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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 54 Abr/Jun 2013 >> 2,50 Euros OS JORNALISTAS E A INTERNET Como os profissionais avaliam o impacto da rede no jornalismo CURTAS E DIRECTAS OSCAR MASCARENHAS RICARDO OLIVEIRA LUÍS BONIXE ENTREVISTA DIANA ANDRINGA “O jornalismo é, em si, um serviço público” HISTÓRIAS DE JORNALISTAS O DIA DE GLÓRIA DE URBANO CARRASCO

OS JORNALISTAS E A INTERNETJJ é uma edição do Clube de Jornalistas>> nº 54 Abr/Jun 2013>> 2,50 Euros OS JORNALISTAS E A INTERNET Como os profissionais avaliam o impacto da rede

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JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 54 Abr/Jun 2013 >> 2,50 Euros

OS JORNALISTASE A INTERNETComo os profissionais avaliamo impacto da rede no jornalismoCURTAS E DIRECTAS

OSCARMASCARENHASRICARDOOLIVEIRALUÍS BONIXE

ENTREVISTA

DIANAANDRINGA“O jornalismo é,em si, um serviçopúblico”

HISTÓRIASDE JORNALISTAS

O DIA DEGLÓRIADE URBANOCARRASCO

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TIPO DE CAMAROTE

DIA

ITINERÁRIO DO CRUZEIRO - SETEMBRO 2014

707 200 201 HALCON.PT

PORTOS DE ESCALA CHEG. PART.

Interior (L)

Exterior com varanda (C2)virados para Central Park

Exterior com varanda (D5)Virados para o mar

Preços por pessoa em camarote duplo

Sáb, 13 Set

Dom, 14 Set

Seg, 15 Set

Ter, 16 Set

Qua, 17 Set

Qui, 18 Set

Barcelona, Espanha

Navegação

Civitavecchia (Roma) - Itália

Nápoles (Capri) - Itália

Navegação

Barcelona, Espanha

7:00

7:00

5:00

19:00

20:00

20:00

859 €

959 €

1.179 €

129€

129 €

129 €

988 €

1.088 €

1.308€

PREÇO BASE TAXAS TOTAL

3ª e 4ª cama disponíveis em camarote interior ou exterior com varanda, virado para o Central Park: 50% de desconto sobre o preço base.

Inclui: Cruzeiro de 5 noites no camarote seleccio-nado, em pensão completa (bebidas não incluí-das). Não inclui: Gratificações obrigatórias (a pagar directamente a bordo). Despesas de reserva (30€, por processo).Lugares limitados.

SAÍDA DE BARCELONA A 13 DE SETEMBRO DE 2014

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Director

Direcção Editorial

Conselho Editorial

Grafismo

Secretária de Redacção

Propriedade

Tratamento deimagem

Impressão

Tiragem deste número

Redacção,Distribuição,

Venda eAssinaturas

Mário Zambujal

Eugénio AlvesFernando Correia

Fernando CascaisFrancisco MangasJosé Carlos de VasconcelosManuel PintoMário MesquitaOscar Mascarenhas

José Souto

Palmira Oliveira

CLUBE DE JORNALISTASA produção desta revista sóse tornou possível devido aosseguintes apoios:l Caixa Geral de Depósitosl Lisgráfical Fundação Inatell Vodafone

Alves&AlbuquerqueCampo Raso, 2710-139 Sintra

Lisgráfica, Impressão e ArtesGráficas, SACasal Sta. Leopoldina,2745 QUELUZ DE BAIXO

Dep. Legal: 146320/00ISSN: 0874 7741Preço: 2,49 Euros

2.000 ex.

Clube de JornalistasR. das Trinas, 1271200 LisboaTelef. - 213965774 Fax- 213965752e-mail:[email protected]

N.º 54 ABRIL/JUNHO 2013

SUMÁRIO

DISTRIBUIÇÃO GRATUITA AOS SÓCIOS

DO CLUBE DE JORNALISTAS

Site do CJ www.clubedejornalistas.pt

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10

18

40

4654

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CURTAS E DIRECTASOSCAR MASCARENHAS, Provedor do Leitordo ‘Diário de Notícias’, RICARDO OLIVEIRA,Director do Diário de Notícias da Madeira eLUÍS BONIXE, Professor e investigador,respondem, em pequenas entrevistas, àsquestões da JJ

TEMAOS JORNALISTAS E A INTERNETComo os profissionais avaliam o impactoda rede no jornalismoA ascensão da Internet como inovação tecnológica teminfluenciado o jornalismo a vários níveis e provocoumudanças significativas na profissão. Mas qual é a per-cepção que os jornalistas têm destas transformações?As mudanças melhoraram ou prejudicaram a quali-dade do jornalismo? Por Helder Bastos, Helena Lima,Nuno Moutinho, Isabel Reis

ENTREVISTADIANA ANDRINGA À JJ “O jornalismo é, em si, um serviço público”Por Helena de Sousa Freitas

JORNAL[28] Homenagem: Evocação de João

Mesquita (1957/2009Por Carlos Camponez e João Fonseca

[32] Livros Por Carla Baptista e Isabel Reis[36] Sites Por Mário Rui Cardoso

HISTÓRIAS DE JORNALISTASO dia de glóriade Urbano CarrascoPor Gonçalo Pereira Rosa

IMAGENS DO REPÓRTERFernando Veludo

MEMÓRIADA IMPRENSA LIBERTÁRIAPORTUGUESA O caso da revista Nova Silva Por Álvaro Costa de Matos

CRÓNICAPor Patrícia Fonseca

JJ|Abr/Jul 2013|3

Colaboram neste número

Álvaro de Matos DIR. HEM. MUNIC. LISBOA; CIMJ

Carla Baptista FREELANCER; U.NOVA, CIMJ

Carlos Camponez FREELANCER; FLU COIMBRA/CEIS20

Celine Braga ESTUD. FLU COIMBRA

Gonçalo Pereira Rosa NAT. GEOGR.; CECC DA U. CAT.

Fernando Veludo N/FACTOS

Hélder Bastos U. PORTO; CIMJ

Helena de Freitas LUSA; ISCTE-IUL

Helena Lima U. PORTO

Isabel Reis U. PORTO

João Fonseca LUSA

Luís Humberto Teixeira FREELANCER

Mário Rui Cardoso RTP-ANTENA 1

Nuno Moutinho U. PORTO

Patrícia Fonseca VISÃO

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Assinatura anual > 4 números: > 10 Euros

( I N C L U I P O R T E S D E C O R R E I O )

Nome...........................................................................................................................Número de Contribuinte.........................................................................................Morada........................................................................................................................Código postal............................Localidade..............................................................Contactos.................................../........................................./......................................Profissão (fac.).....................................................Idade (fac.)...................................Desejo assinar a JJ com início no nº ......................................................................Para o respectivo pagamento envio cheque nº.....................................................Banco...........................................................................................................................Data.............................. Assinatura.....................................................................

Clube de Jornalistas - R. das Trinas, 127 r/c - 1200 857 Lisboa

JJ – Jornalismo e JornalistasA única revista portuguesaeditada por jornalistasexclusivamente dedicada aojornalismo

Indispensável para estudantes,professores, investigadores etodos os que se interessam pelojornalismo em Portugal e nomundo

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Dossiês l análises l entrevistas l notícias l recensõesl crónicas l comentários l memóriasImprensa l Rádio l Televisão l Jornalismo digitall Fotojornalismo l Cartoon

Ao longo de mais de dez anos, a JJ tem-se afirmado, quer nassalas de redacção quer nas universidades, como umaferramenta fundamental para todos os que pretendem estarinformados sobre a reflexão e o debate que, no país e noestrangeiro, se vão fazendo sobre o jornalismo e os jornalistas.

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Rua das Trinas, 127 r/c 1200 857LisboaTelef. 213965774e-mail: [email protected]

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 40 Outubro/Dezembro 2009 >> 2,50 Euros

PED

RO

CU

NH

A

TEMA A REPORTAGEM NA RÁDIOEntre o investimentoe a ameaça

ENTREVISTA MINO CARTA ANÁLISE MÉDIA E PUBLICIDADE MEMÓRIA ADOLFO SIMÕES MÜLLER

JJ é uma edição do Clube de Jornalistas >> nº 39 Julho/Setembro 2009 >> 2,50 Euros

TEMA Os media no ensino superior

Laboratóriosde Jornalismo

ANÁLISE > O futuro da imprensa: O momento crucial> A Informação Televisiva > Olhando as estrelas nas

páginas dos jornais ENTREVISTAS > Daniel Hallin > CristinaPonte e Lídia Marôpo

4|Abr/Jun 2013|JJ

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JJ|Abr/Jun 2013|5

Comentadores, jornalistas e analistas

OSCAR MASCARENHASPROVEDOR DO LEITOR DO ‘DIÁRIO DE NOTÍCIAS’

“O pluralismo nada tem a ver com a proporcionalidade eleitoral das ideias dominantes:estamos a falar de informação, não de propaganda. Estamos a falar do cão a morder avelha, não de um coro de velhas a atenazar-nos os ouvidos com a lenga-lenga dopensamento mainstream.”

JJ - Que apreciação faz ao facto denas área política e económica onosso espaço de opinião estarinvadido (na televisão, mas não só)por políticos,geralmente ex-governantes ou candidatos agovernantes?OM - Se fosse um espaço de análise– isto é, uma avaliação einterpretação distanciada dofenómeno político ou económico,por ex-protagonistas de relevo emérito reconhecido (esta segundacondição é importante) – poderiaconfigurar-se como um serviço deesclarecimento do público, alargandoa capacidade de perceção doscidadãos. Por outras palavras, inserir-se-ia na categoria da informação,com a finalidade de proporcionar aopúblico as condições paratomardecisões mais ponderadas.Infelizmente, em regra, trata-se daconvocação de políticos eeconomistas ainda com vontade deregressar à ribalta – quando nãoestão ainda no ativo, como noConselho de Estado, lugaresautárquicos, comissões do Estado oude empresas (no caso doscomentadores económicos) – ou quese assumem como quinta-coluna defações partidárias ou lóbiseconómicos. Isto constitui um ato derelações públicas ou de propaganda,ou seja, está nos antípodasdo jornalismo, funcionacomo um tempo deantena não equitativo eque nada tem a ver coma informação. Mais: no quediz respeito ao chamado serviçopúblico de televisão, é uma claraviolação dos termos

contratualizados.JJ - Como avalia o facto dena maioria dos casos aintervenção doscomentadores serfeita semverdadeiramediaçãojornalística,ainda quemuitas vezescom a“participação” dejornalistas?OM - Isso, para mim,não é problema: não se tratade uma entrevista mas de um espaçode exposição de análise, cujos temaspodem estar previamenteconcertados entre o analista e o seuinterlocutor. A forma de (falso)diálogo é uma ressurreição dosdiálogos platónicos, com Sócrates (ooriginal) a expor as ideias por essaforma.Além do mais, a chamada“mediação”, nestes casos, dá muitomau resultado, dado o desnívelintelectual e cultural entre os queperoram e as “mediadoras” que osinterrompem, ora comdeslumbramentos de falsainfantilidade (morder o beicinho aos50 anos!?) ou tentando completar asfrases que não perceberam onde vãoacabar.O modelo mais honesto seria o depalestra, como no tempo de VitorinoNemésio, ou, mais recentemente, asolução do Ponto Contraponto deJosé Pacheco Pereira, mas o facto éque perdem vivacidade, mesmo que,no segundo caso, se note um esforçopara fugir a um programa de rádio

na televisão.JJ - Apenas um reduzido

número dejornalistas exerce

a função decomentador.Comointerpretaestasituação?OM - Sehá um

númeroreduzido

de jornalistascomentadores,

esse número éexcessivo. Os jornalistasdevem ser analistas.Quando sãocomentadores, não sãojornalistas, são autores,pessoas influentes. É outra coisa edeve ficar clara a distinção.JJ - Fazendo uma avaliação doconjunto de comentadores e decomentários que, neste domínio,circulam no espaço mediático,entende que existe entre nós umverdadeiro pluralismo de opiniões?OM - O verdadeiro pluralismo deopiniões deveria favorecer adiscriminação positiva daqueles quetêm menos acesso a que as suasopiniões sejam conhecidas.O pluralismo nada tem a ver com aproporcionalidade eleitoral dasideias dominantes: estamos a falarde informação, não de propaganda.Estamos a falar do cão a morder avelha, não de um coro de velhas aatenazar-nos os ouvidos com alenga-lenga do pensamentomainstream.

>>>CURTAS E DIRECTAS

JJ

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A situação da imprensa na Madeira“A imprensa ou é instrumentalizada pelo líder do Governo Regional ou então é vítima deviolência doméstica e dos mau tratos infligidos pelo jardinismo (…) Jardim ri-se pois põeem causa de forma grave o pluralismo, incita a prática de dumping, distorce as regras domercado e nada lhe acontece.”

JJ - Qual o panorama actual daimprensa escrita na Madeira?RO - Em termos editoriais, apesar dainstabilidade crescente, hádiversidade de conteúdos. Unsfacciosos, outros tóxicos, algunshumorísticos, mas também muitossérios e rigorosos.No caso do DIÁRIO de Notícias daMadeira, o único matutino que sevende em banca, o jornalismo faz-secom gosto, de forma livre eindependente, próxima daqueles queservimos e numa dinâmicamultimédia. Lutamos pela verdade,marcamos a agenda, resolvemosproblemas, promovemos debates,dinamizamos eventos, cumprimoscom o estatuto editorial que nosmanda defender os interesses dosmadeirenses. Não nos faltam notícias,nem vontade de partilhar os velhosdramas e os novos protagonistas. Oproblema é de outra ordem.Nos últimos anos, crescemos comonunca em audiências, mantivemospúblicos, mas perdemos receitaspublicitárias. Tudo por causa daconcorrência selvagem patrocinadapelo governo regional.Temos 80 funcionários, 35 dos quaisjornalistas, uma tiragem média de 12mil exemplares/dia, quase 7 milassinaturas/ano e uma audiênciaestimada de 120 mil leitores. Nodigital, os últimos númerosconfirmam que aumentou o tempo depermanência no site, que oscomentários atingiram dimensãonunca vista, e que em Março desteano, segundo o Netscope da Marktest,registamos um crescimento devisitante únicos, que são cerca de 650mil por mês e de visualizações, a

rondar os 3 milhões. Temos sonhos, mas se nada for feitopara acabar com a desregulação domercado, não passarão disso mesmo.De modo geral e em termosempresariais, o panorama é alarmantee nada recomendável porque aimprensa ou é instrumentalizada pelolíder do Governo Regional ou então évítima de violência doméstica e dosmau tratos infligidos pelo mesmojardinismo, atrocidadeslamentavelmente toleradas por todosquantos em Portugal vão ficar para ahistória como cúmplices do crimeorganizado, do banditismo semescrúpulos e da violação daConstituição!JJ - Qual é a política e que tipo deintervenção tem o Governo Regionalna situação actual?RO - Como se não bastasse aexiguidade do mercado regional, acrise instalada e os tiques nefastos deum poder que dedica demasiadotempo ao ócio, não há continuidadeterritorial na observância das leis e naigualdade nos apoios. Alberto João Jardim interfereabusivamente no sector. Espatifaonze mil euros por diano Jornal da Madeira,um meio capturado queusa como brinquedo,onde escreve, dá ordense faz propaganda e quedepois é distribuído àborla para dar cabo da concorrênciaincómoda. E Jardim ri-se pois põe emcausa de forma grave o pluralismo,incita a prática de dumping, distorceas regras do mercado e nada lheacontece. É uma intervenção nociva, já que usa

dinheiros públicos em benefíciopróprio, para branquear infracções eaté para ajustar contas com os seus.É uma intervenção que atenta contraa Constituição. O número 4 do artigo38.º da lei fundamental, relativo àliberdade de imprensa e meios decomunicação social, é peremptório:“O Estado assegura a liberdade e aindependência dos órgãos decomunicação social perante o poderpolítico e o poder económico,impondo o princípio da especialidadedas empresas titulares de órgãos deinformação geral, tratando-as eapoiando-as de forma nãodiscriminatória e impedindo a suaconcentração, designadamenteatravés de participações múltiplas oucruzadas”.É uma intervenção que ofende quemsofre com a austeridade, que humilhaa iniciativa privada e que envergonhaquem não pactua com airresponsabilidade. Apetece perguntarque raio de País é este que por umlado asfixia quem produz, mas poroutro não tem mão naquele quedesterra 5 milhões de euros por anoem propaganda de um homem só, emcampanha partidária e emmanipulação da opinião publica?Que espécie de Estado é este que temum conselheiro que ataca empresáriosde comunicação social, que insultajornalistas e que boicota a liberdadede imprensa?Que espécie de Estado é este quetudo permite a um governo que émau gestor, despesista, que ocultadívidas e fomenta o desemprego e asinsolvências?JJ - Relativamente à acção doGoverno Regional neste domínio,

>>>CURTAS E DIRECTAS

RICARDO OLIVEIRADIRECTOR DO DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA

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referiu-serecentemente a“patifariasmedonhas semparalelo no mundocivilizado”. Querconcretizar?RO - O jornal que dirijo tem sidoalvo de boicotes institucionais àliberdade de informação, de ameaçasde expropriação e de um sem númerode intimidações. O expediente usadopor Jardim consiste em anúnciosregulares de queixas crime contrajornalistas, algumas das quaismotivadas por artigos de opinião, norecurso sistemático a alegadosdesmentidos e a escritos insultuososcontra os nossos profissionais, nocorte de assinaturas, na proibição decolaborações de social-democratas, emordens públicas dadas aosempresários para que cessem de fazerpublicidade e até nos incitamentos àjustiça popular.Mas a maior patifaria é constatar queo desgovernado Jardim esbanjou 51milhões de euros no JM nos últimos20 anos, sem conseguir dar-lhe futuro,nem dignidade. Desesperado, em2008, triplicou a sua tiragem para 15mil exemplares, número que na alturaera próximo do DIÁRIO e passou aoferecê-lo! Há dias em que éespalhado com 18 fotografias deJardim, notícias não assinadasprovavelmente feitas nas manhãspouco trabalhosas da quinta que tudovigia, tal como cartoons de muito maugosto e artigos de opinião, todos deautoria de gente afecta ao PSD, deataque a tudo o que não é de agradodo chefe.JJ - Em que medida se pode falar daexistência de pluralismo na imprensamadeirense?RO - Pelos motivos já expostos, é umpluralismo em risco. E não devia ser.Diversas deliberações erecomendações de entidades como aERC e a AdC, a que se junta orelatório da Comissão de Ética daAssembleia da República, não deixamdúvidas quanto à ilegalidade reinante

na Região,instando o

executivoliderado por

Alberto João Jardima respeitar “a liberdade

de expressão einformação” e a adoptar medidas

imediatas para suprir “os efeitosnefastos da sua actuação no subsectorda imprensa diária da Região”.Só que mesmo sabendo que “está apôr em risco objectivo e grave apreservação de um quadro pluralistano subsector da imprensa diária” naMadeira e que deve observar “práticasnão discriminatórias na distribuição,pelos diferentes órgãos decomunicação social, do investimentopublicitário oriundo da Região”, oGoverno ignora todas asrecomendações e a ordem para a“reposição da legalidade”.JJ - Que medidas preconiza para anormalização da situação?RO - Que quem tem poder neste Paísdeixe ter medo de enfrentar aqueleque sobreviveu politicamente graçasao recurso à chantagem e à ameaça eque muitos evitaram até hoje pôr naordem porque detestam comprarchatices. Que é feito do pacotelegislativo com mais de vintediplomas, para acabar com o exotismodo sector?Em termos regionais, a solução ésimples: ou cessam os suprimentos aoJornal da Madeira para que este seliberte do poder, faça jornalismo edispute o mercado em igualdade decircunstâncias com todos os outros ouhá a distribuição equitativa dos apoiospúblicos aos meios existentes, comregras bem definidas, como se faz nosAçores. Como nenhuma das opçõesvingará enquanto Jardim forpresidente, resta exigir umaintervenção urgente a outro nível.Fez em Abril três anos que PedroPassos Coelho, na altura candidato aprimeiro-ministro, declarou: “[OEstado não deve estar nos negócios daComunicação Social porque se estiver]coloca-se na posição de árbitro e

jogador ao mesmo tempo e ninguémacredita que um árbitro que sejajogador e árbitro aos mesmo temposeja justo e imparcial.” Três anos depois, na Madeira o Estadonão só é árbitro e jogador, como tudofaz por jogar sozinho, custe o quecustar. Tudo pago pelos contribuintes,os mesmos que agora estão privadosde um sem número de cuidados,serviços e até bens essenciais, mas aquem é dado como esmola ideológicaum panfleto. Tudo sem intervençãoda soberania.É elementar que o País se mobilizepor uma grande causa, a de acabarcom uma excepção vergonhosa.Estamos perante uma ofensiva semprecedentes e escrúpulos a um dospilares essenciais da democracia.Não sei se vale a pena, mas voltamosa apelar ao Presidente da Repúblicaque, pelo menos, desempenhe deforma esclarecida e coerente asfunções que lhe são confiadas,nomeadamente a de “defender,cumprir e fazer cumprir aConstituição da RepúblicaPortuguesa”. E na Madeira, quetambém é Portugal, aConstituição não écumprida em matéria deliberdade de imprensa,de pluralismoinformativo e deconcorrência no sector dacomunicação socialescrita.De um Presidente o povo espera“oportunidades políticas deextraordinário alcance para mobilizaro País e os cidadãos” e não oscalculismos que pagam favores, atolerância estratégica que evitaincómodos ou o fingimento usadopara suavizar desconsiderações. OPresidente da República não deviafingir que uma obra do sucessodesculpa todos os abusos, as atitudespersecutórias, as ameaças gratuitas edemais atrocidades cometidas contraaqueles que teimam em bater o pé àmáxima folclórica regional do ‘deixapassar esta linda brincadeira’. JJ

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Criado grupo de estudos de rádio e som“Há mais investigadores interessados no estudo da rádio. No entanto, essa produçãoresulta, sobretudo, de trabalhos realizados a um nível pessoal e menos comoconsequência de processos coletivos e institucionais.”

