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NOVA LEI DE FALENCIAS SERIE VALOR ECONÔMICO COORDENAÇÃO JAIRO SADDI A recuperação de empresas e a reforma da Lei de Falências A sociedade brasileira esperava com ansiedade a aprovação da nova Lei de Falências, que tramitava no Congresso Nacional há mais de dez anos. A lei até o momento em vigor, datada de 1945, foi instituída em um período em que o crescimento industrial no Brasil era incipiente e está completamente superada. O modelo atual é caro, moroso (com prazos de até 20 anos para se resolver uma falência) e perverso, pois leva ao fechamento a maioria das empresas em dificuldades, gerando desemprego e afetando a vida do trabalhador e de seus familiares. Como a lei não dava nenhuma proteção aos credores, a empresa em crise não recebia ajuda e quebrava. O país deixa de crescer e todos perdem. A nova lei - denominada de Lei de Recuperação de Empresas, que deverá ser sancionada imediatamente pelo presidente da República - estará em pé de igualdade com as mais modernas legislações existentes no mundo. Como relator do projeto na Câmara dos Deputados, procurei debater amplamente com a sociedade todos os pontos dessa nova legislação. Foram mais de 300 palestras em quase todos os Estados, sempre com a presença de grandes especialistas e estudiosos no assunto. Buscamos de todas as formas instrumentos que possam permitir a recuperação da empresa e não o seu fechamento. A nova lei traz como principal novidade o instituto da recuperação da empresa, que garantirá a manutenção de milhares de postos de trabalho, substituindo a atual concordata e diminuindo a importância da falência, que têm contribuído para a liquidação de empresas viáveis e o agravamento da crise econômica e social no país. O objetivo da nova lei é dar às empresas uma chance a mais de continuar no mercado, sempre que sua manutenção for economicamente viável. Trata-se de um novo e moderno instituto jurídico que irá atender às peculiaridades e necessidades da empresa em crise, em um esforço criativo para viabilizar a sua continuidade, a exemplo do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Itália e França.

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NOVA LEI DE FALENCIASSERIE VALOR ECONÔMICO

COORDENAÇÃO JAIRO SADDI

A recuperação de empresas e a reforma da Lei de Falências

A sociedade brasileira esperava com ansiedade a aprovação da nova Lei de Falências, que tramitava no Congresso Nacional há mais de dez anos. A lei até o momento em vigor, datada de 1945, foi instituída em um período em que o crescimento industrial no Brasil era incipiente e está completamente superada. O modelo atual é caro, moroso (com prazos de até 20 anos para se resolver uma falência) e perverso, pois leva ao fechamento a maioria das empresas em dificuldades, gerando desemprego e afetando a vida do trabalhador e de seus familiares. Como a lei não dava nenhuma proteção aos credores, a empresa em crise não recebia ajuda e quebrava. O país deixa de crescer e todos perdem.

A nova lei - denominada de Lei de Recuperação de Empresas, que deverá ser sancionada imediatamente pelo presidente da República - estará em pé de igualdade com as mais modernas legislações existentes no mundo. Como relator do projeto na Câmara dos Deputados, procurei debater amplamente com a sociedade todos os pontos dessa nova legislação. Foram mais de 300 palestras em quase todos os Estados, sempre com a presença de grandes especialistas e estudiosos no assunto. Buscamos de todas as formas instrumentos que possam permitir a recuperação da empresa e não o seu fechamento.

A nova lei traz como principal novidade o instituto da recuperação da empresa, que garantirá a manutenção de milhares de postos de trabalho, substituindo a atual concordata e diminuindo a importância da falência, que têm contribuído para a liquidação de empresas viáveis e o agravamento da crise econômica e social no país. O objetivo da nova lei é dar às empresas uma chance a mais de continuar no mercado, sempre que sua manutenção for economicamente viável. Trata-se de um novo e moderno instituto jurídico que irá atender às peculiaridades e necessidades da empresa em crise, em um esforço criativo para viabilizar a sua continuidade, a exemplo do que ocorre na maioria dos países desenvolvidos, como Estados Unidos, Itália e França.

A grande vantagem da nova lei é permitir que o devedor possa apresentar um plano de recuperação e submetê-lo aos credores, com a supervisão do Poder Judiciário. As negociações ocorrerão dentro dos limites estabelecidos pela lei, tornando o processo mais ágil e seguro. As micro e pequenas empresas estarão mais protegidas, pois contam com um plano especial de recuperação dentro da nova legislação, bem mais simplificado e menos oneroso. Essas empresas representaram 96% dos negócios que faliram entre 2000 e 2002 no país, segundo revela estudo do Sebrae. Destas, apenas 6% faturavam acima de R$ 120 mil ao ano e tinham em média 3,2 empregados. Ainda segundo o Sebrae, de 1,39 milhão de empresas abertas entre 2000 e 2002, 772,6 mil faliram no período, resultando no fechamento de 2,4 milhões de postos de trabalho. O estudo mostrou que 82% dos empreendedores que fecharam as portas perderam mais da metade do valor investido (R$ 19,8 bilhões). Esses números corroboram a nossa preocupação com a manutenção da empresa em crise, para se evitar que empregos e sonhos sejam perdidos.

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Outra grande preocupação da nova lei foi dar maior segurança aos credores, inclusive aos bancos, que poderão emprestar dinheiro às empresas em dificuldades com a garantia de que poderão receber esses recursos. Essa é a grande diferença do que ocorre atualmente no Brasil e nos Estados Unidos, por exemplo. Aqui, sem garantias, os bancos não injetam novos recursos, paralisando o fluxo de caixa da empresa e contribuindo para o seu fechamento. Lá, os bancos credores participam do processo de reestruturação da empresa, concedendo novos empréstimos, dando-lhe fôlego para se ajustar e sair da crise e, assim, contribuindo para a manutenção dos empregos.

Se, no entanto, for constatada a inviabilidade do negócio, a nova lei cria instrumentos que facilitam a venda da empresa em crise para um novo empreendedor, visando sempre a sua continuidade. Será priorizada a alienação do negócio em bloco, preservando o conjunto e, se possível, os ativos intangíveis (marcas, patentes etc.). Com o fim da sucessão trabalhista e tributária, quem adquirir uma empresa em estado de falência não assumirá a responsabilidade por ações judiciais ou créditos não honrados pelo valor pago pela companhia, o que vai facilitar também a compra de empresas com problemas.

A Lei de Recuperação de Empresas haverá de contribuir de forma decisiva para a construção de um novo país que tanto sonhamos, com empresas fortes, mais empregos e justiça social.

A eficiência na recuperação de empresasPor Jairo Saddi

Quando se define falência ou recuperação de empresas é comum nos atermos a definições jurídicas: trata-se de um processo de execução coletiva, meio de realização de direitos do credor. No entanto, precisamos nos lembrar também de que o substrato que permeia o tema tem natureza econômica: empresas insolventes são unidades produtivas exatamente iguais às solventes, com a exceção de que seus passivos se encontram desestruturados. Fora isso, geram empregos, compram e transformam matérias-primas, vendem produtos acabados, enfim, produzem riquezas. Portanto, além da visão tradicional, há de se considerar o assunto por uma perspectiva mais voltada à análise econômica do direito.

Primeiro, um procedimento falimentar deveria produzir um resultado eficiente "ex post". Quer-se dizer, com isso, que o valor total dos ativos da massa falida deveria ser sempre maximizado para produzir a maior quantidade de dinheiro possível para os credores. Ou seja, qualquer decisão de venda ou reestruturação deve obedecer à simples regra de que o procedimento será mais eficiente se o resultado aos credores for maior. É evidente que isso conduz a um estado de eficiência "ex ante": quanto maiores as garantias aos credores antes da insolvência ou da iliquidez, menores os custos de transação relacionados às atividades da empresa (taxa de juros, por exemplo).

Segundo, um bom procedimento falimentar deve penalizar igualmente os devedores: o simples concurso de credores é uma forma de punir os acionistas, já que eles receberão alguma coisa somente no final - se houver sobras. Isso é importante porque incentiva um sistema de maior crédito (visto que o credor terá prioridade no recebimento) e, ao mesmo tempo, todas as obrigações contratuais fora do sistema de garantias passam a ser respeitadas por um mecanismo estatal cogente.

E, em terceiro lugar, apesar de termos um sistema que deve punir o devedor, são necessários incentivos para que ele colabore, isto é, para que seu comportamento não seja prejudicial à massa. Por exemplo, um devedor sem incentivo nenhum para colaborar no processo pode engajar-se em tumulto; e, em fase de recuperação,

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quando não for afastado, pode tomar decisões desastrosas. Portanto, o devedor também deve ter alguma participação residual no processo.

Há um segundo foco de problemas de eficiência nos procedimentos falimentares ou de recuperação de empresas e que diz respeito à liquidação dos ativos. O que se refere à avaliação dos ativos da massa: uma vez que a maior parte deles não é ativo líquido e financeiro, como transformá-los em dinheiro? Oliver Hart sugere que, em países em que o mercado de capitais é eficiente, pode-se vender a empresa (ou partes dela) a investidores, com o preço a ser pago em dinheiro correspondendo ao seu valor real. Este tipo de leilão, conhecido como "cash-auction", é atraente porque o credor recebe o seu quinhão em dinheiro. Porém, como a maior parte dos mercados de capitais não tem estrutura suficiente para transformar empresas em crise em capital líquido, tem-se uma negociação estruturada, método pelo qual nossa nova lei avança. O processo de recuperação se baseia num período em que nenhum ativo pode ser vendido ou nenhuma ação pode ser intentada contra o devedor; na falência, há uma arrecadação de ativos para posterior venda. Os credores se reúnem e decidem o destino da empresa e dos ativos.

O grande problema de eficiência aqui é que existem duas decisões a serem tomadas simultaneamente: o que fazer com o negócio e, no evento da reestruturação, quem deve receber o quê. Na maior parte das vezes não se trata de algo simples nem tarefa menor, tanto por causa do sistema de voto na assembléia de credores como devido ao fato de os objetivos de cada classe de credores variarem - e muito. Por exemplo, um credor trabalhista pode querer uma reorganização mais lenta, a fim de preservar os empregos, enquanto outro com garantia real pode desejar uma solução mais rápida para reaver seus créditos.

