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rodrigo-luciano
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Ao observar a ordem das formas físicas, vitais e a ordem humana, Merleau-
Ponty aponta as relações eficazes em cada um destes níveis e em cada espécie,
sendo estas definições a priori, como uma maneira própria de cada animal de
elaborar os estímulos, provocando no organismo uma realidade estrutural distinta.
Segundo ele, os estímulos se modificam de acordo com cada espécie, e os seus
significados determinam as atividades a serem desenvolvidas. Ele afirma que:
“Da mesma maneira, as reações de um organismo não são conjuntos de movimentos elementares, mas gestos dotados de uma unidade interior. Como o estímulo, a resposta se desdobra em “comportamento geográfico”. (Ponty, 1975, p.166)
Está sendo explicitado que todas as reações do organismo não se dão
através de um conjunto de movimento, mas são formadas por uma experiência que
elaboram uma aptidão, ou seja, o poder de responder a situações criadas por várias
reações que apenas tem em comum os sentidos que as mesmas dão ao movimento.
Tais respostas para serem entendidas como símbolos de um comportamento
necessariamente precisam ocorrer dentro de um espaço físico, que modula ou limita
o comportamento dentro de um tempo e local, gerando assim um comportamento
geográfico entendível. Neste nível, ele descreve que o comportamento está ligado a
alguns aspectos denominados de abstratos e que ocorrem em situações diferentes,
ou através de estímulos especiais. Mas, independente da situação, este
comportamento está ligado ao quadro de condições naturais já existentes no
comportamento criado pela espécie. Sendo assim, quando ocorre uma situação de
estimulo inédita, essas condições são denotadas como alusões aquilo que é vital
para a sobrevivência da espécie.
Neste complexo de situações ou de condições vitais, o animal desenvolve
sempre atos denominados como instintivos, tendo apenas uma percepção global e
indistinta da situação, pois não é feita uma análise do fato, sendo ele dirigido por
analogias que determinam o seu comportamento. Merleau-Ponty define assim este
tipo de situação:
Assim não é jamais face ao estímulo da experiência que o sapo reage, o estímulo é reflexógeno tão somente na medida em que se assemelha a um dos objetos de uma atividade natural de contorno definidos, e as reações que provoca são determinadas não pelas particularidades físicas da situação presente, mas pelas leis biológicas do comportamento. (Idem, p.136)
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Esta forma de comportamento é denominada de forma sincrética, onde toda a
ação é moldada por questões vitais, muito mais que moldado por características
essenciais gerando em certos momentos uma dificuldade de distinguir o que é
inteligível e o que é instintivo.
Quando se passa da forma sincrética para a forma amovível, está se falando
de situação, algo que é para o organismo, que já dispõe de uma certa capacidade
de elaboração ou de configuração da realidade. Quando se fala de sentido, isto quer
dizer ir além do objetivo e a transferência de estímulo é por conta do sentido no nível
do amovível, no nível do comportamento por sinal e não por conta do próprio
estímulo em si. O sinal é a relação entre o estímulo ou figura anterior e um estímulo
ou figura final, então o que o sinal faz nesse processo evolutivo é a diferença entre
duas noções temporais, o antes e o depois, sendo que o reflexo não é antecipado,
mas preparado e pré-formado no estímulo anterior. Essa diferença temporal começa
a aparecer no organismo que se comporta através do sinal ou das estruturas
amovíveis do comportamento e assim começa-se a viver o tempo, por anteriormente
se estar determinado na estrutura física das formas sincréticas, e essa ruptura com
a determinação temporal é como uma ação retroativa que não é um simples
deslocamento ao longo do tempo. Estando na forma sincrética é como se estivesse
numa confusão entre o espaço e o tempo, não se dispondo de capacidades para
entender o tempo como algo que se poderia determinar, mas como algo que
determinava. Em relação aos outros animais, o homem é o único que consegue
viver o tempo sem ser exclusivamente determinado por ele, pelo fato de que os
animais se comportam por sinais, ainda havendo uma estrutura amovível no
comportamento dos mesmos, e como não alcançam uma espontaneidade, jamais
passarão do sinal para o signo. A noção de tempo passando não se restringe a
necessidade de se dispor de uma consciência reflexiva, ou seja, não é uma
consciência reflexiva que vai fornecer a noção de passagem temporal, a qual já se
encontra em nosso organismo antes mesmo dessa consciência. Existe um
entendimento do organismo sobre o que é o tempo de maneira mais adequada,
como uma sabedoria da natureza. Há uma consciência de lugar que é posicional, a
consciência objetiva que posiciona a realidade, mas também há uma outra
consciência que não é posicional e que possui outros referenciais.