JJ - Como e porquê nasceu a ideiade criar este grupo deinvestigadores de estudos de rádio?LB - Nasceu da consciência de todosnós que temos estudado o meiorádio nos últimos anos de que nãoestaríamos sozinhos neste interesse.E assim se confirmou. Por outro lado, e apesar de aindareduzida, a produção científica sobrerádio em Portugal tem vindo aaumentar nos últimos anos, com adefesa de teses de doutoramento ecom a publicação de alguns livros.Significa, por isso, que há maisinvestigadores interessados noestudo da rádio. No entanto, essaprodução resulta, sobretudo, detrabalhos realizados a um nívelpessoal e menos como consequênciade processos coletivos einstitucionais. Julgamos que seriaimportante reunir todos essesinvestigadores no sentido deperceber as possibilidades derealização de projetos conjuntos.Ou seja, percebemos que há umconjunto alargado de professores,investigadores, alunos dedoutoramento e de mestrado queestão ou estiveram de alguma formaa desenvolver projetos na área dosestudos da rádio. A fase seguinte passou por reunirtodos esses contatos o que culminoucom a realização de um encontro emLisboa, em fevereiro, que serviuessencialmente para nosconhecermos pessoalmente e criar oGrupo de Estudos de Rádio e Som.JJ - Quem faz parte deste grupo

inicial e quais as perspectivas dealargamento que têm em vista? LB - Nesta fase inicial do grupo detrabalho já somos 26elementos entredoutorados com teses naárea da rádio,professores de rádio,investigadoresenvolvidos em projetosna área da rádio etambém algunsmestrandos. O grupo éconstituído por investigadores devários centros de investigação –Lisboa, Porto, Braga – e deuniversidades e politécnicos devários pontos do país. Do grupofazem parte investigadores cujotrabalho académico se temcentralizado no estudo da rádio emPortugal, como são os casos dosprofessores Rogério Santos, NelsonRibeiro, Madalena Oliveira, IsabelReis, Paula Cordeiro, Sílvio Santos,entre muitos outros. Também éinteressante verificar as formaçõesde origem dos investigadores quevão desde as ciências dacomunicação até à história, passandopela antropologia e pela sociologia,por exemplo. Esta diversidade abreuma pluralidade de perspetivas deinvestigação, o que é muito positivo. O Grupo de Estudos de Rádio e Somestá permanentemente aberto àintegração de novos membros,situação que é totalmente desejávelque aconteça. Para facilitar essecontacto já está online um site dogrupo

(http://estudosderadioesom.wordpress.com) e foi criado um grupo noFacebook e no Google para quetodos possamos partilhar as nossasexperiências e divulgar as maisvariadas informações sobre ainvestigação de rádio em Portugal.JJ - Está prevista a ligação ouparticipação de profissionais darádio?LB - O grupo integra já algunsprofissionais da rádio, na medida emque alguns dos que desenvolvematualmente trabalho de investigaçãona área da rádio são, em simultâneo,profissionais do meio. De qualquerforma, pretende-se também estreitarrelações com o meio profissional.Prova disso foi o primeiro encontroque realizámos – e que teve porobjetivo lançar o grupo – para o qualconvidámos o Adelino Gomes, queembora de momento não esteja emexercício profissional na rádio, temum longo percurso e experiência queinteressava conhecer.A presença deprofissionais da rádiono grupo, seja pela viada sua integração ouatravés do convite paradiscussão em reuniões, éalgo que privilegiamosna medida em que nos permiteestreitar uma relação efetiva com aspráticas profissionais e com asdinâmicas da atividade em Portugal.Desta relação sairão certamenteoportunidades de investigação.JJ - Pretendem funcionar como“uma rede de Estudos de Rádio”. O

>>>CURTAS E DIRECTAS

LUÍS BONIXEPROFESSOR E INVESTIGADOR

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que é queisto vaisignificar, naprática? Equais osobjectivos quepretendem alcançar,a curto e longo prazo?LB - O que significa é que cadaum de nós poderá, a partir de agora,trocar experiências, projetos einformações da mais variada ordem.Será muito útil pois contribuirá paraauxiliar todos os que pretendem oujá estão a estudar a rádioportuguesa. Umas das principaisdificuldades sentidas há alguns anospor quem estudava o meioradiofónico português tinha a vercom a falta de referências. Istoresultava sobretudo da escassez detrabalhos e artigos publicados sobrea rádio em Portugal, ou então devidoao facto de esses trabalhos estaremdispersos por vários sítios e de nãohaver uma interligação entre eles.Um dos objetivos do Grupo deEstudos de Rádio Som agora criadoé o de criar um espaço onde essainformação esteja disponível paratodos os que por ela se interessem. JJ - No vosso plano de trabalhos estáprevista a realização de iniciativas –encontros, publicação de livros,etc.? LB - A realização de um encontro emsetembro deste ano foi uma dasatividades propostas na primeirareunião do grupo. Um encontro queserá encarado por todos nós comouma espécie de símbolo deste grupo.

Para além dasvárias temáticasque ali serão

abordadas,marcará o

arranque em termosoperacionais deste

grupo. Por outro lado, um outro objetivo,

entretanto já atingido, foi a criaçãopela primeira vez de uma secçãotemática sobre Rádio e MeiosSonoros na história da Sopcom querecolherá comunicações de váriosinvestigadores. Na sequência desteprimeiro passo, pretendemos criarum grupo formal no seio da Sopcom,bastando para tal reunir o númerosuficiente de investigadores.O Grupo de Estudos de Rádio e

Som tem ainda a intenção dedinamizar a publicação de livros ouorganização de números temáticosem revistas científicas. Por outrolado, a dinamização em Portugal doDia Mundial da Rádio, que seassinala em fevereiro, é outro dospropósitos do grupo. JJ - Projectam algum tipo decooperação internacional?LB - Claro. É intenção deste grupoestabelecer contactos com outrosgrupos semelhantes no Brasil, emEspanha e noutros países europeus.A cooperação internacional nestedomínio será verdadeiramenteimportante pois permitir-nos-á atroca de experiências e praticas cominvestigadores e estruturassemelhantes a esta mas jáperfeitamente consolidadas. JJ

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OS JORNALISTASE A INTERNETComo os profissionaisavaliam o impactoda rede no jornalismo

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A ascensão da Internet como inovaçãotecnológica tem influenciado o jornalismo avários níveis e provocou mudançassignificativas na profissão. Mas qual é apercepção que os jornalistas têm destastransformações? As mudanças melhoraram ouprejudicaram a qualidade do jornalismo?

Texto Helder Bastos, Helena Lima, Nuno Moutinho, Isabel Reis

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Para respondermos a estas perguntas, inquiri-mos uma centena de profissionais que tra-balham nos principais jornais, rádios e tele-visões generalistas do país. A opinião geral éa de que, apesar de a Internet ter uma

influência positiva sobre o jornalismo, sobretudo comoferramenta prática e útil no dia-a-dia, tem um impactolimitado sobre questões de fundo, como os papéis tradi-cionais que os jornalistas desempenham numa sociedadedemocrática.

IntroduçãoA Internet tem desempenhado um papel importante nastransformações recentes no campo do jornalismo. A suaexpansão como inovação tecnológica influenciou a profis-são a diversos níveis, provocando transformações no fluxodas notícias, no quotidiano dos jornalistas e na responsa-bilidade profissional. A natureza híbrida da Internet tam-bém teve implicações na produção e consumo da informa-ção jornalística, quer devido ao surgimento de novos for-matos, quer à redefinição dos procedimentos de recolha eedição de material informativo.

Para alguns autores, a Internet teve mesmo um impacto«revolucionário» no jornalismo. Mudou o papel de interme-diário do jornalista e passou a oferecer uma ampla gama denovas tecnologias que facilitam a distribuição de conteúdos,criando assim a sua própria forma de jornalismo. Os novosmédia tornaram mais eficiente a recolha e a produção denotícias, aumentaram a criatividade dos produtores e incen-tivaram novas maneiras de concretizar antigas tarefas.

Segundo Mark Deuze, a Internet está a mudar a profis-são do jornalismo de pelo menos três maneiras: tem opotencial para tornar mais ou menos supérfluo o papeldos jornalistas como força essencial intermediária nademocracia; oferece aos profissionais dos média um vastoconjunto de recursos e possibilidades tecnológicas com asquais trabalhar; e criou o seu próprio tipo de jornalismona Net, o jornalismo digital ou online. Em Portugal, ciber-jornalismo é o termo mais usado entre os académicos e osprofissionais. Deuze também refere que as publicaçõesacadémicas e as profissionais relacionadas com jornalismoe os jornalistas têm mais ou menos aceitado o discurso daInternet como player principal na redefinição dos jornalis-mos “tradicionais”. Um exemplo concreto do impacto darede é a tendência crescente entre os jornalistas para usá-la para pesquisas, entrevistas e ideias para estórias.

Há, portanto, evidências de que a Internet trouxemudanças significativas para as práticas do jornalismo.Pelo lado positivo, é considerada uma fonte de novasoportunidades para os jornalistas. Oferece a possibilidadede melhorar o seu trabalho e permite uma interactividademais rápida e mais ampla com os leitores. De uma pers-pectiva mais pessimista, introduziu uma nova geração deprofissionais dedicados a preparar edições online, muitasvezes jovens e mal pagos. Com deadlines apertados, ten-dem a concentrar o trabalho em tarefas de copiar e colarem vez de escreverem artigos próprios. A maior parte dotrabalho é feita à secretária da redacção.

Em termos de identidade profissional, os jornalistasreagiram com ambivalência à Internet. Vários estudosinternacionais concluem que aqueles revelam atitudesdefensivas e preferências pelas concepções tradicionais

TEMA Os jornal istas e a Internet

Para os jornalistas dos jornais,a Internet é muito útil sobretudocomo meio para acedera informação de contexto parainvestigação, a documentos governamentais e empresariaise a informações de serviço

São métodos mais tradicionaisde recolha offline que continuama ser os mais valorizados:conversação cara a carae conversação telefónica

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dos seus papéis. Além disso, ainda consideram muitoimportantes as suas funções tradicionais de interpretação,investigação e disseminação. Assim, apesar de as práticasterem mudado, continuam a entender como crucial paraa sua profissão a investigação relativa a decisões governa-mentais, a análise de questões complexas, bem como acapacidade para dar notícias relevantes e verificadas omais rapidamente possível. A Internet também abriu umnovo capítulo nas relações entre publishers e jornalistas noque respeita à identidade profissional: uma história desalários modestos, de empregos precários e de extremaflexibilidade.

A ética jornalística também parece estar a mudar, e osrecém-chegados à profissão parecem ser capazes de semisturar valores normativos novos e tradicionais. Hoje,todos enfrentam novos e complexos dilemas éticos nocontexto do sector dos média, marcado por estratégias deredução de custos, que transformaram os jornalistas emangariadores de exclusivos noticiosos a qualquer preço. Acriação de conteúdo da indústria global das notícias ocor -re, pois, em condições cada vez mais precárias, à medidaque cresce a dependência de takes das agências de infor-mação e se espera que os jornalistas produzam mais commenos tempo, menos recursos e menos colegas.

Note-se ainda que vários estudos têm mostrado que osjornalistas concedem grande poder às novas tecnologias.Na sua perspectiva, muitas, se não a maioria, das mudan-ças que estão a ocorrer no jornalismo contemporâneo sãoessencialmente determinadas pela tecnologia. De acordocom alguns autores, existem pelo menos duas razões paraa persistência do determinismo tecnológico como factorexplicativo dos jornalistas em relação ao seu próprio tra-

balho: a tecnologia, em primeiro lugar, é uma parte alta-mente integrada e, portanto, muito tangível do quotidia-no de trabalho dos jornalistas e, em segundo lugar, o para-digma tecnológico como explicação para as mudanças nojornalismo tem profundas raízes históricas.

Apesar das perspectivas fornecidas pela abordageminicial do determinismo tecnológico, trabalhos posterioresque tratam da relação entre jornalismo e a tecnologiarejeitaram em geral o determinismo tecnológico a favor deexplicações mais matizadas.

As questões principaisO objectivo deste estudo foi o de avaliar a forma comoos jornalistas portugueses que trabalham nos média tra-dicionais (imprensa, rádio e televisão) avaliam asmudanças, ou potenciais mudanças, provocadas pelaInternet nas práticas, funções e ética da profissão. Ainvestigação, cujos resultados foram apresentados noIII Congresso Internacional de Ciberjornalismo, quedecorreu, em Dezembro passado, na Universidade doPorto, foi feita através de um inquérito a 103 jornalistas,distribuídos da seguinte forma: 40 jornalistas dos qua-tro principais jornais diários portugueses (Correio daManhã, Jornal de Notícias, Público e Diário de Notícias); 30jornalistas das quatro principais estações de rádio noti-ciosas portuguesas (RDP, TSF, Rádio Renascença eRádio Clube Português, que encerrou pouco tempodepois da realização do inquérito); e 33 jornalistas dastrês principais estações de televisão portuguesas (RTP,TVI e SIC).

Se deixassem de usara Internet, a perda de rapidezno processo de recolhade informação seria o efeitomais negativo, seguidoda possibilidade de acedera arquivos digitaise de publicar “em directo”notícias relevantes

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Em termos metodológicos, seguiu de perto uma inves-tigação, feita à escala europeia, envolvendo duas centenasde jornalistas de 11 países (Portugal não foi incluído), cujoobjectivo era avaliar a influência da Internet no jornalis-mo europeu (Fortunati et al., “The Influence of theInternet on European Journalism”), publicado em 2009.

As principais perguntas de investigação que nortearameste trabalho foram as seguintes: de que forma os jornalis-tas portugueses encaram as características e inovaçõesassociadas à Internet? Quais são as principais mudançasque ocorreram, ou podem ocorrer, nos diversos camposda profissão no seguimento do advento da Internet? Naopinião dos jornalistas, estas mudanças melhoram ou pre-judicam os standards do jornalismo? Consideram que aqualidade do jornalismo aumentou ou diminuiu?

Estas perguntas são herdadas de um debate maisamplo, levado a cabo na última década, à volta do enten-dimento do que está a acontecer no mundo jornalísticono contexto da Internet. Estes temas têm sido investiga-dos em vários países, com recurso a metodologias dife-rentes.

A percepção dos jornalistasEm primeiro lugar, importava saber se os jornalistas por-tugueses consideram a Internet uma fonte de novas opor-tunidades para a melhoria do seu trabalho. A resposta foipraticamente unânime. Jornalistas de imprensa, rádio etelevisão consideram que, em termos gerais, a rede teve, etem, uma influência positiva sobre o jornalismo.

Para os jornalistas dos jornais, a Internet é muito útil

sobretudo como meio para aceder a informação de contex-to para investigação, a documentos governamentais eempresariais e a informações de serviço. Quando se tratade recolher informação online, verifica-se que valorizamsobretudo o correio electrónico pessoal, os motores debusca e os sites informativos. No entanto, são métodos maistradicionais de recolha offline que continuam a ser os maisvalorizados: conversação cara a cara e conversação telefóni-ca. O recurso a ferramentas mais específicas, tais como RSS,chat e mensagens instantâneas, grupos de discussão e blo-gues é, pelo contrário, pouco valorizado neste processo.

A rede é também tida como um bom recurso quando setrata de actualizar informação. Ainda que útil, a rede temmenos relevância nos trabalhos relacionados com acessoàs fontes de informação, verificação de factos e recepçãode notas de imprensa. Se deixassem de usar a Internet, aperda de rapidez no processo de recolha de informaçãoseria o efeito mais negativo, seguido da possibilidade deaceder a arquivos digitais e de publicar “em directo” notí-cias relevantes. Quando questionados sobre quão signifi-cativos são determinados elementos para o futuro dos jor-nais diários, os respondentes colocam à cabeça a Internete os dispositivos móveis. Ao mesmo tempo, atribuempouca importância aos jornais gratuitos.

Para os jornalistas de rádio, o impacto da velocidadetrazido pela Internet parece ser menos relevante. De facto,os jornalistas da imprensa atribuem maior importância aeste factor. Donde, a percepção da influência da rede naaceleração do trabalho jornalístico é mais aguda nasredacções dos jornais. Os jornalistas de rádio considerama Internet muito útil, sobretudo, como ferramenta para semanterem actualizados em relação às últimas notícias,

TEMA Os jornal istas e a Internet

Consideram que se verificouuma certa diminuição do rigorda notícia, sobretudo devidoà instantaneidade,e um afunilamento da agendainformativa como consequênciada convergência dos média

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para terem acesso a documentos governamentais nacio-nais e para encontrarem material de apoio à investigação.Têm uma percepção geral positiva da Internet nas suaspráticas quotidianas, em especial quando se trata de pes-quisa na Web de últimas notícias e de informações contex-tuais. No entanto, parecem ter ainda em grande contarotinas jornalísticas tradicionais, como a abordagem dasfontes face a face ou por telefone. Também acham que aInternet abriu novas possibilidades às emissoras e defen-dem que a notícia deve ser publicada online o mais rapida-mente possível, independentemente dos horários dasestações de rádio tradicionais.

Por outro lado, discordam totalmente da afirmaçãosegundo a qual os sites de rádio constituem um empecilhoàs estações de rádio tradicionais. Quando inquiridos sobrese o jornalismo cidadão e os blogues podem ser conside-rados jornalismo, a maioria considera que não. Alémdisso, o jornalismo “faça você mesmo” não é percebidocomo sendo uma possível ameaça ao jornalismo de rádio.

Apesar de, quanto aos métodos de recolha de informa-ção, valorizarem muito a conversação cara a cara e portelefone com as fontes, os jornalistas de televisão conside-ram importante a utilização de motores de busca na Web,a consulta de sites de informação e sites de fontes e ocorreio electrónico. Consideram a rede útil, acima detudo, para obter informação de contexto para trabalhos deinvestigação e aceder a documentos governamentais.

Se deixassem de usar a Internet, a diminuição da velo-cidade no processo de recolha de informação seria o efei-to mais negativo. Também teria um efeito muito negativona emissão em directo de notícias relevantes, na poupan-ça de custos, no acesso a arquivos digitais e na procura de

temas informativos. Em todos os itens sobre as conse-quências da não utilização da Internet, os resultados mos-tram que, em geral, o efeito sobre o trabalho jornalísticoseria negativo ou muito negativo. De acordo com os res-pondentes, o impacto seria menos negativo em questõesrelacionadas com o desenvolvimento de projectos de jor-nalismo de investigação, na conexão com outros jornalis-tas, na descoberta de fontes de informação ou na obtençãode ideias para notícias.

Procurámos também saber se os jornalistas portugue-ses consideram positivas as mudanças provocadas pelaInternet no seu perfil tradicional, em especial nas suasfunções de gatekeeping, investigação e disseminação. Denovo, foi possível confirmar que consideram muito positi-vas as mudanças.

Em geral, atribuem grande importância à influência daInternet em várias funções profissionais: obter notícias omais rapidamente possível, chegar a um público o maisalargado possível, assinalar novas tendências e ideias emanter contacto com a audiência. No entanto, funçõesmais tradicionais atribuídas aos jornalistas, tais comoserem “cães de guarda” da democracia, fornecedores deanálises aprofundadas e de informação credível ou porta-vozes de grupos da sociedade, são vistas como sendomenos influenciadas de forma significativa pela Internet.

O mesmo se aplica a outros dois elementos fundamen-tais: a capacidade de influenciar a agenda política e a deinfluenciar a opinião pública. Ainda menos importância édada à Internet no contexto da oferta de entretenimentoou criação de um ambiente favorável para os anunciantes.

No que diz respeito à investigação, concordam com aproposição segundo a qual há informação disponível onli-

A rede é vista como umaoptimizadora de rotinasjornalísticas que potenciaa melhoria do desempenho comunicativo dos profissionais. Mas também como tendo uma influência limitada sobreo papel político do jornalismono contexto de uma sociedade democrática

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ne que não poderia ser encontrada de outra forma. Aomesmo tempo, a rede permite-lhes usar uma grandevariedade de fontes. Mas os inquiridos também afirmamque se a deixassem de usar, o impacto sobre o desenvolvi-mento de projectos de investigação jornalística não seriamuito negativo. Por outro lado, consideram a Internetcomo uma ferramenta que contribui para um jornalismomais sedentário, ou “de secretária”.

Em termos de questões mais relacionadas com a éticaprofissional, foi possível constatar que, no geral, os jorna-listas não encaram a Internet como uma ameaça à ética ouà qualidade do jornalismo. Sublinham antes as conse-quências positivas da rede, tais como o acesso a umamaior variedade de fontes e uma melhoria na capacidadede verificar a informação.

Por outro lado, identificam efeitos negativos, como amaior dificuldade em diferenciar informações falsas ouinexactas. Tal como os jornalistas europeus inquiridos porFortunati et al., os jornalistas portugueses consideram quese verificou uma certa diminuição do rigor da notícia,sobretudo devido à instantaneidade, e um afunilamentoda agenda informativa como consequência da convergên-cia dos média.

Conclusões Os resultados deste estudo permitem concluir que as per-cepções dos jornalistas portugueses sobre a influência daInternet no jornalismo são idênticas às dos jornalistaseuropeus inquiridos por Fortunati et al.. Em Portugal, tam-bém foi possível identificar duas percepções ambivalentes.

Por um lado, os jornalistas avaliam positivamente oimpacto da Internet nas principais práticas da profissão. Arede é vista como uma optimizadora de rotinas jornalísti-cas que potencia a melhoria do desempenho comunicati-vo dos profissionais. Por outro lado, é percebida comotendo uma influência limitada sobre o papel político dojornalismo no contexto de uma sociedade democrática.Isto é, os jornalistas tendem a perceber a Internet sobretu-do como uma ferramenta útil que atende às necessidadese objectivos práticos – velocidade, difusão, recolha deinformações, interacção – e não tanto como um instru-mento que reforça os papéis tradicionais de jornalismo,tais como vigiar os poderes instituídos, influenciar aagenda política e a opinião pública, ou fornecer análise einterpretação da actualidade.

A Internet também não é encarada como sendo umaameaça para a ética ou a qualidade do jornalismo. Numaquase total coincidência com as percepções dos jornalis-tas europeus inquiridos por Fortunati et al., sublinham asconsequências positivas da Internet, tais como o acesso auma maior variedade de fontes e uma melhoria na capa-cidade de proceder ao cruzamento da informação. Noentanto, identificam efeitos negativos, como a maior difi-culdade de distinguir conteúdos credíveis online.Também não consideram que a Internet seja um simplesmeio orientado para os negócios ou uma mera platafor-ma para os anunciantes.

A avaliação dos profissionais sobre o impacto do ciber-jornalismo também é, no geral, positiva. A Internet abriunovas possibilidades jornalísticas aos média tradicionais eo recurso ao multimédia é considerado uma nova formaimportante para apresentar as notícias online.

TEMA Os jornal istas e a Internet

A Internet não é encaradacomo sendo uma ameaçapara a ética ou a qualidade do jornalismo

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DIANA ANDRINGA À JJ “O jornalismo é, em si

ENTREVISTA

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si, um serviço público”

Cativada pelo jornalismoquando estudava Medicina,no início dos anos 60, DianaAndringa não concebe aprofissão dissociada dasnoções de serviço público eresponsabilidade social.Confiante na sobrevivênciada televisão enquantomedia, sustenta que a RTPdeve adaptar-se a umespectador que, em Portugalcomo na diáspora, tem hojeexigências muito diferentesdas do público de outrora.

Texto Helena de Sousa Freitas Fotos Luís Humberto Teixeira

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Jornalismo & Jornalistas - Em 1964, era estudante de

Medicina; quatro anos depois, em 1968, concluía o 1º Curso

de Jornalismo do Sindicato dos Jornalistas. Foi a passagem

pelo Boletim, da Comissão Pró-Associação da Faculdade de

Medicina de Lisboa, e pelo Solidariedade Estudantil, da

Reunião Inter-Associações das Universidades de Lisboa,

que a "desencaminhou"?

Diana Andringa - Não tenho dúvidas de que foi. Eu esco -lhi Medicina com base numa coisa: ser útil aos outros.Ora, sendo de África e conhecendo as doenças endémicas,a maior utilidade, para mim, era, de facto, a medicina.Mas, quando cheguei à Faculdade de Medicina, váriascoisas me fizeram mudar de opinião.

A primeira tem muito a ver com o Boletim - eu entreina faculdade em Outubro de 1964 e fui imediatamentepara a Pró-Associação, onde fiz vários amigos, uns doPartido Comunista, outros de outras forças políticas. Nodia 21 de Janeiro de 1965, a PIDE prendeu cerca de 50estudantes, alguns mais novos do que eu, que tinha 17anos. Pessoas que eu conhecia, excelentes pessoas, quegostavam do que faziam e se interessavam por direitoshumanos e associativos. Então pensei: "O que é que euvou fazer que possa ser útil?" Como escrevia razoavel-mente bem, decidi fazer um boletim e denunciar a situ-ação, convicta de que, se as pessoas soubessem do que sepassava, reagiriam. Era muito inocente politicamente, jáse vê. E escrever, ir para uma tipografia e conviver com ostipógrafos - que tinham uma ligação ao mundo muitointeressante e uma maneira de pensar próxima da dos jor-nalistas - criou-me o vício.

