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1 REVISTA JURÍDICA 2011

REVISTA JURÍDICA 2011 - Faculdade e Colégio CESUT ... · Natureza Jurídica da Transação Penal no Juizado Especial ... da transação penal, seu alcance e suas consequências

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REVISTA JURÍDICA 2011

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ANO 11 REVISTA JURÍDICA Nº. 13 ISSN – 1519-9770

CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DE JATAÍ CESUT

DIRETOR

Profº. João Geraldo de Souza Braga COORDENADORA DO CURSO DE DIREITO Profª. Sirlene Moreira Fidelis COLABORADORES Profº. José Carlos Ribeiro Bibl. Soraia de Carvalho Ferreira ALUNOS

01. Antônio Rezende de Carvalho 02. Carolina Costa Nacruth Gabriel 03. Caroline Rodrigues da Silva 04. Cláudia Maria Marcuzzo 05. Edlaine de Fátima Borile 06. Eliane Aparecida Castro Paes Maia 07. Layla Milena Oliveira Gomes 08. Luícily Carvalho Ferreira 09. Solange Eliane Petry

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SUMÁRIO

01. Editorial.......................................................................................pág. 004

02. Natureza Jurídica da Transação Penal no Juizado Especial Criminal.......................................................................................pág. 005

03. Namoro e União Estável: Delimitação dos Conceitos e Requisitos

para o Reconhecimento de Entidade Familiar............................pág.018

04. Cabimento da Querela Nulitatis na Relativização da Coisa Julgada em Sentenças Ultra e Extra Petita.............................................................pág.032

05. Proteção do Patrimônio Cultural por Meio do Tombamento.....pág. 056

06. Separação e Divórcio por Via Administrativa, Lei Nº. 11.441..pág.074

07. Estatuto da Advocacia e da O.A.B., Processo Ético-

Disciplinar.....................................................................................pág.095 08. Aspectos Gerais das Cláusulas Abusivas Previstas no Artigo 51 do

Código de Defesa do Consumidor.............................................pág.121

09. A Competência dos Municípios para Legislar sobre a Queimada da Palha da Cana-de-Açúcar............................................................pág. 148

10. Alimentos Gravídicos...................................................................pág.177

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EDITORIAL

“A produção científica é fruto de um trabalho elaborado e desenvolvido com uma arguta observação e conhecimento da realidade jurídica que está sendo pesquisada, mostrando a posição daquele fato ou problema jurídico, por meio de palavras ou termos apropriados e específicos, utilizados de forma lógica, para que se possa realmente compreender os conteúdos ali retratados.

A elaboração da presente Revista Jurídica, mais propriamente a de

número 13, inspirada pelo tino pesquisador do universitário cesutiano, sobretudo do estudante inserido no universo jurídico, vem coroar mais uma vez o projeto inovador do Centro de Ensino Superior de Jataí – Cesut, que é o de os próprios discentes contribuírem com textos monográficos para a feliz confecção da revista que acaba de nascer.

Digna de nota, também, é a iniciativa do Cesut em

proporcionar ao corpo discente o Programa Integrador de Matérias – PIM, bem como da estratégia de leitura semestral de uma “Obra Literária”, ligada ao conteúdo jurídico aplicado por esta instituição de ensino durante o semestre letivo, em que a aferição dos resultados é inserida em uma das avaliações bimestrais do Curso de Direito.

O tratamento dispensado à elaboração desta Revista Jurídica

leva-nos a reconhecer que o resultado desta pesquisa alcançará os objetivos pretendidos pelos discentes/autores, constituindo-se em notável fonte de consulta a tantos quantos operam com o Direito.”

Jataí, maio de 2011

João Geraldo Souza Braga

Diretor Acadêmico

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NATUREZA JURÍDICA DA TRANSAÇÃO PENAL NO JUIZADO ESPECIAL

CRIMINAL

Discente - ANTONIO REZENDE DE CARVALHO Professora – GEISLA PRADO LIMA

RESUMO: A transação penal disposta na Lei 9.099/95 e aplicada nos Juizados Especiais Criminais tem se mostrado como um importante instituto jurídico no combate à criminalidade, além de desempenhar um papel de destaque no sentido de alcançar os objetivos de evitar que o autor do fato tenha sua liberdade retirada, bem ainda se mostra numa alternativa de evitar o isolamento social do autor de crimes de menor potencial ofensivo. A par de todas essas evidências, a natureza jurídica da transação penal e de fases dessa transação penal não têm entendimento pacífico na doutrina e na jurisprudência, decorrendo, então, ser importante o estudo dessas peculiaridades e a demonstração dos diversos entendimentos sobre a matéria, com o objetivo de trazer esclarecimento quanto ao alcance do instituto jurídico. Palavras-chave: transação penal, natureza jurídica, Juizados Especiais Criminais. INTRODUÇÃO

No início, a humanidade assemelhava-se aos animais, trabalhando apenas para suprir as necessidades imediatas, levando uma vida nômade. Porém, com a evolução, o homem passou a viver em grupos, dando origem às sociedades e com elas as regras de conduta.

A essas regras de conduta que estabeleciam limites à ação de cada indivíduo

deu-se o nome de Direito, desta forma restaram estabelecidas sanções a cada conduta que violasse a regra escrita.

Conclui-se, então, que o objetivo da sanção é a defesa social, de forma que cada

pessoa abre mão de parte de sua liberdade para que subsista uma convivência social harmônica e o grupo social evolua.

Assim, busca-se na presente pesquisa realizar uma análise da natureza jurídica

da transação penal, seu alcance e suas consequências no meio social e na pessoa do infrator, desta forma contribuindo para o entendimento do alcance do instituto.

1. PRINCÍPIOS INFORMATIVOS DA AÇÃO PENAL

Os princípios são conjuntos de normas que norteiam todas as espécies de ações jurídicas, como se denota do entendimento de Maurício Antônio Ribeiro Lopes, extraído da obra de Sobrane (2001, p.15), in verbis: princípio é uma disposição

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fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

O processo penal é composto por vários princípios, dentre eles o da

obrigatoriedade e da oportunidade ou disponibilidade, bem ainda existem os princípios relacionados à evolução do próprio processo, como o do contraditório, da ampla defesa e o da busca da verdade real, nesse sentido vale a pena verificar-se o significado de alguns deles para que se possa alcançar o objetivo da presente pesquisa. 1.1 O princípio da obrigatoriedade da ação penal

Vige como regra no processo penal o princípio da obrigatoriedade da ação penal e da indisponibilidade. Se estiverem presentes os requisitos legais caracterizadores da infração penal, os órgãos incumbidos da persecução devem provocar a jurisdição e atuar para a restauração da ordem jurídica.

O princípio da obrigatoriedade da ação penal tem as seguintes denominações:

oficialidade, legalidade processual, indisponibilidade e necessidade. Impõe aos órgãos institucionalizados o dever de persecução.

A iniciativa do processo penal é de titularidade do Ministério Público e das partes privadas conforme definição legal. Porém, o Ministério Público não tem o poder de livre disposição, tendo em vista que o princípio da obrigatoriedade não lhe permite exercer juízo de oportunidade ou conveniência sobre a instauração do processo para persecução das infrações que lhe tenham sido noticiadas. 1.2 Princípio da discricionariedade da ação penal

O princípio da discricionariedade pode ser definido como uma possibilidade de escolha entre as alternativas possíveis com vista à satisfação do interesse público. Sobrane (2001, p. 22) menciona o entendimento de Celso Antônio Bandeira de Mello quanto a esse princípio: “discricionariedade é liberdade dentro da lei, nos limites da norma legal, que se atribui ao administrador por ocasião da prática de determinados atos”.

Esse princípio então tem o significado de que o órgão de acusação poderá

instaurar ou desistir da ação penal que já teve início e sobre ela transigir seja quanto ao pedido de condenação, supressão de fases processuais, podendo vir, inclusive a alterar a espécie e quantidade da pena a ser aplicada, conforme entendimento de Sobrane (2001, p. 24): o princípio da discricionariedade, por seu turno, implica a faculdade que a lei atribui ao órgão de acusação de, a seu juízo, praticar o ato que entenda mais ajustado à satisfação do interesse público.

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Esse princípio tem grande importância no instituto uma vez que permite todas as alterações processuais e procedimentais necessárias à aplicação de penas alternativas e assim se alcançar o objetivo da transação penal sem se ferir a legislação, ou como resume Sobrane (2001, p. 14):

Assim, o princípio da discricionariedade pode ser entendido como a

possibilidade ampla concedida pelo legislador para que o órgão de acusação adote a postura mais conveniente para a satisfação do interesse público, decorrente do conflito de interesses que surge com a prática do delito.

2. ORIGEM DA TRANSAÇÃO PENAL

O termo transação vem do latim “transactio”, de “transigere”, e significa transigir, no sentido de realizar um pacto, uma negociação, um ajuste, uma convenção.

No entanto, o sentido mais aceito da transação é o de composição amigável, em

que se restabelece, voluntariamente, os direitos das partes envolvidas em um determinado litígio.

Não restou definido no ordenamento jurídico penal o conceito de transação, no

entanto há entendimentos doutrinários no sentido de que se trata de um negócio entre as partes do processo penal no qual a pena depende da aceitação do réu. Assim o Ministério Público abre mão de pleitear pena mais grave, porém obtém sanção célere, e, por outro lado, o infrator reconhece a autoria do delito e aceita o juízo de censura, em contrapartida se obriga a cumprir pena em pecúnia ou se submete à restrição de direitos, sem perder a liberdade, desta forma vem a calhar o entendimento de Vicente Grecco Filho (apud Sylla, 2003, p. 51): “um ato bilateral, pelo qual as partes fazendo concessões recíprocas resolvem o litígio e o extinguem no plano do direito material”.

Conceito que Sobrone dá à transação penal é citado por Sylla (2003, p. 53)

como sendo: o ato jurídico através do qual o Ministério Público e o autor do fato, atendidos os requisitos legais, e na presença do magistrado acordem em concessões recíprocas para prevenir ou extinguir o conflito instaurado pela prática do fato típico, mediante o cumprimento de uma pena consensualmente ajustada.

De todo o exposto, extra-sei que o melhor conceito de transação penal é dado

por Sylla (2003, p. 54), in verbis: a transação penal é a composição entre o Ministério Público e o autor da infração, atendidos os requisitos legais e na presença do magistrado, com concessões recíprocas, que obsta o início da ação penal pela aplicação imediata de uma pena de multa ou restritiva de direitos, ou extingue a ação penal se o ajuste é realizado após a oferta da denúncia. 2.1 A origem da transação penal no direito brasileiro

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A transação penal é um instituto jurídico novo e não tem precedentes na história do Direito Penal e no Direito Processual Penal brasileiro. O instituto da transação penal tem um cunho próprio na Justiça Penal consensual e não encontra paralelo no direito comparado.

A primeira notícia que se tem sobre solução consensual, foi o Direito do

Trabalho, em 1934, que passou a integrar o Poder Judiciário na Constituição de 1946. E desde o início, nessa Justiça especializada sempre prevaleceu a conciliação como solução dos litígios.

O instituto da conciliação surgiu em 1934 no ordenamento jurídico

brasileiro, com a criação da Justiça do Trabalho, conforma anota Ada Pellegrini Grinover, citada na obra de Sylla (2003, p. 54), como uma solução diferente para resolver o litígio.

A adoção da via conciliatória no Processo Civil ocorreu primeiramente em 1973,

com a obrigatoriedade da tentativa de conciliação para as causas que versassem sobre direito patrimonial de caráter privado e direito de família. Referido instituto foi ampliado no processo civil com a implantação das audiências de conciliação anteriores às audiências de instrução.

A conciliação, no processo civil, consolidou-se de vez com a criação dos

Juizados Informais de Conciliação, e posteriormente com o Juizado Especial de Pequenas Causas, Lei 7.244/94, desta forma simplificando e abreviando o processo, dando ênfase à auto composição entre as partes.

O Código de Defesa do Consumidor tornou-se um marco na busca do incentivo

à conciliação. Em maio de 1981, o Anteprojeto do CPP foi publicado e deu início a introdução

ao consenso ou a conciliação para a solução do conflito na área penal, conforme informa Sylla (2003, p. 55):

Em seu art. 84, havia uma espécie de transação penal se o crime fosse apenado

com multa, prisão simples ou detenção, e nesses casos o Ministério Público poderia propor ao autor do fato o pagamento de uma multa apenas, e as consequências penais seriam a extinção da punibilidade pela perempção, com a aceitação da pena de multa substituindo a pena de prisão simples ou detenção.

Quando o referido projeto foi apresentado, restou aprovada a transação

penal apenas no procedimento sumaríssimo, prevendo a extinção do processo sem o julgamento do mérito nos casos em que o acusado fosse primário e aceitasse o pagamento de multa fixada pelo Juiz.

Por fim, no artigo 98 da Constituição Federal restou expressa a conciliação

em sede do Juízo Criminal. In verbis - a União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações são de menor potencial ofensivo, mediante os

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procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau. A NATUREZA JURÍDICA DA TRANSAÇÃO PENAL

A presente pesquisa visa o estudo da natureza jurídica da transação penal e nesse sentido vale notar que existem três posicionamentos distintos na doutrina e na jurisprudência pátria, a saber: a) uma que afirma ser a proposta de transação um ato de discricionariedade regrada do Ministério Público; b) outra defende ser transação penal uma forma de denúncia; e c) por último, uma que fundamenta ser a proposta de transação penal um direito público subjetivo do autor do fato.

E, nessa condição, a determinação da natureza jurídica da transação penal

tem consequências importantes no processo, dentre elas se o Ministério Público é ou não obrigado a propor transação penal ao autor do delito, ou, de outra forma, se o Juiz, ex officio, tem poderes para ofertá-la. 3.1 A forma de denúncia

Uma posição defendida sobre a natureza jurídica da transação penal é de ser ela uma forma de denúncia, pois a proposta de transação penal ofertada pelo Ministério Público é uma forma diferenciada de denunciar. A síntese das ideias defendidas por essa corrente é narrada por Sylla (2003, p. 90): para os defensores dessa posição, o representante do Ministério Público, para ofertar a proposta de transação penal, deverá desenvolver o mesmo raciocínio que desenvolveria em caso de denúncia, ou seja, descrever e atribuir ao autor do fato uma conduta típica e culpável, bem como de que este fato se enquadre na categoria de infração penal de menor potencial ofensivo.

Afrânio Silva Jardim (apud Sylla, 2003, p. 90), expõe detalhadamente as

razões que o levam a pensar que a transação penal é uma forma diferente de denúncia, in verbis: Quando o Ministério Público apresenta em juízo a proposta de aplicação de pena não privativa de liberdade, prevista no artigo 76 da Lei 9.099/95, está ele exercendo a ação penal, pois deverá, ainda que de maneira informal e oral – como a denúncia – fazer uma imputação ao autor do fato e pedir a aplicação de uma pena, embora essa aplicação imediata fique na dependência do assentimento do réu. Em outras palavras, o Promotor de Justiça terá que, oralmente, como na denúncia, descrever e atribuir ao autor do fato uma conduta típica, ilícita e culpável, individualizando-a no tempo (prescrição) e no espaço (competência de foro). Deverá, em nível de tipicidade, demonstrar que tal ação ou omissão caracteriza uma infração de menor potencial ofensivo (competência de juízo), segundo definição legal (artigo 61). Vale dizer, na proposta se encontra embutida uma acusação penal (imputação mais pedido de aplicação de pena).

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Desta forma, conclui-se que o pensamento dessa corrente entende que, com o advento da Lei 9.099/95, não ocorreu a mitigação do princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública condenatória, assim não estaria em vigor nos Juizados Especiais Criminais o princípio da discricionariedade regulada.

Como exemplo, citam que a Lei 9.099/95 não dispõe que o Ministério

Público possa requerer o arquivamento do Termo Circunstanciado e das peças que o instruem, quando estiverem presentes os requisitos para a ação penal.

