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1 O FENÔMENO BULLYING 1 EM TEMPOS DE JUDICIALIZAÇÃO 2 DOS CONFLITOS ESCOLARES 3 NA VISÃO DE EDUCADORES EM RORAIMA 4 Lourival Novais Néto (UFRR) 5 [email protected] 6 Juliane Dominoni Gomes de Oliveira (UFRR) 7 8 RESUMO 9 Com intuito de apreender a judicialização do bullying escolar, buscou-se verificar 10 como educadores de escolas estaduais de Boa Vista, capital do estado de Roraima, 11 compreendem o fenômeno bullying. A metodologia de pesquisa foi qualitativa, utili- 12 zou-se como instrumento de levantamento de dados a entrevista semiestruturada, sen- 13 do os dados analisados pelo conteúdo. Foram relatadas concepções dispares sobre o 14 bullying, desde a generalização do fenômeno como violência escolar até a sua restrição 15 como violência psíquica. Verificou-se que a mídia foi a principal referência dos entre- 16 vistados na conceituação do fenômeno. Identificou-se que os educadores percebem na 17 Justiça a autoridade que afirmam ter perdido, considerando-a como aliada na pre- 18 venção e resolução de conflitos entre alunos. Conclui-se que a judicialização do bul- 19 lying pode está sendo favorecida pelo desconhecimento dos educadores sobre o fenô- 20 meno, assim como, pela sensação de falta de autoridade sentida pelos profissionais. 21 Palavras-chave: Boa Vista. Bullying. Escola. Educadores. Judicialização. 22 23 1. Introdução 24 Entre 2009 e 2013, foram propostos ao Congresso Nacional 30 25 projetos de Lei Federal sobre bullying, sendo 22 apresentados em 2011, 26 ano marcado pelo caso Massacre de Realengo, o qual foi noticiado insis- 27 tentemente pela mídia. Os documentos legislativos, propõem, dentre ou- 28 tras questões, implementar nas escolas e na sociedade uma denominada 29 política antibullying, sendo que alguns, pretendem criminalizar o fenô- 30 meno. Um exemplo é o projeto proposto, em 2013, pelo senador Clésio 31 Andrade que visa alterar o Código Penal, para tipificar o crime de prática 32 do bullying virtual. Inclusive o projeto de lei do Novo Código Penal bra- 33 sileiro já inclui o bullying como crime, sendo que, neste o fenômeno está 34 sendo nominado como intimidação vexatória. 35 Como afirma (ARANTES, 2012) quando um fato é intensamente 36 apresentado pela mídia há uma tendência brasileira de produção de legis- 37 lações para responder imediatamente problemas da ordem social. No en- 38

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O FENÔMENO BULLYING 1 EM TEMPOS DE JUDICIALIZAÇÃO 2

DOS CONFLITOS ESCOLARES 3 NA VISÃO DE EDUCADORES EM RORAIMA 4

Lourival Novais Néto (UFRR) 5 [email protected] 6

Juliane Dominoni Gomes de Oliveira (UFRR) 7

8

RESUMO 9

Com intuito de apreender a judicialização do bullying escolar, buscou-se verificar 10 como educadores de escolas estaduais de Boa Vista, capital do estado de Roraima, 11 compreendem o fenômeno bullying. A metodologia de pesquisa foi qualitativa, utili-12 zou-se como instrumento de levantamento de dados a entrevista semiestruturada, sen-13 do os dados analisados pelo conteúdo. Foram relatadas concepções dispares sobre o 14 bullying, desde a generalização do fenômeno como violência escolar até a sua restrição 15 como violência psíquica. Verificou-se que a mídia foi a principal referência dos entre-16 vistados na conceituação do fenômeno. Identificou-se que os educadores percebem na 17 Justiça a autoridade que afirmam ter perdido, considerando-a como aliada na pre-18 venção e resolução de conflitos entre alunos. Conclui-se que a judicialização do bul-19 lying pode está sendo favorecida pelo desconhecimento dos educadores sobre o fenô-20 meno, assim como, pela sensação de falta de autoridade sentida pelos profissionais. 21

Palavras-chave: Boa Vista. Bullying. Escola. Educadores. Judicialização. 22

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1. Introdução 24

Entre 2009 e 2013, foram propostos ao Congresso Nacional 30 25 projetos de Lei Federal sobre bullying, sendo 22 apresentados em 2011, 26 ano marcado pelo caso Massacre de Realengo, o qual foi noticiado insis-27 tentemente pela mídia. Os documentos legislativos, propõem, dentre ou-28 tras questões, implementar nas escolas e na sociedade uma denominada 29 política antibullying, sendo que alguns, pretendem criminalizar o fenô-30 meno. Um exemplo é o projeto proposto, em 2013, pelo senador Clésio 31 Andrade que visa alterar o Código Penal, para tipificar o crime de prática 32 do bullying virtual. Inclusive o projeto de lei do Novo Código Penal bra-33 sileiro já inclui o bullying como crime, sendo que, neste o fenômeno está 34 sendo nominado como intimidação vexatória. 35

Como afirma (ARANTES, 2012) quando um fato é intensamente 36 apresentado pela mídia há uma tendência brasileira de produção de legis-37 lações para responder imediatamente problemas da ordem social. No en-38

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tanto, comumente, a mídia apresenta o conceito de forma variada e, ge-1 ralmente, diversa da definição determinada originalmente por Olweus na 2 década de 1990. Além da diversidade de definições do bullying, o que é 3 mais preocupante, é que o termo é divulgado como sinônimo de violên-4 cia escolar, como se o conceito tivesse a capacidade de abranger todo e 5 qualquer tipo de violência perpetrada no espaço educacional (OLIVEI-6 RA, 2013). 7

Charlot (2002) esclarece sobre a imprescindível e laboriosa dife-8 renciação dos conceitos, no que tange a violência escolar. Tal como ar-9 gumenta o autor, “É preciso, inicialmente, distinguir a violência na esco-10 la, a violência à escola e a violência da escola” (2002, p. 434). O primei-11 ro tipo seria a ocorrência de violência entre os sujeitos no contexto esco-12 lar, não estando relacionada às atividades típicas deste estabelecimento; o 13 segundo pode ser definido como ações contra o patrimônio ou as pessoas 14 que representam a escola; e, finalmente, o terceiro remete a “violência 15 institucional, simbólica” (p. 435), ou seja, a violência entre os sujeitos, 16 que está envolvida com ações inerentes a instituição escolar. 17

Olweus e Limber (2010) afirmam que nos EUA a ênfase na temá-18 tica também foi favorecida pela ocorrência de uma tragédia escolar, na 19 Columbine High School em 1999. Esse acontecimento, de acordo com os 20 pesquisadores, motivou a elaboração de legislações específicas, pois até 21 1999 não existiam leis estaduais sobre o fenômeno, mas após três anos 22 eram 15 e em 2010 já somavam 41. No entanto, pesquisa realizada pelo 23 Departamento de Educação e o Programa de Estudos de Política e Servi-24 ço dos EUA verificou que entre 1999 e 2010 foram sancionadas 120 leis 25 estaduais sobre bullying escolar nos EUA (STUART-CASSEL, BELL, & 26 SPRINGER, 2011). 27

Além dos projetos de leis, há jurisprudências sobre bullying esco-28 lar, em vários estados brasileiros, por exemplo Minas Gerais, São Paulo, 29 Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul. Jurisprudência constitui-se no “en-30 tendimento de um Tribunal firmado em sucessivas decisões sobre casos e 31 relações jurídicas similares. Tais decisões são conhecidas, após sua pu-32 blicação. A jurisprudência será pacífica, portanto, quando uniforme e re-33 petida em tais relações” (Supremo Tribunal Federal). 34

As jurisprudências de bullying escolar diversificam em seu conte-35 údo, indo desde alegação da inconstitucionalidade de lei municipal sobre 36 bullying até a solicitação de transferência de aluno de escola pública, por 37 ele ter sido vitima de bullying. No entanto, em geral, as ações que consti-38

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tuem as jurisprudências fazem referência a indenização, que deve ser pa-1 ga pelas instituições de ensino, por danos morais causados, à vítima de 2 bullying (Oliveira, 2013). 3

Sendo assim, mais do que propostas legislativas, há denúncias e 4 sentenças sobre o assunto em voga e, nota-se, que a instituição escola es-5 tá sendo responsabilizada judicialmente pela violência de bullying ocor-6 rida em seu ambiente. Nesse sentido, o que os projetos legislativos e as 7 jurisprudências estão indicando é a ocorrência da judicialização do fe-8 nômeno(Oliveira, 2013). 9

