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Psicologia Jurídica Aula 01 – 06/02/2013 As provas são compostas de questões objetivas e discursivas, mas na segunda chamada e na prova final é composta de apenas uma questão discursiva. 1ª Avaliação: Conteúdo: Vara de família: adoção Prova valor: 7 pts Trabalho: - Valor: 3 pts. 2ª Avaliação: Conteúdo: Infância e Juventude; e Sistema Prisional Prova valor: 7 pts Trabalho: - Valor: 3 pts. Bibliografia básica: - Gonçalves, Hebe S.; Brandão, Eduardo P. (organizadores). Psicologia jurídica no Brasil. Nau Editora. Aula 02 – 20/02/2013 Temas a serem trabalhados 1 – Psicologia e direitos de família; 2 – Psicologia e direitos da infância e juventude / adoção 3 – Psicologia e direitos da infância e juventude / adolescente em conflito com a lei 4 – Psicologia e direito penal. . . Texto: A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família Eduardo Ponte Brandão Psicologia e Direito de Família “Em primeiro, há a necessidade de um código compartilhado entre o psicólogo e os demais membros da equipe interprofissional, incluídos os operadores do Direito. É de conhecimento comum que os arranjos amorosos e familiares com que esses operadores se surpreendem hoje em dia levam a uma interlocução do Direito com outros saberes. Sem o respaldo da - 1 -

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Aula 01 – 06/02/2013

As provas são compostas de questões objetivas e discursivas, mas na segunda chamada e na prova final é composta de apenas uma questão discursiva.

1ª Avaliação:Conteúdo: Vara de família: adoçãoProva valor: 7 ptsTrabalho:

- Valor: 3 pts.

2ª Avaliação:Conteúdo: Infância e Juventude; e Sistema PrisionalProva valor: 7 ptsTrabalho:

- Valor: 3 pts.

Bibliografia básica:

- Gonçalves, Hebe S.; Brandão, Eduardo P. (organizadores). Psicologia jurídica no Brasil. Nau Editora.

Aula 02 – 20/02/2013

Temas a serem trabalhados

1 – Psicologia e direitos de família;2 – Psicologia e direitos da infância e juventude / adoção3 – Psicologia e direitos da infância e juventude / adolescente em conflito com a lei4 – Psicologia e direito penal.

.

.Texto: A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família

Eduardo Ponte BrandãoPsicologia e Direito de Família

“Em primeiro, há a necessidade de um código compartilhado entre o psicólogo e os demais membros da equipe interprofissional, incluídos os operadores do Direito.

É de conhecimento comum que os arranjos amorosos e familiares com que esses operadores se surpreendem hoje em dia levam a uma interlocução do Direito com outros saberes. Sem o respaldo da equipe interprofissional, a ação do Juiz é insuficiente para regular as relações entre os sexos e de parentescos.

(...)(...)As referências usadas pelo psicólogo devem comunicar-se com as do Juiz, sejam as opiniões

convergentes ou não, caso contrário, ele não poderá contribuir para o desenlace das dificuldades e dos conflitos com os quais o Judiciário se embaraça.

Em segundo lugar, no atendimento à população o psicólogo se depara com argumentos cujos valores já foram revistos e substituídos em lei. (...)

(...) Conhecer o que diz a lei torna-se imperativo, mesmo que seja para informar que tais concepções não encontram respaldo sequer em nossa legislação.

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Por sua vez, o conhecimento da legislação não deve ser abstraído das condições de possibilidade de seu surgimento. Interessa ao psicólogo, sobretudo, lançar luz sobre como a doutrina jurídica se inscreve historicamente e se articula aos dispositivos modernos de poder.” 1

Brasil Império: legislação sobre a família era regulada pelo Código Civil Português;

“No Brasil do Império, a legislação sobre a família era regulada pelo Código Civil Português, que, por sua vez, era inspirado no Código das Ordenações Filipinas (1603).

A transposição do Direito português para a Colônia tinha o inconveniente de não corresponder à realidade social brasileira, na medida em que se aplicava apenas ao casamento dos que eram católicos. Tanto as Ordenações Filipinas como praticamente toda a legislação civil portuguesa permaneceu em vigor até 1916, ou seja, quase cem anos após a independência. Durante esse tempo, protestantes e judeus, por exemplo, não poderiam ter seus casamentos reconhecidos pelo Estado, tampouco as uniões extramatrimoniais.” 2

O código Civil de 1916: família é a união legalmente constituída pelo casamento civil;

“A proclamação da República define um momento crucial de desvinculação da Igreja com o Estado. O decreto 181 de 1890 é a principal manifestação legislativa concernente ao Direito de Família nas primeiras décadas da República, até a publicação do Código Civil. De autoria de Ruy Barbosa, tal decreto abole a jurisdição eclesiástica, julgando-se como único casamento válido o realizado perante as autoridades civis.

Com o Código Civil Brasileiro de 1916, consolida-se a definição de família sendo a união legalmente constituída pela via do casamento civil.” 3

Repúdio do legislador ao concubinato; A família era o núcleo fundamental da sociedade através da ação do Estado;

“Ora, a conformidade ao modelo jurídico de família é o que torna as relações entre os sexos legítimas ou não. Desse modo, convém observar nessa definição de família a defesa do casamento e o repúdio do legislador ao concubinato.

(...)A família é vista como núcleo fundamental da sociedade, legalizada através da ação do Estado,

composta por pai, mãe e filhos (família nuclear) e, secundariamente, por outros membros ligados por laços consaguíneos ou de dependência (família extensa). Ao mesmo tempo, ela organiza-se num modelo hierárquico que tem o homem como o seu chefe (família patriarcal).” 4

Homem: chefe da sociedade conjugal e da administração dos bens comuns do casal. Representante legal da família;

“O homem é o chefe da sociedade conjugal e da administração dos bens comuns do casal e particulares da mulher, bem como detentor da autoridade sobre os filhos e representante legal da família.” 5

Mulher casada: relativamente incapaz; era necessária a autorização do marido, por exemplo, para que pudesse exercer a profissão.

“Por sua vez, a mulher casada é considerada relativamente incapaz, em oposição à situação jurídica da mulher solteira maior de idade. Essa incapacidade retira da mulher o poder de decidir sobre a prole e o patrimônio, cuja competência pertence ao homem. A mulher casada precisa de autorização

1 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 51 - 522 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 52 - 533 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 534 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 53 - 545 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 54

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do seu marido para exercer profissão, para comerciar, além de estar fixada ao domicílio decidido por ele. Os compromissos que assumir sem autorização marital não tem eficácia jurídica.” 6

1916 – SEPARAÇÃO CONJUGALSeparação de corpos por justa causa (desquite)

“No que tange à separação do casal, o Código de 1916 prevê apenas a separação de corpos por justa causa, conhecido por desquite, preservando assim a indissolubilidade do matrimônio. Em outras palavras, a separação não desfaz o vínculo matrimonial.” 7

Em 1916 não havia divórcio o que havia era a separação de corpos (desquite). O critério que era usado na separação de corpos era o da culpa

Guarda dos filhos:1. Delega-se ao inocente no processo de separação o direito de ter os filhos consigo. 2. Critério da culpa;3. Cônjuge culpado: visitante; Se ambos fossem culpados a mãe ficaria com as filhas menores

e com os filhos menores de até 6 anos.4. Pátrio Poder: detentor da guarda.

“Com o desquite, delega-se ao inocente no processo de separação o direito de ter os filhos consigo. Ao cônjuge culpado, é-lhe assegurado o direito de visita, salvo impedimento. (...)

Caso ambos sejam considerados culpados, a mãe fica com as filhas menores e com os filhos até os seis anos. Depois dessa idade, os filhos vão para a companhia do pai. (...) Observa-se que o detentor da guarda exerce o pátrio poder em toda sua extensão.” 8

A mulher é preparada desde pequena para ser mãe, para os afazeres do lar.A família nuclear trás um peso a mais, pois os pais passam a ter um dever maior com os filhos do

que na família estendida.A mulher passa a ter muitas exigências sociais, por isso chamada de super-poderosa, por

exemplo com os cuidados da casa e da família....

Papel social:HOMEM: MANUTENÇÃO ECONÔMICAMULHER: DIREÇÃO MORAL DA FAMÍLIA

“Ao marido, de acordo com a lei, cabe suprir a manutenção da família, enquanto à mulher cabe velar pela direção moral desta” 9

Política higienista – BRASIL – séc. XIX

O que se visava no código de 1916 era a manutenção do modelo de família nuclear.

Política higienista: - O 1º ponto foram as vacinas- Fazer com que as mães olhassem mais para o desenvolvimento normal das crianças.

O movimento higienista foi quem deu este papel para a mulher, este papel foi sendo colocado como se fosse algo natural

“Os perfis sociais atribuídos ao homem, à mulher e aos filhos haviam sido desenhados pela política higienista que, desde 1830, se inscreveu como micropolítica no tecido social brasileiro. Com objetivo de salvar as famílias do “caos” higiênico em que elas se encontravam, o saber médico aliou-se

6 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 547 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 548 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 54 - 559 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 56

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às políticas do Estado e fez surgir o modelo familiar pequeno-burguês, expulsando do lar doméstico os antigos hábitos coloniais (Costa, 1999). Assim, as tipificações das diferenças entre os sexos, vinculadas pela medicina à natureza biológica, não deixaram de ser absorvidas paulatinamente pela legislação.

Pode-se vislumbrar nessas regulamentações a preocupação do legislador em reforçar os padrões de moralidade já previstos implícito e explicitamente no Código Civil, tais como: a valorização do casamento legal e monogâmico, o incentivo ao trabalho masculino e à dedicação da mulher ao lar, o temor higienista dos cruzamentos consangüíneos e do uso da sexualidade feminina e, em sua, a defesa da harmonia e dos costumes na família (Alves e Barsted, 1987)” 10

Conjugalidade este conceito tem um fim

Parentalidade: apesar do fim da conjugalidade a parentalidade não acaba, ela continua.

Aula 03 – 27/02/2013

Estatuto da mulher casada (1962):Outorga capacidade jurídica plena à mulher, sendo que:

“No período seguinte, de 1946 a 1964, caracterizado politicamente como democrático, destacam-se a lei de reconhecimento de filhos ilegítimos (lei 883/49) e o “Estatuto da mulher casada” de 1962, que outorga capacidade jurídica plena à mulher.” 11

o Mulher: colaboradora do marido;

“Com a vigencia desse “Estatuto”, a decisão sobre a prole e o patrimônio deixa de ser exclusividade do homem. Ele revoga a incapacidade da mulher casada.” 12

Os bens reservados à mulher passam a ser para seu uso livre (os bens do trabalho da mulher); -dispensável ao sustento do lar;

Já não há necessidade de autorização do marido, por exemplo, para trabalhar.

Os filhos menores ficam com a mãe em caso de separação conjugal (independente da idade e do sexo da criança).

A mulher por ser vista como uma colaboradora não tinha a obrigação de gerir as despesas da casa (família).

“Na hipótese de desquite judicial, em que ambos os cônjuges são julgados culpados, os filhos menores ficam com a mãe, diversamente do que ocorria no regime anterior, em que os filhos varões, acima de seis anos, ficavam com os pais” 13

“Se o modelo jurídico de família nuclear, com laços extensos, patriarcal, fundada na assimetria sexual e geracional permanece inalterado do período autoritário ao democrático, as práticas sociais se afastam cada vez mais do tipo ideal de família da doutrina jurídica.

O final dos anos 60 e a década de 70 foram fecundos neste sentido.” 14

Novos arranjos familiaresJá não há mais um modelo padronizado de família.Não há mais um modelo de família perfeita.