Em resumo, para essa corrente de pensamento, a Lei 9.099/95 não rompeu com

o tradicional princípio da obrigatoriedade do exercício da ação penal pública condenatória, ela apenas outorgou ao Ministério Público a faculdade jurídica de exercer mais uma espécie de ação.

Sylla (2003, p. 92) coloca-se opostamente ao entendimento dessa parte

doutrinária e jurisprudencial notabilizando diferenças fundamentais entre a denúncia no Processo Penal e a transação penal, conforme se destaca a seguir:

Entretanto, essa posição não pode ser acolhida. Na realidade, inexiste um

processo penal nos termos da legislação anterior – o denominado processo penal clássico - ou no sentido estrito do que se conhece como processo penal ordinário, mas, sim, um procedimento diferenciado, onde, recebendo o termo circunstanciado dos fatos e não sendo o caso de arquivamento, caberá ao Ministério Publico apresentar a proposta de transação penal ao autor do fato e desde que ele preencha os requisitos legais. E, só depois de recusada a proposta ou de na impossibilidade de ser ela efetivada por falta de requisitos legais, é que se pode falar em denúncia.

A rigor, a Lei 9.099/95 impõe a instauração do procedimento criminal que

se inicia na audiência de conciliação, obrigatoriamente presidida por um juiz de direito, não sem antes haver um controle jurisdicional apto a decidir sobre a validade ou invalidade da relação processual e do direito de ação, diversamente dos ditames do Processo Penal no que tange à denúncia ou ao recebimento da denúncia, conforme lição de Nereu José Giacomolli, (apud Sylla, p. 93): a proposta do Ministério Púbico não tem a mesma natureza jurídica da denúncia ou de uma acusação. Trata-se de uma medida criminal alternativa, desprovida dos efeitos legais comuns a não ser o do próprio sistema, de cunho jurídico-pedagógico.

Como se vê, embora haja divergência, resta claro que a transação penal

não se traduz numa forma diferente de denúncia, mas, sim, é um ato judicial implícito no procedimento judicial por força da Lei 9.099/95. 3.2 Da discricionariedade regrada ou regulada do Ministério Público

Um grande número de doutrinadores defende a ideia de que a natureza jurídica

da transação penal é um ato de discricionariedade regulada ou regrada do Ministério Público.

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Essa corrente doutrinária acredita que a transação penal decorre do princípio da oportunidade da propositura da ação penal. Assim, o Ministério Público, discricionariamente, poderá apresentar a proposta de transação penal, quando seus requisitos se fizerem presentes.

Grandes nomes como Mirabete e Ada Pellegrini Grinover são defensores

dessa corrente, tomando por base o papel desempenhado pelo Ministério Público. Júlio Fabbrini Mirabete, (apud Sylla, p. 94), entende que a Lei 9.099/95 traz

inovação legislativa por estabelecer a mitigação do princípio da obrigatoriedade no caso ação penal pública: decorrente do princípio da oportunidade da propositura da ação penal, é hipótese de discricionariedade limitada, ou regrada, ou regulada, cabendo ao Ministério Público a atuação discricionária de fazer proposta, nos casos em que a lei o permite, de exercitar o direito subjetivo de punir do Estado com a aplicação de pena não privativa de liberdade nas infrações de menor potencial ofensivo sem denúncia e instrução de processo.

Ada Pellegrini Grinover pertence a essa corrente de pensamento e a justifica que

o legislador não adotou o princípio puro e simples da oportunidade, mas a discricionariedade regulada: ... a partir da transação penal, os princípios da obrigatoriedade e indisponibilidade da ação penal pública foram abrandados e estabeleceu-se a disponibilidade da ação penal regulada pela lei e submetida ao controle judicial.

Em síntese, os defensores dessa corrente doutrinária fundamentam que tendo em

vista que ao Ministério Público cabe exercitar o direito subjetivo de punir do Estado, teria ele margem para escolher a solução mais adequada a cada caso, dentro das limitações legalmente impostas.

Sylla (2003, p. 97) discorda desse entendimento sob a seguinte argumentação: a

política criminal oficial do Estado – que se configura na forma de se proceder contra as pessoas quando estas infringem a norma legal, levando ou colocando em perigo bens dos indivíduos ou da sociedade – é traçada pelo Poder Político, agente determinante, e não pelo Ministério Público, agente executor.

Da referida assertiva, extrai-se que a razão da discordância dá-se por entender

o escritor que o Ministério Público não é soberano em sua atuação e não possui legitimidade para efetuar política criminal estatal, e uma vez que o que está em questão é o direito fundamental das pessoas à liberdade, deve-se obedecer previsão legal, conforme sintetiza Sylla (2003, p. 98):

Assim, não pode o Ministério Público invocar tão somente argumentos de

convivência para formular ou não a proposta de transação penal, mas sim agir de conformidade com a Lei, garantindo ao autor do fato o respeito ao seu direito fundamental de liberdade.

Aqueles que são contrários à teoria de que a proposta de transação seja um ato

de discricionariedade regrada do Ministério Público, entendem que a Lei 9.099/95 além de ter criado um novo procedimento fez nascer também um novo processo, um novo

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paradigma de Justiça criminal, que impõe a releitura de todo o ordenamento jurídico pátrio. Daí conclui-se que o Estado quando sancionou essa lei impôs uma nova política criminal para os delitos de menor potencial ofensivo, sendo dado ao Ministério Público unicamente cumprir a função de persecução penal.

Tal pensamento é reforçado pelo fato da transação penal não ser dirigida

somente ao infrator, uma vez que ela alcança também a vítima que possui direito à indenização e para a sociedade que se beneficia com a celeridade da justiça, demonstrando tratar-se, sem margem de dúvida, de um instrumento de política criminal de interesse público geral.

Importante atentar-se para a ponderação de Sylla (2003, p. 100): não pode a

transação penal ser tida como ato de discricionariedade do Ministério Público, mas sim como um poder-dever do órgão de acusação, uma vez que, se não fosse assim, teríamos - no caso do não oferecimento da proposta de transação penal por mero capricho ou até por recusa da validade do sistema de transação – a revogação da lei, porque o Ministério público estaria fazendo tábua rasa ou como se ela inexistisse no mundo jurídico.

Sob essa ótica, não poderia o Ministério Público eximir-se de apresentar

proposta de transação penal, acaso presentes todos os pressupostos necessários à propositura, sob pena de contrariedade à Lei 9.099/95 e violação do princípio constitucional de igualdade em razão de vedação de tratamento diferenciado a quem se encontra em idêntica situação jurídica.

O terceiro entendimento acerca da natureza jurídica da transação penal consubstancia-se na discussão de ser ela um direito público subjetivo do autor da infração penal. Essa teoria se baseia na ideia de que restando preenchidos os requisitos legais, o autor da infração penal tem o direito de receber a proposta de transação penal. Acaso o representante do Ministério Público não a faça o juiz de direito deve fazê-la, de ofício.

Maurício Antônio Ribeiro Lopes, (apud Sylla, 2003, p. 101), leciona: ... a

formulação de proposta de aplicação imediata de pena não privativa de liberdade não está ao talante exclusivo do Promotor de Justiça como se fosse soberano da discricionariedade. Em matéria de atos que importem no reconhecimento de direito à liberdade, num Estado Democrático de Direto Material, há de se entender como eleição em nível de direito subjetivo o que adquire, por vezes, na lei, caráter meramente facultativo. Foi assim com a suspensão condicional do processo, será assim com a transação e com a suspensão condicional do processo.

Cezar Roberto Bitencourt, (apud Sylla, 2003, p. 102), afirma que se estiverem

satisfeitas as condições legais não poderá ser negada ao autor o benefício da transação penal: ... o autor de infrações de menor potencial ofensivo poderá beneficiar -se da transação penal, que é um direito público subjetivo do autor do fato. Para o Ministério Público trata-se de disponibilidade temperada (que alguns doutrinadores chamarão de „regrada‟), e estando presentes os requisitos de admissibilidade deve propô-la, visto que para aquele é um direito, como acabamos de afirmar, que estando presentes os requisitos legais não se lhe pode negar.

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Conforme o Direito Administrativo, o poder discricionário caracteriza-se

pela liberdade que tem o agente, em presença de determinada situação de fato, de optar por uma das várias soluções colocadas à sua disposição, conforme lição de Hely Lopes Meireles, (apud Sylla, 2003, p. 103), quando aduz acerca do significado dos atos discricionários: ... são os que a Administração pode praticar com liberdade de escolha de seu conteúdo, de seu destinatário, de sua conveniência, de sua oportunidade e do modo de sua realização (...). Já temos acentuado e insistimos mais uma vez, que o ato discricionário não se confunde comum ato arbitrário (...) . Não é um instrumento legal que se concede ao administrador para fazer o que imponha o seu capricho; nem tampouco para criar normas de caráter legislativo; menos ainda para que intervenha ante uma contenda normativa, como acontece com a jurisdição (...). A discricionariedade está - doutrina Fleiner - em permitir o legislador que a autoridade administrativa escolha dentre as várias possibilidades de solução, aquela que melhor corresponde, no caso concreto, ao desejo da lei. Mas deverá sempre estrita observância à lei.

A Lei 9.099/95, em seu art. 76, § 2º, estabeleceu os pressupostos para a proposta

e concessão da transação penal, quais sejam: a) o autor do fato não tenha sido condenado anteriormente por sentença definitiva à pena privativa de liberdade; b) – não tenha sido ele beneficiado pela transação nos últimos cinco anos; e c) – preencha os requisitos subjetivos, da conduta social, personalidade,culpabilidade, consequência do delito.

Por sua vez, o caput do art. 76 da Lei 9.099/95 estabelece: art. 76. Havendo

representação ou tratando-se de crime de ação penal pública incondicionada, não sendo caso de arquivamento, o Ministério Público poderá propor a aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multas, a ser especificada na proposta.

Por tudo que se demonstrou, resta claro que essa última corrente de

entendimento é a que está correta na sua linha de pensamento, pois uma vez que o legislador estabeleceu os pressupostos para a concessão da transação penal e estando eles preenchidos o autor do fato delituoso tem direito a ela. Portanto não se trata de discricionariedade do Ministério Público em oferecê-la e nem que a transação penal se consubstancie numa forma diferente de denúncia, mas antes de tudo, a natureza jurídica da transação penal é o direito público subjetivo do autor do fato.

4. A NATUREZA JURÍDICA DA ACEITAÇÃO DA TRANSAÇÃO PENAL

A discussão que se trava em torno da natureza jurídica da aceitação da transação penal pelo autuado gira em torno se ela implica ou não na admissão de culpa.

Sobrane (2001, p. 102) menciona o parecer de Cezar Roberto Bitencourt

que afirma categoricamente que essa aceitação significa que o autor: ... no momento em que o autor do fato aceita a aplicação imediata da pena alternativa, está assumindo a culpa, o que é natural em razão do princípio nulla poena sine culpa

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e arremata que não mais poderá discuti-la, ressalvada a possibilidade de revisão criminal.

Sobrane (2001, p. 102) descreve o entendimento de Ada Pellegrini Grinover em

sentido contrário ao pensamento de Bitencourt: a natureza jurídica da aceitação da proposta é de submissão voluntária à sanção penal, mas não significa reconhecimento da culpabilidade penal, nem de responsabilidade civil, acrescentando que, por isso, a sanção imposta não gera reincidência e demais conseqüências de uma sentença condenatória.

Sobrane (2001, p. 103) tira sua própria conclusão acerca da natureza jurídica da

aceitação da transação penal, in verbis: não transparece clara a admissibilidade de culpa pelo autor do fato quando da aceitação da transação penal. A Lei não exige tal condição para que se formalize a transação, basta que o agente aceite submeter-se à sanção penal, sem discussão a respeito do meritum causae, ou seja, se é ou não responsável pela prática delitiva, embora a aceitação implique, ao menos, o reconhecimento da existência.

É certo que a natureza jurídica da aceitação da transação penal não é tema

incontroverso, uma vez que a prática muitas vezes pode dar conotação diversa daquela disposta na teoria. Desta forma, quando o Estado propõe a um suposto autor de um delito a transação penal, tira-lhe na prática a oportunidade de defesa, conforme se extrai do texto de Alinaldo Guedes Campos, disposto no sítio: http://www.direitonet.com.br/> Acesso em: 16 out. 2010.

O que ocorre na fase em que o Parquet oferece a proposta de transacionar a pena

nada mais é do que um negócio onde prevalece a desigualdade entre as partes. Nesse momento, a superioridade da acusação sobre aquele que teme uma espécie

de “chantagem”, ou seja, o acusado, mesmo sabendo que já entra perdendo, prefere negociar a imposição de uma pena. Em outras palavras, o Ministério Público – é bom frisar -, cumprindo uma lei supostamente criada para defender direitos, determina o “preço‟ definitivo da sanção, fixando as condições da mesma. Surge aí uma conhecida situação: ao „comprador‟ resta pegar ou largar.

Assim, o suposto autor do fato aceita uma pena mais vantajosa e o Estado efetiva

o direito de punir. Desta forma, Alinaldo Guedes Campos entende que o autor assume a culpa pelo ato delituoso, in verbis: destarte, o que se observa na prática é que o indivíduo durante a transação penal assume a culpa, mesmo devendo esta ser cabalmente provada pelo Estado-acusação.

Ou seja, percebe-se que há um acordo no qual simplesmente se aceita que o

Ministério Público denuncie pela infração penal menos grave em troca da confissão da culpa, onde o indivíduo pode até ser, muitas vezes, coagido psicologicamente, configurando certa desigualdade entre ele e o Estado. Esta assunção da culpa por parte do hipotético “autor do fato” também pode ocorrer porque, aceitando-a, não irá se submeter a um processo judicial moroso, dentre outros fatos relevantes, mas imprevisíveis.

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5. A NATUREZA JURÍDICA DA HOMOLOGAÇAO DA TRANSAÇÃO

PENAL

Muito se discute se a natureza jurídica da homologação da transação penal é declaratória, constitutiva ou simplesmente homologatória.

É cediço que a sentença declaratória limita-se a declarar o que já existe,

tornando seguro o que era, até o momento da sua prolação, inseguro. Por sua vez a sentença constitutiva, conforme ensina Sylla (2003, p. 206):

“declara certo o que já existia e cria uma situação jurídica que até então não existia, retroagindo a data do fato e tem efeito ultrativo, para o futuro, com o que acrescenta algo novo ao mundo jurídico”.

A sentença condenatória, conforme aduz Sylla (2003, p. 206): “declara uma

situação já existente, cria uma nova situação para as partes e impõe sanção que será executada após o trânsito em julgado, em execução de sentença”.

Muitos doutrinadores entendem que a sentença homologatória da transação

penal é condenatória, dentre eles Marino Pazzaglini Filho, (apud Sylla, 2003, p. 206): primeiramente, declara-se a situação do autor do fato, torna certo o que era incerto.

Mas além de declarar, cria uma situação jurídica que até então não existia. E

ainda impõe uma sanção penal ao autor do fato, que deve ser executada. A sentença homologatória tem efeito dentro e fora do procedimento, isto é, tem efeitos processuais e materiais, produz efeitos ex nunc, para o futuro. Encerra o procedimento e faz coisa julgada formal e material, impedindo novo questionamento sobre os mesmos fatos.

Outros doutrinadores, porém discordam desse entendimento, dentre eles Ada

Pelegrini Grinover, (apud Sylla, 2003, p. 207): mas, no nosso ver, tão pouco poderá ser considerada condenatória, uma vez que não houve acusação e a aceitação da imposição da pena não tem conseqüências no campo criminal (salvo, como visto, para impedir novo bene fício no prazo de cinco anos).

A mais acertada concepção é aquela disposta por Sylla (2003, p. 214): a

sentença que homologa a transação penal não é sentença declaratória, nem constitutiva, nem condenatória e nem absolutória, mas sentença homologatória sem o efeito da coisa julgada material, posto que homologa um acordo celebrado entre as partes, que fazem uma opção bilateral, e o Juiz, em razão desse acordo, aplica a pena alternativa à prisão ao autor do fato, encerrando o procedimento.