A segunda coisa aconteceu quando, no primeiro ano,chumbei a Anatomia. Já que ia repetir a cadeira, penseique podia ajudar nas enfermarias. Aí, encontrei uma cri-ança que tinha a mesma idade e o mesmo nome que omeu sobrinho mais velho, mas era bastantes quilos maisleve. Era uma criança de um bairro da lata que, desde quenascera, era alimentada a sopa de feijão e leite da mãe,que ia tendo gravidezes sucessivas. Por isso não tivera umdesenvolvimento normal, tinha vários problemas e mor-reu. Para mim, fora uma vítima da fome e, num país emque se morria de fome, mais do que ser médica importavadenunciar estes casos.

Por fim, ocorreram as inundações de 1967. Fizemos oSolidariedade Estudantil, semi-legal, que pôde comunicara realidade do sucedido, pois não estava sujeito à censuraprévia. Quando muito, podiam-nos prender.

Assim, criei a noção de que escrever podia ser umaarma, mesmo num país com censura. O facto de, além deter chumbado a Anatomia, desmaiar ao assistir a actosmédicos, reforçou a ideia de que o jornalismo seria umamelhor escolha - e também, como disse, do ponto de vistacívico. Hoje, não tenho a mesma opinião.JJ - Refere-se com alguma frequência à geração de 60, de

que faz parte, e a uma experiência, pessoal e profissional,

muito marcada pela ditadura. Parece-lhe que os mais jovens,

nomeadamente os jovens jornalistas, desconhecem essa

realidade?

DA - Desconhecimento há, sem dúvida. Canso-me deouvir jovens dizerem que no nosso tempo a situação dosjornalistas era melhor. Pois é, talvez fosse mais fácil eseguro ter emprego, mas o Renato Boaventura foi presopor noticiar a morte de Humberto Delgado. Outros foramameaçados por causa do Ballet Rose. Este tipo de denún-cias podia levar à prisão. Foi muito marcante, sobretudoporque nós tínhamos a noção de que devíamos lutar con-tra a censura - neste sentido, havia solidariedade no seioda classe, incluindo das pessoas mais à direita - e haviauma sede de informação, de conhecimento. Por isso, osjornalistas liam a imprensa estrangeira a que conseguiamaceder, todos os livros que podiam, etc. A realidade leva-va-nos a querer ser mais profundos no que escrevíamos,como forma de combater a ditadura. E como tínhamos depassar por uma censura vigilante, havia um grande cuida-do em sermos precisos e aprendíamos a usar metáforaspara o que queríamos dizer e era proibido. Escrever,naquela altura, era uma militância, não apenas umemprego. A nossa actividade cívica e política passava pelojornalismo.

Tenho a sensação de que, hoje, muitas vezes, não sesabe isto. Há a ideia de que os nossos empregos estavammuito mais garantidos, o que não é verdade. Basta ver omeu percurso: entrei para a Vida Mundial em 1968 e em69 saímos numa demissão colectiva de 12 dos 14 jornalis-tas. Desempregada, fui trabalhar como copywriter depublicidade. Meses depois, fui presa pela PIDE. Estive emCaxias 20 meses. Oito dias depois de ter saído, pediemprego no Diário de Lisboa e um dos administradoresdisse-me: "A Diana saiu agora da cadeia, não foi? Elesacabaram de prender um dos nossos jornalistas, entrapara o lugar dele". Mas fui despedida em Maio seguinte,com mais três jornalistas. Estava doente, em casa, quandofui despedida. Penso que tenha sido por ter faltado nosprimeiros dias de Maio. Normalmente, o jornal não saíano 1º de Maio, que era feriado para os tipógrafos. Mas,nesse ano, o DL entrara no offset. Presumo que a minhaausência foi vista como protesto. Depois disso, tive muitadificuldade em regressar ao jornalismo - só voltei em 1976.Portanto, essa ideia de que nós tínhamos segurança, deque ganhávamos bem, de que a nossa vida era fantásticae de que hoje é que se sofre muito não é verdadeira. Ébom que as pessoas o saibam. O mundo não é só feito degarantias. Houve medo em todos os tempos, mas, seacreditamos em algo, temos de arriscar.

Há quem considere o jornalismo um emprego comoqualquer outro. Não vou dizer que é uma missão, mas nãoé só um emprego - é um trabalho que tem de ser encara-do com paixão e que nos torna civicamente responsáveis,até pelas consequências do que publicamos. E perdeu-semuito essa noção... bem como a noção do peso daspalavras. Eu fiquei em estado de choque com a naturaliza-

ENTREVISTA Diana Andringa

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ção da ideia de que o défice aumentou por culpa doTribunal Constitucional. Mas um Governo não tem odever de fazer leis que não sejam inconstitucionais?Portanto, o responsável pelo aumento do défice é oGoverno, que queria aplicar medidas inconstitucionais,não o tribunal que o travou. Mas vários jornalistas dizem"devido ao chumbo do Tribunal Constitucional", semmedir o que as palavras significam. Criou-se uma grandeleveza, nomeadamente entre os jornalistas que aparecemna televisão e que se vão tornando figuras públicas.Passam a achar-se importantes e vão-se desresponsabi-lizando.JJ - A propósito da responsabilidade vs ligeireza no jornalis-

mo televisivo, que lhe parece o facto de, no Dia das Bruxas,

o Rodrigo Guedes de Carvalho ter apresentado o telejornal

com uma máscara de fantasma?

DA - Uma palhaçada indigna da profissão, em que mecusta ver bons jornalistas alinharem. Os jornalistas têmpor função informar, pelo que devem ser credíveis eaceites pela responsabilidade e pelo rigor do que dizem,não por terem graça. Para muitas pessoas, um jornalista éalguém a quem se recorre quando já não se sabe o quemais fazer. Terão a mesma confiança num jornalistadepois de o verem mascarado num telejornal? E oHalloween faz parte da cultura portuguesa ou serve ou -

tros interesses? Alinhar nisso sem pensar, sem pesar asconsequências, porque é engraçado, é, a meu ver, um sinalda tal desresponsabilização.

Na minha geração, quando recebíamos uma notícia,temíamos que ela estivesse "envenenada", porque geral-mente estava. Por isso a desmontávamos, a questionáva-mos. Hoje, até pela velocidade imposta, grande parte dotrabalho jornalístico não tem investigação nem reflexão, émera passagem de recados. Se lá estivesse só uma câmaraou um microfone, o efeito seria mais ou menos o mesmo.

E há também como que uma perda de brio dos jorna -listas. Quem faz análise política nos telejornais? São os jor-nalistas? Não, são os políticos. Mas somos assim tão inca-pazes? Passamos a nós próprios atestados de incapaci-dade. Claro que é arriscado dar opinião. Mas, se não setem opinião, porque é que se vai trabalhar em informaçãoe em jornalismo? Estamos a deixar-nos pôr de lado.Outros fazem entrevistas por nós, outros fazem comen-tário político por nós... E os jornais repetem os comen-tários de Sócrates, Marcelo ou Marques Mendes no diaseguinte a estes terem passado nas televisões, para o casode não termos ouvido bem. Não é isso que se espera dojornalismo. Isso é dar de mão beijada a nossa profissão!Depois dizemos que ela está em risco. Claro! E mais estaráenquanto se proceder assim.

A VELOCIDADE DO ESQUECIMENTO

JJ - Em Abril de 2010, numa entrevista à Visão, disse que

"não se pode perder a memória, porque sem passado é difí-

cil perceber o presente e clarificar o futuro". Concentrados

na actualidade e num momento em que as redacções se

esvaziam, os jornalistas terão tempo e meios para manter

presente esse passado?

DA - Terão muita dificuldade. Mas as redacções foramsendo esvaziadas dos mais velhos porque isso era útil aopoder - eles tinham memória, maior segurança no traba -lho e podiam discutir mais facilmente as opções editoriais.É certo que alguns jornalistas poderiam já não conseguirtrabalhar à velocidade que hoje é exigida, mas a primeiracoisa que contesto é, precisamente, o porquê de tantavelocidade. Vejo os jornalistas baterem-se imenso porinformações que não adiantam nada.

Se alguém é jornalista, presume-se que se interessapelo mundo. E se tem os contactos dos assessores dosministros na sua agenda, também pode lá ter os de jorna -listas mais antigos, capazes de contar algo sobre o passa-do. Ou de historiadores. Como jornalistas, temos aresponsabilidade de respeitar essa memória, nomeada-mente a que a censura, cortando partes da realidade, nãopermitiu que grande parte da população tivesse e tenha.É essa ausência de memória, por exemplo, que facilita aretirada de direitos aos trabalhadores. Conhecendo poucodo passado, muitas pessoas acabam por aceitar a ideia deque merecemos esta crise porque quisemos viver acima

“Canso-me de ouvir jovens dizerem que no nosso tempo a situaçãodos jornalistas era melhor. Pois é,talvez fosse mais fácil e seguro teremprego, mas o Renato Boaventura foi preso por noticiar a mortede Humberto Delgado.”

“Hoje, até pela velocidade imposta, grande parte do trabalho jornalísticonão tem investigação nem reflexão, é mera passagem de recados.Se lá estivesse só uma câmaraou um microfone, o efeito seria mais ou menos o mesmo.”

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das nossas possibilidades. Então, as pessoas não têm dire-ito a água potável, a serviços de saneamento, ao SistemaNacional de Saúde, a ver os filhos licenciarem-se? Oshomens e mulheres que começaram a trabalhar aos 10anos de idade, que fizeram uma guerra (mesmo injusta econtra os ventos da história) não têm direito a uma refor-ma digna?JJ - Tal como Adelino Gomes, Mário Figueiredo e outros

decanos do jornalismo, é uma acérrima defensora do servi-

ço público. É uma atitude geracional ou algo que devia

correr no sangue de todos os jornalistas, mesmo dos que

trabalham no sector privado?

DA - Devia correr no sangue de todos os jornalistas,porque o jornalismo é, em si, um serviço público.

Parece natural que as empresas privadas tenham maiorpreocupação com a não despesa e o lucro do que o serviçopúblico, e os jornalistas, por o compreenderem, sentem-seaí mais constrangidos a ceder ao entretenimento e a cons -truir narrativas sedutoras, para obter maiores tiragens eaudiências. Já vi jornalistas que passaram pela RTP eforam para outras televisões aceitarem, nas privadas,coisas que nunca aceitariam na RTP. Mas, na RTP, discor-davam porque era nosso, de todos, enquanto nos priva-dos há sempre um patrão e o prejuízo da empresa podeconduzir ao encerramento do órgão. Ao contrário do que

as pessoas pensam, o controlo económico pode ser maispesado do que o político. Ainda assim, a nós, jornalistas,cabe-nos fazer o melhor possível: escrever melhor, inves-tigar melhor, ter maior criatividade, fazer um jornal que seleia como um bom romance. É esse o desafio. E essedesafio é muito mais fácil de cumprir no público do queno privado.

Muita gente da minha geração defende o serviço públi-co, aquele a que toda a população tem direito e que, porobrigação legal, tem de ser pluralista, veicular informaçãocorrecta, defender a língua portuguesa, etc. Mas não sei seé apenas uma questão geracional, se também não é políti-ca e cívica... Sou contra a privatização da água, da electri-cidade, dos hospitais... Acho os serviços públicos essenci-ais. O que define um Estado-nação são os serviços queeste presta à população. E, nisto, concordo com gente daminha geração e, assim espero, de gerações mais jovens.JJ - Ainda sobre o tema, em Janeiro defendeu, no ISCTE-IUL,

a tese de doutoramento "Funcionários da Verdade:

Profissionalismo e Responsabilidade Social dos Jornalistas

do Serviço Público de Televisão", iniciada em 2004. Em

quase uma década de investigação, como evoluíram aqueles

conceitos?

DA - Bem, profissionalismo e responsabilidade social sãodois conceitos que, para mim, estão indissoluvelmente li -

ENTREVISTA Diana Andringa

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gados, mas que têm sofrido variações. A noção tradicionalde profissionalismo implicava responsabilidade social,altruísmo, dedicação ao bem comum. Actualmente, liga-semais à eficácia, à capacidade de dominar a técnica e, nocaso dos jornalistas, de ser rápido. Passaram a estar emcima da mesa questões tecnológicas e de produtividadenão directamente ligadas à responsabilidade social.Portanto, há no discurso dos jornalistas uma referência àresponsabilidade social, mas quase todos têm, também, anoção de que ninguém lhes pede isso e de que, quando setrata de dar a notícia, os chefes só querem que sejam rápi-dos e capazes de manejar as tecnologias, de preferênciafazendo narrativas atractivas. A noção de profissionalismomudou.

O que faz com que, perante um mesmo acontecimento,um jornalista com mais anos de prática e outro maisjovem façam, por vezes, coisas diferentes? Sobretudo, asua interpretação da relação entre jornalismo e cidadania.Há jornalistas (nomeadamente os que reinventaram aprofissão no pós-25 de Abril) que encaram o jornalismocomo uma actividade que, em si, é política e que tem umaresponsabilidade social à luz da qual têm de pensar osacontecimentos. E há quem ache que não tem de o fazer,que basta recolher a informação e passá-la, sendo tão neu-tro quanto possível.

Por exemplo: quando a polícia dá uma informação aum jornalista que cresceu sob ditadura, ele não a aceitaautomaticamente, só por vir da polícia. Mas um jornalistamais jovem, criado em democracia, poderá ter a tendênciade pensar que "é uma autoridade, é uma fonte citável".Aliás, para mim, esse é um dos grandes erros da nossa le -gislação: a desresponsabilização do jornalista desde quecite uma fonte. A fonte fala para o jornalista, mas ele vaiampliar a sua fala para milhares ou para milhões, pelo quenão pode abster-se de pensar no que transmite.JJ - Na sua análise, em que casos se focou e a que conclu-

sões chegou?

DA - Estudei três casos. O primeiro foi o do Manuel Subtil,em que, em nome das audiências - que foram altíssimas -não se teve em conta que dar tanta publicidade a um "bar-ricado" causaria fenómenos de imitação, como causou.

Depois, o caso do pseudo-arrastão de Carcavelos, emque muita gente acreditou, que colocou uma desconfiançasobre todos os jovens portugueses negros e todos os imi-grantes que nos procuram e permitiu que uma manifes-tação fascista, racista e xenófoba feita a seguir tivesse umaparticipação muito maior do que é costume ter. Tudoporque não se parou para pensar. O Ricardo AraújoPereira, que não é jornalista, viu logo que aquilo não seteria passado assim e escreveu uma crónica a dizer que,com meio milhar de assaltantes, mais valia ir buscar umcofre à sede da Caixa Geral de Depósitos do que roubarmochilas na praia de Carcavelos.

Por fim, analisei o referendo sobre a interrupção volun-tária da gravidez, que é um exemplo de como o jornalis-mo se devia preocupar com o que as palavras significam.Quem era a favor do "sim" no referendo usava o termo"interrupção voluntária da gravidez", quem era pelo "não"usava "aborto" e grande parte da população mais velhanão diz nem "aborto" nem "interrupção voluntária dagravidez", diz "desmancho". E, enquanto palavra, "des-mancho" é aquilo que as pessoas fazem, "aborto" é o que opadre condena e "interrupção voluntária da gravidez" éuma modernice médica. Ora, verifiquei que, no Telejornal,a palavra "aborto" foi usada quatro a cinco vezes mais doque "interrupção voluntária da gravidez". E "desmancho"nunca surgiu. Por outro lado, para mostrar opções dife -rentes perante uma gravidez não desejada, foram ouvidasduas jovens, uma de classe média e outra de classe média-baixa. A que decidiu ter o filho, sente felicidade todos osdias; a que decidiu interromper a gravidez, continuando aachar que teve razões para o fazer, sente um vazio interi-or. É uma forma curiosa de mostrar o "sim" e o "não"... Dasmulheres trabalhadoras que engravidam e têm de abortarpara manter o emprego, ou que não podem engravidarpara que as aceitem num, o Telejornal não falou. Tambémentrevistou sobretudo homens. E, embora a hierarquia daIgreja fosse contra, as intervenções dos bispos não con-tavam para o tempo do "não". Além disso, ninguém se deuao trabalho de ir ver que - por mero acaso? - o limbo, aque-

“Os jornais repetem os comentários de Sócrates, Marcelo ou Marques Mendes no dia seguinte a estes terempassado nas televisões, para o casode não termos ouvido bem. Não é issoque se espera do jornalismo. Isso é dar de mão beijada a nossa profissão!”

“Embora tenhamos jornalistasa mais, sem lugar nas redacções, existem empregos em áreas conexas, como as assessorias de imprensa,a comunicação institucionalou as produtoras independentes.”

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le sítio para onde iam as crianças não baptizadas, só foiposto definitivamente em causa pelo Vaticano em Janeirode 2007, quando Portugal ia a votos sobre a interrupçãovoluntária da gravidez e Espanha também discutia aquestão. Seria curioso perguntar como é que se coaduna olimbo com a protecção da vida intra-uterina. Tambémficou por fazer uma reportagem nos hospitais sobre aforma como são tratados os abortos espontâneos. Nessecontexto, o feto é visto como um conjunto de células oucomo uma criança? É baptizado? Há uma cerimónia deenterro? A família veste luto? Tantas perguntas por fazersobre um tema que vai a referendo mostram, a meu ver,falta de responsabilidade social.

Em síntese, concluí que a maior parte dos jornalistastem uma noção nobre da profissão, mas que ela colidecom a precariedade, o pragmatismo e a voragem davelocidade. Nesses momentos, vale aos jornalistas a suanoção de cidadania. Que também se ganha na discussãonas redacções e nas conversas com jornalistas de todas asidades, reflectindo sobre aquilo que fazemos.

Encerro a tese com um poema do Carl Sandburg sobreuma jovem operária [Anna Imroth] que morreu numincêndio na fábrica onde trabalhava. O poema, natradução de Alexandre O'Neill, termina assim: "Mas osoutros salvaram-se todos: foi ela a única rapariga da fábri-ca que não teve sorte ao saltar cá para baixo quando o fogoirrompeu. / Andou aqui a mão de Deus - e a falta de umasaída de emergência".

Na minha opinião, as lágrimas dos familiares podemdespertar a emoção do público e mantê-lo de olhos noecrã, mas o jornalista é aquele que dá pela falta da saídade emergência.

JORNALISMO - CIDADANIA - INQUIETUDE

JJ - Um pouco na linha de jornalistas de um período prece-

dente, como Baptista-Bastos, foi mantendo actividade cívica

a par do trabalho jornalístico, tendo, por exemplo, escrito

recentemente um texto para o "Que Se Lixe a Troika". Quem

está ali: a Diana cidadã, a Diana jornalista ou, antes de tudo,

uma Diana permanentemente inquieta?

DA - Está ali a Diana. Porque eu sou todas essas coisas. Nofinal da sessão de defesa de tese, o meu orientador -Doutor José Rebelo - disse uma frase que ainda não perce-bi se é um elogio ou uma crítica: "Há uma coisa que se temde dizer sobre esta tese - está aqui a Diana Andringainteira". Eu não sei estar de outra maneira seja no que for.Não sou jornalista 24 horas por dia - no sentido em quenão torno público tudo o que vejo ou ouço -, mas sou sem-pre cidadã e, para mim, escrever um texto para o Que SeLixe a Troika é um acto cívico semelhante a escrever umatese de doutoramento ou a fazer uma peça jornalística.JJ - Ainda na esteira da pergunta anterior... Os seus docu-

mentários emitem uma opinião. Por vezes, isso é detectável

logo no título: "Humberto Delgado: obviamente, assassina-

ram-no" ou "Aristides de Sousa Mendes, o cônsul injustiça-

do". Isso não fere a objectividade e a isenção jornalísticas?

DA - Do ponto de vista histórico, creio não haver dúvidasde que, depois de dizer "obviamente, demito-o",Humberto Delgado foi, obviamente, assassinado. Quantoa Aristides de Sousa Mendes... um homem que salva mi -lhares de pessoas e a seguir é corrido da sua função emorre na miséria, é o quê se não injustiçado? Nós temosde mostrar as coisas com ângulo e a grande diferençaentre o documentário e as notícias é que, no documen-tário, somos livres de ter opinião.

Fui fazer um curso de documentário em Inglaterra comuma bolsa do British Council e escolhi um tema polémico:a relação de dupla exploração entre a família real e osmedia. Certa vez, um dos três professores do curso virou-se para mim e perguntou: "Qual é a tua opinião?" E eu:"Para mim, trata-se de uma exploração que serve bem aambos - a família real é sustentada no poder pelos mediae os media vendem à conta da família real". "Então,porque não o dizes? Se não tens uma opinião, porquefazes documentários? Um documentário é um statement",respondeu. Ao que eu lhe perguntei: "Importa-se de es -crever isso nalgum lado para eu mostrar lá em Portugal?"(risos). Finalmente, senti-me liberta, porque queria fazer a"Geração de 60" e a grande questão é que, tirando duaspessoas de direita, o José Miguel Júdice e o JaimeNogueira Pinto, os entrevistados são todos de esquerda,gente que combateu o fascismo e o colonialismo. Em meuver, faz perfeito sentido: o fascismo falou sozinho durante48 anos, pelo que tinha chegado a altura de ouvir os ou -tros.JJ - É aquela vertente "justiceira" do jornalista, a vontade de

repor a verdade?

DA - A censura legou-nos uma memória amputada,porque as coisas do outro lado não passavam e, muitasvezes, eram destruídas para não serem apanhadas, porexemplo, quando éramos presos. E a esquerda tem umahistória para contar sobre esse período, diferente da quenos foi impingida e que, ainda hoje, é a única que muitagente conhece. Continuamos a ouvir falar do passadocomo tendo sido uma coisa muito boa, mas, antes doServiço Nacional de Saúde, morria-se nas aldeias sem sesaber do quê.

Ainda temos muito que fazer para repor a memóriahistórica, mas os nossos cineastas preferem outros temas.Por exemplo, a história do Palma Inácio, da LUAR, aqueleaventureiro simpatiquíssimo e ainda por cima bonito,dava um filme extraordinário em qualquer outro país.Mas não se conta... (Eu tentei fazer um documentário comele, mas na altura ele não quis). Começa-se, no entanto, aver jornalistas que abordam temas importantes da nossahistória em livro, o que é óptimo. Alguém disse quedemoramos tantos anos a ultrapassar uma ditadura quan-tos ela durou. Se assim for, temos muito que penar, poisainda nos falta uma década. (risos).

ENTREVISTA Diana Andringa

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JJ - Levantamentos recentes apontam para cerca de 50 cur-

sos de jornalismo, comunicação social, ciências da comuni-

cação e afins. Tendo dado aulas em alguns deles, acredita

que há mercado para tantos licenciados nesta área?

DA - O facto de ser um curso barato, pois faz-se compapel, caneta e alguns professores, de não ter matemáticae de haver quem confunda jornalismo com aparecer natelevisão, deu origem ao aumento da procura e à prolife -ração destas formações. O problema é que isso criou umenorme exército de reserva, que permite fazer descer ossalários e ameaçar os jornalistas que reclamam, dizendo-lhes que estão lá fora muitos à espera do lugar que elesocupam.

Porém, e embora tenhamos jornalistas a mais, semlugar nas redacções, existem empregos em áreas conexas,como as assessorias de imprensa, a comunicação institu-cional ou as produtoras independentes.

