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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 42 Abr/Jun2010 >> 2,50 Euros PORMENOR DE ILUSTRAÇÃO DE FEDRA SANTOS TEMAS Jornalismo Público 2.0 O fim dos tempos ou a reinvenção do Jornalismo? Os media e a blogosfera (II) ENTREVISTA Carlos Camponez Os jornalistas e a auto-regulação ANÁLISE 15 anos de ciberjornalismo em Portugal

O fim dos tempos ou a reinvenção do Jornalismo? Os media e a

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 42 Abr/Jun2010 >> 2,50 Euros

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TEMAS

Jornalismo Público 2.0

O fim dos tempos oua reinvenção do Jornalismo?

Os media e a blogosfera (II)

ENTREVISTA

Carlos CamponezOs jornalistas e a auto-regulação

ANÁLISE

15 anos de ciberjornalismoem Portugal

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Nº 42 ABRIL/JUNHO 2010

SUMÁRIO

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TEMA 1Jornalismo Público 2.0O FIM DOS TEMPOS OU A REINVENÇÃODO JORNALISMO? A proposta de um Jornalismo dos Cidadãos baseia a sua

força argumentativa numa (re)ligação entre jornalistas e

cidadãos, tecnologicamente sustentada pela irrupção do

que se vem designando por uma Web 2.0. A centralidade

de uma agenda do cidadão convoca, dessa forma, um

forte paralelismo com o Jornalismo Cívico/Público, surgi-

do nos finais da década de 1980, nos Estados Unidos da

América. Por Paulo Nuno Vicente

TEMA 2OS MEDIA E A BLOGOSFERA CONFLITO EM PÚBLICO? (II)Por Helena de Sousa Freitas

ANÁLISE15 ANOS DE CIBERJORNALISMOEM PORTUGALOs média noticiosos portugueses começaram a desembar-

car na Internet em meados da década de 90 do século pas-

sado. Numa primeira fase, com muitas hesitações. Depois,

na viragem do século, com excesso de optimismo e investi-

mento a mais. Logo a seguir, veio a depressão, seguida de

um longo período de relativa estagnação, que se arrastou

praticamente por toda a primeira década do século XXI. O

balanço está longe de poder ser positivo. Por Helder Bastos

ENTREVISTACARLOS CAMPONEZ"Os jornalistas são um pouco desleixados com a sua auto-regulação"Por Carina Fonseca

JORNAL

[50] Ciência, política e media Por Ana Jorge

[54] Juan Gelman Por Carla Baptista

[56] Opinião Por Bruno Horta

[58] Livros Por Silas Oliveira e Carla Baptista

[62] Sites Por Mário Rui Cardoso

CRÓNICAPor Nair Alexandra

Colaboram neste número

Ana Jorge (UNL / CIMJ)

Bruno Horta (FREELANCE)

Carina Fonseca (FREELANCE)

Carla Baptista (UNL / CIMJ)

Fábio Teixeira (FREELANCE)

Francisco Torrão (DESIGNER FREELANCE)

Hélder Bastos (UNIV. PORTO / CIMJ)

Helena de Sousa Freitas (LUSA)

Luís Humberto Teixeira (FREELANCE)

Mário Rui Cardoso (ANTENA 1)

Nair Alexandra (FREELANCE)

Paulo Nuno Vicente (ANTENA 1 / Doutorando UT Austin-Portugal)

Silas de Oliveira (FREELANCE)

JJ|Abr/Jun 2010|3

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Page 4: O fim dos tempos ou a reinvenção do Jornalismo? Os media e a

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Tema

ImprensagratuitaUm admirávelmundo novo?

ENTREVISTA

MichaelSchudson

ANÁLISE

União Europeia:uma afirmaçãoproblemática

AMInas notícias

Jornalismofaz mal à saúde

JORNAL

AIEP quersair da sombra

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TEMA

INFOGRAFIAUm novo

génerojornalístico

PrémiosGazeta 2007

ANÁLISE

Revistas com estilo

ENTREVISTAS

Joaquim FidalgoJosé Nuno Martins ILUSTRAÇÃO: MÁRIO CAMEIRA

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ANÁLISE

Nascimentoe ascenção dasNewsmagazinesMEMÓRIA

João Coito

Tema

Jornalistasregressamà escola

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GRANDE PRÉMIO GAZETA

Jacinto GodinhoGAZETA DE MÉRITO

Manuel António PinaPRÉMIO GAZETA REVELAÇÃO

João PachecoPRÉMIO GAZETA IMPRENSA REGIONAL

PrémiosGazeta 2006

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Jornalismo Público 2.0

O fim dos tempos ou areinvenção do Jornalismo?

A proposta de um Jornalismo dos Cidadãos baseia a sua forçaargumentativa numa (re)ligação entre jornalistas e cidadãos,tecnologicamente sustentada pela irrupção do que se vemdesignando por uma Web 2.0. A centralidade de uma agenda docidadão convoca, dessa forma, um forte paralelismo com o JornalismoCívico/Público, surgido nos finais da década de 1980, nos EstadosUnidos da América. Que possibilidades e desafios são trazidos pelaincorporação de tecnologias móveis digitais - em particular, dotelemóvel - nas rotinas de produção noticiosa?

Texto Paulo Nuno Vicente Ilustração Francisco Torrão

TEMA 1

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Num sábado chuvoso, em Junho de1997, o Harvard Faculty Club serviude ponto de encontro para váriasdezenas de jornalistas e investi-gadores universitários. Na agendaestava um debate alargado sobre a

prática do Jornalismo norte-americano e da sua relaçãocom um interesse público alargado: o Jornalismo estava adiluir-se, progressivamente a tornar-se indistinto, mergu-lhando nas águas mais vastas, híbridas, das formas decomunicação concorrentes.

O debate seria orientado para o corpo de um livro. Eo grupo haveria de ganhar nome próprio: Commitee of

Concerned Journalists1 . Durante três anos, Bill Kovach eTom Rosentiel coordenaram um projecto de investi-gação dedicado a descrever a teoria e a cultura doJornalismo praticado nos Estados Unidos da América: 21debates públicos, com a presença de 3000 pessoas e otestemunho de mais de 300 jornalistas, uma série deentrevistas, conduzidas por investigadores univer-sitários, a mais de 100 profissionais do Jornalismo e maisde uma dezena de estudos seriam vertidos para a obraOs Elementos do Jornalismo: O que os profissionais do

Jornalismo devem saber e o público deve exigir (Kovach &Rosentiel, 2004).

No final do projecto de investigação Kovach eRosentiel apuraram nove fundações, nove princípios "quese esbateram ou diluíram ao longo dos tempos, mas queestiveram sempre presentes" (p. 9) no Jornalismo profis-sional exercido nos EUA: a primeira obrigação doJornalismo é para com a verdade; o Jornalismo deve man-ter-se leal, acima de tudo, aos cidadãos; a sua essênciaassenta numa disciplina de verificação; aqueles que oexercem devem manter a independência em relação àspessoas que cobrem; deve servir como um controlo inde-pendente do poder; deve servir de fórum para a crítica ecompromisso públicos; deve lutar para tornar interes-

sante e relevante aquilo que é significativo; deve garantirnotícias abrangentes e proporcionadas; aqueles que oexercem devem ser livres de seguir a sua própria con-sciência.

Pela sua proposição genérica, vagamente normativa,estes nove elementos - redigidos, interpretados e cumpri-dos com nuances, mais ou menos, consideráveis por todoo mundo - consubstanciam um edifício de valores germi-nais partilhados pelo Jornalismo. Em rigor, é precisamentea diversidade de apropriações destes princípios genéricosque estimula um dos mais abrangentes e concertados pro-jectos de investigação - Worlds of Journalism 2 - implemen-tado em 18 países distintos, com o objectivo de referenciare desconstruir as diversas culturas jornalísticas numa gre-lha de dimensões comuns.

No que se refere à relação entre o Jornalismo e aSociedade, em particular à luz dos processos de digita-lização - átomos transformados em bits como ADN dainformação (Negroponte, 1995) - a rápida disseminaçãoda noção de convergência complexificou a equação. Numecossistema comunicacional onde proliferam conteúdosque atravessam plataformas (cross-plataform), o termoserve frequentemente de atalho para designar a veloci-dade a que se fundem os desenvolvimentos na tecnolo-gia, nos mercados, na produção, no conteúdo e narecepção.

O Jornalismo vive hoje um tempo de redefinição,uma tensão entre a desestruturação, "o desunir de muitodo que até aqui estava assemblado e que constituía atéhá pouco tempo uma fórmula vencedora", e a reestrutu-

ração, "a inovação e a procura de novas e duradourasassemblagens" (Demers, 2007: 29). Pelo prisma dos mo-

delos de negócio, uma das fundamentais linhas de inter-pretação é a de que a reestruturação pode implicar umaconsiderável desestruturação socioeconómica (falências,encerramento de empresas, despedimentos, mão-de-obra precária).

TEMA 1 Jornal ismo Públ ico 2.0

O Jornalismo vive hoje um tempo deredefinição, uma tensão entre adesestruturação, "o desunir de muitodo que até aqui estava assemblado eque constituía até há pouco tempouma fórmula vencedora", e areestruturação, "a inovação e aprocura de novas e duradourasassemblagens."

Se atendermos, como sugere Demers,que a informação jornalística écomposta pela actualidade, pelaexpressão pública e pela autoridadeeditorial, fica claro que o(res)surgimento da retóricanormativa de um Jornalismo dosCidadãos, na última década, vemprestar um contributo central para atensão desestruturação/reestruturação.

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Se atendermos, como sugere Demers, que a infor-mação jornalística é composta pela actualidade, pelaexpressão pública e pela autoridade editorial, fica claroque o (res)surgimento da retórica normativa de umJornalismo dos Cidadãos, na última década, vem prestarum contributo central para a tensão desestruturação

/reestruturação.

O debate da noite chuvosa, no Harvard Faculty Club,mantém a sua actualidade; em rigor, revalidada à luz dadigitalização dos processos jornalísticos. Os profissionaisda área consideram que o Jornalismo é, ainda, de algummodo, diferente de outras formas de comunicação? Ondeidentificam as diferenças? Consideram que o Jornalismoprecisa de mudar? Mantendo ou não alguns princípiosbasilares? E quais?

O JORNALISMO CÍVICO E O JORNALISMO PÚBLICO

Será o Jornalismo dos Cidadãos uma proposta profunda-mente nova ou a remediação de uma ideia reiteradamentelatente?

O tema encontra fortes antecedentes e protagonistascomuns na proposta de um Jornalismo Cívico - posteri-ormente, denominado Jornalismo Público - surgido emfinais de 1980 e inícios de 1990, nos Estados Unidos.Emerge associado a uma tentativa de reposicionar o pa-radigma do jornalismo político, em particular, o do jor-nalismo praticado durante as campanhas eleitorais. Eleparte da evidência de seis toques de alarme 3 (Rosen,1994): a queda da leitura e a incerteza publicitária(económico), a indefinição do lugar do jornalista numsistema de comunicações amplamente reconfigurado(tecnológico), a Imprensa como parte de uma classepolítica enfraquecida (político), as redacções comoespaços de inovação, democracia e diversidade limitadas(ocupacional), a ausência de uma visão afirmativa da

vida pública (espiritual) e um vocabulário jornalísticoempobrecido (intelectual).

O Jornalismo Público não pretende, contudo, um sim-ples diagnóstico; ele assume um ponto de partida pro-gramático, propõe específicas linhas de acção. Pelos ter-mos de Rosen (p. 44), ele é uma "verdade praticável" queprocura restaurar a ideia de um público activo na imagi-nação política dos jornalistas. Fá-lo através de um reforçoda ética comunitarista - um bem comum como alternativaaos direitos individuais - estabelecendo no seu epicentro aedificação de uma agenda do cidadão ou, por outros termos,um agenda-setting dos cidadãos.

Esse levantamento de uma agenda de temas cívicos

procura (re)fundar uma relação de diálogo dirigida àsolução dos problemas concretos do quotidiano, i.e., estadeslocação do pólo informativo da notícia para a cidadania

assume a edificação de um jornalismo de proximidade

(Camponez, 2002) baseado na redescoberta dos valorescomunitários como resposta ao "universalismo, à crise doracionalismo, a uma certa crítica do Homem unidimen-sional, à falta de respostas nas burocracias dos aparelhosde Estados e da administração pública, ao ruir do mundodividido em blocos" (p. 160).

Essa revolução coperniciana sugere, pois, que o jorna-lista não se resuma à função do observador, situado nopalco privilegiado das elites sociais, e passe a situar-se entre

os cidadãos. Ao evidenciar essa tendência comunitarista(Mesquita, 2003), o Jornalismo Público procura uma"reforma da cidadania e reformulação do jornalismo" (p.26) ou, mais claramente, uma reforma da cidadaniaatravés da reformulação do jornalismo.

A WEB 2.0 E O JORNALISMO DOS CIDADÃOS

Se, até ao início da primeira década de 2000, as reivindi-cações de uma aproximação do Jornalismo à realidade

Os profissionais da área consideramque o Jornalismo é, ainda, de algummodo, diferente de outras formas decomunicação? Onde identificam asdiferenças? Consideram que oJornalismo precisa de mudar?Mantendo ou não alguns princípiosbasilares? E quais?

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social que reporta cabiam, fundamentalmente, a sectoresdescontentes de jornalistas profissionais, a investigadoresuniversitários e a alguns sectores da sociedade civil epolítica - por exemplo, a Comissão MacBride criada pelaUNESCO - veremos, de seguida, como a proposta de umJornalismo dos Cidadãos convoca agora exigências direc-tas por sectores sociais até aqui conhecidos como o públi-

co, e como essas reivindicações utilizam um argumento delegitimidade baseado na liberalização tecnológica da pro-dução de discursos.

Uma compreensão apurada das propostas doJornalismo dos Cidadãos é indissociável da realidadetecno-social da denominada Web 2.0. Em boa medida, elaaproxima-se daquilo que Tim Berners-Lee idealizou comosendo uma Read/Write Web, i.e., um sistema global hiper-textual, baseado na Internet e pensado para a combinaçãode conhecimentos, que os utilizadores podem, simultane-amente, consultar (ler) e criar (escrever).

Nessa exacta medida, "o valor do software é propor-cional à escala e dinamismo dos dados que ajuda a gerir"(O'Reilly, 2005). Esse é o mantra essencial desta segundaidade da Web: uma dinâmica pela qual os utilizadoresgeram valor-acrescentado, testam novos serviços emtempo real, dando forma a uma inteligência colectiva - deque a Wikipedia é o mais evidente exemplo - pelo que pres-cindem de alguns direitos de propriedade intelectualtradicionalmente reservados (Creative Commons). Estaarquitectura de participação é reforçada por um modelode personalização (RSS) e de constância (permanent link),em que os dados são remisturáveis e transformados(mashup).

Este novo hibridismo técnico sugere, pois, um novohibridismo social. É esse o entendimento que deleextraem os proponentes de uma revolução entre asnoções de amador e profissional (Leadbeater & Miller,2004): "um Pro-Am prossegue uma actividade como umamador, sobretudo pelo amor a ela, mas estabelece

critérios profissionais. Os Pro-Ams não ganharão maisdo que uma pequena porção dos seus rendimentos combase no seu passatempo, mas prosseguem-no com a de-dicação e o compromisso associados a um profissional.Para os Pro-Ams, o lazer não é o consumismo passivo,mas activo e participativo; envolve o estabelecimento deconhecimentos e perícias publicamente acreditadas, fre-quentemente construídas ao longo de uma longa car-reira" (p. 20).

A digitalização associada à Web 2.0 aprofunda a tensãodesestruturação/reestruturação ao problematizar a dife-renciação entre profissionais, amadores e amadores com

critérios profissionais. Será este um novo híbrido social ouantes uma permanência histórica que, assente nas cor-porizações da Web 2.0, encontra novas formas deexpressão internacional?

Longe de ser uma criação intelectual da década de2000, o Pro-Am recupera a ideia de um prossumidor (pro-

sumer), avançada há trinta anos (Toffler, 1980). Em boamedida, sugere o autor, coube à Revolução Industrialtornar clara a distinção que, de resto, é expressiva seobservarmos as práticas de agricultura de subsistência: oindivíduo consome o que produz. Até certo ponto, oJornalismo dos Cidadãos propõe esse mesmo modelo deautarcia informativa.

Seguindo os exactos termos de Toffler: "um modo maisrevelador de pensar sobre a economia é o de entendê-lacomo tendo dois sectores. O Sector A abrange todo o tra-balho não-remunerado feito directamente pelas pessoaspara elas próprias, para as suas famílias, ou para as suascomunidades. O Sector B compreende toda a produção debens e serviços para venda ou troca através de uma redede troca ou mercado" (p. 266).

Na exacta medida em que a Web 2.0 pôs, em boa medi-da, fim à invisibilidade daquele Sector A, a tensão desestru-

turação/reestruturação no actual ecossistema comunica-cional sugere, pois, uma terceira vaga capaz de superar a

TEMA 1 Jornal ismo Públ ico 2.0

A digitalização associada à Web 2.0aprofunda a tensãodesestruturação/reestruturação aoproblematizar a diferenciação entreprofissionais, amadores e amadorescom critérios profissionais. Será esteum novo híbrido social ou antes umapermanência histórica que, assentenas corporizações da Web 2.0,encontra novas formas de expressãointernacional?

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oposição entre os dois sectores, o que se poderá chamarde Jornalismo Colaborativo, o fenómeno que Toffler, nadécada de 1980, apelidava de "uma nova era de síntese"(p. 130) ou, avançando para a remistura, um Jornalismo

Público 2.0.

Recuperando a proposta de Jay Rosen (1994), estahipótese exige uma nova inteligência sobre os assuntossociais. Pelo prisma das fontes de informação, os jornalis-tas são confrontados com um alargamento dos "cérebrosde confiança" disponíveis (p. 38). Ao mesmo tempo, comas metamorfoses promovidas pela Web 2.0, a linha entre ojornalismo e as publicações pessoais torna-se difusa(Lasica, 2003), "graças a novas ferramentas ubíquas quetornam possível que qualquer pessoa possa publicar ereportar notícias".

O que a Web 2.0 sugere é, pois, uma autoridade editorial

dispersa. Essa retórica de legitimidade parte frequentementede pressupostos identificáveis: o lugar da enunciação - debaixo para cima, o grassroots journalism de Gillmor (2005),a agenda do cidadão de Rosen; o número - seguindo umalógica de raciocínio em que mais vozes (quantidade) corres-pondem a vozes distintas (qualidade).

NOVAS APROPRIAÇÕES SOBRE O ESPAÇO E O TEMPO

A noção de media locativos - "dispositivos informacionaisdigitais cujo conteúdo da informação está directamenteligado a uma localidade" (Lemos, 2007) - implica umarelação entre lugares e dispositivos móveis inédita. Detodos os aparelhos disponíveis, o telemóvel é o mais gen-eralizado: se, nos países de altos rendimentos, elealcançou um estatuto de quasi-ubiquidade, nos países demédios e de baixos rendimentos ele revela-se umaprimeira forma de conectividade em rede.

O telemóvel é, nessa medida, o "único aparelho univer-sal" (Ahonen, 2008): um sétimo meio de comunicação demassa, um quarto ecrã (p. 49). Apesar disso, os estudos

jornalísticos não têm considerado a sua dimensãomediática; possivelmente, porque essa cultura dotelemóvel (Goggin, 2006) é percebida como "uma espéciede cultura popular, entendida como uma cultura baixa evulgar das multidões. Enquanto isso, o facto é que ele temusos instrumentais e responde a determinadas necessi-dades" (p. 205).

Em boa medida, essa cultura do telemóvel é fatia dobolo maior de uma cultura da convergência (Jenkins,2006), "onde os novos e os velhos media colidem, onde osmedia de base e empresariais se intersectam, onde opoder do produtor de media e o poder do consumidor demedia interagem de forma imprevisível (p. 2).

Estas novas mobilidades - um mundo social progressi-vamente móvel que altera a natureza da interacção e daorganização social (Green & Haddon, 2009) - derivam deuma computação ubíqua (Weiser, 1991), i.e., uma informa-tização que se infiltra no quotidiano e que, até certoponto, se torna indistinguível dele.

O telemóvel generalizou consideravelmente a portabi-lidade das ligações sociais (Chayko, 2008), "as comu-nidades são agora facilmente tornadas móveis e podemser construídas, mantidas e acedidas de praticamentequalquer sítio a qualquer hora" (p. 5). Estamos, pois,diante não apenas de comunidades interactivas (Web 2.0),mas de comunidades portáteis.

Pelo prisma tecnológico do Jornalismo, ao entrarmosnum tal "ambiente móvel de produção" (Silva, 2007), pelaqual, "com essa estrutura disponível, o jornalista alcança amobilidade para narrar as notícias in loco e em tempo real,sem a necessidade de deslocamento até à redacção paraedição do material" (p. 6), chegamos a um tempo de MoJos

(mobile journalists) e de LoJos (locative journalists) em que otelemóvel - de forma geral, as tecnologias móveis, comonotebooks e netbooks - assume o estatuto interactivo de umlugar-objecto.

