mais saudável o influxo do formalismo jurídico. A adoçáo dêste aíltimo im- porta, aliás, numa espécie de anacronismo, pois a van- guarda filosófica está assinalando rumos decidida- mente anti-formalistas, cujas repercussões, na dou- trina penal, se revelam, contudo, fragmentárias, len- tas e, muitas vk~es, inconscientes das implicações teó- ricas de suas postulações. Exemplo disto é o debate sobre a chamada antijuridicidade material - um =conceito encaixado, à força, para garantir a abertura do sistema, dito positivo, e que ganharia outra feição e relêvo, quando ligado às diferentes perspectivas já exploradas pela filosofia jurídica. É por essa razão que o tema definha, às voltas com defesas e impug-

15. MIGUEL REALE, O -Direito como Experiência, São Paulo, Saraiva, 1968, ps. 227 e segs.

16. Ver KARL LARENZ, Methodenlehre der Rechtmis- senschuft, Berlin, Springer, 1960, passim.

11. O têrmo - crenças - é empregado, no texto, em sentido orteguiano. Ver JOSÉ ORTEGA Y GASSET, Obras Com- fletas, Madrid, Revista de Occidente, 1964, vol. V, ps. 383 e segs.

12. Ver, a propósito, EDUARDO B. C A ~ S , Inbroducción a1 Estudio de1 Derecho Procesal, Buenos Aires, Europa-Amé- rica, 1959, ps. 21-22.

13. Ver FRANCISCO CARNELUTTI, Teoria General dez De- recho e Teoria General de1 Delito, Madrid, Revista de Derecho Privado, 1941, parsim.

14. Ver FILIPO GRISPIGNI, Diritto Penale Itialiano, Mi- lano, Giuffré, 1947, passinz.

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ROBERTO LYRA FILHO

nações, frequentemente estéreis, de que não escaparam, sequer, as colocações feitas por juristas do porte dum ALDO MORO 17. Uma resenha muito erudita do status

CRIMINOLOGIA DIALdTICA 27

anterior e, portanto, de certo modo, superior, à lege lata do Estado, que seria o ponto de partida inarre- dável, tomado como uma espécie de "dado de fato",

quaestionum encontra-se, em notável ensaio de HE- na expressão de ANTOLISEI '"'. Por êsse caminho, a LENO FRAGOSO, que admite, ao menos quanto às des- chamada ciência do direito se transforma em operação criminantes, aquela antijuridicidade material, "com exegética e, indiretamente, apologética ou, pelo menos,

-- - ---_ -- -_ todas - as suas _ -- implicações" IS. A posicão é, portanto, conformista. -

- - -francamente antiformalista e a hostilidZde que mani- * O r ; r ; - ~ d i ~ ~ é ~ i ~ ~ d - i ~ s e g u r ança-eedda justiça - não I 4

festa à idéia da antijuridicidade material, para a r é tão simpl&, nem admite o endeusamento sumário - - - - -- - -

incrimina~~o di-fatosL',-advem,-náede-estre-itoreuli- -- - - da certeza do direito, para fins que, em última análise, I I -.-.--- ------ .-- I ; /

cismo, porém de uma coerente e respeitável dcfesa de a traem o próprio objetivo. Os criminosos, indiscut?---- -

- -

, I / I princípios filosóficos, ligados à sua atitude liberal. + , , ( L

velmente criminosos, nazistas, no Tribunal de Nu- 1 1:*1,1 É que, no direito penal, o tema se torna ainda . remberg, procuraram acobertar-se, com a alegação de

I

, I mais complexo, pois o contraforte do positivismo que estavam sendo julgados, segundo lei ex post 11 jurídico pode assentar no chamado princípio de se- facto, isto é, voltaram contra êle próprio o lado for-

gurança - aqui, reforçado pelas conotações axioló- 1 ,

gicas da reserva legal. Ela dá por demonstrada a sua validade, enquanto "princípio de preconstituiçáo" 19,

-- - , sem atentar para as vinc-ulações-histórico-culturais a -

1 , que está sujeita. E assim emerge uma espécie de boa consciência, exibindo opções filosóficas básicas, como

1 ' i1/1

, I I( se fossem coisa assente. Num formalista, ademais, pa- rece contraditória a admissão de elemento construtivo

mal do princípio liberal-democrático, se não a sua efetiva garantia, e justamente no ponto mais autêntico e vital: a defesa dos direitos do homem, diante do genocídio. - L Por - outro - - lado, RADBRUCH já sugeria que, tomando-se, sem mais, a Segurança c o m o valor ine; - -

rente à justiça, a lei irremediàvelmente injusta ter- 4 4 mina por gerar uma pugna da justiça consigo mes-

ma- 21 . A defesa do formalismo,-a título de segurança, -

- - - - -

- - - 17. A L W ~ MORO, L'Anfigizo-idicità P e d e , Palermo, Priul- Ia, 1947; ver, especialmente, ps. 135 e segs.

18. Ver HELENQ C. FRACOSO, Antijuridicidade, i n Re- vista Brasileira de Criminoloyia c Direito Penal, outubro-de- zembro de 1964, ps. 25-46.

- -19, A expressão é ~ ~ _ M A N Z I N I . Ver ROBERT~ FILHO, Czirso de Teoria Geral do Direito Penul, Brasília, 1565, edição mimeografzda. Está claro que já reformulei mui- tas posições aí defendidas.

cai na-armadilha da-pura formalização, transformada - - -

- -

em critério - de legitimidade, e, portanto, leva à acei- - - -

- - 20. FRAXCESCO ANTOLIÇEI, Manztale di Diritto Penale -

Pi~r tr Gcneralr, llilrino. Giuffré, 1960, p. 17. Segundo êste emi- nente autor, a ciência jurídica recebe os institutos, legalmente definidos, como "dados de fato, e se propõe, principalmente. a e

descrevê-los com a maior esatidáo, na sua estrutura e funqão". 21. GUSTAV RADBRUCH, Introdzrcción n la Filosofia de1

-

Derecho, México, Fondo de Cultura, 1948, p. 44.

Page 53: LYRA FILHO A criminologia dialética

+E '.5 =F 3: .:r *?'i

78 BOBERTO L Y k A FILHO %C / - ,$

CRIMINOLOGIA DIALfiTICA .g

4 . %

tação de todo direito formalizado como eo ipso le- ;E Os encontros espúrios do direito penal com a s

gítimo, desde que convenientemente legislado. A teo- 4 C filosofia não puderam render mais do que acenos

ria, chamada pura, do direito deu a isto a máxima * d ."

vagos e contraditórios para o que os formalistas, 43

expressão lógica, no mecanismo formal de derivações, x tendo confinado o direito à norma (e, em certos a partir da "normal fundamental", que só a força

k casos, sobretudo jurídico-penais, à lei) chamam, de-

garante. Sem desrespeito a KELSEN, é inegável que, "t pois, de terreno metajurídico, A verdade é que a limi- X -

para transformar essa teoria, de pura em prostituída, \C tação ao imperfeitamente denominado direito posi-

não é preciso, sequer, o tradicional mau passo, já tivo 25 carrega sempre algum contrabando filosófico

admitido, francamente, em linha de princípio. O di- ~ - a começar pela redução do direito ao seu aspecto

I reito, na visão kelseniana, é simples técnica de orga- f formal, o que já esboça uma ontologia implícita, ern- e

I nizar la loi du plus fort, como se fosse la meilleure bora da pior qualidade. Trabalhando às cegas, o for- 2

ou indiferentemente a que o seja. I malismo termina inspirando conselhos semelhantes I I r

i ROBERTO LYRA trata do assunto, en passant, c àquele de ANTOLISEI, que vedaria aos juristas um .

a propósito da repulsa à aplicação analógica, em nome exame "demasiadamente" aprofundado da justifica- t

duma segurança, iludida com garantias formais 22. [ ção dos institutos . . 26.

Que insegurança maior pode haver do que a clamorosa ; A única via, portanto, é uma retomada, por c

injustiça, formalizada em lei e, ademais, sem meio de assim dizer, da capo de todo o problema, a partir da

impugnação, depois de se tomar a formalização como esfera do jurídico, embora com perfeita consciência i-

I intocável fonte de segurança e, portanto, de "justiça"? das dificuldades da tarefa e sem a pretensão de liquidar

Nas antinomias de RADRUCH, seria trocado o caso o debate. O exame é, em qualquer hipótese, impres-

da indeterminação do direito pela reverencia ante os cindível, pois só êle ensejaria a focalização posterior 1 I

l 1 I / I I eventuais editos dum paranóico 23 - situação dra- B do conceito de crime, evitando-se o risco de forma-

l

mática, 'de que êle mesmo pretendeu salvar-se, ao fim L 1smo. 1 '

da vida 24, sem tempo ou vocação para a Aufhebung, $ A 25. A respeito ver a crítica de ROUBIER, esposada por

dados os padrões de sua formação relativista. SAROTTE, L e M a t i d i s v t e , cit., p..93, nota 22. Mais positivo - i. é o aspecto d'a'cficácia do direito, isto é, a efetiva regência de

22. RORERTO LYRA, in Revistz Brasileira de Crilizinologk, $ fato, das relações intersubjetivas, que pode corresponder, ou não. janeiro-março de 1948, ps. 14-16.

ii L à formalização: a norma pode ser formalmente vigente, mas

23. Ver MIGUEL REALE, Filosofia do Direito, cit., v d . 2, $ ineficaz. No sentido da eficácia, é que EDUARDO GARCÍA MAY- PS. 458- 159. k

'i NEZ, por exemplo, fala em direito "positivo" (Ver Lu Defini-

24. Ver GUSTAV RALBRUCH, Introductión, cit., PS. 179 i. ción de1 Derecho, Xalapa, Universidad Veracruzana, 1960, e 180. Ver também, GUSTAV RADBRUCH, Filosofia do Direito, P 1)s. 101 e segs.).

Coimbra, Arménio Amado, 1953, vol. 2, ps. 219-222. 8 E 26. Ob. e loc. cits.

Page 54: LYRA FILHO A criminologia dialética

ROBERTO LYRA FILHO . .&

-8 É evidente que direito' e crime não representam

- : e - - noções unívocas e a Aufhebung necessária, para en- 7z - b

quadrá-las, está no plano de interferência dos saberes '$ - z

- - filosófico, científico e técnico, sob pena de nos conten- n s

1 ' tarmos com simples jogo de palavras, isto é, som e -- - - fumaça" (Schall und Rauch) ". Doutra maneira, a -i a

4

- - -- -- -- ext~apoIação,dedisc ipl ina~a~disc ipl~ , carregaria as i

- *$- mesmas antinomias, que cumpre superar, e aumentaria -

-- - - a perplexidade - do - criminólogo, - - - - - _ transformado em re- Cepcionista confuso. - - - - - --

1 /

I ; / O preço que se paga pelo abandono dessa tarefa I, (I

,, I de classificação resulta óbvio na obra de eminentes I IIII

autores, como por exemplo, P A U L W. TAPPAN. Vale / I I

I I a pena demonstrá-lo, porque é um caso típico. Êsse I I autor pensa ter resolvido o problema dizendo que o

-

I I crime "deve ser definido bem precisamente e de acordo com as formulações explícitas da legislatura", sem concessão a outras modalidades de comportamento anti-social ou ao que "deveria ser incriminado" 25. .c -

A nossa primeira impressão é de espanto, ao F J1

z I encontrar tal observação num americano, pois os Es- I / I d ,I !it;:, : , tados Unidos da América não têm uma formação

jurídíca essencialmente "codificante", como a Europa - - - - - - - - - -

- 9 -- continental, seguindo a i tradigaes ilhoas da Inglatei- - -

- - -

27. Namen sind Schall und Rauch, nota ALFRED WEBER, d

i no limiar de unia elucidação do conceito de Sociologia (E in - =

fiilzrzcng in die Soziologie, Munchen, Piper & Co., 1955, p. 9). i Aqui também parece indispensável, quanto ao direito, um apro-

- - fundamento daquele- zweiten Siniz- der sich aus d e m U r s p r m g s - - - V -

problem craibt. 28. &te, Jmt ice and Conection, New York, MaGraw-

HiU, 1960, p. 10.