Além disso, considero que bons cursos de comunicaçãosocial e de jornalismo podem ajudar as pessoas a pensar,o que é sempre positivo para a sociedade.JJ - A classe jornalística, que não é fortemente sindicalizada,

acusa amiúde o Sindicato de pouca actividade em defesa da

profissão. Não obstante, nos actos eleitorais, estas vozes

descontentes não dão corpo a listas alternativas. Enquanto

ex-presidente do Sindicato dos Jornalistas (1996-98), como

interpreta esta contradição e que análise faz da acção recen-

te desta estrutura?

DA - Em primeiro lugar, tiro o chapéu ao Alfredo Maia,que está a ser presidente sucessivamente numa fasemuitíssimo complicada. Quanto ao resto, é o discursomais ou menos normal. Quando acontece algo a um jor-nalista, por norma ele não comunica ao Sindicato, masacha que o Sindicato deve saber. O Sindicato é frequente-mente tratado como um criado dos jornalistas, mas estesnão estão para participar em assembleias-gerais. Eu fuieleita com uma votação impressiva mas, pouco depois,como presidente da Assembleia-Geral, presidi a umasessão em que estava apenas uma pessoa. Ora, os sindi-catos só têm força se os seus associados se moverem. Se osassociados temem fazer greve, se não há solidariedadeentre colegas - do género: um jornalista é discriminado etodos os outros se recusam a trabalhar -, como imporrespeito pela profissão?

A actual direcção está sempre a apagar fogos - o que épena, embora se justifique pela precariedade a que seassiste -, quando era fundamental que exercesse um con-trolo deontológico do jornalismo e debatesse a profissão.Esse debate às vezes ocorre noutros locais, mas asquestões ganhavam em ser discutidas com o Sindicato.

VÁRIOS PÚBLICOS, UMA TELEVISÃO

JJ - A televisão, meio de informação e companhia preferen-

cial das gerações mais velhas, perde audiências para a

Internet, suporte preferido do público jovem. Há que resistir,

repensando todo o modelo televisivo, ou mais vale aceitar a

derrota?

DA - Bem, para começar, há que ter em conta que passoua existir outra plataforma e que temos de entrar nela,repensando, de facto, o modelo, para que não aconteçacomo no caso da televisão digital terrestre, que podia tersido um salto em frente mas deixou 20% da populaçãosem televisão.

Quanto aos jovens, não dramatizemos totalmente. Eu,quando era jovem, via tanta televisão como hoje? Não.Saía muito mais à noite, ia muito mais ao cinema, faziamuito mais coisas que os jovens fazem até se casarem eterem filhos. Porque, quando têm filhos e passam a ficarem casa à noite, vêem televisão outra vez, pois é aborreci-do estar cada um num computador a ver a sua coisa.Portanto, há faixas etárias em que é natural que as pessoasfaçam outras coisas.

E eu não quero nada que as pessoas estejam semprefrente à televisão. Quero é que, para saberem certascoisas, escolham a televisão, em vez de acreditarem queficam informadas só porque leram algo no Facebook.Mas, para que isso aconteça, a televisão tem de dar aqui-lo que o público não pode obter por outros meios. Porexemplo, na Internet não temos muitas hipóteses decriar um debate sobre os grandes temas da vida nacional

“Não quero nada que as pessoas estejam sempre frente à televisão. Quero é que, para saberem certas coisas, escolham a televisão, em vez de acreditarem que ficam informadas só porque leram algo no Facebook.”

“Penso que devia haver uma grande televisão lusófona, em vez de termos a RTP Internacional e a RTP África. O problema é que os governos não pensam a televisão em relação com oEstado e a soberania nacional,mas apenas como aparelho da sua propaganda e/ou 'sorvedourode dinheiro'.”

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- é necessário esperar que uma televisão o prepare.A televisão também tem de levar a cabo e mostrar

investigação. Alguém na Net conseguiria fazer "AGuerra", do Joaquim Furtado? Claro que não. Aquiloimplicou rios de dinheiro, rios de tempo, meios, viagens,encontrar pessoas predispostas a falar, porque era para atelevisão… Por isso é que acho completamente criminosoque a única discussão pública sobre televisão seja paraanalisar cortes no orçamento do serviço público de tele-visão, quando este devia era ter mais dinheiro para fazercoisas melhores e responsáveis que garantissem isso.JJ - A RTP tem como fontes de receita os seis

minutos por hora de publicidade, a indemni-

zação compensatória prevista no Or -

çamento de Estado e a contribuição

audiovisual, incluída na factura da

electricidade. Que outras formas

de financiamento seri am possí-

veis?

DA - Patrocínios, por exemp-lo. A 2 não tem publicidade,mas pode ter patrocínios. OBrasil deu um salto brutalem termos de produção ci -nematográfica à custa domecenato. Devia haver maiscompensações fiscais paraempresas que apostassem na pro-dução audiovisual. Claro que seminterferir nos conteúdos. Tambémpodemos fazer crowdfunding, como já acon-tece para a produção de filmes. É preciso ser criativo.

Outra coisa que devíamos era começar a fazer contasde forma mais inteligente. Diz-se que a RTP1 é muito gas-tadora, mas esquece-se frequentemente que os programasdesta estação passam mais tarde na 2, na RTP África, naRTP Internacional. Se fizermos as contas, o preço do pro-grama por espectador não é tão caro como a propagandacontra o serviço público apregoa.

Mas, um dia destes, o serviço público é como o lince daMalcata, dado que já pairam ameaças sobre as indemniza-ções compensatórias. Parece-me um grande erro que seacabe com elas, pois a RTP é muito mais do que a 1 e a 2.Inclui também as televisões das regiões autónomas, quesão indispensáveis.JJ - Por falar nelas, quais os moldes futuros da RTP Madeira

e da RTP Açores? A segunda é fundamental em termos de

coesão da população local...

DA - Sim, a RTP Açores é uma forma de contacto funda-mental entre as diversas ilhas daquele arquipélago. E aRTP/RDP é essencial em cenários de catástrofe, algo quegeralmente esquecemos. Mas também ela enferma doproblema da RTP nacional, e há ilhas que aparecem maisdo que as outras. Penso também que, além de importantespara a população local, as estações regionais deviam pro-

duzir para o resto do país. Porque, hoje, a RTP não é umespelho da diversidade do país. Era preciso não emitir docentro para a periferia, mas estarmos unidos de forma cir-cular. Isso reforçaria o nosso conhecimento do país. E omesmo em relação à lusofonia.JJ - Precisamente no que respeita aos conteúdos da RTP

África e da RTP Internacional, estarão adequados aos teles-

pectadores que actualmente vêem esses canais ou foram

desenhados em função de um público que, entretanto,

mudou?

DA - Na verdade, acho que toda a RTP foi desenhada parauma geração mais velha, do tempo de Salazar.

Há já programas que vão no bom sentido -como o "Portugueses pelo Mundo",

que mostra existir não apenas umadiáspora envelhecida mas tam-

bém jovens altamente qualifica-dos -, mas existem outros... Osprogramas ditos para as ge -rações mais velhas, porexemplo, são muitas vezesinsultuosos para estas. Te -mos programas para "donas-de-casa e reformados" que se

esquecem de que há toda umageração de mulheres e homens

da minha idade que foramprofissionais activos e que, segura-

mente, não consideram os programasda manhã ou o "Preço Certo" o máximo a

que ambicionam.E, já agora, também era bom que tivéssemos outras

vozes na televisão, em vez de ser sempre José Sócrates,Marques Mendes, Marcelo Rebelo de Sousa, ManuelaFerreira Leite… Talvez um dos miúdos do Que se Lixe aTroika fizesse um comentário ou um programa engraçadoe variado. Mas não o vão buscar, preferem o senhor doImpulso Jovem...

Quanto à RTP Internacional, podia ser uma ligaçãoespantosa entre Portugal, a diáspora e toda a lusofonia.Podia transformar a língua portuguesa em algo impor-tante no mundo, já que as línguas ibéricas são as únicasque podem fazer face ao grande poderio anglo-saxónico.Aliás, penso que devia haver uma grande televisão lusó-fona, em vez de termos a RTP Internacional e a RTPÁfrica. O problema é que os governos não pensam a tele-visão em relação com o Estado e a soberania nacional, masapenas como aparelho da sua propaganda e/ou "sorve-douro de dinheiro". Costumo dizer que a televisão públi-ca é parte do conceito estratégico de defesa nacional eacredito que pode realmente sê-lo, sem deixar de ser inde-pendente. A senhora Thatcher não o entendeu assim, maseu considero que a independência da BBC no conflito dasMalvinas/Falkland fez mais pelo Reino Unido do que avitória militar.

ENTREVISTA Diana Andringa

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A Lisgráfica imprime mais de 15 milhões de exemplares por semana de revistas, jornais,

listas telefónicas e boletins.A Lisgráfica é a maior indústria gráfica da Península Ibérica. Apenas na área de publicações, é responsável pela impressão de mais de 100 títulos diferentes. O que significa dizer que todos os dias a maioria dos portugueses tem contacto com os nossos produtos.

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Para Francisco Louçã,professor e ex-dirigente doBloco de Esquerda – de que

João Mesquita foi um dosfundadores –, esta «fuga do tempo»caracteriza-se pela transformaçãodo jornalismo numa «mercadoriaideológica», produto de um«sistema industrial de produçãocontínua de conteúdosdescontinuados», destinados anormalizarem o mundo pela formacomo o classifica, o interpreta, oencanta e o recria, de formaalienada.

Ao contrário, o jornalismomilitante como expressão dacidadania, a paixão transformada emrazão de investigação, oempenhamento temperado pelaintransigência acerca das questõeséticas foram qualidadesunanimemente reconhecidas a JoãoMesquita pelos intervenientes dostrês painéis do colóquio, quedecorreu na Casa da Escrita e naFaculdade de Letras da Universidadede Coimbra, integrado na II Semanado Jornalismo daqueleestabelecimento de ensino superior.

De resto, para José Pedro

Castanheira, a «intransigência doponto de vista ético» e o «altíssimorigor» que João Mesquita colocavano exercício da profissão explicam ofacto de lhe terem sido vedadas asportas das redações nos últimos anosda sua vida. Para o jornalista doExpresso, os princípios estritamenteéticos e profissionais estão cada vezmais arredados dos critérios derecrutamento de jornalistas. «Serherói no jornalismo não é lançar-sede paraquedas na Guerra do Laos; éresistir aos critérios antagónicos defazer jornalismo», disse.Considerando que em Portugalainda existe espaço para o bomjornalismo, José Pedro Castanheiranão deixou de reconhecer que odesemprego que grassa na profissãoinstalou a «mendicidade pelobiscate» que fez com que se estejamais disposto «a fazer o trabalho pormenos dinheiro, por menos rigor epor menos exigência». Esta situação,adiantou, deve-se ao facto de, emPortugal, não existirem grandesempresários de Comunicação Sociale, alguns deles, terem mesmo aambição de conseguir fazer«jornalismo sem jornalistas».

A má gestão dos media foitambém a razão apontada por NobreCorreia, colunista do Diário deNotícias, para hoje termos menosjornais do que antes do 25 de Abril.A exiguidade do mercado portuguêsnão é desculpa, se compararmos anossa dimensão com a de paísescomo a Bélgica e a Suíça, referiuainda o antigo professor daUniversidade Livre de Bruxelas.

Por seu lado, Fernando Paulouro,ex-diretor do Jornal do Fundão,contrapôs o «analfabetismo reinantenos promotores dos “negócios”» dosmedia à importância fulcral que JoãoMesquita atribuía à cultura e àliteratura no jornalismo. FernandoPaulouro recordou ainda o encontroNacional dos Jornalistas realizado noFundão, onde pela primeira vez sefez um verdadeiro debate sobre ojornalismo fora dos centros urbanosde Lisboa e Porto.

NO JORNALISMO,COMO NA POLÍTICA E NA VIDAA esse propósito, Paulo Martins,editor executivo do Jornal deNotícias, destacou os principaislegados de João Mesquita, enquanto

Jornal | Homenagem

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Evocação de João Mesquita (1957-2009)em colóquio sobre Jornalismo e Cidadania

Um dos últimos artesãosdo jornalismoJoão Mesquita foi um dos últimos artesãos do jornalismo, pelo modo como se envolvia nascausas da vida e da profissão, pelo gosto do debate, pela militância pela liberdade e pelacapacidade de gerar consensos. Por isso, mais do que um homem fora do tempo, JoãoMesquita foi alguém a quem o «tempo lhe fugiu», como afirmou Francisco Louçã noColóquio Jornalismo e Cidadania que, no passado dia 11 de abril, em Coimbra, homenageouo sindicalista e o cidadão empenhado nas causas cívicas.

Texto Carlos Camponez e João Fonseca

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presidente do Sindicato dosJornalistas (SJ): o empenho naaproximação do Sindicato àsuniversidades; a mobilização dosjornalistas fora dos grandes centrosurbanos e a criação de núcleosregionais; o combate contra acriação da Ordem dos jornalistas e aextinção do Conselho de Imprensa;o envolvimento de jovensjornalistas nos órgãos sociais doSindicato; os debates sobre a éticado jornalismo; e a aprovação doatual Código Deontológico.

O presidente do SJ, Alfredo Maia,debateu atuais problemas daprofissão, como a precariedade, odesemprego e os sucessivosdespedimentos no setor, bem comoalguns desafios que o sindicalismoenfrenta na atualidade. Numaplateia composta maioritariamentepor alunos de jornalismo, Maiadesafiou os jovens profissionais aorganizarem-se em torno de projetosjornalísticos em linha, tirandopartido das novas tecnologias. A

João Mesquita na tomada de posse (Maio de 1989), no

seu primeiro mandato como Presidente da Direcção do

Sindicato dos Jornalistas. À sua direita são visíveis

Figueiredo Filipe, Presidente do Conselho Deontológico

cessante, e Manuel Lopes, dirigente do Sindicato dos

Têxteis do Sul e da CGTP-IN; à sua esquerda, Emídio

Rangel, Presidente da Mesa da Assembleia Geral cessante,

Santos Mota, Vice-presidente da Direcção eleito e Oliveira

Figueiredo, Presidente da Mesa da Assembleia Geral

eleito. Esta foto (não assinada) foi cedida pelo Sindicato

dos Jornalistas, cuja disponibilidade agradecemos.

Aproveitamos para corrigir e pedir desculpa por um lapso:

no último nº, não foi referido que as fotos, também de

autor(es) não identificado(s), que ilustram as páginas dedi-

cadas ao 1º Congresso dos Jornalistas, são igualmente

pertença do Arquivo do Sindicato

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precaridade que grassa entre os maisjovens, aliada aos despedimentos deprofissionais mais velhos, diminui «amemória e a capacidadereivindicativa» e cria «um déficeenorme de espírito crítico» nasredações, disse ainda o presidentedo SJ.

João Santana pôs em evidênciacomo João Mesquita conseguia aliara paixão pela Académica, ainvestigação e o talento pela escrita,uma experiência que ele própriovivenciou durante a produção dolivro «Académica – História dofutebol», de que foram co-autores.

Na sua intervenção, recordouuma frase de João Mesquita,segundo o qual «o compromisso coma “causa” académica implica que nareflexão não haja preconceitos,tabus, arrogância, meias-verdades,quando não mesmo inverdades.Antes liberdade e inteligência».

José António Bandeirinha,arquiteto e docente universitário,sublinhou a “paixão enraizada” de

João Mesquita pelo “contextourbano” e pela “cultura urbana” deCoimbra, pela especificidade de umacidade, perante a qual ele tinha umaperspetiva que “concilia coisas que,para a maior parte das pessoas, sãoinconciliáveis”, particularmente paraas pessoas da sua e gerações

imediatamente anteriores eposteriores – “encontrei nele essapossibilidade, que eu julgavaperdida”.

Invulgar em Mesquita tambémera “a sua relação com uma ética,simultaneamente, do homem, dojornalista, do cidadão, do interventorpolítico, que era sempre só uma, queera sempre a mesma” e orientavatoda a sua atividade, “ainda commais força” no exercício da profissão.“Ele não se deixava intimidar peloquer que fosse, mesmo por aquiloem que ele mais acreditava”,salientou Bandeirinha.

O empenho pela liberdade, orespeito pela divergência e acapacidade de gerar consensosforam também qualidadessublinhadas por Pedro MartinsRodrigues, Professor daUniversidade Técnica de Lisboa, quecaracterizaram João Mesquita naslutas estudantis, antes e depois do 25de Abril: na vida, como na política,como no jornalismo.

Jornal | Homenagem

30|Abr/Jun 2013|JJ

Paulo Martins, Carlos Camponez e Alfredo Maia, durante a sessão realizada em Coimbra [ Foto de Celine Braga ]

O jornalismo militantecomo expressão dacidadania, a paixãotransformada em razãode investigação, oempenhamentotemperado pelaintransigência acercadas questões éticas JJ

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JJ|Abr/Jun 2013|31

João Mesquita iniciou a atividade jornalística no

Voz do Povo, em março de 1979, jornal que, então, se

afastava da UDP (União Democrática Popular) e se

assumia como um projeto menos partidário e mais

profissional.

Três anos depois (abril de 1982), ingressou no Notícias da

Tarde (NT), na delegação em Lisboa do diário que, com

sede no Porto e fundado pela empresa (na altura pública)

do Jornal de Notícias (JN), iniciava a publicação.

Na sequência da extinção do vespertino portuense,

transitou, em fevereiro de 1985, para o JN, também na

delegação em Lisboa, continuando com a

responsabilidade de fazer a cobertura jornalística do

Parlamento. Entre o fecho do NT e o ingresso no JN,

colaborou, durante alguns meses, com o semanário

Expresso.

Em abril de 1988, João Mesquita deixou o JN, para

ingressar no Semanário, que abandonou em setembro do

ano seguinte, para se transferir (outubro de 1989) para o

Público, jornal no qual se manteve até agosto de 1993,

data em que saiu de Lisboa para passar a viver em

Coimbra, sua terra natal (junho de 1957).

A sua passagem pelo diário Público, coincidiu com o

período em que cumpriu dois mandatos consecutivos

(1989-1993) como presidente do Sindicato dos Jornalistas,

marcados, designadamente, pela realização de um

referendo (1992), aberto a todos os portadores de título

profissional, sobre a Ordem dos Jornalistas, pela

organização de encontros regionais e de um encontro

nacional de jornalistas que trabalhavam fora de

Lisboa (1991, Fundão), ou pelo desafio e apoio à

Universidade de Coimbra para criar um curso universitário

de jornalismo (1993).

Admitido, em setembro de 1993, no jornal As Beiras, de

Coimbra, João Mesquita voltou a envolver-se no

lançamento de um novo projeto jornalístico (passagem de

semanário para diário), mas do qual se demitiu meio ano

depois (março de 1994).

Depois de alguns meses de desemprego, ingressou, em

outubro de 1994, no semanário Independente, que abriu

uma delegação em Coimbra e da qual foi o único

jornalista.

Na sequência do fecho das delegações do Independente,

João Mesquita voltou a ficar desempregado, em outubro

de 2000, regressando a Lisboa, depois de, até fevereiro de

2002, ter tentado "sobreviver como freelance", em Coimbra

- mas, como confessava, passou, nesse período, por "uma

situação muito difícil do ponto de vista económico".

Em março de 2002 recomeçou a trabalhar em Lisboa, no

vespertino A Capital, com o qual vinha colaborando, com

a publicação de uma crónica semanal.

Em outubro de 2004, João Mesquita voltou a ficar

desempregado. Até ao fim (março de 2009).

Os perigosdo jornalismoem Portugal

O sensacionalismo, a diminuição da diversidade das

fontes, a ausência de background

informativo e a desvalorização da investigação eram

considerados por João Mesquita como dos maiores

perigos para o jornalismo em Portugal.

Relendo uma reportagem de um aluno efectuada em

2000, a propósito de uma aula

sobre jornalismo, sensacionalismo e espectáculo, João

Figueira, docente de jornalismo da Universidade de

Coimbra, recordou como o ex-presidente do Sindicato

dos Jornalistas (SJ) considerava que este "pecado geral

da informação portuguesa" não era uma inevitabilidade,

estando nas mãos dos jornalistas evitá-lo: "Se o

jornalista abdica dos seus princípios, não é possível

melhorar o jornalismo", disse então João Mesquita.

A este propósito, Orlando César, presidente do

Conselho Deontológico do SJ, numa mensagem aos

participantes do Colóquio Jornalismo e Cidadania,

recordou João Mesquita como um "adepto convicto do

reforço da estrutura sindical", baseado num "amplo

debate entre os jornalistas que fosse gerador da

democracia interna e do prestígio da classe

profissional".

Por seu lado, José Manuel Pureza, docente da

Universidade de Coimbra, também se fez

representar numa mensagem sublinhando os valores da

cidadania e da democracia em João Mesquita como

exemplos a serem resgatados em tempos de anomia

social, de indiferença, passividade e resignação.

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A Imprensa Portuense e osDesafios da ModernizaçãoHELENA LIMALivros Horizonte, Colecção Media e

Jornalismo, 2012

Texto Carla Baptista

Édifícil conceber a vida semnotícias, diz Helena Lima naintrodução do livro A

Imprensa Portuense e os Desafios daModernização, resultante de parte dasua investigação de doutoramento,concluída em 2008. Trata-se de umaleitura que nos introduz no mundodos diários portuenses – Comércio doPorto, Primeiro de Janeiro, Jornal deNotícias - e dos seus fundadores,respetivamente, Bento Carqueja eSeara Cardoso, Ferreira Baltar ePinto de Azevedo, Aníbal de Moraise Pacheco de Miranda.

O jornalismo do Porto é “bom evelho”, significando que todos estesjornais foram ainda fundados noséculo XIX, comungando dascaracterísticas dos projetos dessetempo, ou seja, fortemente políticose ideológicos de início, comespecializações informativas ematrizes ideológicas bem definidas ereconhecidas por todos. Como diz aautora, tínhamos “o Janeirorepublicano; o Comércio lido pelospadres e pelos monárquicos; oNotícias, jornal das sopeiras e dosmagalas”.

O trabalho estrutura-se em tornode cinco capítulos, atravessandoquase um século de história. Osprimeiros são relativos à fundaçãodos jornais e à fase mais tardia daditadura, enriquecida comentrevistas realizadas a antigosjornalistas que se iniciaram naprofissão entre as décadas de 60 e 70do século XX (casos de AbílioMarques Pinto, Rogério Gomes eNassalete Miranda (Primeiro deJaneiro); Marques da Cruz, SilvaTavares, Joaquim Queirós, ManuelTeixeira e Rogério Gomes (OComércio do Porto), Frederico MartinsMendes, Fernanda Gomes, ManuelAntónio Pina, Manuel Neto da Silva

e Freitas Cruz (Jornal de Notícias)que, só por si, constituem umainteressantíssima recolha deimpressões e testemunhos sobre avida dos jornalistas e dos jornaisdurante esse período.

O terceiro capítulo dá-nos contade como os jornais analisadosviveram a transição para ademocracia ou, mais concretamente,atravessaram o períodorevolucionário (1975), seguindo-se afase correspondente ao ciclo daimprensa estatizada e a posteriorreprivatização, em moldes já muitodiversos daqueles que estão naorigem das pequenas e médiasempresas familiares que fundaramestes títulos. Um dos méritos dolivro é a preocupação da autora emsituar sempre estes processos demudança no contexto dastransformações da imprensageneralista nacional, nomeadamentea “lisboeta”, sem deixar de referir asespecificidades do meio jornalísticodo Porto e a forma como estesjornais marcaram a vida da cidade.

No caso mais bem sucedido, oJornal de Notícias, é possível tambémacompanhar o percurso inverso, ouseja, a forma como o jornal soubefazer crescer e fidelizar o seupúblico, à medida que a cidade sedesenvolvia e outras classes, já nãoas das “sopeiras e dos magalas”,configuravam um universo deleitores cada vez mais diversificado.