Nesse sentido, estaremos cada vez mais distantes de

O que a Web 2.0 sugere é umaautoridade editorial dispersa. Essaretórica de legitimidade partefrequentemente de pressupostosidentificáveis: o lugar da enunciação- de baixo para cima, o grassrootsjournalism de Gillmor (2005), aagenda do cidadão de Rosen; onúmero - seguindo uma lógica deraciocínio em que mais vozes(quantidade) correspondem a vozesdistintas (qualidade).

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um telemóvel unívoco; ele é (quase) tudo - máquinafotográfica e de vídeo, televisão e cinema, leitor de músi-ca, correio electrónico, mensagens escritas e multimédia,WAP, GPS… - aproximando-se do estatuto de central decomunicações no bolso ou, como escreve Lemos (2004),"um controlo remoto para diversas formas de acção noquotidiano".

É, pois, a intermediação jornalística que volta a serquestionada, não apenas pela compressão sugerida pelainstantaneidade adoptada enquanto valor jornalístico,mas por uma nova disseminação pública (Green &Haddon, 2009) que além de interactiva é mobilizada.

São uma vez mais as relações de poder entre jornalis-tas e públicos a evidenciarem a sua centralidade (Ling &Donner, 2009), na exacta medida em que "fica claro que otelemóvel faz parte de um movimento de jornalismo "doscidadãos" ou "participativo", que é nalguns casos maisdirecto, mais aberto ao comentário público do que as for-mas tradicionais, e está a fornecer ao consumidor de notí-cias abordagens alternativas sobre os acontecimentos" (p.119).

Como já apontam alguns estudos (Gordon, 2007), arelevância do telemóvel em momentos críticos é consi-derável se a percebermos enquanto "ferramenta impor-tante, para documentar e reportar acontecimentos detestemunhas e dos que estejam envolvidos" (p. 307),para além dos limites de censura impostos à Liberdadede Imprensa pelos processos de transferência de tec-nologia associados a convergências políticas auto-ritárias.

Ilustram esta tendência projectos colaborativos de geo-referenciação como Ushahidi - "testemunho" em Swahili -implementados, a exemplo, no Quénia, RepúblicaDemocrática do Congo, Haiti, EUA, Uganda, Malawi eZâmbia, na Faixa de Gaza ou iniciativas de fiscalizaçãomóvel de eleições, como a que foi estimulada emMoçambique (Outubro de 2009) pelo Centro de Integridade

Pública e pela Associação de Parlamentares Europeus paraÁfrica (Awepa).

A prática do que se auto-aproxima de uma reportagem

informal (Robinson & Robison, 2006) transporta, contudo,sérios riscos de uma paparazzização das comunicações, naexacta medida em que "a recolha cooperativa de infor-mação vai continuar a diluir a linha entre o amador e oprofissional" (p. 99).

A necessidade de gerir comunidades portáteis talveznunca tenha confrontado de modo tão expressivo oJornalismo. Essa gestão, à luz dos dispositivos móveis, evi-dencia os limites da retórica libertária de que tudo é jornal-

ismo, ao mesmo tempo que demonstra as insuficiências deum jornalismo palestra fechado sobre si mesmo.

UM NOVO "NOVO JORNALISMO"?

A tensão desestruturação/reestruturação no Jornalismo, sub-sidiada pela Web 2.0, é potenciada pelo uso das tecnolo-gias móveis na produção e na recepção de conteúdosinformativos. Se todos os jornais cabem agora no bolso(Fidalgo & Canavilhas, 2009), é igualmente certo que aproliferação diluviana das torrentes comunicacionais quepartem das comunidades portáteis vem estimulandouma compressão libertária da Ética e da Deontologia jor-nalísticas.

O abalo sísmico tem, pois, epicentro no exercício depoder da intermediação jornalística - um questionamentodirecto à sua capacidade de monitorização. Se, em parte, oque o Jornalismo dos Cidadãos sugere é uma relocalização

das formas de participação pública - das suas geografias(espaço) e ritmos (tempo) - podem as tecnologias móveisoperar como uma (re)legitimação do jornalismo?

Nesse ponto, a ideia de um jornal mutualista exige maisdo que a dicotomia velhos media VS novos media, e está paraalém de um duelo nós jornalistas profissionais VS eles jornal-

TEMA 1 Jornal ismo Públ ico 2.0

A necessidade de gerir comunidadesportáteis talvez nunca tenhaconfrontado de modo tão expressivoo Jornalismo. Essa gestão, à luz dosdispositivos móveis, evidencia oslimites da retórica libertária de quetudo é jornalismo, ao mesmo tempoque demonstra as insuficiências deum jornalismo palestra fechadosobre si mesmo.

Corresponderá o Jornalismo dosCidadãos a um ímpetocomunitarista emergindo do coraçãodas sociedades democráticasliberais? Ou, pelo contrário, a umreforço desse liberalismo enquantoagregação torrencial de "agendas docidadão" individualizadas edesinteressadas do bem comum?

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istas cidadãos. A equação deve ser reelaborada pela univer-sidade, reposta à experimentação pela indústria; a uniãodos dois contributos permitirá o apuramento, a descriçãoe a categorização da multiplicidade de manifestações deum jornalismo conversação; e com base nisso, a estabilizaçãode um quadro realista de normativas.

Precisamos, pois, de reavivar e rever uma literacia dosmedia (Gillmor, 2009a), "numa era de saturação mediática,no centro de um ecossistema de jornalismo e informaçãocomunitária em desenvolvimento" (p. 1).

Corresponderá o Jornalismo dos Cidadãos a umímpeto comunitarista emergindo do coração das socie-dades democráticas liberais? Ou, pelo contrário, a um re-forço desse liberalismo enquanto agregação torrencial de"agendas do cidadão" individualizadas e desinteressadasdo bem comum?

Esta proposta será tão mais autoritária quanto sirva,simultaneamente, para examinar as diferentes manifes-tações exibidas dentro das tradicionais formas de exercíciodo Jornalismo. Não será tanto um debate sobre um medi-

um, antes sobre as apropriações sociais que dele são feitas. Um dos problemas de postular, genérica e acritica-

mente, que as pessoas anteriormente conhecidas como opúblico (Rosen, 2006) são jornalistas corresponde ao dediluir, na origem, a diferença entre autenticidade dos factos,

mecanismos de verificação e normativas ético-deontológicas.Se o Jornalismo dos Cidadãos pode ser perspectivado

pelo prisma da indústria, da audiência e de uma culturada convergência (Deuze, 2009), deve, pois, assumir-seque ele não é, neste momento, tanto um conceito estabi-lizado, quanto uma diversidade de variações práticascom base em algumas ideias partilhadas; lembrando,como propunham Kovach e Rosentiel, há mais de umadécada, numa noite chuvosa passada no HarvardFaculty Club, que o Jornalismo não se justifica a sipróprio, mas pelas consequências sociais (benefícios,prejuízos) que gera.

Notas

1) Comissão de Jornalistas Preocupados

2) http://www.worldsofjournalisms.org/

3) Apurados no decurso da investigação Project on Public Live and the Press,

levado a cabo entre 1990 e 1992.

4) Consultar http://lojoconnect.com

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Simbiose ou parasitismo?Blogues e agenda mediáticaO tema é regular em debates e encontros mas o consenso parece difícil, mesmo entre osprofissionais com presença nos dois terrenos. Afinal, os jornalistas “picam” os blogues efazem-se donos da notícia? Ou o procedimento é inverso? E, em termos de agenda, quemdita e quem segue? Admitir que se consulta a blogosfera causa embaraço nas redacções?

Atendência actual ainda é para serem “as agen-das mediáticas a influenciar os blogues”, defen-de Dina Soares, da Rádio Renascença, assegu-rando não os utilizar como fontes “directas ou

indirectas” nem conhecer jornalistas que a eles recorramcom esse intuito.

António Granado tem outra opinião, suspeitando que,nas redacções, “há receio de admitir que se utilizam blo-gues para recolher informação”.

Num momento em que a influência da blogosfera naagenda mediática “já ocorre”, embora seja “ainda muitolimitada”, o ex-editor do Publico.pt assinala que há blo-gues de media “que valem muitas vezes mais do que mui-tas páginas de jornais”. Há igualmente “muitos bloguesde ciência que são do melhor que se produz na Internet”e outros tantos de tecnologia “que ganharam uma credibi-lidade bastante superior às páginas dos grandes órgãos deinformação mundiais”.

E, salientando à JJ que “há muito boas vozes e muitomás vozes” na blogosfera, o autor do blogue Ponto Mediaconsidera que “dar voz ao que é mau seria péssimo, darvoz ao que é bom só ajuda a melhorar o jornalismo”.

Também jornalista e blogger, José Mário Silva, segundoquem “hoje em dia todos os directores de jornais e todosos editores acompanham de perto o que se passa não sóna blogosfera como no Twitter e nas redes sociais”, consi-dera que a Net se tornou “uma fonte infinita de factos etendências noticiosas, explorada e canibalizada a toda ahora pelos media tradicionais”.

Para o autor do blogue Bibliotecário de Babel, que seconfessa um seguidor da blogosfera – até por ser aí quesurgem, amiúde, “certas notícias em primeira-mão” –,

neste momento a questão já não é “saber quem vai àInternet procurar factos e ideias (vão todos), mas saberquem os procura melhor”.

O BLOGUE COMO FONTE COMPLEMENTAR

Acreditando que a maioria dos jornalistas “utiliza bloguescomo fontes de informação, quer directa quer indirecta-mente”, muitas vezes “sem lhes darem o devido crédito”,José Mário Silva, coordenador da secção de livros da revis-ta Actual, do Expresso, e colaborador permanente da Ler,é da opinião que também o público já olha para estesespaços “com menos desconfiança”.

São, talvez, “fontes de informação alternativas”, sugereCarla Maia de Almeida, freelancer e dinamizadora do blo-gue O Jardim Assombrado, que reconhece, sem proble-mas, dar uso a estas ferramentas, “normalmente comocitação e sempre com referência à origem”, já que a utili-zação de informações obtidas na blogosfera sem indicaçãoda proveniência é comparável a um “plágio”.

Um roubo intelectual que João Paulo Meneses, duran-te cinco anos animador do Blogouve-se, reconhece existirpor parte da classe jornalística mas cuja prática tambémrejeita. Declarando que, no geral, “há cada vez mais gentea procurar informações nos blogues”, o jornalista da TSFassinala, contudo, que “o anonimato não ajuda” a validarestes espaços.

Talvez por isso, Miguel Carvalho, grande repórter naVisão, aconselhe “redobradas cautelas”. “Um dado oupista proveniente de um blogue é apenas parte de umprocesso de recolha, investigação e contraste de informa-ção”, sublinhou à JJ.

“Pretender que uma qualquer informação retirada de

TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

Textos Helena de Sousa Freitas

Esta é segunda e última parte do dossiê “Os media e a blogosfera”. Tendo uma leituraautónoma, as duas partes são complementares, pelo que aconselhamos os leitoresinteressados no tema a lerem também a primeira parte, publicada no número anterior da JJ

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um blogue é automaticamente notícia, é fraudulento”,embora também não seja admissível “picar” a blogosferae tornar o material aí obtido propriedade própria, alerta ojornalista, que marca presença no meio com A DevidaComédia.

“Se uma pista ou informação dada por um blogue foicredível e ajudou a sustentar uma notícia, devemos citá--lo”, frisa, lamentando que “a vontade de mostrar serviço,o desleixo e a irresponsabilidade jornalística” por vezeslevem à ocultação da origem de certos dados, fazendo dosblogues “parentes pobres do processo de tratamentoinformativo”, em lugar das fontes complementares emque estes “podem e devem” constituir-se, até por algunsserem “bastante úteis”.

Podemos, então, falar de uma influência dos bloguesna agenda dos órgãos tradicionais? Miguel Carvalho é

peremptório: “Sim e cada vez mais. O que está a levar-nospor caminhos perigosos”.

“As redacções quase deixaram de ter uma agenda pró-pria. Vamos muito atrás da agenda das instituições e dosprotagonistas, resultando em informação requentada emuito igual na generalidade da imprensa. O resto dotempo é gasto a passar alguns blogues e sites a pente fino,sem sair da secretária”, critica, concluindo: “O jornalismodo Portugal sentado está a levar a melhor e isso talvezexplique porque muitos leitores fogem. Estamos a precisarde olhar mais para a rua e menos para o computador e épena que os grupos detentores dos media estejam cadavez menos dispostos a investir nisso”.

“BÁLSAMO” FACE AOS MEIOS CONVENCIONAIS

Neste contexto, pode a blogosfera emergir como alternati-

“Todos os directores de jornais e todos oseditores acompanham de perto o que se passanão só na blogosfera como no Twitter e nas redessociais.”

José Mário Silva

LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

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va aos órgãos ditos convencionais? João Paulo Menesesfaz prontamente a destrinça, afirmando que os bloguessão “um meio alternativo e válido, mas não jornalismo”.“É normal que coexistam e que possam coexistir cada vezmais, mas são coisas diferentes e devem manter-se dife-rentes”, complementa.

A verdade é que, embora no estrangeiro “alguns blog-gers já tenham um estatuto intermédio entre o convidadoe o jornalista”, por vezes conseguindo acreditações paraeventos como se fossem imprensa, entre nós a realidade émuito distinta, sendo “pouco provável que haja jornalis-mo sério a ser feito nos blogues enquanto não houver umrendimento associado”, assinala Pedro Mexia, cronista ecrítico com presença semanal no Público e na TSF e activi-dade constante na blogosfera.

José Mário Silva concorda. “Para ser um meio infor-

mativo alternativo, a blogosfera necessitava de conseguira independência económica que ainda não tem. Talvezquando a migração da publicidade do papel para osmeios digitais se concretizar, aconteça esse salto”, afirma,descrevendo aquele espaço como “um valioso comple-mento” dos órgãos convencionais e, pontualmente,“uma espécie de bálsamo que oferece serviços públicosque os media tradicionais deixaram de poder, ou querer,prestar”.

“Reportando-me a Portugal, creio que, em certas áreas,há até mais informação nos blogues do que nos jornais. Einformação nova. É claro que está em bruto, não é tratadacom os cuidados que um jornalista teria se a difundisse noórgão em que trabalha, e que, nalguns casos, tem umabase factual mínima e uma grande componente de opi-nião, mas, mesmo assim, o panorama mediático portu-

TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

“Em certas áreas, há até maisinformação nos blogues doque nos jornais. Einformação nova.”

Pedro Mexia

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guês seria muito mais pobre se os blogues que dão estasinformações não existissem”, declarou Pedro Mexia, quedinamiza agora o blogue Lei Seca, à JJ.

Apesar de estes espaços poderem começar a ser encara-dos como outra via de acesso à informação, a distânciaentre a blogosfera e o jornalismo é retomada por DinaSoares, do blogue colectivo Escola de Lavores, com baseem preceitos fundamentais da profissão.

“O jornalismo obedece a regras de recolha e verificaçãoda informação, de contraditório. Há princípios éticos edeontológicos que dão garantias de credibilidade ao que épublicado. Na blogosfera nada disso existe nem tem deexistir”, salienta a jornalista da Renascença, para quemdar ouvidos aos que sugerem os blogues como um meioinformativo alternativo pode afundar-nos num terreno“completamente pantanoso”.

Na opinião de Carla Maia de Almeida, “já estamos numterreno pantanoso” mas em matéria de jornalismo, embo-ra, ainda assim, seja “de lamentar” se a blogosfera substi-tuir o suposto quarto poder.

“Porque é óbvio que um blogger, por bem informado elinguisticamente competente que seja, ainda não dispõedos meios que um jornalista de um órgão de comunicaçãosocial tradicional tem ou deveria ter. Não temos deembandeirar em arco com esta aparente democratizaçãodo acesso à informação. É verdade que não pago nadapara ter um blogue, mas preferiria, de longe, pagar paraaceder facilmente a um jornalismo interessante, compe-tente e transparente. Do qual também gostaria de fazerparte, sendo paga para isso, obviamente”, esclarece a cola-boradora das revistas Ler, Notícias Magazine e NotíciasSábado.

FERNANDO VELUDO/NFACTOS

“São um meio alternativo e válido, masnão jornalismo.”

João Paulo Meneses

JJ

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Paulo Querido, pioneiro da blogosfera

“Os bloggers dependem bastantemais do trabalho dos jornalistasdo que o inverso”Somou quase trinta anos de jornalismo (1981-2009) e já leva mais de duas décadas deciberpresença (desde 1989), sendo co-autor do primeiro livro português sobre a blogosfera.Na sequência da recolha de material para essa obra, intitulada “Blogs”, criou, a 10 de Junhode 2003, o primeiro alojador nacional de blogues aberto ao público: weblog.com.pt.

Jornalismo & Jornalistas – Acompanha a blogosfera desde

os seus primórdios. Como percepciona, actualmente, a rela-

ção entre jornalistas e bloggers? Estão do mesmo lado da

barricada ou em trincheiras opostas? Podemos falar de uma

relação de interdependência?

Paulo Querido – Há que separar as realidades. A relaçãoentre jornalistas e bloggers muda em diferentes regiões doplaneta e nos EUA não é, sequer, parecida com a portu-guesa: do outro lado do Atlântico há muito mais informa-ção publicada em primeira-mão por bloggers.

Assim, direi que já passaram os tempos das barricadas:em 2003-2005, no início da explosão da auto-edição, existiaessa dicotomia, mas foi desaparecendo.

Hoje há uma relação de interdependência, sendo queos bloggers dependem bastante mais do trabalho dos jorna-listas do que o inverso. São os jornalistas que mandam naagenda da relação, uma vez que são eles quem produz amatéria que vai servir de alimento à actividade dos blog-gers; o caminho inverso existe, claro, mas com muitomenor frequência.

Apesar disso, nas redacções – sobretudo nas secções depolítica – dá-se muita atenção à opinião dos bloggers e osentido desta é, por vezes, determinante nos ângulos deaproximação aos factos, acontecimentos e pessoas.Considero isto normal e até desejável: o jornalista estáhoje menos isolado do mundo e sabe melhor como pen-sam, e reagem, alguns públicos – os mais esclarecidos ou,se preferirmos, os mais interessados.

Em Portugal há, curiosamente, alguns sectores onde arelação entre bloggers e jornalistas não fez faísca alguma.Dois deles: o noticiário sobre celebridades e a informaçãotecnológica, da Internet, redes sociais e noticiário econó-mico ligado a elas.JJ – E que diferenças fundamentais encontra entre estes dois

espaços? A oposição jornalismo/blogosfera sublinha a antí-

tese informação versus opinião?

PQ – Por um lado sublinha-a, sim. Para simplificar, diga-mos que o custo de produzir opinião é bastante menor doque o custo de produzir informação. Um blogger, mesmoque exerça jornalismo amador de alguma forma, não dis-põe dos recursos necessários à produção de informação,que envolve vários processos consumidores de tempo eaté de dinheiro: a recolha de informações, a sua verifica-ção, por vezes em muitas fontes distintas, o tratamento, aprodução multimédia, quando a haja...

É claro que, nalgumas situações, um grupo de bloggerspode entreajudar-se e produzir uma peça de informaçãocapaz de rivalizar com a peça de um meio sobre o mesmoassunto/acontecimento – mas essas são as excepções queconfirmam a regra, e a regra é: a informação é cara.

Com isto não quero dizer, muito pelo contrário, quenão haja pontos de contacto e até de cooperação no pro-cesso, com ganhos mútuos. Agora, em geral, a blogosferanão rivaliza com o jornalismo na produção de informação,sendo sobretudo isso que separa os dois mundos.

Dito isto, um reparo: da blogosfera americana, sobretu-do, mas também da francesa e da espanhola nasceramdiversas novas marcas de media que produzem informaçãodo melhor nível. Publicações como o Mashable e oTechcrunch nasceram como blogues, das mãos de bloggers,e mantêm essa matriz, mas profissionalizaram processos etornaram-se tão boas nos seus nichos como as publicaçõesde matriz jornalística, quando não melhores. Aspectocomum a estas profissionalizações é a contratação de jorna-listas, articulistas e outros autores e profissionais dos media.

Em Portugal não vingou até à data nenhuma publica-ção alternativa, embora no campo do futebol existam pro-jectos com perspectivas auspiciosas, caso optem por selançar nessa aventura.JJ – A blogosfera trouxe algo de novo à interacção dos jorna-

listas com o público?

PQ – Trouxe uma verdadeira revolução. Até aos blogues, a

TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

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interacção entre leitores e jornalistas – ou o que estes pro-duzem, as peças, notícias, etc. – era muitíssimo reduzida esempre filtrada.

Com a blogosfera, tudo mudou. O comentário do leitornão está nem sujeito aos cortes pelas razões de espaço eoportunidade, nem condenado à subalternidade. A hie-rarquização do comentário depende apenas da qualidadeda sua mensagem. Não raro, atinge o patamar da correc-ção ao artigo; e se contribuir com dados novos, esquecidosou pertinentes, melhor.