CRIMINOLOGIA DIALfiTICA 81

ra. Ora, na realidade, aqui se trata, em grande parte, dum judge-made law, mais do que aderência aos re- cortes nítidos da "Legislatura". Como nota RAD- BRUCH ", a recepção do elemento consuetudinário geral (Common law), em oposição aos costumes locais, recobre a criação dum direito novo, que vin- cula, pelos precedentes, qualquer caso análogo. Assim

- é que o ~ s t r a @ ~ t ~ ~ ~ ~ - p 6 d e - ~ r - a ~ a ~ a - s u ; c f a m o s a _ _ - ~ - sátira dum Trial by Jury.

-

- - - - -Ademais , - CL espanto aum-ta, se juntarmos a - - - -- ~ essa remissão histórica a diversidade dos direitos pe-

nais americanos, de âmbito estadual. O próprio có- digo penal-modêlo, do American Law Institute ad- mite, aliás, a rejeição de infrações de minimis entre as quais estão as admitidas por "tolerância ou licença costumeira" ou que apresentariam descriminantes tais

I ,

que não se poderia razoàvelmente considerar que a legislatura as houvesse previsto, ao incriminar a con- d~taY-~ 'p Pqr outro - lado - - e independentemente - - - da lei, já alguns tribunais absolvem, de fato, os auisados a - - -

que foram imputadas condutas que "o juiz acha que não são efetivamente criminais" 31, como adultério, jogo de azar trivial e homossexualismo consensual, entre outros. Isto, a despeito da incrimina~ão formal, -

-

numa tendência ao Freies Recht e com todos os perigos de subjetivismo que &mente úma fundamentação ob-

29. Introducción, cit., p. 70. 30. Ver DONALD J. NEWMAN, Convz'ction: T h e Determi-

natio% of Guilt or Innocence With-out Trial, Bostorr, Little, - -

Brown & Co., 1966, ps. 148-149. 31. NEWMAN, ob. cit., p. 148.

Page 55: LYRA FILHO A criminologia dialética

82 ROBERTO LYRA FILHO

jetiva de padrões de ilegitimidade ou ineficácia da norma legal poderia eliminar.

É verdade que TAPPAN fala também em crime como conduta definida "pela legislatura e pelos tri- bunais ", porém o que não se entende é como, diante de tal oscilação (direito penal estadual e criações ju- diciais), a criminologia ficaria bem servida de critérios firmes, evitando as "frouxas abstrações" e os "juízos minoritários de valor" 33, que o criminólogo deseja proscrever. Desde o avanço, no início do século, da So,rio!ogical Judisprudence, o direito americano se volta para a tentativa d o entrosarnento entre ordem legal e ordem social 34. Afastar, portanto, a visão sociológica da conduta aberrante ou anti-social, como prctende T A P P A N , para cortzr o desenvolvimento livre do conceito de whife collar crime, é esquecer que pre- cisamente juristas e tribunais, há muito, dáo ênfase à abertura. Essa tendência antiformalista, no sentido jurídico, tem, é claro, o defeito de devolver o pro- blema ao formalismo das chamadas teoriâs do con- senso, que predominam na sociologia americana "5 .

Mas, em todo o caso, a posição de TAPPAN, voltando as costas aos sociólogos, cria, nesse ponto, um círculo vicioso, pois êle recorre aos juristas, que estão muito entrosados com a chamada jurisprudência sociológica

32. Oh. cit., p. 7. 33. Ob. cit., p. 10. 34. Ver JULIUS STOXE, Larw and tlze Social Sciences.

hlinneapolis. University of Minnesota Press, 1966, passinz. 35 Ver C ~ O R G E S BALANDIER, in Sociologie des Mutations,

Paris. Anthropos, 1970, p. 14.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 83

e o que sai por uma porta, entra pela outra. Basta conferir, a respeito, o monumental levantamento de JULIUS STONE 36. O fato de que a sociologia ame- ricana opere dentro dos parâmetros e segundo os mo- delos, ditados pela matriz ideológica dominante 37, é outro aspecto, que não ampara o formalismo jurídico; apenas. desmoraliza o formalismo sociológico tam- bém, e mostra que, nêle, toda mudança tende a ser aprendia como ruptura "decorrente de empreendi- mentos, de alguma forma, apocalípticos"" E o VGZQ conservador, que repetidamente acentuei, no primeiro capítulo dêste trabalho e que a sociologia das muta- ções vem procurando transfigurar, com o exame

' I objetivo das condutas renovadoras e ~ontestantes*'.~' ao nível do próprio sistema, radicalmente pôsto em questão. Alias. é justo assinalar que essa preocupação já atinge u'a minoria de escol da própria sociologia nos Estados Unidos da América, a medida que as contradições, atualmente muito aguçadas, da estru- iura onde se acha imersa, tende a facilitar a conscien- tização do processo, em têrmos críticos. Êsse "criti- cismo c i e n t í f i ~ o " , ~ ~ todavia, desenvolve-se, com mais desembaraço, fora dos padrões rotineiros daquela so- ciologia ianque, cuja tradição de ingenuidade filosó-

36. Social L)il?zensions of LILW and Justice, London, Ste- vens and Sons Liinited, 1966, pussim.

37. Ver EALAND'EK, ob. rit., loc. cit. 38. Iõideiu. 39. Iòidcrn. 40. Ibideipt.

Page 56: LYRA FILHO A criminologia dialética

ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

fica atrapalha muitos autores bem intencionados; a tanto, para evitar simplismos, que essa condenação as exemplo do honesto e corajoso WRIGHT MILLS.~' atinge, enquanto organizações intelectuais tendentes

-2- O caminho atual da sociologia crítica, acentuan- -- - - a estabelecer determinadas antropologias filosóficas - S do o retorno reflexivo sobre pressupostas e resultados --

% 4 implícitas, sem prejuízo do valor ou aproveitamento

da investigação empírica, estabelece aqude encontro - .3 de alguns dos elementos de suas operações ou meto- de filosofia e ciência, já registrado, aqui, com - dologia, desde que melhor focados. Neste sentido é nos-estudos de THEODOR ADDRNO e MAX HORKHEI- * - - - - - - - - - -- - - - -- % - ---- -

qeu se revela muito equilibrado o juizo de BAUMAN M E R . ~ Há POUCO, JEAN ~ V I G N A U D repetiaque, ou -.i _ sobre obra K L - É v ~ S ~ ~ ; ~ r ~ ~ s ~ ~ - h n t o f o g ~ s e ~ ~ ~ - - - - -

a teoria sociológica passa a nutrir-se com o questio- lógica dêste é irremissivelmente idealista - o que não - -

namento radical,-=definha no-"tecrifcisrno - - - -1; &---

- I '

- desqualifica eo-ipso- todas as suas contribuições cien- e na burocrat i~ação",~~ isto é, como eu preferiria tíficas em concreto, embora comprometa a ' direção dizer, do meu ponto de vista - dialetiza-se ou morre.

- r 3 A geral da obra e inspire grandes reservas, quanto a

Hoje, a teoria sociológica há de ser critica sociológica, i

muitas etapas e resultados de sua construção. para evitar aquelas "cristalizações intelectuais", que i. -e Os formalismos sociológico e jurídico, debaixo nos Estados Unidos da América assumiram o aspecto f - - e da oposição periférica, mantêm um ponto ideológico de "instituição", influenciando, inclusive, certas di- *

3 de afinidade. Aí se desvendam o mêdo e as reações, reções européias. Como diz, incisivamente, DUVIG-

b t mais grosseiras ou sutis, diante duma realidade social NAUD, as "ideologias sociológicas contemporâneas a ".

em transformação, que vem ameaçar a tranquilidade (estruturalismo, linguística- estruturalt matematiza- - i 1 dõ mundo acadêmico--e-a c-ultura a que êle tem ser:

çáo e formalizações) são outras tantas manifestações '> vido, até êste momento de abalo e contestação. de marca passo e cadaveri~ação".~~ É óbvio, entre- E - Uma sociologia atualizada há de manter em vis- Z

41. A contaminação do pragmatismo e do instrumenta- s i - ta as grandes hipóteses teóricas mais arriscadas, retem-

lismo, a todo instante, cria_limitaçÓe~s para êsse eminente soció- logo, cuja escassa familiaridade com a problemática filosófica - 7 p - a n d o - i n a praxis (para evitar a alienação) e na

9 -mais requintada, de t i i n b ~ europeu, constitui outro obstáculo - critica (para evitar o dogmatismo bruto da aláo fundamental. Apesar disso, é claro, são muitas, e excelentes, as - -* - cega); Doutra forma, voltaríamos ao empirismo r@- siias intuições; e, em todo caso, a óbvia tentativa de libertar-se

E - dos padrões acadêmicos "oficiais" torna-o extremamente simc teiro, alimentado pelas famosas teorias de médio al-

Fr

pático a um pensamento mais avançado. i; + 42. Ver ADORNO e HORKHEIMER, Sociologica, Madrid, %

~ a u r u s , 1966, notadame3eps. T e segç. e 273 e segs. -

- - h

i - - 3 - 45. Ver Z Y G M U ~ T BAUMAN - Marx and the Contem-

43. I n Sociologie des Mutations, cit., p. 63. porary Theory of Cutture, p. 492, iut UNESCO, Marx and thc - -

44. Ibidein. V contemporary Scientific Thought, The Hague, Mounton, 1969. - L

.@ 3

Page 57: LYRA FILHO A criminologia dialética

8 6 ROBERTO LYRA FILHO

eance, cuja índole é conservadora 4'je, em última aná- lise, acarretam uma opção filosófico-social, no endeu- samento da homeostase, para servir, consciente ou inconscientemente, às situações constituidas. O que não pode ser evitado é o novo dinamismo do traba- lho empírico, de acordo com reorientações teóricas dialetizadas.