A partir da página 58, HelenaLima conta como os jornais doPorto, em linha com o que sepassava com os jornais de Lisboa,sofreram as transformaçõesmodernizadoras registadas duranteo regime liderado por MarceloCaetano. Este é o período em que apropriedade dos jornais deixa de serdominada pelo modelo da empresafamiliar e passa para a posse dosprincipais grupos económicos efinanceiros da altura, traduzindoum apetite pelo setor dos media quecorrespondia a uma fase decrescimento e expansão económicaaliada a um desejo de controle

Jornal | Livros

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Uma leitura que nosintroduz no mundo dosdiários portuenses –Comércio do Porto,Primeiro de Janeiro,Jornal de Notícias – e dosseus fundadores,respetivamente, BentoCarqueja e SearaCardoso, Ferreira Baltar ePinto de Azevedo, Aníbalde Morais e Pacheco deMiranda.

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político. Com exceção do Primeiro deJaneiro, que se mantém na famíliaPinto de Azevedo, os restantesmudam de proprietário: o Comérciopara o Banco Borges & Irmão (omesmo que comprou o DiárioPopular) e o Notícias já era, nestaaltura, detido pela Caixa Geral deDepósitos (através da CompanhiaIndustrial e Colónias e da EmpresaNacional de Publicidade), os mesmosinvestidores do Diário de Notícias.Este processo, que o livro ganhariaem fornecer mais detalhe (porexemplo, ficam ainda por esclareceraspetos ligados aos termos econdições em que Manuel Pinto deAzevedo, dono do Janeiro,emprestava capital e bobines depapel ao Notícias), é acompanhadopor mudanças ao nível das formasde fazer jornalismo, patentes narenovação e profissionalização dasredacções, nas inovações ao níveldas tecnologias, nomeadamente doparque gráfico.

O movimento de renovação dasredacções, com a entrada de quadrosmais jovens, maior formaçãoacadémica e perfis maisdiversificados dá-se, no Porto, maistardiamente do que em Lisboa, emuito por via destas mudanças dapropriedade dos títulos. JoaquimQueirós, um dos antigos jornalistasentrevistados, recorda: “Corria o anode 1972 e o senhor Miguel Quinadecidiu comprar o Comércio do Porto eao decidir comprar o Comércio decidiutambém ir buscar três elementos aoJornal de Notícias: foi o Costa Carvalho,foi o Alberto Carvalho e eu. Eu fuichefiar a secção desportiva. O CostaCarvalho foi para chefe de redacção e oAlberto Carvalho para chefiar ointernacional, em Dezembro de 1973”.

Na análise da autora, estemovimento traduz uma intençãoclara de “entregar as chefias aquadros que vinham de umaredacção muito mais dinâmica e dealguma forma transferir para o jornalalguns dos trunfos da concorrência”.Outro jornalista, Manuel Teixeira,também contratado naquela fase do

jornal, caracteriza da seguinte formaa redacção que encontrou nas suasnovas funções: “Era um jornal develhotes, de gente de autoformação, dejornalistas da velha guarda do tempo doEstado Novo”, salientando a novidadeabsoluta aplicada nos critérios derecrutamento dos novos jornalistas:“Ele [Alípio Dias, diretor nomeado peloBorges & Irmão] começou por selecionarsete jovens universitários, no grupo dosquais eu estava. Isto foi uma verdadeirarevolução. Meter sete jovensuniversitários naquela redacção...estamosa falar de quase um terço da redacção.Uma pedrada no charco”.

Uma pedrada que a lógica daconcorrência e o contexto de vacasgordas também atingiu, e muito, onível salarial dos jornalistas: AlípioDias refere que os novos jornalistasforam contratados “por 11 contos,mais 25% por salário noturno. Foi umescândalo naquela época para a cidade emagnífico para a classe dos jornalistas”.A melhoria salarial acabou por sepegar aos outros diários e houveaumentos generalizados tambémpara os jornalistas do Jornal deNotícias e do Primeiro de Janeiro, quetrouxeram, como contrapartida, umamaior exigência de dedicação eexclusividade, contribuindo assimpara diferenciar os jornais eprofissionalizar as redacções.

O Jornal de Notícias encetou umprocesso de renovação, mudando asformas de recrutamento e criandopela primeira vez, em 1971, umconcurso para seleccionar osquadros. Foi assim que entrarampessoas como Manuel António Pina,que perdemos recentemente, eFernanda Gomes. No testemunho deManuel António Pina, “fomosrecebidos com desconfiança e devo dizercom alguma agressividade”, e FernandaGomes, que praticamente abriu oespaço para as mulheres na redacção(existia apenas uma jornalista, OlgaVasconcelos, uma figuraconservadora e ligada ao regime),recem chegada de Moçambique,recorda como lhe pareceu antiquadoo meio portuense.

Sem abandonar a sua feiçãopopular, um trabalho de grandeproximidade com as fontes deinformação e com os leitores, queiam ao edifício do jornal contardiretamente a história do roubo ouda malfeitoria ao repórter que osrecebia nas escadas, o Notíciasganhou qualidade na escrita,arrumou melhor as secções eesmerou-se ainda mais numa arteque já conhecia bem: as cachas e osexclusivos, os detalhes em primeiramão, as fotografias dos mortos quemais ninguém arranjava, e as novelasque duravam dias em torno dosescândalos e dos crimes. JoaquimQueirós refere como eram os “casosdo dia” bem explorados queconferiam identidade ao jornal e oenraizaram profundamente noshábitos de leitura do povoportuense: “A técnica do ManuelRamos [chefe de redacção] era essa:quando o jornal estiver pronto, vocêspegam no jornal e torcem-no; se sairsangue o jornal está vendido, senão vãoali vendê-lo ao homem da esquina paraembrulhar bacalhau”. É ainda ManuelAntónio Pina que resume tudo istoda melhor maneira: “Ficou sempre comessa fama de ser um jornal popular, umjornal mal feito. Mas ninguém faz umjornal mal feito tão bem como nós”.

A autora descreve a forma comoos jornais do Porto, à semelhançados restantes, sofreram os impatosdo PREC. Sem deixar de sublinhar,obviamente, que o 25 de Abril e asubsequente aprovação da Lei deImprensa de 1975, com a abolição doexame prévio, representam aabertura de um caminho para averdadeira emancipação dojornalismo português, não deixa decompreender a intensaconflitualidade desses tempos e osdanos colaterais que daí resultaram,com variados episódios de purgaspolíticas, saneamentos de jornalistase desvios transitórios em relação aoprojeto informativo dos diários emestudo.

Segundo Helena Lima, “a intensapolitização dos conteúdos noticiosos

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deveu-se a múltiplos aspetos: aoprocesso revolucionário e aosagentes em disputa; à transformaçãodas redacções, onde os jornalistastenderam a identificar-se com asforças em conflito: à pressão exercidapelo setor da impressão sobre aorientação editorial, emconsequência das estratégias doscomunistas e da extrema-esquerda;aos conflitos que deflagraram nasempresas jornalísticas; ao processode nacionalizações e à nomeação deadministrações militares fiéis aosConselho da Revolução”.

A mistura explosiva de trêstendências – o surto reivindicativo, apolitização das redacções e odesenvolvimento dos níveis deconflitualidade – tiveramconsequências diversas em funçãodos jornais e, aliás, no Porto, forammenos intensas do que as registadasem Lisboa, nomeadamente em OSéculo e República, que ditaram o seufecho.

Os jovens jornalistas muitopolitizados à esquerda do Notíciasfizeram a vida difícil ao antigo chefede redacção, mas o espírito decamaradagem e o respeito pelacompetência profissional de cada umevitaram as substituições e ossaneamentos, apesar dos “PrincípiosOrientadores do Jornal”, publicadosna altura, bem sintonizados com oespírito da época, estipularem que odesiderato era “uma informaçãohonesta e objetiva, propósito que sóse considera possível se identificadocom os interesses das classestrabalhadoras, assim como, namedida em que seja conciliável comaqueles da pequena indústria, dopequeno comércio e da pequenalavoura”.

No Janeiro houve conflitos sérioscom o diretor, forçado a abdicar dasua biblioteca para albergar umacantina para os tipógrafos; noComércio, registaram-se saneamentose uma intensa dança de cadeiras, comsucessivas substituições de direcçõese chefias, já que o jornal seposicionou como uma voz

conservadora e de direita no meio deuma fervorosa viragem à esquerda.Esse facto, insólito no panorama daimprensa portuguesa da altura,granjeou-lhe uma subida nastiragens. Segundo o antigo diretor,Joaquim Queirós, o fato do jornal ternoticiado, por exemplo, num textoque os tipógrafos consideraram“muito reacionário”, a forma como ogeneral Otelo Saraiva de Carvalhofoi recebido no Porto com “umestridente coro de assobios” fez comque, nesse dia, vendesse 130 milexemplares. “A edição esgotou e só nãose venderam mais jornais porque arotativa já tinha chegado ao limite da suacapacidade”.

Este e vários outros casos sãocontados neste livro, que contribuide forma decisiva para aumentar oconhecimento sobre a história de trêstítulos tão importantes no contextodo jornalismo em Portugal. Apesardos tempos conturbados, e paravoltar ao inicio deste texto, houvesempre notícias para dar a umpúblico interessado e bem diverso.Ao contrário do que veio a sucederem tempos já de consolidação dademocracia, que ditaram odefinhamento de duas destasvetustas instituições, fruto de umagestão errática, cujos contornostambém são abordados nesta obra: oComércio do Porto, o jornal maisantigo da imprensa continental,fundado em 1854, dez anos antes doDiário de Notícias, suspendeu apublicação em 2008, despediujornalistas e voltou às bancas numaversão minguada um mês depois) eo Primeiro de Janeiro, extinto em 2005depois de anos de agonia.

A INFORMAÇÃO RADIOFÓNICARotinas e valores-notícia dareprodução da realidade narádio portuguesaLUÍS BONIXELivros Horizonte/CIMJ, 191 pp, 2012

Texto Isabel Reis

Luís Bonixe apresenta-nos umestudo sobre a rádio que temoshoje, uma rádio que vive num

momento híbrido, como ocaracteriza, em que as ondashertzianas coexistem com asplataformas digitais. Um momentocrucial na história do meiocentenário e que está a redefinir oseu futuro.

“Estranhamente sabemos poucosobre as notícias na rádioportuguesa” começa por afirmar oinvestigador, daí o contributo destaobra para melhor conhecermos arádio, sobretudo a manhãinformativa das três principaisemissoras nacionais: Antena 1,Rádio Renascença, TSF. Neste livroBonixe propõe-se saber querealidade sonora é (re)construídapela rádio portuguesa: que notícias,protagonistas, rotinas, valores-notícia. Para isso, analisou osnoticiários das três rádios, ouviu osprofissionais do meio e observou odia-a-dia das redacções. O resultadoé uma caracterização detalhada doactual jornalismo radiofónicoportuguês.

É no período da manhã que asemissoras mais apostam nainformação, mas o entretenimentoestá a ganhar espaço reduzindo otempo para os conteúdosjornalísticos, uma opção a que asaudiências parecem dar razão, comorefere Luís Bonixe, o que acaba pordeterminar a informação queescutamos nas rádios. Também osprofissionais ouvidos pelo autortraçam um cenário poucoabonatório: “a rádio demitiu-se dapalavra”, “deixou de surpreender”,“abandonou função de agendar odia noticioso”, está “desligada do

Jornal | Livros

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país”, “há falta de reportagem”.Além da caracterização do sector

o autor dedica uma partesubstancial do livro às rotinas decada uma das redacções: como seorganizam, como funcionam, oprocesso das decisões editoriais, oplaneamento, os turnos, as tarefas eas reuniões, a hierarquia, ou seja,tudo o que está por detrás do queouvimos hora a hora. Esta descriçãoexaustiva do quotidiano de cadaredacção é um trabalho original edos mais cativantes de ler paraquem quer entrar na profissão e dosmais curiosos para quem já a exerce– é um ‘olhar para dentro’sistematizado que pode contribuirpara uma maior reflexão sobre asrotinas e o processo diário deprodução de notícias.

Ao longo do livro há dois temastransversais sempre presentes queespelham a essência da rádiohertziana: o som e o tempo. Apressão constante dos segundos e osseus efeitos e o universo sonoromesmo que em ‘vias de extinção’. Arádio está refém do som, escreveBonixe, e cada vez mais refém dotempo como concluirá no final.

Mas quais são as notícias deabertura, os alinhamentos, osgrandes temas da manhã, as vozesdas notícias de cada emissora? Sãodiferentes ou idênticas? Estamosperante três rádios que sereproduzem ou que marcam adiferença? Três modelos (pública,privada católica e privadainformativa) podem gerar trêsagendas noticiosas? Tendo comoobjecto de estudo os noticiários damanhã, o autor conclui que sãoorganizados de forma muitoidêntica, embora haja diferenças emodos de operar distintos queemanam, sobretudo, da estrutura degrupo em que cada rádio se insereou da sua classificação temática(informativa ou generalista).

Os ouvintes que procuraminformação na Antena 1, RR e TSFouvem sobretudo notícias depolítica e a visão dos representantes

da esfera de decisão político-partidária, havendo uma“dependência excessiva doacontecimento previsto nas agendasinstitucionais”. Nesse sentido,conclui o autor, “a rádio está atornar-se institucionalizante nareprodução que faz do mundo” e“afasta-se das pessoas e de quemvive efectivamente essesacontecimentos.” Em contrapartida,a rádio não está a seguir a tendênciade outros media na“espectacularização da informação”.Mas a rádio de hoje já não marca aagenda noticiosa do dia, comonoutros tempos. A concorrênciamediática, a velocidade informativada televisão e dos meios digitaisfazem com que a rádio portuguesaviva um momento caracterizadopela tentativa de afirmação noactual contexto mediático. Mais umavez a rádio não está a morrer, estáapenas a redefinir-se ou areinventar-se.

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Uma análise das manhãsinformativas da Antena 1,Renascença e TSF – umcontributo original parauma reflexão sobre asrotinas e o processodiário de produção denotícias

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Jornal | SitesPor Mário Rui Cardoso > [email protected]

Num artigo recente do documentarista Bregtjevan der Haak e de dois professores da Escolade Jornalismo Annenberg, Michael Parks e

Manuel Castells, defende-se a tese de que oJornalismo não está em crise, bem pelo contrário. Aindústria dos media e a profissão de jornalistaatravessam tempos difíceis, mas o Jornalismo, em si –definido pelos autores como a “produção deinformação credível e da análise necessária a umdesempenho adequado de uma sociedadedemocrática” –, vive, nas palavras de Castells, “o iníciode uma era dourada”.

A tese assenta na ideia de que, com a evolução doJornalismo em Rede, as pessoas passaram a dispor deuma maior variedade e de um mais fácil acesso àinformação, estando, por isso, mais habilitadas aajudarem as democracias a funcionar melhor.

No entanto, do ponto de vista da profissão dejornalista, os tempos apresentam-se repletos de desafios.Haak, Parks e Castells definem o jornalista actual pelasua capacidade de acrescentar contributos válidos àimensa informação que já existe. Tarefa que se dificultou,dado que a mera transmissão objectiva de informaçãofactual deixou de ser uma mais valia, num mundo emque qualquer pessoa com um smartphone e uma contanuma rede social passou a poder desempenhar esse

papel tranquilamente. “A informação básica que vemos todos os dias nos

jornais será cada vez mais produzida por robôs”, diz Vander Haak. Um quadro de automatização progressiva doJornalismo que tirou sentido à abordagem clássica quecoloca “todos a apontarem os seus microfones, ao mesmotempo, à mesma pessoa”. E que obriga os jornalistas areformatarem-se, apostando mais na interpretação, naanálise e na escrita criativa.

Os autores crêem que os jornalistas mais procurados,no futuro, serão aqueles que dispuserem de uma melhorcapacidade de análise e os mais hábeis na rede. Porqueos jornalistas terão de saber aproveitar aspotencialidades da rede – como a multiplicação de fontes– e acrescentar valor ao manancial de informação que jálá está disponível.

Haak, Parks e Castells defendem, também, que aspessoas, por terem agora muito mais fontes deinfornação, estão mais conscientes do que nunca sobre oseventuais interesses que essas mesmas fontes poderãoservir. Por isso entendem que “já não é a objectividade opilar de um Jornalismo credível no século XXI, mas sim atransparência e a independência”. Mais do que o relatoobjectivo dos factos, importa apresentar um ponto devista. Mas sempre com base nos factos, e não em opiniãoou ideologia.

http://ijoc.org/ojs/index.php/ijoc/article/viewFile/1750/832)

A era dourada do jornalismo

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http://newsosaur.blogspot.pt/2013/04/citizen-journalism-ran-amok-in-boston.html#comments

Jornalismo cidadãoposto à prova em Boston

Será interessante comparar a tese de Haak, Parkse Castells com o que aconteceu, na prática, apósas explosões, em Abril, na Maratona de Boston.

Equipada com iPhones, impulsionada pelo Twitter eamplificada pelo Reddit (www.reddit.com), uma multidãopublicou o que lhe veio à cabeça, sem preocupação deverdade nem consciência das possíveis consequênciasnefastas causadas pela divulgação de informaçãoerrada.

O experiente Alan D. Mutter analisa o fenómeno deforma equilibrada e crítica, reconhecendo que parte doque foi publicado “ajudou as autoridades e os mediatradicionais”, mas sublinhando que a maior parte nãopassou de “informação irresponsável e incendiária”,como quando se nomeou, erradamente, dois estudantescomo suspeitos do atentado, boato amplificado peloReddit e seguido por alguns media tradicionais, comdestaque para o New York Post.

O ponto de Mutter é o de que nada substitui oapuramento correcto e a apresentação objectiva eequilibrada da informação. A vozearia indisciplinada e,por vezes, sem escrúpulos das redes sociais não tornaobsoletas essas qualidades que devem ser apanágio deum jornalista treinado. Faca afiada de Mutter sobretudopara o Reddit, onde “uma espantosa quantidade de

informação tendenciosa só torna mais escaldantesassuntos já de si quentes”. O Reddit é , de resto, tratadopor Mutter como “uma caça às bruxas high-tech”.

Curiosamente, um dos assuntos mais populares noReddit, durante as discussões após o atentado deBoston, prendeu-se com o facto de os mediatradicionais terem “falhado” a história dos supostos“suspeitos”. E era claro, em muitos comentários no“site”, que as pessoas acreditavam mais no que ali eradito do que naquilo que aparecia nos mediatradicionais. O que conduz Mutter à questão de fundo.Um estudo da Universidade George Washington,realizado após a eleição presidencial norte-americana,em 2012, concluiu que, para 63% de inquiridos, ainformação nas redes sociais tem tanta ou maisqualidade do que aquela que é publicada pelos mediaconvencionais. Esse sentimento aprofunda-se napopulação jovem, entre os 18 e os 25 anos de idade.Uma realidade que Mutter associa ao cepticismocrescente face às instituições tradicionais, como osgovernos, as empresas, os sindicatos ou a religião.

Mutter tem a lucidez de reconhecer que não hámarcha atrás neste mundo das notícias em rede. Mas oseu artigo é um apelo a que se pense naquilo queandamos a fazer e em que decidimos acreditar.

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Jornal | Sites

www.flipboard.com

Agregadores: se não podes com eles...

Ocrescimento notável do Flipboard é mais umamanifestação de força dos agregadores deinformação produzida por terceiros. Esta app

para smartphones e tablets – que permite a reunião, numaúnica plataforma, de conteúdos informativos dispersos,sob um formato de revista digital visualmente apelativae personalizável pelo utilizador – atingiu, recentemente,os 56 milhões de leitores. A aplicação teve doismomentos de explosão de utilizadores. Primeiro quandodeixou de ser um exclusivo iOS e passou a ser fornecidatambém para Android. E depois quando evoluiu parauma versão que permite aos leitores publicarem os seuspróprios materiais.

A reacção instintiva dos media tradicionais, queproduzem a informação, foi tentar eliminar estesagregadores, através de processos judiciais. Mas a suaposição evoluiu, e agora tentam aproveitar asoportunidades abertas por estas poderosas plataformasdistribuidoras. Uma das estratégias adoptadas éadquirirem os agregadores, em vez de os processarem.

Foi assim que, por exemplo, a CNN comprou a Zite(www.zite.com), por 20 milhões de dólares. A CNN quepertence à Time Inc, uma das companhias que,anteriormente, enviara cartas à Zite, ameaçando-a comprocessos nos tribunais. Ou então optam por parceriascom os agregadores, casos do Guardian, da Rolling Stone eda Vanity Fair, que publicam no Flipboard ediçõesdesenhadas para esta plataforma.

Entretanto, como demonstra Ricky O’Bannon, naOnline Journalism Review (www.ojr.org/with-aggregation-becoming-big-business-some-publishers-are-playing-along-for-now/#more-2799), apesar do sucesso dos agregadores,persiste o problema de sempre: como conseguir ummodelo de negócio viável para os agregadores e osprodutores da informação? Os agregadores – e associedades de investimento que os financiam –acreditam que, um dia, uma qualquer combinação deanúncios digitais, subscrições, conteúdo premium ecomércio electrónico gerará receitas suficientes paratodos.

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www.cir.ca

Aplicação para breaking newsem smartphones

Com cada vez mais gente a recorrer às plataformasdigitais móveis para se manter informada,instalou-se uma concorrência feroz na busca das

soluções mais atractivas para a apresentação deconteúdos nessas mesmas plataformas. E o Circa quermarcar pontos nesse campeonato. Esta aplicaçãogratuita para iPhone – está já também a serdesenvolvida uma versão para Android – tentaconquistar adeptos apostando na eliminação de toda ainformação redundante sobre uma determinadahistória. Os editores do Circa vão actualizando asnotícias na aplicação apenas com os elementos básicosnovos e relevantes, sem recurso, portanto, a artigos maisou menos longos que repetem informação anterior deuma dada notícia. Sempre que há um novodesenvolvimento de uma história que está a ser seguida

por um utilizador, este é notificado. Sendo que asinformações têm sempre hiperligação para as suasfontes originais e são apresentadas num formatosimples e intuitivo. Outra característica digna de registo:o Circa utiliza mão de obra de jornalistas para produzirconteúdos originais, não se limitando a usar algoritmosou a reproduzir informação criada por terceiros.

www.rebelmouse.com

Tudo o que publicamos nas redes sociais reunido num site

Não sendo uma ferramenta especificamentecriada para jornalistas ou para projectoseditoriais, o RebelMouse tem vindo a consolidar o

seu espaço junto dos profissionais dosmedia. Aquilo para que serve éextremamente simples: reunir num só“site” RebelMouse tudo aquilo quepublicamos nas diferentes redes sociais,como o Facebook, o Twitter ou oInstagram. A vantagem óbvia é ampliaro auditório e o potencial de partilha dasinformações, uma vez que se concentra num único“hub” todo um manancial de informação que,originalmente, se encontra dispersa por uma variedadede plataformas – e só acessível a quem possuir uma

conta nessas plataformas. Este agregador de redes sociais possui ainda a

vantagem de poder ser utilizado de modocompletamente automático, tudocapturando e redistribuindo de formamecânica, ou então geridomanualmente, deixando que seja outilizador a definir o que quer publicar.

Muitos jornalistas têm criadopáginas RebelMouse apenas para

agregar as suas histórias e fotos, masalgumas organizações estão a utilizar esta ferramenta deuma forma mais avançada – ver Jeff Sonderman, emwww.poynter.org/latest-news/media-lab/social-media/195994/5-ways-to-use-social-media-curator-rebelmouse.