É claro que a maior parte dos comentários se fica pelospatamares do posicionamento do leitor face à notícia, aosintervenientes ou ao autor dela, mas isso é irrelevante:importa que a interacção aumenta por força da abertura e

da maior transparência na relação.JJ – É jornalista e blogger. O público fará a distinção entre o

profissional e o cidadão? Ou “uma vez jornalista, sempre

jornalista”?

PQ – O público faz o que lhe apetece, o que é um poucocruel. Mas continuo a achar o mesmo de há 30 anos: o jor-nalista tem direito à opinião e deve expressá-la devida-mente identificada. O meu blogue é um espaço de opi-nião, não de informação, que só episodicamente ali terálugar.

ACESSO ÀS MASSAS: O PODER REPARTIDO

JJ – No livro “Blogs”, que escreveu com Luís Ene, é dito que

foi sobretudo com a blogosfera que o cidadão passou a ter

“Em geral, a blogosfera não rivaliza com ojornalismo na produção de informação, sendosobretudo isso que separa os dois mundos.”

“No início, a vertigem do poder de publicar deua muitos a ilusão de que podiam atingir opatamar do jornalista só porque tinham umblogue.”

LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

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acesso directo às massas, algo que, até

início deste século, estava reservado à

comunicação social. A classe jornalística

tem, então, de repartir o seu poder?

PQ – Sim. Isso já está a acontecer umpouco por todo o mundo, em velocidadese escalas diferentes. Um dos mais vistosospoderes, o de provocar e liderar causassociais, foi dos primeiros. Com as redessociais a potenciarem a capacidade orga-nizativa de indivíduos e colectivos,sobram poucas ou nenhumas “causas”para o jornalismo liderar. Pode, quandomuito, fazer eco, juntar-se-lhes.

Outro poder que já está repartido, paranão dizer perdido, é o poder de certificara “verdade” e quais das verdades são asmais importantes (a primeira página). AWikipedia, o Digg e os outros mecanis-mos de agregação de sabedoria e decrowdsourcing desmantelaram esse poderde certificação.

Terceiro exemplo, o do endosso. Acapacidade de influência dos críticos tra-dicionais – do cinema aos vinhos – dimi-nui na proporção do surgimento de meca-nismos alternativos, como os sites derecomendações que também usam técni-cas de crowdsourcing, e do alargamentodas redes sociais; quanto mais natural é ouso destas, mais as pessoas tomam asdecisões do dia-a-dia, como ver um filmeou escolher o restaurante ou hotel, emfunção da proximidade, da consulta aos pares, e não emfunção do crítico/jornalista.

Finalmente, cada vez mais fontes de informação – deempresas a governos – usam as redes para distribuir assuas versões dos factos; a quantidade de informaçãoaumenta, bem como a quantidade de receptores capazesde a avaliar e redistribuir acrescentando valor, através deum juízo (opinião) ou da conjugação de informação paraproduzir uma análise independente.

Mas o preocupante não é a divisão de poderes, é a reac-ção das empresas jornalísticas a ela: surgem aos olhos dosseus leitores com um maior grau de comprometimentocom as fontes e com os sectores. Em vez de reforçarem assuas competências para se distinguirem, parecem teroptado por desbaratar o seu prestígio, sacrificando a inde-pendência e o rigor.JJ – Não estará a blogosfera a alimentar a ideia de que qual-

quer pessoa pode ser jornalista?

PQ – A blogosfera trouxe a democratização do acesso aosmeios de produção, às ferramentas de edição e de distri-buição do produto jornalístico. Antes dela, o indivíduoque queria ser jornalista tinha de ir para um jornal, único

local onde dispunha das ferramentas;com ela não precisa de o fazer: vive imer-so nas ferramentas e na informação.

Agora, é verdade que, no início, a ver-tigem do poder de publicar deu a muitosa ilusão de que podiam atingir o patamardo jornalista só porque tinham um blo-gue. O poder do jornalista conquista-seao longo do tempo, num processo de finsnem sempre garantidos. Nesse tempo ojornalista é submetido a provas, que temde vencer. Qualquer pessoa pode ser jor-nalista e hoje é mais fácil chegar lá.Contudo, não é jornalista quem quer masquem consegue superar a aprendizageme revelar-se competente na função.JJ – A prática num blogue pode vir a susci-

tar, no seu autor, interesse pelo jornalismo

enquanto profissão?

PQ – Poder, pode. As semelhanças dosmeios – publicação, audiência, resposta –leva alguns a pensar nisso. Mas a esmaga-dora maioria desiste. O jornalismo profis-sional demanda em permanência recur-sos a que um blogger individual acede epi-sodicamente, a começar pelo tempo e aacabar no dinheiro.JJ – A blogosfera concorre já, ou tem condi-

ções para vir a concorrer, com os órgãos de

comunicação social tradicionais? Pode ser,

realisticamente, vista como uma ameaça?

PQ – Se tomarmos a blogosfera isolada-mente, não é grande ameaça... Concorre

em áreas como a opinião política, o mexerico (excepto emPortugal, onde os órgãos incumbentes dominam), massem ameaçar o essencial dos meios de comunicação social,que é a informação. Tem, sim, um papel afluente em ter-mos da distribuição da informação produzida por estes:os links, e os comentários, dos blogues levam diariamentemilhares de leitores aos sites dos jornais. Na verdade estesdeviam pagar pela deferência dos bloggers – e em muitoscasos fazem-no, naturalmente nas moedas da rede: oPúblico retribui os links nas notícias, o Diário2 associa ostweets, e há outros mecanismos de retribuição.

Agora, quando juntamos à blogosfera o resto do quehoje, em traços largos, se denomina por web social – osagregadores como o Digg e, em Portugal e Brasil, oDoMelhor, a Wikipedia, o Twitter e o Facebook, para daros exemplos clássicos –, então vemos mais poderes amea-çados: o privilégio do acesso às fontes, o poder de certifi-cação, o poder de endosso, o poder de distribuição emmassa... Sem esses poderes enclausurados por uma cerca,com uma caixa registadora colocada na entrada dos con-sumidores (os leitores) ou no acesso à audiência (a publi-cidade), não há negócio para os media.

TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

“O jornalismoprofissionaldemanda empermanênciarecursos a que umblogger individualacedeepisodicamente, acomeçar pelo tempoe a acabar nodinheiro.”

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Daniel Pinto Lopes, bloggerenquanto o emprego tarda

“O Expressões Lusitanas faz com quenão perca as bases do jornalismo”Com pouco mais de dois anos mas um significativo conjunto de entradas, o blogueExpressões Lusitanas foi criado pelo estudante Daniel Pinto Lopes para exercitar o queaprendia no curso. Entretanto licenciado mas sem emprego, investiu no espaço e hoje, comoqualquer jornalista, tem uma agenda de contactos, entrevista figuras públicas e até já recebedirectamente notas de imprensa.

TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

LUÍS HUMBERTO TEIXEIRA

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Aexperiência arrancou, de certo modo, como res-posta a um desafio de Sena Santos, professor deDaniel Lopes na Escola Superior deComunicação Social, e sucedeu a outros projec-

tos – uma mini rádio online e um podcast intitulado ViaHertziana.

“No âmbito da cadeira Novas Expressões de Rádio, oprofessor informou que o elemento principal de avaliaçãoseria um podcast sobre um tema à escolha e foi aqui queverdadeiramente começou o Expressões Lusitanas, naaltura com o subtítulo ‘porque a música portuguesa tam-bém é para ouvir’”, recordou à JJ.

O primeiro entrevistado foi o então director da editoradiscográfica multinacional Universal Music Portugal, TozéBrito, a que, com o tempo, se juntaram outros músicos,“produtores, humoristas, directores de rádio, jornalistas”,

contou Daniel Pinto Lopes, de 23 anos, pronunciando-setambém sobre o acolhimento a um blogger por parte daspotenciais fontes.

“Até há bem pouco tempo identificava-me como autordo blogue ou jornalista freelance e, por vezes, conseguia asentrevistas, embora noutros casos nem obtivesse respos-ta”, revelou, acrescentando que, apesar de já ter optadopor esta forma de apresentação, “a palavra ‘jornalista’ nãointeressa tanto para quem está do outro lado, importamais em que meio a entrevista ou reportagem vai serpublicada”.

A resistência e alguma suspeita ainda se fazem sentir,mas também há quem veja na blogosfera um novo meiode difusão a não desperdiçar: “Algumas editoras/produ-toras/agências já me enviam informações e comunicadosde imprensa, o que vai ao encontro das minhas priorida-des: receber o máximo de informação de várias fontesrelacionadas com as notícias tratadas pelo ExpressõesLusitanas”.

GANHAR EXPERIÊNCIA

Focado sobretudo na área cultural e desde o início do anocom uma nova vertente, o turismo, o blogue permite aDaniel Pinto Lopes “aprender mais, interagindo com omeio, ganhando experiência no terreno e angariando con-tactos” mas também “mostrar trabalho”.

“O Expressões Lusitanas impede-me de adquirir umapostura passiva e faz com que não perca as bases do jor-nalismo, quer na escrita de reportagens, quer na edição depeças áudio”, acrescentou o blogger, que, apesar da suaexperiência pessoal, ainda prefere informar-se através dapágina de uma rádio, jornal ou televisão do que recorren-do a um blogue desconhecido. “É verdade que dependedos casos, pois há blogues sérios, bem escritos e com infor-mação credível, mas é preciso saber distinguir, o que nemsempre é fácil”, afirmou à JJ, expondo uma oposição entreos media e a blogosfera que assume também outros con-tornos.

Afinal, sempre há o risco deste medium unipessoal, mascuja audiência é cada vez mais vasta, canibalizar os órgãosde informação tradicional, sobretudo os suportes impres-sos?

“Aniquilar e substituir não o vão fazer. O hábito decomprar o jornal ou a revista ainda está bastante enraiza-do e penso que se está a transmitir (em menor grau) àsgerações futuras. Creio que a imprensa escrita não vai des-aparecer e a Internet vai ter um papel essencial na suamanutenção. A maneira mais imediata de uma pessoasaber o que se passa no país e no mundo é consultar, porexemplo, a página de um jornal diário. Os blogues podemfuncionar como um complemento ocasional e de trata-mento temático e profundo de determinada informação.Aquando das eleições legislativas de Setembro passado,por exemplo, alguns jornais inauguraram blogues apenasdedicados a este assunto”, declarou.

“A palavra ‘jornalista’ nãointeressa tanto para quemestá do outro lado, importamais em que meio a entrevistaou reportagem vai serpublicada.”

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Pedro Fonseca, jornalista e blogger

“As definições do que é um meiode comunicação social esbateram-se”Colaborador do Diário de Notícias, Pedro Fonseca, no jornalismo há 20 anos, mantém, desde2002, o blogue ContraFactos & Argumentos. Em “Blogues Proibidos”, um dos primeiroslivros portugueses sobre a blogosfera, refere casos que conquistaram espaço nos mediatradicionais. Favorável aos “novos media”, traça, contudo, uma fronteira clara entre bloggerse jornalistas.

Jornalismo & Jornalistas – Em “Blogues

Proibidos” refere casos em que foi publicada

informação anónima cuja veracidade nunca se

confirmou. Passa por aí a grande diferença

entre a blogosfera e os media convencionais?

Pedro Fonseca – Não. Os jornais e revistas,rádios e televisões também publicam infor-mação anónima. “Fonte junto de…”,“segundo disse fonte próxima…” é o quê?Isto não justifica, obviamente, o anonimato –numa sociedade democrática, ele é pernicio-so, seja num blogue ou num jornal, e apenasadmissível em raras excepções.JJ – A questão das habilitações literárias de

José Sócrates surgiu no blogue Do Portugal

Profundo antes de os jornalistas acompanha-

rem o tema. Recorda-se de outros casos em

que os blogues se tenham antecipado aos

media num assunto noticioso?

PF – O blogue Muito Mentiroso levou jor-nais como o Euronotícias ou o Correio daManhã, por exemplo, a escreverem sobre oque tinha publicado. E o próprio DoPortugal Profundo já antes tinha revelado,sobre o processo Casa Pia, ligações entre umjuiz do caso e uma fundação criada por umentão secretário de Estado ligado ao PartidoSocialista, que circulou em blogues e depoisna comunicação social.JJ – Podemos falar numa animosidade dos

media para com a blogosfera?

PF – Cada vez menos, até porque muitos jornalistas passarama ter blogues ou contas Twitter ou Facebook e entenderam aspotencialidades do meio. Mas essa animosidade pode terocorrido e as razões eram simples.

Por um lado, os bloggers usavam o que saía na imprensapara aprofundar ou criticar os temas escritos por jornalistas,fazendo cruzamentos a posteriori entre notícias, para revelarfalhas, que nem sempre eram fáceis de realizar antes, quando

se estava a escrever.Por outro, alguns bloggers, excelentes

conhecedores de certos assuntos, tinhamfacilidade em detectar erros ou lacunasnos textos dos jornalistas, que normal-mente não são especialistas. Em lugar deenviar cartas ao director ou pedidos derectificação, atacavam, por vezes deforma exagerada, o trabalho num blo-gue. Alguns jornalistas sentiram-se“acossados” e reagiram contra a blogos-fera como um todo.

Pode também ter havido jornalistascom o trabalho “vigiado” e em que osbloggers podiam descobrir erros sistemá-ticos. Naturalmente, estes também nãotiveram qualquer apreço pelos blogues.

Devo acrescentar que os jornalistasque perceberam rapidamente o poten-cial dos blogues foram os que maisganharam com esta animosidade.Entenderam que podiam dialogarcom os leitores (antes ou depois dapublicação dos textos, o que normal-mente era difícil ou menos usual) emelhoraram a qualidade das suas fon-tes e, consequentemente, do seu tra-balho jornalístico. A tal “animosidade”foi e é bem gerida por conheceremambos os meios, sendo capazes de

lidar com ela de forma positiva.JJ – Seria essa animosidade razão para alguns jornalistas omiti-

rem a blogosfera como ponto de partida de histórias que depois

seguiam?

PF – Os créditos devem ser sempre atribuídos, seja a bloguesou a outros meios de comunicação. Sempre houve “jornalis-tas” que gostaram de esconder a origem das “ideias” nos seustrabalhos – e não é um mal necessariamente português.Quem o fazia com outros meios de comunicação social, mais

TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

“No meu blogue nãodevo contarpormenores de umaentrevista que nãodivulgo no jornal, nãoposso ofender umafonte ou umprotagonista públicomesmo que elemereça.”

DR

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à vontade se sentiu para copiar conteúdos de blo-gues. Por isso, não diria animosidade mas pregui-ça e incompetência. Nada de novo.

DISTINGUIR VERTENTE PESSOAL

DA PROFISSIOMNAL

JJ – A acreditação de bloggers para eventos dirigidos à comuni-

cação social levanta a hipótese de os blogues poderem tornar-

se veículos de informação alternativos aos meios convencionais,

havendo quem diga que acabarão por substituir os media,

nomeadamente os suportes impressos. Parece-lhe viável?

PF – Os bloggers com acesso a espaços tradicionalmente ocu-pados pelos meios de comunicação social são raros, tal comosão raros os eventos em que pretendem participar. São nor-malmente eventos públicos, como conferências de imprensaou cimeiras partidárias.

Porém, os blogues são – e podem ser ainda mais – informa-ção alternativa quando se dedicam a temas da sua especiali-dade. Alguns fizeram entrevistas de grande qualidade. Masserá jornalismo? Um canal no Twitter com cinco colaborado-res focados num dado tema é um orgão de comunicaçãosocial?

O problema é que as definições concretas do que é ummeio de comunicação social se esbateram e alargaram, talcomo o conceito original de blogue.

Quanto aos suportes impressos, a questão não deriva daexistência ou não de blogues. Os próprios jornais podem pas-sar a ser apenas online.JJ – Nalgumas situações, o blogger é, simultaneamente, um pro-

fissional da comunicação. Neste caso, deve o jornalista colocar

no seu blogue informação não difundida através do órgão em

que trabalha, desde que a mesma tenha manifesto interesse

público?

PF – Não, excepto se a não conseguir publicarno seu orgão de comunicação. Isto pode de-correr da crónica falta de espaço e oportunida-de editorial, mas o trabalho de um jornalistadeve ser publicado inicialmente no meio quelhe paga. Já se for um caso de censura por parte

daquele, deve, após ter seguido os passos que este tipo desituações possibilita. No livro, o caso d’O Primeiro de Janeirofoi exemplar para analisar as consequências deste tipo deacções. [Ver caixa]JJ – Exige-se ao jornalista, pela profissão que exerce, um cuida-

do acrescido com o que coloca na blogosfera? Um blogue é um

reduto estritamente pessoal ou um espaço onde as esferas pes-

soal e profissional se intersectam?

PF – Sim ao “cuidado acrescido” por parte do jornalista, poisa opinião expressa num blogue, mesmo pessoal, influencia a“leitura” do seu trabalho no meio de comunicação. A questãoé mais sensível no jornalismo político mas não só: no meublogue não devo contar pormenores de uma entrevista quenão divulgo no jornal, não posso ofender uma fonte ou umprotagonista público mesmo que ele mereça, etc.

É, acima de tudo, uma questão de bom senso e não deimpedir a liberdade de expressão de alguém só porque é jor-nalista. Este é um cidadão como os outros e não perde direi-tos devido à actividade que exerce. Contudo, a sua expressãoconhecedora de alguém ou de um tema num blogue pessoaltambém deriva, muitas vezes, da sua categoria profissional.

Excepto em situações muito raras, a destrinça entre avertente pessoal e profissional deve ser feita, para evitarmisturar blogues privados com trabalho e informação obti-da por esta via. Afinal, ninguém aceitaria que um médicofalasse em público de casos que conheceu no local de tra-balho, pois não?

Diário de um Jornalista: um blogue que causou despedimentos

A 30 de Março de 2004 nascia na

blogosfera nacional o Diário de um

Jornalista, espaço onde, apesar do

nome, escreveram não apenas um mas

vários profissionais da comunicação,

tendo em comum ligações ao jornal O

Primeiro de Janeiro.

O blogue surgiu para denunciar

relações de promiscuidade entre a

redacção e o sector comercial no

Departamento de Publicações

Especiais do diário.

Entre os participantes que o blogue

teve, alguns dos quais sob

pseudónimo, os mais constantes

foram Ricardo Simães, antigo

colaborador do periódico, Sérgio

Moreira, fundador do blogue, Joel

Pinto e Dina Fernandes – estes três

despedidos do jornal devido à

intervenção no Diário de um

Jornalista.

Afirmando que era comum o jornal

celebrar contratos de publicidade a

troco de publireportagens não

identificadas como tal ou entrevistas a

figuras da entidade anunciante, os

autores do blogue viriam a ser

processados por difamação no início

de Maio de 2004.

O caso – contado em “Blogues

Proibidos” – terminaria em Outubro de

2005, com o arquivamento dos

processos, mas conseguiu um lugar na

História da blogosfera nacional por O

Primeiro de Janeiro ter sido o primeiro

jornal português a despedir

funcionários devido ao que colocaram

num blogue.

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Tese de mestrado investigaO impacto dos bloguesno jornalismo de tecnologiaOs jornalistas de tecnologia já não dissociam o seu trabalho dos blogues, embora estes nãosejam, para a maioria, a principal fonte, até por raramente facultarem informação emprimeira-mão, conclui uma dissertação de mestrado defendida por Leonor Pipa naFaculdade de Ciências Sociais e Humanas em Dezembro.

De acordo com a autora dainvestigação – que obteve29 respostas aos 44 inquéri-tos enviados por e-mail a

profissionais que se ocupam a tempointerior ou parcial da área de tecnolo-gia –, “os blogues são ainda menciona-dos por um número diminuto de jor-nalistas como a principal fonte deinformação, surgindo, no entanto, àfrente da televisão e das revistas espe-cializadas”.

“Em Portugal, aproximadamentemetade dos jornalistas de tecnologiaafirma que raramente (menos de umavez por semana) os blogues lhes trans-mitem informação em primeira-mão ea esmagadora maioria assevera queraramente (uma vez por mês oumenos) cita blogues nas suas peças jor-nalísticas”, assinala também LeonorPipa, de 28 anos.

Actualmente editora de conteúdosno grupo CGI, tendo passado antespela Media Capital, a investigadoraextraiu igualmente que os inquiridos“já não dissociam o seu trabalho destaferramenta”, que se mostra “fundamental, quer para oaprofundamento de temas, quer para a abertura à discus-são e confronto de assuntos úteis sobre tecnologia”, per-mitindo-lhes “desencadear investigações mais aprofun-dadas, amplificando e reenquadrando temas da suaárea”.

SUBSTITUIÇÃO DOS MEDIA TRADICIONAIS

É IMPROVÁVEL

O trabalho, desenvolvido no âmbito do mestrado emCiências da Comunicação – Especialização em Estudosdos Media e do Jornalismo, revela ainda que os bloguesinternacionais Gizmodo e Slashdot foram referidos poralguns jornalistas como os principais espaços digitais

onde procuram informação sobre tec-nologia, “nomeadamente quando omaterial a investigar não está disponí-vel prontamente em qualquer lugar”,enquanto, entre os portugueses, sur-gem na liderança o Portal de Tec-nologia, o TugaTrónica e o Tek Online.

