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 Marinús Pires de Lima O inquérito sociológico: problemas de metodologia No presente trabalho, resultante de uma experiência docente, o autor estuda alguns problemas suscitados pela preparação e realização de inquéritos, instrumentos de recolha de informações muito frequentemente utilizados nas ciências sociais. Depois de se diferenciarem os niveis das técnicas, da metodologia e da epistemologia, referenciam-se algumas características, vantagens e limitações dos principais instru- mentos de recolha de dados, em relação aos objectos a analisar. No que respeita ao inquérito por questionário, enu- da pesquisa, preparação do questionário, pré-teste, trabalho no terreno, codificação das respostas? análise e apresentação dos resultados) e os principais erros a evitar em cada um daqueles passos. Atenção particular é dada à operacionali- dade dos conceitos na preparação do plano de observação e, dentro desta fase, aos város momentos da construção das variáveis. As preocupações dominantes ao longo de todo o trabalho são a crítica do empirismo e a acentuação da impor- tância dos quadros teóricos na determinação do valor instru- mental dos inquéritos. 1.  Introdução A )  O presente trabalho tem como objectivo apresentar alguns problemas levantados pela preparação e realização de inquéritos, processos de recolha e tratamento de informação muito frequente- mente usados nas ciências sociais. Será conveniente começar por esclarecer questões relacionadas com o subtítulo: «problemas de metodologia». * O presente texto tem a sua origem em notas preparadas, em 1969-70, para aulas sobre metodologia do inquérito sociológico do 1.° e do 2.° ano do Instituto de Estudos Sociais. Sofreu desenvolvimentos e reelaborações durante o período em que o autor foi membro do Grupo de Bolseiros de Sociologia, da Fundação Calouste Gulbenkian, anexo ao Gabinete de Investigações Sociais. Em alguns pontos foi ulteriormente repensado e reescrito com base num outro artigo entretanto publicado pelo autor e na experiência docente no Instituto de Estudos Sociais e no Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras. Tendo resultado basicamente de uma prática pedagógica, man- tém intenções pedagógicas, dirigidas a estudantes do 1.° e do 2.° ano. A biblio- grafia foi actualizada em Dezembro de 1971, não tendo sido possível ao autor 558 revê-la em data mais recente.

O inquérito sociológico-problemas da metodologia

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Marins Pires de Lima

O inqurito sociolgico:problemas de metodologia*No presente trabalho, resultante de uma experincia docente, o autor estuda alguns problemas suscitados pela preparao e realizao de inquritos, instrumentos de recolha de informaes muito frequentemente utilizados nas cincias sociais. Depois de se diferenciarem os niveis das tcnicas, da metodologia e da epistemologia, referenciam-se algumas caractersticas, vantagens e limitaes dos principais instrumentos de recolha de dados, em relao aos objectos a analisar. No que respeita ao inqurito por questionrio, enumeram-se as vrias fases da sua realizao (planeamento da pesquisa, preparao do questionrio, pr-teste, trabalho no terreno, codificao das respostas? anlise e apresentao dos resultados) e os principais erros a evitar em cada um daqueles passos. Ateno particular dada operacionalidade dos conceitos na preparao do plano de observao e, dentro desta fase, aos vros momentos da construo das variveis. As preocupaes dominantes ao longo de todo o trabalho so a crtica do empirismo e a acentuao da importncia dos quadros tericos na determinao do valor instrumental dos inquritos.

1.

Introduo

A) O presente trabalho tem como objectivo apresentar alguns problemas levantados pela preparao e realizao de inquritos, processos de recolha e tratamento de informao muito frequentemente usados nas cincias sociais. Ser conveniente comear por esclarecer questes relacionadas com o subttulo: problemas de metodologia.* O presente texto tem a sua origem em notas preparadas, em 1969-70, para aulas sobre metodologia do inqurito sociolgico do 1. e do 2. ano do Instituto de Estudos Sociais. Sofreu desenvolvimentos e reelaboraes durante o perodo em que o autor foi membro do Grupo de Bolseiros de Sociologia, da Fundao Calouste Gulbenkian, anexo ao Gabinete de Investigaes Sociais. Em alguns pontos foi ulteriormente repensado e reescrito com base num outro artigo entretanto publicado pelo autor e na experincia docente no Instituto de Estudos Sociais e no Instituto Superior de Cincias Econmicas e Financeiras. Tendo resultado basicamente de uma prtica pedaggica, mantm intenes pedaggicas, dirigidas a estudantes do 1. e do 2. ano. A bibliografia foi actualizada em Dezembro de 1971, no tendo sido possvel ao autor 558 rev-la em data mais recente.

Os investigadores das cincias sociais distinguem frequentemente a tcnica, a metodologia e a epistemologia, sem que, no entanto, se tenha conseguido at hoje um acordo sobre o sentido preciso de cada uma daquelas noes. Fundamentalmente, pode todavia dizer-se que as tcnicas correspondem ao nvel inferior e designam os instrumentos (ou operaes), bem delimitados e transmissveis, destinados a produzir certos resultados julgados teis na observao e na medida dos factos sociais; correspondero, por exemplo, a este nvel o questionrio, a escala de atitudes, a entrevista, a observao participante, o teste. A tecnologia ser, portanto, o conjunto das operaes prtico-concretas de que o investigador se pode servir na recolha e no tratamento de dados sobre as realidades sociais 1. A metodologia consistir na anlise sistemtica e crtica dos pressupostos, princpios e procedimentos lgicos que moldam a investigao de determinados problemas sociolgicos. Situam-se aqui as questes relacionadas com a estratgia de pesquisa a adoptar em referncia e adequao a certos objectos de anlise e em ordem relacionao e integrao dos resultados obtidos atravs do uso das tcnicas2. Daqui resulta que a metodologia se baseia fundamentalmente no confronto crtico das investigaes realizadas em relao a certos objectos de conhecimento, concretizado, por exemplo, na anlise dos textos em que a pesquisa se traduziu. Uma reflexo sobre as condies e os limites de validade e do campo de aplicao de tcnicas quantitativas ou de tcnicas qualitativas, com referncia a determinados objectos de conhecimento e como resposta a questes tericas, problema que tem originado controvrsias conhecidas na sociologia, insere-se neste nvel. Os problemas lgicos da anlise multivariada (cfr., infra, 6.5.2) aplicada a um certo sistema de relaes sociais sero tambm metodolgicos. Finalmente, o estudo crtico dos princpios, das hipteses e dos resultados das diversas cincias, destinado a determinar a1 Pode dizer-se que a tcnica se situa no domnio da operacionalizao pura, independente da aplicao realidade e das preocupaes com problemas como ponto de vista, hipteses, objectos sociolgicos. Pode fazer-se, por exemplo, uma anlise factorial baseada numa matriz de correlao fictcia, sem qualquer correspondncia com um objecto de anlise concreta, ou ensinar a tcnica de construo dos questionrios sem referncia a problemas, questes e objectos de pesquisa determinados. As nicas questes de validade susceptveis 2 serem situadas dentro deste domnio restrito so de validade interna. de O que suscita questes relativas validade externa. Convm distinguir, por outro lado, a teoria sociolgica (circunscrevendo-nos, para simplificar, sociologia), que tem como objecto directo a descrio e a anlise interpretativa dos factos sociais, da metodologia, que incide sobre o processo de investigao. Uma proposio pertencer teoria, se for um enunciado sobre os factos sociais (dir-lhe-o respeito as respostas pergunta investigar o qu?); metodologia, se constituir um enunciado sobre um discurso ou uma operao de pesquisa, sem que o seu resultado se traduza directamente numa assero sobre a realidade social (dir respeito ao problema de saber como investigar). O controle estatstico dum sistema de hipteses de pesquisa ou, mais genericamente, o sistema de regras de validao dos actos e discursos sociolgicos so problemas metodolgicos. Esta distino remete para aquela que diferencia, no campo da lgica, as linguagens e as metalinguagens. 559

sua origem lgica, o seu valor terico e o seu alcance objectivo (LALANDE), fundar a epistemologia (ou teoria da forma de produo especfica dos conhecimentos cientficos). Ela consistir numa actividade crtica de reflexo e de interveno, referente a um campo de trabalho, tendente a demarcar os obstculos ideolgicos e a promover a cientificidade das prticas tericas, enquanto processos socialmente determinados de produo de conhecimentos. A implicao dos trs nveis de problemas sumariamente enunciados, por um lado, e as dificuldades que se tm levantado na sua caracterizao3, por outro, conduzem-nos a, neste estudo, nem sempre se repartirem por planos distintos os problemas tcnicos, metodolgicos e epistemolgicos nele tratados: esta diferenciao apenas se far quando parecer indispensvel boa compreenso dos mesmos; quando, em contrapartida, se no afigure necessria a separao, compreender-se-o na ampla expresso metodologia do inqurito social problemas de ordens summo vigore distintas. B) Falta clarificar a primeira parte do ttulo: O inqurito sociolgico. A apreenso da natureza dos inquritos ser feita progressivamente, medida que se avanar no estudo das suas diversas fases, mas poder desde j propor-se um esquema que fornece uma boa visualizao da estrutura lgica dum inqurito por sondagem4. O ponto de partida constitudo por uma populao P determinada, formada por unidades que compem o campo de anlise abrangido pelo inqurito, de que se extrai um subconjunto representativo, a amostra A(P), constitudo por elementos seleccionados de acordo com certos critrios de representatividade. Os inquiridores recolhem dados D (A) , apurados atravs do interrogatrio da amostra, que sero contabilizados e tratados em ordem formulao de concluses sobre a amostra C(A). Se estas operaes se tiverem desenvolvido segundo cnones metodolgicos e tcnicos rigorosos5, legtima a generalizao ao conjunto da populao das concluses C(P) que foram obtidas mediante a anlise da amostra: P- A(P) -D(A) - C(A) -> C(P). C) Resta fazer algumas rpidas observaes sobre a expresso inqurito sociolgico. Significa ela, por um lado, que nos moveremos predominantemente no campo da investigao cventfica, isto , dos inquritos que tm como objecto o progresso do conhecimento.3 Cfr. JAMOUS, Technique, mthode, pistmologie, in pistmologie Sociologique, n. 6, 1968, Paris, ed. Anthropos; IPOLA (bibl.). 4 O esquema deve-se ao Dr. J. C. Ferreira de ALMEIDA e foi apresentado no seminrio sobre metodologia do inqurito social que em 1969 orientou para 5diplomados do Instituto de Estudos Sociais. Para o Dr. J. C. Ferreira de ALMEIDA, a transio entre A(P) e D (A) suscita questes de validade externa, enquanto a passagem de D(A) a C(A) levanta questes de validade interna.