O grande parti-pris antifilosófico dos empiris- tas puros está condenado; mas também se desmasca- ra, assim, o tipo de filosofia idealista, que se deixa ancilosar na reedição das velhas metafísicas ou nas cartilhas do marxismo preguiçoso, a que se referia SARTRE." O estudo de JOSEPH GABEL aprofundou aspectos dessa "ideologização do marxismo",4s para constituir aquela "falsa consciência", determinando a "captação infradialética da realidade social".49

A investigação científica não pode prescin- dir da função crítica e totalizadora da filoso- fia e esta não pode, igualmente, prescindir da cisncia, sem transformar-se num jogo arbitrário, de simples diletantismo especulativo, que também manifesta um sentido ideológico elitista e alienado. Quando falo

46. Ver KÁLMAN KULCSAR, Ricerche di Sociologia de1 Diritto i n Uzqlzerin, i n RENATO TREVES, og., L a Sociologia de1 Diritto, Milano, Ediizoni di Communiti, 1966. KÁLMAN admite a wziddle range theory como "ponte entre os dados .empíricos e a teoria geral". Neste sentido, também. a minha ressalva. no capítulo primeiro, ao falar nas hipóteses mediadoras de trabalho.

47. Questão dc Método, São Paiilo, Difusão Européia do Livro, 1966, p. 48.

48. JOSEPH GAREL, Lu Faztsse Consc i~nce , Paris, Les Édi- tions de Minuit, 1962, p. 13.

49. Ibidem, p. 42.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 87

em filosofia, refiro-me à filosofia viva; não há outra: tudo o mais é contrafação.

O aprofundamento do conceito de direito tem descoberto, na própria filosofia, muitas obstruções, atribuíveis a interferências da capa ideológica. É claro que a palavra - direito - indica uma realidade superlativamente complexa, onde GARCÍA MAYNEZ pôde vislumbrar a associação de noções "distintas e irredutíveis entre si"." Êle reconhece um "direito for-

" malmente válido", um direito intrinsecamente vá - Iido" e um "direito positivo", cujas contradições não logra superar, pela carência de fôlego dialético em seu perspectIvismo. A lucidez é comprometida por um vêzo idealista, para a qual o conceito vai ser bus- cado, quando já carrega as escamoteaçóes dum aprio- rismo, de influência kantiana." Subsiste, aqui, a ten- dência a "criar" o objeto pelo método, ao invés de forjar os esquemas de inteligibilidade adequados, para desvendar a unidade subjacente e captá-la na objetua- lidade concreta, dentro da praxis.

De qualquer sorte, a tricotomia, bem destacada, serve para indicar que são aquelas, mesmas, as di-

50. EDUARDO GARCÍA MAYNEZ, Lu Definición de1 Dere- cho, cit., p. 101.

51. EDUARDO GARCÍA MAYNEZ, Introdución a1 Dereclzo. Mésico, Porrua, 1955, p. 122 ; no mesmo sentido e sob a mesma influência, Luís RECASÉNÇ SICHES, Tratado General de Filo- sofin de1 D E T P C ~ I O , México, Porrua, 1959, p. 12, em que um su- posto "conceito universal ou essencial do direito" é inscrito entre os pretensos "conceitos puros alheios à experiência, necessirios em tôda realidade jurídica histórica possível, condicionantes de todo pensamento jurídico".

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88 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

mensões do direito, no sentido global. O "direito for- num positivismo dos fatos, tão grato às correntes his- malmente válido" representa a dimensão normativa toricistas e sociologistas. Para evitar êsses descami- e define a órbita de operação dos diferentes positivis- nhos, é indispensável fortalecer o tonus dialético, li- mos jurídicos; o "direito intrinsecamente válido" re- gando fato e valor, teoria e praxis e encarando as presenta a dimensão axiológica e marca a pauta dos resultantes formalizadas, à luz de uma escala obje- que se preocupam com a inversão do positivismo - tiva de val&ação, dentro da linha de irreversibilidade I I vale porque manda" -, para a pesquisa do funda- - - - - - - - -----p-

histórica. Nesta, cada revelação do potencial ontoló- I r - - - rnento - manda-porq~i-valZ""~ - e est i2-o-da==liberdade-humana+-em-su-a=luta~pela-positi- - - -

to, sujeito à legitimação; o "direito pos -

vação, desperta sucessivas conscientizações jurídicas, -

sentido de MAYNEZ-representa a dimensão fáct - - reswltanm d_o choque - - - - - de - - - interêsses - e classes, dentro de - - - - - - - - - - - - -

delimita o âmbito de análise dos empirismos qu toda estrutura. - -

dam com o fato social, naquela falsa objetividade do Fato, valor e norma, como têrmos de um tri- dado.53 dimensionalismo, indicam a unidade do direito e apa-

A preocupação exclusiva com a formalização iecem como seus aspectos fundamentais, desde que desemboca no positivismo jurídico; a respectiva con- não seja tomada, ao pé da letra, a palavra "dimen- traparte é a análise da legitimidade, segundo os prin- sões". Êste é o êrro de Coss~o, que pensou ver pro- cipios racionais fixistas do jusnaturalismo clássico: postas à consideração as "dimensões dum ser físico".55 sua vinculação às determinantes infraestruturais da A propósito, REALE nota, com acêrto, que não se cultura, ecoando a divisão-em classes, desfaz toda pre- fala em fato, valor e norma "como se fossem facetas

de algo subjacente, ou seja, da conduta humana, q u e - - tensão de perenidade e manifesta o cunho ideológico; a pura análise empírica dos fatos sociais, por outro já seria imanentemente jurídica, em sua interferência lado, dissolve-se em formalismo, semelhante ao posi- intersubjetiva, como quer COSSIO; assim como não

tivista, do mesmo sabor ideológico e cuja visão socio- cabe considerá-las três perspectivas condicionadas de

lógica tendente à "integração e eitabilidãde"," acaba irredutíveis de direito, -como pretende - - - - - -- - - - - - - - - - EZ; são, antes, momentos dum pro-

é meu) ,- na qual consiste a- realidade 52. EUSTÁQUIO GALÁN Y GUTIÉRREZ, LOS Tipos Funda- -

mentales de1 Pensamiento J,uridico a La Luz de lu "Perennis Phi- mesma do direi t~". '~ losophia", Madrid, Instituto Editorial Reus, 1955, p. 77.

53. HENRI LEFEBVRE, Pour Connaitre lu Pensée de Marx, Par i s , BoFdas, 1966, p. 12. - - - - - - - - er MIGUEL REALE, Filojofia do Direito, cit., v. 2,

- - - -

54. GEORGES BALANDIER, Sociologie des Mutations, cit., p. 14. 56. Ibidem, ibident.

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90 ROBERTO LYRA FILHO

Essa colocação permite, inclusive, estabelecer uma ontologia não mutiladora e focalizar a história das idéias jurídicas, destacando, ora uma, ora outrii dimensão, ou a aliança delas, até o arremate dum tri- dimensionalismo global. Contudo, aderindo a abor- dagem assim configurada, é preciso, logo. verificar que ela tem muitas apresentações, desde as formas chamadas genéricas ( perspectivistas e antinômicas, discernindo as três dimensoes, sem integrá-las) até

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 91

I I petir, complacentemente, com HAURI~OU, que a justi- ça social é um luxo ( s i c ! ) atécerto ponto dispensável"; I com EBENSTEIN que "é mais importante que a regra de direito aplicável seja estabelecida do que seja justa" e com RADBRUCH que, "quando, numa comunidade, existe um poder supremo, deve respeitar-se aquilo que êle ordena"." Tais frases parecem liquidar, no itine- rário, tôdas as fecundas sugestões do encaminhamento tridimensional. Encarando, serenamente, a totalidade -

um tridimensionalismo especifico e perfeitamente h da obra de REALE é, afinal, inocultável que, de par consciente das possibilidades e planos de entrosamen- i com suas qualidades extraordinárias de erudição e

i1 E ,, , to das dimensões captada^."^ Ainda nêste ÚItimo, há .L

"k originalidade e de alguma concessão à pluralidade de

lllll! V , lugar, porém, para desenvolvimentos bem distintos, ordenamentos,"? o direito estatal fica. entronizado.

1 lill & ou aproximações mais ou menos felizes, daquela ar- 111 ' l 1 F É como se o Estado mesmo não pudesse e devesse

ticulação, como, por exemplo, de SAUER, HALL, g I/ I:, ser visto tridimensionalmente, enquanto fenômeno

1 1 1 I STONE, RECASÉNS, FECHNER ou do próprio REALE. i jurídico e com ênfase na legitimidade ou ilegitimidade I ,

,$ ,, Quanto a êste, decerto a maior figura da filosofia i da sua organização e dos produtos da atividade le- ,, , , , , , , r juridica no Brasil, creio que certos empanamentos gislativa, reinseridos naquêle processo que o n-mmo

t I ,

// 8 1 3

I, ideológicos não lhe permitiram atingir todas as im- : REALE destacou." O aspecto mais grave dessa rever- , / ,,// L plicações da própria posição que defende. A dialéti- ' { I !!,, ' r são ao formalismo está em que êle paralisa a nomo-

ca de implicação e polaridade detém-se num esquema, gênese, em nome de um "postulado" de ordem "jurí- 1 1 1 ~

i111 !, :: , afinal também idealista, quando discute as g dica"," para garantir o monopólio estatal da deda- k l ' , , l <I,, t

1, 1 1 f l l fundamentais entre direito e segurança ou direito e . F ração, em última instância" do "que é l í c i t o OU ilí- poder. Há, na sua construção, uma deferência ao [ Citof? 65- (o grifo é do autor). O retorno ao posi-

F Poder, que interrompe aqu'êle processo, por êle mes- tivismo jurídico e todas as suas implicações faz-se, mo definido, recaindo no formalismo," ainda mais

- - k - -

claramente denunciado pela barreika da justiça Tom5 - E- - - - 60: I b ? - d e ~ , ~ . 522.- - -- - - - - - - - -

i-

ordem5'" e certeza.60 E esta leva o eminente autor a re- E? 61 . Ibidem, Ibidem.

t- -- 62. Ibidem, p. 523.

57. REALE, A TCOY~CC TI.idinze~zsional, cit., ps. 13-67. F i- 63. 64. Ver Filosofia nota do 56. Direito, cit., v. 2, p. 522. 58. Ver O Direito Como Espeviêncin, cit., ps. 194 e segs. 59. Filosofia do Direito, cit.. vol. 2, p. 521. 65. Ibidenz, Ibideliz. k

F

Fi " L-

Page 60: LYRA FILHO A criminologia dialética

92 ROBERTO LYRA FILHO 3 x,

. .

em REALE, mediante agudos e eruditos rodeios, mui- tos dêles originais e fecundos e que me parecem muito mais valiosos do que o decepcionante coroamento. A dimensáo axiológica, então, contrai-se a tal ponto, e tão violentamente, que só resta lugar para as acomo- dações da exegese (ao cabo, teleológica ou timidamen- te progressiva), sob formas engenhosas e flexíveis, mas, em última análise, subordinadas àquela ú l t i m a ins~iincia f o r rna f i~ t a .~~ -~ês se respettoré váli& epene- trante a crítica de INOCÊNCIO M. COELHO, relativa à contribuição hermenêutica de- RELASÉNS SICHES,? que adota expressamente o tridimensionalismo e pode ser extrapolada, muta t i s mu tand i s , de logos de 10 razonable de RECASÉNS à teoria realiana dos modê- 10s; isto, sem prejudicar-lhes a feição positiva, no plano de suas aplicações exegéticas, mas destacando a raiz comum, formalista e conservadora, que sub- siste em ambos. Veja-se, por exemplo, ccmo vai im- plícita no corte positivístico, a hierarquizaçáo das fontes, ancilosando, nêsse lado formal, o jogo das- - - - - -

chamadas fontes materiais, submetidas à camisa de força de mera elasticidade6* das normas formalizadas

4 4 e suas possíveis alterações sernânticra~,~~ dentro do que REALE exprime, claramente, como "inalterabi- lidade formal d o enunciado" ( o grifo é meu) .?"Desta-

- 66.- Ver O Direito Como Experiência, &., ps. 161 e-segx 67. A Contribuição de Luís RECASÉNS SICHEÇ à Filo-

sofia, do Direito, Brasília, UnB (tese de doutoramento, edição datilografada), 1967, passim.