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Na estrutura do comportamento amovível, o presente é mais presente, mas no
comportamento por sinal começa a haver uma ruptura do predomínio do presente e
se inicia uma continuidade temporal, uma noção incipiente de que o organismo não
está restrito ao presente e isso leva a uma noção de conjunto, a partir dessa
distinção que o organismo faz entre um estímulo e um outro estímulo que já estava
pré-formado no anterior. O organismo não é constituído de partes justapostas ou por
relação de exterioridade, mas sim pela indivisibilidade, pois o presente não se
encontra restrito em si mesmo, mas é uma unidade de uma anterioridade e de uma
posteridade nesse mesmo presente. O reflexo antecipado é um reflexo causado, e o
momento posterior está contido implicitamente no anterior, significando uma relação
de expressão, uma vez que a figura estímulo anterior retira dessa forma de si
próprio. Isso começa no nível mais primitivo que é o instintivo, podendo-se afirmar
que a expressão já está na reação fisiológica entre um estímulo e outro, não
havendo uma descontinuidade; por isso o organismo é um conjunto indiviso. A
expressão está no nível do comportamento simbólico, ainda que não se possa
admitir que também esteja presente no estímulo, pois, ontologicamente o ser é
expressão, e como o estímulo não é definido exclusivamente pela fisiologia e não
tem uma realidade fisiológica, pode-se dizer que o ser não está presente no
estímulo. O estímulo tem uma realidade fisiológica, mas também tem um
substancialismo metafísico. Se o estímulo e a resposta do estímulo não são
causados, isto significa que a substância em si está sendo desubstâncializada e
assim não pode ser essa substância que estimula o homem.
A consciência, nos mínimos detalhes do corpo, é consciência caracterizada
pela intencionalidade, indicando uma ruptura entre interioridade e exterioridade. O
estímulo é como que estar fora, já que apresenta em si mesmo uma expressão,
porém, sendo caracterizado fisiologicamente, ele é uma interioridade fisiológica
nessa relação mecânica imediata. Essa interioridade fisiológica não quer dizer
necessariamente que se esteja dentro, mas que há um corpo dentro de um corpo no
mesmo corpo, como diferentes dimensões do corpo. Esse corpo, se diferenciando
do corpo físico ou biológico, não se encontra no espaço, mas se adere ao espaço,
demonstrando uma expressividade e por isso, compreende-se que a realidade
humana está presente no corpo, não havendo a necessidade de se fazer
postulações a respeito do transcendental devido à substituição da reflexão pela
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expressão. Esse pensamento dissolve a relação interioridade/exterioridade a nível
fisiológico e esse seria um corpo que sustentaria as relações humanas com maior
autenticidade, uma vez que, dessa forma, o indivíduo pode se relacionar
corporeamente de modo a ver no corpo do outro algo como uma grande solicitação
e não como algo insignificante. Assim, só pode haver uma verdadeira relação
humana se existir a expressão, e o que está por vir der sentido a essa organização
orgânica, indicando uma eliminação de qualquer determinismo por não haver um
plano já pré-traçado e nessa concepção, o ser é caracterizado ontologicamente
como expressão, numa relação com nenhuma significação que exista.
Quando se afirma que a ausência dá significado a existência, essa ausência
não seria necessariamente algo que deveria ser preenchido e nem como falta, mas
apenas possibilidade, como no exemplo de se imaginar alguém que não esteja
presente naquele momento. O comportamento simbólico, sendo definido como
consciência, é a consciência da ausência de uma presença e o homem, não sendo o
instante e a presença unicamente, se comporta com a consciência de que uma
presença está ausente. Para haver o encontro verdadeiro, é necessário ir além do
instante, espaço e tempo objetivos para haver a efetivação de um comportamento
humano que esteja além do pragmatismo condicionado. No comportamento
simbólico, não há determinação de tempo e espaço, permitindo que o homem esteja
em lugares onde nunca esteve anteriormente, de maneira que a expressão e o
comportamento se manifestem em detrimento do condicionamento.