560

Os inquritos podem tambm servir para a interveno, a aco prtica sobre a realidade social; ora a dinmica da interveno pressupe opes valorativas diferentes daquelas que so susceptveis de influir na pesquisa, na mera procura do conhecimento cientfico: daqui decorrem diferenas entre os dois usos dos inquritos6. Na investigao cientfica, a distanciao em relao realidade estudada exige em maior grau o recurso teoria e metodologia, que possibilitam um trabalho de ruptura com as intuies espontneas dos agentes sociais, de construo e elaborao do objecto analisado (contra as iluses do empirismo, que aceita a realidade concreta como facto bruto) e de verificao sistemtica e metdica7. No significam estas observaes que os inquritos orientados para a interveno pragmtica no devam obedecer a critrios de rigor terico e metodolgico, mas afigura-se que estas exigncias esto mais prximas das preocupaes do cientista social 8 que das do tcnico que procura resolver problemas do sociais . Outrossim, a explicao e interpretao dos factos sociais (sociologia) pressupem o recurso mais frequente teoria do que a simples descrio (sociografia), daqui resultando uma nova especificao do conceito inqurito sociolgico. Finalmente, ser a sociologia a cincia social a que mais nos referiremos ao tratar da metodologia do inqurito, o que no exclui, alis, a possibilidade do uso em outras cincias dos procedimentos instrumentais a estudar. D) Foi nosso propsito, ao elaborar este estudo, chamar a ateno para algumas dificuldades, e consequentes riscos de erros, na elaborao dos inquritos, que exigem o recurso a pessoas qualificadas e atentas a competncia necessria para se obterem resultados vlidos: em suma, apontar para as indispensveis formao e vigilncia metodolgicas dos responsveis por inquritos. Estas exigncias so impostas, no s pelo facto de os instrumentos de conhecimento das realidades sociais se deverem adequar a estas, como tambm pela regra da coerncia interna dos procedimentos de investigao. Outrossim, a utilizao crescente de inquritos na pesquisa comparativa requer uma sistematizao das normas que os guiam9. medida que se percorrem as vrias fases do inqurito, ser conveniente estar atento aos principais erros susceptveis de se inserir em cada uma delas.Sobre a pesquisa activa na interveno psicossociolgica cfr. PINTO e GRAWITZ (bibl.), 854-886. 7 Sobre estas operaes, cfr. a obra de BOURDIEU, PASSBRON e CHAMBOREDON Le Mtier de Sociologue (bibl.). 8 Sobre as diferenas entre problema social e problema sociolgico e entre tcnicas sociais e cincias sociais cfr. J. C. Ferreira de ALMEIDA, Situao e problemas do ensino de cincias sociais em Portugal (bibl.). 9 A comparao de resultados de inquritos diferentes pressupe o uso de critrios metodolgicos e tcnicos coerentes entre si.6

561

Tendo em vista a extenso do tema e os limites do presente

estudo, seremos, no entanto, obrigados a concentrar a ateno emdeterminados estdios (designadamente, o planeamento do inqurito), apresentando apenas incidentalmente uma amostra muito reduzida dos problemas levantados em outros momentos. O planeamento alis uma fase fundamental que condiciona a qualidade das restantes, designadamente a anlise dos resultados. Convm observar, preliminarmente, que a inter-relacionao dos diferentes aspectos dum inqurito10 faz que os desvios (vieses) produzidos num momento se repercutam nos outros, afectando, portanto, a validade dos resultados finais. 1.1 Classificao dos principais mtodos e tcnicas empricas de recolha e anlise da informao social 1.1.1 Mtodos Para se examinar em que consiste um inqurito, convm apresentar previamente um esquema dos principais instrumentos de anlise emprica em sociologia. Utilizaremos para isso um artigo de GREENWOOD (cfr. bibl.) sobre tcnicas de pesquisa emprica, que seguiremos de muito perto. Advertimos, no entanto, que parece extremamente difcil elaborar uma classificao isenta de crtica, em virtude da convenincia de usar critrios distintos na identificao dos mtodos, a fim de os compreender globalmente. Para aquele autor, devem identificar-se trs procedimentos lgicos de investigao emprica: experimental, de medida (ou anlise extensiva) e de casos (ou anlise intensiva). A) De acordo com as suas definies, o primeiro experimental tem como objectivos a realizao de observaes e a recolha de dados, em ordem comprovao da existncia de uma relao causal entre dois factores, de acordo com os cnones de induo de J. S. Mill. A experimentao exige a presena de dois conjuntos de unidades, controlveis quanto sua semelhana atravs de diversos processos tcnicos, conjuntos que se caracterizam pelo facto de num deles ocorrer algo que no se verifica no outro. O facto que surge num dos conjuntos (no experimental) designa-se por varivel independente ou tratamento; o facto que se segue a esta varivel denomina-se varivel dependente; o conjunto que no apresenta a varivel independente a unidade de controle. As tcnicas de controle da homogeneidade dos conjuntos quanto a eventuais variveis parasitas permitem determinar a relao de causalidade entre as duas categorias de variveis, pois possibilitam confirmar se a relao observada no conjunto experimental corresponde a uma sequncia temporal e se exclui outras causas susceptveis de igualmente produzirem efeitos diferenciais.As fases servem para ordenar a indagao e permitem clarificar a apresentao sucessiva dos problemas, mas a sua caracterizao muito varivel segundo os autores.10

562

As dificuldades do mtodo consistem na sua aplicabilidade relativamente restrita no campo das cincias sociais, pelo menos na sua forma mais rigorosa e pura. A frequncia com que o investigador tem de transigir com utilizaes menos rigorosas prejudica naturalmente as suas qualidades11. :* \ B) O segundo mtodo continuando a seguir o autor citado o da medida (ou anlise extensiva), que se traduz na observao, por meio de perguntas directas ou indirectas, de populaes relativamente vastas de unidades colocadas em situaes reais, a fim de obter respostas susceptveis de serem manejadas mediante uma anlise quantitativa. Quando as dimenses e a disperso da 'populao (tambm designada por populao-me, universo, massa ou conjunto) impedem a anlise de todas as suas unidades, a pesquisa incide directamente sobre um subconjunto ou uma parte definida das mesmas a amostra , considerada representativa, de modo a generalizar posteriormente ao conjunto da populao as concluses obtidas mediante o exame da amostra12. Os aperfeioamentos que tm vindo a introduzir-se na teoria e na prtica das sondagens permitem determinar e limitar o grau de incerteza dos resultados da extrapolao, o que possibilita a reduo do custo que a anlise de todos os elementos da populao implicaria. As exigncias desta forma de anlise quantitativa implicam a estandardizao (ou sistematizao) dos instrumentos de recolha das informaes visadas pelo estudo, com vista possibilidade de comparao dos dados. Exemplificando com uma das tcnicas mais usuais englobadas nos mtodos quantitativos o inqurito por questionrio , verifica-se que o instrumento de colheita e registo de dados utilizado (neste caso, o questionrio) estruturado em termos de uniformizar (ou normalizar) a informao apurada, de modo que a realidades idnticas correspondam resultados idnticos e a realidades diferentes resultados distintos. Designadamente, a classificao das respostas (isto , o agrupamento em categorias, ou codificao e a sua contagem s so possveis se aquelas tive11 Dadas as exigncias tcnicas da experimentao, esta s normalmente possvel numa escala espacial e numa dimenso temporal limitadas, o que restringe a importncia dos problemas abrangidos; por outro lado, a passagem da microanlise macroanlise suscita dificuldades bem conhecidas pelos investigadores; sobre a experimentao cfr. PINTO e GRAWITZ

(bibl.), 834 e segs.; SELLTIZ, JAHODA, DEUTSCH e COOK (bibl.), pp. 128 e segs.

Nos estudos que visam a descrio, a populao-me imposta: para se conhecer a percentagem de imigrantes em situao de desemprego, em ordem a formular uma generalizao emprica, necessrio ter em conta a populao concreta dos imigrantes. Nos estudos que visam explicar e interpretar as relaes entre variveis (hipteses), a populao pode ser seleccionada em termos de abranger apenas determinadas unidades do universo sociogrfico concreto: se se pretende testar a hiptese de a integrao do imigrante na sociedade depender da integrao nos grupos primrios, pode escolher-se uma populao-me particular, no caso de se supor que o contexto especfico no afecta as relaes em causa; cfr., sobre este problema,SELLTIZ, JAHODA, DEUTSCH

12

e

COOK

(bibl.), pp. 482 e segs. e 623-631;563

GREENWOOD (bibl.), pp. 327-329; BOUDON, Les mthodes en sociologie (bibl.), p. 47.

rem sido recolhidas atravs de questionrios idnticos, uniformemente apresentados aos entrevistados e compreendidos da mesma forma por estes. As vantagens do mtodo de medida residem na sua extenso e na capacidade de generalizao dos resultados apurados numa subpopulao 13. Devem ser, no entanto, apontadas algumas limitaes: a extenso pode dever-se ao sacrifcio da anlise intensiva das unidades observadas. O contacto com estas normalmente rpido e no repetido. certo que o painel, que uma tcnica de inqurito que visa detectar os factores determinantes de modificaes (de comportamentos, atitudes, opinies) sobrevindas no seio de uma populao determinada, atravs de sondagens aplicadas a uma mesma amostra em perodos diferentes de tempo, obvia ao ltimo inconveniente apontado; sucede, no entanto, como veremos adiante, que o painel levanta muitas dificuldades (custo elevado, mortalidade da amostra, influncia das entrevistas repetidas sobre os respondentes). A estruturao rgida do instrumento de pesquisa de dados diminui a riqueza e profundidade do contedo da informao colhida; no caso dos questionrios com perguntas fechadas, por exemplo, que facilitam a categorizao das respostas, estas so mais superficiais; em contrapartida, as perguntas abertas suscitam dificuldades de classificao. G) O terceiro mtodo referido por GREENWOOD o estudo de casos (ou anlise intensiva), que consiste no exame intensivo, tanto em amplitude como em profundidade e utilizando todas as tcnicas disponveis, de uma amostra particular, seleccionada de acordo com determinado objectivo (ou, no mximo, de um certo nmero de unidades de amostragem), de um fenmeno social, ordenando os dados resultantes por forma a preservar o carcter unitrio da amostra, com a finalidade ltima de obter uma ampla compreenso do fenmeno na sua totalidade. A unidade de observao pode ser um acontecimento, uma situao, um indivduo, um grupo, um processo, uma deciso, uma instituio, etc. Se a investigao do maior nmero possvel de aspectos do caso particular (enquanto totalidade integrada, encarada sob perspectivas variadas) facilita a intensidade da anlise e a compreenso profunda do facto social estudado, poder dizer-se, em contrapartida, que a sua no estandardizao favorece a excessiva dependncia da capacidade e da equao pessoal do investigador e, consequentemente, tornam este instrumento dificilmente transmissvel. Outra desvantagem a sua incapacidade para generalizar com rigor as concluses obtidas a classes mais amplas de factos. D) Das consideraes anteriores resulta a complementaridade dos defeitos e qualidades dos trs tipos de procedimentoNo desenvolveremos aqui as vantagens da quantificao em geral, que possibilita maior clareza e rigor na expresso e anlise dos factos e das 56If sua relaes.13

examinados, que devem ser combinados e utilizados (simultnea ou sucessivamente) pelo investigador, se os objectivos do estudo o requererem. No caso de domnios mal conhecidos, por exemplo, a observao qualitativa intensiva permite explorar pistas de pesquisa e revelar hipteses, que podero depois ser verificadas por meio de um inqurito quantitativo sobre amostra representativa ou mediante a experimentao, se as circunstncias facilitarem a utilizao deste ltimo mtodo. Duas concluses decorrem do exposto: Os mtodos devem adaptar-se aos objectivos da investigao e podem ser combinados em funo das exigncias impostas pela concretizao daqueles. Torna-se indispensvel um grande controle crtico dos procedimentos metodolgicos, das suas possibilidades e limitaes, para que os instrumentos de pesquisa se adeqem realidade social visada; privilegiar a lgica interna do instrumento de anlise pode conduzir a escamotear do campo de estudo um certo nmero de problemas importantes: deve ser feita, portanto, a sociologia das cincias sociais, tendente a evidenciar os condicionamentos sociais das prticas de produo dos investigadores. 1.1.2 Tcnicas A fim de nos aproximarmos progressivamente da noo de inqurito, apresentaremos agora um esquema das principais tcnicas empricas de recolha e tratamento da informao social, esquema que se afigura til para a arrumao visualizada dos principais instrumentos de pesquisa, embora seja discutvel (como alis todas as classificaes que conhecemos) 14. Poder-se-ia objectar ao dispositivo proposto que no tem em conta a distino fundamental entre mtodos quantitativos e qualitativos; mas esta diferenciao metodolgica, e no tcnica: a natureza do objecto de anlise que dever determinar a escolha dos instrumentos de pesquisa15. O mesmo se dir do mtodo histrico, que utiliza diferentes tcnicas de recolha de dados. Uma monografia, por outro lado, pode recorrer a uma combinao deO grfico que se segue inspirado na obra de PINTO e GRAWITZ (bibl.). Para a caracterizao de cada tcnica, cfr. aquele livro. Note-se que o questionrio enviado pelo correio escapa classificao, na medida em que no se recorre entrevista. Por isso dissemos que o esquema era discutvel (porque no exaustivo e porque levanta problemas de sobreposio). Centrar-nos-emos, de preferncia, nos inquritos por questionrio, mas deve observar-se que vrios problemas metodolgicos abordados so comuns a tcnicas distintas. 15 Um inqurito por questionrio utiliza fundamentalmente mtodos estatsticos, mas isto no exclui que o pr-inqurito recorra observao14

qualitativa, por exemplo. As tcnicas devem ser suficientemente maleveis

para se adaptarem aos objectivos do investigador, em cada uma das fases da pesquisa; cfr., supra, 1.1.1.