Para a concretização de “O impactodos blogues no jornalismo de tecnolo-gia em Portugal – um estudo explora-tório”, Leonor Pipa optou por um uni-verso variado: jornalistas que sóacompanham assuntos de tecnologia,freelancers ou colaboradores especiali-zados e profissionais que escrevemocasionalmente sobre a temática. E,em termos de órgãos, foram escolhi-dos a agência Lusa e os jornaisPúblico, Jornal de Negócios, DiárioEconómico, 24 Horas, Diário deNotícias, Correio da Manhã, Jornal deNotícias, Expresso, Sol, WeekendEconómico, Destak, Meia Hora, Metroe OJE.

Do global das respostas, a autoraretirou também que o impacto dosblogues no jornalismo de tecnologia

em Portugal ainda é bastante incipiente se comparadocom a realidade de outros países, como os EstadosUnidos, “onde os bloggers são facilmente acreditados paraconvenções partidárias e a sua presença massiva chega ainfluenciar o noticiário, ajudando a ditar temas de cober-tura”.

A conclusão, ainda que respeitante apenas a uma áreaem Portugal, leva Leonor Pipa a considerar improvável “asubstituição dos meios de comunicação tradicionais pelosblogues”, embora os bloggers possam, hoje, “chegar juntodo público e até dos profissionais da comunicação comalternativas válidas para uma melhor análise e compreen-são da realidade e, quem sabe, contribuir para um futuromelhor do jornalismo”.

TEMA 2 Os media e a blogosfera ( I I )

“Os bloggers podemcontribuir para umfuturo melhor dojornalismo.”

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15 anos de ciberjornalismo em PortugalOs média noticiosos portugueses começaram a desembarcar na Internet emmeados da década de 90 do século passado. Numa primeira fase, com muitashesitações. Depois, na viragem do século, com excesso de optimismo einvestimento a mais. Logo a seguir, veio a depressão, seguida de um longoperíodo de relativa estagnação, que se arrastou praticamente por toda aprimeira década do século XXI. O balanço está longe de poder ser positivo.

Texto Helder Bastos Ilustrações Fedra Santos

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Aabordagem histórica dos primeirosquinze anos do ciberjornalismo emPortugal pode ser dividida globalmenteem três fases: a da implementação(1995-1998); a da expansão ou “boom”(1999-2000); e a da depressão seguida

de uma relativa estagnação (2001-2010). A primeira fase abarca os anos de implementação de

edições electrónicas de média tradicionais na Web. É umafase experimental, dominada pelo modelo shovelware: osjornais abrem os respectivos sites para neles reproduziremos conteúdos produzidos para a versão de papel, as rádiostransmitem na Web o sinal hertziano, as televisões os seustelejornais.

A fase do “boom”, a do optimismo, porventura exage-rado, é marcada pelo aparecimento dos primeiros jornaisgeneralistas exclusivamente online, como o Diário Digital eo Portugal Diário. Alguns jornais reforçam as suas redac-ções digitais para abrirem serviços de “última hora”.

A fase da depressão fica marcada pelo encerramentode sites, cortes em pessoal, incluindo dezenas de jornalis-tas, e redução das despesas. A “bolha digital” rebentara eo investimento publicitário decaíra. Seguir-se-ia um perío-do de estagnação generalizado, de reduzido investimento

a quase todos os níveis, pontuado por alguns investimen-tos a contracorrente.

O INÍCIO DA HISTÓRIA

O ano de 1995 foi o ano fundador da relação entre osmédia noticiosos generalistas portugueses e a Internet. Nodia 26 de Julho de 1995, era inaugurada a edição na Webdo Jornal de Notícias, que se tornou deste modo oprimeiro diário de informação geral a actualizar, diaria-mente, a informação na sua edição online.

O segundo diário generalista a dar início à colocaçãodas suas edições diárias na Web foi o Público, a 22 deSetembro de 1995. Antes desta data, o jornal já colocavaonline, de forma esporádica, artigos do jornal impresso.Mas, durante cerca de três anos, o site limitou-se a forne-cer uma versão electrónica do jornal impresso. Foi emSetembro de 1999, em plena crise de Timor-Leste, quecomeçou a produzir informação própria, com a introdu-ção do serviço “Última Hora”.

O primeiro órgão de comunicação social português aregistar oficialmente o seu domínio havia sido, no entan-to, a RTP, a 28 de Maio de 1993. Apesar disso, a televisãoestatal só inauguraria uma página sua, a da RTPInternacional, em Novembro de 1995.

ANÁLISE 15 anos de ciber jornal ismo. . .

No dia 26 de Julho de1995, era inauguradaa edição na Web doJornal de Notícias,que se tornou destemodo o primeirodiário de informaçãogeral a actualizar,diariamente, ainformação na suaedição online.

Em Janeiro de 1998,o semanário Setúbalna Rede entrava paraa história dociberjornalismoportuguês: foi oprimeiro jornalexclusivamente onlineem Portugal.

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No dia 29 de Dezembro de 1995, data em que comple-tou 131 anos, também o Diário de Notícias começou a colo-car a sua edição diária na Web. Até Setembro de 2001, apresença do Diário de Notícias na Internet limitar-se-ia àreprodução dos conteúdos em papel, não tendo secçõesautónomas nem produção de conteúdos específicos pararede.

O canal privado de televisão TVI decidiu apostar naInternet logo no dealbar de 1996. A partir do dia 12 deJaneiro deste ano, o “Novo Jornal” da TVI passou a poderser visto na Web. A estação tornou-se, deste modo, no pri-meiro canal português a emitir diariamente um noticiárioonline numa rede global de informação.

Em Setembro de 1996, nascia a TSF Online. Depois deuma homepage provisória, a funcionar desde Abril, “a rádioem directo” estreava «uma nova sonoridade», disponibili-zando um menu com ligações a diversas rubricas: cróni-cas, magazines, jornais especiais, reportagens, imagens,ficha técnica e utilidades, como mapas de Portugal e pre-visão do tempo. O lema a “rádio em directo” também seaplicava à TSF na Internet. Através do Real Áudio, o utili-zador podia ouvir, em directo, os noticiários da estação.

O Expresso tornar-se-ia o primeiro semanário portu-guês a estar presente na Internet com a estreia, «de forma

experimental», no dia 17 de Julho de 1997. Numa brevenotícia publicada na primeira página da versão de papel,o semanário prometia começar, «brevemente», a publicarna Web as suas edições integrais.

Em Janeiro de 1998, o semanário Setúbal na Redeentrava para a história do ciberjornalismo português: foi oprimeiro jornal exclusivamente online em Portugal. Foitambém o primeiro órgão digital a registar-se no Institutoda Comunicação Social e obrigou a Associação deImprensa Portuguesa a alterar os estatutos para permitir asua inscrição como sócio.

Pouco tempo depois, a 19 de Março, o Correio da Manhã

iniciava a colocação da sua edição diária na Internet.Todos os principais diários do país estavam, finalmente,na Web.

O PERÍODO FEBRIL

Após o gradualismo e as cautelas que marcaram os pri-meiros anos do ciberjornalismo em Portugal, entrou-se,quase no dealbar do novo milénio, numa fase de euforia,marcada pelo surgimento de novos projectos, envolvendoinvestimentos avultados. Grupos multimédia arriscaram eapostaram em portais. Procurando “marcar posição”,algumas redacções alargam substancialmente os seus qua-

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dros, numa altura em que se verificava uma euforia,nacional e internacional, à volta da economia gerada pelaInternet.

Logo em Janeiro de 1999, o Público anunciava aquiloa que chamou a “nova era” do publico.pt. José VítorMalheiros passava de editor a director deste ciberjor-nal, enquanto a edição online deixaria de ser um merosuporte para a edição electrónica do jornal para passara constituir uma nova era de negócio, com produtospróprios. Em Julho, era lançado o Diário Digital, umapublicação exclusivamente online. Propunha-se actuali-zar a informação em permanência, 24 sobre 24 horas, desegunda a sexta-feira, cobrindo todas as áreas da actua-lidade.

No primeiro trimestre de 2000, o grupo Media Capitalabria o seu portal, o Imagine On Line, marcando a entra-da daquele grupo de comunicação no mercado daInternet. O projecto pretendia ser um portal de informa-ção, uma página generalista que levasse para a Internet osconteúdos produzidos pelos média do grupo. Em Abril,era lançado o portal Lusomundo.net, apresentado comoum dos principais acessos a conteúdos informativos por-tugueses na Internet. Dava acesso a conteúdos do Jornal de

Notícias, Diário de Notícias, Açoriano Oriental, Diário de

Notícias da Madeira, o TSFnoticias.com e o próprio site doGrupo Lusomundo.

Em Julho, apareceria o concorrente maisdirecto do Diário Digital na Web, oPortugal Diário, apostado em produzirinformação própria. Em Dezembro, ogrupo Impresa anunciava que as suas acti-vidades online, designadamente o Expresso

e a SIC, iriam conhecer uma maior integração e adoptaruma estratégia «mais agressiva». A ideia era tirar o máxi-mo de partido das sinergias dos investimentos do grupono sector online. As três redacções da “plataforma SIC”,que passaria a integrar a SIC Online, a SIC Notícias e a SICgeneralista, iriam transformar-se, era prometido, na«maior fábrica de notícias de Portugal».

DEPRESSÃO E ESTAGNAÇÃO

Os primeiros sinais da crise que se avizinhava haviamcomeçado logo em finais do ano 2000: em Outubro, demi-tiam-se os directores da Lusomundo.net. Em Fevereiro de2001, o Diário Digital dava também os primeiros sinais deretracção, ao decidir integrar no Diário Digital duas daspublicações da Caneta Electrónica, a Super Elite e

ANÁLISE 15 anos de ciber jornal ismo. . .

A nova economia, tal comomuitos investidores aimaginavam, afinal, nãoexistia. Como assinalava, naaltura, a revista Visão, cercade 400 trabalhadores – 210da Teleweb, 26 do Submarino,40 da Imaterial TV, cerca de30 na Impresa (Sic.pt eExpresso on-line), 20 do DiárioDigital e cerca de 10 dosportais da Media Capital –sentiram isso mesmo na pele,após perderem os seusempregos.

A dificuldade em encontrarmodelos de negócio desucesso levou a generalidadedos investidores adesinteressarem-se pelociberjornalismo.

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Desporto Digital, até então autónomas. O quadro geral daInternet era caracterizado como sendo muito negativo.Passados apenas três meses, o Diário Digital dispensavaonze pessoas.

Já em finais de Março de 2001, o Expresso Online aca-bara com a actualização de notícias e dispensara metadeda redacção, ou seja, 17 pessoas num total de 34, entre jor-nalistas e outro pessoal, na maioria contratados a prazo. Adecisão foi anunciada pela administração da Sojornal.com(proprietária da publicação), que justificou o “emagreci-mento” com a necessidade de reajustar editorialmente osite após uma fase experimental que durara seis meses.

O Sindicato dos Jornalistas, pela voz do seu presiden-te, Alfredo Maia, reagiu ao anúncio e criticou «uma sériede empresários que se limitam a fazer experiências no sec-tor da comunicação social sem cuidarem dos problemasda vida das pessoas».

No mês seguinte, Abril, dois directores, Miguel Gaspare Miguel Vieira, abandonavam o imaterial.tv. Dois mesesdepois, o Sindicato dos Jornalistas denunciava publica-mente o “drama” do projecto: quatro dezenas de jornalis-tas haviam começado, alguns meses antes, a trabalharnum site de informação que prometia arejar o jornalismoportuguês, o imaterial.tv. Mas, apenas quatro meses

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depois, deixaram de receber ordenados, ficaram sem ins-talações e o projecto ficou na gaveta.

Ao panorama depressivo generalizado nesta fase nãofoi alheio o enquadramento da conjuntura internacionalligada à “nova economia”, que havia conduzido, na vira-gem do milénio, a investimentos avultados nas chamadas“dot.com”. A “bolha”, inflacionada, não demoraria arebentar, arrastando muitos milhares para o desemprego.A nova economia, tal como muitos investidores a imagi-navam, afinal, não existia. Como assinalava, na altura, arevista Visão, cerca de 400 trabalhadores – 210 daTeleweb, 26 do Submarino, 40 da Imaterial TV, cerca de 30na Impresa (Sic.pt e Expresso on-line), 20 do DiárioDigital e cerca de 10 dos portais da Media Capital – senti-ram isso mesmo na pele, após perderem os seus empre-gos. Nove meses depois da nova economia ter caído narealidade dos números negativos, nomeadamente nosEstados Unidos, começaram os estragos em Portugal.

Os sintomas da crise prolongaram-se em 2002. EmSetembro, a SIC Online iniciou um processo de cortes depessoal para reduzir custos e racionalizar recursos. Tudoisto acontecia pouco mais de um ano depois de a SICOnline ter sido lançada, o que acontecera em Maio de2001. O projecto era liderado pelos jornalistas JoséAlberto Carvalho e Lourenço Medeiros. Houve atrasos nolançamento do site: algumas notícias davam conta entãoda possibilidade de despedimentos.

Oano de 2003 também começou mal parao ciberjornalismo português. No finalde Janeiro, o Diário de Notícias afirma-va que a informação online estava «emperíodo de contenção». Lourenço Medeiros, então director edi-

torial da SIC Online, caracterizava o momento a partir deuma contradição: a maioria dos sites estava em contenção,isto é, a desinvestir, e a única alternativa que encontroufoi a de ir fechando, gradualmente, os seus conteúdos,obrigando todos os potenciais clientes a pagar aquilo queconsultavam. Era esta a estratégia que estava em curso noExpresso e que iria ser adoptada pela revista Visão e quejá era, em parte, praticada pelo Público, que passara acobrar os acessos internacionais, as newsletters e a versãoPDF do jornal.

Em Fevereiro de 2003, a PT Multimédia anunciava aintenção de extinguir a empresa que assegurava o site

Lusomundo.net. A PT Multimédia justificou a sua decisãocom a necessidade de proceder à redução de custos, com-prometendo-se, contudo, a tentar integrar os trabalhado-res da Lusomundo.net nos quadros da TSF e a manter osserviços a que estava obrigada por via dos contratos jáestabelecidos.

Pouco tempo depois, em meados de Abril, o pioneiroSetúbal na Rede anunciava que estava numa situaçãofinanceira complicada e que podia fechar em breve. Aredacção estava a funcionar apenas com uma estagiária.

ANÁLISE 15 anos de ciber jornal ismo. . .

Apesar do panorama negro, operíodo 2001-2010 foicontrabalançado com olançamento de versões onlinede média tradicionais. Houvetambém diversas inovações oureformulações nalguns médiaonline. É de assinalar, noentanto, que neste períodonão foi lançado um únicociberjornal generalista de raiz,de características semelhantesao Portugal Diário ou ao DiárioDigital.

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Os problemas do jornal regional digital do distrito deSetúbal começaram havia cerca de um ano. Doze mesesdepois, o jornal acumulava dívidas no valor de 50 mileuros.

Num estudo, apresentado em Outubro de 2003, intitu-lado “A Internet e a Imprensa em Portugal”, promovidopela Associação Portuguesa de Imprensa (AIND) e pelaempresa Vector 21, concluía-se que, com o surgimento eexpansão das publicações online, cerca de 30 por cento dosportugueses deixaram de comprar jornais nas bancas.Mas, apesar dessa aparente migração do papel para aInternet, o número de cibernautas que lia jornais online

permanecia ainda reduzido, na ordem dos 12 por cento. A«aparente contradição» era, segundo os autores do estu-do, um reflexo da percepção dos inquiridos.

Ao longo de 2006, assistiu-se a um aumento da pene-tração da Internet em Portugal e, paralelamente, donúmero de visitantes de sites noticiosos, mas estes sinaispositivos não foram suficientes para tirar os ciberjornaisda sua situação «precária». A dificuldade em encontrarmodelos de negócio de sucesso levou a generalidade dosinvestidores a desinteressarem-se pelo ciberjornalismo. Ocenário começou a «alterar-se ligeiramente» no segundosemestre de 2006, com o aparecimento de alguns projectosinovadores, como canais de televisão regionais na Web, ea introdução de vídeo nalguns sites, a par de apostas tími-das na produção noticiosa multimédia.

INVESTIMENTOS A CONTRACORRENTE

Apesar do panorama negro, o período 2001-2010 foi con-trabalançado com o lançamento de versões online demédia tradicionais. Houve também diversas inovações oureformulações nalguns média online. É de assinalar, noentanto, que, neste período, de quase uma década, não foilançado um único ciberjornal generalista de raiz, de carac-terísticas semelhantes ao Portugal Diário ou ao DiárioDigital.

Em Setembro de 2001, o Diário de Notícias reformulou oseu site, apostando no fornecimento de serviços interacti-vos. A PT fez então avultados investimentos na área daprodução de conteúdos, criando um site onde concentroutoda a informação do Grupo Lusomundo e onde apresen-tava notícias provenientes dos média do grupo, incluindoo DN que, no seu próprio site, passou a incorporar infor-mações do site da TSF actualizadas em permanência.

Em 2002, o Correio da Manhã passou de um repositórioda edição em papel no início do ano para uma interpreta-ção das especificidades do meio digital, com a introduçãode alguns recursos facilitadores de uma maior interactivi-dade entre o jornal e os seus leitores, no final do mesmoano. Passou, assim, a permitir aos seus utilizadorescomentar as notícias publicadas ou enviá-las por correioelectrónico a outros utilizadores.

Em Setembro de 2005, o Expresso anunciava algumasalterações, tanto de conteúdo como de grafismo. Na altu-

ra, foi também anunciado o lançamento de um novo por-tal, onde os utilizadores poderiam acompanhar as eleiçõesautárquicas. O site contaria com a participação de jornalis-tas do Expresso, SIC e Visão.

Em Outubro daquele ano, a TSF anunciava a intençãode passar a disponibilizar online, gratuitamente, conteú-dos em sistema de podcasting, algo que concretizaria trêsmeses depois, altura em que alguns programas da estaçãopassaram a estar disponíveis em formato mp3.

Oinício de 2006 foi marcado pela apostade alguns media no podcasting. EmJaneiro, na sequência de um anúncioprévio, a TSF começava com podcast emPortugal. Em Fevereiro, seria a vez de aSIC Online lançar o seu primeiro serviço

de podcasting e, em Março, o Expresso lançava online a tec-nologia digital podcast, que permitia aos leitores fazerempara os seus computadores a importação, em formatoáudio, de conteúdos do jornal impresso.

Em Abril, o Diário Digital renovava grafismo e secções,apostando em breaking news, que ocupavam 80 por centoda actividade do ciberjornal, apesar de os jornalistas nãodeixarem de fazer reportagem ou entrevistas, um trabalhoassegurado por uma redacção em que a média de idadesnão chegava aos 30 anos.

No Expresso, Miguel Martins assumia, em Maio, ocargo de editor do Expresso Online com o objectivo derelançar o site, numa lógica que fosse valorativa para opróprio Expresso.

No início de Setembro de 2007, o Expresso renovava osite. As grandes apostas anunciadas pelo jornal passavampela valorização de vídeos, fotogalerias, podcasts e inter-acção com os leitores. O conceito de convergência entravano vocabulário do grupo de Pinto Balsemão.

Em Novembro, outro órgão de comunicação social domesmo grupo do Expresso, a Impresa, anunciava tambéma intenção de seguir a via da convergência. Os jornalistasda SIC passariam a redigir notícias, primeiro para suporteonline, e depois para televisão. Deste modo, os jornalistastrabalhariam em simultâneo para várias plataformas. SIC,SIC Notícias e SIC Online passariam a contar com o con-tributo de todos os jornalistas. A SIC Online passava deuma equipa de sete pessoas para um potencial de mais decem jornalistas.

A partir do dia 19 de Novembro de 2007, o publico.ptpassou a ter vídeos, uma alteração coincidente com o lan-çamento de uma homepage renovada, com mais atenção àimagem e à infografia. Para poder lançar vídeos no site, opublico.pt transformou duas salas da sua redacção numestúdio para gravação e montagem das peças e criou umaequipa de três jornalistas e dois técnicos, que assegura-riam a produção no novo formato.

O Correio da Manhã aproveitou o 30º aniversário, assi-nalado a 19 de Março de 2008, para operar uma «reformu-lação profunda»: um layout “refrescado”, com uma nova

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hierarquização de assuntos, a introdução de uma área devídeos e de um fórum de discussão diária eram algumasdas novidades. Numa fase inicial, o vídeo teria prove-niência externa, mas o objectivo era incluir, posteriormen-te, «conteúdos próprios», com notícias e entrevistas reali-zadas pela própria redacção do jornal.