Desta forma, como a decisão não possui cunho condenatório, tendo em vista

que não se verifica prova de materialidade delitiva, tanto dos elementos do tipo quanto da culpabilidade, além de que em razão do acordo inexiste denúncia. Acresça-se que o papel do juiz, quando se trata de acordo, em regra, é apenas o de observar a legalidade da proposta, conclui-se, então, que a sentença homologatória da transação penal tem cunho administrativo ou homologatório.

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CONCLUSÃO

A Lei 9.099/95 trouxe ao ordenamento jurídico brasileiro a transação penal nos juizados especiais criminais, de forma que medidas foram estabelecidas no sentido de abrandar a aplicação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, decorrendo daí que se permitiu a aplicação de penas alternativas de comum acordo entre as partes nos crimes de menor potencial ofensivo.

Ocorre que a natureza jurídica da transação penal é tema polêmico no meio

jurídico, uma vez que a referida transação possui dupla natureza, sendo ao mesmo tempo um instituto do Direito Processual Penal e de Direito Material e nesse diapasão questiona-se se a transação penal é uma forma de denúncia, se é uma discricionariedade regulada pelo Ministério Público ou se é um direito público subjetivo do autor do fato.

A presente pesquisa adentrou nas minúcias desses entendimentos doutrinários e

jurisprudenciais e chegou à conclusão de que a natureza jurídica da transação penal configura-se num direito público subjetivo do autor do fato.

Em seguida, passou-se à discussão em torno da natureza jurídica da aceitação da

transação penal para se saber se o alcance dessa transação implica ou não na admissão de culpa.

O certo é que se buscou contribuir chamando a atenção para esses

questões relacionadas à natureza jurídica da transação penal como um todo, sendo certo que nem todos os aspectos relacionados ao tema foram dirimidos, muitos por tratar-se de entendimentos extremamente controversos com discussões acaloradas entre os mais diversos juristas.

O que se tem, no entanto é que, seja como for o instituto da transação penal,

tem sido aplicado efetivamente no dia-a-dia dos Juizados Especiais Criminais e, em grande parte dos casos consegue-se atingir o objetivo de proporcionar a aplicação de pena alternativa, preservando a liberdade do indivíduo não o retirando do convívio social e o Estado alcança, por sua vez, a pretensão punitiva ainda que ela tenha natureza unicamente administrativa. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2062/Natureza-juridica-datransaçâo-penal-no-Juizado-Especial-Criminal>. Acesso em: 16 out. 2010.

02. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9099.htm>. Acesso em: 16 out. 2010.

03. KÖNIG, Sérgio Donat. Transação Penal: (Art. 76 da Lei n. 9.099/95): uma solução jurídica para o descumprimento por parte do autor do fato, na transação ofertada pelo Ministério Público e homologada pelo Juiz nos crimes de menor

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potencial ofensivo, quando o seu objeto for a pena restritiva de direitos. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

04. SYLLA, Antônio Roberto. Transação Penal: natureza jurídica e pressupostos. São Paulo: Método, 2002.

05. SOBRANE, Sérgio Turra. Transação Penal. São Paulo: Saraiva, 2001.

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NAMORO E UNIÃO ESTÁVEL: DELIMITAÇÃO DOS CONCEITOS E

REQUISITOS PARA O RECONHECIMENTO DE ENTIDADE FAMILIAR

Discente - CAROLINA COSTA NACRUTH GABRIEL Professora – ALESSANDRA GONÇALVES HERONVILLE DA SILVA

RESUMO: Na presente pesquisa busca-se destacar as diferenças fundamentais entre a união estável e o namoro, uma vez que, com as mudanças havidas na forma de comportamento das pessoas e na maneira de relacionamento dos casais contemporâneos, não raro união estável e namoro se confundem. Ocorre que há um abismo de diferenças entre eles, notadamente no requisito subjetivo do intuito de se constituir família. É certo que o namoro, em regra, não produz efeitos no mundo jurídico, enquanto que a união estável é assegurada constitucionalmente e, consequentemente, encontra amparo judicial amplo, tal qual possui o casamento e, tomando por base tais garantias, muitos casais de namorado quando rompem o relacionamento têm buscado a tutela jurisdicional no sentido de obtenção de vantagens patrimoniais do namoro qualificado, como se aquele relacionamento união estável fosse. Nesse ponto busca-se caracterizar o posicionamento doutrinário e jurisprudencial para determinar-se qual a decisão mais adequada às situações manifestadas. Assim, apesar das decisões relacionadas aos pedidos de amparo judicial, advindos de relação de namoro possuírem praticamente unanimidade jurisprudencial, não se pode perder de vista que o Direito e as relações humanas não são estáticas e, nessa condição, as mudanças de comportamento e relacionamento merecem ser olhadas com atenção pelos aplicadores do Direito para que o Judiciário não se dissocie da realidade. Desta forma, o presente estudo apresenta-se como uma busca do correto entendimento quanto ao namoro qualificado e sua tênue diferença com a união estável e, nessa esteira, especificar o alcance de cada uma dessas formas de relacionamento e seus efeitos no mundo jurídico, em especial no que se refere à esfera patrimonial dos envolvidos. Palavras-chave: namoro, união estável, intuito de constituir família. INTRODUÇÃO

Como a união estável alcançou o status de merecedora de todas as garantias jurídicas, tal qual o tem o casamento, e como atualmente o namoro tem adquirido aparência de união estável tem-se formado, genericamente, a ideia de que os dois devem produzir os mesmo efeitos e, portanto, devem obter o mesmo amparo do Poder Judiciário, em especial no tocante aos efeitos patrimoniais quando houver o rompimento do namoro.

Ocorre que embora o namoro possa, em tese, preencher todos os pressupostos

objetivos exigidos para a caracterização da união estável, requisitos esses que terão atenção especial na presente pesquisa, o pressuposto fundamental para aferir-se o relacionamento, trata-se ou não de entidade familiar, possui caráter eminentemente subjetivo, materializado na apuração do intuito do casal de constituir família.

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Decorre, então, que por se tratar de elemento subjetivo, a questão da intenção de

constituir família deve ser estudada em cada caso concreto, para que se saiba se o relacionamento do casal constitui-se em namoro ou em união estável, e, nesse sentido, dá-se um destaque especial ao estudo desse pressuposto na pesquisa ora proposta.

Assim, sendo cediço que o namoro diverge da união estável por não ser

legalmente considerado entidade familiar e tendo em vista a crescente demanda judicial no sentido de ver reconhecido o namoro como se união estável fosse, ocupar-se-á o presente estudo em descrever o que vem a ser entidade familiar para os estudiosos do Direito de Família.

De nada adiantaria falar-se de entidade familiar, efeitos jurídicos e alcance das

normas jurídicas se não se buscasse o perfeito entendimento do que vem a ser união estável e o namoro qualificado, e, nessa esteira, buscou-se conceituá-los e caracterizar as principais diferenças entre ambos, com destaque ao preenchimento dos pressupostos objetivos e subjetivos norteadores do instituto da união estável em confronto com as particularidades do namoro.

Diante desse quadro de mudanças constantes na forma de relacionamento,

mormente em razão da ampliação das fronteiras culturais que de certa forma se reflete na forma organizacional das famílias, busca a presente pesquisa demonstrar ser possível distinguir características próprias entre namoro e união estável e, como tal, diferenciam-se e recebem tratamento absolutamente diversos na seara do Direito de Família.

1. AS ENTIDADES FAMILIARES

Para alcançar-se o objetivo da presente pesquisa, necessário faz-se entender, ainda que de forma sucinta, o que se considera entidade familiar.

Na prática, o perfil das relações familiares tem se revelado diferente daqueles

modelos legalmente dispostos, formados que são por unidades de convivência encontradas na experiência brasileira atual e destacadas por Lôbo (2009, p. 56), in verbis: a) homem e mulher, com vínculo de casamento, com filhos biológicos; b) homem e mulher, com vínculo de casamento, com filhos biológicos e filhos não biológicos, ou somente com filhos não biológicos; c) homem e mulher, sem casamento, com filhos biológicos (união estável); d) homem e mulher, sem casamento, com filhos biológicos e não biológicos ou apenas não biológicos (união estável); e) pai ou mãe e filhos biológicos (entidade monoparental); f) pai ou mãe e filhos biológicos ou adotivos ou apenas adotivos (entidade monoparental); g) união de parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie, como no caso de grupo de irmãos, após falecimento ou abandono dos pais, ou de avós e netos, ou de tios e sobrinhos; h) pessoas sem laços de parentesco que passam a conviver em caráter permanente, com laços de afetividade e de ajuda mútua, sem finalidade sexual ou econômica; i) uniões homossexuais, de caráter afetivo e sexual; j)

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uniões concubinárias, quando houver impedimento para casar de um ou de ambos companheiros, com ou sem filhos; l) comunidade afetiva formada com “filhos de criação”, segundo generosa e solidária tradição brasileira, sem laços de filiação natural ou adotiva regular, incluindo, nas famílias recompostas, as relações constituídas entre padrastos e madrastas e respectivos enteados, quando se realizem os requisitos de estado de filiação.

Com efeito, o próprio Lôbo (2009, p. 57) coloca em dúvida a tutela jurisdicional

quanto às hipóteses mencionadas nas alíneas “g”`, “h”, “i”, “j” e “l”. Por possuírem características comuns necessárias à configuração da entidade

familiar, quais sejam, afetividade, estabilidade e convivência pública, o casamento, a união estável e entidade monoparental (formada por qualquer dos pais com seus descendentes), constitucionalmente previstos de forma taxativa, são considerados entidades familiares legalmente protegidas.

Lôbo (2009, p. 58) resume o objetivo da entidade familiar: a constituição de

família é o objetivo da entidade familiar, para diferençá-la de outros relacionamentos afetivos, como a amizade, a camaradagem entre colegas de trabalho, as relações religiosas. É aferido objetivamente e não a partir da intenção das pessoas que as integram.

Há, por sua vez, outros grupos sociais aos quais o Direito atribui a condição de

entidade familiar. No entanto, estão dissociados do objetivo da presente pesquisa; portanto sequer se adentrará na discussão quanto a eles.

O certo é que o conceito de família mudou nos últimos tempos, distanciando-se

daquela visão tradicional de homem e mulher ligados pelo casamento e rodeados de filhos, o que, na prática, obriga o Direito a também evoluir para acompanhar tais mudanças, asseguradas, de forma, dir-se-ia, genérica, pelo princípio da dignidade da pessoa humana insculpido na Constituição Federal de 1988.

Assim, o desafio que se trava nos dias atuais é o de se estabelecer o elemento

que identifique nas estruturas interpessoais o conceito de família, conforme lição de Dias (2009, p. 43): faz-se necessário ter uma visão pluralista da família, abrigando os mais diversos arranjos familiares, devendo-se buscar a identificação do elemento que permita enlaçar no conceito de entidade familiar todos os relacionamentos que têm origem em um elo de afetividade, independentemente da sua formação.

Farias (2010, p. 39) analisa que o principal ponto acerca da entidade familiar

deve ser discutido a partir da enumeração contida no art. 226 da Constituição Federal, entendendo que nela há mera disposição exemplificativa e não taxativa, advindo dali uma cláusula geral de inclusão que traria proteção legal a todo e qualquer núcleo familiar concretizado pelos avanços sociais: com efeito, o conceito trazido no caput do art. 226 é plural e indeterminado, firmando uma verdadeira cláusula geral de inclusão. Dessa forma, são o cotidiano, as necessidades e os avanços sociais que se encarregam da concretização dos tipos. E, uma vez formados os núcleos familiares, merecem, igualmente, proteção legal.

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Como se vê, os renomados escritores supramencionados entendem que as formas de constituição da família não são taxativas, posto que não advém da lei o modo de se constituir uma família, mas, ao contrário, deve a lei adequar-se à diversidade de feições que a realidade apresenta. Desta forma, a entidade familiar deve ser conceituada como qualquer união de pessoas fundada no afeto e na solidariedade, embora haja certa resistência quanto à amplitude desse conceito.

2. A UNIÃO ESTÁVEL

Com o reconhecimento constitucional da união estável e a tutela jurisdicional que, desde então passou efetivamente a existir, surgiram outras tentativas de reconhecimento de direitos e deveres, tomando por base os aspectos que regem a união estável. Dentre as formas de relacionamento, que com ela mais se assemelham, encontra-se o namoro, vivido por muitos casais com aspecto de modernidade, provocando uma confusão quanto à perfeita distinção entre um e outro relacionamento.

Para que se comece a vislumbrar a real diferença entre união estável e namoro,

necessário faz-se conhecer aspectos relevantes quanto a ambos, nesse sentido o presente capítulo procura esmiuçar as principais características da união estável.

Quanto ao conceito, não se trata de tarefa das mais fáceis dizer o que vem a ser união estável, pois o tema está sujeito a inúmeras transformações sociais e culturais e passa pelo entendimento do que vem a ser família, conforme leciona Berenice Dias (2009, p. 161): “E não é nada simples, na atualidade, conceituar família, que deixou de ser um núcleo econômico e de produção para ser espaço de afeto e de amor.”

De início, não se verifica possível entender o instituto da união estável sem se

analisar a questão do concubinato que, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, se dividia em dois tipos, o puro e o impuro.

O concubinato puro poderia ser definido como aquele em que tanto o homem

quanto a mulher poderiam se casar, mas preferiam não fazê-lo. O concubinato impuro, por sua vez, consistia no concubinato adulterino ou

incestuoso, ou seja, era formado por pessoas que não poderiam se casar. Com o advento da Constituição de 1988, o concubinato puro foi promovido ao

status de entidade familiar, passando a ter proteção igual à do casamento, produzindo efeito no âmbito do Direito de Família. Desta forma o concubinato puro restou denominado de união estável. Assim, Farias (2010, p. 448) define a união estável: a relação afetivo-amorosa entre um homem e uma mulher, não impedidos de casar entre si, com estabilidade e durabilidade, vivendo sob o mesmo teto ou não, com a intenção de constituir uma família, sem o vínculo matrimonial.

Para Lôbo (2009, p. 148), a melhor definição para união estável seria: a união

estável é a entidade familiar constituída por homem e mulher que convivem em posse

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do estado de casado, ou com aparência de casamento (more uxório). É um estado de fato que se converteu em relação jurídica em virtude de a Constituição e a lei atribuírem-lhe dignidade de entidade familiar própria, com seus elencos de direitos e deveres.

A Lei nº. 9.278 de 1996, que regulou a disposição do § 3º do artigo 226 da

Constituição Federal, caracteriza os requisitos da união estável, in verbis: art. 1º É reconhecida como entidade familiar a convivência duradoura, pública e contínua, de um homem e uma mulher, estabelecida com objetivo de constituição de família.

O Código Civil estampa no artigo 1.723 o que se reconhece como união estável,

verbis: art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.

A partir dessa concepção disposta no Código Civil, Farias (2010, p. 446)

dissocia união estável de casamento: nasce a união estável, destarte, de um simples fato jurídico (a convivência duradoura com intuitu familiae), produzindo efeitos jurídicos típicos de uma relação familiar, distinguindo-se do casamento, apenas e tão somente, pela inexistência de formalidades legais e obtendo a mesma proteção que for dispensada a qualquer outro núcleo familiar.