565

Classificao das tcnicas

No documentais Tcnicas

Observao indirecta e inqurito em relaes individuais (utiliza a informao verbal proporcionada por informadores individuais) Observao (latu sensu) directa de grupos ou de colectividades

Entrevista Escalas de atitudes Testes Observao no participante Observao participante Tcnicas de experimentao

r Clnica I Em profundidade Centrada De questes abertas De questes fechadas l

Ques tionrio

Documentais

Clssicas Anlise do contedo

tcnicas muito distantes: anlise documental, observao directa de grupos, entrevistas. E o mesmo sucede com o estudo de casos, centrado sobre objectos particulares e anteriormente estudados, o qual pode recorrer observao participante, anlise de documentos (biografias, correspondncia, actas de reunies, discursos), a entrevistas clnicas centradas, etc. O recurso, por parte dos autores, a critrios distintos de classificao dos instrumentos de pesquisa (objecto estudado, lgica da anlise, caractersticas da tcnica particular, etc.) torna impossvel apresentar um esquema unitrio exaustivo que no seja discutvel. Seria necessrio recorrer a classificaes distintas e sobreponveis, em funo dos critrios adoptados. Convm, no entanto, recordando a exposio feita sobre mtodos, diferenciar as tcnicas que recorrem a processos de anlise intensiva, isto , que acumulam instrumentos de recolha de informao sobre um campo de objectos limitado e que se integram no mtodo de estudo de casos, e as tcnicas de anlise extensiva, que incidem sobre um conjunto amplo de objectos comparveis, o que exige uma estandardizao das informaes, de que um exemplo conhecido a sondagem de opinio, que se baseia no inqurito duma amostra representativa da populao, em ordem a obter uma formulao estatstica dos resultados. 2. Formulao dos objectivos da pesquisa

impossvel elaborar a concepo geral do estudo sem se determinarem com preciso os fins visados, o campo de problemas abrangido, os resultados que se pretendem obter, em aproximaes sucessivas. Desta deciso fundamental iro decorrer as opes das fases seguintes, tanto metodolgicas como tecnolgicas. Pretende-se um conhecimento terico ou um estudo prtico? A simples descrio ou a interpretao? O conhecimento objectivo (a anlise) ou a interveno activa na realidade social? A anlise extensiva ou a intensiva? Uma recolha de informao limitada a um perodo determinado de tempo ou repetindo-se em perodos sucessivos? Deseja-se observar comportamentos (de consumo, de produo, de distribuio, de tempos livres) ou analisar opinies? Opinies sobre que tipo de problemas: polticos, econmicos ou culturais? Qual o campo de objectos (indivduos, problemas, etc.) que se quer abranger no estudo? Deste enunciado exemplificativo de perguntas se depreende imediatamente a concatenao estreita dos objectivos e dos meios da investigao, da estratgia e da tctica: os instrumentos devem ser correctamente utilizados, isto , devem adequar-se aos fins do estudo. Do mesmo modo, a realizao dos objectivos depende dos meios disponveis: tempo, recursos financeiros, nmero e qualificao dos colaboradores na pesquisa, possibilidades de

acesso a fontes de informao, etc.

A impreciso na definio dos fins da pesquisa ser o primeiro erro a ter em conta na preparao do estudo. 567

3.

Escolha do mtodo adequado

A) A natureza da informao pretendida condiciona as opes metodolgicas e tecnolgicas a fazer. Os mtodos quantitativos so inadequados ao estudo de fenmenos nicos, s anlise de sociologia histrica ou do funcionamento de sociedades restritas: a anlise qualitativa ser, nestes casos, apropriada. Importa observar, no entanto, que a extenso do campo coberto por um estudo quantitativo e o custo da anlise, que deve ter em conta os limites oramentais, engendraro provavelmente uma limitao da riqueza e da profundidade da informao colhida. Do mesmo modo, como vimos atrs, um estudo de casos permite uma observao intensiva dum campo limitado de fenmenos, mas levanta dificuldades na generalizao das concluses apuradas. Por outro lado, um inqurito extensivo por questionrio sobre uma amostra representativa da populao dever excluir do seu mbito a possibilidade de recolher informao relativa a determinados aspectos de que os indivduos interrogados no so conscientes16. Um questionrio fechado no poder sobrelevar os limites impostos pelo que os inquiridos puderem, souberem e quiserem responder. Como escrevem ROURDIEU, CHAMBOREDON e PASSERON, O questionrio pressupe todo um conjunto de excluses: para saber estabelecer um questionrio e saber o que fazer dos factos por ele produzidos necessrio conhecer o que o questionrio produz, isto , entre outras coisas, aquilo que ele no pode alcanar. indispensvel, portanto, discernir metodicamente as declaraes de inteno, as aces e as declaraes de aco, que podem estabelecer com o comportamento real relaes que vo do exagero valorizante ou da omisso por preocupao com o segredo s deformaes, s reinterpretaes e mesmo aos esquecimentos selectivos. E os autores citados, depois de salientarem a utilidade metodolgica da observao sistemtica dos actos e objectos culturais, que em muitas circunstncias mais adequada do que o inqurito por questionrio, continuam: o questionrio apenas um dos instrumentos da pesquisa: as suas vantagens metodolgicas, como, por exemplo, a aptido para recolher dados homogneos igualmente susceptveis dum tratamento estatstico, no devem dissimular os limites epistemolgicos; assim, no s no constitui a tcnica mais econmica para apreender os comportamentos normalizados, cujos processos rigorosamente regulados so altamente previsveis e podem, por conseguinte, ser apreendidos graas observao sistemtica ou interrogao atenta de alguns informadores privilegiados, como conduz, nos seus usos mais ritualizados, a ignorar este aspecto 17 comportamentos e dos at a desvalorizar o projecto de os captar.16 Pensamos nos mecanismos inconscientes de defesa, estudados por FREUD (fuga, racionalizao, projeco, recalcamento, etc).

568

17

BOURDIEU, CHAMBOREDON e PASSERON (bibl.), pp. 72-73.

B) A discusso aqui apresentada est associada com a controvrsia clssica nas cincias sociais entre os etnlogos, que privilegiam a observao sistemtica dos actos e objectos culturais, e os psiclogos, que tendem a atribuir maior importncia inquirio por entrevista, aos processos de comunicao verbal. Afigura-se-nos que tudo depender, em ltima anlise, dos objectivos que o investigador se prope alcanar. Os factos sociais so complexos e indispensvel estud-los sob perspectivas diferentes, se se pretende obter uma viso global; por outro lado, os instrumentos de anlise devem ser correctamente usados, de forma a adequarem-se realidade. C) conhecida a distino entre as sociedades de interconhedmento (por exemplo, a sociedade rural tradicional), caracterizadas pelo conhecimento global de todos ou, pelo menos, da maior parte dos aspectos e relaes dos indivduos entre si, a natureza predominantemente pessoal das relaes, a fraca diferenciao dos papis sociais, complexos e atribudos, a presso social dos grupos, a importncia da tradio e das normas ritualizadas, e as sociedades de massa (por exemplo, a sociedade urbana industrial), em que o interconhecimento parcial e fragmentrio, as relaes funcionais, os papis sociais mais frequentemente especificados e adquiridos, a diferenciao mais sensvel e a expresso da opinio pessoal menos dificultada. Ao primeiro tipo de sociedade ajustar-se-o melhor tcnicas de observao metdica; ao 18 segundo ser possvel, em princpio, aplicar sondagens de opinio . Se pensarmos, no entanto, que entre os meios no urbanos dos pases altamente industrializados e com grande tradio de inquritos frequentes e os ambientes urbanos dos pases subdesenvolvidos, onde os inquritos so raros, as diferenas se esbatem parcialmente, concluiremos que o instrumento de pesquisa se deve adaptar, em qualquer caso, s caractersticas do objecto sociolgico que ir analisar. este um outro princpio a ter em conta, na preveno dos erros desta fase: as opes metodolgicas e tcnicas devero moldarse aos objectivos da investigao; e s o especialista conhecedor das caractersticas da sociedade, das possibilidades e das limitaes de cada um dos utenslios de pesquisa estar em condies ideais para esclarecer aquelas escolhas. Nem todo o uso operatrio de instrumentos tcnicos cientfico: a problematizao terica do objecto de anlise sociolgica indispensvel a uma prtica de pesquisa rigorosa.18 Para desenvolvimento das caractersticas dos dois tipos de sociedade, cfr., entre outras obras, MENDRAS (bibl.), vol. i, cap. vn. Deve observar-se que a sociedade rural tradicional e a sociedade urbana industrial podero constituir exemplos das duas categorias, sem que a correspondncia seja, no entanto, total. Outrossim, as caractersticas apontadas so tendenciais, e no absolutas; pense-se, por exemplo, na interaco dos dois tipos.

569

3.1 O inqurito por questionrio: caractersticas, limitaes

e tmicas mplemmtaresA) J ficaram anteriormente apontadas algumas caractersticas, possibilidades e limitaes do inqurito por questionrio, que corresponde ao mais estruturado e rgido dos tipos de entrevista 19. Importa, no entanto, examinar rapidamente a natureza das outras categorias de entrevista, pois isso permitir mostrar a qualidade de informao que permitem apurar, por oposio ao questionrio. A entrevista clmica, de objectivo teraputico, usada, por exemplo, na psicoterapia e na psicanlise, caracterizada pelo grau maior de liberdade na comunicao verbal e um nvel de profundidade, complexidade e riqueza informativa muito mais acentuado, permitido pela ampla durao e pela repetio frequente, bem como pelo facto de ser centrada na pessoa entrevistada. A entrevista em profundidade20, ao contrrio da primeira, tem um domnio mais limitado e sugerido pelo entrevistador e no tem obrigatoriamente objectivos teraputicos: o caso das pesquisas de motivao (disposies profundas e selectivas que orientam o comportamento dos indivduos). A entrevista centrada (focused interview) tem j um quadro de hipteses sobre um tema preciso na sua base e o entrevistador conduz a comunicao no contexto dos problemas a tratar e das informaes a obter (que interessam mais do que a pessoa do respondente), embora o entrevistado mantenha, dentro destes limites, liberdade de resposta. frequentemente utilizada para apurar as reaces dos indivduos aos estmulos dos meios de comunicao de massa, por exemplo. As entrevistas de questes abertas, em que as perguntas so previamente programadas e devem ser feitas segundo uma forma e uma ordem estipuladas (previstas no questionrio), mas em que o entrevistado pode responder livremente no quadro das questes formuladas, e as de questes fechadas, em que o entrevistado tem de escolher entre uma lista tipificada de respostas, constituem os dois outros tipos de entrevistas21.