Uma das melhores e mais eficientes soluções é a troca de dívida por participação acionária com ou sem engenharia financeira para recompra dessa participação. Ou seja, o credor troca sua dívida por uma parcela das ações na empresa e o devedor pode, seja por opções, seja por meio de contrato, simplesmente recomprar a empresa no fim da recuperação. Na falência, a necessidade de capital de giro pode prejudicar esse tipo de solução, mas é inegável que, se criarmos um mercado secundário para ativos de massa falida, sem riscos de contágio ou sucessão, muito mais poderá ser feito.

Um mercado que deve surgir para aumentar a eficiência do sistema é o mercado de profissionais de reorganização ou gerenciamento de massas falidas, os quais poderiam, inclusive, passar a administrar judicialmente tais empresas.

A idéia de eficiência nos procedimentos falimentares e de recuperação de empresas é importante e deveria ser incentivada no Brasil por dois motivos: porque é desejável que o mínimo de valor e de custo seja dissipado ao longo do processo, e porque é saudável, ao fim, os ativos serem alocados ao seu maior valor de uso, o que significa dizer que o negócio pode continuar a funcionar se o seu valor exceder o valor de liquidação; caso contrário é melhor ser vendido a quem dele possa fazer melhor uso. Esperamos que o advento da nova Lei de Falências possa trazer os conceitos, que aqui foram superficialmente descritos, à vida.

Os objetivos da recuperação de empresasPor Thomas Benes Felsberg

Dentre as inovações trazidas pela nova Lei de Falências, destaca-se a substituição da concordata por mecanismos mais condizentes com a realidade: a recuperação extrajudicial e a judicial de empresas. A concordata, prevista na legislação atual, constitui um prazo para pagamento de dívidas com os credores quirografários, sendo vedada a convocação dos demais credores para negociação, sob pena de decretação

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de falência. Com a aprovação da nova lei, o devedor passa a ter condições especiais para pagar suas dívidas, além de poder convocar seus credores para negociações e elaboração do plano de reestruturação.

A mudança representa um enorme avanço, propiciando condições adequadas à recuperação das empresas. A recuperação extrajudicial é um acordo celebrado entre o devedor e seus credores no âmbito privado, que deve ser homologado judicialmente quando da adesão de todos os credores ao plano ou de pelo menos três quintos de cada classe de credores sujeitos ao plano. Nesta segunda hipótese, o plano será imposto aos credores minoritários. Não podem ser objeto de negociação os créditos de natureza tributária, trabalhista, de contratos de adiantamento de crédito, de alienação fiduciária, de arrendamento mercantil ou de contrato de venda com reserva de domínio. Não sendo possível a homologação do plano, resta ao devedor a opção de propor sua recuperação judicial.

O instituto da recuperação judicial, que substitui a concordata, objetiva a viabilização da superação da crise econômico-financeira da empresa, permitindo sua reestruturação por meio de mecanismos previstos de forma exemplificativa, como a redução salarial e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva. Este instituto consiste na apresentação de um plano de reestruturação da empresa pelo devedor, devendo constar os meios que serão utilizados para o pagamento de seus credores e os documentos que comprovem sua viabilidade econômica. Deferido o plano, o juiz suspenderá as ações e execuções existentes contra o devedor por 180 dias ("stay period"). As execuções fiscais não se sujeitam a essa suspensão, havendo previsão de que as fazendas públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) poderão deferir o parcelamento de seus créditos em sede de recuperação judicial. Havendo objeção de credor ao plano apresentado, o juiz convocará uma assembléia geral de credores, que será responsável pela deliberação e aprovação do plano. A assembléia conta com a participação de todos os credores sujeitos ao plano, divididos em três classes: os de natureza trabalhista, os com garantia real e os quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.

A regra para a aprovação do plano de recuperação judicial envolve quóruns específicos de cada uma dessas classes. Nas classes de credores com garantia real e com privilégio especial, geral ou subordinados, a proposta deve ser aprovada por mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia e, cumulativamente, pela maioria simples dos presentes. Na classe dos credores trabalhistas, a proposta deve ser aprovada pela maioria simples dos presentes, independentemente do valor de seu crédito. Excepcionalmente, o plano poderá ser aprovado e imposto aos credores pelo juiz ("cram down") desde que se obtenha, cumulativamente: o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes; a aprovação de duas das classes com credores votantes nos termos da aprovação convencional; o voto favorável de mais de um terço dos credores da classe que houver rejeitado o plano.

Outro avanço trazido pela nova legislação é que os créditos decorrentes de obrigações contraídas durante a recuperação judicial serão considerados extraconcursais no caso da empresa falir. Isso estimula a injeção de capital nas empresas em dificuldade. Ademais, os credores que continuarem a fornecer seus bens ou serviços após o pedido de recuperação judicial terão privilégio geral de recebimento no caso de decretação da falência. Essas são algumas inovações trazidas pela nova lei, beneficiando a atração de investidores estrangeiros e estimulando a oferta de crédito e a redução dos juros bancários.

Uma visão panorâmica do direito falimentarPor Paulo Penalva Santos

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Após mais de 480 emendas e cinco substitutivos e 11 anos de tramitação, foi aprovada a nova lei que regula a falência, a recuperação judicial e a recuperação extrajudicial do empresário e das sociedades empresárias.

A nova lei introduz alterações substanciais em relação ao Decreto Lei nº 7.661/45, destacando-se as seguintes: na falência merecem destaque a classificação dos créditos, a forma de liquidação e o tratamento jurídico dado aos crimes falimentares. Quanto aos meios preventivos para evitar a quebra, a lei instituiu a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a recuperação para as sociedades de pequeno e médio porte.

Para viabilizar a nova classificação de créditos na falência, havia necessidade de alterar o Código Tributário Nacional (CTN), pois a Constituição determina que as normas gerais em matéria tributária são da competência de lei complementar. Por isso, foram aprovadas duas leis: a Lei de Falências e a lei complementar que altera o CTN.

Esses novos diplomas classificam os créditos na falência da seguinte forma: 1-crédito trabalhista (até o valor de 150 salários mínimos); 2-crédito com direito real de garantia até o limite do valor do bem gravado; 3-crédito tributário e previdenciário; 4-créditos com privilégio especial; 5-créditos com privilégio geral; e 6- créditos quirografários.

Mas foi na parte referente à liquidação que a nova lei trouxe a principal modificação, pois a alienação dos bens do falido pode ser feita logo após a decretação da falência e preferencialmente de forma englobada, para preservar a empresa como unidade de produção.

Quanto aos meios preventivos, a lei permite que o devedor apresente em juízo um plano de recuperação judicial. Se não houver objeção, o plano é aprovado. Se houver impugnação, o plano deverá ser aprovado pelos credores sujeitos ao plano. Estão excluídos da recuperação judicial créditos tributários, previdenciários e aqueles decorrentes de contratos de leasing, alienação fiduciária em garantia e adiantamentos a contratos de câmbio. O devedor é mantido na administração da sociedade até que se cumpram as obrigações previstas no plano, cujo prazo é proposto pelo devedor, e aprovado pelos credores.

A recuperação extrajudicial pode ser feita de duas formas. Primeiro, o devedor apresenta uma nova forma de pagamento aos credores que subscreverem essa proposta, excluídos os mesmos credores referidos na recuperação judicial. Pode ainda o devedor apresentar proposta de pagamento que inclua todas as classes de credores, desde que tenha sido firmada por mais de três quintos de cada classe de credores.

Embora também denominada de recuperação judicial, a lei restabelece a concordata preventiva para a microempresa e para a empresa de pequeno porte, permitindo que o devedor pague seus credores quirografários em até 36 meses, com correção monetária e juros de 12% ao ano, com pagamento da primeira parcela no prazo máximo de 180 dias, contados do ajuizamento do pedido.

No texto final aprovado pela Câmara de Deputados foi excluído o dispositivo que condicionava a concessão da recuperação judicial à apresentação de certidões fiscais. Essa exclusão foi bem-vinda, pois uma das maiores críticas que se faz à lei atual é a exigência dessas certidões para a concessão da concordata preventiva, o que enseja, na impossibilidade de atender tal exigência, inúmeros pedidos de desistência de concordatas, depois de equacionado o passivo quirografário.

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Além disso, a lei deu novo tratamento aos crimes falimentares, denominando todas as infrações penais, como, por exemplo, crimes de fraude a credores; contabilidade paralela; violação de sigilo empresarial; entre outras, facilitando a interpretação desse tipos legais. Finalmente, cumpre destacar que a Nova Lei de Falências pode ser aplicada aos processos de falência que se encontram na fase de liquidação (realização do ativo), momento esse de conclusão da falência.

Os onze anos de discussão da nova Lei de FalênciasPor Renato Mange

O debate sobre a reforma da Lei de Falências intensificou-se em 1991, quando foi apresentado o primeiro anteprojeto de legislação sobre o tema. Posteriormente, em 1993, foi remetido, pelo governo federal, um projeto de lei ao Congresso Nacional.

A primeira questão foi: elaborar nova lei ou apenas alterar o estatuto falimentar de 1945. Os que defendiam a tese de simples alteração argumentavam que havia jurisprudência consolidada de muito anos e que o texto vigente é de boa técnica legislativa. Propunham alterar o capítulo da concordata preventiva para prever a recuperação da crise financeira pelo acordo com os credores. De outro lado havia os que lutavam por nova legislação, nos moldes dos países mais desenvolvidos.

Ultrapassado restou esse debate com a apresentação do projeto de lei. A partir desse fato, as opiniões se dividiam entre os que consideravam que deveria haver proteção mais efetiva aos devedores, para garantir a sobrevivência das empresas, e os que defendiam que a recuperação do crédito deveria ser a meta principal. Debateu-se, também, a criação de um limite acima do qual o crédito trabalhista se equipararia aos demais, a flexibilização da prioridade, quase absoluta, dos créditos tributários e a classificação dos créditos com garantias reais, os quais, para alguns, deveriam ser pagos antes de quaisquer outros.