“Em determinados estratos da sociedade, começam a surgir novos arranjos conjugais e familiares que, sobretudo, são caracterizados pelo individualismo (Figueira, 1987).10 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 56 - 5711 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 5712 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 5713 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 5714 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 57 - 58

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Se até então a mulher estava comprometida com a imagem de mãe amorosa e responsável, na família individualizada ela desloca-se em parte do destino “natural” de maternidade. “Nesta nova família”, escreve Russo, “cabe à dona-de-casa buscar uma certa independência do marido, ter sua renda própria, seu próprio carro, além de procurar abandonar o ar de matrona ao qual os filhos e o casamento a condenavam” (Russo, 1987:195)” 15

Dissolução da hierarquia sexo X geração Individualidade e igualdade;

“Os membros da família passam a se perceber como iguais em suas diferenças pessoais. A ênfase no individuo faz-se acompanhar do ideal de igualdade de relacionamento, apontando para uma nova moral no campo das relações interpessoais. A tradição e a rede familiar cedem lugar às individualidades e seus prazeres correlatos, de tal modo que se torna necessário o exame de si mesmo para que as relações entre homens e mulheres, maridos e esposas, pais e filhos possam ser negociadas a todo e qualquer momento (Figueira, 1987).” 16

Aumento do consumo de práticas psi.Consumo de práticas psi –através de livros e artigos com idéias psicológicas sobre determinado

fato, contato com psicólogos, psiquiatras e psicanalistas.

“Não sendo por coincidência, é nos anos 70 que se inicia um alto consumo da psicanálise (Birman, 1995, Figueira 1987; Katz, 1979; Russo, 1987);

Num momento em que os papéis tradicionais da mulher, do homem e das gerações são postos em xeque, os saberes psi surgem como coordenadas para as relações interpessoais, mesmo através de conceitos os mais virulentos, tais como, por exemplo, o de sexualidade.

Donde explode o sucesso das práticas terapêuticas, das colunas de aconselhamento psicológico, em revistas femininas, do uso quotidiano do vocabulário psicanalítico, em suma, da necessidade crescente de se pedir a “palavra” de psicólogos e psicanalistas sobre questões que dizem respeito à família em geral. Cabe notar que o imenso consumo da psicanálise e da psicologia não implica pura e simplesmente a subversão de formas instituídas pela tradição, mas também a multiplicação de micropoderes que são mais persuasivos do que impositivos (Folcault, 1997).” 17

Lei do Divórcio – Lei 6515/ 1977“Em 26 de dezembro de 1977, é promulgada a Lei 6515, conhecida como Lei do Divórcio, que

regulamenta a dissolução da sociedade conjugal e do casamento.” 18

Abole o termo desquite;“A Lei do Divórcio abole o termo “desquite” já tão culturalmente identificado no país e estabelece a

possibilidade de somente um divórcio por cidadão.A restrição a um divorcio teve como intuito aplacar a oposição da Igreja Católica, cujo receio de

que o divórcio aniquilaria a família brasileira evidentemente jamais se confirmou.” 19

Institui a guarda unilateral;“Entre os principais aspectos da lei, convêm assinalar o artigo 15 que regula a guarda dos filhos

na dissolução do casal. Nele, a guarda é conferida a apenas um dos genitores, sendo que, o outro poderá visitar e ter os filhos em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação. Observa-se que tal perspectiva pode ser equivocadamente interpretada como não cabendo preocupações com o dia-a-dia do filho genitor que não detém a guarda.” 20

Define as condições do pai visitante (fiscalizador da educação dos filhos);

15 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 5816 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 5917 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 59 - 6018 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6019 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 60 - 6120 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 61

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O critério da falta conjugal é mantido (cônjuge “inocente” na separação ficaria com a guarda).

Definição da guarda:Art. 10, 1º: “Se pela separação forem responsáveis ambos os cônjuges, os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles”.

“No caso de separação judicial em que se atribui a um dos cônjuges a responsabilidade pela dissolução do casamento, a guarda dos filhos menores fica com o cônjuge a que não houver dado causa (art. 10); ou seja, com o cônjuge “inocente” da separação. Mantém-se assim o sistema vigente de definição da guarda, em que o critério de falta conjugal permanece incólume.” 21

Pensão alimentícia: obrigação comum de ambos os cônjuges.“No tocante aos “ALIMENTOS”, a lei estipula a obrigação comum dos cônjuges (não só do pai)

para a manutenção dos filhos, além de não discriminar o sexo responsável pela pensão, inferindo-se a obrigação conforme a necessidade e a possibilidade.

ALIMENTOS são prestações para satisfação das necessidades vitais de quem não pode provê-las por si, não sendo referidas apenas à subsistência material, mas também à formação intelectual, cultural, etc. Compreende o que é imprescindível à vida da pessoa a alimentação, o vestuário, a habitação, o tratamento médico, as diversões, parcelas despendidas com sepultamento e, se a pessoa alimentada for menor de idade, a sua instrução e educação (Acquaviva, 1993)” 22

O cuidado dos filhos é visto naturalmente como sendo responsabilidade da mulher.“(...) Diz a lei, no artigo 10, §1º, que “se pela separação forem responsáveis ambos os cônjuges,

os filhos menores ficarão em poder da mãe, salvo se o juiz verificar que tal solução possa advir prejuízo de ordem moral para eles.”

Em outras palavras, o cuidado em relação aos filhos é visto naturalmente como sendo responsabilidade da mulher, independe de qualquer outra condição, exceto a de ordem moral. A mulher portanto só perde a guarda dos filhos caso se conduzir contra os padrões morais, critério bastante nebuloso, vale dizer, de constatação subjetiva e, ainda mais, deixada à aferição do juiz.” 23

Constituição Federal 1988:

“Após a Lei do Divórcio, outra legislação que, sem dúvida introduz significativas mudanças no que concerne aos direitos e deveres familiares é a Constituição Federal de 1988.” 24

Concubinato passa a adquirir proteção do Estado, na condição de união estável;“Com a Constituição, o concubinato passa a adquirir proteção do Estado, na condição de união

estável (art. 226, §3º).” 25

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher

como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.     (Regulamento) ” 26

O casamento deixa de ser a única forma legítima de constituição familiar.“Com efeito, o casamento deixa de ser a única forma legítima de constituição da família, tal qual

era definida no Código Civil. O conceito de família amplia-se na medida em que passa a legitimar a diversidade de uniões existentes no contexto brasileiro.(...)” 27

Relação extramatrimonial estável.

21 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6122 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6123 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6224 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6325 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6326 Constituição Federal de 198827 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 63

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“(...) Como afirmam Oliveira e Muniz (1990), não se pode mais falar numa forma exclusiva de família, e sim tratar da matéria no plural, passando-se a considerar também como entidade familiar a relação extramatrimonial estável, entre um homem e uma mulher, além daquela formada por qualquer dos genitores e seus descendentes, a família monoparental (art. 226, §3º e § 4). 28

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.§ 3º - Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher

como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.     (Regulamento) § 4º - Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e

seus descendentes.” 29

Propõe a igualdade de direitos e deveres eliminando a chefia familiar.“A Constituição elimina também a chefia familiar, determinando a igualdade de direitos e deveres

para ambos os cônjuges, homens e mulheres (art. 226, §5º. No artigo 5º, § 1º, está prescrito que homens e mulheres são iguais perante a lei.” 30

“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.§ 5º - Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo

homem e pela mulher.” 31

Convenção Internacional e ECA (1990) C. I: Art. 9: ressalta o direito da criança de ser educada por ambos os pais.

“A Convenção Internacional situa no artigo 9º o direito da criança ser educada por seus pais, exceto quando o seu melhor interesse torne necessária a separação. Contudo, mesmo na situação em que a criança é separada da família, ela tem o direito de manter contato direto com os pais.” 32

ECA (doutrina da proteção integral): ressalta a primazia do interesse da criança e do adolescente.

“Reafirmando tal perspectiva, o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe o direito de a criança e o adolescente serem criados e educados no seio da família (art. 19) e estabelece os deveres dos pais em relação aos filhos menores, “cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais” (art. 22)

Compreende-se que a separação matrimonial de um casal não deve conduzir à dissolução dos vínculos entre pais e filhos. Brito (1996) adverte que os direitos representados na Convenção Internacional e no Estatuto da Criança e do Adolescente contrapõem-se à idéia, que vimos acima, de que não cabem preocupações com o quotidiano infantil ao genitor que não detém a guarda.” 33

Diferença: Conjugalidade X Parentalidade

As falhas no cumprimento do contrato matrimonial não devem ser deslocadas às funções parentais.

Deve-se preservar o vínculo de filiação.

Conjugalidade este conceito tem um fim

Parentalidade: apesar do fim da conjugalidade a parentalidade não acaba, ela continua.

28 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6329 Constituição Federal de 198830 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6331 Constituição Federal de 198832 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 6533 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 65

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“Em vez do papel de pai de fim de semana ao qual é relegado amiúde o genitor descontínuo, Brito ressalta que a separação do casal não deve corresponder ao fim ou à diminuição das funções parentais:

“Nestes casos, presencia-se o desaparecimento do casal, conjugal, mas deve-se conservar o casal parental, garantindo-se a continuidade das relações pessoais da criança, com seu pais e sua mãe. (Brito, 1996: 141).”

O direito de a criança manter um relacionamento pessoal com seu pai e sua mãe não resulta da autoridade e sim responsabilidade parental em preservar o vinculo de filiação. Cabe então notar, através da representação dos direitos infantis, um nítido deslocamento do eixo da autoridade para o de responsabilidade parental (Brito, 1999).” 34

Código Civil de 2002 A guarda é atribuída a quem revelar melhores condições de exercê-la (art. 1584).

“Art. 1.584.   A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:   (Redação dada pela Lei nº 11.698, de 2008).

I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;   (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.   (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 1o   Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.   (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 2o   Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.   (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 3o   Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 4o   A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho. (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008).

§ 5o   Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.   (Incluído pela Lei nº 11.698, de 2008). ” 35

“O dispositivo de guarda conjunta, ou compartilhada, tem o objetivo de reforçar os sentimentos de responsabilidade dos pais separados que não habitam com os filhos. Privilegia-se a continuidade da relação da criança com os dois genitores que, simultaneamente, devem se manter implicados nos cuidados relativos aos filhos, evitando-se, como conseqüência da separação conjugal, a exclusão de um dos pais do processo educativo de sua prole e a conseqüente sobrecarga do outro.

(...)Por sua vez, não se trata na guarda conjunta do deslocamento por parte da criança entre as casas

de seus pais ou qualquer outro esquema rígido de divisão igualitária de tempo de convivência. Ao contrário, as decisões sobre problemas médicos, escola, viagens, religião, etc, são tomadas por ambos os genitores, enquanto a criança habita com um deles.

Observa-se que a guarda compartilhada, como os outros modelos, não é panacéia para todos os conflitos familiares. Como observa Filho (2003), ao mesmo tempo em que ela é benéfica para pais cooperativos, ela pode não funcionar para outras famílias. Contudo, a guarda compartilhada tem a vantagem de ser bem-sucedida mesmo quando o diálogo entre os pais não é bom, mas que são capazes de discriminar seus conflitos conjugais, do exercício da parentalidade.

(...)Com a vigência do “Novo Código Civil” em janeiro de 2003, que substitui o Código Civil de 1916, o

critério de falta conjugal na definição da guarda é definitivamente revogada, sem que, por sua vez, 34 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 65 - 6635 Código Civil - LEI No   10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002.

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tenha sido contemplado o instituto de guarda conjunta. Em outras palavras, cai por terra a falta conjugal mas permanece a guarda mono-parental.