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19 O questionrio auto-administrado (enviado pelo correio, por exemplo) exclui a entrevista (ou comunicao oral entre inquiridor e inquirido). Aplicam-se-lhe, no entanto, muitas das consideraes que a seguir faremos. 20 Pode inserir-se a entrevista no directiva, tcnica elaborada por ROGERS no campo da psicoterapia e estendida depois ao campo psicossocial, como uma modalidade deste tipo. Visa possibilitar a autopercepo do indivduo e exige uma grande disciplina do entrevistador na absteno de comentrios e na disponibilidade emptica, em ordem a obter uma grande liberdade na expresso do entrevistado. 21 Em rigor, haveria ainda que considerar uma categoria mista entre estas duas a de questes de resposta prevista, em que o entrevistado tem de se subordinar lista de respostas, mas uma delas livre (outra resposta eventual, por exemplo).

B) Estas duas ltimas categorias correspondem aos casos em que se usa um questionrio22. Dada a natureza deste ltimo, que supe uma formulao e ordenao rgida de perguntas, respostas de contedo relativamente limitado, pouca liberdade dos intervenientes na entrevista, geralmente nica23, e uma polarizao na resposta (e no na personalidade do entrevistado), em ordem a obter informao til para o controle do quadro de hipteses do investigador, verifica-se que uma tcnica adequada ao estudo extensivo de grandes conjuntos de indivduos, por sondagem duma amostra representativa, mas o nvel de profundidade da informao relativamente mais limitado do que nos casos anteriormente estudados. Na interaco inquiridor-inquirido, diversos factores podem, alm disso, perturbar a validade dos resultados obtidos: bastar pensar nos conhecidos mecanismos inconscientes de defesa (fuga, racionalizao, projeco, introjeco, identificao, recalcamento, esquecimento selectivo, etc), na dissimulao da verdade quanto a certos problemas melindrosos (sexuais, religiosos, polticos, econmicos), nas consideraes de prestgio, nas respostas de cortesia para agradar ao entrevistador24, nos exibicionismos fabuladores, na falta de ateno nas respostas. G) Todos estes mecanismos tm sido estudados pelos investigadores, que procuram analisar o significado das respostas para alm do seu sentido imediato, aparente e consciente para o entrevistado, de forma a superar as reaces tendentes a prejudicar a validade dos resultados 25. Entre os instrumentos de uso possvel na superao das dificuldades referidas devem mencionar-se as chamadas tcnicas de anlise indirecta da comunicao, de que as mais conhecidas so as seguintes: As escalas de atitudes, instrumentos de 26 ordenao ou de medida da intensidade das atitudes .22 Sobre a natureza dos diferentes tipos de entrevista cfr. PINTO e GRAWITZ (bibl.), pp. 590 e segs.; E. MORIN, L/interview dans les sciences sociales et Ia radio-tlvision (bibl.), pp. 59 e segs. 23 Veremos adiante que em certos casos pode ser repetida (painel); cfr., infra, 6.3.3. 24 Esta reaco muito frequente em certos pases da sia; cfr. os

artigos de WILSON, ARMSTRONG e JONES na Revue Internationale

des Sciences

Sociales, xv, 1963, n. 1 (nmero consagrado ao estudo das opinies nos pases em vias de desenvolvimento). 25 As questes metodolgicas relativas anlise do discurso tm sido frequentemente iludidas por certas prticas empricas; afigura-se-nos que se trata dum tema que exige, para sua correcta equacionao, o recurso a instrumentos oriundos de campos epistemolgicos como a semiologia, a psicanlise, a teoria da informao, a antropologia, a lgica formal, a lingustica, etc. Entre as anlises de discursos que devem ser referidas como exemplares contam-se as pesquisas de LVI-STRAUSS sobre as mitologias, de R. BARTHES sobre o sistema da moda, de BOURDIEU sobre os trabalhadores na Arglia, de DUVIGNAUD sobre Chebika e de MORIN (bibl.) 26 Entre as mais elaboradas contam-se as de THURSTONE, LICKERT,COOMBS, GUTTMAN (anlise hierrquica) e LAZARSFELD (anlise da estrutura 571

Os testes psicolgicos, que permitem apurar, tambm de forma indirecta, certas caractersticas dos indivduos (aptides, conhecimentos, inteligncia, personalidade), mediante o controle do conjunto das suas reaces a determinados estmulos estudados pelos investigadores27. Tcnicas como as mencionadas permitem, pela sua maior elaborao, suprir algumas deficincias do inqurito extensivo por questionrio, quando os objectivos do estudo compreendam tambm a investigao intensiva de determinadas variveis psicolgicas mais complexas. Neste caso, constituem instrumentos complementares muito teis para alcanar informao que no seja possvel obter atravs de simples inqurito. O mesmo se pode dizer das entrevistas centradas e em profundidade, que so frequentemente aplicadas a uma amostra restrita, no pr-inqurito, para explorao de hipteses e variveis, e na fase final do inqurito, para aprofundar problemas particulares no esclarecidos pela anlise dos resultados. 4. Aplicaes dos inquritos

-) O inqurito por questionrio s deve ser utilizado quando a informao pretendida no puder ser mais rigorosamente e menos dispendiosamente obtida por outros meios: informao directamente obtida junto de entidades competentes, anlise documental (arquivos pblicos, publicaes administrativas, estatsticas disponveis, imprensa, literatura, documentos privados, bibliografia, objectos tcnicos e culturais, desenhos, fotografias, filmes, gravaes e outros registos, relatrios de inquritos ou estudos), outras fontes de dados, etc.28 O primeiro problema que neste caso se levanta o da anlise crtica das fontes, dos processos de recolha e tratamento da informao usados (e, no caso das estatsticas, da definio dos dados),latente). A elaborao das escalas, algumas das quais recorrem a tcnicas de construo matemtica muito precisas, obedece ao objectivo de apurar um conjunto de proposies escalonadas antecipadamente formuladas, de tal forma que a combinao das respostas constitua uma srie de indicadores fidedignos da intensidade da varivel psicolgica (neste caso, atitudes) que se quer analisar. 27 Um exemplo muito interessante o dos testes projectivos, que permitem interpretar certas reaces cujo significado escapa ao indivduo, mediante a utilizao de mecanismos inconscientes de projeco especular (o indivduo reencontra na imagem de outrem as caractersticas que julga suas), eatrtica (o indivduo atribui aos outros aa caractersticas que recusa como suas), complementar (atribuio a outrem de atitudes e sentimentos justificativos dos que lhe so prprios), temtica (no teste T. A. T., em que se completam histrias e se interpretam desenhos e fotografias) e estrutural (teste de RORSCHACH, baseado na interpretao de manchas de tinta). 28 Sobre as tcnicas de anlise documental e as fontes de documentao572 cfr, PINTO e GRAWITZ (bibl.), 411 e segs.

a fim de assegurar a veracidade, a autenticidade, a validade de interpretao e a comparabilidade dos dados29. A anlise secundria, ou seja, a pesquisa sobre informao anteriormente recolhida e conservada, utilizada depois para outros fins alm daqueles que determinaram a sua recolha, pressupe naturalmente a estandardizao dos dados e a garantia das condies metodolgicas e tcnicas da sua obteno e registo. O controle crtico das fontes de dados justifica-se tambm porque os objectivos e meios da contabilidade social existente podem ser muito diferentes daqueles que caracterizam a investigao sociolgica. Se o investigador, depois de proceder crtica das fontes, concluir que pode alcanar os fins da pesquisa sem ter de recorrer realizao de um inqurito especfico, reelaborar a informao disponvel de acordo com os seus prprios objectivos 30. Na caso de material documental, a necessidade de explorar com rigor e intensivamente a informao nele contida tem conduzido ao aperfeioamento de tcnicas precisas de anlise estandardizada e sistemtica31de comunicaes, agrupadas sob o nome deanlise de contedo .

Importa observar que os dados administrativos da contabilidade social disponvel (que, alis, em muitos casos, so obtidos atravs de inquritos) nem sempre permitem apurar a informao requerida pelo investigador. Em primeiro lugar, sucede frequentemente as fontes no serem acessveis e os resultados obtidos no estarem disposio do pblico e dos estudiosos. Alm disso, a contabilidade socioeconmica no suficientemente particularizada para satisfazer toda a procura de dados32.29 Escreve BOUDON: Halbwachs observa que necessrio interpretar prudentemente o facto de a taxa de suicdio da mulher aparecer nas estatsticas inferior do homem. Com efeito, os modos de suicdio repartem-se diferentemente segundo os sexos: a mulher recorre mais frequentemente ao afogamento. Ora mais fcil dissimular um suicdio por afogamento do que um suicdio com arma de fogo. (Les mthodes en sociologie, p. 38 [bibl.]). 30 Como exemplo de pesquisa baseada na reelaborao de estatsticas disponveis e de dados de um inqurito j feito, cfr. A. SEDAS NUNES, A Situao Universitria Portuguesa (bibl.). 31 Sobre a anlise de contedo cfr. PINTO e GRAWITZ (bibl.), 447-489;

DAVAL (bibl.), i, cap. vi; FESTINGER e KATZ (bibl.), n, cap. x;

BERELSON,

Content Analysis in Communication Research, Glencoe, The Free Press, 1952; NORT e HOLSTI, Content Analysis, Evanston, Northwestern University Press, 1963; PIAULT, Recherche en analyse de contenu et exploitation Vaide d'orinateurs, Paris, documento policopiado, 1963; Bulletin du Centre d*tudes et de Recherches Psychotechniques, Paris (3), 16, 1967; Bulletin de Psychologie, Paris, 20, 1967; Psychologie Franaise, Paris, 13 (1), 1968; Langages, Paris, 11, 1968. Sobre as tcnicas de tratamento automtico da informao cientfica cfr. GARDIN, conomie gnrle d'une chaine documentaire mcanise, Paris, Gauthier-Villars, 1967. Como exemplo de anlise de contedo, cfr. Maria de Ftima BIVAR (bibl.). 32 O problema agrava-se naturalmente nos paises pouco desenvolvidos com estatsticas deficientes. Nestes casos corre-se tambm o risco de as 5 7 3