A questão mais debatida foi a relativa à concordata preventiva, que, por atingir apenas os credores sem garantias (quirografários), não permite a efetiva recuperação da empresa em crise. Portanto, o novo instituto da recuperação da empresa deveria trazer ao processo todos os credores sem qualquer exceção. Se aceita essa tese, diziam alguns (especialmente as instituições financeiras), os credores precavidos, que tivessem garantias, seriam equiparados aos descuidados com créditos "cleans". Muito se debateu sobre como equilibrar os direitos e deveres das empresas devedoras e das diversas classes de credores.

A exclusão de créditos com garantias reais (em geral em poder de instituições financeiras) da recuperação judicial é questão polêmica. De um lado há os que argumentam que houve a descaracterização do instituto, cujo objetivo seria o de reunir todos os credores. De outro há os que defendem a necessidade de haver certeza na recuperação do crédito, o que resultaria em juros menores, por reduzir os "spreads". O fato é que os créditos com garantias reais, na falência, terão prioridade sobre os tributários e poderão não se submeter à recuperação judicial. Entretanto, será possível haver negociação com os credores detentores de garantias para que participem do plano de recuperação. Na prática, é o que ocorre, atualmente, nas concordatas, quando se negocia com os esses credores, embora legalmente não se submetam à moratória.

A nova Lei de Falências estabelece o prazo de 180 dias, durante o qual se suspendem as ações e execuções contra a empresa devedora que tiver requerido a recuperação judicial. Durante esse prazo será possível haver negociações mesmo com os credores que, em tese, não irão se sujeitar ao processo. Embora seja uma novidade, como

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norma legal, na realidade esse período de negociação já existe na praxe do mercado financeiro após a impetração de concordata.

Outro tema muito discutido - e que sempre sofreu grande oposição dos órgãos governamentais - foi a sucessão fiscal. Ou seja, quem adquirir um estabelecimento pode herdar débitos fiscais do vendedor. De fato, havendo risco da sucessão fiscal, é quase impossível a venda de ativos de empresas em dificuldades. A Receita Federal alegava que a alteração nessas regras conduziria à fraude. Prevaleceu a tese de flexibilização e está encaminhada a alteração ao Código Tributário Nacional (CTN) permitindo, com algumas restrições, a venda, sem sucessão fiscal, na Recuperação judicial das empresas.

Por derradeiro, uma importante novidade na falência é a realização do ativo imediatamente após a quebra. Na Lei de Falências anterior primeiro se apura o passivo (que pode durar muitos anos) para depois serem feitos os leilões dos bens.

Essas são as principais questões que foram debatidas durante esses muitos anos de tramitação legislativa. Embora haja ainda muitas críticas, acreditamos que haverá algum avanço com a nova Lei de Falências. De fato, as negociações durante a recuperação judicial ficarão mais transparentes e darão segurança às transações que forem realizadas.

A recuperação de empresas no mundoPor Arnoldo Wald

Durante muito tempo, em todos os países, a falência foi considerada como uma sanção aplicada à empresa insolvente. Somente a partir de meados do século passado é que as várias legislações fizeram a distinção entre a pessoa do controlador, que eventualmente deveria ser punido, e a entidade empresarial à qual se deveria dar a possibilidade de sobreviver. Surgiram, assim, no direito comparado, várias fórmulas, grosso modo correspondentes à nossa concordata preventiva, que foram sendo aprimoradas no decorrer do tempo. Não tendo funcionado adequadamente tais procedimentos, há um esforço de encontrar novas fórmulas que possam conciliar a manutenção da empresa e os direitos dos credores, fazendo prevalecer o interesse social.

Diversas legislações consideram a reorganização empresarial como uma melhor opção em relação à falência, ou a liquidação de todos os ativos do devedor para saldar seus passivos. Em relação às empresas em crise, tanto o sistema falimentar francês como o americano criaram mecanismos de suspensão da exigibilidade de certos direitos do credor quando há ameaça de insolvência, com o objetivo de preservar a empresa como entidade produtiva. Assim é que a reorganização do direito francês ("redressement judiciaire") e o modelo americano do "Chapter 11" buscam proteger as empresa insolvente mediante a imposição de alguns sacrifícios aos credores.

A lei francesa vem sofrendo críticas quanto ao papel do "redressement", cuja eficácia está longe de obter sucesso, pois, em geral, as empresas que recorrem ao mesmo invariavelmente requerem falência pouco tempo depois. Por seu turno, o mesmo tipo de crítica se aplica ao sistema americano do "Chapter 11", em face da característica desse sistema que permite a um mesmo devedor requerer, mais de uma vez, o benefício da recuperação, o que tem acontecido recentemente.

Há uma proposta de reforma no Conselho de Ministros da França que deve ser enviada ao parlamento daquele país em 2005 estabelecendo uma reestruturação sem precedentes do sistema falimentar francês. O objetivo primordial da mudança é a criação de um novo tipo de procedimento ("procédure de sauvegarde"), que introduz

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um sistema cautelar de salvaguarda de ativos, ou seja, um plano de contingência para alienar ativos do devedor e assim evitar a quebra.

O "redressement" francês deve continuar e os novos procedimentos propostos constituem apenas uma alternativa de dar mais facilmente liquidez a certos ativos e garantir o direito dos credores. Uma segunda alteração proposta é a necessária aprovação dos credores - já que no sistema francês é o tribunal que decide conceder a medida judicial, com base no pedido e nas provas de viabilidade empresarial. Por fim, é intenção do governo francês que o devedor (ou a empresa em crise) possa requerer moratória por prazo determinado, com a aprovação dos credores. Hoje é virtualmente impossível uma empresa em crise obter moratória sem antes tomar a decisão de não honrar seus pagamentos ("cessation de paiements"). No novo procedimento, pretende-se que o devedor - ainda solvente e em dia com seus compromissos - possa suspender os pagamentos vincendos sem sofrer represálias ou protesto de seus credores. Ou seja, o que se está propondo é uma espécie de concordata consensual, com o apoio dos credores. Nesse sistema, a gerência da sociedade não é substituída, mas a corte pode nomear um administrador judicial para supervisioná-la.

Todas as mudanças propostas no sistema francês já constam do modelo americano do "Chapter 11", mostrando que o modelo pragmático americano de lidar com crises ainda é o mais eficiente, sobretudo porque liquida imediatamente os ativos. Se na França, como em outros países, a recuperação continua a ser decidida pelo juiz, sem a participação dos credores, como favor legal, a interferência estatal, no futuro, só se justificará em casos em que houver interesse público maior a ser preservado e em empresas com número significativo de empregados e com certo volume de receita. Tais determinações dependem de um decreto legislativo, mas os procedimentos de salvaguarda prevêem a criação de dois comitês de credores, um das instituições financeiras e um dos fornecedores de produtos ou serviços. O devedor, no novo modelo francês, deve apresentar um plano de reerguimento da empresa em quatro meses e, nos 30 dias seguintes, os credores devem aceitá-lo ou rejeitá-lo. Se não se chegar a um acordo por unanimidade, o juiz poderá decidir sem ouvi-los. Não há nenhuma representação dos credores que sejam portadores de títulos ou valores mobiliários.

Enquanto a recuperação de empresas busca o saneamento permanente, a preservação empresarial por meio da transferência de controle ou da alienação de ativos, mediante acordo com os credores, pode resolver problemas momentâneos de liquidez ou de crédito, especialmente quando se trata de empresas de grande interesse social.

Vemos que as preocupações do legislador brasileiro também existem no exterior e que as experiências do direito comparado podem ser úteis aos congressistas e aos juristas brasileiros.

Disposições comuns na nova lei falimentarPor José Fernando Mandel e Julio Mandel

Sem nenhuma dúvida, a nova legislação falimentar, cuja implantação já se fazia necessária há muitos anos, tem dispositivos revolucionários e modernos. Com essa mesma certeza afirmamos que várias novidades terão muita dificuldade de implantação em virtude de diversos fatores, entre eles a falta de uma Justiça aparelhada e especializada. Lamentamos também que, sob o pretexto de baratear o crédito, direitos dos empregados foram tolhidos de forma acintosa, enquanto privilégios fiscais foram mantidos e, em alguns casos, até mesmo ampliados.

Também sempre defendemos que a Lei de Falências deveria ser alterada aos poucos, retirando-se da lei falimentar de 1945 os dispositivos ultrapassados e adotando-se as

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jurisprudências consagradas por nossos tribunais. Essa técnica poderia ter evitado que o projeto original da nova Lei de Falências fosse discutido por 12 anos antes de sua aprovação. E poderia ter tido o condão de afastar tantas pressões e jogos de interesses que acabam por minar a boa técnica legislativa e transformar bons projetos em colcha de retalhos quando são aprovados.

O capítulo que trata das disposições comuns à falência e à recuperação de empresas é um exemplo de má técnica legislativa, talvez gerada pela necessidade de acomodação de interesses de diversos grupos, provavelmente para que a lei pudesse ser aprovada. Explicamos: não há motivo para haver um capítulo específico sobre disposições comuns entre os dois institutos, após as alterações efetuadas no projeto original, se há centenas de outros artigos disciplinado-os separadamente e outros capítulos específicos que tratam de disposições processuais comuns.

Um exemplo disso é o dispositivo da nova legislação que trata da prevenção, onde o parágrafo 8º do artigo 6º dispõe que a distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial da empresa previne a jurisdição para qualquer outro pedido de recuperação judicial ou de falência. Esse princípio poderia estar disciplinado em um artigo próprio, em outro capítulo, e não como o último parágrafo de um artigo que trata de outros temas.

Contudo, o maior exemplo deste equívoco é a questão da suspensão das execuções, que nada tem em comum entre os dois institutos. Na falência, o crédito já constituído não deve ser executado, mas sim habilitado nos autos - uma vez que a falência é a chamada execução coletiva, não havendo espaço para execuções individuais -, enquanto na recuperação a execução de um crédito é suspensa por seis meses. Ou seja, qual é a disposição comum? Cria-se um caput comum e passa-se a criar vários parágrafos apontando as diferenças.