Vale ressaltar a observação de Berenice Dias (2009, p. 161) acerca da

institucionalização da união estável que, à medida que vai sendo regulamentada, ganha contornos de casamento:

Tudo que é disposto sobre as uniões extramatrimoniais tem como referência a

união matrimonialista. Com isso, aos poucos, vai deixando de ser união livre para ser união amarrada às regras impostas pelo Estado. Esse é um paradoxo como o qual é preciso aprender a conviver, pois, ao mesmo tempo em que não se quer a intervenção do Estado nas relações mais íntimas, busca -se a sua interferência para lhes dar legitimidade e proteger a parte economicamente mais fraca. 2.1 Requisitos para a configuração da união estável

Para que a união estável esteja amparada jurisdicionalmente faz-se necessária a ocorrência de determinados requisitos descritos na Constituição Federal e no Código Civil, conforme destaca Farias (2010, p. 447): “i) diversidade de sexos; ii) estabilidade; iii) publicidade; iv) continuidade; v) ausência de impedimentos matrimoniais.”

No entanto, em que pese ser indispensável a presença dos elementos

caracterizadores acima mencionados, para que se reconheça a existência da união estável deve existir, imprescindivelmente, seu principal elemento, o ânimo de constituir família, ou nas palavras de Farias (2010, p. 448): é possível perceber, inclusive, que a intenção de estar convivendo como se casados fossem apresenta-se como elemento principal, fundamental para a caracterização da entidade familiar. Enfim, é

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verdadeiramente conditio sine qua non. Os demais elementos, assim, podem ser compreendidos de forma acessória, pois a presença deles, sem o animus familiae, não implicará no reconhecimento de uma união estável.

Desta forma, os requisitos para a configuração da união estável podem ser

divididos em objetivos: diversidade de sexos, estabilidade, publicidade e inexistência de impedimentos nupciais; e, subjetivo: intenção de estar em convivência verdadeiramente familiar. 2.2.1 Pressupostos objetivos

Tanto a Constituição Federal quanto o Código Civil exigem, para o reconhecimento da união estável, a dualidade de sexos, não reconhecendo a união homossexual como relação familiar ainda que fundada no afeto e na solidariedade.

Lôbo (2009, p. 70) leciona que os tribunais têm se posicionado no

sentido de considerar as uniões homossexuais no ramo do Direito das Obrigações e não equipará-las à união estável:

Embora exista reconhecimento, inclusive jurisprudencial, quanto ao

preenchimento de certos requisitos necessários à configuração da união estável advindos de relações homoafetivas, a legislação pátria traz em seu bojo padrões morais que obstam tal reconhecimento.

Quanto à questão da estabilidade para o reconhecimento da união estável é um dos pontos que mais se discutiu ao longo dos anos no meio jurídico, no Direito de Família. Nesse sentido, Lôbo (2009, p. 153) descreve: a estabilidade ou duração da convivência foi sempre um problema tormentoso, para a comprovação da união estável, desde sua inserção constitucional em 1988. A Lei n. 8.971/94 estabeleceu o requisito mínimo de cinco anos, cristalizando tendência que se observava no direito brasileiro, salvo se houvesse prole. Contudo, a Lei n. 9.278/96 excluiu a referência a qualquer período de tempo, preferindo o enunciado genérico de convivência duradoura, pública e contínua, que foi reproduzido pelo Código Civil de 2002.

Como se vê, a legislação atual, para o fim de reconhecimento da união estável,

não exige um tempo mínimo de convivência, porém é certo que o próprio nome união estável, remete à necessária estabilidade, conforme aduz Farias (2010, p. 451): decorre da própria nomenclatura abraçada constitucionalmente que a família convivencial exige caráter estável, uma duração prolongada no tempo. Impõe-se, assim, à relação entre os companheiros uma feição não acidental, não momentânea.

A referida estabilidade, portanto, é relativa e deve ser analisada em cada caso

concreto, observando-se, de toda forma, alguns elementos para sua caracterização e dentre eles a expectativa de realização pelo casal de projetos ao longo do tempo, a convivência tanto nos momentos alegres quanto no enfretamento de situações difíceis e outros que possibilitem vislumbrar a necessária estabilidade à convivência.

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De acordo com o caráter de continuidade a é exigência legal para a caracterização da união estável, correspondendo à solidez, traduzindo-se na intenção do casal em continuar o relacionamento, não se tratando tão somente de uma relação transitória e efêmera, conforme leciona Farias (2010, p. 452): significa que o relacionamento permanece, transpassa o tempo, não sofrendo interrupções constantes. Por óbvio, não é qualquer interrupção que compromete a constituição da entidade familiar. A instabilidade será fruto de rupturas constantes, de quebra de vida em comum, o que, sem dúvida, retirará das partes, naturalmente, a intenção de viver como casados, além de afetar, eventualmente o interesse de terceiros.

Quanto à publicidade ou relação afetiva pública, essa é uma das exigências para que se reconheça a existência da união estável, conforme aduz Farias (2010, p. 453): “Ou seja, é preciso que os conviventes mantenham um comportamento notório, apresentando-se aos olhos de todos como se casados fossem.” Ou, resumidamente conforme ensina Caio Mário da Silva, citado por Farias (2010, p. 453): “os companheiros são reconhecidos como tais perante os amigos e a sociedade.”

Berenice Dias (2009, p. 164) estabelece que a publicidade estatuída na lei para

reconhecimento da união estável na verdade tem o significado de notoriedade: há uma diferença de grau, uma vez que tudo aquilo que é público é notório, mas nem tudo que é notório é publico. A publicidade denota a notoriedade da relação no meio social frequentado pelos companheiros, objetivando afastar da definição de entidade familiar as relações menos compromissadas, nas quais os envolvidos não assumem perante a sociedade a condição de “como se casados fossem.

2.2.1.1 Ausência de impedimentos

O artigo 1.521 do Código Civil estabelece alguns impedimentos matrimoniais, in verbis: art. 1.521. Não podem casar: I - os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil; II - os afins em linha reta; III - o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante; IV - os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive; V - o adotado com o filho do adotante; VI - as pessoas casadas; VII - o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.”

Referidos impedimentos não permitem a configuração da união estável. No entanto, há uma exceção em relação ao inciso VI do mencionado artigo,

quando em caso de casamento anterior, se essa pessoa casada estiver separada judicialmente ou separada de fato, independente de prazo, não existe impedimento à união estável.

Há que se observar que as causas suspensivas, dispostas no artigo 1.523 do

Código Civil, não se mostram aptas a impedir a configuração da união estável,

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conforme preconiza o § 2º do artigo 1.723 do Código Civil: “§ 2° As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.” 2.2.1.2 A união estável putativa

A possibilidade de efeitos decorrentes de união afetiva simultânea é um dos assuntos mais debatidos quando se fala em união estável. Carlos Roberto Gonçalves, citado na obra de Farias (2010, p. 456), assevera: como também ocorre nas uniões conjugais, o vínculo entre os companheiros deve ser único, em face do caráter monogâmico da relação. Não se admite que pessoa casada, não separada de fato, venha a constituir união estável, nem que aquela que convive com um companheiro venha a constituir outra união estável.”

Argumentado que, se uma pessoa já casada resolve casar-se novamente e não

esclarece seu atual estado civil para a segunda noiva, poderá essa noiva provar sua boa-fé e requerer o reconhecimento da putatividade. Farias (2010, p. 456) discorda da impossibilidade de reconhecimento da união estável putativa: assim, entendemos que, presente a boa-fé, é possível emprestar efeitos de Direito de Família às uniões extramatrimoniais em que um dos companheiros sofre um dos impedimentos matrimoniais, porém o outro interessado está laborando em erro desculpável. 2.2.2 Pressuposto subjetivo

O intuito de constituir família é o requisito mais importante para o reconhecimento da união estável e caracteriza-se como sendo a intenção de viver como se casados fossem, traduzindo-se nas palavras de Farias (2010, p. 449): sem dúvida, é fundamental a existência de uma comunhão de vidas no sentido material e imaterial, em correspondência e similitude ao casamento. É uma troca de afetos e uma soma de objetivos comuns, de diferentes ordens, solidificando o caráter familiar da relação.

Farias (2010, p. 450) busca resolver a questão do intuito de constituir família no

caso concreto na seguinte lição: é possível detectar a união estável, dentre outras hipóteses, através da soma de projetos afetivos, pessoais e patrimoniais, de empreendimentos financeiros com esforço comum, de contas conjuntas bancárias, declarações de dependência em imposto de renda, em planos de saúde e em entidades previdenciárias, a freqüência a eventos sociais e familiares, eventual casamento religioso (o chamado casamento eclesiástico) etc.

Diante de todo o exposto, as palavras de Berenice Dias (2009, p. 165) sintetizam

os requisitos necessários à configuração da união estável: com segurança, só se pode afirmar que a união estável inicia de um vínculo afetivo.

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O envolvimento mútuo acaba transbordando o limite do privado, começando as duas pessoas a ser identificadas no meio social como um par. Com isso o relacionamento transforma-se em uma unidade. A visibilidade do vínculo o faz ente autônomo merecedor da tutela jurídica como uma entidade. O casal transforma-se em universalidade única que reproduz efeitos pessoais com reflexos de ordem patrimonial.

3. O NAMORO

O namoro é aquela etapa que pode anteceder o casamento ou a união estável, uma espécie de treinamento para constituir-se uma entidade familiar.

O namoro qualificado, ou como dito por muitos, o namoro sério, evolui para a

união estável ou para o casamento, porém enquanto namoro cada envolvido preserva sua individualidade e sua liberdade.

Outra característica importante no namoro é que nele os envolvidos não

assumem a condição de conviventes, por não desejarem, naquele momento, construir uma família.

Especialmente com o avançar dos tempos e com o surgimento de gerações cada

dia mais livres de dogmas e costumes do passado, essas relações de namoro vem tomando destacado espaço. Não distingui-las, simplesmente porque externamente espelham características de união estável, é impor aos namorados uma condição que eles próprios jamais desejaram. 3.1 O namoro e a entidade familiar

O namoro consubstancia-se numa fase de romantismo e de conhecimento mútuo entre os casais, marcado por vínculo eminentemente emocional, ou como resume Schimidte, disponível no sítio: <http://univen.no-ib.biz>, acesso em: 14 set. 2010: os relacionamentos surgem pelo encantamento, passam pela sedução e se consolidam na esperança. É isto que ocorre em todos os campos amorosos. As fantasias em relação ao namoro continuam a ser muito parecidas com a de outros tempos passados; muito embora hoje as preocupações são quando acontece o fracasso desse relacionamento.

A chamada indústria do dano moral já se prolifera por todos os ramos do Direito

e na seara do Direito de Família há a preocupação dos magistrados no sentido de indeferir indenizações por danos morais advindos de relações malsucedidas de namoros, posto que se de toda relação afetiva rompida surgisse dano moral indenizável estar-se-ia, definitivamente, diante de uma situação insustentável do Poder Judiciário pela óbvia razão de acúmulos de processos.

O certo é que como o namoro não é considerado juridicamente uma entidade

familiar, não restarão amparados os pleitos que o tomarem por base como se entidade

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familiar fosse. Assim, mesmo se mantido um namoro prolongado por vários anos e uma das partes ajuizar ação cível pugnando direitos pessoais e patrimoniais não logrará êxito em seu intento pelo simples motivo de que o namoro não é recepcionado pela legislação civil. Portanto, não produz nenhum efeito jurídico, uma vez que somente as relações jurídicas advindas do casamento ou da união estável têm assegurados tais direitos.

Desta forma, embora não sendo algo incomum confundir-se namoro com união

estável, em razão de namoros em que os parceiros mantêm relações sexuais, viajam juntos, frequentem juntos festas e locais públicos, não restará caracterizada a entidade familiar se inexistente o recíproco intuito de se construir uma família, sendo esse o entendimento dominante tanto na doutrina quanto na jurisprudência pátria.

Referente ao contrato de namoro, a dificuldade de se saber se o namoro passou a constituir-se numa relação estável trouxe à baila o que se convencionou chamar de “contrato de namoro”`, que, na verdade é uma busca de algumas pessoas em se resguardar quanto a possíveis efeitos patrimoniais e jurídicos advindos da relação havida e de esclarecer que não estão vivendo uma união estável.

Renomados escritores entendem que esse tipo de contrato não tem qualquer

eficácia, nesse sentido é o posicionamento de Lôbo (2008, p. 156): se a intenção de se constituir união estável fosse requisito para sua existência, então semelhante contrato produziria os efeitos desejados. Todavia, considerando que a relação jurídica de união estável é ato-fato jurídico, cujos efeitos independem da vontade das pessoas envolvidas, esse contrato é de ineficácia nenhuma, jamais alcançando seu intento.

Essa tentativa de evitar a caracterização de um comprometimento recíproco

e a incomunicabilidade de bens, visando afastar a ocorrência da união estável por meio do contrato de namoro, embora sendo possível, a confecção do contrato se mostra sem efeito na prática, conforme aduz Farias (2010, p. 479):

Pois bem, conquanto seja absolutamente possível a celebração de um contrato de

namoro (porque a lei não exige forma prescrita em lei e porque o objeto não é ilícito), não conseguirão as partes impedir a eventual caracterização de uma união estável, cuja configuração decorre de elementos fáticos, não podendo ser bloqueada por um negócio jurídico.

Dias (2009, p. 176) aponta a ineficácia prática do contrato de namoro: não há

como previamente afirmar a incomunicabilidade quando, por exemplo, segue-se longo período de vida em comum, no qual são amealhados bens pelo esforço comum, nessa circunstância, emprestar eficácia a contrato firmado no início do relacionamento pode ser fonte de enriquecimento ilícito.

4. DISTINÇÃO E CONVERSÃO DO NAMORO EM UNIÃO ESTÁVEL

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Em razão da mudança de comportamento dos casais nos dias atuais, os relacionamentos são marcados pela liberdade, não sendo raro encontrar pessoas que apesar de manterem o chamado namoro qualificado não almejam constituir família.

Assim, o relacionamento mesmo que duradouro, público e contínuo, não se

caracteriza numa união estável, justamente por faltar o intuito de construir família. Enquanto os interesses do casal forem unicamente pessoais, individuais, e faltar-

lhes cumplicidade solidariedade e projeto de vida a dois, faltará, por certo, o pressuposto principal necessário à caracterização da entidade familiar, portanto não merecerão o reconhecimento jurídico alcançado pela união estável.

Para Lôbo (2008, p. 155), há uma tênue distinção entre o namoro e a

união estável, uma vez que no namoro há um ambiente de liberdade, “Namorar não cria direitos e deveres.”

Na união estável, nem tudo é perfeito entre o casal, podendo ocorrer os mais

variados deslizes. No entanto, nessa forma de relacionamento verifica-se a base de uma família, ou seja, a assistência e o respeito mútuos, o enfrentamento das dificuldades e o compartilhamento das alegrias em conjunto.

Em suma, na união estável os vínculos são mais sólidos que no namoro,

ultrapassando as questões afetivas, sexuais e financeiras, existindo um projeto de vida em comum do casal, e nessa condição os parceiros agem visando no proveito da relação. Quanto ao tema vale destacar as palavras de Poffo, disponível no sítio http://www.arpenbrasil.org.br/, acesso em: 17 Set. 2010: com a permissa venia, não é estranho ver uma das partes de um relacionamento, fascinada pela possibilidade de partilhar bens, adquirir direito a alimentos e receber indenização por dano moral, produzir, em juízo, um grande e confuso emaranhado de fatos e documentos, tudo para tentar provar a alegada e fatídica "união estável", no verdadeiro estilo mocinha e vilã dos tempos modernos. Diante de situações como essa, é necessário que seja diferenciado o namoro qualificado da verdadeira união estável.

Poffo, disponível no sítio http://www.arpenbrasil.org.br/, faz um resumo da

complexa relação que denomina namoro qualificado e o afasta do conceito de entidade familiar, in verbis: assim, com o afrouxamento dos costumes, associado à igualdade e liberdade dos gêneros e com a total liberdade sexual criaram-se novas configurações afetivas e o namoro denominado de "estável ou qualificado" passou a ser reservado para aqueles pares que querem ter o direito de não assumirem qualquer compromisso formal e muito menos tencionam constituir família, embora estejam sempre juntos em viagens e até podem dividir uma mesma habitação e frequentam as festas familiares em comum. Contudo, nenhum deles consta como dependente do outro, tanto q ue na grande maioria dos casos, ambas as partes sempre trabalharam, não tendo o ânimo de formar família e tampouco desejaram ter filhos em comum, e, portanto, embora se trate até de um namoro prolongado e com congresso íntimo, não induz ao estabelecimento de uma união estável.