Segundo Chrispino e Chrispino (2008), há duas possibilidades pa-10 ra explicar o ingresso da judicialização no contexto escolar, sendo que 11 ambas referem-se a dificuldades dos sujeitos envolvidos no ambiente 12 educacional, ou seja, esses ou não identificam os problemas ou não con-13 seguem achar recursos para resolver os dilemas escolares. Os autores en-14 tendem que não cabe ao Judiciário identificar ou solucionar as questões 15 que caracterizam a educação, o ensino e as relações escolares, pois con-16 sideram que os protagonistas do processo deveriam ser os professores e 17 os gestores educacionais de todos os níveis, tendo como aliados, as famí-18 lias e os alunos. 19

Tomando como base a afirmação de Chrispino e Chrispino, 20 (2008), de que: 21

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se o processo de judicialização alcançou as relações es-23 colares é porque os atores envolvidos não foram capazes 24 de (1) perceber os problemas específicos que surgiam 25 no seu espaço de domínio ou (2) de encontrar soluções 26 para os problemas que se mantêm no espaço escolar. (p. 27 26) 28

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foi desenvolvida investigação, com objetivo de identificar como os coor-30 denadores pedagógicos e orientadores educacionais da 5ª a 8ª série das 31 escolas estaduais de Boa Vista – Roraima (RR) compreendem o fenôme-32 no bullying. Haja visto, que são encaminhados para esses profissionais os 33 conflitos ocorridos no contexto escolar e que, pelo menos num primeiro 34 momento, é a partir da perspectiva deles que se dará a resolução dos con-35 flitos. 36

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Investigação implementada nas cinco regiões do país identificou 1 que até 2009 o termo bullying era desconhecido pelos educadores, técni-2 cos, gestores, alunos e pais brasileiros (Centro de Empreendedorismo 3 Social e Administração em Terceiro Setor – CEATS, 2010). Devido à 4 evidência do fenômeno bullying na mídia, percebe-se que hoje, o termo é 5 conhecido por grande parte dos profissionais, pais e crian-6 ças/adolescentes brasileiros. No entanto, a investigação empreendida nas 7 escolas de Boa Vista/RR, em 2011, demostrou que o mesmo não ocorre 8 com a compreensão do conceito. Acredita-se que o desconhecimento po-9 de está contribuindo para a judicialização do fenômeno. 10

Inclusive, na referida pesquisa, foi possível perceber que as subje-11 tividades e as opiniões que estão sendo formadas pelas mídia, em vez de 12 contribuírem para o entendimento e adequada intervenção do fenômeno, 13 estão favorecendo ao (des)esclarecimento da população e dos educadores 14 (Oliveira, 2013). 15

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2. Violência escolar 17

Afirmou Debarbieux (2001), que apesar das diversas pesquisas 18 desenvolvidas, a definição do que seria violência neste contexto também 19 permanece em discussão. Há autores que preferem uma conceituação 20 mais limitada e outros que estimam por uma explicação mais ampla. 21 Sendo assim, cita Bonnafé-Schmitt (1997) que adverte sobre a inflação 22 do termo violência, ou seja, a inclusão na definição do fenômeno das 23 agressões físicas, do racket e das incivilidades, considerando que essa 24 ampliação pode levar a confusões léxicas e semânticas. 25

Debarbieux(2001)prefere discorrer sobre a definição da violência 26 escolar a partir do método indicado por Chamboredon (1972) na obra A 27 delinquência juvenil, tentativa de construção do objeto. De acordo com 28 Debarbieux e Chamboredon não desenvolvem um conceito sobre delin-29 quência juvenil, mas apresenta, de forma contrária, como os fatos sociais 30 delinquência e os delinquentes são construídos, num processo de cons-31 trução/ desconstrução/reconstrução do fenômeno. Indica que o autor pos-32 sui uma perspectiva epistemológica que pode ser baseada nas reflexões 33 prática da linguagem, a qual nega a visão de ciência que acredita revelar 34 a verdade do mundo e das coisas. 35

Segundo Debarbieux (2001),a definição de violência na escola só 36 é possível a partir da demonstração de como ela é construída socialmen-37

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te, onde o campo semântico se expande até se constituir numa represen-1 tação social central. 2

De acordo com Charlot (2002), os profissionais da educação e a 3 mídia discorrem sobre a temática violência na escola como um aconteci-4 mento que teria surgido na década de 1980. No entanto, o autor afirma 5 que no século XIX ocorreram explosões violentas em algumas escolas 6 francesas. Inclusive, considera que as relações entre os alunos, nas déca-7 das de 1950 e 1960 não poderiam ser consideradas civilizadas. Logo, o 8 que Charlot tenta esclarecer é que a violência nos estabelecimentos de 9 ensino assumem, atualmente, novas formas, que podem estar sendo pro-10 vocadas por quatro fatores. 11

Primeiramente, o que acontece na atualidade é uma “angústia so-12 cial” frente a violência no contexto escolar, provocada pelo aumento das 13 agressões aos docentes e pela ocorrência de formas de violência demasi-14 adamente graves, se comparada as décadas anteriores, tais como: assassi-15 natos, estupros e agressões com uso de armas. Atos, que ainda são ocasi-16 onais, mas que dão a sensação de que não há mais limites e que daqui por 17 diante tudo é possível (Charlot, 2002). 18

Segundo, percebe-se que os sujeitos envolvidos nos atos de vio-19 lência são cada vez mais jovens, porém cometem atos que podem ser 20 equiparados aos dos adultos. Cabe neste momento resgatar o fenômeno 21 que Postman (1999) chamou de “desaparecimento da infância” enten-22 dendo que, na contemporaneidade, ao mesmo tempo em que existe uma 23 série de estudos e direitos garantidos por leis à criança e ao adolescente, 24 está ocorrendo uma fragmentação da linha divisória entre adultos e crian-25 ças. 26

O terceiro fator apontado por Charlot (2002) seria a interferência 27 de sujeitos externos na escola. Geralmente, grupos, gangs e/ou até fami-28 liares tentam dirimir no ambiente educacional conflitos iniciados no bair-29 ro, nos quais entendem que o aluno sofreu alguma injustiça por parte de 30 qualquer integrante da escola. 31

Finalmente, o quarto elemento indicado pelo autor é uma sequên-32 cia de pequenas ocorrências diárias de incivilidades direcionadas aos ges-33 tores, professores ou funcionários, cuja a acumulação provoca certa ansi-34 edade na equipe educacional e nos alunos. “O símbolo desse sobressalto 35 é o disparo frequente das sirenes de incêndio, várias vezes ao dia” (Char-36 lot, 2002, p. 433). 37

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Na visão do autor, a angústia social provocada por esses aconte-1 cimentos está se desenvolvendo numa curva ascendente, tanto quanto os 2 índices de violências graves, independente das intervenções realizadas 3 durante as últimas décadas. A percepção é de que a violência escolar es-4 taria passando de acidental para estrutural. No entanto, é necessário estar 5 alerta, pois a referida angústia acaba por provocar discursos sociais e mi-6 diáticos que, geralmente, confundem e misturam fenômenos de origem 7 diferentes (Charlot, 2002). 8

Charlot (2002) afirma que é complexa a tarefa de diferenciar os 9 fenômenos específicos das violências empreendidas nos estabelecimen-10 tos educacionais. Esclarece, ainda, que o desafio para a instituição escola, 11 não é erradicar a agressividade e o conflito, mas sim saber gerenciá-los 12 pelo uso da palavra e não da violência, tendo em conta que a violência 13 tende a aumentar quando se diminui o uso da palavra. Logo, a violência 14 no contexto escolar não pode ser pensada apenas nas relações entre alu-15 nos “o que está em jogo é também a capacidade de a escola e seus agen-16 tes suportarem e gerarem situações conflituosas, sem esmagar os alunos 17 sob o peso da violência institucional e simbólica”(Charlot, 2002, p. 436). 18

Debarbieux(2001) contribui para lembrar que “A ‘paz social’ não 19 significa necessariamente justiça escolar, e um estabelecimento calmo 20 pode ser apenas um instrumento de controle social e de reprodução das 21 desigualdades” (p.185). 22

A violência no estabelecimento escolar costuma se manifestar de 23 diversas formas, seja no sistema educativo como um todo, na estrutura 24 organizacional, entre os diversos atores (professores, alunos, funcioná-25 rios e familiares de alunos) e entre pares. 26