Finalmente - e aparentemente esquecida no fim do mesmo artigo 6º, no parágrafo 7º - está disposto que as execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial. Há uma promessa de que o devedor poderá se socorrer, para suas dívidas fiscais, de uma espécie de "Refis" específico (o que ainda não existe). Além deste dispositivo estar no capítulo errado, está criada uma proteção injustificável para a Fazenda pública, proteção essa nociva aos interesses da lei, que é a manutenção da unidade produtiva. Isso porque, na prática, a lei exclui os créditos fiscais da recuperação judicial (o que não acontece com nenhum outro credor), quando se sabe que uma das maiores causas da ruína das empresas é justamente a alta carga tributária, e que não há empresas em dificuldades financeiras que estejam com todos os seus impostos em dia.

Prosseguindo-se a execução fiscal e penhorando-se os bens da empresa devedora durante o prazo de negociação do plano de recuperação com os demais credores, o plano apresentado correrá riscos de ser inviabilizado. Soma-se a isso o previsto no artigo 57 da nova Lei de Falências, que obriga a empresa em recuperação a apresentar certidões negativas fiscais, o que fará a legislação nascer morta se a exigência não for abrandada pela jurisprudência, como acontecia na legislação de 1945.

Lutemos para que o fisco faça sua parte, abrindo mão de seus privilégios, pois em tese a Fazenda/governo são os maiores interessados na recuperação de uma unidade produtiva e devem oferecer a maior dose de sacrifício para apoiar sua recuperação, e não o contrário. Na atual lei, houve uma preferência por sacrificar o mais fraco, o empregado.

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A evolução e reforma do direito concursalPor Newton de Lucca

Uma das reformas mais esperadas no país, sem sombra de dúvida, é a que diz respeito à substituição da atual lei falimentar brasileira - o Decreto-Lei nº 7.661, de 21 de junho de 1945 - por uma nova disciplina normativa mais adaptada à realidade empresarial dos nossos dias.

Esse nosso velho decreto-lei, independentemente de seus inegáveis méritos, vem apresentando numerosos problemas já de há muito, podendo ser destacados os seguintes, segundo entendimento predominante na doutrina: 1) Não pôde ele refletir, em razão da época em que veio a lume, as conseqüências sócio-econômicas que o segundo conflito mundial provocou nas diversas economias do mundo; 2) Dirigiu-se fundamentalmente para o comerciante individual, descurando, quase completamente, da importância da empresa, enquanto atividade economicamente organizada para a produção ou circulação de bens e de serviços; 3) Não fez, pelo mesmo motivo do momento histórico em que foi editado, a necessária distinção entre empresário e empresa, estabelecendo um esquema repressivo em relação ao primeiro, o que trouxe conseqüências desastrosas para a segunda, enquanto instituição social, com múltiplos interesses a serem preservados. As disposições constantes dos artigos 140, inciso III, e 111 do texto legal são suficientes para demonstrar, por si sós, a evidência de tal assertiva; 4) Voltou-se, excessivamente, para regular a situação obrigacional entre devedores e credores, exacerbando-se num processualismo tal que os formalismos estéreis e inconseqüentes culminaram por obnubilar quase que inteiramente a realidade econômica, de sorte que o próprio fim da lei - realização do direito dos credores - não logrou ser atingido; 5) Subsistiu, na lei falimentar brasileira, em conseqüência das concepções anteriores, uma finalidade liquidatório-solutória que é indisfarçável e que só deveria existir nos casos de completa inviabilidade da atividade empresarial. Exemplo: o sistema da impontualidade e não o da insolvência (artigo 1º e artigo 11, parágrafo 2º). A jurisprudência afirmou, inocuamente, que o processo falimentar não se constitui meio de cobrança, mas é assim que tem sido; e 6) Subsistiram, igualmente, excessivos privilégios estabelecidos em favor do fisco, de tal sorte que nem mesmo os credores com garantia real sentem-se seguros no momento de concordarem com a concessão do crédito.

O clamor doutrinário - desde a década de 60 do século passado - foi praticamente unânime no sentido de que se fazia necessária a reforma de nosso direito falimentar. Mas foi ele absolutamente inútil. E nem poderia ser de outra forma. Nossa doutrina jurídica, em que pesem os grandes nomes que a engalanaram e a engrandecem até hoje, nunca teve o condão de influir decisivamente nos movimentos reformistas de qualquer espécie. Sempre foram outros interesses mais fortes, muito bem representados pelas oligarquias dominantes, que determinaram a permanência ou a mudança de uma determinada disciplina normativa.

Finalmente, agora, depois de tantas tentativas destinadas ao insucesso, o Brasil está diante de uma perspectiva concreta de tratar a patologia das finanças de uma empresa de maneira mais pragmática, procurando, sempre que possível, evitar o desaparecimento de uma unidade produtiva. Claro está que uma nova Lei de Falências, independentemente de seus méritos e desacertos, sempre provocará acaloradas discussões, pois ela regulará os mais evidentes conflitos de interesses entre credores de um lado e interesses dos devedores de outro.

Nesse sentido, parece de todo recomendável a ponderação de que a solução adequada deve ser a busca do equilíbrio entre esses dois grupos de interesses. Assim, a despeito desse dualismo inevitável com que se depara o legislador atual (proteger o interesse dos trabalhadores ou o interesse das instituições financeiras), e das várias questões polêmicas que um novo texto legal inevitavelmente desperta, é

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certo que a nossa atual concordata, que tem apresentado resultados bastante pífios na maioria dos casos, encontra um sucedâneo adequado nos novos institutos da recuperação judicial e extrajudicial.

Sejam quais forem os problemas do novo texto - e eles existem, efetivamente -, o fato é que a reforma do direito concursal brasileiro é mais do que necessária e já chega, na verdade, muito serodiamente. De toda sorte, esse novo texto será o ponto de partida para revigorar as reflexões sobre uma das áreas mais descuidadas da legislação empresarial brasileira.

Pedido e processo na recuperação judicialPor Paulo Fernando Campos Salles de Toledo

A concordata, ainda bem, está com os dias contados. Resistiu, é certo, por muito tempo, mas agora a recuperação judicial, recém-chegada e sua irmã caçula, está para dar os primeiros passos, e assumir o posto. Como isto irá acontecer?

O que muda no pedido? Há, agora, uma preocupação evidente com o respeito ao tecnicismo jurídico e com a transparência. Assim é que o pedido deverá vir instruído com demonstrações contábeis dos três últimos exercícios e as especialmente levantadas ao ensejo do ingresso em juízo, com o que se terá uma visão mais nítida da evolução da crise da empresa. Além disso, será apresentado, como um sinal a mais de modernidade, o relatório de fluxo de caixa. Não se terá em vista, portanto, apenas o que a empresa foi, mas também o que se projeta que ela venha a ser. Por outro lado, previu-se o fornecimento de informações relevantes para os credores: relação dos bens particulares dos controladores e dos administradores da empresa devedora, extratos de contas bancárias e aplicações financeiras, listagem das ações judiciais em andamento etc.

Formulado o pedido, este será apreciado pelo juiz e, estando em ordem, será deferido o processamento da recuperação judicial. Note-se que a recuperação ainda não terá sido concedida. Para tanto deverá a devedora apresentar um plano a ser aprovado pelos credores. Mas a decisão de processamento é de grande importância. Dela constarão, entre outros pontos, a nomeação do administrador judicial (não mais existirá afigura do comissário), preferencialmente advogado, economista, administrador de empresas ou contador, podendo igualmente ser (o que é uma novidade muito bem vinda) uma pessoa jurídica especializada. Ao administrador judicial incumbirá, por exemplo, fiscalizar as atividades do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial.

Uma vez deferido o processamento da recuperação judicial, suspendem-se todas as ações e execuções em curso contra o devedor. E isso por 180 dias. O legislador, nesse ponto, ficou a meio caminho da melhor solução. Dois aspectos, aqui, merecem ser destacados. O primeiro refere-se às exceções previstas na lei. Na verdade, não são todas as ações que se suspendem. Prosseguem, como não poderia deixar de ser, aquelas em que se pleiteia quantia ilíquida (ou seja, não correspondente a uma determinada soma em dinheiro). Mas também terão prosseguimento as reclamações trabalhistas e as execuções fiscais. E igualmente não serão afetadas pela recuperação judicial as ações relativas a certos créditos (derivados de alienação fiduciária em garantia, arrendamento mercantil e adiantamento de contratos de câmbio, por exemplo). A única ressalva é que, nesses casos, não será permitida, no prazo de suspensão, a venda ou retirada, do estabelecimento do devedor, dos bens de capital essenciais à sua atividade empresarial.

É claro que o ideal seria que a recuperação judicial envolvesse todos os créditos, uma vez que todos estão compreendidos na crise financeira da empresa. Por outro lado, o período de suspensão deveria, para ser mais eficaz, ter início com o ajuizamento do

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pedido de recuperação judicial, e não com a decisão que defere o seu processamento. Por menor que seja o espaço de tempo entre o ingresso em juízo e essa decisão inicial, esses dias poderão ser fatais para a empresa. Poderá ela, em virtude de um processo em estágio mais adiantado, vir a perder um daqueles bens acima referidos, qualificados como essenciais para o exercício da atividade empresarial. Com isso ela poderá deixar de ser uma empresa economicamente viável e será candidata certa à falência. Um credor terá sido beneficiado. Todos os demais, no entanto, serão prejudicados.

Para concluir, mais duas referências, essas positivas. A primeira é a de que, deferido o processamento da recuperação judicial, publicam-se editais relacionando os credores. Eventuais habilitações e divergências serão processadas, de início, perante o administrador judicial, e não em juízo, simplificando, e muito, a tramitação e prevendo-se, em decorrência, economia de tempo e de dinheiro.

E, finalmente, poderão os credores, após a decisão em foco, requerer a qualquer tempo a convocação da assembléia geral para a constituição do comitê de credores. A participação dos credores é um dos marcos da nova disciplina das empresas em crise, e tanto a assembléia geral quanto o comitê serão órgãos aptos a tornar realidade os objetivos visados pelo legislador.