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5. A TRANSFORMAÇÃO DO NAMORO E O CONFRONTO COM AS DISPOSIÇÕES LEGAIS

É de conhecimento comum que a evolução do Direito dá-se pelas necessidades

e aspirações da sociedade, traduzindo, por assim dizer, na dialética que move uma engrenagem onde o sistema jurídico precisa se adaptar à realidade para que, efetivamente, produza efeitos e seja respeitado pela população.

É cediço que nem todos os acontecimentos da vida estão disciplinados

legalmente, sendo praticamente impossível a inexistência de lacunas jurídicas. Nesse sentido, a pesquisa ora proposta, - a tênue diferença entre o namoro qualificado e a união estável - , mostra-se como uma questão a ser resolvida, uma lacuna jurídica, que necessita ser delimitada posto que a realidade vem mostrando o crescimento de namoros duradouros que terminam em disputas judiciais e as decisões dos magistrados têm se dado puramente no critério subjetivo que caracteriza uma entidade familiar, qual seja, o intuito do casal de constituir família.

5.1 O intuito de construir família A função da família e mesmo seu conceito vem sofrendo transformações ao

longo dos anos, posto que passou pela fase da influência religiosa, permaneceu por certo tempo com um caráter assistencial a seus membros, consubstanciada na defesa e na assistência aos seus membros (proteger seus doentes, desempregados etc.).

Aos poucos transferiu-se para o Estado e para a sociedade parte dessa

função protetiva, porém permaneceu a família a ser reconhecida somente se formada por homem e mulher que se uniam pelo matrimonio e que, em regra, tinham filhos. Essa forma de reconhecimento da família restava amparada legalmente pelo Código Civil de 1916, proclamando ao homem a chefia da família e à mulher os afazeres domésticos e os cuidados com os filhos.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, os direitos de homem e

mulher igualaram-se no seio familiar, bem ainda restou reconhecido, como entidade familiar, a união estável e a entidade monoparental.

Pois bem, com as mudanças promovidas pela Constituição, o conceito de família

sofreu transformações e embora seja a instituição social primária seu conceito mudou. Esse é o entendimento de Farias (2010, p. 9): com o passar dos tempos, porém, o conceito de família mudou significativamente até que, nos dias de hoje, assume uma concepção múltipla, plural, podendo dizer respeito a um ou mais indivíduos, ligados por traços biológicos ou sócio - psicoafetivos, com intenção de estabelecer, eticamente, o desenvolvimento da personalidade de cada um.

Desta forma, não há como negar o papel da família como elemento de suma

importância na formação de seus componentes, constituindo-se num ambiente

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onde seus membros obtém suporte emocional e preparam-se para o enfrentamento da realidade social.

O pressuposto subjetivo, sem o qual não se caracteriza a entidade familiar, é o

desejo comum de formar família, que pode ser conceituado como uma comunhão de vida e de interesses.

Para caracterizar-se a união estável que tem tutela jurisdicional, faz-se

necessário mais que um namoro sem compromisso, não bastando a publicidade do relacionamento, a durabilidade e notoriedade da convivência, é preciso mais, deve estar presente a intenção recíproca do casal de formar uma entidade familiar, fundada no respeito e assistência mútuos e ser preenchidos outros requisitos de ordem subjetiva que permitam demonstrar, efetivamente, o intuito de construir-se uma família.

Poffo, disponível no sítio http://www.arpenbrasil.org.br/, sintetiza a estreita

diferença entre o namoro e a união estável, in verbis: é preciso aceitar que uma relação, ainda que externe todas as características da convivência marital, não o será porque assim não desejaram os envolvidos. Não se pode achar que a união estável é conseqüência de determinadas condutas, mas entendê-la como um fato que pode durar dias e constituir verdadeira entidade familiar porque, enquanto estiveram unidos, assim desejavam os envolvidos, nutrindo respeito e afeto mútuo um pelo outro; ou pode durar anos sem que as partes jamais tenham objetivado formar um família, mantendo -se unidas unicamente pelo prazer da companhia alheia.

Assim, a existência do intuito de construir família deve ser o principal objeto de

análise, necessário à diferenciação do namoro com a união estável, tendo em vista que somente os pressupostos objetivos, tais como publicidade, notoriedade e durabilidade nas relações amorosas não se mostram com a robustez necessária a caracterizar a entidade familiar que produz efeitos no mundo jurídico.

CONCLUSÃO A confusão, algumas vezes conscientes e outras por questão de ponto de

vista interpretativo, quanto à possibilidade de alcançar-se ganhos patrimoniais advindos da relação de namoro, buscando dar a esse tipo de relacionamento o mesmo tratamento destinado à união estável, é tema relevante e crescente no meio jurídico.

Com as mudanças comportamentais nos relacionamentos, marcados pelo

convívio mais próximo entre os casais de namorados, naturalmente se questiona se não ocorre com o namoro o mesmo processo anteriormente havido com relação à união estável, que historicamente em nosso país foi discriminada e afastada da tutela jurisdicional, até que a realidade social demonstrou que a conduta conservadora do Judiciário e a legislação retrógrada não encontravam mais o necessário respaldo à aplicação, ante a contradição entre a teoria e a prática.

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Pois bem, o presente trabalho, embora não fechando os olhos à realidade, vem mostrar que o namoro qualificado ainda não alcançou o status de entidade familiar em razão de não preencher o pressuposto subjetivo denominado de intuito de constituir família, sem o qual não se reconhece o direito aos efeitos patrimoniais a que faz jus tanto os casados quanto os que convivem em união estável.

Assim, para que o namoro qualificado produza efeitos jurídicos devem estar

presentes, concomitantemente, os requisitos de dualidade de sexos, estabilidade, continuidade, publicidade, ausência de impedimentos e, além de todos eles, deve restar provado , de forma robusta, o intuito familiae, que se consubstancia no desejo e na intenção do casal em constituir família.

Conclui-se, então, que a diferença entre namoro e união estável caracteriza-se

em razão de faltar ao primeiro uma conjunção de fatores tais como a affectio societatis familiar, a participação de esforços, a posse do estado de casado, a fidelidade, a continuidade da união, a habitação comum, e mesmo que presentes todos os outros ausente o intuito de construir família ao namoro não será dado alcançar a mesma proteção direcionada à união estável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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02. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência 200609101365. Disponível em: <http//www. tjdf19.tjdft.jus.br/>. Acesso em: 18 set. 2010.

03. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência 200803407402. Disponível em: <http//www. tjgo.jus.br />. Acesso em: 18 set. 2010.

04. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 3ª. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2009.

05. Disponível em: <http// www. planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm />. Acesso em: 18 set. 2010.

06. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2ª ed. rev. ampl. e atual. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010.

07. LÔBO, Paulo. Famílias. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 08. POFFO, Mara Rúbia Cattoni. Inexistência de união estável em namoro qualificado.

Disponível em: <http://www.arpenbrasil.org.br/>. Acesso em 17 set.2010. 09. SCHIMIDTE, Roque José. Namoro duradouro público e a união estável. Disponível

em: <http://univen.no- ip.biz/>. Acesso em: 14 set. 2010.

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CABIMENTO DA QUERELA NULITATIS NA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA EM SENTENÇAS ULTRA E EXTRA PETITA

Discente - CAROLINE RODRIGUES DA SILVA Professor – THIAGO SETTI XAVIER DA CRUZ

RESUMO: Este estudo teve como intuito principal analisar um assunto de extrema importância para a vida do homem no âmbito jurídico. O ser humano necessita de segurança e garantia de justiça para viver em sociedade, sendo que é justamente esta a busca do Estado de Direito ao dispensar a tutela jurisdicional. Entretanto, tem que se observar que o ser humano é falho, o que pode ocasionar injustiças e inseguranças em determinados casos, mas prevendo tais situações o direito em sua concepção geral traz os remédios jurídicos aplicáveis para corrigir tais injustiças. É justamente a aplicação de tais remédios que este visa demonstrar, diante de sentenças nulas e inexistentes que transitam em julgado sem proporcionar justiça e gerando consequentemente insegurança. Partindo deste ponto, encontra-se a relativização da coisa julgada, que vem como um remédio jurídico a reparar a injustiça dispensada na tutela jurisdicional. A hipótese de relativização implica diretamente na segurança jurídica e na legalidade, pois um dos principais efeitos trazidos pela coisa julgada é justamente a segurança jurídica. Entretanto, pode-se falar de segurança jurídica em sentenças nulas de pleno direito/inexistentes que são desprovidas de legalidades, por afrontar a lei, ou melhor, as determinações desta. Diante de tal situação de afronta à legalidade e à justiça almejadas pela sociedade e o Estado de Direito, a própria legislação trouxe meios de combate a tais injustiças e ilegalidades, sendo ação rescisória com suas hipóteses taxativas o meio previsto na legislação, mas a doutrina e a jurisprudência vêm reconhecendo a aplicabilidade do instituto da querela nulitatis para a relativização à coisa julgada, nas hipóteses que não são abarcada pela ação rescisória, como por exemplo, nas sentenças nulas/inexistentes, que passaram pelo trânsito em julgado. Os dois institutos aqui mencionados possuem peculiaridades próprias, tais como competência, prazo, hipóteses de cabimento. Palavras-chave: tutela jurisdicional, segurança jurídica, coisa julgada. INTRODUÇÃO

O presente estudo tem por objetivo demonstrar, de forma clara e sucinta, o que

há de mais relevante no que se refere aos remédios jurídicos de impugnação de sentença com trânsito em julgado. Conceituando-os, realçando suas características, classificando-os e, expondo seus modos de constituição e ações de proteção.

Para tanto, o auxílio de preciosos doutrinadores do mais alto gabarito foi

utilizado. Mestres que dedicaram ao tema seus vastos conhecimentos, que aqui se busca retransmitir, ainda que modestamente pelo método hipotético dedutivo.

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No primeiro item, será abordada a sentença, delineando os requisitos de sua formação, classificação, efeitos, em específico seus defeitos e suas nulidades. Em seguida, aborda-se a coisa julgada em sua classificação, bem como, as sentenças que não produzem coisa julgada, especificando os limites da coisa julgada.

Já no segundo item, abordam-se os princípios da legalidade e da segurança

jurídica, dando enfoque especial a este último. Finalizando com o terceiro item, delineia-se a aplicação da ação rescisória. Especificando os seus pressupostos, mencionando também o prazo, a

competência, a legitimidade e a petição inicial, abordando as hipóteses do artigo 485 Código de Processo Civil Brasileiro. Nesse mesmo terceiro capítulo, resta demonstrada a aplicabilidade da querela nulitatis, demonstrando sua competência e procedimento, enfocando como hipótese de relativização da coisa julgada decorrente de sentença extra e ultra petita.

As sentenças extra petita e ultra petita, possuem o seu caráter viciado, em

ocorrendo o trânsito em julgado, pressupõe-se a incidência da coisa julgada. Diante deste fato, vislumbra-se a relativização deste instituto como meio para corrigir o vício existente utilizando-se da querela nulitatis.

Objetivando dar uma visão atualizada sobre o tema, apresentam-se argumentos

considerados válidos para aperfeiçoar o conhecimento neste tema específico, que é parte da Constituição Federal de 1988 e do Código de Processo Civil Brasileiro.

Este trabalho de pesquisa traz o abarcamento da relativização de um instituto

garantido constitucionalmente, que envolve os princípios da legalidade e da segurança jurídica. Ao atacar as sentenças extra petita e ultra petita com trânsito em julgado, na busca pela justiça, encontram-se sentenças inexistentes, destacando-se assim, as conseqüências dessa mesma segurança jurídica, bem como, o princípio da legalidade com suas implicações.

1 DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA

O mundo jurídico atende os litígios que surgem nas relações existentes entre as pessoas no seu dia-a-dia dentro da sociedade, salvo os casos de jurisdição voluntária, vez que esta não possui litígio.

A existência do litígio nas relações em sociedade, em sua acepção, obriga o ser

humano a procurar “terceira pessoa” para resolver a coisa litigiosa desde os primórdios, daí o surgimento da função jurisdicional do Estado que tomou para si tal função.

No cenário jurídico brasileiro, existem três tipos básicos de processo, quais

sejam: de conhecimento, cautelar e de execução. Após a provocação do judiciário para a resolução do litígio existente, o judiciário é obrigado a realizar uma conclusão

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de acordo com os procedimentos existente para a apuração do litígio e dos direitos das partes envolvidas no litígio.

Para tal apuração, inicia-se com a petição inicial, passando para a defesa do réu

(contestação, reconvenção ou exceção), até chegar à sentença, que é a materialização da ação do Estado sobre os litígios.

O Código de Processo Civil em seu artigo 162, §1º, com redação recentemente

alterada, traz a definição de sentença, qual seja: “Sentença é o ato do juiz que implica alguma das situações previstas nos arts. 267 e 269 desta lei”. (BRASIL, 2010)

Portanto, é este dispositivo que coloca no mundo jurídico o conceito de sentença

utilizado. A sentença ocupa papel de extrema importância, pois é por meio desta que vem a prestação jurisdicional dispensada pelo Estado, e esta para ser válida precisa observar os ditames da lei em sua constituição das sentenças. 1.1 Requisitos de formação

As sentenças, para serem consideradas válidas, devem observar uma estrutura e formalidade para ser elaboradas, e caso não venha a preencher esta estrutura, a sentença será nula por inobservância aos requisitos nos termos da legislação expressa nos artigos 458 e 485, V do Código de Processo Civil Brasileiro. (BRASIL, 2010)

Os requisitos essenciais da sentença, segundo os preceitos legais do artigo 458

do Código de Processo Civil (BRASIL, 2010), são: I – relatório; II - os fundamentos de fato e de direito e/ou motivação; III- dispositivo e/ou conclusão.

O relatório trata de uma síntese do processo, no qual o juiz realiza um histórico

do processo, colocando obrigatoriamente o nome das partes, o resumo do pedido e da resposta do réu (contestação, exceção e/ou reconvenção), e ainda o registro dos principais atos havidos nos autos. A função do relatório é de forma clara delimitar o pedido, as questões controversas e incontroversas para a realização da apreciação. (SANTOS, 2003, p. 21)

Por fim, vem a parte decisória, que é justamente a conclusão da sentença, pois é

ai que se resolve toda a questão submetida pelas partes à apreciação do judiciário, efetivando, portanto, a dispensa da tutela jurisdicional pelo Estado sob a lide em apreciação. O dispositivo, segundo a doutrina e jurisprudência, pode ser de caráter direto ao especificar à prestação imposta a parte vencida nos autos ou indireta quando se restringir a reportar ao pedido feito pelo autor, julgando-o procedente ou improcedente. (SANTOS, 2003, p. 21)

Toda sentença deve ser clara e precisa, tornando possível sua exata interpretação

e aplicação em face de sua certeza e liquidez, vez que se a decisão é incerta e obscura torna impossível a sua execução e consequentemente não efetiva a tutela jurisdicional almejada quando posta a lide sob apreciação do Estado. (SANTOS, 2003, p. 21)

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Quanto à classificação, as sentenças são divididas em dois grandes grupos e

conforme preceitua Liebman (2006, p. 68), bem como por Theodoro Junior (2008, p. 569), tais grupos são: I - sentenças definitivas, de mérito ou ainda de fundo: como aquela que coloca termo ao processo, decidindo as questões de mérito ao acolher ou rejeitar o pedido realizado pelo autor do processo, revestindo de imutabilidade dentro e fora do processo; II - sentenças terminativas, formais ou processuais: são sentenças que colocam fim ao processo sem julgar o mérito da demanda contida nos autos, cuja imutabilidade restringe ao processo em que é proferida a sentença.