Exemplifiquemos: suponhamos que se pretende fazer um estudo que relacione o nmero de aparelhos electrodomsticos de Corto tipo adquiridos durante um ano pelo pblico e certas caractersticas socieconmicas dos consumidores. partida da indagao ser talvez possvel apurar o nmero de aparelhos vendidos, por um lado, e as caractersticas socioeconmicas da populao do Pas, por outro. Mas ser normalmente impossvel cruzar as duas categorias de informao (ventilao dos aparelhos comprados por categorias socioeconmicas, que pode constituir uma informao muito til para certos objectivos) sem um inqurito especfico. Um outro exemplo: deseja-se conhecer a origem geogrfica dos estudantes universitrios e o ramo de ensino por eles escolhido, variveis que se pretendem relacionar numa indagao sobre a situao dos estudantes num pas. As estatsticas existentes podero fornecer dados sobre a naturalidade por distrito dos alunos e sobre os cursos frequentados, mas, se no forem muito pormenorizadas, no permitiro provavelmente apurar elementos sobre estas duas variveis cruzadas (repartio dos estudantes de cada curso por origem geogrfica). Um ltimo exemplo: se a informao administrativa dum certo pas permitir conhecer, para um conjunto de circunscries eleitorais, as percentagens de votos a favor de certos partidos, por um lado, e a percentagem de operrios e de outras categorias socioprofissionais, no conjunto da populao dessas circunscries, por outro, ser, no entanto, normalmente impossvel deduzir o nmero de votos recebidos por cada partido em relao a cada categoria socioprofissional. Impe-se, neste caso, apurar a repartio de votos 33 categoria socioprofissional, mediante um inqupor rito especfico . Os exemplos permitem evidenciar, por outro lado, a vantagem que haveria na colaborao entre os diversos institutos (administrativos, de pesquisa, etc.) com responsabilidades na recolha e anlise da informao social com vista a desenvolver a contabilidade dum pas 34.estatsticas existentes no serem de confiana, o que levanta a dificuldade j referida anteriormente, da crtica das fontes. 33 As observaes de origem administrativa tomam geralmente as unidades colectivas (geogrficas, por exemplo) como base de recolha da informao: os dados estatsticos assim obtidos so agregados, de tal modo que a inferncia das propriedades individuais suscita os problemas metodolgicos conhecidos da chamada anlise ecolgica; cfr. BOUDON e LAZARSFELD, Uanalyse empirique de Ia causalit, seco v (bibl); D G N e ROKKAN (eds.), QuantiOA tative ecological analysis in the social sciences, Cambridge (Mass.), The M. I. T. Press, 1969; BORGATTA (bibl. [texto de D. S. CARTWRIGHT] ). 34 Um caso muito simples possibilita a demonstrao desta proposta: conhecida a importncia do estudo da origem social dos estudantes. A origem social pode ser definida atravs de vrios indicadores (naturalidade geogrfica, profisso dos pais, nveis de instruo e rendimentos do agregado familiar, etc). O aproveitamento das fichas de inscrio preenchidas pelos estudantes permitiria a publicao de estatsticas periodicamente actualizadas sobre os dois primeiros indicadores, por exemplo; o aperfeioamento das estatsticas educacionais seria, portanto, vivel neste campo. Do mesmo modo, a introduo de certas questes nos inquritos do I. N. E. possibilitaria 571/. anlises sobre estratificao e mobilidade na sociedade portuguesa.

Para alm das questes anteriormente mencionadas, pode dizer-se tambm que, se o investigador quiser trabalhar sobre dados psicolgicos (atitudes, opinies, expectativas, intenes, preferncias, traos de carcter, aspiraes, inclinaes, planos de aco, motivaes), no encontrar provavelmente fontes de informao disponveis sobre estes elementos na contabilidade social de origem administrativa, a menos que se tenham realizado anteriormente inquritos sobre estes problemas. A institucionalizao de centros de sondagem, que recolhem informaes de natureza objectiva e subjectiva, permite superar aquela dificuldade. A procura crescente de informao social, aliada ao progresso das tcnicas de recolha, preparao e tratamento dos dados, que se devem informtica, permite esperar que a colaborao e a renovao institucional dos organismos responsveis neste campo (centros de pesquisa, universitrios e outros, servios estatsticos, institutos de sondagens, pblicos e privados, etc.) definam estratgias de investigao mais adequadas s necessidades sentidas 35. A utilizao crescente de inquritos na pesquisa comparativa requer uma sistematizao das prticas seguidas, com vista a assegurar a sua validade cientfica. B) Os inquritos podem ser usados para a concretizao de dois tipos de objectivos: Progresso do conhecimento e anlise cientficos. Interveno na realidade social. No que respeita ao primeiro ponto, representam uma das tcnicas empricas de recolha e tratamento de dados mais frequentemente usadas nas cincias sociais. Qualquer socilogo, pela sua qualidade de homem integrado e actuante numa sociedade, dispe naturalmente duma imagem espontnea e intuitiva da realidade social que o cerca. Mas essa imagem, que corresponde percepo imediata da sua relao com os outros, indispensvel insero social e s exigncias da aco prtica, no akida cincia. Na medida em que, por exemplo, aquela percepo inverta, oculte, desloque ou condense as determinaes dos vrios sistemas (nveis poltico, econmico, cultural, etc.) que integram uma formao social, definir-se- como iluso ou como ideologia. E isto tanto mais frequente quanto certo que as causas e as consequncias dos comportamentos 36 agentes dos sociais escapam frequentemente s suas conscincias .35 A colaborao de cientistas sociais de origens muito diferentes (demgrafos, historiadores, economistas, socilogos, politiclogos, etc.) no aproveitamento e anlise de dados de inquritos e da contabilidade social, designadamente na anlise secundria dos elementos documentais, tem evidenciado as implicaes tericas e metodolgicas do uso de certos instrumentos de pesquisa; cfr. a constituio cada vez mais frequente de bancos de dados e as comunicaes apresentadas s conferncias internacionais sobre anlise secundria de 1902, 1963 e 1969, M O princpio da no conscincia explica que as racionalizaes (razes dadas pelo actor social para justificar os seus comportamentos) no corres-

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Tendo a cincia como objectivo fundamental o conhecimento, ela ser obrigada a um trabalho de ruptura no interior dum campo ideolgico; ruptura que poder servir-se de diferentes tipos de mediaes: conceptualizao, observao sistemtica, experimentao; mediaes que tendero a contestar as falsas evidncias da vida quotidiana. Os instrumentos de que o socilogo se serve no seu trabalho podero ser de diversas ordens: reflexo terica, mtodos quantitativos, mtodos qualitativos, etc. Mas devero obedecer, em qualquer caso, a critrios de rigor, adequao ao real, coerncia interna, sistematizao: uma anlise metdica e segura, uma prtica de investigao exigente e sria. dentro destas coordenadas que se insere o inqurito sociolgico, que deve obedecer a um plano rigoroso de obteno e tratamento de dados, preventor, tanto quanto possvel, de erros nas suas diversas fases de lanamento37. C) No que respeita ao segundo ponto focado interveno na realidade social, decorre logicamente das aplicaes possveis das cincias sociais: tendo em conta a evoluo rpida das formaes econmico-sociais e a necessidade crescente de informao para o esclarecimento do contexto e das incidncias das decises a tomar num mbito crescente de campos, pode prever-se que os inquritos tendero a desenvolver-se progressivamente, em domnios variados: sondagens e recenseamentos econmicos e sociais sobre problemas de interesse colectivo, cada vez mais pormenorizados e aprofundados (populao, agricultura, indstria, servios, etc), planeamento econmico e social (planos de fomento, sade, educao, cultura, mo-de-obra, polticas de rendimentos e de segurana social, sindicalismo, desenvolvimento urbano e rural, desequilbrios regionais e sectoriais), pesquisas industriais e comerciais (testes de produtos, inquritos de mercado comercial, de distribuio e mercado industrial), meios de comunicao de massa (rdio, televiso, imprensa), sondagens da opinio pblica, etc. 38 O principal interesse dos inquritos extensivos quantitativos reside no facto de recolherem e tratarem a informao de forma estandardizada, com vista a assegurar a comparabilidade dos elementos apurados (dados sobre indivduos, grupos, instituies, sociedades e outros tipos de unidades). No caso das sondagens sobre amostra representativa, a possibilidade de extrapolar as concluses obtidas sobre a amostra ao conjunto da populao, com um grau de erro determinvel e redutvel mediante certas tcnicas, permitepondem muitas vezes s determinaes reais da sua aco; cfr. BOURDIEU (bibl.), pp. 35-42. 37 Sobre as relaes entre teoria e pesquisa emprica cfr. A. SEDAS NUNES, Introduo s Cincias Sociais (bibl.), pp. 205-217 e 242-254; J. C. Ferreira de ALMEIDA (bibl.); STINCHCOMBE (bibl.), cap. n. 38 Para um exame de algumas das principais aplicaes das tcnicas de inqurito por sondagem cfr. J. ANTOINE (bibl.); NOELLE (bibl.). Sobre o problema mais geral das relaes entre as cincias sociais e a politica da cincia cfr. O. C. D. E. (bibl.).

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outrossim diminuir o custo da pesquisa em relao s investigaes exaustivas.5. Fases do inqurito e vigilncia metodolgica

A) Definidos os objectivos da pesquisa e feitas as escolhas do mtodo e da tcnica (ou das tcnicas), o investigador, no caso de optar por um inqurito por questionrio, deve ter presentes as principais fases da sua preparao e realizao: 1) Planeamento do inqurito, abrangendo a delimitao dos objectivos especficos, a formulao das hipteses, a construo do plano de observao dos diferentes dados, a definio das variveis e das suas relaes e a escolha da populao e da amostra. 2) Preparao do instrumento de recolha de dados (questionrio, guia de entrevista), que permite traduzir os objectivos especficos numa linguagem acessvel s unidades da amostra; a forma e a ordem das perguntas devem ser cuidadosamente estudadas e ensaiadas mediante um pr-teste. 3) Trabalho no terreno: no caso de se recorrer a entrevistas, os responsveis pelo inqurito devem seleccionar e formar os entrevistadores e controlar a validade do seu trabalho de campo; no caso dos questionrios enviados pelo correio, devem cuidar das caractersticas grficas, da introduo, dos problemas materiais do envio e devoluo, para alm da ateno dada redaco das questes, anteriormente mencionada. 4) Anlise dos resultados: compreende o controle da amostra efectivamente atingida em relao visada no planeamento, a codificao das respostas, a transposio dos dados para fichas (ou cartes), a leitura e apuramento da informao e o tratamento desta (manual ou automtico), em ordem a controlar o sistema de hipteses previsto no planeamento; nesta fase devem ser revistas a validade e a fidelidade dos instrumentos de anlise e dos resultados e extradasas concluses essenciais da investigao.39 As tcnicas de emprego de ordenaores (ou computadores) permitem acelerar extraordinariamente a contagem (tabulao), ventilao (elaborao de quadros de percentagens e de cruzamento de variveis) e tratamento dos resultados, alm de possibilitarem a elaborao de planos de inqurito muito mais complexos: cfr. J. ANTOINE (bibl.), pp. 240-264. Pode ver-se uma excelente exposio dos princpios fundamentais dos ordenadores e da sua utilizao na investigao no livro de H. BORKO, Computer applications in the behavioral sciencesj Englewood Cliffs, Prentice-Hall, 1962; cfr, tambm FONT,

Les ordinateurs, Paris, Gallimard, 1968; BOUDON, FURET, LADURIE e MITTERAND

(bibl.).