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HISTÓRIASDE

JORNALISTAS

O dia de glóriade Urbano CarrascoO Diário Popular fazia, na edição de 13 de Outubro de 1957, a suaprimeira página mais célebre: "O ENVIADO-ESPECIAL DO DIÁRIOPOPULAR FOI A PRIMEIRA PESSOA A DESEMBARCAR NA ILHADO VULCÃO ONDE IMPLANTOU A BANDEIRA PORTUGUESA".

Texto Gonçalo Pereira Rosa* Ilustrações Draftmen

Em 1957, o Diário Popular atravessava asua fase mais pujante. Jornal vespertinoinovador, administrado por FranciscoPinto Balsemão e Guilherme Brás deMedeiros, vivia o 14.º ano e as suas tira-gens rivalizavam com os mais impor-tantes diários do país. Sob direcção de

Francisco da Cunha Leão e chefia de redacção deFernando Teixeira, o jornal contava com colaboradoresexcepcionais. Dois deles merecem uma página à partenesta primeira história improvisada dos casos mais extra-ordinários do jornalismo português. Refiro-me ao jorna -lista Urbano Carrasco e ao ilustrador Stuart Carvalhais.

Provavelmente, ninguém marcou mais a ilustração, asátira e o cartoon jornalístico do século XX do que StuartCarvalhais. Em 1957, Stuart já era um veterano (morreriapouco mais de três anos depois), com um estatu-to venerado entre colegas. Eurico Mendes, umdos seus contemporâneos, lembra que, nestafase, depois de décadas de excessos gastronómi-cos, Stuart já só ingeria água e era o primeiro abrincar com essa situação. Pedia, com humor, queo tratassem, não como Stuart Carvalhais, mascomo Stuart Carvalhelhos. Com um lápis na mão,porém, mantinha a argúcia de sempre.

Urbano Carrasco era um repórter em ascen-são. Destemido, de estilo rápido, telegráfico e rit-mado, procurava os acontecimentos eferves-centes nos quais as suas qualidades de repórterpudessem ser úteis. Tinha reputação - justificada, aliás -de improvisar e resolver qualquer situação. OrlandoRaimundo, seu jovem colega na imprensa, já escreveusobre o dia em que os jornalistas portugueses foram con-vidados pela NATO para uma reportagem a bordo de umporta-aviões. Urbano causou sensação por entrar a bordo

com gaiolas repletas de pombos. O aparato foi ampla-mente gozado pela tripulação. A viagem prosseguiu e, àchegada ao destino, os jornalistas precipitaram-se paracomunicar às redacções os seus textos. Urbano não pre-cisou. Os seus pombos-correio já tinham chegado muitoantes à redacção do Diário Popular. Este sentido prático eos valores jornalísticos do repórter viriam a ser muito úteisdurante a erupção do vulcão dos Capelinhos.

O CONTEXTONo final de Setembro de 1957, após meses de sismos e ruí-dos pavorosos, um novo vulcão mostrou actividade juntoao Capelo, na ilha açoriana do Faial. Enquanto algunsevacuavam a ilha, cientistas e jornalistas voavam para oFaial em busca de informação sobre um vulcão submarino"caseiro, com estrada e telefone privativo", como um dia

lhe chamou Victor Hugo Forjaz,presidente do ObservatórioVulcanológico e Geotérmicodos Açores e principal fonte dememória destes acontecimen-tos.

Urbano Carrasco foi o envia-do-especial do Diário Popular.Todos os dias, telefonava daHorta para a redacção com ainformação actualizada, per-mitindo ao jornal fechar cadaedição diária com notícias "fres-

cas" dos Açores. Durante os primeiros dias de Outubro de1957, as notícias ditadas por Carrasco foram manchete novespertino lisboeta.

Apoiado na informação de Freitas Pimentel (gover-nador da ilha) e de Orlando Ribeiro (responsável da mis-são científica no local), e escutando pontualmente

A ideia de pisar aIlha do Desespero"constituía para mimuma verdadeiraobsessão e fiz,desde a primeirahora, tudo quanto erapossível paraconseguir um barco"

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HISTÓRIASDE

JORNALISTASUrbano Carrasco

Frederico Machado (vulcanólogo açoriano), algunsfaialenses e a geógrafa Raquel Soeiro de Brito (assistentede Ribeiro), Urbano Carrasco relatava diligentemente aangústia dos faialenses perante a evolução da erupção.Pelo meio, pontilhava as crónicas com algum humor, nãoesquecendo a sensação que a geógrafa causara na ilha porter tanta coragem e resistência como os homens e por"vestir calças e calçar botas altas", visão inédita no Faial.

No dia 8 de Outubro, Carrasco contou como o industri-al Carlos Peixoto quase morreu sufocado no seu carro,travado por uma chuva de cinzas; no mesmo dia, davaconta da exportação de gado para a metrópole, preocu-pação urgente dos faialenses face ao desaparecimento dasforragens, tapadas pelas cinzas. E lembrava que, na ilhadas Flores, face à informação confusa que chegava doCapelo, julgou-se que toda a ilha do Faial tinha desapare-cido. Comovido, registava: "Tudo está agora negro comose tivesse sido pintado à pistola com o mais negro alcatrão(...) Sinto-me incapaz de explicar em toda a sua trágicagrandeza esta súbita mutação."

Um dia depois, Carrascocunhou o nome que, durantesemanas, foi atribuído à ilha deareia e cinza formada pelo vul-cão: a Ilha do Desespero. Eacentuava o drama da popu-lação da freguesia do Capelo,como então lhe contava umfaialense: "Tudo o que tenho foiDeus e o meu pai que moderam. Nem o diabo, nem osseus vulcões mo tirarão."

As notícias corriam literal-mente ao sabor do vento. Nodia 10, acentuava-se que asexplosões do vulcão aumen-tavam de intensidade, ao passoque, no dia anterior, o registoera optimista, face ao vento noroeste que empurrava ascinzas para o mar. A missão científica preparava entãouma visita à Ilha do Desespero (mais tarde, Ilha Nova) abordo do navio-patrulha São Tomé, de forma a permitiruma nova perspectiva do vulcão em forma de ferradura.Os jornalistas fizeram finca-pé para participar, mesmoreconhecendo os riscos reais ou imaginários, como "osvapores de água expelidos a mais de cem graus que seri-am capazes de cozer um ser humano, os jactos laterais dovulcão e a emissão de gases". Terá sido neste dia 10 deOutubro que germinou no cérebro de Urbano Carrasco asua ideia mais ousada.

O PLANOÀ medida que o São Tomé aguardava por condições denavegabilidade, Urbano Carrasco conheceu FredericoMachado, eminente vulcanólogo açoriano. Terá sido com

ele que tomou conhecimento da história do ilhéu Sabrina,referente ao ano de 1811.

Com uma origem semelhante à dos Capelinhos em1957, o Sabrina foi também criado por um vulcão, mas aolargo de São Miguel. Num momento histórico de grandesrivalidades territoriais, causou particular consternaçãoentre os portugueses a ousadia de um navio inglês, que seaproximou do novo ilhéu e ali colocou a Union Jack,reivindicando o território. O esforço foi inglório, pois oSabrina submergiu menos de um ano depois, mas ahumilhação patriótica permaneceu no imaginário colecti-vo e decerto impressionou Carrasco.

Mais ainda porque o jornalista conheceu igualmenteneste dia 10 Tomás Vargas, proprietário da casa abandon-ada onde a missão científica se instalara, após os sustossofridos no Farol dos Capelinhos, estrutura anti-sísmica, écerto, mas assustadora quando o vulcão a sacudia furiosa-mente. Já idoso, Vargas contara a Urbano Carrasco "o seudesejo veemente de ir, em futuro próximo, colocar a ban-

deira nacional na ilha". E até já tinha umapreparada para o efeito.

Os dias passaram. O tempo só permitiu aviagem do São Tomé no dia 12, e a resolução deCarrasco ganhou alento, ao navegar com os cole-gas perto do vulcão e ver o cenário dantesco queali se formava. Sentiu que era sua obrigação do -cumentar o que vira, até porque, aos poucos, avida voltava à rotina no Faial. Já não se faziamromarias para ir ao Capelo ver as cinzas. Falava-se menos da erupção. O próprio governador con-siderou apropriado retomar os preparativos parao casamento da filha, numa boda simples, "paranão chocar quem tudo perdera", e durante a qual,por um dia, a "Dra. Raquel trocou as botas e ascalças por um vestido negro".

No entanto, nos Capelinhos, "a contemplaçãodo impressionante espectáculo tornou-se banal(…) Dir-se-ia que a capacidade humana para nos

comovermos profundamente não consegue, na época emque vivemos, manter-se mais do que algumas horas oualguns dias, quando muito."

Em segredo, Carrasco tentava angariar membros paraa sua expedição. A ideia de pisar a Ilha do Desespero "con-stituía para mim uma verdadeira obsessão e fiz, desde aprimeira hora, tudo quanto era possível para conseguirum barco", escreveu. Durante dias, Carrasco tentou aliciartripulantes para a sua operação. Não encontrou volun-tários. Por fim, o mestre de um baleeiro mostrou-se dis-posto a ceder o navio desde que o proprietário o auto -rizasse. Foi necessário segurá-lo em 300 contos. O açori-ano Humberto Teixeira de Sousa assegurou a ligação como Diário Popular e garantiu-se assim o seguro na noite dedia 12. Para tal, a seguradora Sagres tornou-se a primeiraem Portugal a segurar património contra vulcões.

No dia seguinte, o proprietário do baleeiro, capaz de

Urbano mentiu aodono da embarcaçãoe disse-lhe que játinha os quatroremadores. Naverdade, só ofranzino operador decâmara da RTP,Carlos Tudela, aderiraà campanha. Tudelanunca pegara numremo; Urbano sóremara no CampoGrande e em SãoMartinho do Porto

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navegar a 18 milhas/hora, desistiu da operação. Carrascofoi forçado a procurar nova embarcação. E surgiu umgolpe de sorte. "Um açoriano ilustre apresentou-me ao Sr.Eduíno Labescat, faialense descendente de franceses, queme disse: 'Empresto-lhe o meu barco com a únicacondição de se responsabilizar pelos prejuízos ou pela suaperda.' Faltava arranjar quatro remadores, pois o motorpodia falhar. Os voluntários para entrar a bordo do QuoVadis, porém, escasseavam. "Sei que há aqui pessoas cora-josas, mas a verdade é que tive a pouca sorte de só esta -belecer contacto com algumas pessoas que compreensivel-mente não se decidiram a partilhar a minha aventura."

Urbano mentiu ao dono da embarcação e disse-lhe quejá tinha os quatro remadores. Na verdade, só o franzinooperador de câmara da RTP, Carlos Tudela, aderira à cam-panha. Tudela nunca pegara num remo; Urbano sóremara, por admissão própria, no Campo Grande e emSão Martinho do Porto. Mas foram. Saíram do Varadouro,a sete quilómetros do vulcão, e nem o motor conseguiramligar à primeira. Foram ajudados por pescadores a iniciara marcha.

A loucura ainda não terminara. A notícia da aventuracorreu pela Horta. O faialense Carlos Peixoto achou que,no Quo Vadis de Tudela e Carrasco, ia o enviado da revista

Paris-Match, suprema infâmia para Portugal. Decidiuentão, num acto de bravata, que também navegaria para ailha, levando consigo José Ilharco (do Diário de Notícias)e os açorianos Milton Vaz e Manuel Duarte. A este último,ficaram Tudela e Carrasco a dever a vida neste dia.

A ABORDAGEMO Quo Vadis era mais rápido do que o rival e ganhouvantagem. Ao fim de algumas milhas, porém, o motorparou. Tudela e Carrasco nada percebiam de motores.Bem puxavam, mas nada. Passou por eles o barco concor-rente, ganhando vantagem. Providencialmente, Carrascovoltou a puxar pelo motor e este acordou. Voltaram aganhar vantagem sobre o barco rival, ao entrarem na"medonha chuva de lama". Os salpicos da água geladaencharcavam-nos, a areia negra tapava tudo. Os óculosde Carrasco eram inúteis. À proa, Tudela dava indicaçõesgestuais de navegação, pois as vozes não se ouviam faceao ribombar do vulcão. A lama e as cinzas, não só adi-cionavam peso ao barco, como estragaram a máquinafotográfica de Carrasco e ameaçavam a câmara de filmarde Tudela.

"Em pleno centro dessa terrível chuva de cinzas e delama, o motor parou novamente!", escreveu Carrasco.

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HISTÓRIASDE

JORNALISTASUrbano Carrasco

"Roguei a Deus e praguejei. Remávamoslentamente quando o outro barco - tam-bém já com o motor avariado - passoupor nós. Mas naquele barco iam quatropessoas, uma das quais foi pescadordurante dez anos. Sabiam remar..." Aocontrário do que temiam, a água nãoestava a ferver. Trocaram de posição e,por sorte, Tudela conseguiu reatar omotor.

Caíam pedras sobre o barco - peque-nas, felizmente, do tamanho de ovos."Confesso que olhávamos mais para ooutro barco do que para o vulcão",escreveu Carrasco. Os outros pararampara estudar a melhor abordagem, Tudelagritou: "Agora ou nunca!" Avançaram lou-camente, mas, a dez metros da ilha, omotor parou novamente. "Embora a águanão estivesse muito quente, borbulhavasinistramente." O mar estava agitado, masajudou a embarcação. Manuel Duartedisse mais tarde que Carrasco e Tudelacorreram o risco de a embarcação sevirar. Mas, por sorte, as ondas atiraram-nos para terra. Encalharam de proa.Carrasco descalçou-se para tentar salvaros sapatos. Estes caíram à água e perder-am-se. O repórter saltou para terra edisse, aliviado: "Estão frias." De facto, aocontrário do previsto, as areias não escal-davam. Tudela também saltou, decâmara na mão.

A outra embarcação chegou à ilha.Carlos Peixoto pisou terra e veio depoisJosé Ilharco. Abraçaram-se. Tudela eCarrasco levavam uma bandeira, já li -gada a uma vara. O jornalista do Diário Popular correupara um ponto onde calculou que não chegassem aságuas do mar e ali fincou a bandeira. "Chamem-me ridícu-lo, se quiserem, mas, embora sabendo que não cometiheroísmo algum, confesso a minha emoção quando meesforçava por enterrar na areia negra do vulcão a bandeirade Portugal", escreveu.

Carlos Peixoto despiu a camisola com a insígniafaialense e arvorou-a também. Pode durar um ano oudurar muitos, mas "durante a sua vida junto à terra por-tuguesa [a ilha] terá sobre ela a nossa gloriosa bandeira",escreveu Carrasco.

Restava regressar. Voltaram para as embarcações, masTudela estava triste. A sua máquina quase nada filmara,avariada pelas lamas. Pior: a embarcação encalhara. Nãose mexia das areias. Num gesto heróico, Manuel Duarte,que já estava a bordo do navio do Diário de Notícias,lançou-se à água novamente e veio ajudar a tripulação

rival. "Foi graças a ele que conseguimosabandonar a ilha, onde a nossa audácia -e o desconhecimento total das coisas demarinharia - nos lançara", concluiuCarrasco.

A missão louca - mas patriótica - tinhaentretanto contornos inesperados. Outrosjornalistas seguiam à distância a aventura,mas ficaram presos nas lamas a várias cen-tenas de metros do vulcão e não dispun-ham de visibilidade para fotografar ou fil-mar. Nem uma prova fotográfica con-seguiram apresentar. "Por capricho do des-tino, talvez só o repórter francês do Paris-

Match, instalado no farol, tenha obtido boas imagens destaaventura que encerra para mim as reportagens sobre o vul-cão dos Açores", concluiu, com ironia, Urbano Carrasco.

A proeza, porém, galgava distâncias. No Rádio Clubede Angra, o jornalista João Afonso interrompeu a emissãopara dizer que "a ilha já não é só negra. A ilha recebeu assuas primeiras cores: verde e vermelho." O Diário Popularfazia, na edição desse dia 13 de Outubro, a sua primeirapágina mais célebre: "O ENVIADO-ESPECIAL DODIÁRIO POPULAR FOI A PRIMEIRA PESSOA A DESEM-BARCAR NA ILHA DO VULCÃO ONDE IMPLANTOU ABANDEIRA PORTUGUESA", escrevia-se.

Sem fotografias, nem filme, o jornal pediu ao velhoStuart Carvalhais para recriar a cena. Retirando váriosquilogramas à avantajada barriga de Urbano Carrasco, oilustrador produziu em tempo recorde a reconstituiçãoque ilustrou a primeira página desse dia. Guardo apenasuma fotocópia de má qualidade do trabalho de Stuart. O

“Chamem-meridículo, se quiserem,mas, emborasabendo que nãocometi heroísmoalgum, confesso aminha emoçãoquando me esforçavapor enterrar na areianegra do vulcão abandeira dePortugal”

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original andará provavelmente por aí, num alfarrabistaou numa colecção privada, à espera do dia em que se lhepossa fazer justiça e restituir-lhe dignidade na história dojornalismo português.

EPÍLOGOA proeza de Urbano Carrasco foi saudada durante dias naimprensa e televisão portuguesas. Provando que o jorna -lismo é a arte do efémero, também para Carrasco "a con-templação do impressionante espectáculo tornou-sebanal" e, no dia 18, o jornalista abandonou a cobertura jor-nalística do vulcão. Pior: na noite de 29 para 30 deOutubro, o mar engoliu a Ilha Nova e levou consigo, sempiedade, a bandeira nacional a custo ali fincada.

Urbano Carrasco viria a distinguir-se depois nos confli-tos da Índia no Natal de 1961, durante os quais foi encar-cerado. Faleceu em 1982 e talvez ninguém tenha descritomelhor o seu contributo para o jornalismo português doque Baptista-Bastos em 1982, num obituário honesto edesapaixonado, que prestou homenagem ao homem quefigurou quarenta anos na primeira página do DiárioPopular.

António de Freitas Pimentel, médico e político florenti-no, foi governador do Faial até 1973. Deputado da UniãoNacional até à Revolução de Abril, afastou-se depois davida política. Faleceu em 1981. A sua frieza durante a crisedos Capelinhos e a sua intervenção na fase que se lheseguiu, marcada por forte emigração dos faialenses para aAmérica do Norte, mereceram-lhe o reconhecimentogeral.

Orlando Ribeiro faleceu em 1997. Foi o pai da geografiamoderna portuguesa e deixou numerosos continuadores,começando pelo filho, António Ribeiro. Raquel Soeiro deBrito foi porventura a sua discípula mais célebre. Aliás,num texto publicado a 20 de Outubro de 1957 no próprioDiário Popular, Orlando Ribeiro escrevia com justiça: "Aminha assistente Raquel Soeiro de Brito estudara uma ilhados Açores na sua tese doutoral sobre São Miguel, e visi-tara comigo todo o arquipélago, familiarizando-se comestruturas vulcânicas. Há sete anos que me habituei arepartir com esta moça serena, trabalhadora e dedicada asencomendas para que não chego. Dentro da nossa dis-tribuição de mundo lusitano, os Açores foram-lhe dealgum modo adjudicados."

Já estive várias vezes em sessões científicas nas quaisparticipou a professora Raquel Soeiro de Brito. Por muitoque eu tente evitá-lo, o meu primeiro pensamento vaisempre para Urbano Carrasco e tento perceber, com dis-crição, se a professora ainda veste calças e usa botas altas!E, invariavelmente, sorrio.

*Director da edição portuguesa da National Geographic,investigador do Centro de Estudos de Comunicação eCultura da Universidade Católica Portuguesa e autor doblogue ecosferaportuguesa.blogspot.com

URBANO CARRASCO nasceu na

freguesia de Santo Agostinho, no concelho de Moura,

no Alentejo, em 1921. Membro de uma família de

intelectuais, como sublinhava o Diário Popular na sua

edição de 7 de Dezembro de 1982, era primo do escritor

Urbano Tavares Rodrigues, do jornalista Miguel Urbano

Rodrigues e do professor universitário Jorge Tavares

Rodrigues. O seu tio fora o célebre jornalista do Diário

de Notícias Urbano Rodrigues.

Ao serviço do Diário Popular, assinou reportagens

memoráveis em Angola, Israel, no Vietname e mesmo

na interdita União Soviética. Jornalista identificado com

o Estado Novo (como aliás a sua ficha do arquivo

PIDE/DGS não deixa de sublinhar), foi sobretudo um

apaixonado pelo jornalismo e um dos principais

repórteres da imprensa escrita nacional da segunda

metade do século XX. Faleceu na madrugada de 7 de

Dezembro de 1982.

JJ

Urbano Carrasco na redacção do Popular, em meados dos

anos 60

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Fernando VeludoFernando Veludo nasceu no Porto em 1958.Formou-se em fotografia na CooperativaÁrvore (actual ESAP - Escola Superior Artísticado Porto).É fotojornalista profissional desde Junho de1988, iniciando colaborações regulares com osemanário "Expresso" e o matutino "Diário deNotícias".Em Outubro 1989 fez parte da equipa dejornalistas fundadores do jornal "PÚBLICO",onde foi editor na redação do Porto durante seteanos. Sai em janeiro de 2007 para encabeçar oprojeto nFACTOS, uma empresa de jornalismomultimeios, que produz trabalhos jornalísticosnas áreas da Imprensa, Rádio, Televisão eInternet.O seu trabalho desenvolve-se por todo oterritório nacional e no estrangeiro sublinha asreportagens feitas na Bósnia, em Angola, naGuiné-Bissau, em Israel e na Palestina, emTimor-Leste e em Moçambique.Entre 1996 e 1998 integra a Direção do Sindicatodos Jornalistas (SJ).Cria o Núcleo de Repórteres de Imagem do SJ efomenta a edição do primeiro anuário defotojornalismo português "FOTOJORNALISMO".A partir de 2001 começa a lecionar

Fotojornalismo no IPP, Instituto Politécnico doPorto, Escola Superior de Educação e participacom regularidade em aulas, workshops econferências em diversas instituições de ensinoonde destaca a Universidade do Minho emBraga, o ISMAI na Maia e a Escola Soares dosReis no Porto.Participou em exposições coletivas na área dofotojornalismo em Portugal, Espanha, França eBrasil.Tem trabalhos publicados em diversos livros,destacando "Captured Images / Beelden invervoring" no âmbito do Porto e Roterdão -capitais europeias de cultura 2001, e em Maio de2006 o livro de poesia "O aparo do demónio"(edições Afrontamento) em parceria com ojornalista e poeta Alberto Serra.Algumas das suas fotografias foram distinguidascom diversos galardões: no concurso AméricoRibeiro de Fotojornalismo nas comemoraçõesdos 20 anos do Parque Natural da Arrábida, noPrémio Nacional de Fotojornalismo 95 "PlatãoMendes" - promovido pelo (extinto) Clube deJornalistas do Porto, no prémio Nacional deFotografia de Imprensa FUJIFILM 96 (mençãohonrosa), no Grande Prémio Visão deFotojornalismo (menção honrosa).

IMAGENS DOREPÓRTER

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4 de Abril de

2004.

Curandeiro nos

arredores de

Nampula, em

Moçambique

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IMAGENS DOREPÓRTER Fernando Veludo

26 de Outubro de 2009.