A partir desta classificação ensejar-se-á as espécies de efeitos a serem

produzidos, se nos próprios autos, como no caso das terminativas ou além dos autos no caso das definitivas, bem como influência sobre a incidência ou não da coisa julgada material. (DIDIER, 2010, p. 345) 1.2 Efeitos

As sentenças são classificadas em cinco grandes grupos de acordo com a eficácia do provimento pela teoria quinária proposta por Pontes de Miranda, quais sejam, declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamental e executiva.

As sentenças são classificadas de acordo com a eficácia sentencial. Pontes de

Miranda as conceitua da seguinte maneira: a sentença declarativa é a sentença que tem a sua força no declarar. Não se pode dizer que a declaração lhe exaure a eficácia. Apenas que nenhuma outra força – a de constituição, a de condenação, a de mandamento, ou a de execução – lhe passa à frente, em relevância teórica e prática. A sentença constitutiva é aquela em que prevalece a eficácia de constituição. Portanto, aquela em que a tutela jurídica de declarar não supera as outras tutelas, em que se constitui mais do que se declara, do que se condena, do que se manda, do que se executa. A sentença de condenação tem cognição e, pois, elemento declarativo e de constituição, que serve mesmo, em combinação com a declaração, ao fato novo, ao novum processual da condenação; e não se lhe pode apagar o que possui de execução, que também se revela no efeito executivo de quase todas as sentenças de condenação. Ela é de condenação, porque o condenar prima, enche quase tudo que se destina à eficácia da sentença. A sentença mandamental supõe declaração, constituição e condenação, em doses fortes ou mínimas, porém o mandado do juiz, como eficácia, é o que mais importa. É o elemento prevalecente, o alvo da ação que a sentença marca ao autor vencedor. A sentença de execução também resiste a qualquer redução às classes referidas. Só Francesco Canelutti se afoitou a incluir o processo de execução na cognição, apagando a distinção entre pretensões tão características. Mas o fracasso da tentativa empacou. (1998, p.190-191) (grifo do autor)

Existe uma distinção em face dos efeitos que a sentença vem a produzir,

observando sua natureza declaratória, constitutiva, condenatória, mandamental e executiva, e a produção de tais efeitos é mais ou menos perene e imutável. Liebman coloca ainda que: de fato, todos os efeitos possíveis da sentença (declaratório, constitutivo, executório) podem, de igual modo em sentido puramente hipotético,

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produzidos independentemente da autoridade da coisa julgada, sem que se lhe desnature a essência. (2007, p. 23)

Portanto, tais efeitos independem da coisa julgada, pois produz os seus efeitos

por si como menciona Liebman, bastando à tutela jurisdicional para tanto e que esta não tenha nenhum defeito que a invalide. 1.3 Defeitos da sentença

Como já anteriormente explanado, a sentença necessita de observar requisitos substanciais e formais, antes, durante e após a sua elaboração pelo magistrado, para assim ser capaz de produzir os efeitos jurídicos de validade, eficácia e existência.

A falta de algum destes requisitos torna a sentença defeituosa, ou seja, incapaz

de produzir os efeitos jurídicos visados pela tutela jurisdicional. Dinamarco faz citação de três tipos de sentenças defeituosas (2004, p. 682),

quais sejam: sentença inexistente; sentença nula; e sentença ineficaz. Seguindo ainda a delineação proposta pelo Dinamarco (2004, p. 682), as

sentenças inexistentes são aquelas incapazes de por si própria de produzirem os efeitos programados, resumindo-se como um fato.

Por ser a sentença inexistente juridicamente, esta não tem capacidade de receber

a imunidade da coisa julgada material. Os principais tipos são: as sentenças não-assinadas, as desprovidas de dispositivo e as que buscam um resultado material ou juridicamente impossível. (DINAMARCO, 2004, p. 682)

As sentenças nulas ocorrem quando portadoras de vícios intrínsecos

materializados com a nulidade inerente, ou tiver defeitos de atos processuais anteriores a ela, formando a nulidade decorrente. Entretanto, tais sentenças nulas serão “eficazes” até que venha ser declarados juridicamente a sua nulidade, vez que inexiste sentença nula de pleno direito dentro do âmbito jurídico. (2004, p. 683)

E, por fim, as sentenças “ineficazes” são aquelas que apesar de existirem

juridicamente com um procedimento regular, esta, por algum motivo não atinge seu objetivo ao não produzir os efeitos programados, ainda que parcialmente. (DINAMARCO, 2004, p.684) 1.4 Nulidades da sentença

O Código de Processo Civil limita a sentença ao pedido, ou seja, o magistrado ao elaborar a sentença não pode solucionar com coisa diversa do pedido ou além do pedido, pois do contrário será nula, Teodoro Júnior (2008, p. 585) e o artigo 460 do Código de Processo Civil dizem que: “é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do

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autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado” (BRASIL, 2010).

O art. 128 do Código Processual Civil diz: “O juiz decidirá a lide nos limites em

que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito a lei exige a iniciativa da parte”. (BRASIL, 2010)

Didier diz: a decisão judicial, para que seja válida, deve ser congruente.

Normalmente, quando se fala em congruência, vêm à cabeça as disposições constantes nos arts. 128 e 460 do CPC, segundo os quais a decisão deve ser plena, isto é, deve analisar todos os pedidos deduzidos e mais aqueles denominados de pedidos implícitos, mas deve limitar-se, como regra, a tais pedidos, não podendo ir além deles. (2010, p. 309).

Coloca ainda Theodoro Júnior (2008, p. 585) que as sentenças nulas são:

a) Ultra petita: que ocorre quando o juiz ao decidir o mérito do pedido concede muito além do que havia pleiteado; b) Extra petita: ocorre quando o juiz ao dispensar a tutela jurisdicional concede ao autor uma prestação diferente da postulada na Exordial; Citra petita: é a sentença que não examina todas as questões propostas pelas partes.

Portanto, observa-se que as sentenças extra, ultra e citra petita, ofendem a

legislação bem como os seus princípios, motivos pelos quais ensejam suas nulidades, ou conforme o caso suas inexistências. 2 Coisa julgada aplicada

Liebman coloca que: [...] a autoridade da coisa julgada não é efeito da sentença, como postula a doutrina unânime, mas sim, modo de manifestar-se e produzir-se dos efeitos da própria sentença, algo que esses efeitos se ajuntam para qualificá-los e reforçá-los em sentido bem determinado. (2007, p. 41)

A coisa julgada era considerada como efeito da sentença, entretanto não

conforme observaram Liebman (2006, p. 21) e Theodoro Júnior ao afirmarem que: “Não é efeito da sentença, mas a qualidade dela representada pela 'imutabilidade' do julgado e de seus efeitos”. (2008, p. 600).

Theodoro Júnior (2008, p. 600), Grinover (2007, p.326), Santos (2003, p. 47),

definem a coisa julgada como a sentença que não está mais sujeita à reforma ao reexame por meio de recursos, tornando-se firme e imutável dentro do processo, materializando a prestação jurisdicional requerida pelas partes no processo.

Diniz faz o seguinte apontamento em face à coisa julgada: a res judicata é um

princípio jurídico-positivo (CF/88, art. 5º XXXVI; LICC, art. 6º, § 3º) que demonstra o fato de ser a decisão final uma norma individual, cuja validade não poderá ser abolida por uma derrogante constituída mediante nem por outra sentença judicial (CPC, art. 471), podendo ser apenas desconstituída mediante ação rescisória interposta dentro

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do biênio decadencial, desde que configurada uma das causas legais arroladas taxativamente no Código de Processo Civil, art. 485. (2009, p. 200) (grifo do autor)

O Código de Processo também traz sua definição no artigo 467, qual seja:

“denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário”. (BRASIL, 2010).

Talamini (2003, p. 30) lembra que “a coisa julgada é atributo que pode

recair apenas sobre atos jurisdicionais”. Didier aponta que a coisa julgada não é instrumento de justiça, por não assegurá-

la nas decisões judiciais, mas que esta é uma garantia de segurança por impor a definitividade da solução judicial em face da situação que lhe é submetida (2010, p. 408).

Diante de tal apontamento, conclui-se que nem toda sentença acobertada pela

coisa julgada é justa ou legal. Porque a incidência dos efeitos da coisa julgada não é garantia de justiça aplicada, pois em caso de nulidade e inexistência esta não tem a capacidade de sanar tais situações.

Quanto à classificação da coisa julgada, Didier (2010, p. 408) e Wambier (2007, p. 519) costumam trazer dois grandes tipos de coisa julgada que são: a coisa julgada formal e material. A coisa julgada formal é aquela que torna imutável e indiscutível a sentença dentro do mesmo processo, sem impedir que a lide seja proposta na ação, vez que nesta não há apreciação do mérito, já a coisa julgada material é aquela que torna imutável e indiscutível a sentença dentro do mesmo processo e ainda impedindo a em nova apreciação da lide em face da resolução do mérito desta.

Santos apud Liebman: [...] que a coisa julgada formal e a coisa julgada material

são degraus do mesmo fenômeno. Proferida a sentença e preclusos os prazos para recursos, a sentença se torna imutável (primeiro degrau – coisa julgada formal); e em consequência, tornam-se imutáveis os seus efeitos (segundo degrau – coisa julgada material). (2003 p. 47)

A coisa julgada material, ao incidir na sentença de mérito, torna-a matéria de

ordem pública, podendo ser alegada a qualquer tempo e grau de jurisdição e as partes não podem abrir mão desta, e aplica-se sempre que for interposta nova ação com mesmas partes, pedido e mesma causa de pedir nos termos do artigo 301, § 1º do Código de Processo Civil, para rediscutir o mérito desta, evitando, assim, um processo novo e uma segunda sentença eventualmente contraditória, não sendo, portanto, um efeito diverso e distinto, mas tão somente uma qualidade do próprio efeito. (BRASIL, 2010a).

A coisa julgada é preceito constitucional, vez que se encontra no texto da Carta

Magna de 1988 em seu artigo 5º, XXXVI, “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada.” (BRASIL, 2010b).

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Cabe salientar que toda sentença é apta à coisa julgada formal, mas o mesmo não ocorre com a coisa julgada material, pois sua incidência ocorre sobre as decisões de mérito exclusivamente. (WAMBIER, 2007, p. 520).

Ressalta Liebman (2007, p. 56) que a diferença dessa classificação está toda no

conteúdo da sentença e não na coisa julgada, que permanece a mesma, diferentemente da sentença em seus efeitos. 2.1 Sentenças que não produzem coisa julgada

Santos (2003, p. 57-59) traz uma enumeração das decisões que não produzem a coisa julgada, qual seja: 1 - sentenças terminativas, quem põem fim ao processo sem decidir o mérito deste; 2 - as sentenças proferidas em processos de jurisdição voluntária, vez que não há lide nesta para ser resolvida; 3 – sentenças proferidas em processos cautelares, pois neste elas estão subordinadas à sentença do processo principal; 4- decisões interlocutórias que resultam em preclusão não podendo ser rediscutidas no mesmo processo; 5 – despachos de mero expediente, que são de conteúdo exclusivamente processual.

O artigo 469 do Código de Processo Civil traz: não fazem coisa julgada: I- os

motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; Il - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. (Brasil, 2010)

Portanto, estas sentenças não resolvem o mérito da lide, o que não inviabiliza

sua rediscussão em outros autos, como no caso das sentenças terminativas, não se sujeitando consequentemente aos efeitos da coisa julgada material. 2.2 Limites da coisa julgada

A coisa julgada possui limites objetivos e subjetivos, que incidem diretamente sobre a parte dispositiva da sentença como pacificado por Theodoro Júnior (2008, p. 603).

Quanto aos limites objetivos, Grinover ressalta o apontamento do Código de

Processo Civil, em seu artigo 469, ao dizer: o Código de Processo Civil assinala-as expressamente ao prescrever que não fazem coisa julgada: a) os motivos, ainda que importante para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; b) a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; c) a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentalmente no processo. Resulta do texto que apenas o dispositivo da sentença, entendido como a parte que contém a norma concreta, ou preceito enunciado pelo juiz, é apto a revestir-se da autoridade da coisa julgada material. (2007, p. 329)

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Sendo a professora acompanhada por outros doutrinadores, tais como Santos (2003, p. 68) apud Paula Batista que afirma “[...] a autoridade da coisa julgada é restrita à parte dispositiva ao julgamento e aos pontos aí decididos e fielmente compreendidos em relação aos seus motivos objetivos”.

Assim como o Código de Processo Civil respondeu expressamente qual o limite

objetivo da coisa julgada, ele também traz o limite subjetivo da coisa julga em seu artigo 472.

Grinover entende que: “o terceiro, quando prejudicado pela eficácia da sentença,

poderá insurgir-se contra esta inclusive em outro processo, porquanto não é atingido pela coisa julgada material.” (2007, p. 331).

No mesmo sentido, preceitua Liebman: [...], enquanto vale a eficácia natural da

sentença vale para todos, autoridade da coisa julgada é limitada somente às partes; que, em consequência, não podem as partes contestar a justiça da sentença, cuja eficácia é para elas incondicionada, imutáveis os efeitos; os terceiros, pelo contrario, devem, sim sofrer os efeitos da sentença, não, porém, incondicionalmente, porque poderão repeli-los, quando puderem demonstrar a injustiça da sentença. (2006, p. 182)

Entretanto Liebman ainda entende que os terceiros que podem impugnar a

justiça da sentença são aqueles que possuem interesse e que este seja juridicamente reconhecido e tutelado. E a impugnação deve ser bem fundamentada e demonstrar injustiça da sentença, para que a sentença deixe de produzir os efeitos contra ele.

A sentença, quando sofre os efeitos da coisa julgada, ganha segurança jurídica e

consequentemente torna-se imutável, entretanto tal efeito não é garantia de legalidade, tanto que a justiça desta pode ser impugnada, buscando a legalidade, segurança jurídica e justiça. 3 SEGURANÇA JURÍDICA E LEGALIDADE

Quanto à segurança jurídica, a sociedade para sua sustentação necessita de proteção e segurança em face de seus direitos e atos para a paz social, e estes constituem um dos elementos basilares do Estado de Direito. (SIQUEIRA, 2006, p. 39 e CANOTILHO, 2004, p. 257).

São dispensados diretamente por meio das sentenças que materializam a lei

abstrata e com a coisa julgada que os imunizam de ataques arbitrários. Jorge Reinaldo Vanossi define a segurança jurídica apud Silva: “conjunto de

condições que tornam possível às pessoas o conhecimento antecipado e reflexivo das consequências diretas de seus atos e de seus fatos à luz da liberdade reconhecida.” (2010, p. 433).

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Canotilho diz que a segurança jurídica está condicionada aos elementos objetivos de ordem jurídica, garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e orientação do direito. (2004, p. 257).

Portanto, a segurança jurídica garante bases à estrutura do Estado de Direito para

que o indivíduo confie na tutela jurisdicional dispensada sobre os conflitos levados ao poder judiciário.

Quando a coisa julgada gera a segurança jurídica na decisão proferida dispensa

os órgãos jurisdicionais trabalhar mais de uma vez sobre os mesmos objetos já analisados anteriormente. (TALAMINI, 2005, p. 63).

Talamini observa também que: a superação do Estado liberal não implicou a

depreciação da segurança jurídica no catalogo de direitos e garantias. Apenas lhe acrescentou novas dimensões. À evolução do significado e extensão dos direitos fundamentais em geral correspondeu uma nova perspectiva do princípio da segurança. (2005, p. 63-64).

Siqueira aponta que “[...] a segurança jurídica requer a precisão ou

determinação das normas positivadas. Trata-se da conformação material e formal dos atos normativos em termos lingüísticos claros.” (2006, p. 42).