Se antes com a Lei do Divórcio, como vimos acima, no artigo 10, a mãe ficava com os filhos em não havendo acordo e sendo ambos os genitores responsáveis pelo fim do casamento, com o Novo Código a guarda é atribuída a quem revelar melhores condições para exerce-la (art. 1584). Desse modo, as regras de cessão da guarda estão diretamente vinculadas aos interesses da criança e do adolescente.” 36

Fim ao Pátrio Poder, redefinindo-o como Poder Familiar.

“Por sua vez, a legislação inova ao reduzir o grau de parentesco até quarto grau, legitimar a falta de amor como motivo para pedir a separação sem perda do direito de pensão, conceder efeito civil ao casamento religioso em qualquer culto, estabelecer a igualdade absoluta de todos os filhos, incluídos os adotados, abreviar a maioridade civil de 21 para 18 anos, negar o adultério como causa preponderante na separação, entre outros aspectos.

O Novo Código põe fim ao pátrio poder, cujo conceito cede lugar ao poder familiar (art. 1631). Com efeito, o poder é estendido à mãe, pressupondo a divisão da responsabilidade na guarda, educação e sustento dos filhos. E se houver divergência entre o marido e mulher, não prevalece a vontade do pai, sendo o Judiciário que concede a solução.

Estabelece ainda no artigo 1632 que a separação judicial, o divórcio e a dissolução da união estável não alteram as relações entre pais e filhos, senão quanto ao direito que aos primeiros cabe de terem em sua companhia os segundos.” 37

Lógica adversarial e Lei (CC 2002)

O genitor tenta mostrar ser o mais apto para cuidar e educar os filhos.

“A disputa da guarda num divórcio litigioso está baseada numa lógica adversarial em que um genitor tenta não somente mostrar que é mais apto para cuidar e educar os filhos, como também expor as falhas do outro para tal função.

(...)Abre-se um leque infindável de acusações de uma parte contra a outra, cujas faltas morais teriam

sido, como ambos argumentam, responsáveis pelo conflito atual. O que antes fazia parte do quotidiano do casal são agora práticas “bizarras” de um estranho que, por razões “desconhecidas”, foi outrora objeto de investimento amoroso (não sem uma certa dose de alienação sobre o fato de que, se o litígio persevera, é porque há ainda um vinculo entre um e outro).” 38

A atribuição da guarda unilateral contribui para a demissão simbólica do outro genitor, colocando-o como incapaz de exercer tal função.

“Em face desse panorama, é comum o psicólogo ser requisitado a responder à difícil demanda de apontar o genitor mais qualificado ou analisar o impedimento de visitas de um ou de outro.

A demanda formulada pelo juiz tem como fim encontrar o genitor “certo” a quem dar a posse e guarda da criança, baseando-se repetidamente numa linha divisória entre o bom e mau pai e mãe ou, em último caso, o menos ruim (Ramos e Shine, 1999). Mesmo nas situações cuja complexidade impede uma visão maniqueísta, não restam muitas alternativas ao juiz senão sentenciar a favor de uma das partes e negar o pedido da outra. O que faz recair na dificuldade acima, a saber, de que o psicólogo, na condição de perito, é chamado a fornecer subsídios para a decisão judicial, apontando o genitor que atende melhor aos interesses da criança.

Tal tarefa não deixa de acarretar algumas dificuldades dignas de uma análise mais cuidadosa.Em primeiro lugar, cabe interrogar se existem instrumentos de avaliação que objetivamente

possam medir a capacidade de um genitor ser melhor do que outro. A arbitrariedade do entendimento sobre o que é ser bom ou mau genitor, isolado do contexto em que o conflito se apresenta, pode 36 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 90 - 9137 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 91 - 9238 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 67 - 68

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resultar em definições estereotipadas que dificilmente recobrem a pluralidade das relações intrafamiliares.

Em segundo lugar, nem por isso menos importante, convém notar que a definição de um guardião tem como efeito simbólico a demissão do outro genitor como incapaz de exercer tal função. Em inúmeras situações, é comum o pai ou a mãe se sentir ultrajado na condição de visitante, visto imaginariamente como sendo não-idôneo, moralmente condenável ou, na melhor das hipóteses, temporariamente menos habilitado, o que muitas vezes colabora para o afastamento de suas responsabilidades.” 39

Afastamento do genitor não guardião devido aos desentendimentos com os ex-cônjuges.

“Muitos pais terminam por acreditar que, por serem visitantes, devem se manter à distancia dos filhos, pois consideram que a Justiça dá plenos poderes ao detentor da guarda. Sentindo-se impotentes com o papel de coadjuvantes, há pais que esbarram nas decisões unilaterais das ex-mulheres a respeito da vida dos filhos, assim como há mães que se sentem sobrecarregadas física, financeira e psicologicamente com o ex-marido que mal visita as crianças.” 40

Aula 04 – 06/03/2013

Guarda compartilhada – lei 11698/08

LEI Nº 11.698, DE 13   DE   JUNHO DE 2008.

Altera os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, para instituir e disciplinar a guarda compartilhada.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1o  Os arts. 1.583 e 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, passam a vigorar com a seguinte redação:

“Art. 1.583.  A guarda será unilateral ou compartilhada.§ 1o  Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém que o

substitua (art. 1.584, § 5o) e, por guarda compartilhada a responsabilização conjunta e o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe que não vivam sob o mesmo teto, concernentes ao poder familiar dos filhos comuns.

§ 2o  A guarda unilateral será atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-la e, objetivamente, mais aptidão para propiciar aos filhos os seguintes fatores:

I – afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar;II – saúde e segurança;III – educação.§ 3o  A guarda unilateral obriga o pai ou a mãe que não a detenha a supervisionar os interesses

dos filhos.§ 4o  (VETADO).” (NR)“Art. 1.584.  A guarda, unilateral ou compartilhada, poderá ser:I – requerida, por consenso, pelo pai e pela mãe, ou por qualquer deles, em ação autônoma de

separação, de divórcio, de dissolução de união estável ou em medida cautelar;II – decretada pelo juiz, em atenção a necessidades específicas do filho, ou em razão da

distribuição de tempo necessário ao convívio deste com o pai e com a mãe.§ 1o  Na audiência de conciliação, o juiz informará ao pai e à mãe o significado da guarda

compartilhada, a sua importância, a similitude de deveres e direitos atribuídos aos genitores e as sanções pelo descumprimento de suas cláusulas.

39 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 68 - 6940 Brandão, Eduardo Ponte. A interlocução com o Direito à luz das práticas psicológicas em Varas de Família. Psicologia Jurídica no Brasil. p. 69

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§ 2o  Quando não houver acordo entre a mãe e o pai quanto à guarda do filho, será aplicada, sempre que possível, a guarda compartilhada.

§ 3o  Para estabelecer as atribuições do pai e da mãe e os períodos de convivência sob guarda compartilhada, o juiz, de ofício ou a requerimento do Ministério Público, poderá basear-se em orientação técnico-profissional ou de equipe interdisciplinar.

§ 4o  A alteração não autorizada ou o descumprimento imotivado de cláusula de guarda, unilateral ou compartilhada, poderá implicar a redução de prerrogativas atribuídas ao seu detentor, inclusive quanto ao número de horas de convivência com o filho.

§ 5o  Se o juiz verificar que o filho não deve permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, deferirá a guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, considerados, de preferência, o grau de parentesco e as relações de afinidade e afetividade.” (NR)

Art. 2o  Esta Lei entra em vigor após decorridos 60 (sessenta) dias de sua publicação.Brasília, 13 de junho de 2008; 187o da Independência e 120o da República.LUIZ INÁCIO LULA DA SILVALuiz Paulo Teles Ferreira BarretoJosé Antonio Dias ToffoliEste texto não substitui o publicado no DOU de 16.6.200841

- Guarda compartilhada – lei 11698/08- Guarda unilateral- Guarda compartilhada

- Guarda atribuída ao genitor que revele melhores condições para exercê-las.Ainda que a lei não tenha atribuído, a mulher ainda ocupa o lugar de melhor cuidadora.

1 – Requerida, por consenso (pai / mãe)2 – decretada pelo juiz

É quase nula a possibilidade do juiz decretar a guarda compartilhada por incompatibilidade dos pais e se fosse decretada poderia causar danos a criança.

Alienação parental – lei 12318/10

Se o caso chega a justiça, esta tem de coordenar esta família para que fiquem da melhor forma possível.

Interferência na formação psicológica da criança, promovida por um dos genitores, pelos avós ou guardião.

A alienação parental pode acontecer com o guardião e também pelos avós.

1 – Advertir o alienador;2 – estipular multa;3 – determinar acompanhamento psicológico;4 – Suspender a autoridade parental.

LEI Nº 12.318, DE   26 DE AGOSTO DE 2010. Dispõe sobre a alienação parental e altera o art. 236 da Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 

Art. 1o  Esta Lei dispõe sobre a alienação parental. Art. 2o  Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança

ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a

41 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Lei/L11698.htm

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criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. 

Parágrafo único.  São formas exemplificativas de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados diretamente ou com auxílio de terceiros:  

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade ou maternidade; 

II - dificultar o exercício da autoridade parental; III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor; IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar; V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a criança ou

adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar

ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a dificultar a convivência da

criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com avós. Art. 3o  A prática de ato de alienação parental fere direito fundamental da criança ou do

adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a realização de afeto nas relações com genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou o adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda. 

Art. 4o  Declarado indício de ato de alienação parental, a requerimento ou de ofício, em qualquer momento processual, em ação autônoma ou incidentalmente, o processo terá tramitação prioritária, e o juiz determinará, com urgência, ouvido o Ministério Público, as medidas provisórias necessárias para preservação da integridade psicológica da criança ou do adolescente, inclusive para assegurar sua convivência com genitor ou viabilizar a efetiva reaproximação entre ambos, se for o caso. 

Parágrafo único.  Assegurar-se-á à criança ou adolescente e ao genitor garantia mínima de visitação assistida, ressalvados os casos em que há iminente risco de prejuízo à integridade física ou psicológica da criança ou do adolescente, atestado por profissional eventualmente designado pelo juiz para acompanhamento das visitas. 

Art. 5o  Havendo indício da prática de ato de alienação parental, em ação autônoma ou incidental, o juiz, se necessário, determinará perícia psicológica ou biopsicossocial. 

§ 1o  O laudo pericial terá base em ampla avaliação psicológica ou biopsicossocial, conforme o caso, compreendendo, inclusive, entrevista pessoal com as partes, exame de documentos dos autos, histórico do relacionamento do casal e da separação, cronologia de incidentes, avaliação da personalidade dos envolvidos e exame da forma como a criança ou adolescente se manifesta acerca de eventual acusação contra genitor. 

§ 2o  A perícia será realizada por profissional ou equipe multidisciplinar habilitados, exigido, em qualquer caso, aptidão comprovada por histórico profissional ou acadêmico para diagnosticar atos de alienação parental.  

§ 3o  O perito ou equipe multidisciplinar designada para verificar a ocorrência de alienação parental terá prazo de 90 (noventa) dias para apresentação do laudo, prorrogável exclusivamente por autorização judicial baseada em justificativa circunstanciada. 

Art. 6o  Caracterizados atos típicos de alienação parental ou qualquer conduta que dificulte a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem prejuízo da decorrente responsabilidade civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do caso: 

I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar o regime de convivência familiar em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV - determinar acompanhamento psicológico e/ou biopsicossocial; V - determinar a alteração da guarda para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio da criança ou adolescente; VII - declarar a suspensão da autoridade parental. Parágrafo único.  Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à

convivência familiar, o juiz também poderá inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou

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adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar. 

Art. 7o  A atribuição ou alteração da guarda dar-se-á por preferência ao genitor que viabiliza a efetiva convivência da criança ou adolescente com o outro genitor nas hipóteses em que seja inviável a guarda compartilhada. 