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5) Apresentao dos resultados: o relatrio do inqurito deve resumir as fases principais da sua preparao e realizao, apresentar e comentar claramente os resultados, mediante quadros e grficos correctos, relacionar os dados apurados com a fase do planeamento, indicar e justificar os clculos, mtodos e tcnicas utilizadas e formular as hipteses, no caso de as previstas no plano inicial no terem sido verificadas. Como anteriormente se indicou, as fases sucessivas do inqurito constituem uma cadeia de operaes estreitamente inter-relacionadas: a anlise dos resultados est estreitamente dependente do planeamento; a codificao das respostas pode ser, em parte, prevista e preparada antes do trabalho de campo. As primeiras opes da pesquisa determinam decisivamente os estdios finais, devendo antecipar os problemas que viro a surgir 40 ; do mesmo modo, as decises tomadas em cada momento devem ser coerentes com as operaes anteriores41. B) Torna-se indispensvel uma grande vigilncia em cada uma das fases, de forma a evitar todos os erros e desvios (vieses) susceptveis de afectar a validade dos resultados. Para se fazer uma ideia daquela necessidade, apresentamos uma pequena lista de erros respeitantes a alguns dos momentos principais do inqurito42: Planeamento: impreciso na delimitao dos objectivos e do campo de problemas abrangido e no inventrio dos recursos disponveis; pr-inqurito inexistente ou superficial (hipteses e variveis mal formuladas ou orientadas pelos preconceitos apriorsticos do inquiridor) ; impreciso na definio da populao; populao no adaptada aos objectivos (excessivamente larga ou restrita ou no caracteristicamente significativa) ; amostragem no representativa (erros na definio dos critrios de classificao e escolha dos indivduos, na tcnica de clculo, insuficincia estatstica da dimenso da amostra); no distino das exigncias dos planos de observao descritivos e40 Sucede por vezes chegar-se ao termo de um inqurito e no se poder resolver uma dificuldade imprevista no momento da sua preparao, designadamente por no se ter recolhido oportunamente informao indispensvel concretizao dos seus objectivos. 41 Se o entrevistador, por exemplo, no respeitar escrupulosamente o plano de amostragem ou a forma e ordem das perguntas que compem o questionrio, a validade dos resultados ser forosamente prejudicada. 42 Relembra-se ainda o indispensvel controle metodolgico, no que se refere formulao precisa dos objectivos da pesquisa, s opes do mtodo e da(s) tcnica(s), de forma a assegurar a adequao correcta dos instrumentos de investigao ao domnio estudado.

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explicativos43; no distino dos planos de anlise atomsticos e contextuais44. Preparao do instrumento de colheita de dados: m redaco das perguntas (incompreensveis, tendenciosas, desencadeadoras de reaces de defesa, etc.); ordenao errada, inadequao das questes em relao informao pretendida; indiferenciao dos instrumentos em relao aos dados procurados (opinies, atitudes, etc). Pr-testte: ensaio do questionrio em indivduos no pertencentes populao do inqurito; ensaio feito sem ser atravs de entrevista (esta permite detectar melhor os defeitos de cada pergunta e as reaces do respondente); no supresso das perguntas que se revelam inteis e no integrao das questes esquecidas que o ensaio demonstre serem relevantes; forma e ordem das perguntas no corrigidas, apesar dos eventuais erros manifestados no pr-teste. Trabalho no terreno: o entrevistador no fiel ao plano de amostragem ou ao questionrio; deformaes resultantes da relao defeituosa entre entrevistador e respondente; impreviso das modalidades de devoluo, no caso do questionrio enviado pelo correio. Controle da amostra efectivamente atingida: os inquiridores no tm em conta o nmero de questionrios no devolvidos e o nmero de no respostas ou no se preocupam em determinar as razes de tais factos. Codificao (estabelecimento das categorias tpicas em que as respostas devem ser integradas e insero de cada resposta no respectivo tipo): interpretaes subjectivas e deformadoras do codificador, no corrigidas por uma discusso colectiva dos responsveis por aquelas operaes que permita apurar o verdadeiro significado das respostas e as categorias realmente mais importantes. Anlise dos resultados: anlise superficial, explorao insuficiente dos resultados, minimizao das concluses contrrias aos pressupostos pessoais do inquiridor. Apresentao dos resultados: inexistncia de relatrio, no indicao dos mtodos usados nem das suas justificaes, etc.

43 Sobre os nveis de pesquisa cfr. A. SEDAS NUNES, Introduo s Cincias Sociais (bibl.), pp. 211-217; J. C. Ferreira de ALMEIDA (bibl.);

GREENWOOD (bibl.), pp. 327-329; PINTO e GRAWITZ (bibl.), 285 e segs.;

MENDRAS (bibl.), vol. i, pp, 11-12. 44 Cfr. sobre esta matria BOUDON e LAZARSFEU>, Uanalyse de Ia causalit (bibl.), seco iv.

empirique 579

Importa evitar todos os desvios susceptveis de afectar cada

uma das fases, para garantir os objectivos seguintes:A pertinncia dos instrumentos de pesquisa em relao informao desejada e dos dados procurados quanto aos objectivos do inqurito. A adopo dum mtodo adequado realidade que se pretende analisar e o uso correcto das tcnicas escolhidas 45. A obteno de informaes estandardizadas, para permitir a comparao entre os resultados obtidos sobre cada unidade abrangida no inqurito quantitativo. C) A anlise do sistema de relaes mais importantes entre as variveis dum inqurito implica um vaivm constante entre os dados, indicadores e as hipteses; nos inquritos no meramente sociogrf icos tornar-se- indispensvel a explicitao dos conceitos e dos fundamentos tericos. Devero ser tomadas, portanto, as decises adequadas ruptura terica contra a iluso do saber imediato, construo do objecto cientfico (a fim de superar o nvel emprico dos objectos concretos) e preparao do sistema de verificaes finais46. S deste modo se pode construir o esquema global que orientar o trabalho. Como exemplo de quadro metodolgico, ser til expor um plano de estudo crtico de pesquisa em cincias sociais, que fornece sugestes para uma anlise crtica de inquritos47: 1) Referncia bibliogrfica e resumo sucinto do contedo da pesquisa. 2) Histria da pesquisa: problema posto, quando, como, por quem, porqu. 3) Proposies gerais emitidas. Qual o quadro terico de referncia que est implcito? Conceitos utilizados. 4) Hipteses especficas. 5) Variveis utilizadas. Indicadores escolhidos. 6) Tcnicas de demonstrao das hipteses. 7) Modo de recolha dos dados. 8) Exame da coerncia interna das diferentes fases da pesquisa. 9) Quais so os conhecimentos novos produzidos pela pesquisa? 10) Crtica geral da investigao. Proposio duma alternativa de investigao em relao ao mesmo problema, segundo o conjunto das fases antes enunciadas.45 Reencontramos o problema da anlise da realidade social, que pressupe uma competncia sociolgica. A necessidade de transformar os factos concretos em factos cientficos, os factos sociais em factos sociolgicos, postula uma boa formao terica; cfr. BOURDIEU (bibl.); MERTON (bibl.), cap. i.46

580

Documento C/T, U. E. R. Sociologie, Universit de Paris-Nanterre, 1969-70.

47

Cfr. BOURDIEU (bibl.).

11) Interpretao da determinao do contedo da pesquisa pelas condies sociais e institucionais que a suscitaram.6. Planeamento do inqurito48

De quanto ficou anteriormente exposto sobre a relacionao das fases do inqurito decorre a importncia fundamental da preparao atenta e metdica da pesquisa. Pode dizer-se que o tempo gasto no planeamento tempo ganho nas fases finais em que se apuram e se expem os resultados, a fim de concretizar os objectivos da indagao empreendida49. Importa, neste estdio, descobrir o sistema de relaes mais importantes entre as variveis, que vai implicar um vaivm constante entre os dados e as hipteses: nos inquritos mais elaborados tornar-se- indispensvel a explicitao dos fundamentos tericos50

.

Abordaremos seguidamente uma pequena amostra dos problemas emergentes nesta fase. 6.1 Determinao dos objectivos do inqurito Verificada a adequao da tcnica do inqurito realidade social visada, importa determinar com maior preciso os objectivos especficos do questionrio. Somente o conhecimento claro dos tipos de informaes que se procuram e do campo delimitado de problemas que se pretende abranger permitir orientar e circunscrever o plano de recolha de elementos pertinentes51. Uma comunicao metdica entre os promotores (se os houver) e os responsveis do inqurito facilitar a demarcao dos limites do mbito de temas a estudar: populao abrangida (definida atravs de certas caractersticas precisas), aspectos da populao a considerar, rea territorial do inqurito, perodo de tempo sobre o qual incidir, etc.48 Como explicmos na Introduo, tendo em conta os limites deste estudo, concentrar-nos-emos neste estdio capital, deixando para um trabalho futuro o desenvolvimento dos problemas relativos s outras fases posteriores. 49 A formulao clara das hipteses de investigao, a sua composio, o acordo dos resultados apurados em relao aos dados recolhidos e o encadeamento correcto das concluses devero ser as preocupaes fundamentais do investigador. 50 nesta fase que se devero tomar as decises adequadas ruptura terica contra a iluso do saber imediato, construo do objecto cientfico (a fim de superar o nvel emprico dos objectos concretos) e preparao do sistema de verificaes finais; cfr. BOURDIEU (bibl.). Neste estdio cria-se o sociolgico a partir do social, atravs da conceptualizao (vocabulrio) e da sistematizao das relaes entre conceitos (sintaxe). A formalizao pode desempenhar aqui um papel relevante. tambm neste perodo que o controle epistemolgico deve ser mais vigilante; cfr., infra, 6.2 e 6.5.1. 51 Relembra-se o risco de se sacrificar no incio da investigao informao que poder vir a tornar-se til ulteriormente. Daqui decorre a utilidade de delimitar o tema da investigao com a maior clareza possvel.

581

Na formulao do campo de problemas e de informaes a

recolher, interessa ter em conta que a impreciso destas operaespode acarretar a realizao de trabalhos inteis, porque de concluses pouco significativas e/ou de validade duvidosa: um novo erro que os inquiridores devem evitar. Todas as opes a tomar quanto aos critrios que demarcam aquilo que relevante para o inqurito (e rejeitam aquilo que no parece s-lo) se repercutem, como bvio, no custo das operaes a empreender. Daqui decorre a necessidade de inventariar atentamente os recursos disponveis: prazos, oramento, nmero e qualidade dos inquiridores, fontes de informao acessveis, etc. necessrio estabelecer a viabilidade da indagao quanto aos objectivos e meios. Por outras palavras: conhecer claramente, por um lado, as implicaes que a escolha dum certo objecto suscita quanto aos instrumentos a utilizar e, por outro, as consequncias que os limites dos recursos disponveis provocam no que respeita aos objectivos sacrificados. Delimitados os objectivos, impe-se uma nova opo: a formulao das hipteses de pesquisa. Ela ir traduzir-se, afinal, na escolha das variveis utilizveis. Num inqurito cientfico pretende-se verificar um certo nmero de factos e de relaes entre factos bem definidos e imprevistos: importa, portanto, operar uma seleco do conjunto daqueles que forem mais significativos e relevantes para os objectivos da pesquisa, dentro da perspectiva de apropriao do real por que se optou. 6.2 Elaborao das hipteses e pr-inqurito A) Comearemos por abordar o problema dos nveis de anlise. A possibilidade de verificao de hipteses bem explicitadas caracteriza decisivamente uma pesquisa rigorosa52. No incio da investigao, o socilogo pode verificar que dispe de informao muito rara ou deficiente sobre o campo de problemas demarcados. Ser o caso de o estudo incidir sobre um sector inteiramente inexplorado; ou o caso, frequente nos pases pouco desenvolvidos, de a documentao e as estatsticas disponveis serem deficientes53. Ser ento obrigado a acumular informao sem um plano preciso de verificao de hipteses, a reunir dados empricos o mais extensivamente que lhe for possvel: limitar-se- provavelmente ao nvel meramente descritivo da investigao, designado por sociografia54.52 Pressupe-se, nas consideraes ulteriores, que a pesquisa objectiva deve 53 ultrapassar o nvel da mera intuio de senso comum. Como anteriormente referimos, podero levantar-se tambm dificuldades de acesso s fontes: no publicao imputvel aos organismos que controlam essas fontes, deficincia e desabituao da procura de informao, excessiva preocupao com o sigilo, a obstculos administrativos, etc. 54 Sobre os nveis de pesquisa pode ver-se: A. SEDAS NUNES, Introduo s Cincias Sociais (bibl.); PINTO e GRAWITZ (bibl.), 285 e segs.; MENDRAS (bibl.), vol. I, pp. 11-22; GREENWOOD (bibl.), pp. 327-329; J. C. Ferreira de

582

ALMEIDA (bibl.).