Para Talamini “[...] a segurança é elemento fundamental para a própria

configuração do fenômeno jurídico.” (2005, p. 66). A segurança jurídica, em face da interpretação judiciária do direito, é passível de

formação de incerteza, baseada em sentenças contraditórias em virtude da mudança na interpretação jurisprudencial pelo Superior Tribunal Federal que ao indicar um caminho totalmente diverso do qual até então era adotado pelos tribunais, faz surgir uma certa insegurança jurídica. (SIQUEIRA, 2006, p. 41).

Kelsen, sob este aspecto de mudança na interpretação jurisprudencial, coloca

como uma ilusão de segurança jurídica em que a sociedade se esforça para manter. (2002, p. 119-120).

A segurança jurídica para ser efetiva deve ter o apoio da lei, ou seja, a segurança

jurídica deve ocorrer nos termos das normas positivadas. Portanto, deduz-se que não há segurança jurídica sem legalidade. (SIQUEIRA, 2006, p. 42).

Quanto à legalidade, a lei dita às regras a serem obedecidas pela sociedade, tanto na legislação material como na processual, sendo o instituto utilizado pelo Estado de Direito para a materialização da justiça ao caso concreto, atingindo a justiça, a legalidade e a segurança jurídica.

A legalidade é um dos princípios basilares do ordenamento brasileiro e vem

expressamente reconhecido no texto da Magna Carta de 1988, em seu artigo 5º, inciso II, preceituando que: "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei" (BRASIL, 2010).

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Este princípio esteve presente em todas as Constituições brasileiras, salvo na de 1937, e sua eficácia estende aos estrangeiros em face da palavra “ninguém”, ou seja, não se restringe apenas aos brasileiros natos e naturalizados. (FERREIRA FILHO, 1996, p. 244)

Moraes coloca que: “Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado.”

(2004, p. 71) Moraes menciona também que: [...] o princípio da legalidade mais se aproxima

de uma garantia constitucional do que de um direito individual, já que ele não tutela, especificamente, um bem da vida, mas assegura ao particular a prerrogativa de repelir as injunções que lhe sejam impostas por uma outra via que não seja a da lei [...] .(2004, p. 71)

No mesmo sentido, o STF - Princípio da legalidade: ninguém é obrigado a

cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito. (STF, 2.ª T,HC 73454-RJ, rel. Min. Maurício Corrêa, J 22.4.1996, v.u. DJU 7.6.1996) (grifo do autor). (NERY JÚNIOR, 2006, p. 165)

Marinoni (2006, p. 43) e Canotilho (2004, p. 719) observam que o princípio da

legalidade sofreu transformação/relativização em sua interpretação e aplicabilidade, em face das novas fontes de produção de direito e de constitucionalidade.

Marinoni elenca ainda que: [...] antes esse princípio era visto em uma dimensão

formal, agora ele tem conteúdo substancial, pois requer a conformação da lei com a Constituição e, especialmente, com os direitos fundamentais. (2006, p. 44) (grifo do autor)

No mesmo sentido, Canotilho (2004, p. 719): [...] O princípio da legalidade,

que pressupunha um conceito unitário de forma e força de lei, acaba por ser objecto de uma tendencial relativização porque, por um lado, surgiram outros actos com de lei (ex.: decretos-leis do Governo e decretos legislativos regionais) e, por outro lado, configuram-se actos legislativos com valor reforçado (ex.: leis reforçadas). Além disso, o princípio da legalidade é substituído pelo princípio da constitucionalidade nos casos em que a constituição serve como <<habilitação>> imediata do agir da administração. Finalmente o princípio da legalidade significa hoje princípio à legalidade comunitária com a conseqüente observância das normas do direito comunitário, diretamente aplicáveis, e correlativamente desaplicação de normas internas comunitárias às mesmas. (grifo do autor)

Portanto, o princípio da legalidade busca em sua essência o respeito à legislação,

evitando a arbitrariedade dentro da concepção da constitucionalidade e dos direitos fundamentais, mesmo que para atingi-lo tenha que se opor a uma tutela jurisdicional proferida.

Diante do exposto, conclui-se que a legalidade não se resume pura e

simplesmente em obedecer à letra da lei formal fria, mas sim integrá-la com o Estado de Direito e com os direitos fundamentais para atingir a justiça dispensada ao caso

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concreto, evitando a arbitrariedade e a injustiça na busca da igualização nas sociedades desiguais. (SILVA, 2010, p. 420).

O princípio da legalidade é de aplicação geral, ou seja, não é observado apenas

na dispensa da tutela jurisdicional, mas em outras esferas, como na administração pública e na elaboração da legislação, pois este funciona como uma forma de freios e contra pesos.

Este princípio incide em várias áreas dentro da sociedade, tais como a tributária:

penal e administrativa. (SILVA, 2010, p. 427-429) Quanto à legalidade dentro da área administrativa que implica nos servidores

públicos, Meirelles (2003, p. 86) delineia a legalidade da seguinte forma: a legalidade, como princípio de administração (CF, art. 37 caput), significa que o administrador público está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. (grifo do autor)

Vasconcelos tece o seguinte comentário em seu artigo: assim, o princípio da

legalidade apresenta-se como um freio aos abusos e autoritarismos e personalismos, restringindo a atuação pública aos ditames legais e resguardando diretos pessoais e coletivos. (VASCONCELOS, 2010)

Bem como ao reafirmar que o princípio da legalidade estende seus alcances a

toda a atividade estatal, não restringindo, portanto, apenas à determinada área. Gasparini (2002, p. 8) faz a seguinte observação sobre o princípio da legalidade:

Por fim, observe-se que o princípio da legalidade não incide só sobre a atividade administrativa. É extensivo às demais atividades do Estado. [...] Aplica-se ainda à atividade jurisdicional. Assim, não pode o Judiciário comporta-se com inobservância da lei. Seu comportamento também se restringe aos seus mandamentos. [...] em suma ninguém esta acima da lei.

A observação do princípio da legalidade é de vital importância, pois é através

dele que há a busca da justiça por sua interpretação, observando o Estado de Direito, a Magna Carta, independente de que área se está aplicando tal princípio.

A legalidade deve estar presente em todos os procedimentos judiciais, desde a

proposição da ação até a dispensa da tutela judicial, se os procedimentos judiciais não observarem a legislação estes podem se tornar inexistentes e/ou ilegais, tais quais as sentenças extra e ultra petita. Ocorre quando o juiz ao dispensar a tutela jurisdicional não observar o objeto do processo, dando a uma ou a ambas as partes tutela diversa da requerida nos autos do processo.

Nestes casos, a coisa julgada não produzirá seus efeitos sobre o dispositivo da

sentença, pois esta contém defeitos que os impedem e que devem ser remediados, para que o Estado de Direito possa cumprir a sua função, proporcionando a segurança jurídica, por meio da ação rescisória, quando incidir em uma das hipóteses, do artigo

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485 da lei processual, ou em não incidindo nestas hipóteses como no caso das sentenças inexistentes, deve-se propor a querela nulitatis. 4 AÇÃO RESCISÓRIA E QUERELA NULITATIS

A materialização do Estado de Direito no âmbito jurídico é quando a tutela jurisdicional de mérito é dispensada sobre a lide, por meio da sentença, mas precisamente na parte dispositiva e esta fica sujeita a recurso, em caso de inconformismo, entretanto, quando esta transita em julgado, independentemente de ter esgotado todos os recursos cabíveis, fica sujeito aos efeitos estipulados na sentença e à segurança jurídica produzida pela coisa julgada.

A segurança jurídica e a coisa julgada não são capazes de corrigir os vícios

contidos na sentença, em reconhecendo a incidência de erros anuláveis, nulos e inexistentes o Estado de Direito trouxe meios de ilidir tais possibilidades, pela Ação Rescisória, já reconhecida dentro do ordenamento jurídico, e pela Querela Nulitatis, reconhecida pela doutrina. Tais possibilidades de rescindibilidade visam a busca pela legalidade e pela justiça.

A origem da Ação Rescisória, segundo Siqueira “[...] nasceu da evolução de dois

remédios processuais antigos: a querela nullitais e a restituitio in integrum romana.” (2006, p. 146), sendo que a querela impugnava o error in procedendo e a restituito averiguava a existência motivo que servisse para o reexame da matéria julgada, buscando o impedimento da perpetuação de sentenças injustas.

A coisa julgada, como anteriormente mencionada, é de ordem pública, e esta

ainda traz a imutabilidade bem como a segurança jurídica ao julgado que transitar em julgado, entretanto cabe lembrar que os julgamentos humanos estão sujeitos a falhas, cuja gravidade tenha uma enorme proporção que a própria lei permite a revisão, por meio da ação rescisória. (SANTOS, 2006, p. 738)

Didier diz: “[...] A coisa julgada, no direito brasileiro, pode ser desconstituída,

basicamente, por três meios: a ação rescisória (o comum), a querela nulitatis e a impugnação de sentença fundada no § 1º do art. 475-L e no parágrafo único do art. 741 do CPC.” (2010, p. 359)

A ação rescisória é o instituto legal que possibilita o ajuizamento de uma ação

autônoma e constitutiva, cujo objeto é a anulação de uma sentença passada em julgado. (MARQUES, 2000, p. 410)

As sentenças passíveis de produzir coisa julgada devem obedecer a legislação

material e processual, para serem passíveis de produzir os efeitos nelas elencados e ter a incidência da coisa julgada e da imutabilidade. A sua relativização não incide na rediscução da lide de forma indiscriminada, mas sim em na desconstituição da sentença por meio de uma ação autônoma.

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Pontes de Miranda diz que: “a ação rescisória, julgamento de julgamento como tal, não se passa dentro do processo em que se proferiu a decisão rescidindenda.” (1998, p. 84)

Não se trata, portanto, de um recurso, pois como o próprio nome já diz, é uma

ação de conhecimento com natureza constitutiva, e esta não suspende o cumprimento da sentença transitada em julgado atacada, bem como não está sujeita a nenhum efeito devolutivo, e por ser ação nova esta exige fundamentação diversa da sentença, segundo Santos (2006, p. 738-739).

Siqueira apud Pontes de Miranda diz: “[...] é um remédio jurídico processual

autônomo, que tem por objeto a própria sentença rescindenda” (2006, p. 146) Quanto ao cabimento, o Supremo Tribunal Federal em sua súmula 514 “admite-

se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos” (Brasil, 2010), ou seja, se houver o trânsito em julgado, mesmo que não se tenha exaurido todos os recursos cabíveis, esta pode ser passível de ação rescisória. (DINIZ, 2009, p. 2000)

Portanto, a sentença material transitada em julgado é passível de ação rescisória

desde que enquadre de forma fundamentada nas hipóteses taxativas do artigo 485 da lei processual, observando de forma rigorosa a legislação, bem como os pressupostos processuais.

A Ação Rescisória exige alguns pressupostos para a sua propositura e Marques aponta os seguintes: [...] a) existência de sentença de mérito passada em julgado; b) a possibilidade de ser invocada uma das causas de anulação de tal sentença, previstas no artigo 485 do Código de Processo Civil; c) não ter havido a decadência do prazo bienal previsto no artigo 495 do CPC. (2000, p. 410- 411)

Didier também cita os mesmos pressupostos: “[...] a) uma decisão de mérito

transitada em julgado; b) a configuração de um dos fundamentos de rescindibilidade, arrolados no art. 485 do CPC e c) o prazo decadencial de dois anos.” (2010, p. 360)

Marques, ainda, menciona as hipóteses que não incidirão a ação rescisória,

quais sejam: 1- as decisões que não fazem coisa julgada material (ex: as proferidas em medidas cautelares); 2- as sentenças e acórdãos que resolvem ou decidem relações jurídicas continuadas; 3- as sentenças meramente homologatórias contida no artigo 486 do Código de Processo Civil; 4- se ainda estiver sujeita à interposição de algum recurso, vez que não a coisa julgada material. (2000, p. 411)

A rescisória exige que se alegue ou demonstre a ocorrência de uma das hipóteses

do artigo 485 do Código de Processo Civil, sendo este taxativo. (DIDIER, 2010, p. 360)

Além dos pressupostos exigidos e o enquadramento nas hipóteses de rescindibilidade, a ação rescisória deve observar o prazo legal para a sua propositura, e este se encontra expresso no artigo 495 do Código de Processo Civil: “O direito de propor ação rescisória se extingue em 02 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão.” (BRASIL, 2010)

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Salienta que o trânsito em julgado ocorre após a sentença não ser mais sujeita a

qualquer tipo de recurso. Ainda sobre o prazo da rescisória, Santos lembra que este é decadencial, não se

sujeitando à interrupção ou suspensão em nenhuma hipótese e após os dois anos, se esta não tiver sido proposta, equipará a direito inexistente. (2006, p. 740).

Marques segue o mesmo raciocínio e acrescenta que é decadencial em face da

natureza da ação que, como já mencionado, é constitutiva. (2000, p. 418). Segundo Didier, o prazo da rescisória, previsto no artigo 495 do Código de

Processo Civil, é igual para todos inclusive para a Fazenda Pública. (2010, p. 377). É pacificado, portanto, que o prazo para proposição da ação rescisória é de 02

anos, em face do artigo 495 do Código Processual Civil, e esse prazo corre de forma comum para todos os interessados.

Observado o prazo processual, passa-se, então, à análise da competência para a propositura da ação rescisória, que, segundo Santos, é dos tribunais, por se encontrar no título que trata dos processos nos tribunais dentro do Código de Processo Civil. (2006, p. 754). O mesmo Autor salienta que será do Supremo Tribunal Federal, quando a rescisória for de seus julgados, em caso de competência originária e por fim quando este for competente de conhecer o recurso ordinário.

Assim como compete ao Supremo Tribunal Federal, o julgamento da ação

rescisória competirá aos tribunais superiores nos casos de serem de seus julgados, aplicando-se ao recurso especial os mesmos princípios do extraordinário. (SANTOS, 2006, p. 754)

Os Tribunais Regionais Federais julgarão as rescisórias do próprio tribunal ou

juiz federal, quanto aos tribunais Estaduais da mesma forma julgarão as rescisórias de seus julgados. (SANTOS, 2006, p. 754)

A Constituição Federal de 1988 estipula as competências da seguinte maneira:

art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: [...] j) a revisão criminal e a ação rescisória de seus julgados; [...] Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça: I - processar e julgar, originariamente: [...] e) as revisões criminais e as ações rescisórias de seus julgados; [...] Art. 108. Compete aos Tribunais Regionais Federais: I - processar e julgar, originariamente: [...] b) as revisões criminais e as ações rescisórias de julgados seus ou dos juízes federais da região; [...] Art. 125. Os Estados organizarão sua Justiça, observados os princípios estabelecidos nesta Constituição.

§ 1º - A competência dos tribunais será definida na Constituição do Estado,

sendo a lei de organização judiciária de iniciativa do Tribunal de Justiça. (BRASIL, 2010)

Didier, em face da competência, faz a seguinte observação: [...] Compete ao

Supremo Tribunal Federal processar e julgar as ações rescisórias de seus próprios

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julgados (CF/88, art. 102, I, j). Ao Superior Tribunal de Justiça cabe processar e julgar as ações rescisórias de seus julgados (CF/88, art. 105, I, e). Já os Tribunais Regionais Federais processam e julgam, originariamente, as ações rescisórias de seus próprios julgados (CF/88, art. 108, I, b). Quanto aos tribunais estaduais, também detêm tal competência originária para processar e julgar as ações rescisórias de seus próprios julgados, estando, normalmente, tal competência definida na Constituição Estadual (CF/88, art. 125, § 1º). (2010, p. 372)

Portanto, não se inova a competência, vez que esta é trazida pela lei processual e

constitucional, não podendo fugir de forma arbitraria das estipulações legais. A legitimidade é um dos requisitos mais importantes a ser observados para a

propositura de qualquer ação, por se tratar de uma das condições da ação, e sem legitimidade não há como propor a ação.