68. REALE, O Direito Como Experiência, cit., p. 185. 69. Ibidem, p-210- - - - -

70. Ibidem, Ibidem.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 93

maneira, chega-se à impossibilidade de "desenvolver abertamente o direito" forçando o inevitável impulso do progresso jurídico a entabular, com a ordem for- mal entronizada, aquela espécie de jogo de esconder, a que se referiu ESSER.~' E, nêsse jôgo, que põe, a título de exegese, a oculta negação do enunciado for- ma "inalterado", está, muitas vêzes, a linha torta por que se escreve o direito certo, como, por exemplo, em

- - - - - - - - - - - -

ãlgüns-ãc&d%s-de nossolpróprio Supremo TriKu- -

nal." Qual é o marco do direito ~ i g e n t e , ~ ~ para in- serção da decisão-justa? LARENZ, mesmo, fica -uni - -

pouco assustado com as implicações da relação dia- l é t i~a ,?~ , seguindo a marcha da lei no tempo, confor- me as aquisições da consciência jurídica, para que se crie, no dizer de ESSER, a norma positiva autêntica, assimilada ao direito em a ~ ã o . ' ~ Mas, afinal, não se estaria criando uma série de irnpasses teóricos, me- diante postulações baseadas em preconceitos, para evitar o arrombamento duma porta, de fato, aberta? B O D E N H E T M E R , ~ ~ ~ ~ não prima pela audácia- do- pen-- -

71. LARENZ, Metodologia, cit., p. 290. 72. Veja-se HELENO C. FRAGOSO, Ju~i~prudência Crimi-

nal, Rio, Forense, 1968, em que o eminente autor demonstra que houve artifícios exegéticos e de aplicação da norma incri- -

minadora de casa de prostitui@io (psT 8 9e segs:). Dentro do plano em que se colocou,. está, evidentemente, com toda

- - - razão. O que sugerimos é outra coisa: O Tribunal, sensível, àquela altura, aos problemas criados pela incriminação, que ge- rara iniquidades e hipocrisias, procurava, ali, meios e modos de contornar a questão.

73. KARENZ, Metodologk, cit., p. 290. 74. Ibidem, p. 207, -

75. Ibidem, p. 207.

Page 61: LYRA FILHO A criminologia dialética

- 94 ROBERTO LYRA FILHO i CRIMINOLOGIA DIALÉTICA a 9 5

t . .- I I

samento, consigna, tranqüilamente, que a 1egit.imi- 3 .-E a orientação marxista, reconhecem, com ênfase e dade do direito positivo pode ser posta em dúvida", L clareza crescentes, que a prova empírica demonstra

h defendendo a justiça contra legern.76 O importante é, i - a situaçáo do direito, no sentido formal, como su- f

sem dúvida, libertar o processo, sem cair nas armadi- i perestrutura, determinada pelos arranjos econômicos - -

lhas do direito livre, que corresponde a um subjeti- i auma sociedade dividida em classes - é o caso, por vismo judicial, muito diferente da fundação objetiva f exemplo, de JULIUS STONE.~' Ora, nêsse terreno, dos critérios de legitimidade ou ilegitimidade. Essa

f também se deixa marcar, bem nitidamente, a preo-

fundamentação não reside, porém, no apêlo à axio- i cupaçáo de não incorrer no mecanismo grosseiro da logia fixista do jusnaturalismo clássico, nem no sim- [ pura determinação econômica, aliás denunciada, an- ples relativismo dos padrões que geram o outro for-

i ! tes de tudo, pelo próprio ENGELS.~~ !I malismo, historicista ou sociologista. As notáveis i

' 3 1 i

I ' Por outro lado, deparamos, aqui, com um as- I,, , pesquisas empíricas, realizadas, no Brasil e na Ale- i

, 1111, pecto da filosofia marxista do direito que a investi-

~~il l l manha, por CLAUDIO SOUTO, a respeito do senti- I # , L gação científica posterior tem levado as ciências hu- 1/i11 I

mento de justiça, já levaram o mestre pernambucano ,;I I~II manas a encarar com reserva. Sem maior exame, / I,/ para algo que se aproxima, com ressalva do nome, E alguns autores daquela orientação continuam afir- I ) ,It'

, , :~,t l , F

de um "jusnaturalismo" sociológico, à maneira de i / I , , , 1 1

mando que o direito é simples "dispositivo coativo I # ,, SELZNICK, na busca dos princípios de crítica das for- L externo, de natureza estatal", isto é, "ligado ao apa-

I , , ,,, rnalizações jurídica^.^' F I r 1 , 1 3 1

recirnento do Estado". Assim, por exemplo, o filó- I , I Nessa direção, que renega os formalismos, creio ,111, a g

I> ,,,, safo ADOLFO SANCHEZ VAZQUEZ,~~ sob tantos aspec- $ 1 #I ,,,I, I I ' que cabe aprofundar o rumo espontaneamente tomado L tos admirável em suas agudas investigações. Aliás,

I , I pela filosofia e sociologia jurídicas, a partir dum I

( > I I , / , a o falar na justificação dialética da moral,'' VAZ-

tridimensionalismo integral que defende a correlaçáo t

lllll ,,'1II,I l181i l,tfli~J 1 QUEZ admite uma síntese ética, sobranceira ao forma- I 1 11, 1 dinâmica de meios e fins, em função da décalage cn-

P lismo e à relativização, que cumpriria estender à tre intraestruturas e superestruturas, dentro das k esfera do jurídico, pois, em última análise, as duas estratificaçóes sociais. Hoje, os teóricos, não filiados

€ 1 ordens de normas sociais só se distinguem, como en-

- - 1 fatizarei adiante, pela coercibilidade exterior das san- - 76. E~GAR-BODENHEIMER. CiênCja d o a i r e i t o - Eilosofic - - - - - - -- - - - - -- -- -- - -

E il/lotodologia J~rridicas, Rio, Forense, 1966, p. 338. i_

77. Vcr a aguda e erudita tese de cloutoramento de So- f i 78. I n Socinl Di19z~mions. . . , cit., p. 511.

LANGE SOUTO, ContrOle Social P Direito, Recife, Universidade E 79. Ver carta a J. Bloc (21/9/1890). A propósito; Bo- Federal de Pernambuco (edição mimeografada) , 1968, p. 551 L DENHEIMER, Ciência do Direito, cit., p. 97. Do próprio CLÁIJ~IO SOUTO, Fz~ndamcntos dc Sociologia Juri- E

E 80. Ética, Rio, Civilização Brasileira, 1970, p. 83. dica, Recife, Faculdade de Filosofia da U.C.P., 1968, pussim.

-% 81. Ob. cit., p. 227. ;

-- - --

Page 62: LYRA FILHO A criminologia dialética

ROBERTO LYRA FILHO t CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

ções organizadas e pela bilateralidade atributiva, Aliás, a própria filosofia marxista do direito peculiares ao direito. g oscila bastante, nesse ponto, ao menos quanto à sim-

De qualquer forma a identificação global do ples ligação de direito e Estado, como expressão crua jurídico e dos enunciados formais dum voluntarismo E e mecânica de interêsses classistas. O êrro está justa- de raiz estatal faz regredir certas posições marxistas C

F mente em ver todo o direito enquanto direito estatal - - - - - a uma espécie _de formalismo jurídico, de inspiração B 8 e dizer, com VYSHINSKY, que "direito é um sistema

diferente da positivista, porém com resultados estra- B t de normas, estabelecido pelo Estado, mediante o qual

nhamente coincidentes. v 8 4 -- - . - L p \ i . i -

ada_m_tr~~-u r a-so-c1 a 1 - . T Â L - -- - - - - --~TõrTcl-- aça-o, aqui-tomafidcfgçao-pr@ica_r xplicaria-o d'rreitõ -de con; - - - - -

mente mecanicista, entre infraestrutura e formação P I I . . . . - testação e libertação, o inconformismo positivo, que

----- das-ldoas-e instituiço.es-jurídicas,-corta -o- i m p u l s o - '&- 3

~e~p~sentaToE-dlreitotamb-E-Eante do for- nomogenético e infradialetiza as contradições do me- [ malismo jurídico estatal, HELLER acentuou a exis- lhor progressismo, também não explica a influência, tência duma espécie de "jusnaturalismo" implícito de retorno, do direito, libertado de sua condição de i em toda posição contestante, y compris a mar~ i s ta . '~ mera vestimenta ideológica dos interêsses estatais en- t

i Note-se que GOLOUNSKY e STRIOGOVITCH matizaram tronizados, E isto falseia a compreensão, enrijecendo i

1 bastante essa linha de raciocínio, embora aderindo, a tese do desaparecimento do direito e do Estado, que b I I

i substancialmente, à concepção do direito como uma não tem apoio em qualquer prova científica e serve, forma específica de política da classe d ~ m i n a n t e " , ~ ~ apenas, à profecia nitidamente utópica do estabele- Z perspectiva em que até a norma consuetudinária é cimento final duma espécie . de - paraiso terrestre.'" r -

- - reduzida, mecanicisti~a~ente, a eplferiômeno e fica

Nessa ordem de idéias, o materialismo histórico entra t 'i à espera do reforço duma coerção estatal.87 Aqueles

numa contradição insuperável consigo mesmo. E não 5 I & autores admitem, de qualquer maneira, uma cons- - -- - - o-salya a dialética, pois é justamente a sua negação S

B que se critica na tese referida: esta postularia, anu - i 84. Apzrd RECASÉNS S ~ H E S , Pgnorama de1 Pensamiento dialèticamente, um epílogo-escatológico,- desimanenti- - - k - - -

b Juridicõen r1 SGlo XX, México, Porrua, 1963, vol. 2, p. 1094. zando 4 dialética histórica e pendurando-a no cabide !! 55. A propósito, ver A. L. - - MACHADO NETO - l _ - Introdugão -_

---- - - -k -- à -Ciência -dõ Direitõ, São Paulo, Saraiva, 1963, 2 . O volume.