Art. 8o  A alteração de domicílio da criança ou adolescente é irrelevante para a determinação da competência relacionada às ações fundadas em direito de convivência familiar, salvo se decorrente de consenso entre os genitores ou de decisão judicial. 

          Art. 9o  (VETADO) Art. 10.   (VETADO)   Art. 11.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Brasília,  26  de  agosto  de 2010; 189o da Independência e 122o da República. LUIZ INÁCIO LULA DA SILVALuiz Paulo Teles Ferreira BarretoPaulo de Tarso VannuchiJosé Gomes Temporão

Este texto não substitui o publicado no DOU de 27.8.2010 e retificado no DOU de 31.8.201042

Aula 04 – 13/03/2013

Texto 2: O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS Anna Paula Uziel (UERJ)

Questões centrais do texto:

• Constituição Federal de 1988 e a legislação brasileira sobre a constituição familiar; • Considera família como composta por qualquer dos pais e seus filhos, sem distinção se são

biológicos ou adotivos, e sem necessidade do casamento como base. • Lei e orientação sexual. • Adoção por casais homoafetivos: os argumentos utilizados pelos operadores do Direito

constroem uma lógica que a autora identifica como a do “mal menor”. • Relações entre o então chamado mal menor e a discussão foucaultiana sobre “Os anormais”.• Reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo: Superior Tribunal Federal

(STF), em maio de 2011.

“A partir da Constituição Federal de 1988, a legislação brasileira considera família como composta por qualquer dos pais e seus filhos, sem distinção se são biológicos ou adotivos, e sem necessidade do casamento como base. A lei não se refere à orientação sexual. A homossexualidade dos pais, que pode aparecer nos relatórios de assistentes sociais ou psicólogos, não tem impedido a adoção. E desde 2005 é possível um casal de pessoas do mesmo sexo adotar uma criança, que tem seu registro civil no nome dos dois. Cada vez mais, juízes e desembargadores têm sido favoráveis aos requerentes que se declaram gays e lésbicas. Apesar de toda esta conjuntura, os argumentos dos operadores do Direito constroem uma lógica que identificamos como a do “mal menor”.” 43

“Em relação à família, a Constituição Federal de 1988 introduziu uma mudança substancial ao trazer em seu texto grandes rupturas. Em primeiro lugar é importante destacar que a partir desta lei o casamento deixa de ser condição para a formação da família – dando maior materialidade a um primeiro passo que foi a lei do divórcio aprovada no Brasil em 1977. No artigo 226 da CF entende-se por entidade familiar, “a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. A partir deste momento cabem, na rubrica família, aquelas com pai e mãe de um só casamento, as com muitos

42 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Lei/L12318.htm43 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 1

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casamentos, as de união estável, as monoparentais desde o início, aquelas formadas por casais do mesmo sexo, pai ou mãe viúvos e outras tantas que podemos ainda não saber mapear ou nomear.

Outro aspecto relevante é a igualdade de direitos entre os filhos de origens diversas. Eliminando a nomenclatura “legítimo”, “ilegítimo”, “adulterino”, “bastardo” e “natural”, entre outras, a legislação concede a toda prole os mesmos direitos. Os filhos adotivos passam a ter seus registros civis de nascimento substituídos quando são adotados, sem que nenhuma marca de sua história pregressa fique registrada, salvo o próprio processo de adoção, arquivado na justiça, cujo acesso é permitido aos adotados a partir da maioridade legal. Assim, cabe ao sujeito a revelação de sua origem e nenhuma discriminação em relação a este fato é legitimada pela lei.” 44

Aula 04 – 20/03/2013Sexualidade e parentalidade “A ampliação do entendimento sobre família e a introdução da discussão sobre homossexualidade

em vários espaços sociais fizeram emergir o debate sobre a parentalidade exercida por gays e lésbicas. A mídia, a justiça e a escola buscam a todo o momento referências para respaldar suas posições a respeito desse formato de família que é visto como novo, incomum e, por alguns, problemático.

Este trabalho propõe uma reflexão acerca das concepções que técnicos (psicólogos e assistentes sociais) e operadores do Direito (promotores, juízes, desembargadores), no início deste milênio, no Rio de Janeiro, tinham sobre a adoção por homens gays, e que marcaram decisões favoráveis a esses requerentes que, naquele momento, pleiteavam individualmente a possibilidade e o reconhecimento da paternidade.” 45

• Processo de normalização da sexualidade: descompasso entre anatomia, desejo sexual, identidade de gênero e prática sexual.

• Direito ao reconhecimento da conjugalidade e a possibilidade de parentalidade.

“Partimos do pressuposto de que legitimidade e normalidade não podem ser adjetivos do campo sexual. Estranhamos também a naturalidade com que se questiona casamento e filiação entre pessoas do mesmo sexo. No entanto, é preciso compreender onde se ancoram essas perspectivas.

Butler aponta que a estranheza se dá quando se constata um descompasso entre anatomia, desejo sexual, identidade de gênero e prática sexual. Por isso, quando qualquer manifestação da sexualidade que escape da norma encontre-se combinada à família, a busca de contorno ou reparação da situação exige uma solução jurídica que garanta a sacralidade da família, mesmo em um Estado laico, como o brasileiro.

Assim, gostaria de iniciar o debate fazendo minhas as palavras de Miguel Vale de Almeida, quando ele afirma que “Defendo que os direitos relativos à orientação sexual e à identidade de gênero constituem como que o fim da linha da preocupação moderna com a cidadania, os direitos humanos e as identidades, e que são universais no seu âmbito e na sua relevância.

No início dos anos 1990, a luta era primordialmente por direitos patrimoniais e benefícios, não tendo destaque a dimensão afetivada relação conjugal que motivava as ações. Aos poucos a conjugalidade foi aparecendo no cenário como uma bandeira, e seu reconhecimento legal como um direito a ser conquistado no Brasil. Começava-se, naquele momento, a falar abertamente de afeto, relações estáveis, companheirismo, partilha de vida. A partir de meados dos anos 1990 a luta pelo reconhecimento do casal e posteriormente da família que muitos gostariam de construir ou revelar ganhou grandes proporções. Aos poucos, parentalidade e homossexualidade foram deixando de parecer incompatíveis, embora, no primeiro projeto de lei que visava reconhecer a parceria civil entre pessoas do mesmo sexo, proposto em 1995, a parentalidade – através da adoção naquele momento –tenha sido retirada do texto.

Apesar do risco dessa classificação, é necessário que se discuta, nos movimentos LGBT e em diversas esferas da sociedade, o direito ao reconhecimento da conjugalidade e a possibilidade de parentalidade para aqueles que o desejam. As formas como gays, lésbicas e travestis tornam-se pais ou mães varia muito de acordo com a cultura, as condições sociais e a legislação do país. 46

44 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 3 - 445 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 446 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 5 - 6

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Formas de filiação para casais homoafetivosBasicamente identificamos quatro possibilidades• Co-parentalidade “A co-parentalidade é pouco comum no Brasil: significa que gays e lésbicas resolvem ter uma

criança juntos através de fecundação caseira ou uma relação sexual pontual, e criam o filho ou a filha juntos, sendo pais e mães.” 47

• Reprodução assistida: regulada por uma resolução do Conselho Federal de Medicina, nº 1.957/2010, publicada em janeiro de 2011 que diz:

1. “Todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente”.

“No mesmo campo estaria a reprodução assistida. Ainda sem legislação no país, é regulada por uma resolução recente do Conselho Federal de Medicina, nº 1.957/2010, publicada em janeiro de 2011, que substitui a de 1992. Não há impedimentos para utilização das tecnologias, uma vez que prevê como pacientes de técnicas de RA “todas as pessoas capazes, que tenham solicitado o procedimento e cuja indicação não se afaste dos limites desta resolução, podem ser receptoras das técnicas de RA desde que os participantes estejam de inteiro acordo e devidamente esclarecidos sobre o mesmo, de acordo com a legislação vigente”.

Além dessas possibilidades, que envolvem a genética, há os homens e as mulheres que foram pais e mães através de relações heterossexuais.” 48

• Adoção Por último gostaria de mencionar a adoção, temática central deste trabalho. Cabe ressaltar que

tanto a reprodução assistida quanto a adoção dependem da intervenção de instituições como a Medicina e o Direito na decisão de quem pode ser pai ou mãe. Ambas devem ser previstas em lei ou similares – conforme mencionamos – e são reguladas pelo aparelho de Estado, em especial quando precisam das instituições governamentais, para além do registro das crianças. A adoção, sobretudo, convoca o Estado na medida em que são seus profissionais os eleitos para dar o parecer que autoriza a maternidade ou a paternidade dos requerentes. Assim como são eles que dão subsídio para o juiz autorizar a destituição do poder familiar no caso das crianças disponibilizadas para a adoção. Mecanismos que excedem o corpo e a decisão dos envolvidos oferecem um lugar de poder a outros atores que utilizam suas concepções de maternidade e paternidade para julgar procedimentos.” 49

Homoparentalidade traz em si uma especificidade?

- Formas de parentesco e os preceitos da heteronormatividade: casamento, família e infância.

“Formas de parentesco que escapem dos preceitos da heteronormatividade que eram reforçados pelo casamento são compreendidas como perigosas para crianças, colocando em risco leis consideradas naturais.” 50

- Exercício da parentalidade por gays e lésbicas: sexualidade centrada na ideia de família. “O exercício da parentalidade por gays e lésbicas, cada vez com mais visibilidade, virou uma

questão. A discussão proposta por Foucault na História da sexualidade e sua produção sobre biopolítica talvez nos deem pistas sobre o estranhamento que o tema causa. A centralidade da sexualidade, por regular a vida do sujeito e a da sociedade, parece ser potencializada ao ser associada à família.”51

47 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 648 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 649 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 750 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 751 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 7

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- Necessidade de relacionar a orientação homossexual do sujeito e a capacidade de se ser pai ou mãe.

“Imediatamente faz-se uma transposição do tema em pauta, como se fosse necessário relacionar a orientação homossexual do sujeito e a capacidade de se ser pai ou mãe, e mais, como se a orientação não heterossexual pusesse em questão e/ou em risco a capacidade de maternagem ou paternagem.” 52

Ou seja, A orientação não heterossexual colocaria em questão e/ou em risco a capacidade de maternagem ou paternagem.

Homoparentalidade: Definição/polêmica

- “Todas as situações familiares nas quais pelo menos um adulto que se autodefine como homossexual é pai ou mãe de ao menos uma criança”

- Poderíamos então afirmar que existem características determinadas pela orientação sexual dos pais no comportamento da criança ou de seus pais?

Como a justiça se comporta na miudeza fundamental de suas posições CF 1988 - podem adotar: solteiros, viúvos, separados e casados.

- Paternidade / adoção: provoca estranhamento quando descolada da conjugalidade.

“Apesar de cada vez mais pais requererem a guarda dos filhos em diversos países nos casos de separação, de haver casos de pedidos de adoção apenas por homens, a paternidade ainda provoca estranhamento quando descolada da conjugalidade. Assim, nos casos em que um homem busca sozinho a adoção de uma criança levantam-se suspeitas sobre sua orientação sexual.” 53

Casos: 1. Cássia Eller “No final de 2001, morreu de overdose uma cantora famosa, Cássia Eller, deixando um filho

menor. Ela mantinha uma relação estável e pública com Maria Eugenia, que passou a disputar a guarda definitiva do menino com o avô materno. A opinião pública, a justiça, a escola do menino, foram todos unânimes sobre sua legitimidade em assumir os cuidados com o menino e a sentença foi dada nesse sentido.” 54

2. Em 2005, em Catanduva, interior de São Paulo, um casal de homens conquistou o direito de aparecer como pais na certidão de nascimento da filha que adotaram.