A ocorrência de ações violentas pode ser um caso episódico, iso-27 lado, ou repetitivo. A violência repetitiva entre pares, com desigualdade 28 de poder foi denominada por Dan Olweus, professor da Universidade de 29 Bergen – Noruega, como bullying. 30

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3. Bullying 32

O conceito bullying foi constituído por Olweus, com base em pes-33 quisas desenvolvidas no contexto escolar, em meados da década de 1980, 34 e foi definido como ações negativas praticadas de forma intencional e re-35 petitiva, por um ou mais estudantes, contra outro aluno que possui difi-36 culdade de defender a si mesmo. De acordo com o Olweus e Limber 37

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(2010), o bullying possui três componentes significativos: comportamen-1 to agressivo que envolve ações negativas indesejadas; um padrão de 2 comportamento repetitivo; e desigualdade de poder entre os sujeitos en-3 volvidos. 4

Os estudos desenvolvidos por Olweus e Limber (2010) sobre bul-5 lying sugerem que os estudantes que o praticam possuem a necessidade 6 de poder e dominância negativa; sentem satisfação em injuriar e provocar 7 sofrimento em outros estudantes; e, geralmente, pelo seu comportamento 8 são recompensados material ou psicologicamente. De acordo com as in-9 formações indicadas, os estudantes que sofrem o bullying podem apre-10 sentar diversos sintomas, de forma duradoura, dentre eles: depressão, 11 baixa autoestima, problemas de saúde e pensamentos suicidas. Enquanto 12 os alunos que violentam seus colegas através de praticas de bullying são 13 mais propensos a: envolver-se frequentemente em brigas; destruir propri-14 edades alheias; fazer uso de álcool e cigarro; perceberem um clima nega-15 tivo na escola; e usar uma arma. No entanto, nem todos os estudantes que 16 praticam comportamentos de bullying contra seus pares são indisciplina-17 dos, alguns apresentam comportamentos considerados exemplares tanto 18 na escola, como socialmente. Esse padrão ocorre principalmente entre as 19 meninas, fato que dificulta a identificação, pelos educadores ou respon-20 sáveis, desses alunos em práticas de bullying. 21

É comum alguns estudantes assistirem as praticas de bullying, 22 como testemunhas ou incentivadores e, segundo Olweus e Limber 23 (2010), esses podem ter sentimentos de medo, impotência para agir e ten-24 tação de participar. 25

Segundo Carvalhosa, Lima, & Matos, (2002), apesar da definição 26 do bullying construída por Olweus na década de 1990, a literatura cientí-27 fica apresenta a definição e a operacionalização do fenômeno de formas 28 diferentes. No que tange aos tipos de comportamentos envolvidos, alguns 29 focam na violência física, outros fazem referência à violência física e 30 verbal, outros incluem, além dessas, a psicológica e, um grupo restrito 31 considera a violência sexual. 32

De acordo com Olweus e Limber (2010), em escolas com inci-33 dência de bullying, que não tomam providências para controle do fenô-34 meno, o clima de toda a escola pode ser afetado: por um ambiente de 35 medo e desrespeito; onde os alunos possuem dificuldade de aprendiza-36 gem, se sentem inseguros, não gostam da escola e percebem que os pro-37 fessores e os funcionários têm pouco controle e não se preocupam com 38

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eles. Nesse sentido, acreditam que os estudantes que praticam bullying 1 devem ser responsabilizados por suas ações. 2

Com base nessa perspectiva, percebe-se que a constituição do fe-3 nômeno bullying já se origina nas bases da judicialização dos conflitos 4 escolares, ou seja, no encaminhamento das resoluções dos conflitos entre 5 alunos para estabelecimentos judiciais ou policiais, como também, a ela-6 boração de legislação específica sobre o fenômeno. 7

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4. Judicialização do Bullying 9

De acordo com Vianna, Burgos, & Salles (2007), na atualidade, é 10 comum encontrar numa cultura dita democrática a ação do juiz em prati-11 camente todos os aspectos da vida cotidiana. Segundo os autores, os anos 12 de 1970 foram significativos nesse sentido, sendo os magistrados brasi-13 leiros convidados a ocuparem “lugares tradicionalmente reservados às 14 instituições especializadas da política e às de autorregulação societária, 15 longe de significar ambições de poder por parte do judiciário, aponta para 16 processos mais complexos e permanentes” (p.39). 17

Augusto (2009) argumenta que na sociedade de controle, a qual 18 vivemos atualmente, como já afirmara Foucault em sua obra Surveilleret 19 punir, publicada originalmente em 1975, a prática do tribunal é democra-20 tizada. Há uma judicialização da vida, que desenha, nas palavras de Au-21 gusto, “uma sobrevida gerenciada por programas de assistência, controle 22 e penalizações...” (2009, p.11). 23

Asensi (2010) conceitua judicialização como “o surgimento do 24 protagonismo do Judiciário na efetivação de direitos, principalmente de 25 cunho social e coletivo” (p.40). O judiciário acaba sendo percebido pelo 26 cidadão como o principal local para recorrer em situações em que seus 27 direitos estejam sendo ameaçados ou violados. 28

No que tange à infância e juventude brasileira, o protagonismo ju-29 diciário foi possibilitado pela Convenção Internacional dos Direitos da 30 Criança (ONU, 1989),pela Constituição Federativa do Brasil (Brasil, 31 1988) e, em 1990, pela Lei Federal 8.069, denominada Estatuto da Cri-32 ança e do Adolescente/ECA(Brasil, 1990). Essas normativas instituíram 33 a doutrina de proteção integral, que elevou as crianças e os adolescentes 34 brasileiros a categoria de sujeitos de direito em desenvolvimento. 35

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O ECA determinou a criação de órgãos de proteção à criança e ao 1 adolescente, nomeadamente, o Conselho Tutelar (CT), a Promotoria da 2 Infância e Juventude, a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescen-3 te (DPCA) e a Vara da Infância e Juventude (VIJ). Sendo assim, qual-4 quer ameaça ou violação dos direitos da criança pode ser denunciada pa-5 ra um desses estabelecimentos, inclusive a violência no contexto escolar. 6

Chrispino e Chrispino (2008) tomam os referidos conceitos para 7 explicar o que denominaram como judicialização das relações escolares: 8

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Ao mesmo tempo, vivemos o período de consolidação 10 de direitos sociais e individuais sem precedentes. E isto 11 não pode ser classificado como ruim. O fato é que os 12 indivíduos e as coletividades conhecem todos os seus 13 direitos, mesmo que não consigam indicar os deveres 14 decorrentes destes direitos proclamados. Estes direitos 15 proclamados, quando não cumpridos, são buscados no 16 espaço próprio: a Justiça, em fenômeno denominado de 17 judicialização (VIANNA et al., 2007) ou judicialização 18 (MOREIRA NETO, 2006, 2007). Ocorre, de forma de-19 rivada, o fenômeno da judicialização das relações esco-20 lares, onde a Justiça – agora mais ágil e acessível – é 21 chamada a dirimir dúvidas quanto a direitos não atendi-22 dos ou deveres não cumpridos no universo da escola e 23 das relações escolares. (pp.10-11) 24

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Afirmam Chrispino e Chrispino (2008) que, em geral, na forma-26 ção dos atores educacionais, as informações das normativas legais estão 27 restritas a LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional). Infor-28 mam, ainda, que os gestores, em grande parte das escolas públicas, são 29 escolhidos politicamente ou são indicados pelos pares e, comumente, são 30 escolhidos por características que negligenciam a competência de gestão 31 ou mesmo o conhecimento específico para a direção de uma instituição 32 de ensino que visa resultados. 33

Na visão de Chrispino e Chrispino (2008), a judicialização das rela-34 ções escolares deve ser visualizada como um alarme de que os atores 35 educacionais estão perdendo o controle das decisões em educação. Logo, 36 afirmam ser necessário fazer transformações nas práticas escolares, seja 37 na formação de seus atores, como também nas definições de rotinas e de 38 processos de tomada de decisão. E ainda, possuem “a convicção de que 39

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os atores educacionais podem e devem voltar a ser os protagonistas deste 1 universo chamado Escola” (p.29). 2

Schmidt, (2007) considera que o atendimento às ocorrências de 3 violência na escola deveriam ser dirimidas por equipes interdisciplinares 4 capacitadas da própria escola, no intuito de garantir um encaminhamento 5 mais uniforme e um trabalho de rede mais qualificado. A autora acredita 6 que este procedimento pode evitar a utilização abusiva dos aparatos poli-7 ciais, dos Conselhos Tutelares e da Promotoria. 8