82. A propósito, YVON BOURDET, in Sociologie des Mu- 86. Ver a decisão do 1.O Congresso dos Constitucionalis- tas Marxistas, no combate às teses de PASUKANIÇ, in STUCKA

)tu, cit., ps. 95-96. 0 7 A ....--i-:c- ---- ..- P-A-~. . .s GURVITCH, as observa- et alii, Teorie Sovietiche de1 Diritto, Milano, Giuffré, 1964,

- - - -p. aF-fTexto de -STRooovIc-1). -- - - - - -- - - - - - - - -

i W U ~ C U M C L I C ~ ~ S C C I I U C I I L C 1.n DialZctique i i So7iologie, i c 'Filgrnrniir;nn 10h7 r, 1 < < e 57. Ibidcm, p. 311.

Page 63: LYRA FILHO A criminologia dialética

3

- 98 CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 99 ROBERTO LYRA FILHO

ciência jurídica", de nenhum modo confinada à limi- direito à política de classe dominante, ademais toma- tação do Estado, Ora, essa concessão manifesta, gri- da como bloco unívoco e sem contradições, o que é tantemente, a necessidade duma perspectiva mais pecado de infradialetização. ampla na abordagem do direito. Nas sociedades clas- A síntese dêsse jogo de contradições em cada

, sistas, acentuam, ainda, GOLOUNSKY e STROGO- concepção juridica, sem desconhecer a sua vinculaçáo VITCH, não há uma só consciência jurídica e, poristo, à infraestrutura (isto é, hoje, largamente aceito, "a regra de direito da classe dominante, fundada na como já assinalei, até por não-marxistas, à maneira consciência jurídica dessa classe, não é igual à que de STONE), deveria extrair dessa visão da praxis ju- se funda na consciência jurídica da classe subordina- rídica algo mais do que aquêle positivismo jurídico da; sendo justa para a primeira, é injusta para a se- estatal. Assim é que se poderia destacar um tridimen- gunda. Cada classe social, esteja ou não no poder, sionalismo global, ao nível do conhecimento do di- tem sua própria concepção do direito, concepção que reito, em sua acepção plena, enquanto resultante e

a

não pode ser, e geralmente não é, a que se extrai do superação, a cada etapa, das contradições, na atuali- direito positivo em vigor".88 STOYANOVITCH mos- zaçáo dos diferentes ideais de justiça, dentro do con- trou que existe, nessa posição, a verdadeira militança creto histórico. Para a integraçáo, cabe rejeitar, tanto crítica à doutrina "fechada", na pena dos próprios o jusnaturalismo tradicional e fixista, quanto o d a - marxistas que se apresentam como o r t o d o ~ o s . ~ ~ tivismo em que vão dar, afinal, todos OS formalis- A simples expressão, adotada por GOLOUNSKY e mos. A justiça não entra na dialética do direito, como STROGOVITCH, embora ainda minimizando as con- principiologia postulada pela ordem OU segurança tradições do próprio direito estatal, de qualquer sorte (formalismo positivo, de endeusamento estatal), nem já vem abrir o debate mais fecundo, pois admite, em corno crítica simplista do direito dito positivo, a ti- nome do processo jurígeno mesmo, a reinserção da tu10 de mecânica derivação de interêsses econômicos dialética, pràticamente esquecida, no jogo das deri- (formalismo crítico infradialético, engajado'na &E- vasões infraestruturais. O que não se pode entender çáo utópica de um têrmo final do processo, que klui- é como os autores reconciliam suas verificações da daria, de vez, com a dialética histórica, sem qualquer

- pluralidade- de consciências jurídicas eca redução d e a p o i o em p m a e m p s c a e m guardar coerência com - - -- -

a imanentizaçáo dessa mesma dialética) . k -

88. Ver a minuciosa resenha de K. STOYANOVITCH, in A determinação do direito, a cada momento, La Philosophie du Droit em URSS (191 7-1953), Paris, Libra- i

F seria uma operação complexa, baseada naquêles pro- rie Générale de Droit et de Jurisprudense, 1965, ps. 25 7e segs. cessas descritivos, analítico-regressivos e histórico- 89. Ob, cit., p. 259. E

e = C

- L

Page 64: LYRA FILHO A criminologia dialética
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- 102 CRIMINOLOGIA DIALÉTICA 103 ROBERTO LYRA FILIIO

f o r m a l i z a ~ á ~ d o s c h a m a d o s d i re i tos postivos. O q u e do E s t a d o e a r ígida e e n g a n a d o r a a r r u m a ç ã o de e ta-

n ã o se p o d e a d m i t i r é a p a r a l i z a ç á o das investigações p a s d e desenvolvimento ( c o m u n i d a d e p r imi t iva , es-

científicas, a o n í v e l d a i n f o r m a ç ã o científica do sé- c r a v a t u r a , feudal ismo, capi ta l i smo e socia l ismo) ,

c u l o XIX, q u a n d o t r a b a l h a r a m MARX e ENGELS. a p r o f u n d a n d o , pór exemplo , a s sugestões do chama-

D i a n t e d a s re i teradas ressa lvas dêste ú l t imo," a "or to- do modo d e p r o d u ç ã o asiática - u m a ques tão que,

d o x i a " i m p o r t a e m e x a g e r o condenáve l e, a f i n a l , os e m b o r a c o n t a n d o c o m extensa bibliografia,lO' n e m

disc ípulos , e t e r n a m e n t e p r e o c u p a d o s c o m a le t ra d o s aparece n a s vulgarizações nacionais correntes.

seus t e x t o s sagrados , jus t i f i cam o s u s p i r o , do A s oscilações s ã o m u i t o sugestivas e LEFEBVRE 4 ' p r ó p r i o MARX q u e disse: e u n ã o s o u m a r x i s - chega a assinalar u m a "ambigüidade do pensamento

ta"." C o m o ass inala u m m a r x i s t a , GODELIER,~~' m a r ~ i s t a " , ~ ~ > o i s MARX, "ora a t r i b u i ao E s t a d o

o i m p o r t a n t e é e v i t a r "O c o r p o f e c h a d o d e d o g m a s - u m a a ç ã o real e posi t iva , o r a vê, nêle, apenas, p a r a - receitas". s i t ismo" - o q u e t e m óbv ias ligações c o m o proble-

H o j e , p o r e x e m p l o , a a n t r o p o l o g i a po l í t i ca , in- ma d a nomogênese. D e q u a l q u e r f o r m a , essas a m - clusive na d i reção m a r x i s t a m a i s l ivre , já r e f u t o u a b igü idades h ã o d e ser, e m ú l t i m a análise, bas tan te tese d e q u e a s ins t i tu ições mat r i a rca i s precederam a s fecundas , l e v a n d o a n o v a s pesquisas e reelaborações. pat r iarcais 'O1 e a l a r g o u a d i scussão s o b r e a o r i g e m E l i m i n a d a s p o r certas direções do m a r x i s m o , elas

ressurgem, agora , p a r a consideraçáo, cada v e z ais 8 . Veja-se, por exemplo, ENGELS, qando se apoia em a p r o f u n d a d a , à l u z dos progressos d a ciência h i s tó -

h MORGAN, ressalvando que muitos daqueles dados são esboço provisório, que só durará enquanto o admitir a documentação rica, an t ropo lóg ica e sociológica. conhecida (apztd MAURICE GODELIER, org., S u r les Sociétés Pré- M e s m o n o s países socialistas, a desdogmat ização capitalistes, Paris, Éditions Sociales, 1970, p. 99).

99. RAYMOND ARON, P u n e Saint Fawdle à PAutre, já n ã o se con ten ta c o m a derivação p u r a e mecânica Paris, Gallimard, 1969, p. 306; GABEL, L a Fausse Consciente, do d i re i to dum s u b s t r a t o econ6rnic0, sempre i m p o r - cit., p. 11. Ver a carta de MARX in KARL MARX & F. ENGELÇ,, t an te . I s t o se verifica no t r a b a l h o d e KASIMIRCUK Selected Correspondente, New York, International Publishers, 1936, p. 472.

100. I n Les Sociétés, cit., p. 137. estudos sôbre as condições de origem do Estado acham-se em

101. RALPH LINNN, Tlze Tree of Culture, New York, plena e fecunda reelaboração, por exemplo no que tange ao de-

- -- Knopf,J956, p. 528.+G0~~~1~~~LesSociétés,-cit.,-~.-1~0) de bate do chamado modo de produção asiática - mesmo entre - m a r ~ i s t a s - ~ C h m ~ ~ ~ ~ , pPs:124~30, 1-3--347 140 e-p,assi.~z->. monstra que a transformação em "um dogma" da Origem da

Familia, da Pvopviednde Privada e do Estado é contrária ao Ver, também, ROGER GARAUDY, org., SUV le Mode de Produc-

intuito do próprio ENGELS. Isto não impede, aliás, a admissão tion Asiatique, Paris, Éditions Sociales, 1969, fiassim).

102. Ver GARAUDY, S w le Mode. . ., cit., p. 345-347, além de que o "exercício das funções sociais está na base da supre- ,macia política" (GODELIER, ibidewz, p. 123), representando, do livro, já citado, de GODELIER.

103. Sociologie de Marx, Paris, Presses Universitaires quanto ao aparecimento do Estado e das classes sociais, uma mnvergência de MARX com a antropologia moderna. Mas os de France, 1968, p. 137.

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1 04 ROBERTO LYRA FILHO

TUMANOV e STEJNBERG, quanto à União Soviéti- 4 I ca.lO* O húngaro KALMAN KULCSÁR combate a re-

petição mecânica das teses clássicas".105 Na Iugoslávia, OLEG MANIC acentua a função dinâmica do direito, no uso da formalizaçáo jurídica para "dispor e im-

" 106 por mudança social . PODGORECKI, na- PolÔnia, registra os estudos da anomia em terreno socialista.107 Cresce a certeza de que a dialética do conflito entre

temas conflitantes de valores e suas raizes infraes- truturais, é tudo, menos- uma receita- simplista e -

-

clássica. I1 Dado o acúmulo de material etnográfico e a di- I/!

versidade das formas concretas de manifestação dos fenômenos, e antropologia política, pari passu, ma-

: / t i tiza, em esquemas complexos, o sistema de relações I 1

' t I 1 ,,, entre as "subculturas" ligadas aos estratos ou classes

sociais,'08 e enfrenta a questão de conceito e origem I do Estado.

Em que pesem as retificações de certos pontos, pelo material mais recente, as conclusões de ENGELS

-- -A- 104. V e r i n RENATO TREVE- org., L a Sociologia de1 Di-

ritto, Milano, Edizioni di Comunità, 1966 - ~ i g - i t t o e ~ i c e r c h z Sociologiche nelPURSS, de KASMISCUR, TUMANOV e STEJN- BERG, p. 124.

105. Ricerche di Sociologia de1 D i ~ i t t o in Ungheria, in

ob. cit., p. 181. 107. La Sociologia de1 Diritto in Polonia, in TREVES, ~ b .

s BALAXSER, Anfropologiu Potítica, Difusão -

, São Paulo, 1x9, p. 87.