Se, pelo contrrio, os dados disponveis lhe permitirem operar uma classificao e uma conceptualizao, poder passar ao nvel da tipologia. O uso de instrumentos de repartio de objectos observados, por categorias de equivalncia, em funo de certos critrios, implica j uma estruturao maior do quadro de anlise. Um terceiro nvel de anlise ser o estabelecimento de relaes entre variveis, em ordem a chegar a uma construo lgica sistemtica (interpretao terica). Um fenmeno social s se torna inteligvel para o socilogo se traduzido nos termos tericos da sua disciplina cientfica. No se trata j de dizer que as categorias x e y se caracterizam por comportamentos a e c} mas procurar explicar o porqu desta verificao emprica. No termo deste processo ter-se- superado o nvel meramente sociogrfico e transitado a um nvel j sociolgico: a partir desta transio que gcmha sentido um sistema preciso de hipteses explcitas, qwe reenviem a tipos de explicao causal das relaes entre as variveis55. B) Quando pode inventariar as relaes mais importantes entre variveis, o investigador est em condies de prever um sistema preciso de verificao de hipteses explcitas. Duas situaes so ento possveis: Ou a quantidade e a qualidade de informao disponvel lhe permitem formular imediatamente as hipteses de investigao; Ou esta operao no desde logo possvel, e ter ento de preparar o trabalho, elaborando um pr-inqurito, que lhe permitir explorar o sistema56 de elementos significativos que procura investigar . Esta explorao pode recorrer a instrumentos variados: 1) Reflexo terica: uma hiptese deve ser coerente com o conjunto de conhecimentos tericos existentes; como escreve BOURDIEU, se as operaes da prtica valem o que vale a teoria que as fundamenta, porque a teoria deve a sua posio na hierarquia das operaes ao facto de actualizar a primazia epistemolgica da razo sobre a experincia. No surpreende, portanto, que constitua a condio fundamental da ruptura, da construo e da experimentao, e isto pela virtude da sistematicidade que a define: s uma teoria cientfica pode opor s solicitaes da sociologia espontnea e s falsas sistematizaes da ideologia a resistncia organizada dum corpo sistemtico de conceitos e de relaes, definido quer pela coe55 56

Sobre a construo terica do objecto cientfico cfr., infra, 6.5.1. Cfr. BOUDON, Les mthodes en sociologie (bibl.), cap. n; PINTO e 583

GRAWITZ (bibl.), 277-284 e 507-514; SELLTIZ (bibl.); JAHODA, DEUTSCH

e COOK (bibl.), caps. I-IV, vi e xiv.

2)

3)

4)

5)

6)

rncia do que exclui, quer pela coerncia do que estabelece; somente ela permite construir o sistema de factos entre os quais instaura uma relao sistemtica 57. Anlise documental: a observao da documentao existente (dados estatsticos, bibliografia disponvel sobre o tema do inqurito, arquivos pblicos e privados, inquritos feitos no Pas ou no estrangeiro, etc.) susceptvel de trazer elementos muito teis para a definio das hipteses 58. Entrevistas de grupo: trata-se duma tcnica hbrida, que utiliza a comunicao verbal dos inquiridos, mas em que a relao colectiva dominante, o que permite examinar os problemas ao nvel colectivo (isto , social); a realizao de reunies de discusso com participantes conhecedores das questes que vo ser objecto do inqurito ou interessados nos seus objectivos contribui tambm com informao til 59 . Entrevistas clnicas, entrevistas em profundidade, entrevistas no directivas e entrevistas centradas com pessoas seleccionadas pela sua capacidade de informao, implicadas (populao do inqurito) ou no no objecto da indagao60. Testes e escalas de atitudes: so tcnicas mais elaboradas de anlise indirecta de variveis psicolgicas mais complexas do que as abrangidas pelos inquritos por questionrio, que permitem aprofundar certos problemas e contribuir deste modo para a elaborao (ou para a excluso) de certas hipteses 61. Tcnicas de observao directa de grupos ou outras unidades sociais62: como as duas tcnicas anteriores, constituem instrumentos complementares do inqurito por questionrio, servindo tambm para apurar eventualmente certas hipteses a testar pelo inqurito 63.

57 BOURDIEU (bibl.), pp. 95-96. A importncia crucial das funes dum sistema coerente de relaes entre conceitos revela-se na exigncia de ruptura que estabelece com as prenoes, isto , com as ideias preconcebidas do investigador; cfr., infra, 6.4. 58 Cfr., supra, 4, quanto ficou dito sobre a anlise de contedo e a crtica das fontes. Ateno especial deve tambm ser dada aos processos de conservao e registo da informao (gravaes, filmes, fotografias, ficheiros de inquritos, etc), que permitem guardar e utilizar os dados em qualquer altura. 59 Sobre a entrevista de grupo cfr. R. MUCCHIELLI (bibl.). 60 Cfr., supra, 3.1. Conforme referimos aqui, as entrevistas sobre uma amostra restrita podem ser utilizadas, quer para proceder ao pr-inqurito (ou estudo-piloto), quer para aprofundar certos problemas no esclarecidos pelos resultados do inqurito. 61 Cfr., supra, 3.1. 62 Cfr., sobre estas tcnicas de observao directa, PINTO e GRAWITZ (bibl), 785 e segs. 63 Veja-se um exemplo notvel de pr-inqurito conduzido de acordo 58If com os mais adequados cnones metodolgicos e recorrendo a tcnicas muito

C) A construo das hipteses a elaborar mediante o uso dos resultados recolhidos atravs das tcnicas anteriores deve obedecer a determinados princpios, de que 64 apontaremos sumariamente os que se afiguram mais importantes : As hipteses servem para organizar, seleccionar, sistematizar e orientar toda a pesquisa ulterior atravs da escolha que operam entre as variveis utilizveis. Devem permitir a formulao final de resultados generalizveis e ser claramente enunciadas. Devem constituir um sistema coerente entre si e com a situao de teoria cientfica. As proposies hipotticas devem ser construdas de tal forma que permitam ao investigador verificar a sua falsidade no termo da pesquisa65. Sendo as hipteses relaes supostas (ou conjecturais) e provisrias entre variveis, importa elaborar um sistema preciso e coerente de prova que possibilite a passagem correcta dos dados s concluses e o encadeamento lgico destas ltimas. D) As consideraes feitas remetem-nos para a operatoriedade das tcnicas, que devem ser precisas e transmissveis66, a fim de permitirem apurar resultados vlidos; no caso dos inquritos quantitativos, nica categoria que abordaremos aqui67, a operavariadas (entrevistas centradas, testes, escalas de atitudes, etc.) em ADORNO (bibl.); cfr. um resumo da pesquisa em LVY (bibl.), pp. 8-22, e, infra, 6.4.2 e4 6.4.3. e Esta etapa fundamental da preparao do inqurito suscita inmeros problemas tericos que no podero ser aqui abordados; deixamos apenas uma resenha superficial, tendente a chamar a ateno para as dificuldades desta fase; para um desenvolvimento terico destes problemas cfr. a bibliografia citada na nota 56. Haveria que referir tambm a importncia dos modelos, como sistemas coordenados e controlveis de relaes entre propriedades esquematizadas, construdos com fins descritivos, explicativos e previsionais e que podem servir65 tambm como substitutos da experimentao. No existe meio definitivo de demonstrar que uma proposio terica verdadeira, irrevogvelmente, pois pode, no futuro, vir a ser demonstrado que falsa, mas somente de provar que falsa (ou provisoriamente no falsa); cfr. POPPER (bibl.). O progresso cientfico caracteriza-se pela rectificao incessante: bastar reler a obra de BACHELARD. 66 Qualquer outro observador conhecedor das tcnicas usadas num inqurito deveria poder chegar s mesmas concluses objectivas; para isso necessrio que as condies de observao sejam idnticas, de modo a possibilitar verificaes gerais fundadas no conjunto dos dados recolhidos e comparaes entre discursos de investigadores diferentes; cfr., infra, 7. 67 Por esta razo se deixam de lado problemas que sobrelevam os limites dos inquritos quantitativos: pressupe-se que estes podem ser instrumentos correctos de recolha de dados sobre o real. J atrs se apontaram os casos em que eles podem apresentar inegveis vantagens na anlise objectiva de determinados tipos de informao, atravs da superao dos obstculos do subjectivismo e das intuies vulgares de senso comum. A sua utilidade deve ser, no entanto, demarcada pela indispensvel vigilncia

terica, metodolgica e epistemolgica, que, s ela, permite controlar osexcessos do empirismo; sobre os limites do empirismo, do pragmatismo e do tecnicismo, remetemos para o livro de BOURDIEU, maxime, pp. 59-77, 232-268, 585

toriedade das tcnicas de investigao molda-se em certos esquemas, de que mencionaremos sucessivamente os seguintes: a) A elaborao dum sistema de verificao: o plano de observao; b) A produo dum vocabulrio: a conceptualizao e a construo das variveis; c) A explicao duma sintaxe: a anlise das68 relaes entre variveis (ou anlise multivariada) . No est excluda, alis, a possibilidade de uma perspectiva histrica atravs da anlise secundria de dados disponveis nos documentos. Os inquritos instantneos no integram a dimenso temporal na anlise dos factos sociais; e mesmo os painis se restringem a um perodo limitado de tempo, no possibilitando o estudo dos processos longos, das transformaes do sistema social e das crises sociais. As sondagens atomsticas fazem abstraco das variveis relativas ao meio e ao contexto social, situando-se geralmente num nvel de anlise associolgico. Por outro lado, o carcter local dos estudos monogrficos diminui a sua representatividade. A escala espacial de certos inquritos a grupos restritos impede tambm a extrapolao das concluses a agregados mais vastos e complexos. Se se pretende elaborar uma anlise extensiva de dados comparveis, impe-se, como vimos anteriormente, uma normalizao da informao recolhida, possibilitada pela aplicao de mtodos quantitativos, susceptveis de sistematizar os dados. A formalizao matemtica permite, por outro lado, uma expresso mais rigorosa dos factos socias e das suas relaes e um dos meios mais adequados ruptura com o senso comum, a intuio imediata, o espontanesmo, o sincretismo e o subjectivismo da linguagem vulgar. A transmissibilidade objectiva das tcnicas atinge, neste caso, um grau elevado: os factos podem ser verificados por qualquer observador conhecedor dos instrumentos de investigao. 6.3 Inquritos quantitativos: preparao do plano de observao Elaborado o sistema de proposies hipotticas que ligam os elementos de informao compreendidos nos objectivos do inqu311-320, 332-339, 358-367, 376-378; cfr. tambm J. C. Ferreira de ALMEIDA (bibl.) e as consideraes expostas a propsito das caractersticas, potencialidades e limitaes dos mtodos de pesquisa emprica, supra, 1.1.1, 3 e 3.1. 68 Este esquema retirado do paradigma de anlise de LAZARSFELD: cfr. BOUDON e LAZARSFELD (bibl.); Boudon, Les mthodes en sociologie (bibl.), cap. li. Trata-se duma das formas mais correntes de tornar operatrias as tcnicas de inqurito quantitativo; isto no exclui outras formas de operatoriedade, nem implica que os limites do operacionalismo devam deixar de ser denunciados pelo socilogo atento aos problemas metodolgicos e epistemolgicos.