Projecção do filme Romeu e Julieta no acampamento

de ciganos no lugar de Baralha (Sanguedo, Stª. Maria

da Feira), no âmbito do projecto Imaginarius

e do realizador MARCO MARTINS

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Da Imprensa Libertária Portuguesa

O caso da revistaNova SilvaA Nova Silva – revista ilustrada publicou-se no Porto, entre 2 de Fevereiro (n.º 1) e10 de Abril de 1907 (n.º 5)1. A periodicidade, quinzenal, não impediu quetivesse uma duração muito efémera. Só a partir do terceiro número, de 5 deMarço, ficamos a conhecer formalmente os directores da Nova Silva: LeonardoCoimbra (1883-1936), Jaime Cortesão (1884-1960) e Álvaro Pinto (1889-1957)2. Oeditor era Carlos Gonçalves. Ficamos ainda a saber que a redacção eadministração da revista estava situada numa das principais artérias da cidade,a Rua de Santa Catarina, 438, que a “grafia”, leia-se impressão, era asseguradapela Imprensa Civilização, na Rua de Passos Manuel, 215, e os desenhos pelaOficina de Gravura Cristiano & Nunes.

Texto Álvaro Costa de Matos*

No que toca ao preço, cada número da NovaSilva, avulso, custava 30 réis, enquanto umasérie, de 8, ficava em 300 réis; por página,um anúncio disparava para os 2000 réis, por“fracções” (por exemplo, meia página) era

pago “proporcionalmente”. As reclamações deveriam seracompanhadas do número de assinatura e enviadas paraa redacção da revista. Esta aceitava “toda a colaboraçãoinédita”, reservando-se naturalmente “o direito de a inse-rir ou não, conforme o julgarmos”. Este era um dos expe-dientes recorrentes neste tipo de publicações, não só paraas valorizar, com novos conteúdos (textos ou desenhos),mas também para fidelizar potenciais leitores.

De seguida, procuraremos contextualizar o apareci-mento da Nova Silva, e, nos capítulos seguintes, a suaorganização gráfica, orientação editorial, principais cola-boradores literários e artísticos, terminando com algumasconclusões sobre o significado e impacto político e cultu-ral desta revista na sociedade portuguesa da época.

CONTEXTO HISTÓRICOQuando a Nova Silva surgiu, a 2 de Fevereiro de 1907, noPorto, João Franco (1855-1929) era presidente do Governo,fruto duma “Coligação Liberal” entre franquistas e pro-gressistas. Foi um período importante, pois segundo RuiRamos estava-se a fazer em Portugal uma “revolução den-tro da monarquia constitucional”3. A ideia era, por oposi-

ção ao passado do rotativismo, implementar um regimeconstitucional a sério, governando no Parlamento, à inglesa.A legislação franquista vai por isso alvejar as aspirações enecessidades que as ideias liberais atribuíam às classesmédias e trabalhadores urbanos. No domínio social, porexemplo, instituiu um fundo nacional de pensões para ostrabalhadores. Franco procurou também ter uma nova rela-ção com o rei, mais transparente e correcta, e, como contra-partida, D. Carlos I (1863-1908) deu a Franco os meios degoverno de que este necessitava. A oposição, com o seuterreno político ameaçado, acusava Franco de estar a“corromper o povo”. Os republicanos sentiram mesmoque algumas das suas bandeiras políticas estavam a seradoptadas por Franco e, como tal, endureceram a violênciadas suas críticas, quer no Parlamento quer na rua.

Sem surpresa, a Nova Silva alinhou com o antifranquis-mo, posicionamento que é sobretudo detectável quandorebentou a crise académica de 1907, pouco depois da publi-cação do número 2 da revista, a 17 de Fevereiro. Entre osexpulsos da Universidade de Coimbra, por um e dois anos,encontrava-se Cláudio Basto (1886-1945), um dos directo-res e colaboradores da Nova Silva. A revista, como publica-ção de estudantes, vai intervir naturalmente na greve aca-démica de Coimbra, que se estendeu a outras escolas supe-riores e secundárias, em Lisboa e no Porto. Álvaro Pinto eJanuário Leite foram os mais inconformados, levantando obrado de adesão. O que estava em causa era o ensino na

MEMÓRIA

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Universidade, nomeadamente na Faculdade de Direito. Acontestação estudantil pretendia uma renovação pedagógi-ca, cultural e intelectual da Universidade de Coimbra, hámuito desejada, nomeadamente nos métodos de ensino, noforo académico, na burocracia universitária e no conserva-dorismo ideológico. Portanto, mais do que uma questãopolítica, era a vontade de mudança que animava os jovens.Mas quando a polícia teve de conter os estudantes, já entãomanipulados pela oposição (republicana, sobretudo), “foifácil pôr a Franco a carapuça do tirano da juventude gene-rosa”4.

No fim de tudo isto, uma dasrespostas ensaiadas por Francofoi um maior controlo sobre aimprensa, exercido através daLei de 11 de Abril de 1907, con-siderada pelo monárquico Júliode Vilhena, como um “ignóbilferrolho para manietar vilmen-te a liberdade de pensamen-to”5. Publicada um dia depoisdo último número da NovaSilva, de 10 de Abril, desconhe-cemos se houve alguma relaçãoentre esta lei e o desapareci-mento da revista. Este novoquadro legal foi completadocom o Decreto de 20 de Junhode 1907, que proibia a circula-ção ou publicidade a escritos “atentatórios da ordem ousegurança pública”, estabelecia a autorização prévia paratodos os periódicos, e entregava a imprensa ao arbítriodos governadores civis6. Como consequência, a agitaçãosocial aumentou, ao mesmo tempo que os progressistasretiravam o seu o apoio parlamentar ao Governo, a que seseguiu a demissão dos ministros progressistas: ao contrá-rio do que prometera no ano anterior, em vez de governarà inglesa, João Franco passa a governar à turca (2 de Maio de1907), passando a uma situação efectiva de ditadura. Aoposição política cresce e é denunciada uma conspiraçãopromovida por republicanos e dissidentes progressistas(28 de Janeiro de 1908). A 1 de Fevereiro de 1908 dá-se oregicídio, com o rei D. Carlos I e o príncipe herdeiro LuísFilipe a serem assassinados à chegada a Lisboa. JoãoFranco é responsabilizado pelo extremar de posições epela falta de segurança pública e demite-se, sendo substi-tuído a 4 de Fevereiro por um governo de acalmação presidi-do por Francisco Joaquim Ferreira do Amaral.

ESTRUTURA GRÁFICA E PAGINAÇÃOCada número da Nova Silva reunia 16 páginas, o que foisempre cumprido nos 5 números que saíram. No mioloprevaleciam os textos a duas colunas, interrompidas nasduas primeiras edições por desenhos e caricaturas, naspáginas 8 e 9; a partir do terceiro número abandonou-se

esta solução gráfica, e os desenhos aparecem distribuídosaleatoriamente nas páginas de cada edição. As capas apre-sentaram-se sempre com ilustrações, das mais importan-tes que a revista deu à estampa; exceptuando o n.º 4, de 24de Março, todos os restantes números fecharam a últimapágina igualmente com desenhos ou caricaturas. A ima-gem era uma componente importante da Nova Silva (reite-rada no subtítulo da revista), e visava dar eficácia às ideiaspolíticas defendidas nos diversos géneros que utilizava,como a ilustração, a caricatura e o cartoon. Foi alimentada

por alguns dos artistas plásticos mais relevan-tes da época, como iremos ver no capítulodedicado à colaboração literária e artística.

A Nova Silva não tinha uma estrutura gráficafixa; pelo contrário, predominava uma arruma-ção muito heterogénea, com poucas secçõesregulares. Destas, destacamos a secção “Vulga -rização Doutrinária”, destinada à publicitaçãode textos de autores importantes, na linha polí-tica da revista, acompanhados dos respectivosretratos – frequentemente complementadospor muitas citações breves de vários autores,com destaque para Tolstoi; “Bibliografia”, ondeLeonardo Coimbra, Álvaro Pinto, JaimeCortesão e Januário Leite (1865-1930) despacha-vam a crítica literária; e “Vária”, da maior utili-dade para ficarmos a par da recepção da NovaSilva junto da imprensa contemporânea, daspolémicas que travou com outros periódicos,

do aparecimento de outros títulos, ou mesmo da realizaçãode eventos que mereceram a sua atenção, como foi o casoda organização duma Liga Pacifista Portuguesa ou dumCongresso Contra a Tuberculose.

Além destas secções mais literárias, existiam secçõesexclusivamente plásticas, como “Instantâneos”, “Tipo dosCafés” e “Tipo das Ruas”, com caricaturas de VirgilioFerreira. Igualmente úteis são os sumários que começa-ram a sair a partir do número 3, sobretudo para identificaros autores das ilustrações, desenhos ou caricaturas, paraquem não está familiarizado com as suas assinaturas ourubricas.

Quanto ao impacto do surgimento da revista ilustradanão resistimos a reproduzir o comentário de resposta àperplexidade que o nome Nova Silva teria causado:

“O nome da revista irritou os cérebros de fenda simia-na, profundamente marcada.

- Silva?! Uma revista apelidada Silva?!E uns inquiriam se a revista era de botânica e outros

estavam fiados em que ela se chamava Silva como podiachamar-se Magalhães, Costa, Marques ou Freitas. Houvequem nos dissesse devotos de S. Silvestre a par de outrosque nos incorporavam na irmandade de Nossa Senhorada Silva. Ignorância supina!

Os que se chegavam a nós dardejavam-nos quatro des-composturas e aqueles a quem tínhamos a caritativa

MEMÓRIA O caso da Nova Si lva

O libertarismo oulibertarianismo da NovaSilva não se filia noliberalismo clássico, muitomenos noanarcocapitalismo ou nominarquismo. Trata-se,antes, dum libertarismoanarquista, assente naoposição a qualquer tipode ordem hierárquica quenão seja livremente aceite;daí advogar a eliminaçãototal de todas as formasde governo compulsório

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LEONARDO COIMBRA: filósofo,

professor e político, nasceu em Borba de Godim, Lixa,

a 30 de Dezembro de 1883, e morreu no Porto, a 2 de

Janeiro de 1936, num acidente de automóvel. Concluiu

em 1909 o Curso Superior de Letras, em Lisboa.

Depois da experiência da Nova Silva,

fundou com outros intelectuais, em

1912, a “Renascença Portuguesa”,

movimento literário que teve como

órgão de divulgação a revista A Águia.

Do ponto de vista intelectual, evoluiu do

criacionismo para uma filosofia mais

essencialista e idealista. Pelo meio, foi

um dos maiores impulsionadores do

espiritismo em Portugal. Fez parte do PRP. Como

político, foi por duas vezes Ministro da Educação, em

1919 e 1923: criou as Escolas Primárias Superiores,

reformou a Biblioteca Nacional, fundou a Faculdade de

Letras da Universidade do Porto, onde foi director e

professor, e defendeu a liberdade do ensino religioso

nas escolas particulares fiscalizadas pelo Estado, o

que causou grande polémica. Converteu-se ao

catolicismo em 1935.

ÁLVARO PINTO: jornalista, editor e

dinamizador cultural, nasceu a 29 de Novembro de

1889, em Barca de Alva, Figueira de Castelo Rodrigo, e

morreu em Lisboa, em Fevereiro de 1957. Como

jornalista, além da Nova Silva, colaborou nos jornais

portuenses O Norte (1900), A Vida (1905-

1910), que dirigiu a partir de Março de

1909, Voz Pública (1891-1909), A Pátria

(1909), o diário republicano A Montanha

(1911-1936), que ajudou a fundar, A

Bomba (1912), que também dirigiu,

entre outros. Foi um dos fundadores da

revista A Águia, director e proprietário

da primeira série (1910-1911). Passou

pela Biblioteca Nacional em 1919. Em Março de 1920

partiu para o Brasil: aqui, com Jaime Cortesão, fundou

a editora Anuário do Brasil, onde deu a conhecer

vários autores portugueses. Regressou a Portugal em

1937: no ano seguinte fundou a Ocidente, que se

manteve até 1973, e quatro anos depois, em 1942,

lançou ainda a Revista Portugal – ambas reuniram

colaboração literária a artística de excelência.

Figura 1 Figura 2

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pachorra de explicar o motivo do título, riam-se incrédulae desdenhosamente.

E ¿ quien podrá desengañar la ignoráncia y la insolén-cia?

disse, com acerto, Lope de Veja.Pois eles não haviam de saber todas as significações da

palavra Silva! É raro um português não parolar de tudo.E em vez de encolhidamente farejarem um dicionário-

zinho saíam as ratas sábias, prenhes de filáucia, a chas-quear da Silva.

Mal íamos se fossemos citar, a esses petulantes, passosde autores clássicos para justificar o nome que escolhemospara a revista.

Eles apenas lêem os cartazes das esquinas e as folhi -nhas dos calendários. Não queremos apontar-lhes tam-bém o que dizem os dicionários de Fr. Domingos Vieira,Morais, Aulete, Cândido de Figueiredo e até o de João deDeus. É comida demasiado fina.

Mas não podemos furtar-nos a indicar-lhes dois dicioná-rios do Povo que (sem reclamo) apenas custam uns 3 tos -tões, cada um.

O n.º 3 desses dicionários do Povo é o dicionário da línguaportuguesa; diz ele:

Silva… miscelânea literária. Já dá ideia. O dicionário por-tuguês-francês da mesma colecção diz:

Silva… Collection de traités sur divers sujets (cautela:sujets quer dizer assuntos).

Ora aí estão dois modestos dicionáriozinhos que dão aentender o que será Nova Silva!

Se em vez de Silva – fosse, por exemplo, Magazine todosfingiam perceber…”7.

PROGRAMA POLÍTICO E PÚBLICO-ALVODaniel Pires, no seu importante Dicionário da ImprensaPeriódica Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940), noverbete que dedica à Nova Silva, defende que a publicaçãoreflectia “influências de carácter libertário, publicando tex-tos de doutrinadores anarquistas”, manifestando-se“ostensivamente contra o militarismo, como se depreendede uma caricatura de Cristiano de Carvalho, por exem-plo”, publicada no n.º 5. Acrescenta ainda que “incide par-ticularmente a sua atenção na divulgação dos princípiosda «Escola Livre», com um ensino integral e abrangente.Pugna pela revolução, pelo fim da exclusão social, de queo poema «A Canalha» de Gomes Leal é paradigma”8. Masjulgamos que podemos aprofundar um pouco mais o pro-grama político desta revista e o propósito da sua criaçãoem 1907.

Desde logo, importa esclarecer que o libertarismo oulibertarianismo da Nova Silva não se filia no liberalismoclássico, muito menos no anarcocapitalismo ou no minar-quismo. Trata-se, antes, dum libertarismo anarquista,assente na oposição a qualquer tipo de ordem hierárquicaque não seja livremente aceite; daí advogar a eliminação totalde todas as formas de governo compulsório. Aliás, este

libertarismo anarquista é logo detectável na nota de aber-tura da Nova Silva, que pretende funcionar como umaespécie de editorial ou programa político da revista:

“LIBERTASSem servilismos de programas, de escolas, de dogmas

– absolutamente livres de preconceitos – obedeceremostão-somente aos impulsos da razão incoercível e indoma-da.

Libertas!Na luta das paixões, que convulsionam a Humanidade,

será essa palavra fecunda o estímulo da nossa actividade,a directriz do nosso esforço.

Libertas!Sim, liberdade e com ela, o supremo Bem, a suprema

Justiça.”9

Duma assentada, temos aqui os três pressupostosestruturantes do anarquismo: a exaltação do indivíduo, adefesa intransigente da liberdade e a quase divinizaçãoda justiça, o “supremo Bem”, na esteira do espírito doutri-nário de Proudhon (1809-1865).

Dentro deste anarquismo da Nova Silva é possível vislum-brar ainda, embora todas vinculadas pelos seus ideais-base,diferentes declinações ou variantes anarquistas. Atente-senos “textos de doutrinadores anarquistas” referidos porDaniel Pires, que julgamos tratar-se dos 5 textos publicadosna secção “Vulgarização Doutrinária”, de Heliodoro Salgado(1861-1906), Sebastien Faure (1858-1942), Piotr Kropotkine(1842-1921), Antero de Quental (1842-1891) e Victor Hugo(1802-1885). Enquanto Heliodoro Salgado, por exemplo,remete, em “Catecismo Liberal”, para um anarquismo indi-vidualista, alicerçado no “respeito absoluto da dignidadeindividual, pelo reconhecimento da integral individualidademoral, intelectual e física de todos e de cada um”10, do pontode vista político, já Kropotkine (escritor russo, um dos prin-cipais pensadores políticos do anarquismo, fundador da ver-tente anarco-comunista), em “Palavras de um rebelde”,advoga um anarquismo colectivista, ao defender a “revolu-ção social” contra “as infâmias e todos os privilégios”11.

Acrescentaria, portanto, que, mais do que reflectir“influências de carácter libertário”, a Nova Silva assume-seplenamente como uma revista de doutrinação libertária.Tal programa pode ainda ser corroborado nos principaistextos teóricos então publicados: “O homem livre e ohomem legal”, e “O despotismo na família”, de LeonardoCoimbra12, e “A liberdade e o calendário” e “O exterior daigreja”, de Álvaro Pinto13. Ou mesmo no protesto deLeonardo Coimbra contra a condução de um processoentão muito mediático, em Espanha, lavrado no artigo“Por Ferrer e Nakens”14.

A par deste libertarismo anarquista, temos uma fortetendência anticlerical veiculada por alguns dos principaiscolaboradores da Nova Silva – tendência aliás dominanteno escol estudantil da época. É o caso, por exemplo, deÁlvaro Pinto, que no texto já citado - “O exterior da igre-ja”, com desenho expressivo de Virgilio Ferreira -, desfere

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CLÁUDIO BASTO: professor, etnógrafo e

filólogo, nasceu em Viana do Castelo, a 23 de Agosto de

1886, e morreu em Carcavelos, a 2 de Maio de 1945. Fez

o curso médico-cirúrgico no Porto, concluído em 1911,

com tese defendida e publicada no ano seguinte, Alma

Doente. A Génese da Psicastenia. Mas

não se dedicou à medicina, enveredando

pela actividade docente, nas disciplinas

de ciências e letras: no liceu de Viana, na

Escola de Ensino Normal, na Escola

Primária Superior João Rocha, e na

Escola Industrial de Faria Guimarães, no

Porto. A par da Nova Silva, CB foi ainda

fundador ou cofundador de outras

revistas, como Límia, Lusa e Portucale, entre outras.

Como etnólogo e filólogo são de destacar os trabalhos

que publicou na Revista Lusitana, os verbetes que

escreveu para a Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, e

os artigos sobre língua portuguesa que reuniu nas

revistas acima citadas: ocupou-se de assuntos novos e

foi autor de um dos primeiros trabalhos de geografia

linguística editados em Portugal. Tem ainda obra de

cronista, ficcionista e poeta.

Figura 3

Figura 5

Figura 4

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um violento ataque à “grandiosa hipocrisia” e à “imensalibertinagem que a igreja exterioriza e mostra”, isto é, aosseus símbolos e imagens. Esta reverência ao exterior signi-ficaria, para Álvaro Pinto, “o mais extraordinário sintomada mais vergonhosa subserviência”. E acrescenta: “Saudaruma imagem, saudar uma cruz, saudar um cortejo, por-que algum selvagem assim o quer, assim o manda, assim oimpõe, excede infinitamente a intransigência das doutri-nas e o dogmatismo das convenções religiosas. A igrejaexterior é o supremo arbítrio que cumpre aniquilar devez” (sublinhado nosso).

Nesta linha de pensamento, o clero é a “seita” que tentailudir o “homem com a sua natural tendência para a luz”.Consequentemente, “o elemento clerical é na sociedade afidedigna representação de suas descendências inferiores.Acorrentado ao pelourinho duma fé estatuída há milharesde anos, tem-se negado, em minoria por convicções, emmaioria por interesses, à influência da evolução. O cleroactual é o clero de todos os tempos. (…) A pretexto de ado-rações e consagrações come e bebe missas. A pretexto deremissões usa e abusa dum dos mais degradantes focos deimoralidade a que chamam confessionários. A pretexto deoutras várias consagrações organiza préstitos, Te-deuns, res-ponsos, ladainhas, e mil sabujices idênticas. Em todas elas oespírito clerical é o mesmo – o espírito matreiro do loboentre o rebanho, o espírito endurecido do carrasco espo-liando a vítima”. À fé acima referida, Álvaro Pinto contra-põe a fé na “verdade suprema e eterna”, no “racionalismo”,no “amplo seio da vida”, na “luminosidade do espírito”.

Depois da destruição do “negro clericalismo”, da “igre-ja exterior”, seguir-se-ia a construção duma “organizaçãonova”, alicerçada na “ideia”, conceito que na altura estavaassociado à doutrina anarquista. Nos escombros daquela,edificar-se-ia “o casebre do pobre”. As pedrarias, o ouro, eas alfaias do clero iriam “mitigar a fome dos desgraçados.As suas sedas transformar-se-ão no puro linho que cubraa miséria e a desventura. As suas imagens e os seus símbo-los irão produzir nos meigos lares da resignação o fogovivo que acalente os corpos e incendeie as almas”. Até ospróprios “ornamentos clericais” tornar-se-ão humanos,“abaterão os seus intuitos perversos e apoiarão com entu-siasmo a causa da Revolução”.

A que público-alvo se dirigia a Nova Silva? Estamos emcrer que ela tinha como principais destinatários os estu-dantes do Porto, a academia portuense, incluindo mesmoos do liceu. Desde logo porque se publicou nesta cidade;depois porque os seus directores e principais colaborado-res estudavam nesta altura no Porto: Leonardo Coimbrana Academia Politécnica; Jaime Cortesão frequentava aEscola Médico-Cirúrgica – ambos tinham passado primei-ro por Coimbra; Cláudio Basto estudava na mesma escolade Cortesão; Álvaro Pinto, depois de fazer o curso dosliceus em Bragança, esteve também na AcademiaPolitécnica e na Escola Médico-Cirúrgica do Porto. Logo,era perfeitamente natural que quisessem partilhar as suas

ideias políticas, filosóficas e literárias com os seus colegasde escola; acresce que Jaime Cortesão, Leonardo Coimbrae Álvaro Pinto estavam também por dentro da boémialiterária que animava a cidade do Porto, e que era umapotencial devoradora da sua Nova Silva; finalmente, criarnesta altura uma revista literária anarquista, ou de doutri-nação libertária, era uma tentação para uma elite estudan-til. Como já se disse, em 1907 o anarquismo, representan-do sobretudo um ideal filosófico (o seu papel activo nossindicatos, já com características revolucionárias domi-nantes, na linha do sindicalismo francês, só emerge a par-tir de 1909), influenciava claramente uma parte importan-te da intelligentsia estudantil.

Sabemos ainda, através de alguns testemunhos daépoca, citados por Alfredo Ribeiro dos Santos, na sua obraA Renascença Portuguesa. Um Movimento Cultural Portuense,que “o grupo da Nova Silva impressionou uma camadanova, então de alunos do Liceu” (o que corrobora o queacima dissemos), e que se chegou mesmo a criar, não umaEscola Livre15, como anunciou a revista, mas um outrogrupo, Os Amigos do A. B. C., “transposição portuguesa deanálogo grupo que aparece nos Miseráveis de Victor Hugo,originado no calembourg: “Les amis de l’Abaissé” (l’abaisséera, claro, o povo). Tinha esse grupo a sua sede lá para osaltos da Rua da Fábrica e ali se tratava de iniciar operáriosno conhecimento das primeiras letras e de lhes formar océrebro na doutrina anarquista”16. Ribeiro dos Santosacrescenta ainda que “todos colaboram com grande interes-se nesse clube político, «que se propunha realizar uma fra-terna acção cultural junto das camadas populares». JaimeCortesão, um dos principais obreiros, recordou muito anosdepois esta sua experiência de pedagogia activa”17.