CRIMINOLOGIA DIALÉTICA

I I . conservam, em têrmos gerais, incontestável alcance I I teórico" e nelas se inspiram certos antropólogos,

muitas vêzes de maneira não confessada",10g no dizer autorizado e objetivo de GEORGES BALANDIER: "o Estado nasce da sociedade; aparece quando esta últi- m2 se emb~raça num insolú~el contradição consigo mesma e tem o encargo de amortecer o conflito, man- tendo-o nos limites da ordem; define-se como poder, -. -- -

o r ~ d õ d ã - c i T d a ~ 6 m m m q u e e d e s e j a - Z l o c Z s i -

' 9 110 acima dela e dela se desvencilhar cada vez mais . -Poder estatal e direito, cor~etamente-entendidos, hão - -

de manter em vista essa dialética originária. Nêste sentido é que o surgimento do direito le-

gislado e sua tendência à apresentação com hegemonia do chamado direito positivo tem vínculos com o .

Estado, especialmente no que a estrutura dêle oferece enquanto meio de formalizaçáo normativa e mecanis- mo de sanções organizadas. A passagem do terreno da mole originária de normas sociais, desde os usos, costumes, folkways e mores, até a emergência das for- malizações jurídicas, tal como hoje as entendemos, prende-se ao avanço e às contradições do processo de cristalizaçáo estatal do poder político. É claro que,-- na passagem ao estatal, subsistem ordenamentos con- flitantes, modelando--consciências jurídicas contradi- tórias na própria medida em que a sociedade dividida

- - - - - - - - - -- - -

em classes o determina. Entretanto, não basta dizer isto, pois a admissão do Estado como pura expressão

- lm. Ibidem-p. 146. - - -- - -- - - -

110. Ibidem, Ibidesis.

Page 67: LYRA FILHO A criminologia dialética

106 ROBERTO LYRA FILHO

da classe dominante elimina as contradições, isto é. ligado o fenômeno jurídico. O direito destacou-se dos infradialetiza a realidade. more^,''^ para ganhar o aspecto, que ora lhe conhe-

Gradualmente, no curso do tempo, tornaram-se cemos, enquanto subproduto da situação urbana, mais precisas, nas diferentes sociedades, as órbitas dis- como assinala RALPH LINTON."* Êsse acabamento tintas de direito, moral e religião, que, primitiva- formal coincide, precisamente, com a inauguração da mente, se apresentavam coligadas, numa espécie de

dialética do poder político, em formalização estatal, comunhão pro-indiviso. Por outras palavras, desde

e do próprio útero social, donde essas estruturas pro- o início apareciam vários tipos de realidade objetual

vêm, procurando ganhar fôrça de expansão autôno- . diferente que só a diversificação posterior, no sentido

ma e reorientar os processos sociais que os geraram. dos órgãos de formalização e tutela da aplicação per- mitiu divisar, em suas órbitas específicas, sem pre- Há vários tipos de normas, tanto na origem,

juízo das relações constantes entre elas. quanto na diversificação especial. Elas conservam a

Em toda sociedade dada, há usos e costumes, afinidade, na característica geral de imperatividade,

folkways e mores tendendo à composição em escala enquanto tendem a.apresentar-se como modêlos obri- de crescente hfase imperativa, como normas sociais.''' . gatórios da conduta. Aliás, é tal cunho de imperati-

O uso distingue-se do costume pela brandura das vidade que dita a exclusão das chamadas normas téc- sanções movimentadas, no caso da inobservância nicas, dentre as normas, pròpriamente ditas.l15 "Nor- àquêles padrões de comportamento social, Os folk- ma" técnica é a que prescreve a conduta para a reali-

' ways indicam os costumes revestidos pela força da zaçáo de certos fins e, embora KANT a houvesse desig- tradição, enquanto que, nos mores, a imposição é nado como "iniperativo de habilidade", não há um intensificada ao máximo, pois êles são, em última tipo de sanção específica, aplicável no caso de seu

4 < análise, os costumes reputados absolutamente essen- descumprimento. Se não é seguida a norma" em ciais, invioláveis e de caráter sagrado.l12 Através des- questáo, a tarefa resulta mal feita; nada mais. E ver- sas normas sociais é que se delineia o perfil da mora- dade que, em alguns casos, a desobediência à "norma" lidade, o aspecto sociológico da moral, a que está técnica acarreta sanções; mas, aí, elas vêm aplicadas,

-- não pelo descumprimento da técnica, e, sim, pelo

11-1 --ver PAUL. VINIXRA~YOF I n t r ~ d . u ~ c i ó ~ - ~ l - - Dere&oj - - - -- - - - - - - - - -

México, Fondo de Cultura Econófica, 1952, p. 18; JOHN F. CUBER, Sociologv: a Synopsis of Principies, New York, Apple- - ton-Century-lrofts, 1963, ps. 90-05; DONALD PIERYON, Teoria 113. Ibidenz, p. 301. e Pesquisa enz Sociologia, São Paulo, Melhoramentos, 1955, 114. T h e Tree of Cu l twe , cit., p. 123. ps. 295-303. 115. GIORGIO DEL VECCHIO, Lições de Filosofiu do Di-

112. PIERSON, ~ b . cit., p. 323. vez'to, Coimbra, A. Atnado, 1951, ps. 249-250.

Page 68: LYRA FILHO A criminologia dialética

108 ROBERTO LYRA FILHO

desrespeito à norma ou jurídica a que ficou incor- B i

~0rada . l ' ~ E importante dizer que, aqui, importa focalizar, C

B a moral em seu aspecto exterior, isto é, como norma - f

0 social ou "sistema de imperativos, valôres e juízos - . -- a

axiológicos~que constituem os lugares comuns d e i " 117 uma classe, um ambiente social ou uma sociedade . g -- =2X==v e ri-f i~a5ã-e a~t;e~a-nt o tnáo-hLde=~iz&niza~

outros aspectos, pois, e m última análise, podemos. $ 4 convir em que o problema moral - -- cão é um proble-

ma simples, nem como aceitação cega de regras de

I conduta prefabricadas exteriormente, nem como afir-

I mação duma liberdade radical para estabelecermos

I / nós mesmos os nossos valores e fins".11s Isto importa I/ .

em afirmar, simultâneamente, o caráter social da mo- ral, na medida em que suas normas e relações têm origem, desenvolvimento e endercço sociais,'19 e tam: bérn a sua natureza de coimplicação individual, pois "o sujeito do comportamento moral é uma pessoa

"consciente e livre"12' e a consciência d o indivíduo é a esfera em que se operam as decisões

-- morais.!?2 Apenas,_essa contradição 4-simples eco da

116. É o caso do art. 121, § 4.O, do Código Penal Brasi* leiro ( 1940).

- - l&7. JEAN PAUL SARTRE, et alG-Moral y Sociedad, Cór- -

doba, Editorial Universitária de Córdoba, 1x7 , ps. 32-33. 118. ROGER GARAUDY, in SARTRE, et a&, Moral y So-

cz'edad, cit., p. 9. 119. VAZQUEZ, Ética, cit., ps. 53 e segs.

- - 120.* Ibidem, p. 59. - - - - - -- - -- -

121. Ibidm, p. 54. 122. Ibidem, p. 59.

-

CRIMINOLOGIA DIALPTICA 109 .c

ldialética, no binômio liberdade e determinação, que kestudei, sobretudo no primeiro capítulo, e em outro binômio correlato, que é a vinculaçáo da teoria à praxis, do indivíduo (ou grupo) e sociedade.lz3 Por outras palavras, falando em sociedade ou em caráter social das atitudes morais, é preciso ter o cuidado de -

não hipostasiar aquela sociedade ou fazer do indiví- - - -dit0-u-m.abso~uto.1-Haxerá,-semp~, nma ação cir-

-- - -

cuIar entre a subjetivklade da consciência e a objeti-

- vidade das normas sociais. Só essa compreensão per-

- -

mite iluminar os vínculoL entre condicionamento e -

liberdade e a aptidão humana de autognose e auto- govêrno. A projeção dos valôres humanos. enquanto tais, não representa mais do que um processo de ajus- tamento lúcido e reajustamento crítico, para incorpo- ragão das sucessivas aquisições histórico-sociais em concreto, na praxis conscientizada.

Assim, a atitude moral tem dupla feição: é hete-

- - rônoma, enquanto não se desenvolve naquela espécie .de solipsismo kantiano - "das moralische Gesetz

- - 4

in mir";B5 a lei moral dentro de mim; - é autôno- m a , enquanto n ã o se esgota, nem sequer se caracte-

riza, pela mera aderência às normas sociais preGta- - - -

belecidas.

- --

As sanções correspondentes às normas morais são-sociais d i fuss , no sentido durkheimiano, isto é,-- - -

espalhadas no corpo social, sem órgãos definidos e

- .- 123. Ibidem, p. 53. -- - -- . - - - - - -

124. Ibide%,I&zdem. --

125. Critica da Razão Prática, conclusão.

Page 69: LYRA FILHO A criminologia dialética

I

El

O

110 ROBERTO LYRA FILHO

procedimento específico para sua a p l i c a ~ ã o ; ~ ~ as sanções sociais organizadas, diversamente, implicam a existência dêsses órgãos e procedimentos; e é daí que resulta a ligação entre o processo de estruturação es- tatal do poder e a autonomia relativa da órbita d o jurídico. Nesta, há sanções organizadas, desde o mo- mento em que se desprende da originária vinculaçáo às outras normas sociais, procurando delinear suas

seu próprio progresso histórico-social na base da exclusão ou retardamento do progresso de outros povos.

De qualquer sorte, num mundo hoje tendendo

próprias características - sem prejuízo, é claro, das elações constantes entre as ordens normativas con-

Convém assinalar que a divisão da sociedade em uz, necessàriamente, um pluralismo mo-

ral, diante de cujas contradições urge tomar posição, . sim como determina, também, o pluralismo jurí-

dico, já acentuado. A atitude crítica, perante os va- '

lôres morais ou jurídicos há de estar ligada à cons cientização do processo e à linha de progresso his

"

tórico-social da humanidade, isto é, ao alargarnent da quota de atualização da liberdade ontológica d o homem, conforme as aquisições da praxis social. Note-se que não se trata daquêle progresso linear. automático do idealismo burguês e, sim da abertura de novas possibilidades de luta pela incorporação de perspectivas in6ditas conscientizadcrs, Muitas vezes,

- - - - . n a t a - u ~ ~ ~ ~ - z ~ determinados países f f o i õ ~ ã s o 7 pof - - exemplo, das naçóes do ocidente europeu) assentam

126. ~ M I L E DURKHEIM, De ia Division due Travail So- cial, Paris, Presses Univresitaires de France, 1960, p a s s h ; RWER PINTO & MADELEINE GRAWITZ, Méthodes des Scielzces Sockles, Paris, Dalloz, 1967, p. 65.

ao aconchêgo ecumênico e às comunicagões rápidas, o processo de homogeneização é quase fulminante e a própria dialética da exploraçio esgota seu ciclo na postulação dos direitos iguais de indivíduos e povos: isto fica bem claro no rumo atual de reivindicações anti-imperialistas, pelo desenvolvimento e pela eli- minação dos desníveis sócio-econôrnicos, gerando até deveres morais para os povos desenvolvidos. O pro- cesso internacional reflete o que ocorreu, no âmbito interno das "naç6es ocidentais", quando a igualdade formal, que liquidou os padróes de hierarquizaçáo aristocrática, pelo impulso ascendente da burguesia e do capitalismo, se vai completando na solicitação complementar do reajuste de desníveis sócio-econô- micos. A força dêsses princípios estabeleceu-se, com tal firmeza, que, nela, se vê a mola mestra das con- testações mais vigorosas de muitos establishrnents. Já ROOSEVELT incluia entre as liberdades do homem a libertação da miséria.lZ8 E os repertórios de direitos fundamentais, que se vão recolhendo em documentos internaci~nais, '~~ dizia-o insuspeitamente o filósofo.