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5. Método 10

A investigação foi baseada no método de pesquisa qualitativo, 11 sendo que as metodologias utilizadas foram de caráter descritivo e expli-12 cativo. 13

Como instrumento de levantamento de dados foi utilizada 14 a entrevista, em profundidade e semiestruturada, com orientadores edu-15 cacionais e coordenadores pedagógicos da 5ª a 8ª série do ensino funda-16 mental das escolas públicas estaduais da cidade de Boa Vista, capital do 17 estado de Roraima (RR). As entrevistas foram realizadas entre julho e 18 dezembro de 2011 e registradas textualmente ou gravadas, sendo posteri-19 ormente transcritas. 20

A definição da amostra foi realizada com base na saturação dos 21 dados (Fontanella, Ricas; Turato, 2008), a qual foi constituída por 12 es-22 colas, sendo entrevistados 20 profissionais. 23

Os dados levantados foram analisados pelo conteúdo, sendo defi-24 nidas categorias a posteriori, nomeadamente: a compreensão do fenôme-25 no bullying escolar pelos educadores; conflitos e violências que ocorrem 26 entre alunos nas escolas estaduais de Boa vista - RR; soluções encontra-27 das pelas escolas para os conflitos e violência entre alunos; propostas de 28 prevenção dos conflitos e das violências entre alunos; Justiça como par-29 ceira na resolução de conflitos e violências entre alunos. 30

Todos os procedimentos éticos de pesquisas com seres humanos 31 foram respeitados e as exigências normativas do Ministério da Saúde 32 brasileiro a esse respeito foram cumpridas, nomeadamente a solicitação 33 de autorização à Secretaria de Educação, Cultura e Desportos (SECD) do 34 estado de RR para a realização da pesquisa nas escolas; o encaminha-35 mento do projeto de investigação ao comitê científico da Universidade 36

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Federal de Roraima; e a elaboração do Termo de Consentimento Livre e 1 Esclarecido (TCLE). Sendo que a pesquisa de campo só foi implementa-2 da após a aprovação do comitê de ética e só foram analisadas as entrevis-3 tas dos participantes que concordaram livremente em assinar o TCLE que 4 foi entregue antes da realização da entrevista. Os participantes tiveram a 5 liberdade de não assiná-los, como ainda de desistir da entrevista a qual-6 quer momento. 7

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6. Resultados e discussões 9

O uso do termo bullying durante as entrevistas não provocou es-10 tranheza entre os participantes, esses já o conheciam pelo noticiário tele-11 visivo, jornais, revistas e pelas campanhas do judiciário de combate e 12 prevenção do fenômeno. Segundo os educadores, nos dois anos anterio-13 res a investigação ocorreram palestras sobre conflitos, violência e bul-14 lying nas escolas estaduais de Boa Vista, seja, pela Polícia Militar, pela 15 Secretaria de Educação e/ ou pelo Tribunal de Justiça. 16

Conforme pode ser identificado na fala de uma orientadora educa-17 cional, a mídia difundiu o termo bullying nacionalmente “Para falar a 18 verdade o meu conhecimento ele é midiático, né? Ele vem através da mí-19 dia, porque é um termo novo e tá na boca do povo, tá na moda 20 né?”(Orientador Educacional). 21

Inclusive, é importante salientar, que durante a realização das en-22 trevistas, muitos profissionais já citavam o termo bullying, mesmo antes 23 de serem questionados sobre o conhecimento referente a esse tema. In-24 clusive, o programa Justiça Comunitária, idealizado em 2010 pelo Tribu-25 nal de Justiça de Roraima (TJ/RR), foi citado pelos entrevistados como 26 um dos promotores de palestras sobre bullying nas escolas. 27

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Só que a gente já ouviu também nas palestras, que tem 29 com o pessoal da Justiça Cidadania, que fazem pales-30 tras e agente vai. Eles utilizam o termo para trabalhar a 31 questão da prevenção, do combate. Mas a origem do 32 termo em si, eu não sei, deve ser inglesa, alguma coisa 33 assim. (Orientador Educacional) 34

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Um fator interessante observado foi que apenas um dos entrevis-36 tados obteve conhecimento do fenômeno numa formação especializada e 37

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mais aprofundada. Uma das coordenadoras pedagógicas informou “no 1 meu curso de especialização e gestão administrativa escolar, nós tive-2 mos essa disciplina”. 3

No que tange, ao reconhecimento da ocorrência do bullying no 4 espaço escolar, os profissionais relataram as ações de bullying entre alu-5 nos com naturalidade, como algo que já conheciam desde a infância, da 6 época escolar, mas que não sabiam como nomear “Na realidade, para 7 mim, esse ato já acontecia, só que vieram botar um nome para ele, só fi-8 zeram justificar, né?” (Orientador Educacional). 9

Com base nestes dados pode-se afirmar que os profissionais co-10 nhecem o termo bullying, mas foi possível perceber que muitos não 11 compreendiam o fenômeno. Todos os entrevistados possuíam uma defi-12 nição sobre o bullying, mas essas eram bem diferentes entre si, indo des-13 de a generalização do conceito como violência escolar até a restrição do 14 fenômeno como violência verbal e/ou psíquica. Inclusive foram raros os 15 profissionais que deram o significado do termo próximo ao definido por 16 Olweus. No entanto, não foram percebidas diferenças significativas de 17 explicações indicadas entre coordenadores pedagógicos e orientadores 18 educacionais. Logo, os resultados dos profissionais foram agrupados en-19 quanto educadores. 20

21

7. A compreensão dos educadores sobre o bullying 22

As descrições do bullying por parte dos entrevistados foram dis-23 tribuídas em quatro categorias, nomeadamente,(1) a generalização do 24 conceito; (2) a restrição do bullying aos atos de violência verbal e/ ou 25 psíquica; (3) os apelidos e (4) nem tudo é bullying. 26

27

7.1. A generalização do conceito 28

Alguns entrevistados conceituaram bullying de forma generaliza-29 da, acabando por abranger outros tipos de conflitos e violência que ocor-30 rem no ambiente escolar, tanto entre alunos, como entre qualquer um dos 31 sujeitos que convivem nesse espaço. 32

33

em casa também ele pode sofrer o bullying. O professor 34 pode praticar o bullying com ele. Entendeu? Funcioná-35 rios praticar o bullying. Porque geralmente é assim, 36

13

quando se fala do bullying, vem logo a noção de que só 1 acontece entre eles, de aluno para aluno. O bullying, 2 ele é repetitivo. Tá repetindo? É todo dia? Aquela coisa 3 que incomoda, que todo dia chamam disso, que todo dia 4 falam aquilo para mim. Sim, aí a gente vai caracterizar 5 como bullying. (Orientador Educacional) 6

7

Stelko-Pereira e Williams (2010) lembram que qualquer relação 8 interpessoal pode ser atravessada pela violência, apesar da diferença de 9 poder entre os sujeitos favorecer a sua ocorrência. No entanto, o bullying 10 é um tipo de violência que ocorre entre pares. Logo, não se pode configu-11 rar a violência do professor contra o aluno como bullying, como também 12 a violência de pais contra filhos se configura como intrafamiliar. 13

Os espaços educacionais são de extrema complexidade, dificul-14 tando a diferenciação dos fenômenos, ou seja, há violência contra o pa-15 trimônio, contra os educadores e gestores, a violência simbólica e, ainda, 16 a violência entre os sujeitos que convivem no espaço escolar (Charlot, 17 2002). Inclusive, Debarbieux (2001) alerta que a dilatação de um concei-18 to pode levar a confusões no que diz respeito ao léxico e ao semântico. 19

Stelko-Pereira, Magioni Santini; Williams (2012) criticam publi-20 cações da Ana Beatriz Barbosa Silva sobre a definição do bullying, por 21 considerar que a psiquiatra generaliza o fenômeno; “A autora assim ex-22 põe: ‘o termo bullying pode ser adotado para explicar todo tipo de com-23 portamento agressivo, cruel, proposital e sistemático inerente às relações 24 interpessoais’ (SILVA, 2010, p. 22). Tal definição ampla não ajuda a 25 discriminar o fenômeno” (p.198). 26

27

7.2. A restrição do bullying a atos de violência verbal e ou psí-28 quica 29

Enquanto alguns entrevistados generalizavam o termo, outros res-30 tringiram o conceito à violência psicológica. 31