A par de um refrescamento na edição de papel, o Jornal

de Notícias decidiu, em Maio daquele ano, renovar o site ereforçá-lo nas componentes de vídeo e áudio. Foi criadauma secção multimédia, onde passaram a ser colocadasreportagens vídeo, fotogalerias e infografias. Este novoespaço permitia ainda a recepção de material enviadopelos leitores. O novo site estaria ainda disponível em for-matos para telemóvel, computador palmtop e PlayStationPortable.

Ainda em Maio, outro órgão de comunicação daControlinveste, a TSF (que, em Fevereiro, havia comple-tado 20 anos), renovava o site com o intuito de, por umlado, reforçar a aposta no audiovisual e, por outro lado,de personalizar os conteúdos.

Em Novembro de 2008, a agência Lusa dava um passosignificativo em direcção ao multimédia, com o lança-mento, em período experimental, de duas novas linhasde negócio: a Lusa Áudio e a Lusa Vídeo. O projectocomeçara cerca de três meses antes, com a formação dadaaos jornalistas da casa para que estivessem habilitados atrabalhar em várias plataformas.

No Público, o ano de 2008 foi de algumasinovações e mudanças. Em Outubro,era criado um site dedicado às eleiçõespresidenciais dos EUA, que teriam lugarem Novembro. O site iria incluir notí-cias, vídeos e opiniões, com relevo para

a participação dos leitores, uma vez que a homepage seriadedicada aos seus comentários. Seria também organizadauma votação online num dos candidatos. Os utilizadorespoderiam ainda acompanhar a noite eleitoral em directo,graças a uma parceria entre o Público e a estação de tele-visão France 24. Em Novembro, o diário apresentava umaversão do publico.pt para iPhone, «de uma forma total-mente enquadrada na experiência de navegação propos-ta pelo terminal da Apple».

Após um período longo de estagnação, o Diário de

Notícias renovava, em Março de 2009, o seu site, apostan-do na interactividade e na «profundidade da informa-ção». A então coordenadora editorial do DN explicavaque esta mudança ocorria no contexto de «uma aposta daadministração para todo o grupo» (Controlinveste) e queera uma forma de aproveitar as potencialidades do online.

Um dos concorrentes mais directos do DN, o Público,aproveitava também o primeiro trimestre de 2009 paraanunciar uma reorganização interna com impacto naconfiguração do publico.pt. A mudança surgia na sequên-cia de uma reorganização interna do título, com vista aum maior foco no online, com implicações, além da distri-

ANÁLISE 15 anos de ciber jornal ismo. . .

Não admira que aprodução deconteúdosverdadeiramentemultimédia, comoreportagens, tenhaficado reservada auma minoria de sitesnoticiosos. Tambémnão causará espantoo facto de aactualizaçãopermanente dainformação, 7 diaspor semana, 24 horaspor dia, nunca terpassado de umamiragem no contextociberjornalísticoportuguês.

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buição de funções executivas na direcção editorial do títu-lo, no funcionamento e horários de toda a equipa.

Muito tardiamente, a revista Sábado arrancava, emfinais de Março, com um site, apresentado pela Cofinacom um produto complementar, com um «conceito maismultimédia». Vídeo, áudio e texto faziam parte das colu-nas de opinião dos quatro colunistas principais da news-

magazine.A Antena 1 estreava, em Abril, um novo site, que se

dividia em duas grandes áreas temáticas: uma de conteú-dos de cariz informativo (identificada com tons de ver-melho) e outra de conteúdos de entretenimento, culturaise de formação (em tons de azul). Ao nível de conteúdos, aestação pública apresentava novas secções, comoEspeciais e Reportagens, bem como um conjunto de blo-gues agregados de muitos dos programas da estação.

No mesmo dia em que o “i” em papel chegava às ban-cas pela primeira vez, no dia 7 de Maio de 2009, ficava dis-ponível online o site do jornal, que, a par da versãoimpressa, era apresentado como um dos eixos do novoprojecto. A aposta no multimédia era apresentada comouma das mais-valias do iOnline. Cada jornalista teria umkit composto por um telemóvel (para captura de imagense sons), um tripé e um microfone.

Ainda em Maio, a RTP lançava uma versão mobile doseu site. Notícias, conteúdos de desporto, classificaçõesdesportivas, imagens, guia TV eram alguns dos conteúdosdisponíveis em m.rtp.pt. O site permitia a partilha de con-teúdos, bem como a sua disponibilização no Twitter. ARTP aproveitou também para lançar um site optimizadopara iPhone.

Em Junho, a Rádio Renascença lançava um site refor-mulado, sendo que, também neste caso, as palavras-chave“multimédia” e “multiplataforma” surgiam à cabeça dodiscurso da apresentação. A decisão visava reforçar aaposta do Grupo Renascença nas plataformas multimé-dia.

Ao mesmo tempo, os grupos de média procuravamencontrar fórmulas de negócio que lhes permitissem ren-tabilizar as suas operações na Web por outras vias que nãoapenas a, ainda preponderante, publicidade. Ainda queesta fosse unanimemente reconhecida como ‘o’ modelo denegócio, os grupos procuravam diversificar as actividadesdas suas áreas multimédia e, por conseguinte, as suas li-nhas de receita.

A 22 de Janeiro de 2010, o site da TSF aparecia renova-do, ao nível de conteúdos e funcionalidades. A rádio onli-

ne da Controlinveste reforçou os conteúdos multimédia eintroduziu uma nova dinâmica na homepage, de modo aapresentar uma lista de títulos em destaque das principaisnotícias, bem como imagens com maior dimensão.

Em Fevereiro, o Público, que já então assegurava a suapresença em redes sociais como o Twitter e o Facebook, edisponibilizava uma versão para o iPhone, da Apple, tor-nava-se o primeiro jornal português a estar também dis-

ponível no Kindle, o aparelho para ler livros e jornais emformato electrónico da Amazon.com..

O site da TVI 24 assinalou o primeiro aniversário, cum-prido em Fevereiro de 2010, com o reforço de conteúdos.Foi criado um novo espaço de opinião, com “caras conhe-cidas” da estação, que passavam a colaborar com maiorregularidade, e aberto aos utilizadores um novo espaço deopinião. Em Vox os utilizadores passaram a poder deixaros seus comentários.

Numa altura em que as redes sociais, com Facebook eTwitter à cabeça, atingiam números recorde, vários médiadecidiram, no primeiro trimestre de 2010, criar uma novafigura, a do gestor de comunidades, que vários médiaestrangeiros já possuíam há algum tempo. Em Fevereiro,Alexandre Martins passava a ser o primeiro gestor de comu-nidades do Público, cargo que acumulava com a responsabi-lidade pela área de vídeo do site do diário da Sonaecom. Anomeação do profissional visava assegurar uma maior inter-acção com os leitores e com os jornalistas do Público. Era suafunção gerir a presença do jornal nas redes sociais, comen-tários no site e dar feedback à redacção sobre os temas quemarcavam estes média sociais. O Público juntava-se assim ao“i”, título que já tinha também na sua estrutura um editor decomunidades e que entretanto preparava o lançamento deuma rede social própria. A Media Capital Multimédia, porseu lado, decidia criar, em finais de Fevereiro, o cargo degestora de comunidades de sites.

Em Março, o Público tornava-se o primeiro medium por-tuguês a disponibilizar uma aplicação para o iPhone. Aaplicação dava acesso às notícias de última hora de todasas categorias do jornal e permitia a navegação pelas notí-cias que através de fotografias. O utilizador podia aindaguardar os conteúdos favoritos e partilhar a informaçãocom outros utilizadores nas redes sociais (Facebook eTwitter) ou por e-mail. Os leitores podiam aceder ao publi-co.pt com navegação optimizada para este terminal.

No mundo da rádio, procurava-se diversi-ficar a oferta e mudar a imagem típica domeio, vincando o conceito de multimé-dia. O grupo Renascença, por exemplo,alterou a sua designação para R/com,comunicação multimédia, mantendo a

emissão de rádio como essência, mas oferecendo conteú-dos noutras plataformas, com destaque para a Internet,onde o jornal online contava, segundo a administração dogrupo, com 70 mil utilizadores.

Não obstante todos estes investimentos a contracorren-te feitos pelas empresas jornalísticas, é de notar que amaior parte se centrou naquilo que poderemos consideraracessório: refrescamento gráfico de sites; aproveitamentode modalidades da Web pré-existentes, isto é, não desen-volvidas pelos próprios ciberjornais (fornecimento defeeds rss, edições para dispositivos móveis, abertura deperfis em redes sociais, etc.); apelo à participação dos“cidadãos-repórteres”; ênfase dada à instantaneidade,

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com secções de última hora baseadas sobretudo em takes

de agências noticiosas. Em suma, poderemos apelidarestes investimentos de light.

Esforços essenciais, mais pesados, mas que teriam sido,porventura, determinantes para um aumento efectivo daqualidade ciberjornalística, ficaram por fazer, tais como:transferência de jornalistas de redacções tradicionais paraas digitais; cruzamento efectivo de jornalistas e ciberjor-nalistas e respectiva produção jornalística (convergência);reforço das equipas com a contratação de novos ciberjor-nalistas e de técnicos; aumento significativo da produçãode conteúdos específicos para as edições online e conse-quente redução de shovelware; aposta na interactividadeefectiva e permanente com as audiências; maximizaçãodas potencialidades hipertextuais da rede.

Neste quadro, não admira que, por exem-plo, a produção de conteúdos verdadei-ramente multimédia, como reportagens,tenha ficado reservada a uma minoriade sites noticiosos. Também não causaráespanto o facto de a actualização perma-

nente da informação, 7 dias por semana, 24 horas por dia,nunca ter passado de uma miragem no contexto ciberjor-nalístico português.

CONCLUSÃO

A primeira quinzena de anos de ciberjornalismo emPortugal fica marcada, em termos gerais, por uma faseexperimental relativamente longa e reveladora de hesita-ções por parte das empresas jornalísticas, por uma fase deexpansão tão acelerada e intensa quanto curta, e por umafase de estagnação prolongada – pontuada por investi-mentos “leves” a contra-corrente – que ocupa pratica-mente toda a primeira década do século XXI.

Em termos qualitativos, o balanço não deixa grandemargem para regozijo. Os ciberjornais portugueses deinformação geral de âmbito nacional nunca exploraram afundo as potencialidades (muito menos, de forma conju-gada) do novo meio, a saber, interactividade, hipertextua-lidade, multimedialidade, instantaneidade, ubiquidade,memória e personalização.

O ciberjornalismo português não conseguiu, pois, afir-mar-se em pleno. As empresas, que, ao longo dos anos,quase sempre adoptaram uma postura cautelosa e conser-vadora em relação à Internet, não investiram em meiostécnicos e humanos suficientes, como também não conse-guiram encontrar modelos de negócio sustentáveis quelhes permitissem rendibilizar os projectos na Web. Acresceo investimento residual feito na formação dos (ciber)jor-nalistas. Por outro lado, as experiências de integração deredacções e de produção orientada para múltiplas plata-formas só nos anos mais recentes tiveram alguma, pouca,expressão nos principais grupos de comunicação. Assiste-se a um acordar lento para o fenómeno da convergêncianos média. Este é o grande passo que se segue.

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ANÁLISE 15 anos de ciber jornal ismo. . .

As empresas, que, aolongo dos anos,quase sempreadoptaram umapostura cautelosa econservadora emrelação à Internet,não investiram emmeios técnicos ehumanos suficientes,como também nãoconseguiramencontrar modelos denegócio sustentáveisque lhes permitissemrendibilizar osprojectos na Web. JJ

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ENTREVISTA

Carlos Camponez à JJ"Os jornalistas são um pouco desleixados com a sua auto-regulação"

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Na sua tese de doutoramento, conclui que não existe, em

Portugal, uma auto-regulação que vincule, efectivamente,

todos os jornalistas. O que levou a essa constatação?

É uma constatação óbvia, que decorre da inexistência deum organismo de auto-regulação que, de facto, juntetodos os jornalistas. A função que foi desempenhada, deuma forma mais ou menos informal, durantemuito tempo, pelo Sindicato dos Jornalistas (SJ) epelo Conselho Deontológico (CD), é hoje desem-penhada pela Comissão da Carteira Profissionalde Jornalista (CCPJ). Só que eu considero que aCCPJ não é um órgão de auto-regulação - é umórgão de autocontrolo. Porque, praticamente, foiuma instituição criada pelo Estado, ao nível dalegislação de enquadramento. E os jornalistaslimitam-se a cumprir a Lei. É neste sentido quedigo que é de autocontrolo. É algo que foi, dealguma forma, imposto. Na altura, os jornalistastinham algumas dúvidas sobre se deveriam par-ticipar num órgão daquele género. Geraram-sediscussões, por exemplo, no SJ, e eu defendi que,se os jornalistas tinham tanto contra aquela insti-tuição, não percebia por que não se opunham ese candidatavam aos órgãos.

Por que acha que os jornalistas nunca se orga-nizaram, autonomamente, para se auto-regu-larem, abrindo caminho a que o Governo legislasse por si?No fundo, vivem sob regras que não escolheram.

Não é inteiramente verdade que vivam sob regras quenão escolheram. Acho é que vivem sob regras que se juri-dificaram. Nomeadamente, o código deontológico, que foicapturado pela Lei. Acho isso um pouco estranho.

Mas por que é que os jornalistas deixaram esse caminho

livre?

É muito difícil dizer com rigor.Há falta de consciência de classe?

Nos últimos anos, isso parece-me notório. Sobretudo apartir de meados dos anos 90. Agora, quais as razões por

que acontece… Há quem digaque é porque os jornalistasnunca quiseram ser auto-regu-lados. Eu acho que as coisasaconteceram por algum des-leixo. Os jornalistas tinham umsistema de auto-regulação quejá vinha de antes do 25 de Abril,através do Sindicato Nacionaldos Jornalistas… Aí, era mais um sistema de con-

trolo.

Certo é que, apesar disso,sobretudo no período da pri-mavera marcelista, criou-seuma dinâmica de grande dis-cussão e reflexão sobre asquestões da auto-regulação,que, inclusivamente, ajudou acriar a nova legislação, depois

do 25 de Abril. A Ditadura não impediu que houvesseuma reflexão essencial para o exercício da auto-regulaçãodos jornalistas. O que acontece é que os jornalistas conti-nuaram a reconhecer o sindicato como a entidade quedeveria defender os seus interesses e também os seusdireitos. E, se antes do 25 de Abril, todos os jornalistas ti-

ENTREVISTA Carlos Camponez

Falar da auto-regulação dos jornalistas, em Portugal, é falar deuma auto-regulação "frustrada". Eis o que conclui CarlosCamponez, professor de Jornalismo na Faculdade de Letras da

Universidade de Coimbra, na sua tese de doutoramento,"Fundamentos de Deontologia do Jornalismo - A Auto-regulaçãoFrustrada dos Jornalistas Portugueses (1974-2007)". Culpa, em parte,de um certo "desleixo" dos profissionais: "De facto, eu vejo a auto--regulação erguida como uma bandeira dos jornalistas em momentoscríticos; mas, quando se trata de montar a estrutura e de fazer comque ela seja uma prática no dia-a-dia, os jornalistas estão sempre àespera que alguém faça isso por eles".

Texto Carina Fonseca Fotos Fábio Teixeira

A função que foidesempenhada (…) peloSindicato dosJornalistas (SJ) e peloConselho Deontológico(CD), é hojedesempenhada pelaComissão da CarteiraProfissional deJornalista (CCPJ). Sóque eu considero que aCCPJ não é um órgãode auto-regulação - éum órgão deautocontrolo.

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nham de estar ligados ao sindicato, essa obrigação deixoude existir e, à medida que os anos foram passando, houveum conjunto de jornalistas que começou a ficar de fora dequalquer entidade que regulasse as questões éticas edeontológicas.Os mais jovens, aqueles que iam

entrando na profissão?

Alguns. Mas também jornalistasque não se reviam no SJ como enti-dade representativa. Aliás, no finaldos anos 80, a ideia de criar umaOrdem dos Jornalistas, foi, dealguma forma, uma manifestaçãode oposição a esta forma como osjornalistas se organizavam. Aindaque os jornalistas, por maioria,tenham decidido continuar com osindicato, eles nunca conseguiramresolver um problema que já vem,salvo erro, do II Congresso deJornalistas: como é que podemosaderir a um Código Deontológicoque esteja associado a sanções,quando as pessoas podem ou nãoassociar-se ao SJ, quando nãoabrange toda a gente? O pontocrítico desta questão é, em grandemedida, o regime de sanções.Quando pede a carteira profis-sional, tem que assinar um docu-mento no qual se compromete arespeitar o Código Deontológico.Esse compromisso de honra - queé, no fundo, o código deontológico- continua a abranger toda a gente,embora seja um documento criadopelo SJ. Voltando à questão da Ordem dos

Jornalistas, defendida pela As-

sociação Portuguesa de Jornalistas e reprovada pela classe,

em 1992, sob a liderança do sindicato: acha que hoje já

teria viabilidade?

Tenho ouvido muitos jornalistas que votaram contra aOrdem - entre os quais eu estive - dizer que, hoje, se cal-har, já não votariam no mesmo sentido. Eu acho que umdos problemas essenciais continua a ser o do sanciona-mento. A questão é saber até que ponto a CCPJ nãoocupou, na prática, esse espaço, que seria preenchido pelaOrdem. Porque a CCPJ já tem um mecanismo interno queprevê as sanções dos jornalistas - um mecanismo legal. Faz falta a sanção moral?

Eu acho que a sanção deve ser sempre de carácter moral. Como era aplicada pelo Conselho de Imprensa (CI) [organis-

mo fundado em 1975, que reunia jornalistas, políticos, em-

presários, entre outros, promovendo o diálogo social, extin-

to, em 1990, pelo Governo de Cavaco Silva]?

Justamente. O problema é que, para haver uma ver-dadeira sanção moral, tem que haver uma divulgaçãopública efectiva. O CI fazia isso: as deliberações tinham

que ser publicadas, e sem direito a resposta.Hoje, haveria outros mecanismos para tornaressa divulgação pública: dantes, não haviaInternet, não havia tanta discussão dasquestões do Jornalismo nas universidades ecentros de investigação… São mecanismosque favorecem a discussão dos casos que re-velam um mau exercício da profissão. Asanção moral representa uma reprovação porparte da sociedade e por parte dos pares.Defendo a sanção moral porque os jornalistastambém estão sujeitos ao cumprimento da Leie devemos ter o cuidado de não fazer com quesejam abrangidos por dois sistemas san-cionatórios de carácter punitivo. Ou seja,punidos com multas, na profissão; e com mul-tas e indemnizações cíveis, na Lei. Admito queé uma questão discutível, mas a minhaopinião é essa. Tanto mais que o exercício daprofissão de jornalista não é efectuado deforma completamente autónoma. Nãopodemos deixar de ter em conta que o jornal-ista, normalmente, não exerce a sua profissãonum gabinete, onde decide o que fazer. Eletrabalha numa organização. Fala numa "proletarização" da profissão.

Quando falo numa certa proletarização daprofissão, falo de um agravamento dessaperda de autonomia dos jornalistas.É consequência, também, da falta de auto-regu-

lação?

Em certa medida, sim. Nomeadamente, aperda de poder dos jornalistas em organismosque me parecem fundamentais, como os con-selhos de redacção. E não só: os poderes que

existem não têm sido efectivamente exercidos por jorna-listas. Essa é outra prova de um certo desleixo relativa-mente à sua auto-regulação.

"É FÁCIL FUGIR À DISCUSSÃO

DAS RESPONSABILIDADES"

Existiu algum mecanismo de auto-regulação, em Portugal,

que recolhesse a aprovação de todos os jornalistas?

O sindicato foi, durante muito tempo, esse organismo. Falou do CD do sindicato, a certa altura, como sendo um

mecanismo de auto-regulação.

Justamente, e tínhamos também o CI.Houve uma fase de relativa estabilidade.

Sim. Debruçando-nos sobre o período pós-25 de Abril,direi que, até ao final dos anos 80, houve alguma estabili-

Se antes do 25 de Abril,todos os jornalistastinham de estar ligadosao sindicato, essaobrigação deixou deexistir e, à medida queos anos forampassando, houve umconjunto de jornalistasque começou a ficar defora de qualquerentidade que regulasseas questões éticas edeontológicas.

Quando pede a carteiraprofissional, tem queassinar um documentono qual se comprometea respeitar o CódigoDeontológico. Essecompromisso de honra -que é, no fundo, ocódigo deontológico -continua a abrangertoda a gente, emboraseja um documentocriado pelo SJ.

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ENTREVISTA Carlos Camponez

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dade. Aliás, em vários congressos e reuniões de jornalistasreafirmou-se, constantemente, que os jornalistas se revi-am no sindicato como seu organismo representante, querdos direitos, quer dos deveres. E, até ao final dos anos 80,princípios dos anos 90, o sindicato representou a classe empercentagens acima dos 90%. Já disse que as taxas de sindicalização estão abaixo dos

50%, actualmente.