Plano de recuperação judicial de empresas e nova Lei de FalênciasPor Manoel Alonso

Em nossa ótica, no aspecto econômico-financeiro, depois da Constituição da República e do novo Código Civil, a Lei de Falências é o instrumento mais importante para todo o país, tanto dentro da sua continental territorialidade como nas relações com o mercado externo, globalizado, e cada vez mais interessado em investir nos países emergentes, face à notória e consistente liquidez dos mercados internacionais.

Preconizam os artigos 52 e seguintes da nova Lei de Falências que o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial se o devedor, com a petição inicial, apresentar a documentação pertinente e adequada, cabendo-lhe, no prazo de 60 dias, contados da publicação da decisão que deferir o processamento, apresentar no juízo competente o plano de recuperação, demonstrando desde logo: I - Os meios de recuperação a serem empregados (entre eles concessão de prazo e condições especiais, constituição de sociedade de credores; cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade; alteração de controle, substituição dos administradores, aumento de capital social, venda parcial de bens, dação em pagamento, redução de salários, usufruto da empresa); II - demonstração de sua viabilidade econômica; e III - laudo econômico-financeiro, com avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por contador ou empresa especializada.

E obrigatoriamente contemplar: a) prazo de até 12 meses para o pagamento dos créditos trabalhistas, inclusive os decorrentes de acidente de trabalho, vencidos até a data do ingresso em juízo do pedido de recuperação judicial (afastadas, a nosso ver, as indenizações milionárias); b) fixar prazo de até 30 dias para o pagamento de créditos exclusivamente de salários, vencidos dentro dos três meses que antecederam ao ingresso em juízo, limitados a cinco salários-mínimos por trabalhador.

O processamento - etapa em que o juiz nomeará o administrador judicial, ordenará a suspensão de todas as ações e execuções contra o devedor e a dispensa de certidões, a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas públicas federal, estaduais e municipais nos locais em que o devedor possuir estabelecimento, expedição de edital, entre outros - não se confunde com a decisão de mérito da concessão da recuperação judicial. Esta ocorrerá após o cumprimento,

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pelo devedor, de todas as exigências da lei, cujo plano não tenha sido objetado por algum credor - ou, caso tenha sido, que a assembléia geral de credores haja apreciado, não modificado e decidido pelo seu acatamento. O plano pode ainda ser por ela rejeitado, ocasionando a decretação da falência. A falência também será decretada caso o devedor não ofereça as certidões negativas de débitos tributários, no prazo de cinco dias após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia geral dos credores.

Essa situação, em nossa ótica, é o maior absurdo e conflito que a lei encampa, posto que, se o fim colimado pelo legislador na nova lei, é o de preservar a empresa, porque sufocá-la com a exigência das negativas desde logo? E a decretação da falência, no que resolverá o problema? Tal exigência deve ser suprimida do plano de recuperação, a nosso ver.

Outra novidade da nova Lei de Falências é a criação das classes de credores, em número de três (trabalhistas, com garantia real e quirografários ou com privilégio geral), que comporão a assembléia geral.

Para as microempresas e empresas de pequeno porte, haverá um plano especial, menos sofisticado, e onde não será convocada a assembléia de credores, que abrangerá os créditos quirografários, com exceção dos decorrentes de repasse oficial, estipulará parcelamento de até 36 parcelas mensais, iguais e sucessivas, sendo a primeira delas 180 dias contados da data da distribuição do pedido, todas atualizadas, com juros de 12% ao ano.

Por tudo isso, mesmo que o diploma legal - que tenha por escopo proteger a empresa, direitos dos trabalhadores, fornecedores, bancos e o fisco (estes dois últimos por seus poderosos lobbies e sempre insaciáveis) - seja um desafio aos técnicos e aos operadores do direito e contenha manifestas imperfeições, sua urgente aprovação pelo presidência da República constitui-se em ato de evidente patriotismo. O uso e a concreta aplicação do texto ensejarão as competentes adequações futuras.

Recuperação extrajudicial de micro e pequenas empresas

Na atividade empresarial não é raro algum fato imprevisto comprometer o fluxo de caixa da empresa. Nesses casos o empresário deve e costuma negociar individualmente a postergação dos pagamentos com cada um dos credores afetados. Contudo, há situações em que o fluxo ou geração de caixa ficam de tal forma comprometidos que as negociações individuais são insuficientes para a normalização da situação do devedor. Nesses casos deve o empresário optar pela negociação em conjunto com seus diversos credores ou grupos de credores.

A nova Lei de Falências inova neste aspecto, introduzindo em nosso ordenamento jurídico o instituto da recuperação extrajudicial e criando a possibilidade de imposição do plano aprovado por pelo menos três quintos dos credores de cada espécie a ele sujeito. Tal inovação deverá coibir comportamentos oportunistas de credores detentores de créditos, por vezes, de valores inexpressivos. Para que o juiz imponha o plano aos credores remanescentes, a empresa deverá apresentar suas demonstrações contábeis e a lista completa de credores. Tais requisitos têm por objetivo dar maior transparência ao processo, permitindo a impugnação de credores, sobretudo daqueles que não tiverem aderido ao plano. Na hipótese do plano não vir ser homologado, o devedor poderá propor pedido de homologação de nova recuperação extrajudicial ou recuperação judicial.

Como forma de evitar a decretação de sua falência, o devedor, independentemente do valor de seu faturamento, poderá ajuizar o pedido de recuperação judicial, instituto este já tratado em outro artigo desta série. Aqui convém destacar tão somente que, no

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processo de recuperação judicial, as micros e pequenas empresas poderão optar pela apresentação de um plano de recuperação com a utilização de todos os meios de recuperação previstos na lei ou poderão propor um plano especial, mais restrito.

Trata-se de uma moratória, por meio da qual o devedor poderá pagar seus débitos em parcelas mensais corrigidas e acrescidas de juros de 12% ao ano. A proposta de pagamento deverá ser apresentada no prazo de até 60 dias após o deferimento da recuperação judicial e obrigará somente os credores quirografários. O pagamento deverá ser feito em parcelas mensais iguais e sucessivas, em um número máximo de 36 meses, sendo que o primeiro pagamento deverá ser feito no prazo máximo de 180 dias da data da distribuição da recuperação. Não há necessidade da concordância dos credores para a concessão dessa moratória.

Optando pelo plano especial de pagamento, as micro e pequena empresas ficarão dispensadas da apresentação de laudo econômico-financeiro e de avaliação de ativos, dentre outros documentos. Com isto o legislador pretendeu reduzir as despesas incorridas no processo. Convém lembrar que antes de optar pelo plano especial, o micro e pequeno empresário deverá verificar se a projeção do seu fluxo de caixa permite honrar suas obrigações nos prazos acima mencionados. Se não for este o caso, deverá o devedor optar pelo plano de recuperação comum.

O devedor poderá ter sua recuperação judicial convolada em falência nas seguintes hipóteses: quando os requisitos legais não forem preenchidos pelo devedor; quando não for apresentado o plano, no prazo de 60 dias contados do deferimento da recuperação; quando o plano for rejeitado pela maioria dos credores; ou, ainda, se ele descumprir qualquer obrigação assumida no plano durante o período de supervisão judicial.

A falência também poderá ser decretada em pedido autônomo movido pelo próprio devedor, por cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor, o inventariante, o cotista ou acionista do devedor, bem como qualquer credor. Um dos avanços da nova Lei de Falências consiste na imposição de maiores requisitos para o ajuizamento de pedidos de falência por credores, impedindo-se a utilização do pedido de falência como execução sumária. Assim, o credor deverá possuir títulos protestados em valor superior a 40 salários-mínimos para requerer a falência, permitindo-se o litisconsórcio de credores a fim de que esse limite seja alcançado. Somente créditos passíveis de habilitação na falência e com origem comprovada são aptos a embasar o pedido. Finalmente, a lei manteve, sem nenhum alteração relevante, a possibilidade do devedor ter sua falência pela prática de atos falimentares, tais como a ausência de tempestivo depósito, pagamento ou nomeação de bens em execução movida contra o devedor.

Ação revocatória na Lei de FalênciasPor Manoel Justino Bezerra Filho

A ação revocatória na Lei de Falências (artigos 52 a 58 da lei anterior e artigos 129 a 138 da nova lei) tem por fim revogar atos de alienação de bens, determinando seu retorno ao patrimônio do falido, para que sejam arrecadados na falência. Envolve aspecto importante para todos que negociaram com o falido.

No sistema da lei anterior, alguns atos podem ser desconsiderados independentemente de fraude (artigo 52); outros, para sua revogação, exigem a prova da fraude (artigo 53). A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entende que a anulação do ato depende de sentença em ação na qual tenha sido garantido o pleno exercício de ampla defesa, não podendo ser reconhecida por simples decisão interlocutória.

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Já a nova Lei de Falências cria duas situações distintas, ou seja, atos ineficazes e atos revogáveis. Os primeiros (artigo 129) podem ter a ineficácia declarada de ofício pelo juiz (parágrafo único do artigo 129), por simples decisão interlocutória. Estes atos estão todos previstos nos sete incisos do artigo 129, envolvendo pagamento de dívidas, constituição de garantias, atos gratuitos, renúncia a heranças, venda de estabelecimentos e registro de direitos reais e de transferência de imóveis; a ineficácia independe da existência da intenção das partes de fraudar credores.

Para os atos revogáveis (artigo 130), ou seja, praticados com fraude, há necessidade de regular sentença em ação de rito ordinário, provando-se o conluio fraudulento e o efetivo prejuízo sofrido pela massa falida. E este efetivo prejuízo, exigência inexistente na Lei de Falências de 1945, será um severo complicador para o êxito da ação revocatória. Até o momento, provado o ato fraudulento, o bem volta à massa falida. Na nova lei, além da fraude, é necessário provar o prejuízo, prova dificílima, se não impossível. Neste ponto, a nova lei acarreta em retrocesso, que aumenta a facilidade de acobertamento de fraudes.