32

o bullying que é mais agressividade verbal. O bullying 33 surge mais com isso, embora dali seja um ponta pé para 34 briga, para espancamentos, para atritos. Quando co-35 meça a apelidar o outro, chamar ele, chamar o fulano 36 disso, daquilo, aí, de repente parte para uma briga, que 37 já é a violência física.(Coordenador Pedagógico). 38

14

1

Como esclarecem Stelko-Pereira; Williams (2010): 2

3

o bullying está relacionado à situação em que uma cri-4 ança ou estudante é exposto repetidamente e ao longo 5 do tempo a ações negativas, que podem tanto ser físicas, 6 psicológicas ou sexuais, por parte de outra(s) criança(s) 7 ou aluno(s), o qual tem intenção de realizar tais ações. 8 (p.51) 9

10

Uma das consequências da restrição do conceito de bullying a vio-11 lência verbal e/ ou psíquica é colocar o termo Assédio Moral como sinô-12 nimo de bullying, situação que vem ocorrendo no âmbito jurídico, espe-13 cialmente nas ações trabalhistas (Oliveira, 2013). 14

A restrição do bullying a violência psicológica favorece, ainda, a 15 identificação do fenômeno como patologia psíquica, como no livro 16 Transtorno do assédio moral-bullying – a violência silenciosa (Moreira, 17 2010). E, ainda, como epidemia, em publicações como a dos Bullying: 18 mais uma epidemia invisível? (Palácios & Rego, 2006). 19

No entanto, estudiosos do tema Olweus e Limber (2010), afirmam 20 que o bullying não se restringe a um tipo de violência psicológica, mas 21 pode vir a provocar transtornos psicológicos, só que não é, em si, uma 22 patologia. 23

24

7.3. Apelidos 25

Essa categoria poderia ter sido englobada com a anterior, violên-26 cia verbal e/ou psíquica, mas reconheceu-se a necessidade de apresentá-27 la separadamente, pois a tipificação do bullying como o ato de colocar 28 apelido, principalmente com características pejorativas, foi o que mais 29 apareceu nas entrevistas. Além disso, há especificidades que devem ser 30 analisadas, tais como a relação do fenômeno bullying com o preconceito. 31

32

A gente tem assim, o bullying. Então a gente tem apeli-33 dar. As crianças apelidando umas as outras e eles não 34 aceitam e revidam. Essa prática gera um conflito, che-35 gando até a ocorrer violência física em função disso. 36

15

Por um lado, a gente chama logo de bullying toda e 1 qualquer implicância. Os alunos fazem da mídia. Tudo 2 para eles agora é bullying. Agora a tarde ,foi um caso 3 bem caracterizado. O aluno, ele tava sofrendo o bul-4 lying e estava começando, o menino que era tranquilo, 5 que era bom aluno e tal, ele estava começando a mani-6 festar atos de violência. Dizer que ia se matar para al-7 gumas pessoas e ameaçou a professora, enfim. Então, 8 ele já estava naquela fase de botar para fora o que es-9 tava sofrendo. (Coordenador Pedagógico) 10

11

A história em quadrinhos infantil A turma da Mônica, que é su-12 cesso internacionalmente,em2013, completou 50 anos. No entanto, tem 13 recebido imensas críticas pelas pessoas considerarem que os personagens 14 sofrem e praticam bullying mutuamente. Os sujeitos consideram que as 15 histórias contribuíram para a ideia de que o bullying é brincadeira de cri-16 ança. Como pode ser visualizado na mensagem postada num blog. 17

18

Será que os amigos leitores já prestaram atenção no 19 conteúdo dos gibís e desenhos animados que temos lido 20 e assistido? A Turma da Mônica, por exemplo, é bul-21 lying do início ao fim! O que é este menino Cebolinha? 22 É alguém completamente atípico para sua idade, com 23 aquela sede de poder, buscando “conquistar a rua”, cu-24 jo mandato parece pertencer à Mônica. E, assim, utili-25 za-se de um método pouco apreciado pela sociedade, 26 abusando de ofensas verbais relacionadas a aspectos fí-27 sicos da menina, que podem perfeitamente provocar-lhe 28 complexos para o resto da vida: baixinha, dentuça e 29 gorducha. Aliás, o nome dos personagens também está 30 associado a apelidos relacionados a aspectos físicos e 31 pessoais: Cebolinha, pois sua cabeça parece uma cebo-32 la; Cascão, o garoto que gosta de sujeira, e assim por 33 diante….O que ganhamos com esse tipo de influência? 34 Nada. Ao contrário, uma criança pode espelhar-se nos 35 gibis e praticar com os amigos o que aprende por meio 36 das leituras. É aí que surgem o Cabeção, o Orelha, o 37 Dentuço, o Pé Grande, o Branquelo, etc. (Ferreira, 38 2011) 39

40

16

Devido às críticas Maurício de Souza, o autor das histórias da 1 Turma da Mônica, acabou por criar alguns números de revistas para dis-2 cutir sobre o fenômeno1. 3

Antunes e Zuin (2008) advertem que é comum profissionais e 4 pesquisadores aceitarem definições de conceitos prontas, sendo raro en-5 contrar estudos que realizam análise crítica dos fenômenos. Juntando es-6 sa aceitação dos conceitos à divulgação do bullying de forma desordena-7 da pela mídia, tem-se uma realidade perigosa, qual seja, a falta de con-8 textualização dos fenômenos. 9

Segundo Antunes e Zuin (2008), “... o bullying se aproxima do 10 conceito de preconceito, principalmente quando se reflete sobre os fato-11 res sociais que determinam os grupos-alvo, e sobre os indicativos da fun-12 ção psíquica para aqueles considerados como agressores”(p .36) Nesse 13 sentido, o fenômeno é constituído na socialização dos sujeitos, relem-14 brando Freud, os autores afirmam que o processo de socialização infantil 15 engendram a ideologia dominante. 16

Nesse sentido, a ideologia dominante da cultura brasileira, como 17 de diversas outras culturas, está marcada por preconceitos, que são carac-18 terizados nas histórias infantis. No entanto, se deve ter cuidado para a vi-19 são determinista, sem contextualização histórica e valorização da com-20 plexidade dos fenômenos. 21

22

7.4. Nem tudo é bullying 23

Por outro lado, foi possível identificar no relato dos entrevistados 24 uma indignação com a generalização do fenômeno. 25

Nem tudo é bullying, às vezes um aluno briga com o ou-26 tro, brinca, tira uma brincadeira uma vez só. Isso não 27 pode ser considerado como bullying, porque o bullying 28 são exercícios repetitivos de repressão por parte de al-29 guns alunos com respeito a outros. Então, um fato iso-30 lado não pode ser considerado como bullying. (Orienta-31 dor educacional) 32

1 SOUSA, Maurício de. Turma da Mônica e síndrome de down. Disponível em: <http://turmadamonicajovemmania.blogspot.com.br/2012/03/turma-da-monica-e-sindrome-de-down.html>.

17

Tais relatos demonstram que a análise crítica sobre o fenômeno 1 bullying também está presente nos relatos dos educadores entrevistados. 2 Indicando que profissionais da educação, também estão atentos e criteri-3 osos aos fenômenos que estão ocorrendo no contexto escolar. 4

5

8. Conflitos e violência que ocorrem entre alunos nas escolas estadu-6 ais de Boa vista – RR 7

De acordo com os educadores, os termos conflito e violência não 8 são sinônimos. O conflito é definido como um impasse, sem solução a 9 princípio e a violência é descrita como ações mais sérias, como atos que 10 violam a integridade física ou psicológica do sujeito. No entanto, quando 11 os entrevistados tipificaram as ações que ocorrem entre alunos, a diferen-12 ça entre os conceitos, na prática diária, pareceu ténue. 13

Os conflitos, em geral, relatados foram: colocar apelidos; fazer 14 chacota; briga de namorados ou por namorados; infringir normas da es-15 cola; usar o celular em sala de aula; bullying; dificuldades entre professor 16 e aluno devido as notas, regras e normas; implicar; falar palavrão; puxar 17 cabelo; perpetrar agressão física, principalmente na saída da escola; ame-18 açar de furar o outro colega fora da escola; levar teçado (facão) na bolsa; 19 estourar bomba caseira; ameaçar professores; desacatar professores; bri-20 gar por questões mínimas. 21