Partindo do princípio de que as pessoas que têm hojecarteira profissional estão, efectivamente, a exercer aprofissão. Acho o número um bocado extraordinário,sobretudo tendo em conta a reali-dade da comunicação social.Acredito que muita gente que temcarteira profissional ou não está aexercê-la, efectivamente, ou estáem situações de incompatibilidade- de legalidade duvidosa, pelomenos. Mas, partindo do pressu-posto de que os dados da CCPJ sãocorrectos, e tendo em conta osnúmeros de sócios do SJ queforam admitidos a participaremnos últimos actos eleitorais, direique essa taxa já está abaixo dos50%.Na sua tese, estabelece uma espé-

cie de viragem, nos anos 90, com a

"captura" da auto-regulação dos jor-

nalistas pela legislação. E estabele-

ce dois marcos: a extinção do CI,

em 1990; e o final da emissão da

carteira profissional de jornalista

por parte do SJ, em 1993, por

ordem do Tribunal Constitucional.

Em 1990, quando o Governosocial-democrata extinguiu o CI,uma das questões que suscitoualguma celeuma, por parte dosjornalistas, teve a ver com o papelmoral que o CI exercia, nomeada-mente, recebendo queixas doscidadãos. Havia sanção moral,havia pareceres emitidos e publi-cados na imprensa. Quando os jornalistas questionaram aextinção do CI, neste domínio das atribuições de carácterético e deontológico, o Governo disse que essas erammatérias que competiam à sociedade civil e que o Estadonão tinha de se imiscuir nelas. Ora, é curioso que o mi-nistro Santos Silva, do último Governo do PS, venha dizer,como justificação das medidas para a tal captura da deon-tologia dos jornalistas, que era preciso acabar com o libe-ralismo, quer dos jornalistas, quer dos meios de comuni-cação social. Em 20 anos, o Estado desregulou o sector, nasmatérias de ética e deontologia, e depois disse: é preciso

pôr aqui alguma regulação. Obviamente, podemos sem-pre dizer - e esse é o argumento dos políticos - que os jor-nalistas não ocuparam esse espaço. Mas os jornalistasforam, na altura, através do SJ, aqueles que mais se pre-ocuparam em recriar o CI e nunca o conseguiram porqueos empresários não se mostraram muito empenhados noprocesso. E depois verificou-se que o SJ, por si só, nãotinha meios para sustentar um organismo desse género.Mas entende que a culpa também é dos jornalistas.

Quando dizemos que a auto-regulação não funciona, osúnicos culpados são os jornalistas, como é óbvio. Agora,

podemos encontrar explicações exteriores.Uma delas, do meu ponto de vista, tem a vercom esse desmoronamento do edifício do CI.Porque, de facto, os jornalistas, na altura,aceitaram partilhar a sua auto-regulação comum organismo mais alargado, onde se discuti-am as questões de ética e deontologia rela-cionadas com o exercício da profissão.Também me parece importante sublinhar queo nosso país é muito pequeno. O número dejornalistas a exercer a profissão, sobretudo nosanos 90, talvez não fosse suficiente para,através da sua contribuição, permitir o fun-cionamento de um organismo destes, quetivesse os meios para deliberar e fazer cumpriras suas decisões. Apesar daquele período de estabilidade relativa

que referiu, entende que a auto-regulação que

existiu em Portugal foi sempre frustrada. E eu

pergunto-lhe: também se sente frustrado peran-

te essa conclusão?

A auto-regulação, nesse período de estabili-dade, funcionava da seguinte forma: até aosanos 90, o Conselho Deontológico pratica-mente só tratava de queixas provenientes dejornalistas contra jornalistas. Porque oConselho de Imprensa, normalmente, aceita-va as queixas provenientes do público e dasinstituições privadas. No fundo, acabava porfuncionar. Mas o CI não era, verdadeiramente,uma auto-regulação - era uma co-regulação.Porque englobava jornalistas, representantespolíticos, representantes da sociedade... Mas,

de facto, é uma auto-regulação frustrada. Porque, quandoo CI desaparece e essa auto-regulação, que se exercia noâmbito do CD, necessita de se abrir, ela não consegueresolver os problemas resultantes dessa abertura.Novamente, as questões da sanção, [de conseguir]abranger todos os jornalistas... Ficou sempre uma auto--regulação… estranha. Quando há queixas feitas porcidadãos ao CD, contra jornalistas, e eles são confrontadoscom elas, decidem sair do SJ. Isto demonstra bem como éfácil fugir à discussão das responsabilidades.E quanto à segunda parte da questão? Ficou frustrado?

A sanção moralrepresenta umareprovação por parte dasociedade e por partedos pares. Defendo asanção moral porque osjornalistas tambémestão sujeitos aocumprimento da Lei edevemos ter o cuidadode não fazer com quesejam abrangidos pordois sistemassancionatórios decarácter punitivo.

Acredito que muitagente que tem carteiraprofissional ou não estáa exercê-la,efectivamente, ou estáem situações deincompatibilidade - delegalidade duvidosa,pelo menos.

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Claro. Eu tenho carteira profissional, no momento em quetive carteira profissional, fui sindicalizado… Sempre viviestas questões. E acho que é absolutamente essencial, parauma profissão como a de jornalista, o exercício da suaauto-regulação. Inclusivamente, impressiona-me quesejam organismos como a CCPJ a acabar por nos impor ofuncionamento desta auto-regulação. Isto quer dizer queos jornalistas são um pouco desleixados com a sua auto--regulação. Ou não querem saber, ou querem que outrostomem conta de funções que na realidade lhes pertencem.De facto, eu vejo a auto-regulação erguidacomo uma bandeira dos jornalistas emmomentos críticos; mas, quando se trata demontar a estrutura e de fazer com que ela sejauma prática no dia-a-dia, os jornalistas estãosempre à espera que alguém faça isso por eles.

"NUNCA HAVERÁ UM MODELO PERFEITO"

A falta de auto-regulação pode expor mais os

jornalistas à violação da ética e da deontologia

da profissão?

Obviamente, permite que haja a tentação doexercício do jornalismo de uma forma muitoindividualista. Aliás, quando sublinho, naminha tese, a importância das questões moraisda deontologia do jornalismo, tem a ver comesta consciência de profissão. E eu acho queessa componente é muito importante paratravar uma concepção do jornalismo muitocentrado na ética. Faço a distinção entre éticae moral: a ética é a reflexão de cada um; amoral já tem a ver com os costumes de umasociedade, de uma profissão, de um gruposocial. E, quando sublinho o carácter moral daauto-regulação, tem a ver com o peso institu-cional. Obviamente que a aplicação das nor-mas morais da auto-regulação é sempre pon-derada individualmente, mas é um riscogrande que os valores de uma profissão este-jam entregues ao livre arbítrio de cada profis-sional. Numa reportagem sobre os problemas que afectam o jorna-

lismo, actualmente, um jornalista dizia que o cumprimento

da ética e da deontologia depende, essencialmente, do

carácter de cada profissional. É nesse ponto que estamos?

A defesa desse ponto de vista dá razão ao ex-ministroSantos Silva, quando dizia que era preciso pôr fim a umcerto liberalismo dos jornalistas. Eu acho que o exercícioda profissão não está ao arbítrio de cada um. Mas a ausên-cia de um mecanismo de auto-regulação conduz-nos aisso. E, pior ainda: conduz a que os valores da profissãoestejam sujeitos aos condicionalismos do exercício daprofissão de cada um. Porque uma coisa é a ética de umjornalista que está no quadro, outra é a ética do jornalista

freelancer, outra é a ética do jornalista estagiário, que estáà espera que abram um lugar no quadro para ter acesso àprofissão… Esse é o ponto frágil da ética. Por isso, é pre-ciso que os valores do jornalismo sejam defendidosatravés de uma estrutura mais representativa, uma estru-tura de classe em que os jornalistas se revejam. A defesada profissão de uma forma individual dá-nos uma falsasensação de liberdade. Porque a profissão não se exerce deforma individual; insere-se num contexto organizacional,de corporações de media.

E a questão da descredibilização,

que é fatal para o jornalismo? Há

quem diga que o jornalismo nunca

esteve tão mal visto como hoje.

Esse pode ser considerado um deoutros factores que têm a ver coma falta de auto-regulação. Eramuito importante que a sociedadevisse que os jornalistas são capazesde discutir os seus problemasabertamente.Daí que defenda a existência de um

mecanismo idêntico ao CI.

Defendo um modelo desses. Masisso não significa que não tenha deexistir um mecanismo de auto-re-gulação. A auto-regulação não éuma forma onde os jornalistas serefugiam, numa auto-defesa dacorporação; deve ser um organis-mo onde os jornalistas procuramdiscutir os seus problemas e criarum pensamento próprio sobre osdesafios que se colocam ao exercí-cio da profissão. Agora, acho tam-bém que, para que isso possa serrealizado plenamente, é precisoque esse pensamento de auto-re-gulação seja discutido, também,em organismos mais abertos, maisabrangentes, em que se reflictamas opiniões da sociedade civil. E o

CI é um desses mecanismos. É um local onde os assuntossão debatidos, não apenas do ponto de vista dos jornalis-tas, mas de pontos de vista divergentes. É muito prejudi-cial pensarmos os valores da profissão só a partir do nossoumbigo. Se sou contra a ideia de uma deontologia cap-turada pelo Estado, também sou contra a ideia de osprofissionais capturarem os objectivos da sociedade emdefesa dos seus interesses corporativos. Em suma, que medidas defende para implementar uma auto-

regulação efectiva em Portugal?

Acho que é urgente que os jornalistas dêem sequência aalgumas decisões apontadas, quer no 2º, quer no 3ºCongresso dos Jornalistas Portugueses, nomeadamente, a

ENTREVISTA Carlos Camponez

Vejo a auto-regulaçãoerguida como umabandeira dosjornalistas emmomentos críticos;mas, quando se trata demontar a estrutura e defazer com que ela sejauma prática no dia-a-dia, os jornalistas estãosempre à espera quealguém faça isso poreles.

Uma coisa é a ética deum jornalista que estáno quadro, outra é aética do jornalistafreelancer, outra é aética do jornalistaestagiário, que está àespera que abram umlugar no quadro parater acesso à profissão…

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de autonomizar o CD, de modo a que possa ser uma insti-tuição extra-sindical que obrigue todos os profissionais aestar-lhe vinculados e a respeitar as suas decisões.Podemos dizer: mas então estamos a caminhar para umaOrdem. Chamemos-lhe Ordem, Comissão de Ética… Eunão defendo muito a ideia de uma Ordem dos Jornalistas,porque ainda causa muitas divergências entre os jornalis-tas. Temos de nos centrar nos problemas a resolver, e nãonas questões que nos dividem. E a forma de evitar osproblemas que resultam da institucionalização de umaOrdem é uma questão que depois tem de se discutir. Masisso não pode ser óbice a que a auto-regulação se exerça. Eos jornalistas, ao não exercerem a sua auto-regulação,estão também a faltar a um dever que têm para com aprópria sociedade, que é assegurar a qualidade ética edeontológica no exercício da profissão. Daniel Cornu dizque o direito de liberdade de expressão dos jornalistas é--lhes delegado pela função que exercem para com asociedade. E eu acho que, em função desse direito quelhes é delegado, devem responder com uma auto-regu-lação efectiva.A auto-regulação, no seu entender, não resolve todos os

problemas com que a profissão se debate.

Eu costumo dizer que a melhor coisa a fazer, para acabarcom a auto-regulação, é pensá-la como a solução paratodos os problemas de uma profissão. Não é, e nem vejonisso nada de dramático. Obviamente que me preocupauma auto-regulação inócua ou inexistente. A Justiça tam-bém comete erros todos os dias e ninguém se lembra deacabar com os tribunais. Não há perfeição. Nunca haveráuma auto-regulação definitiva, um modelo perfeito. Épreciso que haja um activismo, por parte dos jornalistas,que faça com que a auto-regulação se exerça efectiva-mente.

"ISTO PARECE OUTRO MUNDO!"

Voltando à questão da perda de representatividade do SJ,

que considera dever-se, não tanto ao afastamento dos jorna-

listas, mas à não adesão dos jovens que vão entrando na

profissão, talvez por ter deixado de emitir a carteira profis-

sional…

… E, porventura, também devido a algumas pressões,alguns receios. Jornalistas que estão em situação de pre-

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cariedade receiam que o facto de serem sindicalizados sejamal visto pelas empresas. É curioso: no momento em queassinou os meus documentos para tirar a carteira profis-sional, o meu primeiro director, Xavier de Figueiredo, narevista "África Confidencial", disseque eu era livre de não me sindi-calizar, mas que devia pensar bemno assunto, porque era importanteque as pessoas estivessem sindica-lizadas. Foi em 1987. Isto pareceoutro mundo! Acha que há um fosso muito grande

entre as diferentes gerações de jor-

nalistas?

Se calhar há um fosso de vivênciase de realidades. Estou há dez anosfora das redacções e tenho algumadificuldade em avaliar isso nestemomento.Quem chega agora à profissão está,

quase sempre, numa situação frágil,

sem contrato de trabalho. Pode

acontecer que, de certa maneira, os

mais jovens invejem os mais velhos

por estes possuírem um contrato e

os mais velhos tenham medo de perder o posto de trabalho

por acharem que vão ser substituídos pelos mais jovens?

Numa espécie de guerra escondida?

Acho que, se existe esse problema, ambos o estão a vermal: porque os mais velhos, sempre que há uma reestru-turação, vão-se embora; e os mais novos nem por isso vãopara o quadro. Portanto, se a guerra é essa, é melhor

repensarem os objectivos. O problema dasredacções, hoje, não tem a ver com o facto deos jornalistas serem mais velhos ou maisnovos; tem a ver com as transformações técni-cas, económicas, da própria organização dosmedia.Mas acha que, independentemente da idade dos

jornalistas, existe um certo esmorecer, uma des-

motivação, nas redacções?

Vários estudos dizem que, por volta dos 40anos, os jornalistas começam a sentir um certodesalento. Esse desalento, se calhar, resulta deoutra coisa: as pessoas, hoje, chegam à profis-são com ideais diferentes dos do passado.Primeiro, porque há muito mais gente a quer-er entrar no jornalismo. Quando eu entrei,não sei se seríamos 2000. A própria existênciade cursos de jornalismo faz com que o jorna-lismo seja encarado, por vezes, apenas comouma carreira e não, como acontecia em muitoscasos, como um ideal de profissão. Talvez que

a ideia de que o jornalismo é uma boa profissão para se serestrela e ganhar muito dinheiro esteja mais presente hojeem dia.

ENTREVISTA Carlos Camponez

A própria existência decursos de jornalismofaz com que ojornalismo sejaencarado, por vezes,apenas como umacarreira e não, comoacontecia em muitoscasos, como um ideal deprofissão. Talvez que aideia de que ojornalismo é uma boaprofissão para se serestrela e ganhar muitodinheiro esteja maispresente hoje em dia.

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Ana Jorge

No dia em que os céus daEuropa Central e do Norteforam varridos por uma

nuvem de cinzas vulcânicas que seespalhavam a partir da Islândia evulcanólogos e meteorologistasforam convocados para explicar eprever o fenómeno, em Lisboacientistas, decisores políticos ejornalistas reuniam-se para debateras formas como podem trabalharjuntos a longo prazo para umdebate público informado. A ciênciae o jornalismo podem encontrar-sefora de ocasiões de crise e o

workshop “Ciência, Política eMedia”, promovido por jovensinvestigadores (ver caixa), juntourepresentantes das comunidadesjornalística, científica e política como objectivo de compreender os seuspontos de convergência e o que épreciso mudar para melhorar assuas interacções numa sociedade doconhecimento.

Num tempo em que as decisõespolíticas são cada vez maisfundamentadas em estudostécnicos e científicos, seja qual for asua área, a ciência não é apenasuma fonte de consulta, mas umparticipante efectivo na resolução

dos problemas da sociedade,salientou o director do Serviço deCiência da Fundação CalousteGulbenkian, João Caraça, naabertura dos trabalhos. Para tal, osmedia são essenciais, já não apenasna divulgação da ciência, mas nacomunicação de matérias científicascomo forma de esclarecimento e deenvolvimento na resolução deproblemas, que não competeapenas a políticos.

Esta ideia foi, aliás, sublinhadapor Sue Nelson, jornalista eapresentadora de programas deciência há cerca de 20 anos na BBC,quer em rádio quer em televisão:

Jornal| Workshop

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Ciência, política e media

A ciência a comunicarJornalistas, cientistas e políticos reuniram-se num dia de reflexão sobre o quepodem fazer juntos por um debate público fundamentado

Sue Nelson, da BBC

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Os trabalhos decorreram na Fundação Calouste Gulbenkian

não basta produzir programas deciência para os nichos dos maisinteressados, mas importa trazer odebate para o âmbito geral e opúblico mais abrangente. O própriosector da ciência profissionalizou asua comunicação e vê o jornalismocomo meio para a sua missão. Seesta jornalista falava de como aciência se tem popularizado nosmedia britânicos, em Portugal asituação está ainda longe disso, querpela parte do jornalismo quer pelados cientistas.

“RECENTE E ESCASSO”

O jornalismo de ciência portuguêsexiste há cerca de 20 anos mas está jánuma fase de contracção, contandoactualmente com apenas cerca deuma dezena de jornalistasespecializados, a que se somam os deambiente. “É recente e é escasso”,resume Teresa Firmino, do Público.Além de ter que competir comoutras editorias, o jornalismo deciência tem que transpor a

linguagem científica para umalinguagem apelativa ao público emgeral, adaptar a mensagem a umespaço e a um tempo menores,mantendo o rigor e tentandoreflectir o confronto de argumentosque se dá nas discussões científicas.

Tudo isto é complicado com acrise que se vive nas redacções.António Granado,jornalista e professorde jornalismo daUniversidade Nova deLisboa e daUniversidadeLusófona, relembraque a secção deciência da Lusa, quechegou a contar comquatro jornalistas, seencontra actualmenteextinta, tal como acontece a nívelinternacional, por exemplo na CNN.E o processo é irreversível.“Solução? A única resposta é asinstituições científicas tomarem acomunicação nas suas mãos.” Se

Teresa Firmino salienta que asfontes, os cientistas, em Portugalnão estão organizadas, carecendomuitas vezes as universidades degabinetes de comunicação, o quetorna essenciais os contactospessoais com jornalistas, Granadoexplica por que razão certasinstituições de ciência

internacionais seconseguemposicionarverdadeiramentecomo fontesprofissionais.Grandes revistascomo a Science ou aNature não sóadaptam os seuscritérios científicos atemas relevantes

para o grande público, comoestruturam o tempo e a linguagemda sua comunicação de forma acolocar os critérios noticiosos a seufavor. A par disso, para um públicomais interessado, os jornais podem

O jornalismo de

ciência está a

perder espaço no

nosso País, mas o

número de

cientistas tem

vindo a aumentar

consideravelmente

nos últimos anos.

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Jornal| Workshop

Os participantes no workshop visitaram a Assembleia da República a convite da Comissão Parlamentar de Ciência

Fotos: Workshop Ciência, Política e Media

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facilitar saídas possibilitadas pelaWeb 2.0, como blogues de ciência,sites colaborativos de jornalismo deciência, sites de nicho, refereAntónio Granado.

PRIMEIROS PASSOS

Se os campos do jornalismo, dapolítica e da ciência se relacionamcada vez mais, persiste uma sensaçãode superioridade de uns em relaçãoaos outros, comentava João Serrão,do Instituto de Ciências Sociais deLisboa, e até mesmo um mal-estar dequem circula entre as várias áreas ouas acumula. Alexandre Quintanilha,da Universidade do Porto, afirmaque não há um estímulo por partedas universidades para que osinvestigadores divulguem a ciênciaque fazem e vai mesmo mais longe:“as pessoas acham que a pessoa quefaz divulgação não é bem umcientista”.

Se, como se referiu, o jornalismode ciência está a perder espaço nonosso País, o número de cientistastem vindo a aumentarconsideravelmente nos últimos anos.Se a competição aumenta no campocientífico, os media noticiosospodem também aí desempenhar umpapel, se servirem para colocar naagenda pública e nas mentes da

população a relevância de umdeterminado tema e assimconquistarem apoio político einvestimento público para ainvestigação, nota Tiago Outeiro,investigador em Medicina Molecular.“Fazer ciência é também comunicarciência”, diz. O jornalismo não serveapenas para conquistar o público eos decisores políticos, é fundamentalpara justificar os investimentos,acrescentou João Sentieiro,presidente da Fundaçãopara a Ciência e aTecnologia. Os cientistasprecisam de devolver àsociedade o contributopara a resolução deproblemas específicos e,além disso, podemmostrar a ciência quefazem “contando estórias do que sepassa na ciência”.

No entanto, os cientistas nãoquerem subjugar-se aos critérios dapopularidade e do utilitarismo. Oscritérios mediáticos não podemsobrepor-se aos científicos. Não só ointeresse público de umainvestigação científica pode não serimediatamente visível para apopulação, como essa investigaçãodemora muito tempo a produzirresultados, algo que colide com a

imediaticidade do jornalismo.Outros receiam os cortes na suamensagem, a simplificação, a edição.Contudo, António Granado sublinhaque a visibilidade noticiosa daciência não lhe confere nem significaque tenha mais qualidade do que amais invisível.