“Alguns anos depois, em 2005, os jornais anunciam, em Catanduva, interior de São Paulo, que um casal de homens conquistava o direito de aparecer como pais na certidão de nascimento da filha que adotavam. O registro de nascimento com nome de dois homens era gerado pela primeira vez no país.” 55

Art. 43 (ECA) – “A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos”.

Preocupações/justificativas para negatória da adoção por casais homoafetivos:

- Buscar afastar possíveis riscos de uma construção familiar, sobretudo se envolvesse pais e filho do sexo masculino que se dava pelo (a):

1. Temor do abuso;2. Ideia da promiscuidade dos gays;3. Temor sobre a orientação sexual dos filhos que convivessem com pais do mesmo sexo.

52 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 753 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 854 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 855 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 8 - 9

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Psicologia Jurídica

“A demanda para a avaliação pela equipe técnica era movida por motivos um pouco diferentes daqueles que fazem encaminhar processos de adoção, como a motivação para adoção, a possibilidade de oferecer à criança ou adolescente em tela um lugar de filho. No início, a preocupação era buscar afastar possíveis riscos dessa construção familiar, sobretudo se envolvesse pais e filho do sexo masculino. Além do temor do abuso, colado na ideia da promiscuidade dos gays, temia-se sobre a orientação sexual dos filhos que convivessem com pais do mesmo sexo. Aos poucos, essa esfera de estranheza vai se dissipando e o que se busca no contato entre equipe técnica e requerentes é comum, independente da homossexualidade dos futuros pais.” 56

Aula 04 – 27/03/2013

“A adoção, não é possível negar, está atrelada à pobreza e à situação de desigualdade social, tão significativas no Brasil. Se os juizados possuem filas de pessoas cadastradas pleiteando adotar bebês, as crianças que habitam as ruas e os abrigos são mais velhas, mais negras e mais pobres. Ao pleitear a adoção, os requerentes podem indicar faixa etária, sexo e cor da pele da criança que desejam como filho. Ainda por motivos que demandariam investigação, é comum, ao menos no Rio, gays terem um espectro mais amplo em relação à cor e idade da criança, aceitando adotar esses meninos mais negros e mais velhos, preteridos pela grande maioria dos requerentes.

Podemos levantar hipóteses a esse respeito: menos prática – social, inclusive – de lidar com bebês; enfrentamento de adversidades corriqueiras em função de sua identidade sexual, o que os levaria a uma maior disposição para enfrentar outras e ajudar uma criança nesse embate; crença de desqualificação, por parte das autoridades judiciárias e dos estabelecimentos de acolhimento institucional, e oferta de crianças mais velhas, preferencialmente, que são as menos visadas. Suposições apenas.” 57

Nas trilhas do mal menor:

“Em função da desqualificação desses sujeitos, do temor de que não possam ser bons pais, da em princípio falta de atributos de uma família que ofereça o melhor para uma criança, vemos a argumentação dos operadores do Direito se fundar em torno de algo que escolhemos chamar de “o mal menor”.” 58

Algumas pessoas não são capazes de imaginar que a relação de um casal homoafetivo seja igual a de um casal heterossexual, que esta relação homoafetiva não esteja ligada a promiscuidade, como se um casal homoafetivo vivesse em constante “trocas de casais”.

- Salvação das crianças de destinos que seriam ainda piores. “Ao invés de afirmar os ganhos da inserção da criança em uma família, o que em geral pauta a

decisão dos juízes na colocação das crianças em famílias substitutas, os argumentos giram em torno da salvação das crianças de destinos que seriam ainda piores.” 59

- A possibilidade de adoção por um homem gay é comparada à vida em uma instituição de acolhimento institucional, o que justificaria o “mal menor”.

- Diz o juiz: “prefere ver acolhido o pedido que permanecer [o menor] em uma instituição sem qualquer nova chance de ter uma família, abandonado até que aos 12 anos sofrerá nova rejeição, já que não poderá mais permanecer no Educandário onde se encontra desde que nasceu e será transferido para outro estabelecimento de segregação e tratamento coletivo, sem qualquer chance de desenvolver sua individualidade e sua cidadania, até que por evasão forçada ou espontânea poderá transformar-se em mais um habitante das ruas e logradouros públicos com grande chance de residir nas escolas de formação de marginais em que se transformaram os atuais "presídios de menores" e, quem sabe, atingir ao posto máximo com ingresso no sistema penitenciário”.

56 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 1057 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 1058 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 1159 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 11

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Psicologia Jurídica

Construindo positividades nos Anormais“Os anormais” – Foucault:três figuras que compõem a anomalia: 1. O monstro humano: “o que define o monstro é o fato de que ele constitui, em sua existência

mesma e em sua forma, não apenas uma violação das leis da sociedade, mas das leis da natureza”; - Assim é visto um homem gay que quer adotar: viola por ser homem e não seguir suas

prescrições de gênero e mais, por querer ser pai, esgarçando ao extremo a suposta natureza.

“A noção de monstro: “o que define o monstro é o fato de que ele constitui, em sua existência mesma e em sua forma, não apenas uma violação das leis da sociedade, mas das leis da natureza”. Ele é infração da lei em sua existência. Transita num domínio jurídico-biológico.“o monstro é o que combina o impossível com o proibido”.

O monstro “viola a lei da natureza”. Assim é visto um homem gay que quer adotar. Viola por ser homem e não seguir suas prescrições de gênero e mais, por querer ser pai, esgarçando ao extremo a suposta natureza. Visto como anormal, indecente, problemático por descolar sexo biológico/gênero masculino/desejo por mulheres, transgride todas as prescrições endereçadas a ele desde a mais tenra infância. Uma vez feita essa escolha, ou sucumbir a essa condição, dependendo da compreensão sobre a origem de sua orientação sexual, é possível se exigir tolerância, não mais que isso. E desde que sua orientação sexual se limite a sua vida ou seu exercício entre adultos. Supõe-se que tenha aberto mão da paternidade ao encarar, assumir ou sucumbir a sua condição. Ao querer ser pai, transgride novamente a ordem social. Por isso também, “combina o impossível com o proibido”. Que consequências decorrem dessa dupla violação?

Segundo Foucault, o monstro “é que é o problema, o monstro é que interroga tanto o sistema médico como o sistema judiciário”. E, no caso da adoção, é preciso convocar o judiciário na sua decisão pela paternidade. A discussão sobre a homossexualidade como doença, ou os limites para integração de um homossexual em esferas da sociedade as quais nunca habitara, como o da paternidade, regulada pelo judiciário se atualizam na procura de um parecer positivo para adoção de uma criança.” 60

2. O indivíduo a ser corrigido: - Feminilidade que remete o homem à condição de anomalia a ser corrigida.

““O indivíduo a ser corrigido. O contexto de referência é a família. O monstro é uma exceção. O indivíduo a ser corrigido é um fenômeno corrente.

É um sujeito incorrigível e, como tal, exige um excesso de sobrecorreção, criando um jogo entre a corrigibilidade e a incorrigibilidade”. Este sujeito gay que percorre os corredores da justiça, que escapa, de alguma forma, às normas médicas, não pode ser corrigido. No entanto, está sob sobrecorreção, para utilizar um termo de Foucault. Supõe-se que a família, no início da vida, falhou de alguma forma, por não ter conseguido fazê-lo se adequar às normas de gênero.

No entanto, ao examiná-lo, podemos nos deparar com argumentos do serviço social e da psicologia que oferecem novo contorno a essa falta de atributos masculinos, a qual precisa muitas vezes justificar. Curiosa a percepção, pelos técnicos envolvidos com esses processos, de uma feminilidade condizente com sua condição desejada de cuidador de criança. Feminilidade que o remete à condição de anomalia. Feminilidade que lhe concede o pleiteado: ter filhos legitimados pelo Estado, como demonstra este trecho do processo, escrito por uma psicóloga: bastante ligado à figura materna a quem muito admira, o requerente espera ser um pai diferente daquele que foi seu pai, descrito como um homem desorganizado e frágil. O requerente demonstra possuir uma disponibilidade para a maternagem, o que poderá facilitar a adaptação da criança a ser adotada.

Na composição com esse adulto monstruoso ou aquele que precisa ser corrigido, há uma criança, em geral docilizada pelos anos de institucionalização – e que também precisa ser corrigida. Essa criança dócil pode ser exatamente aquela que espera adoção: fora da escola e da família, mais negra, mais pobre. Criança essa que entende, muitas vezes, aquela possibilidade de adoção como uma dádiva, uma chance, interpreta-a como merecimento circunstancial, como algo que cabe a ela garantir, uma vez escolhida.

Foucault discute a psiquiatrização do anormal e aproveito seus argumentos para discutir a psicologização e a judicialização de figuras que escapam de modelos mais hegemônicos e precisam 60 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 12 - 13

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passar pelo crivo do Estado. Proponho que quando se concede a adoção a requerentes que se declaram gays, homossexualidade, negritude e grupos de irmãos se unem no conceito de anomalia. E sua viabilidade está exatamente nesse complexo que se constrói, nesse conjunto harmônico de anomalias.

Pobre, negro, mais velho e com irmãos descreve um quadro de alguém que precisa de correção. Uma correção impossível. Perfeito para um outro personagem da anomalia. O conjunto seria incorrigível por reunir não-desejos, não-promessas de felicidade, sobras sociais.

Dos restos da sociedade só seria possível esperar uma lógica de submissão: para uma criança negra e mais velha, que não desperta desejos de se ter como filho, um pai gay.” 61

3. A criança masturbadora:E a criança?

- Adoção como uma dádiva, uma chance, um merecimento circunstancial. - Pobre, negro, mais velho e com irmãos: haveria aqui também um quadro de alguém que

precisa de correção?

Dos restos da sociedade só seria possível esperar uma lógica de submissão: para uma criança negra e mais velha, que não desperta desejos de se ter como filho, um pai gay

Trabalho em sala de aula

Data 03/04/2013Texto: “Subjetividades produzidas nos processos de adoção-pronta (...)”Grupo: até 7 pessoas;

- Debate em sala de aula- Serão feitas perguntas orais. - Questões debatidas serão propostas também pelos grupos que devem:

1 – Esclarecer os conceitos de:- adoção;- adoção pronta;- adoção e relação com Estado Democrático de Direito;

2 – Trazer esta discussão em forma de texto (2 páginas).

Aula 05 – 03/04/2013

Trabalho em sala de aula

Aula 06 – 10/04/2013

Palestra sobre a PEC37 - MP

Aula 07 – 17/04/2013

Semana de Provas

Aula 08 – 24/04/2013

Prova

61 Uziel, Ana Paula. O MELHOR INTERESSE DA CRIANÇA E O "MAL MENOR": QUANDO OS REQUERENTES SÃO GAYS (UERJ) p. 13 - 14

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Psicologia Jurídica

NOTA 2

Aula 09– 01/05/2013Feriado

Aula 10 – 08/05/2013

Texto: Mediante quais práticas a Psicologia e o Direito pretendem discutir a relação: anotações sobre o mal-estar.

Autora: Esther Maria de M. Arantes.

Trabalho: Livro Vigiar e Punir (Michael Foucault)

Grupo 1 – Suplício (pág. 9 à 60) – apresentação 22/05/2013Grupo 2 – Punição (pág. 63 à 114) – apresentação 22/05/2013Grupo 3 – Disciplina – Cap I (pág. 117 à 142) – apresentação 22/05/2013Grupo 4 – Disciplina – Cap II (pág. 143 à 161) – apresentação 29/05/2013Grupo 5 – Disciplina – Cap III (pág. 162 à 192) – apresentação 29/05/2013Grupo 6 – Prisão (pág. 193 à 262) – apresentação 29/05/2013

Aula 11 – 15/05/2013

Este texto interage com o livro vigiar e punir de Michel Foucault.Para falar sobre prisão Foucault vai falar sobre disciplina e como se dá a relação dentro da prisão.