As violências foram indicadas como: falar palavrões; colocar ape-22 lidos; insultar; faltar ao respeito; brigar, muitas vezes por motivos fúteis; 23 chutar; esfaquear; brigar por namorado; empurrar; violência sexual e físi-24 ca intrafamiliar. 25

Em pesquisa realizada por Amaral & Lobato (2011), com educa-26 dores de escolas públicas do Estado do Pará, esta dificuldade de diferen-27 ciação dos fenômenos conflito e violência também foi identificada. 28

Nos relatos dos educadores boavistenses a polícia ou a patrulha 29 escolar foram convocadas para dirimir casos de brigas dentro e no entor-30 no da escola. No entanto, a convocação apareceu tanto em casos relata-31 dos como conflitos, como em ações indicadas como violência. Como 32 exemplo, podem ser citados os depoimentos de duas coordenadoras pe-33 dagógicas “Atos de violência, de puxar mesmo o cabelo uma da outra, ai 34 chamamos a polícia”. 35

36

18

No início do ano nós tivemos assim casos diretos. Todos 1 os dias surgia um conflitozinho numa sala, outro nou-2 tra. Eles se agrediam verbalmente e quando saiam da 3 sala, da escola, lá na rua, era fisicamente.... Depois no 4 segundo semestre parrou. Agora, não sei. Não posso 5 afirmar se foi porque nós tivemos o apoio da polícia es-6 colar.... Eles chamam de Patrulha Escolar. 7

8

Neste contexto, é possível perceber a complexidade, inerente aos 9 conceitos conflito e violência salientada por vários autores (Charlot, 10 2002; Debarbieux, 2001) que estudam as referidas temáticas. Complexi-11 dade que parece não estar tendo a devida atenção, nos momentos das in-12 tervenções dos educadores boavistenses, devido a convocação da polícia. 13 Será que a educação está sendo, como já alertava Donzelot (1980)A polí-14 cia das Famílias? No caso, A Polícia dos Alunos? 15

16

9. Soluções encontradas pelas escolas para a resolução dos conflitos 17 entre alunos 18

Várias foram as soluções apontadas pelas escolas para dirimir 19 conflitos entre os alunos. No entanto, foi possível perceber que há uma 20 certa sequência nos procedimentos, de acordo com a dimensão do fato 21 ocorrido e com a sua evolução. Em geral, os profissionais seguem o se-22 guinte procedimento: aconselhar os alunos, colocar os discentes envolvi-23 dos frente a frente para dialogarem, conversar com os pais/responsáveis, 24 pedir ajuda aos familiares, solicitar por escrito comprometimento dos 25 pais na resolução do conflito e registro dos fatos em relatório. 26

No entanto, nos casos que consideram mais preocupantes utilizam 27 recursos como por exemplo: falar com a turma, dar advertência aos alu-28 nos, convocar palestras sobre os temas de conflito, encaminhar ao serviço 29 de psicologia, convocar o setor psicossocial da Secretaria da Educação e, 30 em último caso, convocar o Conselho Tutelar. 31

32

A gente, a orientação, qualquer tipo de problema inde-33 pendente de ser bullying, algum outro tipo de violência, 34 a gente, chama o aluno primeiramente, conversa com o 35 aluno que foi agredido. Chama o agressor, conversa 36 com ele também. Faz o registro e, depois disso, a gente, 37 no terceiro momento, chama os pais, conversa com os 38 pais, firma um acordo com eles. Eles assinam um rela-39

19

tório por escrito se comprometendo em fazer com que o 1 filho não venha mais a cometer esse tipo de coisa. Se 2 persistir, aí a gente aciona o Conselho Tutelar, a gente 3 já deixa claro para o pai, quando conversa com ele, que 4 o nosso próximo passo, depois de conversar com a fa-5 mília, é passar para o Conselho Tutelar. Mas, dificil-6 mente a gente leva, tem casos que a gente leva, com ou-7 tras situações, com bullying a gente não levou ainda 8 não. (Orientador educacional) 9

10

Compreende-se que as escolas tentam, a princípio, resolver os 11 conflitos entre alunos no ambiente escolar, dialogando com os alunos e 12 convocando os pais/responsáveis a participarem da solução e a compro-13 meterem-se na prevenção da reincidência. Por outro lado, caso percebam 14 que o conflito pode vir a comprometer emocionalmente os envolvidos, 15 acabam por solicitar ajuda de psicólogos e dos serviços específicos ofe-16 recidos pela Secretaria da Educação. Quando a instituição compreende 17 que não possui mais recursos para resolver as ocorrências e essas vão 18 evoluindo negativamente acabam por convocar o Conselho Tutelar. No 19 entanto, muitos profissionais afirmaram que nos casos que entendem ser 20 bullying, tentam minimizá-los na escola “O conselho Tutelar, Ministério 21 Público, Infância e Adolescência. Todos esses nos apoia nessa questão, 22 só que nunca chegamos a essa instância. Sempre foi resolvido na escola” 23 (Coordenador Pedagógico). 24

Segundo Cardoso,(2009), o papel social das instituições de ensino 25 na atualidade está na práxis de uma nova forma de relação humana, para 26 qual exige uma reflexão de sua estrutura, desde conteúdos ministrados, 27 passando por metodologias e atividades até propostas de estimulo ao alu-28 no de se auto-expressar (criativa, crítica, liberta e consciente), auto-29 valorização, coresponsabilização, autonomia, dentre outros fatores. Na 30 verdade, é necessário uma mudança de paradigma no funcionamento da 31 escola e na postura dos professores. Lembrando que o espaço escolar é 32 pedagógico e não punitivo. Inclusive, os alunos, por serem crianças e 33 adolescentes, estão em fase de desenvolvimento e de construção de cida-34 dania, como também estão regidos pelo Estatuto da Criança e do Adoles-35 cente (Brasil, 1990)e não pelo Código Penal (Brasil, 1940). 36

37

10. Propostas de prevenção dos conflitos entre alunos 38

20

Não foram identificados nas escolas estaduais de Boa Vista, de 1 forma geral, projetos específicos de prevenção e controle de conflitos, 2 violência ou bullying no contexto escolar. O recurso mais utilizado pelas 3 instituições é convocar profissionais para ministrarem palestras de escla-4 recimentos para os alunos, pais/responsáveis, professores e funcionários, 5 como foi indicado anteriormente. Alguns educadores informaram que fo-6 ram elaborados projetos nesse sentido, mas não foram colocados em prá-7 tica. 8

9

No ano passado eu estava na orientação, foi quando eu 10 comecei na escola. Então no primeiro bimestre, a pri-11 meira coisa que eu identifiquei foi que os casos de vio-12 lência eram muito grandes. As verbais, as físicas... Ai, 13 eu criei um projeto, mas os professores, era preciso ser 14 aplicado em conjunto, alguns adotaram e outros não. 15 Como eu estava na orientação, não tinha como cobrar 16 dos professores que todos aplicassem o projeto. A ideia 17 era esse ano fazer uma revisão do projeto, junto com os 18 professores, readequá-lo e ver se conseguia implemen-19 tar o projeto interdisciplinar. (Coordenador Pedagógi-20 co) 21

22

Olweuse e Limber (2010) afirmam que a necessidade e os benefí-23 cios de se focar na prevenção do bullying tem sido a cada dia mais valo-24 rizados pelos profissionais da educação e população em geral. Informam 25 que os educadores estão conseguindo encontrar soluções simples ou em 26 curto prazo para dirimir questões referentes ao fenômeno. 27

Os referidos autores esclarecem, ainda, que as instituições de en-28 sino acabam por utilizar o bullying como tema em treinamentos de equi-29 pes, em reuniões de associações de pais e mestres, assembleias gerais, 30 como também, em aulas ministradas por professores. No entanto, ressal-31 tam que não se pode esperar que essas ações resolvam os problemas iso-32 ladamente, apesar de poderem ser consideradas como primeiros passos 33 de suma importância. Indicam que para ocorrer uma real redução deste 34 tipo de violência nas escolas é necessário modificar a cultura dos estabe-35 lecimentos de ensino e as normas de comportamento (Olweus & Limber, 36 2010). 37

38

11. Justiça como parceira na resolução de conflitos entre alunos 39

21

No que refere-se a parceria com a Justiça, os profissionais indica-1 ram, espontaneamente, os policiais, os delegados e os juízes como repre-2 sentantes da Justiça. Logo, verificou-se que, para os profissionais da área 3 educacional que participaram da pesquisa, a Justiça é mais abrangente, 4 não se restringindo ao judiciário. 5