586

rito, importa prever um sistema de verificao. Convm para isso comear o trabalho pelo inventrio dos tipos de dados a recolher. 6.3.1 Tipos de dados. A possibilidade do uso de tcnicas complementares A) Dados objectivos e subjectivos Da concepo geral do inqurito decorrem logicamente as categorias de informao procuradas, que, mediante o questionrio, se transformaro em perguntas a fazer aos indivduos da amostra. A primeira grande distino a encarar aquela que separa as duas categorias seguintes: a) Questes objectivas: dados pessoais (sexo, idade, categoria socioprofissional, instruo, rendimentos, nacionalidade, naturalidade), dados relativos ao meio (tipo de alojamento, meio rural ou urbano, vizinhana) , comportamentos (de consumo, de produo, de ocupao de tempos livres, de comunicao social, de transporte, etc.); b) Questes subjectivas: opinies, atitudes, motivaes, crenas e outras disposies psicolgicas. A primeira categoria pode apresentar dificuldades de observao ou de medida ao investigador, mas no suscita normalmente grandes problemas quanto definio dos conceitos, especialmente nos casos mais simples (sexo, idade, naturalidade). Em certos casos particulares pode suceder, no entanto, ter o inquiridor de obter a informao por via indirecta, como, por exemplo, se apurar o rendimento atravs de sinais reveladores. o problema da escolha dos indicadores, que reencontraremos mais adiante. Uma outra possibilidade a decorrente da diferena de universos socioculturais entre inquiridores e inquiridos: acontece frequentemente nos pases pouco desenvolvidos a definio do comportamento laborai (do trabalho) variar consoante as regies ou a noo inculcada pela economia moderna no se adaptar concepo dos indivduos interrogados69. O universo econmico da populao abrangida pelo inqurito pode tambm levantar dificuldades, como, por exemplo, no clculo do rendimento nas regies rurais, em que o autoconsumo agrcola usual70. O segundo tipo de dados os subjectivos levanta, no entanto, problemas de mais difcil resoluo. Prova disto so as discusses em torno da determinao dos seus conceitos, definidos frequentemente de forma contraditria pelos autores.69

Cfr. DARBEL, RIVET e SBIBEL (bibl.), pp. 303 e segs.

Cfr., sobre os problemas levantados pelos inquritos nos pases menos desenvolvidos, a j citada Revue Internationale des Sciences Sociales, XV, n. 1, 1963, parte I. 587

70

Convm salientar que interessa menos a anlise das diferentes definies formuladas a propsito de cada varivel que a identificao dos tipos distintos de objectos, delimitados por caractersticas claramente enunciadas na linguagem prpria das disciplinas cientficas. Ilustraremos este procedimento metodolgico mediante o recurso a dois textos: o primeiro, de LAZARSFELD, sobre as variveis compreendidas na noo genrica de disposio; o segundo, de STOETZEL, sobre o conceito de atitude. JB) A operatoriedade dos conceitos: as disposies No texto de LAZARSFELD 7V, as caractersticas dos diferentes objectos organizam-se num espao de atributos simples, de forma* a fazer corresponder oito noes combinao de trs dimenses distintas: a) A primeira ope as disposies gerais s disposies especficas (certas variveis aparecem em esferas de actividade independentes; outras dirigem-se a objectos particulares); b) A segunda corresponde ao grau de ligao ao objecto da disposio, activo-directivo (desejo de ...) ou passivo (atitude em relao a...); c) A ltima define o horizonte temporal das disposies: um plano define-se em relao ao futuro; uma opinio, em relao ao presente. As trs dimenses definidas so, portanto, o campo de aco, a dinmica e o horizonte temporal72, como se pode ver no quadro n. 1. interessante observar que a tipologia precedente aponta para distines metodolgicas: os instrumentos devem ser construdos de forma a corresponderem o melhor possvel aos conceitos, o que a exemplificao do princpio, j muitas vezes referido, da adaptao da tcnica realidade observada; os conceitos utilizados na pesquisa emprica devem ser operatrios73, o que implica a ligao entre a linguagem conceptual e a linguagem metodolgica. Assim, os tipos 2 e 4 relevam fundamentalmente das tcnicas de medida de atitudes e dos testes, j encontrados neste estudo. Os tipos 5 e 7 encontram-se frequentemente na econometria como71 Est includo na importante antologia de textos metodolgicos publicada sob a direco de BOUDON e LAZARSFELD, Le Vocabulaire des sciences sociales (bibl). Se a metodologia a consequncia duma reflexo continuada sobre a prtica da investigao, resulta daqui a utilidade da anlise de textos em que se plasma a pesquisa; este o objectivo daquela antologia fundamental, bem como do outro volume que se lhe segue, dirigido pelos mesmos autores (cfr. bibl.).72 Em rigor, as trs dimenses deveriam ser tratadas numa anlise contnua, de forma a permitir distines mais prximas da realidade. 73 Isto , utilizados ou verificados na observao concreta, atravs de certas operaes de pesquisa.

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QUADRO N. 1 Disposies(segundo LAZARSFELD, 1965)

Horizonte temporal Presente Opinies Preferncias 1 Necessidades Directiva 3 4 Atitudes Passiva 2 Traos de carcter Directiva 7 8 Futuro Expectativas 5 Intenes Planos Tendncias Inclinaes 6 Motivaes

Passiva Dinmica

Especfico Geral Campo

Especfico Geral

variveis na anlise das sries temporais (intenes de investimento, expectativas de preos e de procura de bens de consumo). O tipo 3 objecto dos estudos de consumo. O tipo 1 pode ser estudado atravs das sondagens. C) Atitudes e opinies Uma vez que a matria-prima dos inquritos de que estamos a tratar respeita principalmente a dados objectivos e a opinies, importa agora caracterizar mais precisamente estas ltimas, de forma a diferenci-las das atitudes, s quais se adequam melhor as 75 escalas de atitudes 74. Recorremos para tal ao texto de STOETZEL . De acordo com ele, so identificveis quatro elementos bem definidos: 1) Trata-se duma varivel inferida, no directamente observada nem observvel: esta caracterstica implica tcnicas de inferncia especiais (as escalas de atitudes, que analisam as reaces verbais dos indivduos opinies, por exemplo, de forma a, por via indirecta, atingirem as atitudes que esto por detrs delas); 2) A intencionalidade: a atitude designa uma preparao para a aco, uma disposio estvel que torna semelhantes as reaces a um conjunto de estmulos ou situaes; uma atitude conservadora, por exemplo, desencadeia reaces idnticas a diferentes est74 No esqueamos que as escalas so frequentemente utilizadas como tcnicas complementares dos inquritos; por isso tratamos agora destas noes. T5 Tambm publicado na antologia citada na nota 71.

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mulos (verbais, reais, etc.); volta a ver-se aqui que 3) A polarizao em relao ao objecto: atitude a favor de ...; atitude contra ... Esto carregadas de afectividade e constituem o plo subjectivo dos valores; 4) As atitudes so adquiridas e sofrem influncias externas; a socializao consiste, precisamente, na formao de atitudes convenientes e adequadas aos valores e s normas sociais tpicas do grupo ou da sociedade. Por contraste, as opinies so variveis construdas pelos psiclogos sociais em funo de certos atributos que as distinguem das atitudes: na definio de STOETZEL, a expresso duma opinio a frmula que, sobre uma questo determinada, num dado momento, recebe a adeso (geralmente verbal) dum indivduo. Caracterizam-se, portanto, por especificidade, superficialidade e instabilidade maiores. Na medida em que o investigador verificar que existe uma certa coerncia na expresso das opinies dos indivduos, em relao a objectos distintos e a problemas variados, estar em condies de, usando de tcnicas apropriadas, inferir aquilo que provavelmente estar por detrs (ou na base) dessas opinies, uma varivel profunda e mais estvel, a que por conveno chamar atitude. Num nvel superior, se o investigador verificar que existe uma interdependncia das atitudes em campos distintos, poder elaborar tipos de ideologia e de personalidade: pense-se, por exemplo, na pesquisa de EYSENCK sobre o esquema estrutural em vrios nveis de variveis diferentes 77, cada uma delas analisada mediante tcnicas especficas, ou na pesquisa de ADORNO, j anteriormente referida, sobre a personalidade autoritria, elaborada atravs de tcnicas muito variadas78. Trs observaes, para finalizar e resumir o anteriormente exposto, devem ser aqui deixadas: A elaborao de tcnicas adequadas realidade estudada tende a permitir objectivar o subjectivo, atravs da adaptao flexvel das possibilidades de cada mtodo, em cada momento da pesquisa, informao procurada; o inqurito quantitativo extensivo aplicar-se- normalmente a dados objectivos e a opinies, mas no exclui o recurso a tcnicas psicolgicas mais complexas; nesse caso, as observaes recolhidas atravs de instrumentos variados sobre os mesmos indivduos sero analisadas e tratadas de forma coordenada ;76 A das escalas de atitudes; cfr. DAVAL (bibl.), t. i, pp. 191-344. " Opinies acidentais, opinies habituais, atitudes, ideologias; cfr. EYSENCK:, The psychology of politics, Londres, Routledge and Kegan Paul, 1954. 78 Cfr., infra, 6.4.2 e 6.4.3, alnea B).

caractersticas da varivel apontam para uma tcnica especfica76;

590

As questes formuladas podem dar uma informao directa (imediata) ou uma informao indirecta: reencontramos assim o problema dos indicadores das variveis, a estudar adiante [6.4.3, alnea O)]. No inqurito extensivo quantitativo, o plano de observao deve ser sistematizado (ou estandardizado), de modo a equiparar as condies de observao dos indivduos da amostra. 6.3.2 Sondagens atmicas e sondagens contextuais A) Tratar-se- seguidamente de alguns problemas relativos a inquritos por sondagem. Dois tipos fundamentais de tcnicas devem ser distinguidos, consoante os planos de observao usados: As sondagens atmicas (ou atomsticas), em que as variveis individuais (opinies, comportamentos, etc.) so estudadas na dependncia de outras variveis individuais. As sondagens contextuais, que permitem construir variveis caracterizadoras dos indivduos, do meio e das unidades sociais significativas (conjuntos) em que se inserem, num plano de observao da inter^ dependncia da situao individual e do meio social 79. Os indivduos so neste caso inseridos nos sistemas sociais especficos, e no considerados somente como representantes duma populao geral, homognea e indiferenciada. Nas sondagens eleitorais clssicas, as informaes obtidas respeitam normalmente a variveis individuais: escolha eleitoral, idade, sexo, categoria socioprofissional, nvel de interesse pelos problemas polticos, etc. Daqui re