COLABORAÇÃO LITERÁRIA E ARTÍSTICANo que toca à colaboração literária, era assegurada desdelogo pelos próprios directores da revista, LeonardoCoimbra, Jaime Cortesão, Álvaro Pinto e Cláudio Basto.Estes foram sem dúvida os principais colaboradores literá-rios da Nova Silva. Da pena de Leonardo Coimbra saíram,como vimos, alguns dos mais importantes textos teóricosde vulgarização do anarquismo: reflectiu sobre aLiberdade, a docência e o despotismo na família. A suacolaboração compreendeu ainda matéria pedagógica18 ebreves recensões literárias, na secção “Bibliografia”. JaimeCortesão teve uma actividade transbordante, privilegian-do a poesia, com “Meu irmão Rouxinol!”19, uma poesiacom sugestões panteístas, “Boa vizinha”20, “Canção daCarne”21, os sonetos “A Fonte” e “A Borboleta”22 e “Olhosnos Olhos”23, no domínio do lirismo amoroso. ÁlvaroPinto ocupou-se igualmente da vulgarização doutrinária:além dos textos acima citados merece destaque o artigo“Palinjenésia social”24. Outra das suas preocupações foi aquestão do ensino universitário, patente nos textos “Aescola Livre”25 e “Traidores e cobardes”26. Deu aindapequeno contributo nas recensões literárias. Cláudio

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JAIME CORTESÃO: médico, político,

escritor e historiador, nasceu em Ançã, Cantanhede, a

29 de Abril de 1884, e morreu em Lisboa, a 14 de

Agosto de 1960. Formou-se em Medicina, na

Universidade de Coimbra, em 1909, depois ter passado

pelas escolas do Porto, Coimbra e

Lisboa. Além da Nova Silva, esteve na

fundação da revista A Águia, em 1910,

com Teixeira de Pascoaes, e em 1912

participou no movimento da

“Renascença Portuguesa”. Foi professor

no Porto, entre 1911 e 1915. Em 1919 foi

nomeado director da Biblioteca Nacional

de Portugal. Em 1921 fundou com outros intelectuais a

revista Seara Nova, abandonando a RP. Esteve exiliado

em França (1927-1940), por ter estado envolvido numa

tentativa de derrube da ditadura militar; partiu depois

para o Brasil, onde se dedicou ao ensino universitário:

data desta altura a sua especialização em história dos

descobrimentos portugueses e da formação territorial

do Brasil, com obra publicada. Regressou a Portugal

em 1957,

envolvendo-se na campanha de Humberto Delgado: foi

preso com António Sérgio e outros em 1958, ano em

que veio a ser eleito presidente da Sociedade

Portuguesa de Escritores. Tem vasta obra literária e

historiográfica publicada. A título póstumo recebeu

várias condecorações oficiais.

Figura 6

Figura 8

Figura 7

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Basto também deixou a sua marca no anti-clericalismo daNova Silva, com “O umbigo dos pais primitivos”27, aju-dando ainda na secção “Vária”.

Depois dos directores, que deixaram a colaboraçãomais relevante, importa salientar a colaboração póstumade Eduardo Coimbra, com soneto inédito, e AntónioRodrigues, também com um poema inédito; e ainda deAntónio Ribeiro Seixas, cunhado de Leonardo Coimbra ealuno da Escola Médico-Cirúrgica do Porto, com poesiasde sentido social; Campos Lima (1877-1956), “jornalista,orador e activo obreiro de iniciativas de naturezasocial”28, igualmente com poemas de sentido social;Daniel Ferreira da Silva, também com poemas; JanuárioLeite (1865-1930), com um artigo bastante crítico daUniversidade de Coimbra29; Aristides Gomez, que dis-sertou sobre o “Espiritismo”30; e Gomes Leal (1848-1921),com a composição poética “A Canalha”31.

Não menos notável foi a colaboração artística da NovaSilva, que se subintitulava de revista ilustrada. JaimeCortesão iniciou nesta revista a expressão do seu talentocomo ilustrador e desenhador, com retratos de AntónioJosé de Almeida (figura 1) e de João Chagas (figura 2), nascapas dos dois primeiros números, e de Camilo (N.º 3),Campos Lima e Antero (N.º 4), Gomes Leal e Victor Hugo(N.º 5). Mas foi Virgilio Ferreira, estudante de Medicina,quem ilustrou profusamente a Nova Silva com grande ori-ginalidade, plasmada nas secções “Tipos das Ruas” (sérieque chegou a ser usada para fechar as duas primeiras edi-ções (figuras 3 e 4), “Tipos dos Cafés” e “Instantâneos”.Nesta, temos caricaturas de Ribeiro Seixas, Jaime Cortesão(figura 5) e António Coimbra. Ilustrou vários textos, usan-do o cartoon político nas páginas centrais, de que são exem-plo os desenhos “A Ordem” (N.º 1 | figura 6) e “O Carnavalno Porto” (N.º 2 | figura 7), bem como em algumas das últi-mas páginas. O seu traço revela claramente a influência deRafael Bordalo Pinheiro, inscrevendo-se na tradição davelha sátira política de Oitocentos, que conhece nestesanos “um novo impulso criativo”32 pelo lápis dos conti-nuadores do mestre, como Silva Monteiro, FranciscoValença, Alonso (Santos Silva), Jorge Colaço, ManuelMonterroso, entre outros, e a que podemos acrescentaragora o de Virgilio Ferreira. Quase nos antípodas, no gra-fismo e no tipo de humor, está Cristiano de Carvalho(1874-1940), outro dos colaboradores artísticos desta revis-ta académica. Com um traço que deixa antever um registoneo-realista, ilustrou a capa dos 3 últimos números daNova Silva, abordando temas sociais, em “Novos Tempos”(N.º 3 | figura 8), e políticos, “O Caso Ferrer” (figura 9) e“Militarismo Profissional (a propósito do caso H. Cristo” |figura 10) (N.º 4 e 5, respectivamente). Foi, sem dúvida,“um desenhador humorista de forte cunho crítico”, queusou a sua arte como uma “arma de denúncia da injustiçasocial”33, que ia ao encontro da sua postura anarco-sindi-calista. Por fim, temos José de Meira, com um estilo próxi-mo do modernismo. Ilustrou algumas anedotas, fazendo

um bom contraste entre o preto e o branco, com um grafis-mo mais apurado, e publicou numa das páginas centraisdo primeiro número “Au Salon Modele” (figura 11), um car-toon que visava abertamente o quotidiano, o “impessoal”,como defendiam os modernistas, num registo irónico, quea crítica dos costumes sociais e a ridicularização dos hábi-tos das classes médias começava a impor34.

Depois da experiência da Nova Silva, muitos destesjovens, como Jaime Cortesão, Leonardo Coimbra, ÁlvaroPinto, Januário Leite, Cristiano de Carvalho, entre outros, aque se juntará Teixeira de Pascoaes, vão participar na cria-ção de uma das revistas culturais mais importantes da pri-meira metade do século XX, A Águia (1910-1932), que será aporta-voz do movimento da Renascença Portuguesa. Peloque não surpreende, quando folheamos esta revista ilustra-da de literatura e crítica (do subtítulo), que encontremos lá lai-vos do anarquismo e do humanismo da Nova Silva, desig-nadamente nos números especiais que A Águia vai dedicara Tolstoi e a Victor Hugo. Mas isto já é outra história…

BREVES CONCLUSÕESA Nova Silva é uma revista libertária anarquista, de divul-gação doutrinária, reunindo nas suas páginas diferentesdeclinações teóricas do anarquismo (individualismo ver-sus colectivismo). Tem uma acentuada componente anti-clerical, com grande recepção no meio universitário daépoca. Foi publicada no Porto, no início de 1907, duranteo Governo de João Franco, e era sobretudo dirigida aosestudantes, nomeadamente aos da academia portuense:daí a importância que deu aos pressupostos da “EscolaLivre”, com um ensino integral e abrangente. Sem surpre-sa, criticou fortemente o Governo na crise académica de1907, em Coimbra, defendendo uma renovação total doensino, por contraste com o conservadorismo pedagógicoreinante. Contou com colaboração literária e artística derelevo, de que destacamos, nos escritos, LeonardoCoimbra, Jaime Cortesão, Cláudio Basto e Álvaro Pinto, e,nas ilustrações, Virgílio Ferreira, Cristiano de Carvalho eJaime Cortesão, de referência obrigatória. A Nova Silvafuncionou, portanto, como uma espécie de laboratório deideias políticas, neste caso no campo do libertarismo anar-quista, onde aqueles jovens escritores puderam apresen-tar as suas teses, discutir os seus pontos de vista, polemi-zar, assumindo-se também como um trampolim paraoutros voos literários e ideológicos. De alguma forma, aNova Silva preparou o caminho para o aparecimento deuma das revistas literárias mais relevantes publicadas emPortugal na primeira metade do século XX, a revista AÁguia, órgão do movimento da Renascença Portuguesa.

Lisboa, 19 de Abril de 2013.

* Coordenador da Hemeroteca Municipal de Lisboa.Historiador e Investigador do Centro de InvestigaçãoMedia e Jornalismo e do Instituto de HistóriaContemporânea da FCSH da UNL.

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CRISTIANO DE CARVALHO:desenhador humorista e caricaturista, nasceu no Porto,

a 22 de Dezembro de 1874, e morreu em Matosinhos, a

21 de Novembro de 1940. Na sequência da malograda

revolta do 31 de Janeiro de 1891, refugiou-se em Paris.

Aqui, frequentou os cursos artísticos de

B. Constant e P. Laurens, passou pela

Sorbonne, conviveu com a vanguarda

local e com artistas portugueses (A.

Carneiro, os irmãos Teixeira Lopes, etc.)

e ilustrou vários jornais da capital

francesa. Amnistiado, regressou a

Portugal, iniciando então uma vasta

colaboração artística em jornais, revistas

e folhas humorísticas republicanas e anarquistas: Nova

Silva, A Bomba, A Águia, Montanha, A Vida, Voz

Pública, Batalha, Primeiro de Janeiro, Comércio do

Porto, Jornal de Notícias, Diário de Notícias, entre

outros. Começou como um desenhador classizante

mas depressa a sua obra gráfica assumiu um estilo

mais modernista, com um forte cunho crítico e

inconformista. Há quem veja em Cristiano de Carvalho

um “precursor de uma temática neorrealista na arte

portuguesa”.

VIRGÍLIO FERREIRA: médico e

caricaturista, nasceu no Porto, a 22 de Maio de 1894, e

morreu na mesma cidade, a 18 de Abril de 1913.

Frequentou a Escola Médico-Cirúrgica do Porto, onde

terminou o curso de Medicina em 1910. Conviveu com a

juventude intelectual portuense da época, especialmente

com Cristiano de Carvalho, Manuel Laranjeira e Jaime

Cortesão. Revelou-se um bom caricaturista, tendo

colaborado em muitos jornais e revistas, muitas deles

com uma forte componente política e social: a par da

Nova Silva, publicou desenhos seus na Alma

Portuguesa, O Porto Carnavalesco, Livres, O Tripeiro, A

Vida, O Badalo, Ilustração Popular, O Riso, Luz, Límia, A

Águia, A Bomba, e noutros periódicos.

JOSÉ DE MEIRA: desenhador e caricaturista,

nasceu em Guimarães, em 1887, e morreu em 1911,

quando frequentava o terceiro ano do curso de Medicina,

na Universidade de Coimbra. No desenho humorístico,

evidenciou- se como “caricaturista espirituoso e perfeito,

na justeza da observação e na maleabilidade do traço”.

Deixou uma interessante galeria de figuras do seu tempo

nas revistas ilustradas e em jornais da época,

principalmente na Nova Silva, e na Farsa (1909-1910).

Figura 9 Figura 11

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BIBLIOGRAFIA SUMÁRIA

l MATOS, Álvaro Costa de, “A Rolha… Política e Imprensa na Obra

Humorística de Rafael Bordalo Pinheiro”, in A ROLHA/BORDALO, Lisboa,

Hemeroteca Municipal, 2005.

l MATOS, Álvaro Costa de, “Da Imprensa Humorística na I

República….”, in JJ - Jornalismo & Jornalistas, Lisboa, N.º 44 (Out./Dez.

2010), pp. 50-64.

l MATOS, Álvaro Costa de, OLIVEIRA, João Carlos (Coord.) – “O Jogo da

Política Moderna!” Desenho Humorístico e Caricatura na I República.

Catálogo da Exposição, Lisboa, CML – DMC – GTCMCR, 2010.

l PIRES, Daniel Pires – Dicionário da Imprensa Periódica Literária

Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo Editores e Livreiros,

Lda, 1996.

l RAMOS, Rui – João Franco e o Fracasso do Reformismo Liberal (1884-

1908), Lisboa, Instituto de Ciências Sociais, 2001.

l SANTOS, Alfredo Ribeiro dos, “Da Nova Silva à Águia”, in A Renascença

Portuguesa. Um Movimento Cultural Portuense, Porto, Fundação Eng.

António de Almeida, 1990.

l TENGARRINHA, José - História da Imprensa Periódica Portuguesa, 2.ª

ed. revista e aumentada, Lisboa, Editorial Caminho, 1989.

NOTAS

1. A Nova Silva, com os seus 5 números, está acessível em linha na

Hemeroteca Digital da Hemeroteca Municipal de Lisboa, em:

http://hemerotecadigital.cm-lisboa.pt/

2. Daniel Pires acrescenta um quarto director, Cláudio Basto (1886-

1945), referindo inclusivamente que a partir do n.º 3 este deixa de

pertencer à direcção da Nova Silva. Ver, do autor, Dicionário da Imprensa

Periódica Literária Portuguesa do Século XX (1900-1940), Lisboa, Grifo

Editores e Livreiros, Lda, 1996, pp. 257-258. Alfredo Ribeiro dos Santos

confirma a presença de Cláudio Basto na direcção da revista, mas já nos

diz que este a teria abandonado a partir do segundo número. Ver, do

autor, “Da Nova Silva à Águia”, in A Renascença Portuguesa. Um

Movimento Cultural Portuense, Porto, Fundação Eng. António de

Almeida, 1990, p. 58.

3. João Franco e o Fracasso do Reformismo Liberal (1884-1908), Lisboa,

Instituto de Ciências Sociais, 2001, p. 144.

4. RAMOS, Rui, Op. Cit., p. 144.

5. Estas palavras violentas haviam sido publicadas no jornal O Popular

de Outubro desse ano. Cit. por TENGARRINHA, José - História da

Imprensa Periódica Portuguesa, 2.ª ed. revista e aumentada, Lisboa,

Editorial Caminho, 1989, p. 256, nota 1.

6. MATOS, Álvaro Costa de, “A Rolha… Política e Imprensa na Obra

Humorística de Rafael Bordalo Pinheiro”, in A ROLHA/BORDALO, Lisboa,

Hemeroteca Municipal, 2005, p. 14.

7. Nova Silva, N.º 1 (2 Fev. 1907), p. 14.

8. Op. Cit., p. 257.

9. Nova Silva, N.º 1 (2 Fev. 19017), p. 12.

10. Ibidem, p. 13.

11. Ibidem, N.º 3 (5 Mar. 1907), p. 12.

12. Ibidem, N.º 1 (2 Fev. 1907), pp. 2-4; N.º 3 (5 Mar. 1907), pp. 2-4.

13. Ibidem, N.º 2 (17 Fev. 1907), pp. 4-6; N.º 4 (24 Mar. 1907), pp. 5-6.

14. Ibidem, N.º 4 (24 Mar. 1907), pp. 3-4.

15. A ideia era fundar uma “escola de educação integral segundo os

processos modernos do ensino”, destinada à educação das crianças

pobres. Chegou mesmo a constituir-se em Coimbra o Grupo da Escola

Livre, com o objectivo de realizar esta tarefa. Mas segundo Alfredo

Ribeiro dos Santos esta escola “não chegou a ser uma realidade, pela

pequena duração do quinzenário”, in “Da Nova Silva à Águia”, in A

Renascença Portuguesa. Um Movimento Cultural Portuense, Porto,

Fundação Eng. António de Almeida, 1990, p. 61. Na Nova Silva é Campos

Lima que nos dá conta deste projecto, das “Ideias Gerais” e da

“Realização Prática” da Escola Livre, num artigo intitulado “Ensino

Integral – Obra de Educação e Solidariedade”, in Nova Silva, N.º 3 (5 Mar.

1907), pp. 7-8.

16. Op. Cit., p. 61

17. Ibidem, p. 61. Ribeiro dos Santos refere-se a Jaime Cortesão, a partir

de Portucale, Suplemento à 3.ª série, n.º 1, p. 3

18. É o caso do artigo “Professores”, in Nova Silva, N.º 5 (10 Abr. 1907),

p. 3.

19. Ibidem, N.º 1 (2 Fev. 1907), pp. 4-5.

20. Ibidem, N.º 2 (17 Fev. 1907), pp. 6-7.

21. Ibidem, N.º 3 (5 Mar. 1907), pp. 4-5.

22. Ibidem, N.º 4 (24 Mar. 1907), p. 7.

23. Ibidem, N.º 5 (10 Abr. 1907), pp. 4-5.

24. Ibidem, N.º 1 (2 Fev. 1907), pp. 10-12.

25. Ibidem, N.º 3 (5 Mar. 1907), pp. 6-7.

26. Ibidem, N.º 5 (10 Abr. 1907), pp. 6-7.

27. Ibidem, N.º 1 (2 Fev. 1907), pp. 6-7, 10.

28. SANTOS, Alfredo Ribeiro dos - “Da Nova Silva à Águia”, in A

Renascença Portuguesa. Um Movimento Cultural Portuense (…), p. 59.

29. “Nós e a Universidade”, in Nova Silva, N.º 4 (24 Mar. 1907), pp. 8-10.

30. Ibidem, pp. 10-11.

31. Ibidem, N.º 5 (10 Abr. 1907), p. 2.

32. Defendemos este novo impulso criativo no estudo “Da Imprensa

Humorística na I República….”, que publicámos na revista JJ -

Jornalismo & Jornalistas, Lisboa, N.º 44 (Out./Dez. 2010), pp. 50-64.

33. “Humoristas”, in MATOS, Álvaro Costa de, OLIVEIRA, João Carlos

(Coord.) - “O Jogo da Política Moderna!” Desenho Humorístico e Caricatura

na I República. Catálogo da Exposição, Lisboa, CML – DMC – GTCMCR,

2010, p. 13.

34. Sobre o contraste entre os velhos e os novos caricaturistas, sobre as

suas diferenças no traço, nos temas tratados e no tipo de humor

associado aos seus desenhos, ver, do autor, “Da Imprensa Humorística

na I República….”, Op. Cit., concretamente o ponto 5, “A renovação da

arte do lápis”, pp. 62-64.

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66|Abr/Jun 2013|JJ

Para começar, já viram como num espaço muitocurto de tempo mudou o próprio conceito de‘notícia’? Como os fait-divers que antesocupavam tímidas colunas no fim dos cadernos

agora já têm espaço nas primeiras páginas? Como ashistorietas ‘engraçadas’ que rematavam os telejornaisconquistaram terreno e marcam todos os alinhamentos?Falo dos encontros românticos do Ronaldo ou do cãoperneta que faz surf. Terão estas ‘estórias’ dignidadepara serem ‘notícia’? Nós vamos dizendo que não… masviramos a página, com um encolher de ombros.

Essas nem são as piores ‘notícias’, garantimos à nossavoz inconformada. Verdadeiramente grave é termosdeixado que outros escolham por nós o que é notícia,que tenhamos permitido que agências de comunicação eassessores políticos ditem a agenda das redacções. Bastafolhear os principais jornais, ver e ouvir os noticiáriosdas rádios e televisões para percebermos que mais demetade das ‘notícias’ são, mais vírgula menos vírgula,todas iguais. Nós até já ‘reportamos’ o que se passa em‘conferências de imprensa’ sem direito a perguntas…Deveríamos aceitar esta situação? Nós vamos dizendoque não… mas viramos a página, com um encolher deombros.

Até porque, pensamos, ainda mais assustador éverificar que até algumas ‘notícias’ exclusivas foram,demasiadas vezes, também elas ditadas por interessesque pouco ou nada têm que ver com o interessejornalístico. Falo das ‘investigações’ baseadas apenas emfontes anónimas, ou numa única fonte - algo que vaicompletamente contra tudo o que aprendemos nosmanuais de jornalismo mas que, nos últimos anos,enxameiam até as páginas dos jornais ditos ‘dereferência’. Deveriam os editores e directores, bem comoos conselhos de redacção, fechar os olhos a estarealidade? Nós vamos dizendo que não… mas viramos apágina, com um encolher de ombros.

É preciso ter em conta que há cada vez menosjornalistas nas redacções, que houve centenas dedespedimentos na última década, que as edições sefazem com cada vez menos meios. É verdade. Mas seráessa uma justificação aceitável para fazermos menos

bem o nosso trabalho? Senão vejamos: pagar umaviagem, ainda que de metro, para ir entrevistar alguémquando se pode telefonar? Telefonar quando a ‘figurapública’ já escreveu o que pensa no facebook? Largar ofacebook e andar na rua, a sentir o mundo real? Paraquê? Não vai tudo dar ao mesmo? Nós sabemos quenão… mas vamos encolhendo os ombros.

Além disso, a verificação e confirmação dasinformações está a cair em desuso, na era da Internet.Não há tempo para ouvir tudo e todos! Avança-se com a‘notícia’ e depois, se for preciso, faz-se uma‘actualização’. O que aconteceu à máxima “é melhorestar certo do que ser o primeiro a estar errado”? Deixoude fazer sentido? Nós sabemos que não… mascontinuamos a encolher os ombros.

E assim vamos destruindo aquele que é o verdadeirocapital do jornalismo: a credibilidade. Quandoaceitamos meter numa mesma edição (no mesmo saco,portanto) notícias e fait-divers, entrevistas e fretes, publi-reportagens mascaradas e investigações encomendadas,estamos a misturar o imisturável - como se fosse possíveldiluir azeite em água. Mas o azeite, substância opaca,densa e que tudo suja, é facilmente detectada na águatransparente e límpida, que tudo revela. Os cidadãosnão são tolos e também avistam as gotas gordurosasboiando. E são cada vez mais aqueles que vão dizendo:dessa água não bebo, obrigado.

Não nos iludamos: o que está a divorciar os cidadãosdos meios de comunicação tradicionais não é a crise masesta crise de valores, este espezinhar diário e constantedo nosso código deontológico. Somos nós que estamos afazer mal o nosso trabalho, que vamos falhandodiariamente na missão de informar (e de investigar, deexpor, de revelar), que estamos a trair a herança que nosfoi deixada pela geração que nos libertou da censura.

Sei que sou apenas uma gota de água. Mas seitambém que muitas gotas podem formar um marimenso, de vagas bravas. É hora de dizer basta. Umjornalista é - deve ser - um ser inconformado. Não éadmissível que, em tempos tão decisivos para o nossofuturo, haja um só de nós que volte a encolher osombros.

A verdadeira crise

Não tenho boas notícias. Não inventei um novo modelo denegócio para salvar os jornais da bancarrota, nem sei como vamos(ou se vamos…) ultrapassar esta crise. O que tenho para partilharconvosco são apenas as minhas inquietações sobre uma outracrise: a dos valores que jurámos honrar no exercício destaprofissão.

PATRÍCIAFONSECA

CRÓNICA

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INGLATERRA E PAÍS DE GALES02 a 08 de setembroPartidas: Porto | LisboaDesde: €1175

CHAMPANHE E BORGONHAVINHO E MONUMENTALIDADE 12 a 19 de outubroPartidas: Porto | LisboaDesde: €1195

ÁSIAPEREGRINAÇÃO À TERRA SANTAANO DE FÉ10 a 17 de setembroPartidas: LisboaDesde: €1490

TURQUIA ESPECIAL21 a 28 de setembroPartidas: LisboaDesde: €699

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