Os educadores indicaram a Justiça como aliada na resolução de 6 conflitos e de violência entre alunos, que pode esclarecer questões relati-7 vas às legislações, infrações, punições, contribuindo principalmente na 8 prevenção. 9

10

Acho que sim, acho que ela pode nos ajudar na preven-11 ção. Ela pode com esclarecimento, não só aos alunos 12 como a família dos alunos. Porque as vezes a gente es-13 cuta a mãe dizer: ‘Não. Na minha época sempre se fez 14 isso e não era bullying. Isso é coisa moderna, tá inven-15 tando nome para as coisas’. Entendeu? Então, eu acho 16 que a Justiça poderia sim fazer um trabalho de parce-17 ria, esclarecimento as famílias, dentro da escola. Fa-18 zendo e organizando debate, junto com as escolas, as 19 famílias e os alunos.(Coordenador Pedagógico) 20

21

No entanto, os entrevistados indicaram que essa prevenção é pos-22 sível pelo fato dos atores da Justiça ainda possuírem uma autoridade, que 23 os pais e os profissionais da educação parecem ter perdido. 24

25

A gente acionou o Conselho Tutelar, em alguns casos a gente aciona o 26 conselho Tutelar. A polícia já veio algumas vezes quando foi chamada. 27 Uma vez os policiais vieram questionar porque pegaram um aluno da es-28 cola pichando o muro da escola pelo lado de fora. Não foi uma coisa da 29 escola pedir, eles trouxeram, em vez de levar para DDIJ, como eles viram 30 o uniforme e tal, eles trouxeram. Pediram que nós entrássemos em conta-31 to com a família e conversássemos, explicasse para a família que a polí-32 cia preferiu para agente resolver aqui. Agora a tarde, se não me engano 33 foi necessário chamar duas vezes, caso de arma, porte de arma. Um caso 34 engraçado que foi essa semana, um menino subiu no pé de jambo, eu 35 acho, e disse que não sairia de lá. Um menino, um adolescente, já deve 36 ter seus 16, 17 anos. ‘Não saio. Quero ver quem me tira daqui de cima’. 37 Ai a professora de tarde chamou a polícia e ele disse para a polícia ‘Não 38 saio. Vem me tirar’. Não sei o que o policial disse para ele que, lá pelas 39 tantas ele resolveu descer [risos] (Coordenador Pedagógico) 40

41

22

Os participantes relataram que através de palestras, os represen-1 tantes da Justiça, podem fazer com que os alunos se acalmem e sintam 2 medo de punições, ou seja, o respeito é assegurado com base na ameaça e 3 no medo. 4

5

Tanto é que eles já vieram na escola fazer palestras. É 6 claro que sim. Tem que ser porque tudo que é infração, 7 tudo que infringe a lei a Justiça tem que tá junto. Então 8 se o bullying é caracterizado como um crime então a 9 justiça tem que punir aqueles que cometerem esse tipo 10 de coisa.(Orientador Educacional) 11

12

Os entrevistados entendem também que a presença de polícias ou 13 comissários no ambiente escolar pode funcionar como um lembrete do 14 que pode acontecer ao aluno, caso ele venha participar de algum ato de 15 conflito ou violência. Inclusive, na escola que estava sob a intervenção 16 da Secretaria de Educação, a polícia permanecia no horário de recreio pa-17 ra evitar novos atos de violência entre os alunos e /ou entre esses e os 18 funcionários/ professores/ gestão. 19

Esses relatos, reafirmam como os professores estão se sentido 20 perdidos, sem referência, deslocados de seus lugares sociais, necessitan-21 do de outros sujeitos que podem resgatar seu posicionamento. No entan-22 to, deve-se refletir qual será o caminho do referido resgate. Como indica-23 do anteriormente por Cardoso (2009), deve ocorrer uma mudança de pa-24 radigma nas escolas para que o professor volte a se autorizar enquanto 25 educador e não como sensor que garante o respeito pela ameaça de puni-26 ção, ou seja, mantem a ordem pelo medo 27

Outros entrevistados, apesar de considerarem importante a parce-28 ria entre a escola e a Justiça na prevenção de conflito e violência, com-29 preendem que deve haver um limite quanto a repressão e punição dos 30 alunos envolvidos nos atos de conflito/violência, por não acreditarem 31 numa educação pela repressão. 32

33

Eu acho assim, que a Justiça, ela deve ser uma institui-34 ção parceira em parte, não uma totalidade, principal-35 mente quando vem a repressão. Eu acho que ela deve 36 ser parceira na educação, porque eu não acredito na 37 educação através da repressão. Eu acredito na educa-38 ção através da educação mesmo, educando orientando, 39

23

fazendo cumprir, praticando mesmo. A questão do bul-1 lying, se você só repreender o fulano, ele nunca vai 2 aprender a respeitar o outro. Então, eu acredito muito 3 que a Justiça possa nos ajudar, mas nos auxiliando com 4 a parte educativa, palestras. Se eles nos apoiarem bas-5 tante, por exemplo, no nosso projeto tem palestras que 6 tem que ser dadas pelas pessoas que tenham conheci-7 mento profundo sobre a lei. Nós colocamos como nos-8 sos parceiros as universidades e essas entidades de jus-9 tiça, só que não para repreender e sim para educar. Is-10 so é a nossa maior necessidade. Se tivéssemos assim, 11 com oficinas, com esses que vai nos ajudar mesmo, 12 porque o projeto vem cheio de detalhamento, mas chega 13 nas nossas mãos. Quando está ao nosso alcance, nós 14 fazemos o que é possível ser feito no ambiente escolar, 15 por nos mesmos, com algum colega, com algum amigo. 16 Vai para o Conselho Tutelar quando a escola não pode 17 mais resolver. (Coordenador Pedagógico) 18

19

Além da Justiça, os participantes citaram que podem contar com 20 outros parceiros na prevenção e controle de conflito e violência entre 21 alunos no contexto escolar, nomeadamente, Setor Psicossocial da Secre-22 taria Estadual da Educação, Universidades e serviços individuais de pro-23 fissionais da Psicologia. 24

25

Olha, primeira instituição que ajuda a gente em todos 26 os casos que acontece na escola é o psicossocial da Se-27 cretaria de Educação, então, geralmente, quando a gen-28 te percebe que alguns casos, a gente pode levar para o 29 psicossocial, antes de levar para o Conselho Tutelar, a 30 gente leva para o psicossocial. A gente tem casos de 31 alunos aqui, que a gente levou para o psicossocial por-32 que o aluno é indisciplinado, aluno briga demais com 33 os outros, discuti, já tirou brincadeira desagradável 34 com o professor. A mãe não tá tendo um bom controle, 35 a gente já levou para as meninas de lá ajudarem a gen-36 te a encaminhar para psicólogo, que elas fazem o traba-37 lho também e por ai vai.. O Conselho Tutelar vêm, a es-38 cola sempre procura fazer palestras com o pessoal da 39 Justiça. Esse ano nós já tivemos palestras com o pesso-40 al da Justiça, a Promotoria da Infância e Juventude 41 (Orientador Educacional) 42

43

24

As falas dos educadores entrevistados seguem na direção das 1 afirmações de Chrispino e Chrispino (2008) de que há dois caminhos pa-2 ra explicar a judicialização dos conflitos escolares. Sendo que, ambos 3 demostram dificuldades dos educadores, seja para reconhecer os proble-4 mas ou para encontrar recursos para dirimir as contendas que ocorrem no 5 âmbito escolar. Relembram, ainda, os autores que não compete ao Judi-6 ciário reconhecer ou resolver as questões relativas à educação, ao ensino 7 e as relações escolares, asseguram que os protagonistas do processo de 8 resolução dos fenômenos educacionais devem ser os professores e os 9 gestores educacionais de todos os níveis, tendo como aliados, as famílias 10 e os alunos. 11

Segundo Brito (2012), faz parte das relações humanas os conflitos 12 e a raiva, saber lidar com a frustração e a renúncia é um aprendizado con-13 tínuo, que é possibilitado pela contribuição de outros sujeitos, principal-14 mente pais e professores. No entanto, Brito afirma que na realidade con-15 temporânea, parece que os sujeitos que ocupam lugares autorizados soci-16 almente a indicar o interdito, por exemplo, pais, professores, juízes, não 17 se sentem autorizados. Questiona a autora, se na atualidade, é possível 18 dizer não. Será que os pais podem negar algo ao filho? Frustrar o infante, 19 poderá lhe causar infelicidade, ou infringir seus direitos? Os professores 20 podem reprovar seus alunos? Será que a reprovação causará desmotiva-21 ção ao aprendizado? A Justiça deverá atender todas as demandas dos ju-22 risdicionados? 23