De acordo com a estrutura sincrética, o comportamento está voltado para o
objetivo, no entanto, conforme se continua o percurso, não lhe é impossibilitado de
alcançar aquilo que seja essencial, pois, quando o comportamento começa a ser
mais integrado e se aproxima da dimensão simbólica, ele estabelece a diferença
entre a objetividade e a essencialidade, porque o essencial, sendo não objetivo, é
concreto. Há uma diferença entre materialidade e concretude e a primeira condição
para uma aprendizagem verdadeira está na capacidade de discernimento entre a
matéria e o concreto. Assim, a finalidade do organismo não é mais o estímulo, por
estar se considerando como o meio de acesso ou ponto de partida que substitui o
estímulo. Como a aprendizagem não está na reação mecânica, o que se ressalta é a
aptidão de acordo com a singularidade própria, sendo demonstrando a capacidade
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que o indivíduo possui de sair do espaço físico-tempo objetivo, que é a série de
agoras.
A aprendizagem vincula e articula estabelecendo uma continuidade entre o
que precede na ordem do conhecimento vinculando ao futuro, se apresentando
subjetivamente por uma elaboração do que está sendo dito e que se agrega ao que
está por vir, o não conhecido. A aprendizagem é uma das manifestações do
comportamento, não sendo limitada pelo tempo e espaço objetivos, mas, ao
contrário, ela consegue vivenciá-los, podendo-se afirmar que comportamento não é
acontecimento, mas o aparecimento que é a dissolução da objetividade.
Através da expressão, o homem tem acesso ao não imediato, que é a
capacidade de se ir além do instante presente, de relacionamento com aquilo que
não se encontra presente. Se uma sociedade se organiza restringindo ao máximo a
expressividade através de um condicionamento padronizador do comportamento,
pensamento e da fala, isto indica uma limitação e até exclusão do ser, que é
expressão, mas, que dessa forma, não tem como se expressar adequadamente. O
verdadeiro significar ocorre quando se ressaltam as diferenças e se dá espaço às
diferenças constitutivas da identidade e não apenas na afirmação da igualdade de si
mesmo. O sentimento das emoções transcende o organismo e insere o homem na
dimensão metafísica, como quando alguém vai além do dispositivo anátomo-
orgânico e se aproxima de si mesmo. Quando se sorri, não se nota o anátomo-
orgânico, mas o sorriso, presentificando o significado da alegria, alcança ir mais do
que o próprio signo.
O comportamento simbólico possibilita perceber o valor próprio ou a verdade
das coisas, de maneira que a apreensão do verdadeiro não ocorre se não se atinge
essa dimensão na qual o signo é inseparável da significação, ou se não se supera a
relação de exterioridade entre significante e significado. A linguagem tem por si
própria sua razão de ser, expressando por si mesma aquilo que significa, se
fundamentando independentemente de uma consciência prévia a ela, ou seja, o que
se diz não provém de nenhuma instância anterior a ela, propondo com isso a
substituição do conhecimento do intelecto pela linguagem.
Esta substituição tem que ser feita de forma a não provocar no
comportamento do individuo um distúrbio, ou doença patológica, gerando a perda de
comunicação entre os indivíduos, denominada por Merleau-Ponty como apraxia,
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quando a linguagem está relacionada à percepção, e agnosia, que é um distúrbio
ligado à ação.
Os estímulos, a linguagem e a consciência que se tem geram a percepção do
mundo, através do corpo, mas todas estas atividades são determinadas pelo
comportamento e este é feito de relações com o mundo, através do pensamento e
não em si mesmo. Mas também não podemos vê-lo como uma película de uma
consciência pura, sendo então definido por comportamento ou mesmo estudo
através das formas com que se apresenta. Estas formas levam a tornar a análise do
comportamento como algo visível e centralizado, fora dos padrões clássicos de
antíteses inovando uma filosofia denominada como uma “ciência exata”, servindo
como um relato do mundo, descrevendo de forma direta as experiências do ser no
mundo como realmente são, sem nenhuma mudança em sua gênese, tendo como
base o relato do fenômeno em si, presente no estudo da fenomenologia e
demonstrando a estrutura do comportamento.
Referência:
MERLEAU-PONTY, M. Fenomenologia da percepção. Tradução de Carlos Alberto Ribeiro de Moura. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999
MERLEAU-PONTY, M. A Estrutura do Comportamento. Tradução de José de Anchieta Corrêa. Belo Horizonte: Interlivros,1975..
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