Texto: Mediante quais práticas a Psicologia e o Direito pretendem discutir a relação?Anotações sobre o mal-estar

Esther Arantes

“Ou seja, o que habitualmente se criticava (e ainda se critica) nos espaços por onde o psicólogo circulava (e ainda circula) era a existência de um poder excessivo por parte do juiz, que muitas vezes não levava em consideração o parecer técnico ou a existência de opiniões divergentes sobre o caso; uma abusiva criminalização do modo de vida de pessoas pobres, possibilitada pelos procedimentos técnico-jurídicos adotados e/ou pela ausência ou precariedade da Defensoria Pública; a nem sempre existência de correspondência ou razoabilidade entre o crime suposto e a sanção recebida, como em processos de destituição do poder familiar de mulheres-mães pobres, respaldados em laudos técnicos eivados de preconceitos, constituindo-se a equipe técnica em agente acrítico de processos de exclusão social; a criminalização da conduta exploratória dos adolescentes e jovens em relação às drogas, através de leis proibicionistas que desrespeitam a liberdade, a privacidade e a dignidade da pessoa humana – mas nunca antes, diferentemente do que parece estar agora ocorrendo, pelo menos em termos de algumas práticas, admitia-se uma intromissão direta na “seara alheia”. A equipe técnica podia não concordar com a sentença dada pelo juiz ou o juiz podia ignorar o parecer técnico, mas apesar da insatisfação reinante, respeitava-se os espaços e a autonomia profissional de cada um.

Não que as fronteiras estivessem bem guardadas e delimitadas. Ao contrário, apesar das alianças, sempre existiram tensões e disputas na área, favorecendo o avanço ora de uma ora de outra posição. No entanto, embora possamos afirmar que a regra jurídica e a norma psicológica não se opõem necessariamente, imbricando-se, agenciando-se e colonizando-se nas sociedades ocidentais modernas, o conceito de “cidadania/sujeito de direitos” e o de “produções subjetivas/sujeito psicológico” nunca foram considerados como sendo exatamente a mesma “substância”, constituindo domínios de diferentes “especialistas” - sendo o estudo e a aplicação da norma legal o “objeto” próprio dos profissionais do direito e o estudo da norma de saúde e psicológica o “objeto” próprio dos profissionais de medicina, psiquiatria e psicologia. Sujeitar a norma psicológica a procedimentos judiciários, transformar a psicologia em direito, dizer a norma psicológica como se diz a lei, identificar o sujeito psicológico com o sujeito de direitos, acabar com as arestas e disputas entre os campos reduzindo um ao outro, é o que o mal-estar atual entre os psicólogos jurídicos parece apontar.

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Constatamos que aquilo que estamos caracterizando como sendo um “novo” mal-estar entre os psicólogos jurídicos vem tomando feições a partir da introdução, pelo judiciário brasileiro, de programas que definem o tratamento como pena, a justiça como terapêutica e o depoimento como sendo sem dano - programas estes nos quais o psicólogo vem sendo designado para atuar de maneira, a nosso ver, conflitante com a sua formação profissional; ou seja, programas que tendem a não mais respeitarem as delimitações tradicionais dos campo profissionais.” 62

“Já Foucault nos alertava para o fato de que a importância crescente da norma em relação ao sistema jurídico da lei nas sociedades disciplinares não significava um declínio do direito.

“(...) a formação de uma sociedade normalizadora, longe de provocar o apagamento da lei ou o desaparecimento das instituições de justiça, vai antes a par com uma espantosa proliferação legislativa. Na prática, nunca o legislador foi tão loquaz como na era do biopoder. É que a norma não se opõe à lei, mas àquilo que fez da lei um modo de expressão de um poder ligado à idéia de soberania: “o jurídico”. Se, como diz Foucault, “a lei não pode deixar de ser armada”, e se a sua arma por excelência é a morte, não é porque tal seja da essência da lei, porque a lei também pode funcionar como uma norma, formulá-la, e ser assim uma das peças de um poder inteiramente consagrado a “qualificar, a medir, a apreciar, a hierarquizar, mais do que a manifestar-se na sua exuberância mortífera”. Ao jurídico que caracterizava o direito da monarquia opõe-se na era do biopoder, o normativo, encontrando este um meio particular de se exprimir em constituições, em códigos, por “toda uma atividade legislativa permanente e ruidosa”.(François Ewald. Foucault, a norma e o direito. Lisboa: Veja Gabinete de Edições: 1993, p. 77-78)

Perguntamos: estariam estes “novos” rearranjos entre prática judiciária e prática psi, do qual o mal-estar entre os psicólogos jurídicos parecer ser sintoma, assinalando um novo regime de dominação no contemporâneo, em relação ao qual ainda não ganhamos clareza? Ou trata-se apenas da intensificação das disciplinas? Seria este rearranjo um contra-ataque da lei contra a sua colonização pela norma? Ou trata-se apenas de mais um episódio de rearrumação dos lugares?

Estas não são questões simples, mesmo porque há quem comemore o advento de tais programas apontando o que eles supostamente significam em termos de benefícios para as vítimas, para a sociedade ou para os usuários de drogas, ou mesmo em termos do alargamento do mercado de trabalho para os psicólogos.” 63

“Seguindo este critério, Fonseca identifica em Foucault uma oposição inicial entre norma e direito, ou seja, o direito como “legalidade”; uma posterior relação de implicação e agenciamento entre eles, servindo o direito como veículo de normalização e como um instrumento das disciplinas, ou seja, o direito como “normalizador”; e uma segunda oposição, que poderia ser pensada talvez como um resistência aos mecanismos de normalização, ou seja, um “direito novo”.

Vejamos, em linhas gerais, do que se trata nestas oposições e agenciamentos, atendo-nos apenas aos aspectos que aqui nos interessam mais de perto. Devemos lembrar, no entanto, que compreender as diversas imagens do direito em Foucault não constitui tarefa simples, requerendo, segundo Fonseca, entender as diversas formas que a normalização assume ao longo de seus trabalhos, dando conta de seus deslocamentos.

“Num primeiro momento, será preciso que especifiquemos a norma como disciplina, que se descreva sua forma de atuação e seus campos de aplicação. Depois, será preciso também que especifiquemos a norma como mecanismo de regulação e de gestão da vida e de seus processos, a norma como vetor do biopoder, descrita segundo mecanismos de seguranças e instrumento de ‘artes de governar’. Somente acompanhando esses desdobramentos da idéia de normalização e identificando as relações de implicação que as diferentes práticas da norma travam com os saberes e as práticas que se atribui um estatuto jurídico é que poderemos compreender essa outra figura do direito em Foucault”. (p.155)

Para os nossos propósitos, entretanto, e para não cansarmos o leitor com excessiva recorrência ao excelente texto de Fonseca, para o qual, desde já, recomendamos a leitura, vamos, de maneira resumida, dizer que a primeira forma que assume a normalização em Foucault é a de um poder disciplinar em oposição a uma concepção do poder como soberania. 62 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 263 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 2

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“ (...) a disciplina não pode ser identificada com uma instituição (...) ela é mais precisamente um mecanismo de poder, uma ‘anatomia’ do poder, uma modalidade de seu exercício, que pode ser sintetizada pela palavra ‘normalização’. A disciplina é uma modalidade de poder que normaliza. Ela é a primeira forma de normalização descrita por Foucault. Seu domínio é aquele da materialidade dos corpos e da organicidade das instituições”. (Idem, p. 185)

Da oposição inicial entre norma disciplinar e o direito, que segundo Fonseca se dá apenas num plano conceitual e não num plano das práticas, Foucault oporá, termo a termo, a “penalidade da norma” à “penalidade judiciária”. Enquanto as disciplinas classificam, separam, avaliam, hierarquizam, diagnosticam os indivíduos em torno de uma norma ou de uma média, o direito organiza os indivíduos em torno de relações contratuais próprias ao sujeito de direito.

Fonseca avalia que, com tais oposições, Foucault apenas desejou mostrar que “as disciplinas não são o mero ‘prolongamento’ das estruturas jurídicas” nem apenas “a forma de os mecanismos da justiça penal chegarem até os pormenores da existência cotidiana”. Ao contrário, as disciplinas inventaram “um novo funcionamento punitivo”que “teria , pouco a pouco, investido o aparelho punitivo do direito”. (Idem, p. 186) Assim, dirá Foucault “que aquilo que se vê concretamente em relação à prisão seria uma espécie de ‘torsão’ do ‘poder codificado de punir’ em um ‘poder disciplinar de vigiar’”. (Idem, p. 187)” 64

“Se, no entanto, no plano conceitual a disciplina constitue-se como um “contradireito”, significando um poder fundado na norma e não na lei, não se pode negar, no plano das práticas, relações de implicação e complementaridade entre direito e disciplina que perpassam todas as instituições de “seqüestro”, podendo-se falar assim na existência de uma “sociedade disciplinar” tanto quanto de uma imagem do direito “normalizado-normalizador” em Foucault.

“tal sociedade, em vez de ser apenas uma espécie de local em que um certo número de instituições disciplinares se situam, é um tipo de sociedade que se caracteriza por formar uma ‘rede’. As tramas que compõem seus tecidos, os liames que articulam as individualidades que comporta, os elos que põem em contato as suas instituições, não conhecem fronteiras precisas.Todas as fronteiras tendem a desaparecer, na medida em que se constitui, em seu interior, um continuum disciplinar que, ligando os indivíduos às instituições de seqüestro, ligando essas instituições entre si e ligando seu conjunto a instâncias aparentemente independente da disciplina (como o Estado, o Direito) formarão precisamente a sociedade disciplinar”. (Idem, p. 188)

Assim, os corpos enviado às instituições de “seqüestro” como as prisões, manicômios judiciários, abrigos, internatos, por exemplo, o são a partir de decisões jurídicas e que as “verdades” dos sujeitos produzidas pelas disciplinas tais como as figuras do delinqüente, do doente mental, do viciado, do deficiente, serão retomadas “pelas estruturas formais do direito que dirão quais as medidas a serem tomadas em relação a tais indivíduos”.(Idem, p.190)

“Pensar na relação direito-disciplina, pensar na relação entre as normas do direito e as normas disciplinares implica perceber a penetração constante entre as regras e os procedimentos mais gerais representados pelas estruturas jurídicas e as regras e os procedimentos mais finos e mais particulares (mas não menos presentes) das disciplinas. Considerando-seque esses dois ‘tipos’de regras e procedimentos não se constituem em domínios independentes, considerando-se que, ao invés disso, fazem parte de um único processo, estão inseridos num mesmo fluxo de poder, num único agenciamento de poder, então é a imagem de um direito normalizado-normalizador que se tem diante dos olhos, a imagem de um direito em que se nota uma ‘colonização’ recíproca entre as normas disciplinares e as práticas e os saberes do direito formalizado”. (Idem, p. 191)” 65

“ Da guarda dos filhos.

Como dissemos, as avaliações psicológicas são procedimentos usuais para a tomada de decisão. Em algumas áreas da justiça a avaliação ou perícia pode ser solicitada para averiguação de periculosidade, das condições de discernimento ou sanidade mental das partes em litígio ou em julgamento. No caso de disputa pela 64 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 465 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 5

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guarda dos filhos, pelo menos em princípio, não se trata de examinar alguma periculosidade, alguma ausência ou prejuízo da capacidade de discernimento ou sanidade mental. Como pano de fundo temos o casal em dissolução, cada um instruído no processo por seus respectivos advogados. Sabemos que muitas das alegações para a guarda dos filhos são imputações de infidelidade, desvio de conduta, uso de drogas, doenças ou mesmo a de possuir o outro cônjuge menor renda, trabalhar fora de casa ou não trabalhar, ou ainda possuir menor escolaridade.