Ainda, segundo a autora, essa realidade favorece a percepção de 24 que cresce a existência de sujeitos estranhos a nós, nos locais de convi-25 vência (família, trabalho e escola), que prejudicam a relação solidária e 26 respeitosa, impedindo a compreensão dos lugares próprios a cada sujeito, 27 como também, a construção e a visão do coletivo. 28

29

12. Conhecimento legislativo referente ao bullying 30

A judicialização dos conflitos escolares e, mais especificamente, 31 do bullying, pode ser favorecida pela criação de leis que regulamentam 32 como as escolas devem encaminhar os casos identificados como conflito, 33 violência e bullying e pelo conhecimento dos educadores sobre as mes-34 mas. 35

Apenas dois entrevistados afirmaram conhecer alguma legislação 36 específica sobre o bullying. Esses profissionais citaram um projeto de lei 37

25

federal e o projeto de lei do estado de Roraima, que só tomaram conhe-1 cimento porque este, último, foi encaminhado para a escola dias antes 2 das entrevistas. No entanto, afirmaram, com certa preocupação, que a 3 proposta de lei não prevê punição para os alunos que praticarem bullying 4 e/ou seus pais/responsáveis. 5

6

Olha a legislação, tem uma federal e tem a do Ministério Público. Daqui 7 do Estado, sobre isso, não foi criado ainda. Essa chegou agora, então o 8 número dessa lei, é um projeto de lei. Ela saiu lá na Câmara, no dia 13 9 de abril, mas chegou aqui no dia 05 de dezembro. Aqui só está mesmo os 10 artigos, eles ainda vão aprová-lo todo. Agora na justificativa, ele diz, que 11 vai reunir ainda algumas instituições que são responsáveis pelos alunos, 12 pelas crianças, pelos adolescentes, para resolver a questão. Que vem a 13 lei, mas não vem dizendo sobre punição. Sobre alguma coisa que vai fa-14 zer com que o aluno cumpra, a família. Que é que vai fazer, porque não é 15 interessante educar através da repressão. Ela diz que vai se reunir para 16 determinar o que acontece se desobedecer isso aqui. (Coordenador Peda-17 gógico) 18

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Um outro participante, que afirmou não conhecer legislação espe-21 cífica sobre Bullying, citou como referência o ECA. "Não Conheço o Es-22 tatuto da Criança e do Adolescente, a Constituição Federal” (Coordena-23 dor Pedagógico). 24

É mister relembrar que o ECA determina que é direito das crian-25 ças e dos adolescentes estarem protegidos de todo tipo de violência, indi-26 ca os direcionamentos que devem ser tomados em casos de alguma ame-27 aça ou infração de direitos de menores de idade e determina aplicações 28 de medidas e punições para profissionais que negligenciam a denúncia de 29 violência contra criança e adolescente. Logo, questiona-se: Outros tipos 30 de violência cometidos contra menores de idade (negligência, física, psí-31 quica e sexual) no contexto escolar são regidos e normatizados, no Bra-32 sil, pelo ECA. Logo, porque o bullying necessitaria de uma lei específi-33 ca? Seria a violência de bullying de maior gravidade? Entende-se que 34 não. 35

Nota-se que a preocupação dos legisladores, ao elaborarem leis 36 sobre bullying é caracterizar, para os responsáveis, profissionais e popu-37 lação em geral, o fenômeno como violência ou maus-tratos e não como 38 ações comuns entre crianças ou adolescentes, ou seja, específicas dessas 39

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fases do desenvolvimento humano. Percebe-se que a intenção é tipificar 1 o bullying como violência, que foi constituída por uma cultura que não 2 tolera as diferenças existentes na constituição humana, quais sejam, dife-3 renças físicas, psíquicas, sexuais, culturais etc. Percebe-se que a intenção 4 é, ao tipificar, contribuir para o respeito das diferenças, à garantia dos di-5 reitos humanos e finalmente, possibilitar uma cultura de paz, conforme a 6 resolução 63/113, International Decade for a Culture of Peace and Non-7 Violence for the Children of the World 2001-2010. (Assembléia Geral 8 das Nações Unidas , 2009) 9

No entanto, Brito (2012) esclarece que certamente, faz sentido vi-10 sualizar uma cultura de paz, mas é necessário identificar em que momen-11 to e contexto, como também, quais atos favorecem a constituição desse 12 cenário. A autora entende que o a cultura de paz não deve ser elencada 13 apenas quando os processos adentram no Judiciário, numa outra perspec-14 tiva, alerta que se devem redirecionar as demandas para outros lugares 15 que não o Judiciário, evitando a instauração de litígios judiciais. Consi-16 dera que seria mais adequado direcionar os esforços para evitar a ocor-17 rência do conflito. Referenciando Melman (2003/2008), Brito lembra que 18 é necessário atenção para não instituir nos dias atuais um direito ‘de con-19 forto’, que retroalimenta a constituição de processos jurídicos. 20

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13. Considerações finais 22

A mídia brasileira apresenta-se com a principal fonte de informa-23 ção dos educadores das escolas estaduais de Boa Vista/RR sobre o fenô-24 meno bullying. Fato que levanta extrema preocupação, por verificar que a 25 mídia nacional apresenta o fenômeno de forma inadequada, tendo como 26 agravante a falta de critério de algumas publicações profissionais sobre o 27 fenômeno. Nota-se que os educadores estão desinformados sobre o bul-28 lying, mas estão sendo cobrados pela mídia, pela sociedade, pela comu-29 nidade científica, pelas normativas jurídicas e pela Justiça a atuarem no 30 combate e prevenção do fenômeno. Inclusive, estão sendo responsabili-31 zados judicialmente pela ocorrência do bullying nos estabelecimentos. 32

As descrições do bullying por parte dos entrevistados são dispa-33 res, alguns generalizam o conceito, acabando por abranger todos os tipos 34 de conflitos e violência que ocorrem no ambiente escolar, tanto entre 35 alunos, como entre qualquer um dos sujeitos que convivem nesse espaço; 36 outros restringem o bullying aos atos de violência verbal e/ ou psíquica; 37

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uns focam no ato de colocar apelidos, uma das tipificações do bullying; 1 e, poucos demonstram análise crítica sobre o fenômeno. 2

Os recursos utilizados pelas escolas para resolver ações de bul-3 lying parecem seguir uma sequência gradativa, de acordo com a gravida-4 de dos fenômenos. Tendem a convocar a família para contribuir na reso-5 lução dos conflitos, mas identificam na Justiça e na Polícia a autoridade 6 que os educadores parecem ter perdido para lidar com a violência esco-7 lar. 8

A Justiça é uma aliada na resolução de conflitos e de violência en-9 tre alunos, que pode esclarecer questões relativas às legislações, infra-10 ções, punições, contribuindo principalmente na prevenção. Sendo impor-11 tante evidenciar que os educadores entendem o termo Justiça de forma 12 ampla abrangendo o Conselho Tutelar, as Delegacias de Proteção à Cri-13 ança e ao Adolescente (DPCAs), o Ministério Público, as Varas de In-14 fância e Juventude e o policiamento de forma geral. 15

Além da Justiça, outros parceiros são convocados a participarem 16 na prevenção e controle de conflito e violência entre alunos no contexto 17 escolar, tais como, Setor Psicossocial da Secretaria Estadual da Educa-18 ção, Universidades e serviços individuais de profissionais da Psicologia. 19

Os professores estão se sentido perdidos, sem referência, desloca-20 dos de seus lugares sociais. Sendo assim, necessitam de outros sujeitos 21 que possam resgatar seu posicionamento. No entanto, deve-se refletir 22 qual será o caminho do referido resgate. Percebe-se a necessidade de 23 mudança de paradigma nas escolas, para que o professor possa se perce-24 ber enquanto educador e não como sensor, que garante o respeito pela 25 ameaça de punição, ou seja, mantem a ordem pelo medo. 26

Nesse sentido, considera essencial um aprofundamento de estudos 27 e pesquisas da temáticas educação e violência escolar, de forma crítica, 28 seja em caráter geral, ou, ainda, nas especificidades, para que a Justiça e 29 a Polícia não se configurem como as principais aliadas na resolução dos 30 conflitos e violência neste contexto. 31

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