Alterou-se o artigo 131 da nova lei, que excluía da possibilidade de declaração de ineficácia alguns atos praticados na recuperação extrajudicial e na judicial. Com a alteração, excluem-se apenas os atos quando se tratar de recuperação judicial. Na tendência que se percebe de dificultar a declaração de ineficácia, louve-se esta alteração, que aponta no sentido de maior rigor (ou seria menor tolerância?) com atos danosos à comunidade de credores. No entanto, o correto seria que não houvesse qualquer exclusão, pois contra a fraude o rigor deve ser absoluto.

Embora certamente não tenha sido intenção dos redatores da lei convalidar atos fraudulentos, o artigo 132 da nova lei traz grande risco de impunidade ao fixar o prazo de três anos para ajuizar ação revocatória, prazo contado a partir da sentença que decreta a falência. A identificação de atos fraudulentos é trabalho que exige acentuada dedicação e profunda pesquisa. Muitas vezes a indicação do ato fraudulento surge apenas vários anos após o decreto de falência, justamente pelo cuidado de que se cercam os fraudadores. Neste ponto, mais correta é a lei anterior, que em seu artigo 56 que estabelece o prazo de um ano, porém a contar da elaboração do quadro geral de credores e do despacho que decidir o inquérito judicial, prazo, portanto, bastante amplo. Mais ainda se torna injustificável a exigüidade deste prazo decadencial, quando se vê que o artigo 132 refere-se aos atos revogáveis por fraude (artigo 130). Para os atos previstos no artigo 129 da lei (sem fraude) não há prazo estipulado.

Disposição de admirável engenhosidade jurídica está no parágrafo 1º do artigo 136 da nova Lei de Falências, que impede ataque ao ato de cessão em prejuízo dos portadores de valores mobiliários emitidos pelo securitizador. Desta forma, a blingadem do bem imóvel é absoluta, o que estimularia os investimentos no mercado imobiliário de imóveis em construção, pois haveria garantia mesmo em caso de falência da construtora. No entanto, tal sistema de negociação é também porta aberta para a fraude, bastando ao devedor conluiar-se com o securitizador e celebrar com ele uma simulação de cessão, transferindo o crédito e nada recebendo na realidade, para futuro acerto por fora. Mais fácil ainda seria tal fraude, quando se sabe que as securitizadoras normalmente são próximas (ou mesmo dependentes) das construtoras. Anote-se, por fim, que o artigo 136 estabelece os direitos do réu da ação revocatória.

Alterações do Código Tributário NacionalPor Alcides Jorge Costa e André Fernandes

Recentemente, o Congresso Nacional aprovou dois projetos de lei, um estabelecendo novo regime falimentar - incluídos procedimentos de recuperação judicial e extrajudicial - e outro, de lei complementar, modificando o Código Tributário Nacional

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(CTN) e ajustando este à nova disciplina legal da falência. O primeiro projeto foi sancionado, com vetos, pelo presidente da República. Aguarda-se a sanção do projeto de lei complementar que altera o CTN.

Neste artigo, examinam-se as alterações do CTN, a começar pelo acréscimo de parágrafos ao seu artigo 133. O § 1º afasta a responsabilidade tributária na sucessão empresarial nas hipóteses de aquisição de fundo ou estabelecimento arrecadado no processo de falência e na de filial ou unidade produtiva isolada de vendedor em processo de recuperação judicial. Com esta medida, pretende-se evitar que as dívidas tributárias impeçam a realização do ativo e, conseqüentemente, a satisfação dos débitos, inclusive os de natureza privada, do devedor aos quais, no processo de falência, é dada maior importância em face dos créditos tributários.

Ao artigo 155-A do CTN, que cuida de parcelamento de débitos tributários, foram acrescidos dois parágrafos, um dos quais dispondo que lei específica estabelecerá as condições de parcelamento na (ou para a) recuperação judicial e o outro, que enquanto inexistente esta lei, serão aplicadas as leis gerais de parcelamento, estaduais, municipais e as federais, vedado, porém, prazo de parcelamento inferior ao da lei federal específica. Estes parágrafos suscitam dúvidas. Poderá a lei complementar determinar que Estados e municípios legislem sobre parcelamento de créditos? E se as entidades federativas não quiserem conceder o parcelamento de seus créditos? Será possível que lei complementar fixe um número mínimo de parcelas?

Conforme o artigo 174, parágrafo único, I, do CTN, em sua redação original, a prescrição interrompia-se pela citação pessoal do devedor. A lei nº 6.830/80 havia disposto que a prescrição se interrompe não pela citação, mas pelo despacho do juiz que a ordenar; a jurisprudência afastou a aplicação deste dispositivo porque lei ordinária não podia alterar o que determinava o CTN, que é materialmente lei complementar. Agora, o artigo 174, parágrafo único, I, do CTN foi alterado, tendo-lhe sido dada redação idêntica à da nº lei 6.830.

Cremos que aumenta a insegurança do contribuinte com um ato de interrupção da prescrição de que só tem conhecimento mais tarde. De resto, a nova redação vai em direção contrária às demais alíneas do mesmo parágrafo único. Nelas, a interrupção da prescrição ocorre sempre por ato de imediato conhecimento do contribuinte.

O artigo 185 do CTN presumia fraudulenta a alienação ou oneração de bens do falido por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa em fase de execução. A nova redação suprime a cláusula "em fase de execução", afastando assim as dúvidas que ela ensejava. Repete-se aqui a crítica feita à alteração do artigo 174, ou seja, amplia-se a insegurança do contribuinte.

O artigo 186 do CTN também foi alterado. De acordo com sua nova redação, o crédito tributário continua a preferir a qualquer outro, ressalvados os créditos trabalhistas, mas agora também os decorrentes de acidentes do trabalho. Abrem-se, porém, exceções a esta preferência: na falência, o crédito tributário deixa de preferir aos créditos extraconcursais ou às importâncias passíveis de restituição, bem como aos créditos com garantia real, no limite do bem gravado. Da mesma forma, a multa tributária prefere apenas aos créditos subordinados; com este dispositivo fica, porém, claro que a multa é exigível no processo falimentar.

Os artigos 187 e 188 são apenas uma adequação de seu texto à nova lei falimentar, o mesmo acontecendo com o artigo 191.

O artigo 191-A, agora acrescido ao CTN, diz que a concessão de recuperação judicial depende da apresentação da prova de quitação de todos os tributos, observado o

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disposto nos artigos 151, 205 e 206 do CTN. Aparentemente, o dispositivo criaria uma situação paradoxal: quem requer a recuperação tem fundadas razões - como as tem o juiz que a defere -- para crer que a continuação da empresa lhe proporcionará os meios para solver seus débitos, inclusive os tributários.

Mas a concessão da recuperação dependeria do pagamento dos mesmos débitos tributários, tornando assim impossível obtê-la. O nó se desfaz se se atenta para o fato de que o parcelamento suspende a exigibilidade do crédito, como dispõe o artigo 151, VI. Desfaz-se em parte, uma vez que a recuperação terá como pressuposto a obtenção de parcelamento de todos os débitos tributários, aí incluídos os estaduais e municipais. Em virtude da autonomia de que gozam, Estados e municípios não podem ser forçados a conceder parcelamentos, sendo até discutível se, em os concedendo, devem obedecer a um número de parcelas não inferior ao previsto em lei federal.

Foi ainda acrescentado ao CTN um artigo, o 185-A, que nos executivos fiscais em que o devedor não ofereça bens à penhora nem bens sejam encontrados, permite seja determinada a indisponibilidade dos bens do devedor.

Por último, o artigo 3º do projeto de lei complementar trata de assunto desvinculado da reforma falimentar. Ele diz que o artigo 168, I, do Código Tributário deve ser interpretado como se a extinção do crédito tributário ocorresse nos tributos sujeitos a lançamento por homologação, no momento do pagamento antecipado.

O objetivo é evidente: pretende-se solucionar dúvida jurisprudencial sobre o prazo de prescrição da ação de repetição de tributos sujeitos a lançamento por homologação. Como a norma é expressamente interpretativa, ela terá aplicação aos fatos geradores já ocorridos e aos processos em curso.

Restituição de créditos na nova Lei de FalênciasPor Luiz Augusto de Souza Queiroz Ferraz

Quanto à restituição não se prevê na recuperação judicial, ao contrário do que ocorre na concordata, cabendo ao credor não sujeito aos seus efeitos, utilizar-se dos recursos previstos no Código de Processo Civil, no artigo 75, da Lei n º4.728 de julho de 1965, e demais leis específicas na defesa de seus direitos. Assim, a restituição só será admitida na falência, conforme artigos 85 a 93 da nova lei, nas hipóteses lá previstas. Todavia, no tema uma grande inovação: o parágrafo único, do artigo 86, pois a restituição em dinheiro só se viabilizará após o pagamento dos créditos trabalhistas de natureza estritamente salarial, vencidos nos três meses anteriores à decretação da quebra, até o valor de cinco salários-mínimos por trabalhador, que serão pagos de imediato havendo dinheiro em caixa, como previsto no artigo 151.

Pode-se imaginar, assim, que certamente um credor com direito à restituição em dinheiro, opte por pagar o valor de cinco salários-mínimos por trabalhador, para receber a sua restituição em dinheiro imediatamente, de uma importância muito mais elevada, portanto, compensando o "sacrifício". Porém, sujeitando-se a eventual rateio ou compensação futura com os demais credores pela diferença antecipada aos credores trabalhistas. Sem dúvida uma novidade.

Por sua vez, a classificação dos créditos na falência, sofreu alterações relevantes, pois sua preferência foi modificada em relação a atual Lei de Falências, no tocante aos créditos trabalhistas, fiscais e privilegiados, que agora são assim classificados, segundo o artigo 83, da nova lei: primeiro trabalhistas (mas somente até 150 salários-mínimos -o saldo é considerado quirografário - letra c, inciso VI, do art. 83); 2º créditos com garantia real (neste ponto atendendo aos reclamos do sistema bancário, com a "promessa" na redução dos "spreads"- II, do art. 83); 3º créditos tributários - inciso III, do artigo 83 (mas sem as multas, agora consideradas quirografárias - inciso VII, do art.