- _ -- -_ ------- ----- --------- conservador, JACQUES MARITAIN, devem ser enrique- cidos e revistos, pois nunca serão "exaustivos e defi-

127. Ética, cit., p. 4-3. 128. UNESCO, Le Dvoit d'Être un Homme, 1968, p. 376.. 129. Ibidem, passim.

Page 70: LYRA FILHO A criminologia dialética

112 ROBERTO LYRA FILHO

i -

- -.

-

n i t i v ~ s " , ~ ~ ~ Hoje, por exemplo, h5 um movimento A e-

.geral, tendendo a garantir a passagem da igualdade 4 4 jurídica abstrata de indivíduos "livres" e nações so- -

.-

beranas", para a busca dum conteúdo real sócio-eco- -- - - - -

- - - --nômico-dessa- igualdade -formal, em todos- os planos, E a melhor prova dessa formação valorativa ecumê-

- - nica é que as próprias -- ----- contradições - nas estruturas já - - - -

-- -- - - - - - - .não podem apresentar-se ostensivamente:-adotam,-in- - - -

clusive, o vocabulário e a principiologia do avanço que, de fato, ,---negam, -- - - - - - - - - - - -- - -

As normas sociais são imperativos unilaterais, como decorrência, aliás, do caráter difuso do respec- .tive sancionamento. Não havendo um sistema orga- nizado de sanções, também não se atribui, por outro lado, a um sujeito específico a faculdade de exigir o ,cumprimento do dever moral.131 A sanção difusa é .exercida pela opinião pública. J á as normas jurídicas, enquanto se vão delineando autônoma~ente (embo- ra correlatamente às demais, num jogo de recíproca influência e repercussões, procurando homogeneizar e sintetizar as contradições entre os pluralismos das

- - - - - - - - , A

lconsciencias jurídi-ca e moral) apresentam uma carac--- - - - terística estrutura ímperativo-atributiva (bilaferal) , pois a relação ali é estabelecida, entre sujeitos - um

- - - - passivo -Cdevendo-cumprir-o-de~er jurídico)-;-oatro,- - - -

.ativo (a quem se confere o direito correlato de exigir

130. S u r la Philosophie des Droits de Z J H o m w , in Au- J e u ~ - d e & Nouvelle Déclaration des Droits de PHomme, - - - - --- - - - - - - - - - - - - - - -- - - UNESCO, ed. Sagittaire, 1949, p. 64. Ver ARMAND C ~ L L I E R , Sociologie et Problèmes Actuels, Paris, Vrin, 1958, ps. 55-56.

131. Ver GARCÍA MAYNEZ, Introducción, cit., p, 15-16.

des com a órbita moral correlata, do que com o di- reito em sentido e ~ t r i t 0 . l ~ ~ Aliás, essa con-diçãõ rudi-

- - - - 132. HANS NAWIAÇKY, Teoria General de1 Derecho, Ma- drid, Rials 1962, p. 31. - - - - - - - - - -

- - - - - - -

133. Apztd MAX RHEINSTEIN, org., Max W e b e r o n L a w in Econo~wy land Society, Harvard University Press, 1966, p. 5.

134. Hoje, a negação da imperatividade do direito é teima - -- - -$a escola-egológica,argenti-, de C A R ~ S COSSIO e seus discí- --- -

pulos e simpatizantes (ver ENRIQUE XFTA~~ÓT, TFRNAN a ~ - - - - - - -

GARCÍA OLANO e JosÉ VILANOVA, Introducción a1 Derecho, Buenos Aires, La Leâ, 1964, p. 104). O próprio KELSEN, invo- cadq pelos autores egológicos, modificou sua posição anterior, nesse assunto (ver HANS KELSEN, Problemas Escojidos de Ia -- - - - - - - -- - - Teoria P w a del-DZreTlzõ; Buienõs -Aires; Krâft,-1952; p. 47); - - - - - -

135. GIORGIO DEL VECCHIO, Lições de Filosofia do Di- reito, Coimbra, A. Amado, 1959, vol. 11, pág. 138.

CRIMINOLOGIA DIALgTICA 113

4 4

êsse cumprimento). Apresentam-se, ademais, coati- vamente equipadas" (NAWIASKY) 13' Urna preceitua- ção será jurídica, se for externamente garantida pela possibilidade de coerção para obter a conformidade,

- - -- "coerção aplicada por um elenco de pessoas que se mantêm preparãdas &raêsié fimm" ~ M A X W E B E ~ ) .Ia3

O direito só se aperfeiçoa, formalmente, por meio dess a-ins - ri:vrnen t-a-l izaÇ-ã oFqu e = l - l - - - - -

- - - - - - - - -

imperatividade específica. ( A tentativa-d~n~gaç50-da - - - - - - imperati'ridade d o direito abortou, - - - - - após - muitas po- - - - - .- -

lêmicas estéreis).134 É certo que, no direito interna- -

cional, a ausência de rematada e definida organização de coercibilidade externa parece desmentir a caracte- rização das sanções jurídicas, como organizadas. Mas aquêle direito se encontra ainda numa "fase atrasada de sua formação", de sorte que a coercibilidade exter- na resulta "imperfeitamente determinada e regulada" e, como acentua DEL VECCHIIO, ali há mais afinida-

Page 71: LYRA FILHO A criminologia dialética

- 8

114 ROBERTO LYRA FILHO

mentar do direito internacional destaca, luminosa- mente, a origem do.direito mesmo, pois a indetermi- nação remanescente daquele ramo corresponde à for- mação da urbs internacional, lastro positivo e indis- pensável para que se arremate o processo de cristali- zação normativa e aparelhamento sancionatório, tal como a situação urbana forneceu ao aparecimento do Estado e constituição autônoma do direito as condi- ções necessárias de viabilidade, no âmbito interno.

O direito, na sua forma primitiva, não forma- lizada, precedeu, enquanto projeto e modêlo, o pró- prio Estado e ambos continuam ligados, como poder estruturado e impulso de nomogênese, no mesmo campo social onde o Estado é formado e ao qual re- verte, com sua pretensão de estabelecer uma ordem, modelando as relações intersubjetivas, em limites mais ou menos rigidamente definidos. A "autonomia" do "direito positivo", como a do próprio poder estatal,

I - também encontra a sua medida de eficácia (valor efe-

i tivo e funcional de operação) e seu parâmetro de legitimidade (valor, não puramente operacional, mas de conteúdo efetivo, em têrmos de possibilidade histórica de concretização da justiça] no próprio 1 jogo da praxis social e suas contradições de infra-

L estrutura, ideologias conflitantes e "subculturas", inerentes aos conflitos de interGsse de estamentos ou

-- - - -- - --

classes. É preciso não esquecer que o Estado, produ- tor de "direito positivo", pela legislação ou pela chancela de formações consuetudinárias, deve ser en- carado, no seu perfil institucional, como um fenôme- no inserido no mesmo processo e, portanto, lato i g

k

CRIMINOLOGIA DIALETICA 115

sensu jurídico, enquanto órgão de normação, sujeito, na praxis social, a inspiração, influência e con- tenção entre certas variáveis de possibilidade conjun- tural (que definem a eficácia) e validade material (que definem a quota de atualizaçáo de valores subs- tanciais atinentes à maturação, num instante dado, da consciência jurídica, enquanto superação das direções de pura acomodação ao interêsse classístico dominante). Isto importa dizer que o direito forma- lizado é um projeto ou indício de juridicidade glo- bal, a ser medida pela eficácia de seu sistema nor- mativo e pela legitimidade que êle apresenta, com resolução dos eventuais conflitos entre as três dimen- sões do processo, através da dialética da necessidade e liberdade. FOULANTZAS nota que as proposições "fato é valor" e "valor é fato" hão de ser tomadas, não no sentido da lógica aristotélica, mas no sentido hegeliano, que certamente não entra na cabeça anti- dialética de alguns críticos, como KALINOWSKI ,~~~

É enquanto simples produto "positivo" de for- malização normativa que o aparecimento do direito, em sentido autônomo, isto é, desentranhado das de- mais normas sociais, liga-se, de um lado, à situação urbana13? e ao advento das sociedades estratificadas

136. Ver GEORGES KALINOWSKI, Lu Querelle, cit., pág. 68. - - 137,R~w~ LIN-SON, TIze-íTree, cit.,-pág.- 122 :Lo-sub- - -

produto significativo de vida urbana primitiva foi o apareci- mento de padrões altamente formalizados de direito e procedi- - mento legal". O processo econômico, nas cidades, com sua com- plexa superestrutura, na organização de autoridade política e jurídica, rompe aquela coesão dos grupos primitivos, que dis- pensava a expressão formalizada. O antropólogo KLUCKROHN

Page 72: LYRA FILHO A criminologia dialética

116 ROBERTO LYRA FILHO

complexas,138 e, de outro, à institucionalização estatal, pelo instrumento de sanção organizada, cujo sistema operatório se transforma numa das funções do poder político. E este reverte ao jogo dialético da concen- $ração e divisão dos poderes, cujo produto são as

-- diferentes-concepções do chamado-Estado--do Direito,

isto é, com fundamento e limites jurídicos, regendo o

- - --

próprio poder de formalizaçh -- nomogênica e jucs- --

dição. -

"Direito formalizado e procedimentos jurídicos esterotipados podem exktir em sociedades não urba- nizadas, como há na maior parte das tribos africanas e na Indonésia, com seY direito adat. Entretanto, a pequena comunidade aconchegada pode funcionar, com bastante sucesso, sem êsses padrões. A cidade de- cididamente não pode".139 Está visto que essa descri- ção só há de ser explicada em referência à institu- cionalização, incipiente ou florescente, com formações burocráticas correlativas, do poder estatal, asentado aio contrôle dos -conflitos de estamentos e classes e tendendo à hegemonia da camada dominante, mas nem por isso desligado dos conflitos reais subjacentes,

- - que contrastam modêlos juridícos, como outGs tan-

tos projetos "subculturais" de atualizciçáo de justiça social. Daí, aliás, a bipolaridade do direito, com a

- - - - -- -- - -

viu "algo de verdadeiro" naquela frase do índio velho: "antiga- mente, não havia leis, todo o mundo fazia o que era justo e certo" (CLYDE KLUCKHOHN, Antropologia, México, Fondo de Cultura Ecvonómica, 1957, pág. 39).