No entanto, se as normas, tempose linguagens de jornalismo e daciência são diferentes, algunscientistas percebem já a vantagem de

comunicar aciência emconjunto com osjornalistas. Algunscientistasempenham-se em“descomplicar aciência e contribuirpara a

sensibilização da opinião pública”,como Nuno Crato, refere TiagoOuteiro. Outros começam a perceberque a visibilidade mediática revertetambém para credibilidade científica,como referia Sue Nelson, sobre ofacto de os estudos e autoresreferidos nos media conseguiremmais citações no meio académico-científico. “Há muita coisa boa a serfeita, mas há muito a fazer”, situaAlexandre Quintanilha com o olharde um cientista.

Muitos cientistas, alguns jornalistas, poucos políticos

A ideia para o workshop “Ciência, Política e Media” nasceu em 2008, quando

José Xavier, investigador do Instituto do Mar da Universidade de Coimbra,

participou no European Science Open Forum em Barcelona. Nesse encontro

de investigadores, membros do Parlamento europeu, jornalistas e público em

geral, percebeu-se que era urgente debater sobre como melhorar as relações

entre cientistas, políticos e jornalistas.

Com outros jovens investigadores do Instituto de Medicina Molecular da

Universidade de Lisboa, foi possível concretizar a ideia de promover este

debate que está a ter lugar à escala europeia, num evento que contou com o

alto patrocínio da Presidência da República.

O balanço final é positivo: cerca de 160 participantes, entre “muitos

cientistas, alguns jornalistas e poucos políticos”, refere Cheila Almeida, da

organização, participaram neste dia de discussão.

Os cientistas vêem

os media como

uma forma de

dialogar ou

influenciar os

decisores políticos.

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Juan Gelman, poeta e jornalistaJuan Gelman esteve em Portugal para falar de poesia e da sua luta emdefesa dos direitos humanos.

Carla Baptista

Juan Gelman, poeta e jornalistaargentino, nascido no bairroVilla Crespo, em Buenos Aires,

em 1930, é uma figuradesconcertante. A comitiva que oacompanhou à Faculdade deCiências Sociais e Humanas, emAbril, supostamente para dar umaaula aberta aos estudantes, incluíao embaixador da Argentina eoutros diplomatas, além defuncionários da Casa da AméricaLatina e do Instituto Camões.Gente importante, portanto, queassim lhe reconhecia o prestígioque já alcançou no mundo daliteratura e da luta pelos direitoshumanos, confirmado pelos váriosprémios internacionais atribuídos,incluindo o Prémio Cervantes, em2007.

Mas Juan Gelman queria tudomenos dar “uma classe magistral”.Disse que “tinha poucas ideias” evinha só “com vontade deconversar”. Respondia a perguntas,mas não elaborava discursos. Eassim a conversa, difícil ao princípiopor timidez dos alunos, acabou porfluir e foi sobre tudo - poesia ejornalismo, que são para ele amesma coisa, a tragédia na sua vidae na do seu país, e a força queencontrou na escrita para nãodesistir do principal: que se façajustiça.

A história da sua vida seriacinematográfica, senão fossetambém cruelmente terrena: filho deimigrantes judeus ucranianos,aprendeu a ler aos 3 anos e teveuma infância feliz, a fazer as trêscoisas que mais gostava: ler, andarde bicicleta e jogar futebol. Maistarde, juntaram-se outras coisas

igualmente boas: bilhar, milongas emulheres.

Em 1976, quando a ditaduramilitar se instalou na Argentina, jáera um autor e jornalistareconhecido, tendo ocupado oscargos de chefe de redacção darevista Panorama (1969), secretáriode redacção e director dosuplemento cultural do diário La

Opinión (1971-1973), secretário deredacção da revista Crisis (1973-1974)e chefe de redacção dodiário Noticias (1974).

A militância política,com passagens pelaorganização guerrilheiraFAR, de orientaçãoperonista-guevarista e,mais tarde, a organizaçãoMontoneros, motivarama perseguição à família jáque, em Março de 1976, quando sedeu o golpe de Estado comandadopelo então general Rafael Vileda,Gelman já estava no exílio.

Em Agosto de 1976, os seus filhosNora Eva, de 19 anos e MarceloAriel, de 20, juntamente com a suanora María Claudia Iruretagoyena,de 19 anos, grávida de sete meses,foram sequestrados. Com eles, aolongo dos 7 anos (1976-83) quedurou o período mais negro nahistória recente da Argentina,desaparecerem 30 mil argentinos.“Alguma coisa fizeram”, diziam aspessoas sem perceberam que,amanhã, seriam elas. Ou o vizinho.Ou o pai. Ou a filha.

Muitos anos depois, descobriuque o filho e a nora foramexecutados. O corpo de Marcelo foidescoberto dentro de um contentorcheio de cimento, com um tiro nanuca. O de María Claudia nunca foiencontrado. Os crimes aconteceram

no Uruguai, onde existiam camposde concentração que recebiam ospresos políticos argentinos. Era umpaís simpático que, aparentemente,não fora cúmplice dos seus atrozesvizinhos no poder. O governonegava-o e o resto do mundo nãoqueria realmente saber.

Gelman enfrentou a oposição àinvestigação por parte do presidentedo Uruguai, Julio María Sanguinetti,recebendo apoio de destacados

intelectuais eartistas comoGünter Grass, JoanManuel Serrat,Darío Fo, Fito Páeze o seu amigo JoséSaramago.

A base dessacampanha deimprensa

internacional foi o jornal Página/12

mas foram precisas muitas alianças evontades para que a verdade viesseà superfície. Acabou por vir e comela um milagre: num papelencontrado através da igrejacatólica, leu, com olhos incrédulos,uma frase que, novamente, mudou asua vida: “a child was born” (foiassim que a leu porque estavaescrita em inglês”). Maria Cláudiateve a filha no hospital deMontevideu, a criança foi entregue auma família que a acolheu e JuanGelman encontrou-a, à neta, 23 anosdepois.

O que os jornais dizem “temimportância”, disse aos estudantes.Mas esse poder só serve se for postoao serviço da verdade: “aquilo quenão aconteceu não serve”,acrescentando que o papel dojornalista é “investigar, verificar erelatar sem se deixar levar pelacontaminação ideológica”.

Jornal| Juan Guelman

O papel do

jornalista é

“investigar, verificar

e relatar sem se

deixar levar pela

contaminação

ideológica”.

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DR

A Juan Guelman fo atribuido

em 2007 o Prémo Cervantes

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Não, não somos todos precários

Bruno Horta

Quando o Jornal de Notícias

perguntou, a 24 de Março,ao presidente do Conselho

Deontológico do Sindicato dosJornalistas se “os profissionais maisnovos fazem jus à ética a que sãoobrigados”, Orlando Césarrespondeu que “os jornalistas maisnovos”, quer “os estagiários”, queros que “estão sujeitos a um regimede precariedade associado a recibosverdes”, são “lançados aos bichossem que ninguém os apoie ou osauxilie relativamente ao que élícito”. A resposta não é umaconstatação de facto. É um juízo devalor que exime as pessoas das suasresponsabilidades e em simultâneoas condena sumariamente. OrlandoCésar compara os precários, sóporque o são, aos jornalistasestagiários e insinua que praticamilícitos éticos. Ignora, e não deveria,que não são só os novatos que estãoem regime de precariedade, hámuita gente experimentada namesma situação. E faz de conta quenão sabe, mas sabe, que a ética nãoé como a experiência, não se vaiadquirindo; quando muito, vai-se éperdendo com o tempo. Tambémnão apresenta casos concretos deprecários que não cumprem a Lei deImprensa, o Estatuto do Jornalista eo Código Deontológico. Limita-se,portanto, a espalhar lama.

Os jornalistas precários, como eu,são jornalistas. Como jornalistas,temos todos as mesmas obrigaçõeséticas e deontológicas, os mesmosdireitos profissionais e cívicos, osmesmos problemas na relação comas fontes e no acesso à informação.Isso é o plano das contingências. Ovínculo laboral é outro plano. Nas

contingências somos todos iguais, sóvínculo é que não.

Outro exemplo: na já famosaComissão Parlamentar que há poucotempo levou à Assembleia daRepública destacadas figuras dosmedia para saber se o Governo temou não limitado a liberdade deexpressão e a de imprensa, opresidente do Sindicato dosJornalistas (SJ), Alfredo Maia,cometeu o erro de dizer que “nofundo, somos todos precários” –citou-o a imprensa, a 4 de Março.Referia-se aos efeitos negativos que aameaça velada de despedimento teráhoje sobre o profissionalismo dosjornalistas. Um absurdo. Está amilhas do que são os problemas dosjornalistas precários e por issocompara o incomparável.

A frase não espanta se soubermoso que tem sido feito pelo SJ nestaquestão. Só em 2008 é que acordou asério para os precários, promovendoplenários pelo país. Só nesse ano éque passou a incluir no site oficialuma secção chamada “Freelance ePrecários” (cujas últimas notícias, nomomento em que se escreve estetexto, datam de Novembro de 2008).E lançou o “Inquérito à Precariedadeno Jornalismo”, cujos resultados,dois anos depois, ainda não sãoconhecidos. Há poucas semanas,perguntei por mail ao SJ quandoprevê divulgar os resultados.“Dentro de dias”, foi a resposta.

Jornalismo precário é aquele queé feito por jornalistas avençados, arecibo verde, sem contrato detrabalho escrito ou com contrato atermo certo (situações análogas, masque não devem ser confundidasentre si). O liberalismo económico eas suas crises, juntamente com adesorientação provocada pela

quebra constante das vendas dejornais, criaram, para o bem e para omal, os precários. Há dias, o Diário de

Notícias dava conta da existência, em2008, de 429 253 trabalhadoresindependentes registados naDirecção-Geral de Contribuições eImpostos. Destes, cerca de 21 milcabem nas categorias de artistasplásticos, actores, músicos, jornalistase repórteres. Serão muitos mais,como é evidente: basta pensar nosjornalistas que têm actividade abertacomo “direitos de autor” e que nãoforam aqui contabilizados. É muitagente. São consideradosindependentes ou freelancers – “osprofissionais mais vulneráveis nosector dos media”, lembra opreâmbulo da Carta dos DireitosFundamentais dos JornalistasFreelancers, da Federação Europeiade Jornalistas (FEJ).

O precariado está hoje sujeito adois tipos de dificuldades: as queresultam directamente de não teremum vínculo laboral seguro e as queresultam do desinteresse, ignorânciaou má-fé das chefias e das instânciasque deveriam defender os interessesde todos os jornalistas. Oempowerment dos precários passapela questão das remunerações e doestatuto. Uma tabela nacional depreços de trabalho jornalísticofreelancer e respectivas condiçõescontratuais, como a que, porexemplo, os sindicatos de jornalistascriaram em Inglaterra, à vista detodos na internet, negociada entrepatrões e jornalistas por intermédiode instâncias que os representem.Por outro lado, reconhecimento peloEstado das especificidades dotrabalho precário, nomeadamente nodomínio das contribuições eimpostos. Excelente exemplo é o da

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petição “Antes da Dívida, TemosDireitos”, apresentada à Assembleiada República pelos movimentoscívicos Activistas Precários, Fartos/asd’Estes Recibos Verdes, Plataformados Intermitentes do Espectáculo edo Audiovisual e PrecáriosInflexíveis.

Um último aspecto: os jornalistasprecários competem hoje, e isso temde acabar, com publicistas que, poralguma razão, são pagos eacreditados pelas redacções damesma forma, como se pudessem

assegurar o mesmo cuidado e amesma independência no trabalhoproduzido. Não podem porque nãoestão vinculados às obrigações dosjornalistas, nem têm os mesmosimperativos éticos. Quem dirige asredacções está debaixo dascontingências, não tem tempo paraos precários, mas não pode destrataros seus pares. Internamente, érespeito o que se exige. Quem fazgrande parte das notícias, na era dasredacções minúsculas, é o precariado.Esse é o capital de respeito que temos

e que as empresas estão a pedir quetestemos e que um dia talvez sejapreciso testar.

Queremos continuar a seleccionarfactos, a perguntar, a incomodar, aconfrontar, a escrever. Queremosdescobrir, aprender, brilhar e sonharque um dia vamos ter o nosso“Watergate”. Estamos todos para omesmo e sabemos o orgulho quetemos em estar. Porque somos todosjornalistas. Não somos é todosprecários.

Março, 2010

Consigotodos os dias

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Jornalismo em Liberdade

JOÃO FIGUEIRA

Almedina, 259 pp. 2009

Texto Silas Oliveira

“Jornalismo em Liberdade” é otítulo abrangente escolhidopor João Figueira para uma

série de entrevistas com seisprofissionais que “alteraram aforma de fazer informação emPortugal.” O autor, que foi jornalistano Diário de Notícias até 2006, édoutorando em Ciências daComunicação e integra um grupode investigação no Centro deEstudos Interdisciplinares do SéculoXX (CEIS 20), da Universidade deCoimbra, em cujo âmbito estetrabalho foi realizado.

João Figueira declara que se tratade profissionais que admira e“modificaram a visão do País e domundo de milhares de portugueses.”Podia incluir outros, como diz, deentre “todos quantos indo à minhafrente melhoravam o caminho paraeu poder passar.” Mas os seis“imprescindíveis” são Francisco SenaSantos, Joaquim Letria, EmídioRangel, Vicente Jorge Silva,Henrique Cayatte e Maria Elisa.

O que eles contam retratasobretudo o período que vem desdeo 25 de Abril até hoje, quando osjornalistas já podem comparar asformas possíveis de pressão sobre oseu trabalho: desde a censura oficial,em ditadura, passando pelostelefonemas dos dirigentes políticos,mais tarde por efeito dos assessores edas agências de comunicação,finalmente pela mão discreta (nãomenos poderosa) das imposições domercado.

Desses primeiros telefonemas, háepisódios notáveis recordados porJoaquim Letria e por Maria Elisa, quese passam, apesar de tudo, numclima de relação pessoal. “Isto eratudo mais paroquial, sequiser” - conta oprimeiro. Maria Elisadiz que estes contactosdirectos, quandoaconteciam no finaldos anos 70, eramfeitos “com uma certanaïveté, era uma coisa...saudável, quase. Etambém a pessoa podia dizerque não, que ninguém levava a mal.”Emídio Rangel conta dos dirigentespolíticos que assim procediam:“Muitas vezes ria-me deles, eratalvez a melhor forma de olhar paraaquilo.”

O relato de todos ganha emoçãoquando descrevem o nascimento dosnovos meios surgidos nestes 35 anos,e em que estiveram envolvidos: Sena

Santos e Emídio Rangel sobre a TSF(este também sobre a SIC), odesigner Henrique Cayatte e VicenteJorge Silva sobre o Público (e aindasobre o Expresso), Maria Elisa sobreos vários projectos televisivos a queesteve ligada, Joaquim Letria sobreO Jornal, o Sete, o Tal & Qual e arevista Sábado.

Por vezes ganha amargura,quando falam de situações em queforam afastados ou se sentiramtraídos. É um terreno em que secruzam o “saneamento” político (porefeito de novas relações de forças), oconstrangimento da direcção dasempresas, até conflitos de naturezapessoal ou profissional. Só estesrelatos já justificariam o livro“Jornalismo em Liberdade”, comomatéria para uma reflexãomelancólica sobre as dificuldades daarte.

“Para que serve o jornalismo?” - éa pergunta inicial. Há respostas emque a melancolia chega ao

pessimismo, mas todos têm,nalgum ponto do

discurso, palavrasfortes sobre aresponsabilidade e omodo correcto defazer jornalismo, e

indignação pelosperigos que o ameaçam. Um dos mais evidentes

é a “proletarização da classejornalística” (expressão textual deVicente Jorge Silva). As novasgerações, já saídas de escolasuniversitárias, são as que conhecemo lado pior do mercado. JoaquimLetria conta de antigos alunos quefazem estágios não remunerados eele encontra mais tarde emempregos precários. E Maria Elisainsiste na impossibilidade de fazer

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O relato

de todos ganha

emoção quando

descrevem o nascimento

dos novos meios

surgidos nestes 35 anos,

e em que estiveram

envolvidos

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jornalismo sério sem investir nosprofissionais: Watergate “só foipossível porque houve um jornalque deu àqueles dois jornalistas otempo e o dinheiro necessários paraeles investigarem tudo o que erapreciso.”

O que é inaceitável na profissão?Mentir ou deixar-se influenciar, faltarao compromisso com a verdade, cairnas novas formas de manipulaçãofacilitadas pela tecnologia. Todos oafirmam, por estas ou por outraspalavras.

E o que é indispensável? “Daratenção às pessoas.” Francisco SenaSantos, o primeiro destesentrevistadores/entrevistados, insistena necessidade de “ouvi-lasrealmente”, prestar atenção aosproblemas e às soluções queprocuram: “Receio que sejadominante uma cultura em que faltatempo para dar às pessoas o tempoque elas merecem.”

Media e Leis Penais

SARA PINA

Almedina, Coimbra, 2009

Texto Carla Baptista

Ainvestigação de Mestradoque Sara Pina, docente naUniversidade Lusófona e

jurista de formação, defendeu naFaculdade de Ciências Sociais eHumanas, deu origem a este livro,estruturado em torno de umaquestão complexa: quais são osmodos específicos de interacçãoentre media e justiça, em particularna sociedade moderna, marcadapela mudança tecnológica e por

uma inflação decasos judiciaisextremamentemediatizados?

Centrando-se noâmbito penal, já que ocriminal é o ramo dodireito que suscita asquestões mais acutilantes na relaçãocom os media, a autora vê os doiscampos ligados por um antagonismoessencial. Como sublinha no prefácioCunha Rodrigues, ex-ProcuradorGeral da República, “de um lado asformas, os rituais, o instintoconservador e a autoridade; dooutro, a informalidade, a exigênciafuncional de “dizer mais longe, maisdepressa e mais alto”, a volatilidadede conteúdos e o activismoinstigador da mudança”.

Embora sem a força coerciva dodireito, os media tambémconfiguram um sistema de regulaçãosocial. A investigação parte doprincípio de que são uma fonteinformal de jure constituendo, jáque, frequentemente, a coberturajornalística amplifica as vozes quedefendem alternativas legislativasconcretas e promove uma discussãopública que influencia a sua inclusãona agenda política, principalmenteem matéria penal e processual penal.A capacidade doutrinária dos media,

torna-os, de forma indirecta, umafonte de direito positivo. A diligênciade Sara Pina, ao definir os contornose a dimensão deste processo emPortugal, é por isso um impulso vitalpara compreender e desvelar o quemuitas vezes se passa de formapouco transparente, mesmo se sob aintensa, embora não

necessariamente clarificadora,luz dos holofotes dos meios

de comunicação social. Sem a intensa

cobertura mediática dealguns casos judiciais,dificilmente estes

alcançariam o estatuto de“acontecimentos

referenciais”, ou seja,modelos de formação de

discursos sobre problemas sociais ecriadores de um padrão deassociação e interpretação paranovos acontecimentos.

Na história recente, “Watergate”,“Dutroux”, “Outreaux”, “Casa Pia”ou “Maddie Mckann” são exemplosdesta capacidade dos media emfixarem os enquadramentos deacontecimentos futuros, por vezes deforma demasiado vincada,transformando aquilo que deveriaser uma visão ampla e plural num“caixilho” rígido que reduz,fragmenta e até distorce o campo devisão dos cidadãos e, emconsequência, a sua capacidade deavaliarem e tomarem boas decisõessobre os problemas públicos.

Este e outros poderes dos medialevantam, nas sociedadesdemocráticas, interrogaçõesconstantes sobre a sua legitimação.Historicamente, o jornalismo foi-seapresentando como uma tribunadisponível para a inclusão de todasas vozes, mesmo as que

Sara Pina

também faz uma

leitura severa da

tendência crescente

de “deslocalização”

da justiça

para os media

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frequentemente não acedem aosfóruns das elites, e um watchdogcuja presença vigilante contribuipara o funcionamento virtuoso dasinstituições e a denúncia deeventuais transgressores do princípiode “bem comum”. Mas, comosublinha a autora, a legitimidademediática é um conceito dinâmico enecessita de uma re-afirmaçãoconstante, sobretudo nos temposmodernos, em que a actividade dosjornalistas é sujeita a um escrutíniopermanente e por vezes resiste malaos sucessivos erros que vaicometendo.

A apresentação das notícias emtermos dualísticos e uma coberturaagressiva ou precipitada – no ethosda profissão, identificada comindependência e competência dojornalista, como bem demonstra afrase de Mike Wallace, repórter doprograma 60 Minutes, dizendo quepergunta “aquilo que as pessoasesperam que alguém tenha asensatez, o atrevimento ou a loucurade perguntar” – indignam emagoam muita gente.