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83) e em seguida os com privilégio, especial, geral, quirografários e subordinados. Sem dúvida alterações de relevo.

Anote-se que os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão classificados como quirografários, para desespero de alguns "pescadores de águas turvas" - § 4º, inciso VIII, do artigo 83. Ademais instituiram-se duas novas categorias: créditos extraconcursais, que serão pagos antes dos acima mencionados: remuneração do administrador judicial e seus auxiliares, obrigações trabalhistas e acidentárias, por serviços prestados depois da decretação da quebra, quantias fornecidas à massa pelos credores, despesas com arrecadação, custas judiciais e obrigações por atos jurídicos válidos, quer os praticados durante a recuperação judicial, transformada em falência, ou mesmo após a decretação. Ainda, quem tornar-se credor durante a fase de recuperação (fornecimentos de matéria prima, constituição de mútuos etc), também será extraconcursal com privilégio geral, como previsto no artigo 67, § único. E por último, os credores subordinados: créditos dos sócios e administradores, sem vínculo empregatício, suscitando dúvidas com o conceito de extraconcursais deste artigo, pois desestimularia o empresário a financiar a sua própria recuperação judicial, porque se decretada a quebra, seu crédito seria classificado como subordinado. Entendemos que a leitura será a seguinte: se a falência não tiver sua origem em anterior recuperação judicial ou mesmo extra judicial seu crédito será subordinado, mas na hipótese contrária, ninguém melhor do que o próprio devedor para conhecer o seu negócio, e se para salvá-lo com boa-fé aportar numerário, merece a classificação de extraconcursal. O contrário seria um verdadeiro paradoxo em desfavor da recuperação da empresa, sem dúvida o princípio filosófico que a motivou. É óbvio. Estas as resumidas considerações sobre os temas abordados.

Aspectos do plano de recuperação judicialRicardo Tepedino

A situação de crise econômico-financeira é o estado patológico da empresa. A recuperação judicial ou extrajudicial é o meio pelo qual se administra o remédio, que é justamente o plano de recuperação. Nele consiste o tratamento com o qual se espera alcançar a cura da doença. A nova lei não trouxe, no que concerne às modalidades de planos à disposição da empresa em crise nenhuma novidade. E nem poderia: essas estruturas decorrem menos de concepções "bacharelescas" do que das necessidades empresariais. O jurista dá forma ao plano, mas as necessidades da empresa lhe ditam a essência. Assim, a nova Lei, no seu artigo 50, limita-se a oferecer exemplos de medidas que podem ser empregadas na concepção de um projeto de recuperação, sem pôr limites à imaginação, costumeiramente fértil diante das exigências do caso concreto. E os meios cogitados no texto legal, numa relação de cunho didático, são aqueles praticados há muito tempo em todo o mundo. Inclusive no Brasil, apesar das dificuldades decorrentes da falta de uma legislação moderna, a qual permita a dominação das indefectíveis minorias que, por esperteza ou teimosia, sempre se mostram refratárias à reestruturação proposta, seja ela qual for.

Eis aí o formidável mérito da nova ordem legal: como já se faz em tantos países, dar à empresa em crise uma via legal para discutir um projeto para o seu salvamento, fundindo a vontade da maioria dos credores, a qual se imporá à minoria, que, assim, perderá poderoso instrumento de pressão (por vezes de chantagem) sobre o devedor e demais credores. Acertou também o Congresso quando, desviando-se das primeiras versões do projeto, que atribuía ao juiz o poder de decidir acerca do plano proposto, conferiu à assembléia de credores a competência para deliberar sobre ele. As vantagens são evidentes: ao contrário dos credores, um magistrado não costuma ter intimidade com "business plans", o que faz dele um péssimo árbitro sobre a viabilidade do projeto.

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Embora sem nenhum critério científico, é possível dividir os planos de recuperação em duas grandes espécies: aqueles a empresa permanece sob controle dos mesmos empresários, e os que dependem do ingresso de um novo controlador - o que, ao cabo das contas, significa venda do negócio. A primeira hipótese é menos encontradiça na prática: normalmente se faz necessário algum dinheiro novo, e nem sempre o acionista quer ou pode arriscar mais recursos, para não falar no compreensível desgaste dele perante a comunidade de credores. Aliás, pensando nisso a nova Lei prevê possam os credores impor a substituição dos administradores, numa autêntica intervenção.

Com ou sem novo controlador, todas as estruturas se tecem a partir dos mesmos esquemas previstos no artigo 50, adiante referidos: reestrutura-se o endividamento, mediante a alteração de suas condições, inclusive com a concessão de deságios (o hair cut). Se houver dinheiro novo para reforço de capital de giro ou mesmo para amortização da dívida, entrará ele através do aumento de capital ou da venda de parte dos ativos, sem prejuízo da infreqüente concessão de novos financiamentos pelos credores. A conversão de dívida em capital da sociedade devedora (ou capitalização dos créditos) não costuma ocorrer como uma solução final (geralmente os credores, especialmente bancários, não querem se tornar acionistas), mas sim como uma ponte para a venda da companhia a terceiro.

De regra, a reestruturação societária acompanha a dos passivos. Dentre as operações, há uma de presença quase obrigatória, embora não prevista na Lei das S.A: aquela que ficou conhecida como "drop down". Consiste na criação de uma subsidiária, para a qual se verte o próprio estabelecimento comercial. Desse modo, a subsidiária passa a contar com bens corpóreos e incorpóreos de sua acionista, pondo-os a serviço da atividade empresarial antes desenvolvida através dela, agora isolada do passivo que a sufocava, o qual remanesce com essa última, mas garantido pelas ações ou quotas do capital da primeira. As vantagens dessa operação são muito evidentes: não correndo o risco de falência, mas apenas o de pertencer a uma sociedade falida, melhor se haverá nos negócios, assim como mais facilitada ficará a venda da unidade produtiva, se for esse o caso.

A assembléia geral de credores na nova leiPor Rachel Sztajn

A aprovação da nova disciplina referente às empresas em crise - a nova Lei de Falências - constitui ponto de inflexão no trato da questão, na esteira das legislações européias recentes em que se visa preservar o negócio ao invés de liquidá-lo. Todavia, para garantir a continuidade da atividade econômica impõe-se tanto a avaliação da viabilidade econômica do negócio quanto sua aprovação pelos credores, interessados que são em receber seus créditos, seja mediante a concessão de prazo de pagamento, pelo abatimento do valor da dívida ou em virtude do rateio resultante da venda de ativos.

É certo que a nova lei altera os modelos de solução da crise da empresa vigentes no país, em que credores têm pouca - se alguma - participação no procedimento judicial, quer quanto à concordata quer quanto à decretação da falência. Não que se retorne à situação anterior à entrada em vigor do Decreto-lei nº 7.661/1945, em que credores aprovariam, ou não, a concessão de prazo para pagamento das obrigações do comerciante no caso de iliquidez. O sistema ora proposto é outro e, supõe-se, mais eficiente.

Quanto à assembléia geral de credores - o colegiado integrado por todas as classes de interesses afetados pela crise da empresa -, observa-se que a democratização da deliberação não implica votos por cabeça. A importância da assembléia está em que reúne pessoas que, embora tenham interesses individuais que podem ser diversos,

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têm, também, interesse comum - o recebimento de créditos que, dependendo do plano de recuperação da empresa, poderão ser integralmente pagos se for viável a continuidade da empresa. Esta a decisão básica que compete à assembléia de credores.

A nova lei prevê que, se houver plano de recuperação do negócio aprovado por maioria dos credores, a atividade deve ser preservada. A inviabilidade da continuidade das atividades é, desde logo, motivo para a liquidação da empresa. O período de agonia da empresa em crise, que se espraia sobre os credores, deixa de existir.

Cabe indagar porque, no que diz respeito a manter as atividades, se abandonar o sistema de favor legal, como na concordata ou no caso do artigo 79 do Decreto-lei nº 7661/1945, passando a decisão, em larga medida, para credores.

Empresa é negócio econômico desenvolvido em mercados e, por isso, vários são os centros de interesse envolvidos. O titular da empresa é o mais evidente, conquanto não se possa desprezar os interesses dos trabalhadores, de credores, consumidores dos produtos e/ou serviços ofertados e do fisco ou da sociedade em geral. Por isso que a continuidade da empresa deve ser analisada sob a ótica econômica. Daí que se pense na assembléia de credores como o foro em que seja debatida a viabilidade econômica da empresa, o interesse em mantê-la, desmembrá-la ou simplesmente liquidá-la.

A quem considere que o interesse social deve preponderar nessa avaliação, lembra-se a irrazoabilidade de se impor aos particulares riscos econômicos extraordinários, assim como inadequado transferir aos particulares o interesse social, no sentido de interesse público, uma vez que este é atribuição do Estado. Não convém estimular ou manter atividades econômicas inviáveis porque o custo social que recai sobre a sociedade beneficia alguns poucos.

A disciplina da preservação da atividade econômica das empresas em crise dá à assembléia geral de credores fundamental papel, porque cabe a ela a escolha entre manter ou não o negócio, e em que condições operacionais, se mantido. O sistema assemblear, bem conhecido de todos porque usual na tomada de decisões quando mais de duas pessoas devem manifestar-se, e a regra da maioria, tanto por cabeça quanto por outro critério, prescinde do consenso para impor-se a todos. Quando se trata de questões econômicas, em geral o critério de formação da maioria está ligado ao interesse patrimonial em questão.

A solução da nova lei é dada pela classe de credores. Vale dizer, se duas das três classes de credores, por maioria, aprovarem o plano, e uma delas o aprovar por mais de um terço dos credores, desde que, no total, haja aprovação de mais de metade dos créditos, o juiz poderá aprovar o plano. Retoma-se o critério patrimonial para cômputo das maiorias.