- 138. KLUCKHOHN, Antropologia, cit., pág. 40. -

139. LINTON, The Tree, cit., pág. 123.

atração simultânea da ordem e da liberdade, cuja sín- tese define a posição conservadora, quando repousa, firmemente, na ordem estatal, ou contestante, quando levanta outras bandeiras de remodelação. O impor- tante é assinalar que ambos pertencem ao jogo dialé-

- tico d a gêncae do dir?ito, n a s u a inteireza. A ob l i t e~ ração de qualquer dos polos resulta, num caso, em

-çego formalismo,s_ubservien~ao_est&ILshmggttcCon~ - tituido, e, noutro casota anomia, no sentido da opo-

sição à sociedade dita global, sem condições de. viabilidade para substitui~ão de seu sistema de nor- mas, pelos da formação "subcultural". Mas o desa- fio anômico é igualmente ambíguo. Quando êle re- presenta um anacronismo regressivo (em função da maturidade da consciência jurídica do homem, de forma geral) sua eficácia e, até, por assim dizer, sua mudança de sinal (passando a empolgar o controle da sociedade dita global) pode ser definida como an- tijuridicidade material e até crime contra a humani- dade (foi o caso do direito nazista, por exemplo). Por outro lado, quando a contestação anômica (isto é, o desafio ao sistema da sociedade global por forças positivas, do prTgresso)se insere no processo obje- tivo de desewvolvimento das instituições sociais e no sentido de maior quota de concretização de justiça,

- no instante dadot ganhar4 viabilidade, amadureda nessa luta, e a mudança de sinal representará um pro- gresso efetivo do sistema jurídica (foi o caso dos nossos abolicionistas; primeiro "criminosos" co- muns, pelo favorecimento de escravos em fuga; de- pois, heróis consagrados, diante do triunfo de sua

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a * 118 ROBERTO LYRA FILHO CRIMINOLOGIA DIAL~TICA 119

causa, incorporada à órbita jurídico-positiva). Em produtos ideológicos e do .próprio hiperempirismo, ambos os casos, a avaliação de qualquer mudança, sociològicamente formalístico. pela ruptura ou pela redisposição reformista, do I Creio que o aspecto mais importante das inves- quadro jurídico-formal, há de ficar em tela, num tigações do conceito de Direito é, hoje, esforço de pesquisa da legitimidade dos projetos de o que se refere à dimensão axiológica - mas isto prevalência dos valores conflitantes. 1 não significa que as outras não tenham recebido con-

Não existe anomia pura, isto é, o reverso de um tribuições importantes. O essencial é integrá-las, por- desafio a qualquer norma ou conjunto de normas é que a consideração isolada de cada uma pode condu- feito em conformidade a outro padrão normativo zir a anomalias graves. Assim, por exemplo, a exclu- eputado superior. O problema será indagar se efe- siva preocupação formal conduz, geralmente, a exer-

mente o é, o que nos reconduz à questão do devir cícios eruditos, repousando sobre falsa base filosófi- ano, em cada posição, no tempo e no espaço, e ca, tal como o ensaio de CAPELLA,'~' J á vimos em

a síntese possível da necessidade e da liberdade. Isto, I < que dá tal preocupação, que volta as costas " 143 para por outro lado, engaja o jurista numa pesquisa de a "dimensão histórica do direito" e a "análise de con- amplos contornos filosóficos, para evitar aquêle em- teúdo". Ela manterá um "positivismo" básico, ge-

irismo relativista, que acaba em rendição à fatali- rando obstáculos à Aufhebuny. devido à I < pureza", ade dos fatos, perante os valores, e define a atitude infensa a "heterointegrações". eudo-científica. "O empirismo absoluto", disse Não menos nocivo é o endemamento da eficá-

NGELS, "até onde alcança, proíbe-se de pensar, e cia, que troca o formalismo normativo pelo forma- ão só termina pensando erroneamente, mas demons- lismo sociológico. Êste pode ser exemplificado com

tra incapacidade de perquirir os próprios fatos e des- os ecos da ressurreição durkeimiana ortodoxa cujas crevê-los, de maneira adequada, transformando-se, repercussões criminológicas foram registradas por assim, no oposto do verdadeiro e r n p i r i ~ m o " . ~ ~ ~ A teo- I I S 2 , ~ o . l ~ ~ Aqui, se põe a ênfase no parâmetro da rea- ria pura acaba nas nuvens; o hiperempirismo derrota ção da coletividade", obscurecendo. com a figura da a si mesmo e se transforma, subrepticiamente, em apologética -- relativista - de qualquer - pp establishment.

-- -- -- - -- -- -- -

Note-se que as chamadas teorias puras (como diriam 141. JUAN RAMON CAPELLA, El Derecho como L e n g G T os alemães, wertblind, isto é, cegas ao valor) têm o Barcelona, .Ariel, 1968, pussim.

142. Ibidem, pág. 25. destino marcado, no reencontro, relativís tico dos seus 143. Ibidew, Ibidm.

144. Ver DENIS SZABO, Dévtance et CriminaEZté, Paris, 140. Apud TBEVES, La Sociologia, cit., pág. 127. Armand Colin, 1970, pág. 31.

Page 74: LYRA FILHO A criminologia dialética

chamada sociedade global, as contradições classísticas nela presentes.

Está evidente, porém, que a preocupação com o valor, desligada dos fatos concretos da vida social,

I I

também pode conduzir a desvios, de cunho meta- . - - -. - -.- -físico",-intei-~amente- alienados. Assim -é que nascem - - -.

aquêles fundamentos" "jusnaturalísticos~' do direito

-- -- de propriedade, criticados, até, por um sociólogo -_ _ _ _ _ -- --

- - - conservador -~-~~~~-~ER-F)I~~A-RQDEIGuE-z,~~~- - - - -

I Um tridimensionalismo jurídico integral e inte- -

l u 4 grante há de superac nãcrsó aslimiiaçõesde pTrspec- Y

I I

l ~ v tivismos isolacionistas e antinômicos, mas inclusive

11/1 os vestígios, que o chamado tridimensionalismo, dito

CONCLUSÃO -- -- - -- -

- -- -- - -- - -

Reconhecido o insucesso das explicações pura- - m e n t e biológicas ou- psic-ológic-as, &anto-quanto d o - - -

neo-sociologismo da aberração (deuiant behauiour) , a criminologia, mais recentemente, voltou a apefk -

para a ética. Mas esta, salvo direções ultrapassadas, importa no reconhecimento da liberdade real do ho- mem, com admissão simultânea das determinantes, a que está sujeito. Apropriando-se dos índices de seu próprio enquadramento nos processos naturais e so- ciais é que o homem dialético pode escapar ao meca- nicismo e ao relativismo, e reorientar, criticamente, a própria conduta, A superestrutura normativa, com que se defronta, mergulha raizes na estratificação da

- ----so6edade;-chamada globals e-na conflito -de posições- - - - -

e interêsses dentro dessa estrutura. As normas juridi- cas e morais têm a mesma origem social, e se diversi- ficam n o ~ p r ò c e s s o ~ d e fgrpa&açiíoe apjícaçgo z- -- -- -

as primeiras, heterônomas, externamente coercíveis, mediante sanções organizadas, e bilateralmente atri- butivas; as segundas, relativamente autômomas, difu-

sam-ente sancionadas-e unilaterais. Ambos-os tipos de- - - -

norma geram, em seus âmbitos comunicantes, uma

Page 75: LYRA FILHO A criminologia dialética

124 ROBERTB LYRA FILHO

Na Alemanha nazista, o genocídio prosperou, dentro dá "normalidade" duma experiência "jurídica", in- -

fluenciando até as teorias criminológicas das "causas" -

raciais e da política criminal de "eugenia" social. O itinerário da criminologia crítica, atualmente

\

em foco, deverá consumar-se, a meu ver, em crimi- nologia dialética, Nesta, evitando-se, tanto a aliena-

_&.o,-quanto~o~comprometiment~cego numa praxis - amitica, pode~á~ser v i s t õ ~ q u e ocorre7 não só -no- -

palco, mas também nos bastidores da filosofia, da -- - - -- - - -

ciência e da política criminais. Composto e impresso

-

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Page 76: LYRA FILHO A criminologia dialética

pluralidade de ordenamentoi, que disputam a hege- monia. Há, sempre, mais de um modêlo em vias de positivaçáo. Daís os conflitos de "cultura" e "sub- culturas" entre si e até mesmo internamente. É pre- -

ciso avaliar os parâmetros concorrentes do sein sollen, ontològicamente vinculado ao próprio sein. Cientifi- camente, a bússola metodológica exige a dialetização, para superar o jogo das microvisões e o cancelamento recíproco dos resultados, nas formações multidisci- plinares. Por êsse caminho é, então,' possível enfren- ar o feixe tríplice de aspectos, indissolùvelmente oJigados e referentes: a) à formalizaçáo (em que se

determina a origem e constituição do elenco de nor- mas gositivadas) ; b) à eficácia (em que se mede o poder edtivo de atuação d-.c,lelas normas, em retôr- no imperativo, para buscar o controle dos processos sociais, donde emergem) ; c ) à legitimidade em que se analisam, crítico-valorativamente, os conteúdos positivados, para a cooptação de indivíduos e grupos, segundo os rumos históricos duma consciência jurí- dica e moral "desideologisada"). A noção de "sub- cultura" é: a) formalista (pela hierarquização acrí- Eica dos elementos, conforme o arranjo dominante) ; b) meramente conservadora (pela admissão de uma espécie de homeostase, no próprio sistema). Por

-- outro lado, a anomia, pp longe de representar, sociolò- gicarnente, a simples rejeisão nihilista de toda e qual- quer norma, denuncia a polarização de novos pro- jetos de positivação norinativa, conquanto ainda hesitantes ou scmente implícitos. Êsses projetos ins- piram-se na praris social e organizam-se em movi-

-7

CRIMINOLOGIA DI

mentos ilegítimos (entrando no fluxo de anacronis- mos regressivos) ou legítimos (quando buscam o alargamento da quota de liberdade e justiça consci- entizadas, perante os sistemas ainda atuantes e em exasperado e agressivo declínio). A anomia repre- senta o prenúncio de mudança iminente, na estrutura institucionalizada, quando esta entra em décalage com a corrente histórica. As próprias contradições dum sistema, tornando-se mais agudas, despertam a consciência crítica, hoje arrimada no impulso, cada vez mais forte, da comunicação, que estabelece um contacto ecumênico. Nêste plano é que se forma o desenho imantado da nova moral e do novo direito.

Filosofia e sociologia, jurídica e moral encofi- tram-se, nos polos dialéticos de fato e valor, donde brotará a centelha de síntese da necessidade e da liber- dade, coligadas à praxis. Com elas, ilumina-se o processo subjacente às conjunturas históricas in cori-

! creto, e ali também se opera a clarificação dos esquc- mas valorativos e dos meios de inserção de indivíduos e grupos, no processo, para um engajamento lúcido e racional.

Êsse deslinde da dialética imanente, captada na praxis e teòricamente reorganizada, não tolera mais s fixismo de valores, sacados à instância transcen- ~ dente dalguma caverna platônica. Também não dá

- -- ensejo p a r a T X b S i s t ê n T i a dosormalismos jurídicos e sociológicos das teorias puras ou de médio alcance (rniddle range nheory) . No Brasil, o favorecimento pessoal de escravos em fuga inscreveu, a seu tempo, os abolicionistas, no rol dos "criminosos" comuns.