É sobre tais alegações, motivo da disputa, que trabalhará o juiz, formulando quesitos a serem investigados pelo perito, que de certa forma comprovará ou não as alegações, formulando uma verdade sobre os sujeitos. Segundo pesquisa de Brito em Varas de Família (1993), como resultado da perícia, uma das partes tenderá a ser apontada como aquela que melhor reúne as condições para a guarda dos filhos. Enganamo-nos todos, no entanto, ao acreditar que a verdade vem à luz e que se faz justiça nesse processo. O resultado parece ser, inevitavelmente, a fabricação de um dos cônjuges como não-idôneo, moralmente condenável ou, pelo menos, temporariamente menos habilitado.

Não se trata, evidentemente, de lançar aqui uma dúvida generalizada sobre os diversos tipos de perícia e seus usos pela justiça; também não se trata de negar o sofrimento ou levantar suspeitas sobre a sinceridade com que pais e mães formulam suas queixas, embora, aqui e ali, os advogados orientem a direção e a formulação dasalegações, conhecedores que são dos juízes e das regras, e embora, vez ou outra, as partes não estejam preocupadas apenas com os filhos mas também com o patrimônio.

Podemos não saber como resolver problemas tão difíceis como estes, podemos mesmo admitir que em certos casos e em certas circunstâncias um dos genitores encontra-se em melhores condições para o exercício responsável da guarda dos filhos, mas que não se reduza uma questão delicada como esta aos seus meros aspectos gerenciais. Pelo menos, não em nome das crianças.” 66

Sobre a imposição do tratamento...

“Segundo Karam, condutas designadas como “crimes” são criações da legislação penal e não algo que seria inerente à natureza da própria conduta. Assim:

Não existe um conceito de crime, que possa se dizer natural, isto é, que parta de um denominador comum e que esteja presente em todo tempo e lugar. Além disso, as condutas criminalizadas não são naturalmente diferentes de outros fatos socialmente negativos ou situações conflituosas, que, em um lugar e em um momento histórico determinados, ficam fora do campo de intervenção do sistema penal. (Karam: 2003, p.45)

O Brasil, por circunstâncias históricas já analisada por diversos autores, se alinha a uma política proibicionista, produzindo leis que criminalizam não apenas a produção e a comercialização como também o uso de substâncias psicoativas. Tais substâncias, ao serem postas sob o campo de intervenção do sistema penal, recebem a qualificação de ilícitas, distinguindo-se de outras substâncias que mesmo podendo causar danos à saúde podem ser usadas por adultos, como o álcool e o tabaco. Como resultado desta política proibicionista podemos apontar o crescimento acelerado da população carcerária nos últimos anos, tanto nos Estados Unidos da América quanto nos países que seguem esta mesma orientação, como é o caso do Brasil.

Para exemplificarmos esta situação, segundo estatísticas oficiais da 2ª Vara da Infância e Juventude da Comarca da Capital, o número de atos infracionais praticados por adolescentes cresceu no Rio de Janeiro de 2.675 em 1991 para 6.004 em1998. Grande parte desses adolescentes foram acusados de infrações análogas aos crimes previstos na Lei de Entorpecente: de 204 casos em 1991 para 3211 em 1998. De lá para cá esta realidade não mudou. Estatísticas dos anos mais recentes indicam que continuam altos as apreensões de adolescentes por infrações análogas aos crimes previstos na Lei de Entorpecentes.” 67

- Definição do usuário de drogas como sendo uma pessoa necessariamente doente ou dependente; - Definição que defende a necessidade do tratamento compulsório, sem considerar o tipo e a frequência do

uso;

“Nos vários fóruns de defesa dos direitos humanos das crianças e dos adolescentes onde estas questões são debatidas, questiona-se a inadequação da rotulação de “traficante” dado ao adolescente bem como a definição do usuário de drogas como sendo necessariamente uma pessoa dependente ou doente – definição que o coloca 66 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 6 - 767 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 7 - 8

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sujeitado a tratamentos compulsórios, sem maiores considerações sobre o tipo e a freqüência do uso. É o que vem acontecendo, através de programas denominados Justiça Terapêutica, que passamos a comentar.” 68

Justiça Terapêutica:

- Modelo norte-americano dos Tribunais para Dependentes Químicos (Cortes de Drogas). - Oferece ao adolescente o tratamento compulsório em lugar da aplicação de medidas

socioeducativas/protetivas (ECA);

1. Concordar com o caráter compulsório do tratamento, o que inclui a realização de testes de urina; 2. Ser usuário de drogas passa a ser o foco do atendimento; 3. Envolve a quebra do sigilo profissional; 4. O tratamento é compulsório; 5. Implica em um “confessar-se culpado”;

“A Justiça Terapêutica se baseia no modelo norte americano dos Tribunais para Dependentes Químicos (Cortes de Drogas) e oferece ao adolescente que for apreendido portando drogas para uso pessoal a opção de tratamento, ao invés de receber uma Medida Sócio-Educativa. A inclusão nos Programas de JT implica, dentre outros procedimentos, que o adolescente concorde em ser submetido a testes periódicos e aleatórios de urina, dado que a JT prega total abstinência de drogas ilícitas e de bebidas alcoólicas.

Em artigo destinado a pensar a Justiça Terapêutica, Damiana de Oliveira faz importantes considerações a respeito do papel que o psicólogo é chamado a desempenhar nesta modalidade de “pena-tratamento”, apontando um conjunto de dificuldades a serem enfrentadas por este profissional, tais como: a de concordar com o caráter compulsório do tratamento e com os testes de urina, além de que “usar ou não drogas” passa a ser o foco do acompanhamento psicológico, podendo o adolescente receber sansões por descumprir as regras do Programa de JT.( Oliveira, s/d).

Outros argumentos contrários à participação do psicólogo no modelo da JT, são: a quebra do sigilo profissional, já que deve o psicólogo produzir prova que depõe contra o próprio sujeito; a quebra dos direitos individuais mínimos, posto que o sujeito que opta pela JT tem de abrir mão do direito de defesa, tendo que se confessar culpado, mesmo que usuário eventual; por defender o caráter voluntário do tratamento, condição fundamental para sua eficácia e finalmente por considerar a necessidade de uma ampla discussão sobre a questão, dado que o envolvimento com as drogas vem se tornando o fator responsável por grande parte do contingente dos hospitais psiquiátricos, manicômios judiciários, internatos e prisões no Brasil.

Outros questionamentos são: uma vez que as diversas modalidades de atenção à saúde já estão previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente como Medida Protetiva, porque a existência de programas de Justiça Terapêutica no âmbito da Justiça da Infância e Juventude? No caso de um adolescente que nunca praticou qualquer outro ato infracional a não ser o uso eventual de substância psicoativa considerada ilícita, como a maconha, por quanto tempo será mantido em tratamento? Pode o judiciário impor a noção de “total abstinência” como critério de tratamento e alta médica ou psicoterápica?” 69

Juíza Maria Lúcia Karan em entrevista à Época (06/06/2008)

ÉPOCA – A legalização não aumentaria a criminalidade?

Maria Lúcia – Ela reduziria. Só existe violência associada à produção e ao comércio de drogas porque esse mercado é ilegal. Num mercado legal como é o do álcool, as disputas se resolvem dentro da lei. No mercado ilegal, as disputas comerciais e econômicas vão se resolver na base da força.

Quem provoca a violência, portanto, é o Estado.

68 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 869 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 8 - 9

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Psicologia Jurídica

“Embora reconhecendo a ausência de culpabilidade e, assim, a inexistência de crime nas condutas daqueles que se revelam inimputáveis, o ordenamento jurídico-penal brasileiro, paradoxalmente, insiste em alcançá-los, ao impor, como consequência da realização da conduta penalmente ilícita, as chamadas medidas de segurança, com base em uma alegada “periculosidade” atribuída a seus inculpáveis autores.

(...) Mas, este inconstitucional tratamento obrigatório já vem sendo aplicado até mesmo para aqueles que têm íntegra sua capacidade psíquica, nas tentativas, diretamente veiculadas pelos Estados Unidos da América, de transportar, para o Brasil, as chamadas drug court, que, aqui, se pretende sejam adotadas, com a tradução literal de “tribunais de drogas”, ou sob a denominação de “justiça terapêutica”, esta última explicitando a retomada daquela nefasta aliança entre o direito penal e a psiquiatria. ( ...)

Assim, estende-se o tratamento médico a imputáveis, o que já contraria as próprias leis penais ordinárias vigentes. Assim, amplia-se o alcance do sistema penal, com a imposição de verdadeiras penas, negociadas ao preço da quebra de diversas garantias do réu, derivadas da cláusula fundamental do devido processo legal, constitucionalmente consagrado. (...)

Esta importação das drug court chega, ainda, ao âmbito dos juizados da infância e juventude. Ali também, pretende-se violar a liberdade individual, a intimidade e a vida privada de adolescentes, através da imposição de um tratamento médico obrigatório, sem que sequer seja externado transtorno mental que, teoricamente, o pudesse aconselhar.” (Karam, 2002: 210-224).

- Por que circunscrever o uso de drogas ao campo da ilegalidade? - Estaria a J. T reeditando práticas antigas do poder pastoral, principalmente no que diz respeito ao caráter

obrigatório da salvação?

“O poder pastoral era de caráter religioso e foi fundamentalmente exercido na cultura judaico-cristã. A metáfora de pastor não era encontrada na civilização greco-romana. (...)

No cristianismo encontramos a idéia de um pastor que se encarregará de uma salvação espiritual: ‘O reino de Deus está no coração’. Portanto, no pastorado cristão enfatizou-se a idéia de uma ‘outra vida’, uma vida póstuma, a qual dependeria de uma certa conduta na vida terrena. Para se salvar é necessário possuir esse coração apto a entrar no reino celeste. A salvação, idéia que o cristianismo espalhou por quase toda a Europa, era de caráter obrigatório. (Moura, p.32-34)” 70

Da internação de adolescentes:

Internação de adolescenteA crítica é sobre o envio de adolescentes à internação compulsória por dependência, abuso de

drogas, em hospitais psiquiátricos em locais para tratamento de adolescentes com tratamentos psicóticos.

O tratamento é caracterizado como pena.

“Estudando as internações psiquiátricas de crianças e adolescentes do sexo masculino, realizadas através de Mandado Judicial, no período 1994-1997 e comparando-as com os demais pacientes do mesmo sexo, encaminhados por familiares ou pelo próprio serviço de saúde, Ana L.S.Bentes constatou estarem aquelas internações em crescimento, passando de 7% em 1994 para 33% em 1997 na unidade hospitalar na qual trabalhava, no Rio de Janeiro. Uma vez verificado que os diagnósticos das crianças e adolescentes internados por Mandado Judicial não correspondiam aos critérios psiquiátricos adotados pela unidade, pergunta porque, mesmo após a vigência do Estatuto da Criança e do Adolescente/ Lei 8.069 e da Reforma Psiquiátrica Brasileira, continuam acontecendo as internações compulsórias de crianças e adolescentes?