A assembléia deliberará validamente desde que presentes, em primeira convocação, credores titulares de mais da metade dos créditos computados pelo valor. Em segunda convocação com qualquer número. Esta segunda convocação, entretanto, nem sempre poderá ineficazmente deliberar por conta do quórum de aprovação mínimo se houver discordância de uma das classes de credores presentes, sem considerar o fato de que a supressão de direitos exige aceitação da maioria dos afetados. Dado que nas deliberações de interesse exclusivo de cada classe somente seus membros poderão votar, quanto maior o porcentual de créditos presentes à reunião mais representativa dos interesses da maioria será a deliberação tomada.

O legislador foi prudente quando excluiu da formação da maioria certos credores, partes relacionadas ao devedor, supondo conflito de interesses, o que dá maior

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legitimidade às deliberações. Assim, a assembléia geral de credores, além de ser foro de discussão, auxilia o juiz na apreciação dos interesses de pessoas que têm pretensões creditícias exercitáveis contra o empresário em crise.

Críticas à disciplina da assembléia geral de credores não invalidam o esforço legislativo no sentido de se preservar empresas economicamente viáveis mediante o envolvimento dos credores no processo. Aperfeiçoamentos à lei poderão ocorrer se ficar demonstrado haver comportamentos oportunistas que venham a prejudicar o escopo da reforma - a preservação da atividade econômica. Apenas não se deve impor à comunidade o ônus de suportar negócios inviáveis.

Poder de decisão e voto decisivo na assembléia geral de credoresPor Luis Cláudio Montoro Mendes e Felipe Ribeiro da Luz Camara

A intenção do legislador em proteger a classe dos empregados, quando da elaboração da nova Lei de Falências, pode ter dificultado o acesso das empresas à recuperação judicial. Isso porque a empresa em dificuldades que ajuizar seu pedido de recuperação judicial terá que obter a aprovação dos termos de seu plano de recuperação de todos os seus credores, os quais, conforme a nova lei, estarão divididos em três classes distintas, a saber: a classe dos credores quirografários e com privilégios gerais; a dos credores com direitos reais de garantia ou privilégios especiais; e, finalmente, a classe dos credores trabalhistas.

Conforme estes dispositivos da nova Lei de Falências, a classe dos credores trabalhistas foi privilegiada, tendo sido a ela resguardado o poder da decisão quando da recuperação judicial, tanto pela classe figurar como a primeira em preferência na ordem de recebimento dos créditos na falência como por meio da contagem de votos que, nesta classe, se faz apenas por cabeça.

Mesmo que a empresa em recuperação judicial seja obrigada a pagar a seus empregados, no prazo máximo de 30 dias da aprovação do plano, os valores devidos de natureza salarial e que tenham vencido nos três meses anteriores ao ingresso do pedido, até o limite de cinco salários-mínimos, acabam restando outros créditos que fornecerão a esses credores trabalhistas grande força em uma assembléia geral de credores.

Ademais, não haverá empresa que arrisque ingressar em uma assembléia de credores com uma proposta que venha a postergar o pagamento dos créditos trabalhistas, até o limite legal de um ano, sob pena de desagradar a classe mais poderosa de seus credores, que não se furtarão em votar contrariamente à aprovação do plano de recuperação, voto que será contado por cabeça, portanto não influindo o montante e nem a relevância dos créditos.

Se o voto por cabeça sobreveio da intenção original de resguardar os próprios integrantes da classe trabalhista, evitando que aqueles que detivessem créditos maiores viessem a prejudicar os demais, esta previsão acabará por criar disparidades dentro da própria classe, acarretando na possibilidade de veto dos planos de recuperação que não sejam profundamente benéficos aos interesses individuais dos titulares destes créditos, pois os mesmos pouco têm a perder com o naufrágio do plano, dado que serão os primeiros a receber na eventual falência da empresa.

Ainda que queiram manter seus empregos, pelo fato de a aprovação do plano de reorganização implicar necessariamente na novação dos créditos, os detentores de créditos trabalhistas podem não se sentir adequadamente incentivados a aprovar um plano, ainda que benéfico, por receio de ficarem para trás em uma eventual liquidação.

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Mesmo que o texto da nova Lei de Falências limite o valor da preferência a 150 salários-mínimos, uma empresa que possua muitos empregados ou que tenha uma pequena reserva quando do ingresso do pedido de recuperação judicial deverá ponderar com muito cuidado tal questão, para não ser surpreendida ao final do processo.

A alternativa trazida pela nova lei é um formato assemelhado e mais simplificado do instituto do "cram-down" previsto no Chapter 11 da Lei de Falências americana - que trata da reorganização da empresas -, onde o juiz pode aprovar o plano mesmo que este não conte com o quórum necessário para tanto. No formato estrangeiro, tendo a empresa cumprido outras condições além das normais, deve-se observar um percentual mínimo de aprovações de participantes e valores.

Em nosso sistema, o juiz deverá observar alguns requisitos de forma cumulativa, sendo eles: o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos de credores presentes à assembléia, independente de classes; a aprovação de duas das classes de credores ou, caso haja somente duas classes, a aprovação de uma delas; e o voto favorável de mais de um terço dos credores da classe que rejeitou o plano de recuperação.

Ocorre que este modelo também não salvaguarda perfeitamente as pretensões da empresa em crise, pois ela terá que contar com a sorte de possuir ao menos o quórum mínimo para que se possibilite a aprovação pelo juiz e convencer este último das suas condições de recuperação para que o plano seja aprovado. Assim, sem que haja alarde ou que a maioria perceba, a nova Lei de Falências presenteia os credores trabalhistas com o poder do voto decisivo.

Crime falimentar na nova Lei de FalênciasRoberto Podval e Paula Kahan Mandel Hakim

A nova Lei de Falências parece ter dado pouca importância ao seu aspecto penal. Se as leis são o retrato da sociedade e esta clama por penas mais duras, na esperança de encontrar seu apaziguamento, caímos na armadilha exposta por Oscar Wilde: "A forma e crítica mais elevada, como a mais baixa, é um gênero de autobiografia. (...) A arte reflete o espectador e não a vida." (WILDE, Oscar, O Retrato de Dorian Gray, SP: Martin Claret, 2004, prefácio do autor, página 13).

A nova lei falimentar, em gestação no Congresso Nacional por mais de dez anos, visava corrigir e atualizar o Decreto-lei nº 7.661, de 1945, mas acabou por criar uma desproporcionalidade entre condutas e sanções, e entre suas disposições e o sistema penal brasileiro como um todo. Analisemos o artigo 168 da nova lei, que tipifica a conduta "fraude a credores" nas modalidades ali descritas. A pena cominada da lei é de três a seis anos de reclusão, possibilitando ainda aumento de um sexto a um terço nas hipóteses narradas.

Interessante analisar a desproporcionalidade da pena do caput em relação a outros crimes descritos no Código Penal. A título de exemplo, a lesão corporal grave é punida com um a cinco anos de reclusão no código, isso nos casos em que suas conseqüências resultam, dentre outros, debilidade permanente de membro, sentido ou função. Como se vê, continuamos tratando desproporcionalmente os bens jurídicos, valorando mais o patrimônio do que a integridade física e até a vida.

Entendeu-se também por punir de forma mais gravosa os crimes falimentares do que o estelionato e outras fraudes. A impressão que se tem é que determinaram as penas não em função da reprovabilidade das condutas, mas para fugir dos benefícios que poderiam ser aplicados em se tratando dos juizados especiais criminais. Via de regra, os atos supostamente criminosos praticados no âmbito falimentar não trazem

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periculosidade, sendo a esfera das mais adequadas para a aplicação da chamada Justiça consensual.

Outro exemplo de desarrazoada desproporcionalidade pode ser encontrado no artigo 177, cuja conduta "violação de impedimento" tem pena de dois a quatro anos de reclusão. É crime próprio, dirigido a juízes, representantes do Ministério Público, gestores e administradores judiciais, peritos, avaliadores, escrivães, oficiais de Justiça, enfim, a funcionários públicos no sentido estrito, ou aos agentes que exercem funções que lhes possibilite ser considerados como tais nos termos do artigo 327 do Código Penal.

Justamente por tutelar, além das relações do comércio e do patrimônio, a administração pública, esta conduta teria justificativa para uma incriminação mais rígida que as demais. Ao contrário do falido, os agentes mencionados são dotados de uma expectativa de postura muito mais severa. O dever de moralidade é inerente aos mesmos, diferentemente do que ocorre com o particular. Este último tem o dever de respeitar a lei e, em não o fazendo, deve sofrer as sanções legais. Já o funcionário público tem uma prévia expectativa de moralidade que não lhe pode ser subtraída.

A conduta tipificada no artigo 178 - "omissão dos documentos contábeis obrigatórios" - é curiosa. O legislador visa punir, em um mesmo crime, a ausência de elaboração, escrituração e autenticação de documentos de escrituração obrigatórios (vale dizer, livro diário e livro registro de duplicatas, para as atividades que demandem a emissão desses títulos).

Desde a década de 40 juristas e magistrados se voltaram contra a criminalização de "administrativismos" da lavra do artigo 186 do Decreto-lei 7.661/45 (deixar de levar os balanços à rubrica judicial). E qual não é a surpresa ao vermos a incriminação repetida na nova lei. É de se notar que continuamos carregando o peso da burocracia de nossos descobridores. Já passou da hora de abrandarmos essas regras que em nada contribuem para a seriedade das relações comerciais. Nos atreveríamos a dizer que o excesso de burocracia não só não contribui como atrapalha nosso desenvolvimento.

Tratou-se, portanto, com desdém a seara mais importante, já que pode levar indivíduos ao encarceramento. Salutar seria que um grupo de juristas especializados na área de direito penal falimentar fosse chamado para trabalhar tais aspectos nessa nova Lei de Falências. Já que tanto tardou, esperava-se que não falhasse.

Se o intuito do legislador era imprimir uma evolução com a nova Lei de Falências, adaptando a incriminação à atualidade e, conseqüentemente, afastando da incidência do direito penal as condutas meramente administrativas, tudo o que a sociedade ganhou foi uma legislação com redação gramatical mais moderna, mas ainda defeituosa. O retrato de nossas imperfeições!