O sociólogo Pierre Bourdieu,citado neste estudo, foi uma dasvozes mais precocemente críticas:“Para ser o primeiro a ver e fazer veralguma coisa, o jornalista está maisou menos disposto a tudo e, como osjornalistas se copiam mutuamente,cada um deles para fazer primeirodo que os outros, ou para fazer demodo diferente dos outros, acabampor fazer todos a mesma coisa”.

Nesta linha, Sara Pina também fazuma leitura severa da tendênciacrescente de “deslocalização” dajustiça para os media, porque arealidade criminal por estesconstruída é conformada por umaselecção muito particular –

privilegiando o crime violento eatribuindo a responsabilidade mais adesvios individuais do que aproblemas sociais – e origina um“populismo penal”, ou seja, umasérie de respostas legislativascasuísticas e “à flor da pele”, naexpressão do penalista JorgeFigueiredo Dias, um dosentrevistados no âmbito destetrabalho.

O livro prova como Portugal é umpaís particularmente vulnerável aesta influência. As alterações maisrecentes introduzidas tanto noCódigo Penal como no Código deProcesso Penal (respectivamente leisnº 59/2007, de 4 de Setembro, e48/2007, de 29 de Agosto), terãoresultado, na opinião da autora, bemcomo da maioria dos magistrados ejuristas entrevistados, “de influênciadirecta da intensa coberturamediática da fase de inquérito doprocesso Casa Pia”.

Os Cínicos Não Servem Para

Este Ofício – Conversas Sobre o

Bom Jornalismo

RYSZARD KAPUSCINSKI

Relógio d’ Água, Lisboa, 2008

Texto Carla Baptista

Ryszard Kapuscinski nasceuem 1932 na cidade de Pinsk,na altura polaca e hoje

território bielorruso. Licenciou-seem História na Universidade deVarsóvia e, ao longo da sua carreira,maioritariamente passada em Áfricacomo correspondente da agência denotícias polaca (PAP), testemunhou

27 revoluções, 12 frentes de guerrae foi 4 vezes condenado a serfuzilado.

O livro que aqui apresentamosnão constitui nem de longe o melhorda sua obra, traduzida em mais de30 línguas, incluindo 5 títulos emportuguês, editados pela Campo dasLetras - “Mais um Dia de Vida -Angola 1975”; “Ébano - FebreAfricana; “O Imperador”; “OImpério” e “O Xá dos Xás” – mas éuma oportunidade rara para ler umdos grandes mestres do jornalismomoderno acerca da sua profissão, jáque reúne três entrevistas, duasrealizadas por jornalistas italianos euma transcrição de uma conversapública com o crítico de arte inglêsJohn Berger.

Kapuscinski trabalhava com baseem algumas poucas convicções etoda a sua praxis se enraízava nessaética, profundamente humanista,quase dilacerantemente próxima dossujeitos que povoam os seus relatos.Uma é a ideia que todos osjornalistas são historiadores: “O quefazem é investigar, descrever ahistória no seu acontecer (…) nobom jornalismo, além da descriçãode um acontecimento, há também aexplicação do motivo pelo qualaconteceu; no mau jormalismo, aoinvés, temos o relato do facto puromas não conhecemos as suas causasnem os seus antecedentes. A históriaresponde simplesmente à pergunta:porquê?”

Outra era considerar que osoutros são o centro da história e aprincipal fonte de conhecimento dosjornalistas: “Os outros são aquelesque se dirigem a nós, que nos dão asua opinião e interpretam, por nós, omundo que tentamos perceber edescrever. Não é possível haver

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jornalismo fora da relação com osoutros seres humanos”.

Kapuscinski acreditava nopotencial transformador dojornalismo, que via como um relato“intencional” do mundo, isto é,visando produzir uma mudançapositiva. Essa exigência requeria aqualidade da “empatia”, ou seja, acapacidade de abdicar de si epartilhar o destino dos outros.

Na maioria das pessoas, estaposição teria uma retórica associada.Mas Kapuscinsky viveu realmenteassim, de uma forma despojada,imersa e atenta ao mundo, emparticular o chamado “terceiromundo”, que considerava “não umtermo geográfico (Ásia, África,América Latina), nem racial (oschamados continentes de cor) massim um conceito existencial. Designaa vida pobre, caracterizada pelaestagnação, pelo imobilismoestrutural, pela tendência àregressão, pela ameaça continua deruína total, por uma ausênciageneralizada de soluções”.

Em “Ébano, a FebreAfricana”, o autordescreve a vida difícile cheia de peripéciasorwellianas que teveem Lagos, quando aídecidiu alugar umpequeno apartamentonum bairro periférico e fazerda capital nigeriana a sua baseafricana. Mas foi também a opçãopermanente pelo lado dos pobres edos invisíveis que confere à suaescrita uma poderosa e afectivadescrição a partir do interior dascidades e dos homens, nummovimento que, normalmente, partedo particular para o geral, do detalhepara o contexto: “O universo

reflecte-se numa gota de água”. No obituário que o jornal inglês

The Guardian lhe dedicou, a 25 deJaneiro de 2007, dois dias depois dasua morte, aos 74 anos, o seutrabalho é descrito como sendo“reportagem literária”, exigindo delepaciência e permanência nos lugaresdescritos: “Na política, na vida e nojornalismo é preciso saber esperar”.

Aborrecia-se com o confortoburguês do mundo

desinteressante dosbrancos, poderosos e

ricos. Viveu osúltimos anos noMéxico, partilhandomuitas conversas

com o amigo GabrielGarcia Marquez e

desenvolveu umcriticismo ácido contra os

enviados especiais que voam numdia para um cenário de guerra,destruição e doença pararegressarem no dia seguinte: “Nãopode ser correspondente quem temmedo das moscas tse tse, das cobrasnegras, dos canibais, de seenvenenar com a água dos rios e dosriachos, de comer uma torta deformigas assadas, quem treme só de

pensar nas amebas, nas doençasvenéreas, de ser roubado eespancado” mas, para além destecenário exótico de um mundo queKapuscinki viveu e, de certa forma,viu desaparecer, acreditava que nãopodia ser jornalista “quem não sabeadmitir nem gerir o seu medo, nemestar sozinho, quem não é curioso eoptimista o bastante (…) quem nãocompreendeu que o conceito detotalidade existe na teoria, masnunca na vida real”.

A conversa com John Berger,autor de ensaios célebres sobremodos de ver a arte, é um apelo “àconcentração necessária para prestaratenção”, uma característicanecessária ao artista e ao jornalista.Também aqui Kapuscinki revela asua personalidade aberta edisponível, entendendo que a arte etoda a forma de criação exigem doespectador uma participação activa:“Não conseguimos entender asfotografias ou a literatura se não noscolocarmos no lugar de criadoresactivos. Cada fotografia e cada contonecessita de dois elementos: o quefez a fotografia, pintou um quadro,escreveu um conto e, ao mesmotempo, o que observa e lêactivamente”. A esta relação chama--se, provavelmente, comunicação.

Finalmente, uma palavra para oque não pode ser dito nunca, nemno espaço da reportagem, nem noespaço da arte, o lugar do silêncio. Aescrita de Kapuscinki avança emsaltos longos, cada vez maisexigentes, à medida que se vaiestreitando a intimidade entreescritor e leitor: “Falando a um nívelmais artesanal, o silêncio representao instrumento principal paraestabelecer a cumplicidade com oouvinte e o leitor”.

Kapuscinski

acreditava no potencial

transformador do

jornalismo, que via como

um relato “intencional”

do mundo, isto é,

visando produzir

uma mudança

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Jornal|SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

www.propublica.org

O onlinejá ganha Pulitzers

Pela primeira vez, os Prémios Pulitzer(www.pulitzer.org) distinguiram o trabalho deuma publicação “online”, a ProPublica. O artigo

premiado, The Deadly Choices at Memorial, de SheriFink, apareceu nas páginas da New York TimesMagazine e no “site” da ProPublica, emwww.propublica.org/feature/the-deadly-choices-at-memorial-826. O trabalho, distinguido na categoria deJornalismo de Investigação, revelou que, após o furacãoKatrina, em situação de isolamento, alguns médicos deNova Orleães tomaram decisões controversas, comoaplicar injecções letais a doentes que poderia não serpossível transferir para outros locais.

A ProPublica é dirigida por Paul Steiger, antigodirector executivo do Wall Street Journal, e começou apublicar os primeiros trabalhos em Junho de 2008.Actualmente, a redacção tem 32 jornalistas, cujos textossão cedidos gratuitamente – e em exclusivo – àspublicações que se propuserem dar maior projecção àshistórias. Em simultâneo, os textos são colocados naprópria página Internet da ProPublica. O modelo degestão é não lucrativo e baseia-se num financiamento dedez milhões de dólares atribuídos anualmente pelaFundação Sandler, dos milionários Herbert e Marion

Sandler. Também são aceites contribuições individuais.Este suporte financeiro permite à ProPublica canalizarpara o Jornalismo de Investigação os meios que, cada vezmais, vão escasseando nas publicações tradicionais.

Depois de tomar conhecimento do prémio, PaulSteiger comentou que a ProPublica nasceu paradenunciar “abusos de poder” e “falhas na defesa dointeresse público”, com o objectivo de “aprender com oserros” e ajudar a “encontrar soluções”. Nesse sentido, oartigo premiado forneceu “informação útil para quemtem de conceber estratégias face a uma situação decatástrofe médica”. O estatuto editorial da ProPublica –que teve um outro artigo, sobre falhas na supervisão deenfermeiros, na Califórnia, entre os finalistas do Pulitzer,na categoria de serviço público – torna claro que oobjectivo do projecto é assumir-se como alternativanuma paisagem comunicacional em que “proliferam asfontes de opinião, mas as fontes dos factos nos quais essaopinião se baseia estão a escassear”.

Também o prémio de cartoon editorial foi pelaprimeira vez atribuído a uma ideia pensada para a Net.O “site” www.sfgate.com, do San Francisco Chronicle,bateu a concorrência ao Pulitzer, nessa categoria, com astiras cómicas animadas de Mark Fiore.

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http://news.yahoo.com/s/ap/20100413/ap_on_re_us/us_think_tank_journalism

Publicações pagas por conservadores

Um fenómeno está a conquistar rapidamenteexpressão na paisagem mediática norte-americana. Um número crescente de grupos

privados surge a financiar projectos noticiososalternativos aos media tracidionais, numa altura emque os grandes meios desinvestem das suasredacções estaduais. É uma realidade que temprogredido ao mesmo ritmo da evolução domovimento Tea Party, que reúne os elementos maisradicais da oposição conservadora a Barack Obama.Mas se é certo que, para rivalizar com o Tea Party,apareceu um Coffee Party – um movimento deapoiantes do Presidente norte-americano –, o mesmonão se pode dizer relativamente ao financiamento denovos projectos informativos por grupos deesquerda. É que a maior parte dos que aparecem são

suportados por “think-tanks” conservadores. Jornalistas séniores e observatórios de imprensa não

escondem a preocupação com os riscos da falta deisenção e das agendas escondidas, nestes novos projectosque publicam quase exclusivamente na Net, parecem-secom “sites” convencionais de informação e angariamleitores deixados órfãos pelos media tradicionais quedesinvestiram na informação de âmbito estadual. Essainquietação face ao grau de independência destaspublicações leva a que alguns dos seus responsáveisocultem as respectivas fontes de financiamento. Mas oque daí resulta, em certos casos, é uma impossibilidadede acesso a acreditações jornalísticas, já que as entidadesemissoras de credenciais têm muita relutância emcredenciar jornalistas de publicações que não sãotransparentes quanto às suas fontes de financiamento.

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Jornal|Sites

www.pbs.org/mediashift/2010/03/the-spill-effect-twitter-hashtag-upends-australian-political-journalism061.html

A força do Twitter

Em Portugal, a febre do Twitter passou – ou foisubstituída pelo Facebook –, mas aquelaferramenta de “micro-blogging” continua a

denotar forte potencial, nomeadamente na produção denotícias.

Em artigo para o “site” da PBS, Julie Posetti reflectesobre a importância do Twitter no acompanhamento dacrise que conduziu, na Austrália, ao colapso da liderançado Partido Liberal, no final de 2009. A autora consideraque o fenómeno – que ficou conhecido como “#spill” –pôs em relevo que o Twitter “está a tornar-se umaferramenta da democracia participativa na Austrália, pelasua capacidade de criar interacção não mediada entrejornalistas, cidadãos e políticos”. Durante o “#spill”, quese prolongou por uma semana, os jornalistas “twitaram”em directo cada passo da polémica que resultou noafastamento do líder da oposição australiana, MalcolmTurnbull. “Twitaram” notícias de última hora, fizeramcoberturas em directo de conferências de imprensa,colocaram fotografias, opinaram, ligaram para notíciasdesenvolvidas nos seus jornais, discutiram actualizaçõesnoticiosas e procedimentos jornalísticos com os seuscolegas e o público. Este acompanhou com interesse echegou a haver interacção de leitores com algunspolíticos. O próprio Turnbull utilizou o Twitter para sedefender junto dos eleitores e da opinião pública. Eresignou pelo Twitter, também.

Os políticos ficaram colados. Jornalistas contaram quemembros dos gabinetes políticos lhes ligaram a pediresclarecimentos sobre “tweets”. Em suma, o Twitter

obteve legitimidade como plataforma para a coberturanoticiosa da política australiana. Annabel Crabb, da ABC,caracterizou a situação como “adequada ao Twitter”, dadaa versatilidade desta ferramenta para acompanhar aosegundo acontecimentos voláteis, “anárquicos e sempre amudar”, como foi o caso da crise no Partido Liberal.

Na segunda parte do artigo, emwww.pbs.org/mediashift/2010/04/how-spill-effect-brought-color-collaboration-to-media-tweets103.html,Julie Posetti sublinha alguns efeitos observados norecurso sistemático ao Twitter dos jornalistas políticosaustralianos. Um é a colegialidade do trabalho. Durante o“#spill”, os jornalistas partilharam processos einformação, reenviaram “tweets” da concorrência eacabaram por contar uma história de forma colaborativa,num fluxo rápido de informação sempre a mudar. Osleitores aderiram, seguindo os seus jornalistas preferidosno Twitter, e mostraram-se mais interessados nos“tweets” que incluíam alguma “cor”, opinião e humor doque naqueles que se limitaram a comunicar factos.

Não obstante o claro desafio que coloca ao critério daobjectividade jornalística, Lyndal Curtis, da ABC Radio,refere o “efeito humanizador do Twitter”. “Permite-memais espaço para ser eu própria e para ter algumhumor”, regozija-se. Mas permite mais margem,também, para a publicação de informação que nãopassou por um processo de verificação e filtragem. Sendoessa uma das principais discussões, no momento, quandose fala do Twitter aplicado ao Jornalismo. Verhttp://media.twitter.com.

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Nasceu, em Abril, uma plataforma para um novomodelo de Jornalismo, centrado no jornalista.Trata-se de uma comunidade profissional, a

NewsTilt, cuja finalidade é desenvolver, alojar e gerir apublicidade de “micro-sites” de jornalistas em nomeindividual. Um candidato que veja o seu projecto seraceite – não é fácil, uma vez que os critérios de admissãosão muito exigentes – conquista o direito a um “site”desenhado e gerido pela NewsTilt, que apenas fica com20% das receitas publicitárias. Ou seja, a plataformafornece a tecnologia, gere o negócio e ainda deixa ojornalista ficar com a maior parte das receitas geradas. O que é exigido ao titular de um “site” é que promova ainteractividade com os leitores, respondendo aperguntas e até aconselhando-se com eles sobre ideiaspara histórias.

A comunidade é formada, neste momento, por 30jornalistas seleccionados entre 150 candidaturas oriundasde todo o mundo.

http://newstilt.com

O clube dos jornalistas

Craig Silverman, editor executivo da PBSMediaShift, publica na Columbia JournalismReview, um artigo dedicado ao departamento de

pesquisa e verificação de factos (fact checking) da DerSpiegel. A revista alemã possui, talvez, a maior estruturade fact checking do mundo, com 80 pessoas a trabalhara tempo inteiro nas tarefas de apoio documental everificação factual da informação produzida pelosjornalistas. Acrescem 30 colaboradores em regime depart time. Esta realidade contrasta com a da NewYorker, por exemplo, com apenas 16 fact checkers.

Os funcionários do departamento de verificação defactos da Der Spiegel estão divididos por especialidades,numa estrutura que tem vindo sucessivamente aaperfeiçoar-se, desde a sua fundação, no final dos anos40. No entanto, Axel Pult, director adjunto dodepartamento, não dá o futuro como adquirido.“Durante muitos anos, a revista foi muito bem sucedidaeconomicamente. Teve, portanto, os recursos parasustentar esta estrutura importante. Por essa razão, seráinteressante observar o que acontecerá quando tivermosmenos dinheiro”, afirma.

www.cjr.org/behind_the_news/inside_the_worlds_largest_fact.php

Verificação de factos:o exemplo Der Spiegel

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66|Abr/Jun 2010|JJ

Pode ser que este filme tenha um final

feliz. Mas à hora a que escrevo ainda se

mantém a decisão, pelo ministério da

Cultura (MC) de transferir o Museu

Nacional de Arqueologia (MNA), com o seu

importantíssimo espólio, para a Cordoaria

Nacional, contra relatórios e pareceres técnicos

que desaconselham tal coisa. E dito isto, suspeito

que muita água vai correr debaixo da ponte.

Adaptando a expressão popular às circunstâncias:

muita água do Tejo corre apenas um metro

debaixo do edifício da Cordoaria, um complexo

fabril setecentista que constitui um caso muito

raro no quadro do património edificado europeu

e que merecia mais cuidado, por si próprio, e,

claro, pelo MNA, instituição secular fundada por

Leite de Vasconcelos, que então pensou a

instituição como um «museu do Homem

português».

Recordemos: celebrou-se em 2009 um

protocolo entre o Ministério da Cultura – MC -

(que tutela os museus) e o da Defesa (que tutela a

Marinha) nestes termos: tendo em conta a

urgência de desactivar armazéns onde

funcionavam serviços afectos ao MC (incluindo

alguns ligados à Arqueologia) para o terreno onde

ficará o novo edifício do Museu dos Coches, o

ministério da Defesa cedeu uma parte do

comprido complexo da Cordoaria à Cultura. A

contrapartida foi um presente de elevado quilate:

nada menos que ceder ao ministério da Defesa

(na prática, museu da Marinha) todo o espaço

oitocentista do mosteiro dos Jerónimos, que

aquele partilhava com o MNA. Como se fará? De

uma penada: indo este para a Cordoaria. Sem

estudos prévios sobre as capacidades do edifício

para albergar um espólio grande, que inclui peças

pesadas e outras delicadas, sem estudos de custos,

de impacte urbanístico (o MNA é um dos museus

mais visitados do país), nada.

Claro que a decisão provocou arrepios nos

meios ligados a estas áreas. E só não houve mais

ruído porque museus e património são coisas

que interessam cada vez menos aos «média»

portugueses, já que aligeirar é a palavra de

ordem. Disso sou eu testemunha: no princípio

da década de 2000 encontrava facilidade e

espaço bastante razoáveis para fazer notícias e

reportagens sobre estes temas. No princípio de

2009 fazer esse trabalho transformou-se, afinal,

numa tarefa hercúlea, já que os editores a quem

eu explicava o que estava a acontecer no museu

pouco ou nada se interessavam por essas

questões, mesmo se minuciosamente explicadas.

Mas pediam-se «coisas giras» (?), produções

fotográficas, imagens atraentes… Adiante. Como

não estou a escrever uma notícia mas um texto

opinativo, reservo-me a liberdade de sublinhar

que esta não é uma questão «gira». Só que é

grave.

Parêntesis encerrado, nas últimas semanas

a situação precipitou-se: depois de a

nova equipa do MC ter parecido sensível

aos argumentos que desaconselhavam a

transferência do MNA, foi decidido que era

necessário cumprir prazos quanto antes e que a

chamada «Torre Oca», um dos principais espaços

expositivos do MNA, teria de ser esvaziada logo.

Houve uma acção de protesto no último dia 8 de

Maio, com a Torre tristemente vazia, o Grupo de

Amigos do MNA pôs um processo judicial contra

o Estado português. E no momento em que

escrevo, leio uma notícia do Público segundo a

qual o Instituto dos Museus e da Conservação já

encara a possibilidade de não concretizar esta

transferência surreal. Por outro lado, o Bloco de

Esquerda apresentou já no Parlamento um

projecto de resolução para a suspensão de todo o

processo até à elaboração de estudos fiáveis, que

deve ser votado em breve, e provavelmente terá o

apoio de todos os partidos de oposição. Aliás,

vários partidos têm-se movido contra esta loucura,

desde o PCP ao CDS/PP.

Assim, ainda espero pelo final feliz deste filme

tão atribulado. Só que, entretanto, outros

escândalos em torno dos museus e do património

surgem no horizonte. Sei que muitos jornalistas,

como eu, hão-de querer falar deles.

Só é preciso que os deixem.

O filme do Museude Arqueologia

NAIR

ALEXANDRA

CRÓNICA

JJ

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