Algumas das características destas internações eram:” 71

1) a compulsoriedade, não se podendo recusar a internação sob pena de desacato à autoridade; 2) o predomínio de quadros não psicóticos;

70 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 1071 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 10 - 11

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3) a estipulação de prazos para a internação, a despeito do que pensava a equipe médica que recebeu a criança ou o adolescente;

4) a caracterização do tratamento como pena, no caso de adolescentes em conflito com a lei; 5) as crianças e adolescentes apresentando-se fortemente medicados com psicofármacos, no ato da

internação; 6) presença de escolta durante o período da internação; 7) tempo médio de internação superior aos dos demais internos admitidos por outros procedimentos; 8) desconhecimento, pela equipe técnica, dos processos judiciais referentes aos adolescentes em conflito

com a lei.

- Quadros Psicóticos; - Distúrbios do Comportamento. - Pobreza, abandono e violência se misturam à ausência ou precariedade das políticas públicas, às

desconfianças, aos medos, omissões e acusações mútuas.

“Bentes constatou que do total de crianças e adolescentes encaminhados judicialmente, 60% não foram diagnosticados como “psicóticos”; 42,9% dos que receberam diagnóstico de “distúrbios do comportamento” eram adolescentes em conflito com a lei, encaminhados por juizes da Comarca da Capital; e que a maior média de tempo de internação (55,6 dias) foi em decorrência de encaminhamentos feitos por juizes do interior do Estado. Outros diagnósticos neste grupo foram: dependência de drogas, epilepsia, distúrbios de emoções na infância e adolescência, transtorno da personalidade.

(...)Acreditamos que alguns destes conflitos e divergências poderiam ser minimizados, caso a oferta de

programas de atendimento em saúde fosse maior e mais diversificada. Com freqüência o poder executivo é criticado por não assegurar as condições para o cumprimento de direitos constitucionais básicos. Muitas vezes, feito um diagnóstico ou detectado um problema, não há como dar encaminhamento ao caso. Alguns juízes alegam que enviam adolescentes para serem internados por falta de alternativas em meio aberto.

Mas devemos reconhecer que nem sempre tais decisões devem-se à precariedade do atendimento. A escola, por exemplo, pode não querer matricular uma criança, não por falta de vaga, mas porque a criança é vista como sendo “da rua”, “infratora” ou “deficiente”, fugindo ao padrão de normalidade desejado. Neste caso, a escola alega que não é sua função ou que não tem os meios para lidar com aquele “tipo” de criança. Ou seja, a escola não crê que o “problema” da criança possa ou deva ser enfrentado educacionalmente, preferindo encaminhá-la ao juiz, ao Conselho Tutelar ou ao sistema de saúde.

Configura-se assim, no campo social, uma situação muitas vezes complexa e confusa, onde pobreza, abandono e violência se misturam à ausência ou precariedade das políticas públicas, às desconfianças, aos medos, omissões e acusações mútuas. Não é, certamente, o melhor dos mundos.” 72

Fonte: Karam, M.L. – Medidas de segurança: punição do enfermo mental e violação da dignidade. Verve, nº 2, 2002 – São Paulo: PUC-SP.

Texto: Mediante quais práticas a Psicologia e o Direito pretendem discutir a relação?Anotações sobre o mal-estar

Esther Arantes

DEPOIMENTO SEM DANODEPOIMENTO COM REDUÇÃO DE DANO

Depoimento sem dano.

72 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 11 – 12

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Foi verificado que o depoimento da criança não é totalmente sem dano, por isso, este termo foi alterado para depoimento com redução de dano.

O psicólogo ficaria em uma sala reservada com a criança, para que a criança pudesse depor. O psicólogo ficaria com um ponto eletrônico, para que pudesse receber orientações da audiência, esse depoimento é gravado.

O conselho federal de psicologia é contra este modelo. pois o psicólogo não é responsável pela verdade dos fatos e não pode ser responsável por inquirir a criança (conseguir retirar da criança a verdade).

Ultimamente houve alteração nesse modelo trocando o ponto eletrônico pode um telefone.

Do juiz e seus duplos.

A questão envolvendo o psicólogo nos programas denominados “Depoimento sem Dano” parece apresentar certa diferença em relação às outras modalidades de seu exercício no âmbito judiciário, na medida em que nestes programas o psicólogo não é chamado a desenvolver uma prática “psi” propriamente falando, mas a ter uma função de “duplo”, de “instrumento”, ou “boca” humanizada do juiz.

““Experiência pioneira no Brasil, o Projeto Depoimento sem Danos foi implantado em 2003 na 2ª Vara, com o objetivo de promover a proteção psicológica das vítimas, permitindo a realização de instrução criminal tecnicamente mais apurada. O DSD prevê a possibilidade de produção antecipada de prova no processo penal, antes do ajuizamento da ação, para evitar que a criança seja revitimizada com sucessivas inquirições nos âmbitos administrativos, policial e judicial. (...) A sistemática permite a realização de audiência, simultaneamente, em duas salas interligadas por equipamentos de som e imagem. Em recinto reservado, a vítima presta depoimento a uma Psicóloga ou Assistente Social. Na sala de audiência ficam o Juiz, Promotor e partes. O magistrado faz as inquirições por intermédio do profissional que se encontra com a vítima que, dessa forma não se expõe a outras pessoas. Simultaneamente é efetivada a gravação de som e imagem em CD, que é anexado aos autos do processo judicial”

O que nos intriga nesta prática na qual o psicólogo é chamado a participar, tal como descrita acima, é que nada a identifica, a princípio, como “prática psi”. Todos os termos são próprios da prática judiciária: a vítima presta depoimento, sendo a inquirição feita pelo magistrado por intermédio do psicólogo ou assistente social; simultaneamente é realizada a gravação da audiência em CD, sendo este anexado aos autos do processo judicial.

Neste exemplo, o psicólogo parece ser mero instrumento e encontra-se neste lugar apenas como uma duplicação do magistrado para colher o depoimento de uma vítima-criança sem supostamente lhe causar danos. As perguntas feitas à criança são orientadas pela necessidade do processo e obedecem à tecnicalidade jurídica. Trata-se nesta prática, de evitar que a criança seja revitimizada ao contar a sua história a vários profissionais e em diferentes momentos. Assim, todas as perguntas serão feitas em audiência única, evitando-se o sofrimento que a repetição traz para a criança e também que a criança modifique o seu depoimento de acordo com diferentes modos de inquirição. O psicólogo, supostamente, é capaz de atender aos requisitos para uma adequada inquirição e por isto o depoimento da criança seria “sem dano”: o psicólogo é uma figura acolhedora, que não ameaça, que possui habilidades para se relacionar e ao mesmo tempo para não se deixar enganar, de modo que o depoimento da criança seja confiável, não sendo mera fantasia ou resposta dada apenas para agradar ao adulto.” 73

- A proteção à criança e ao adolescente se fará reduzindo todas as falas e práticas a uma racionalidade única e totalizante.

- Se o psicólogo não se diferenciar do juiz, se for apenas o seu duplo, não haverá espaço para outra fala da criança que não seja a de vítima.

- O lugar reservado ao psicólogo é de instrumento ou de duplo humanizado do juiz.- “Prática psi” X área jurídica: os termos são próprios da prática judiciária - a vítima presta depoimento,

sendo a inquirição feita pelo magistrado por intermédio do psicólogo ou assistente social; realizada a gravação da audiência em CD, sendo este anexado aos autos do processo judicial.

73 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 12 – 13

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- Práticas psi: eventuais perguntas feitas pelo psicólogo à criança não podem ser qualificadas como inquirições, não pretendendo esclarecer a “verdade dos fatos” - mesmo porque, nas práticas psi, as fantasias, erros, lapsos, esquecimentos, sonhos, pausas, silêncios e contradições não são entendidas como sendo opostos à verdade.

“Por mais louváveis que sejam as intenções daqueles que defendem esta modalidade de depoimento - e não há motivo algum para colocarmos em dúvida tais boas intenções – queremos assinalar certa dose de ingenuidade na expressão “sem dano”, ao mesmo tempo em que desejamos entender melhor o papel que o psicólogo aí desempenha. Ou seja, uma audiência jurídica não é exatamente o mesmo que uma entrevista, consulta ou atendimento psicológico, onde a escuta do psicólogo é orientada pelas demandas e desejos da criança e não pelas necessidades do processo, sendo resguardado o sigilo profissional. Ademais, eventuais perguntas feitas pelo psicólogo à criança não podem ser qualificadas como inquirições, não pretendendo esclarecer a “verdade real” ou a “verdade verdadeira dos fatos” - mesmo porque, nas práticas psi, as fantasias, erros, lapsos, esquecimentos, sonhos, pausas, silêncios e contradições não são entendidas como sendo opostos à verdade.

Tal como os defensores do DSD, também nós reconhecemos o direito da criança à proteção. Não se trata aqui de outra coisa, senão exatamente esta. Mas não acreditamos que a proteção à criança e ao adolescente se fará reduzindo todas as falas e práticas a uma racionalidade única e totalizante. Ao contrário, se o psicólogo não se diferenciar do juiz, se for apenas o seu duplo, não haverá espaço para outra fala da criança que não seja a de vítima, uma vez que no procedimento judiciário em questão a criança é qualificada necessariamente como vítima e sua fala tomada como depoimento. Assim, contrariando as aparências, caso o lugar reservado ao psicólogo seja apenas o de instrumento ou de duplo humanizado do juiz, acreditamos que tal depoimento não será “sem dano”, pois anulará o espaço onde a criança poderá existir de uma outra forma – inclusive, fora da conceituação jurídica de vítima. Um depoimento não é “sem dano” apenas porque a inquirição do juiz foi feita por um psicólogo e gravada em sala separada, obtendo-se uma suposta verdade objetiva dos fatos. Não é adotando-se um comportamentalismo ingênuo que operadores do direito e equipe técnica resolverão as suas contradições.” 74

Questionamentos:

Fala da procuradora de Justiça Maria Regina de Azambuja, que integra o Movimento pelo Fim da Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Rio Grande do Sul:

“Imagina uma menina de cinco anos que foi abusada pelo companheiro da mãe ou por seu próprio pai e sabe que, se entrar ali e disser isso, ele vai para a cadeia. Como fica a cabecinha dela, sabendo que tem esse poder?

Temos que repensar essa produção da prova porque temos um compromisso com a proteção integral da criança, respeito, dignidade. (...)”.

“(...) A excessiva valorização do depoimento da vítima para responsabilizar o agressor nesses casos é considerada prejudicial para meninos e meninas que sofreram violência sexual. A procuradora de Justiça Maria Regina de Azambuja, que integra o Movimento pelo Fim da Violência e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes do Rio Grande do Sul, vem questionando essa forma de buscar provas para tais crimes e defende que é preciso repensar esse tema. Segundo ela, essa é mais uma exploração a que o sistema de Justiça está submetendo a criança.

“Imagina uma menina de cinco anos que foi abusada pelo companheiro da mãe ou por seu próprio pai e sabe que, se entrar ali e disser isso, ele vai para a cadeia. Como fica a cabecinha dela, sabendo que tem esse poder? Temos que repensar essa produção da prova porque temos um compromisso com a proteção integral da criança, respeito, dignidade. (...)” 75

Diferenças entre a Psicologia/Psicanálise e o Direito: - Para a justiça basta que os seus operadores obtenham uma convicção objetiva dos fatos,

independentemente do que pensa o sujeito.

74 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 13 - 1475 Arantes, Esther Maria de Magalhães. Mediante quais práticas a psicologia e o direito pretendem discutir a relação? Anotações sobre o mal-estar. p. 14

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- O mesmo não acontece com a psicanálise/psicologia, onde o sujeito também necessita adquirir esta mesma convicção.

Aula 12 – 22/05/2013Apresentação de trabalho – grupo 1, 2, 3

Aula 13 – 29/05/2013Apresentação de trabalho – grupo 4, 5, 6

Aula 14 – 05/06/2013Prova

Aula 15 – 12/06/2013Vista de Prova

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