A propositura da ação rescisória, portanto, compete a quem foi parte na ação,

cuja sentença está sendo objeto da rescisória, bem como os terceiros prejudicados ainda que não tenham intervindo na ação, bem como o sucessor a título universal, e ao Ministério Público. (MARQUES, 2000, p. 429-430 e SANTOS, 2006, p. 755)

Tais hipóteses veem expressas no artigo 487 do Código de Processo Civil a

seguir transcrito: art. 487. Tem legitimidade para propor a ação: I - quem foi parte no processo ou o seu sucessor a título universal ou singular; II - o terceiro juridicamente interessado; III - o Ministério Público: a) se não foi ouvido no processo, em que lhe era obrigatória a intervenção; b) quando a sentença é o efeito de colusão das partes, a fim de fraudar a lei. (BRASIL, 2010)

Quanto à legitimidade do Ministério Público, Santos observa: “O Ministério

Público também é legitimado para promover à rescisória quando for parte no processo da sentença rescindenda, já que a legitimação que lhe dá para determinado pedido é a mesma que o permite pleitear a rescisão.” (2006, p. 758)

A legitimidade passiva da ação rescisória é em desfavor de quem foi proferida a

sentença transitada em julgado, bem como em desfavor de seu sucessor a título universal ou singular. (MARQUES, 2000, p. 430).

A petição inicial da ação rescisória observa os requisitos do artigo 282 da lei processual, conforme estipula o artigo 488 da mesma lei, com os seguintes requisitos: art. 282. A petição inicial indicará: I - o juiz ou tribunal, a que é dirigida; II - os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu; III - o fato e os fundamentos jurídicos do pedido; IV - o pedido, com as suas especificações; V - o valor da causa; VI - as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados; VII - o requerimento para a citação do réu.

Segundo Pontes de Miranda: a petição inicial, na ação rescisória, tem de indicar

ao juiz ou tribunal a quem é dirigida, os nomes, prenomes, estado civil, profissão, domicílio e residência do autor e do réu (ou dos autores e dos réus, se há pluralidade de partes), o fato e os fundamentos jurídicos do pedido rescindente e, se é o caso, do pedido rescisório, o pedido ou os pedidos, com as suas especificações, o

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valor da causa, as provas com que o autor pretende (ou os autores pretendem) demonstrar a verdade dos fatos alegados (Código de Processo Civil, art. 282, I-VII). (1998, p. 479)

Nos fatos e fundamentos, segundo Santos, devem conter a causa de pedir, além

de relatar não só a sentença a ser rescindida com seus fundamentos como também o motivo ou motivos elencados no artigo 485 da legislação processual civil. (2006, p. 759)

O pedido obviamente deve ser o de rescisão da sentença atacada, vez que este é

o objetivo da presente ação desconsiderar a coisa julgada. (SANTOS, 2006, p. 759) Marques ainda observa que além dos requisitos do artigo 282 a petição exige:

[...] a) – cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa; b) – depositar a importância de 5% (cinco por cento) sobre o valor da causa, a título de multa, caso a ação seja, por unanimidade de votos, declarada inadmissível, ou improcedente. Essa exigência não se aplica à União, ao Estado, ao Município e ao Ministério Público (art. 488). (2000, p. 431)

No ato do protocolo da rescisória, ou antes do despacho de deferimento, o Autor

deve proceder o depósito dos 5% do valor da causa mencionados no artigo 488, III da lei processual. Este tem natureza de multa no caso do pedido ser indeferido por unanimidade (SANTOS, 2006, p. 760).

Segundo Marques, a falta do depósito ocasiona indeferimento da inicial nos

termos do artigo 295. E são isentos a União, Estados e Municípios bem como os beneficiários da Assistência Judiciária. (2000, p. 431)

Pontes de Miranda ainda observa que “A petição inicial tem de ser instruída com

os documentos indispensáveis à propositura da ação (art. 283)”. (1998, p. 479) Findada a instrução, abre-se vistas para as razões finais e em seguida procede-se

o julgamento nos termos do artigo 493 do Código de Processo Civil Brasileiro.

As hipóteses de cabimento da Ação Rescisórias veem de forma taxativa no artigo 485 do Código de Processo Civil, sendo estas: “I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;” (BRASIL, 2010)

Outra hipótese está no inciso II: “[...] proferida por juiz impedido ou

absolutamente incompetente.” (BRASIL, 2010) Em face deste, Didier: enquanto o impedimento é um vício do juiz, a

incompetência é um vício do juízo. A exemplo da imparcialidade, a competência também constitui um pressuposto processual de validade. A falta de competência acarreta invalidade do processo, cabendo ação rescisória. (2010, p. 390)

O inciso traz “III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte

vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;” (BRASIL, 2010)

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Nery Júnior faz o seguinte apontamento: trata-se da exteriorização da preocupação que o Código teve em reprimir a má -fé no processo, manifestado aqui pelo dolo da parte vencedora. Consiste esse dolo no ato praticado pela parte vencedora do processo, em ardis praticados intencionalmente e contrários ao dever de lealdade e boa-fé, modalidade de condutas essas que são encontradas no art. 17 do CPC, e que levam o juiz a proferir sentença de mérito que transita em julgado em total desconformidade com a verdade. (2000, p. 841)

Já o inciso “IV - ofender a coisa julgada.” (BRASIL, 2010) Para Pontes de Miranda (1998, p. 250): [...] a coisa é material ou formal:

concerne a outra ação cuja sentença transitada em julgado, e não mais poderia qualquer juiz decidir sobre o mesmo assunto. O juiz não mais pode julgar o que foi julgado, quer para dar a mesma solução, quer para dar outra. O que, noutro processo, se pode dizer é que a questão já fora julgada por outro processo.

O inciso traz: “V - violar literal disposição de lei.” (BRASIL, 2010) Nery Júnior menciona que o sentido desta hipótese deve ser entendida de forma

ampla, tanto para lei material como para a lei processual. (2000, p. 842) Didier faz o seguinte apontamento: [...] a violação de qualquer norma jurídica

possibilita o ingresso da ação rescisória, com vistas a desconstituir a sentença de mérito transitada em julgado. No particular, cumpre anotar que, contrariamente ao que sucede com os recursos extraordinário e especial, a propositura da ação rescisória por violação a literal disposição de lei não exige o chamado prequestionamento, ou seja, não é necessário que a norma tenha sido expressa ou implicitamente referida na decisão rescindenda. (2010, p. 397).

Já inciso “VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em

processo criminal, ou seja, provada na própria ação rescisória;” (BRASIL, 2010) Segundo Talamini: “versa sobre a falsidade de toda e qualquer espécie

probatória. Não há o que autorize restringi-la à falsidade documental.” (2005, p. 173) No inciso VII, traz: “VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo,

cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de assegurar-lhe pronunciamento favorável.” (BRASIL, 2010)

Esta ocorre quando a sentença que já tiver transitado em julgado, e o autor

obtiver documento novo que não tinha conhecimento antes da sentença por ignorá-lo ou de que não pôde fazer uso, sendo tal prova capaz de assegurar pronunciamento favorável. (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 329)

Outra hipótese está no inciso: “VIII - houver fundamento para invalidar

confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença.” (BRASIL, 2010)

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Se a sentença proferida fora baseada na confissão, desistência ou transação, em qualquer desta pode haver fundamento para alegar e provar a invalidade que enseja a proposição da ação rescisória. (PONTES DE MIRANDA, 1998, p. 333)

Por fim, o inciso “IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de

documentos da causa.” (BRASIL, 2010) Talamini, em face desta hipótese, observa que não é permitida a pura e simples

reavaliação da prova mesmo que tenha sido errada, portanto este deve ser diretamente verificável, manifesto e evidente com simples exame dos autos. (2005, p. 189)

A ação rescisória é apontada de forma direta como o meio legal para a rescisão

da coisa julgada, entretanto esta possui um rol taxativo no que diz respeito às hipóteses de cabimento, cuja proposição deve ocorrer dentro do prazo decadencial de 02 (dois) anos. E este instituto foi criado para corrigir os vícios graves constantes nas sentenças que já sofreram em tese o trânsito em julgado.

Como já mencionado, o rol é taxativo, o que restringe as hipóteses de cabimento

da rescisória, inviabilizando a rescisão da coisa julgada em determinados casos, como no caso das sentenças inexistentes, que serão passíveis de serem atacadas por meio da querela nulitatis. 4.1 Querela nulitatis

A ausência de pressupostos processuais de existência que afeta o ato sentencial implica em sua inexistência e nestes casos, segundo Medina (2009, p. 253), “o caminho mais apropriado para atacar-se uma decisão que, assim proferida, aparentemente transitou em julgado, é o da querela nullitatis insanabis”.

Wambier (2003, p. 210) afirma que a querela nulitatis é uma criação tipíca do

direito canônico, e Talamini (2006, p. 224) aponta que a querela é uma das importantes contribuições do direito canônico juntamente com as nulidades da sentença.

Didier traz que: no direito processual civil brasileiro, há, porém, duas hipóteses

em que uma decisão judicial existente pode ser invalidada após o prazo da ação rescisória. É o caso da decisão proferida em desfavor do réu, em processo que ocorreu à sua revelia, quer porque não fora citado, quer porque o fora de maneira defeituosa (art. 475-L, I e art. 741, I, CPC). Nesses casos a decisão judicial esta contaminada por vícios transrescisórios. O meio de impugnação previsto para tais decisões é a ação de nulidade denominada querela nulitatis, que se distingue da ação rescisória não só pelas hipóteses de cabimento, mais restrita, como também por ser imprescritível e dever ser proposta perante o juízo que proferiu a decisão (e não é necessariamente em tribunal, como é o caso da ação rescisória). Ambas porém constitutivas. (2010, p. 451) (grifo do autor)

As sentenças inexistentes, segundo Talamini: [...] “sentença inexistente” é

adequada para designar: (i) o “ato” (com aparência de sentença) que não se reveste do

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núcleo essencial do conceito de sentença ou, ainda, (ii) o “ato” praticado em “procedimento” aos quais faltam os atributos mínimos para que possa ser conceituado no processo. Vale dizer, o fenômeno da inexistência da sentença pode ocorrer tanto dentro de um processo existente, com o advento de um arremedo de sentença ao qual falte o elemento mínimo para que seja conceituado como tal, quanto pode derivar da própria falta de um pressuposto de existência do processo. (2005, p. 309)

Wambier (2006, p. 212) menciona que a principal diferença de função

entre as sentenças nulas e as sentenças inexistentes, que a nula para ser desconstituída é por meio da ação rescisória e as inexistentes são declaradas a qualquer tempo, ou seja, não fica sob o julgo do prazo decadencial de dois anos, vez que, segundo Medina, “está-se diante de pronunciamento judicial que não transita em julgado.” (2009, p. 253).

Pontes de Miranda afirma que: a sentença transitou em julgado, há sentença, que

existe, vale e é eficaz, de modo que não há ação rescisória de sentença que não existe, do decisum que não é sentença. Se, a despeito de existir a sentença, é tida como nula, não se precisa da propositura da ação rescisória: a rescindibilidade pode existir, mas perdura a nulidade, que dá ensejo, por exemplo, à querela da nulidade inserta nos embargos do devedor (cf. Código de Processo Civil, art. 741, I). (1998, p. 180)

Pontes de Miranda menciona ainda que: a actio nullitatis, isto é, a demanda

de nulidade per viam principaliter petitions, pôde ser proposta perante o juiz da sentença, já no século XVI. Foi-se-lhe o efeito suspensivo; depois, o próprio efeito devolutivo. (1998, p. 82)

A actio nullitatis também é observada por Talamini da seguinte forma: a actio

nullitatis destina-se à constatação da inexistência da sentença. É exercitável “a qualquer tempo”, pois, sendo precipuamente declaratória, não está sujeita a prazos de prescrição ou decadência. Estão legitimados a formulá-la tanto o vencido quanto o vencedor, cujo interesse pode residir na eliminação da incerteza criada pela aparência de sentença. (2005, p. 368)

Sobre a inexistência, Siqueira apud Aragão traz o seguinte apontamento: a

inexistência jurídica do ato representa o vício mais grave que há no Direito, vindo, logo depois, a sua nulidade absoluta. Este último, no ramo processual, produz seus efeitos normais até que seja invalidado e, salvo exceções, reputa-se convalidado pelo trânsito em julgado da sentença, especialmente quando há o escoamento do prazo para a ação rescisória. Já o ato inexistente não produz efeitos em tempo algum (não existe, por isso não chega a valer). (2006, p. 205)

As sentenças juridicamente inexistentes padecem de um grave defeito intrínseco

que as desfiguram como sentença, comprometendo sua natureza e ato essencial. (NERY JÚNIOR, 2005, p. 742)

Nery Júnior ainda apontam que: [...] estas sentenças não têm aptidão para

transitar em julgado e não devem ser objeto de ação rescisória, já que não está presente o primeiro dos pressupostos de cabimento daquela ação: sentença de mérito

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transitada em julgado. Em nosso entender, pode-se pretender, em juízo, a declaração no sentido de que aquele ato se consubstancia em sentença juridicamente inexistente por meio de ação de rito ordinário, cuja propositura não se sujeita a limitação temporal. (2005, p. 742) (grifo do autor)

Conforme Talamini,“o dispositivo é o cerne da sentença. É o aspecto que

confere identidade ao pronunciamento, que permite configurá-lo como sentença.” (2005, p. 309)

No mesmo sentido, Dinamarco elenca que é inexistente a sentença desprovida de

dispositivo, pois é neste que a tutela jurisdicional reside. (2004, p. 682) A sentença inexistente, segundo Dinamarco “[...] quando incapaz, por si própria

de produzir os efeitos programados”, elencando ainda que esta não seja suscetível a imunização da coisa julgada material. (2004, p. 682) (grifo do autor)

Nas sentenças ultra e extra petita, não há liame entre o pedido com a tutela

dispensada sobre a lide, deixando-a sem pronunciamento jurisdicional. Portanto, trata-se de uma sentença inexistente, vez que, segundo Talamini, nestas “não existe pronunciamento jurisdicional em relação ao objeto (ou a parte do objeto) processual sobre o qual o juiz indevidamente deixou de pronunciar.” (2004, p. 350)

Siqueira afirma: o ato decisório, embora nulo, existe porque praticado onde,

quando, como e por quem deveria ter sido praticado, dentro de uma estrutura processual constituída (ainda que irregularmente). Pode ser impugnado em ação rescisória, em embargos à execução e através da querela nullitatis. (2006, p. 207) (grifo do autor)

Talamini observa que: a ação rescisória é o remédio típico para a desconstituição

da sentença revestida de coisa julgada material. As decisões que não sejam acobertadas por tal autoridade estão conseqüentemente, alheias ao campo de incidência da ação rescisória. Nessa perspectiva, a admissibilidade da rescisória pressupõe uma decisão que faça coisa julgada material. (2005, p. 364)

A querela, segundo Didier, “pode assumir a feição de outro procedimento,

distinto dos embargos à execução”. (2010, p. 453) 4.1.1 Competência e procedimento

A competência da querela nulitatis é originária, segundo Talamini (2005, p. 371), Siqueira (2006, p.204), Didier (2010, p. 455), ou seja, é propostas no juízo de primeiro grau, não exigindo a propositura em juízo de grau superior, entretanto, ressalva-se os casos de competência originária dos tribunais.

Em sendo faltosas as regras expressas de processamento, aplicam-se as regras

gerais. (TALAMINI, 2005, p. 371)

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4.1.2 A querela nulitatis como forma de relativização da coisa julgada de sentença extra e ultra petita.

A lide recebe a tutela jurisdicional por meio das sentenças de mérito, que devem obrigatoriamente preencher os requisitos de formação enumerados pela legislação processual, quais sejam: relatório; fundamento de fato e de direito; e o dispositivo, conforme o preconizado pelo artigo 458 do Código de Processo Civil.

Pode a coisa julgada ser de mérito, por resolver a lide, ou formal quando não

resolver o mérito, o que não evitará a propositura de uma nova ação com as mesmas partes, causa de pedir e pedido.

A incidência da coisa julgada no processo não garante que os

defeitos/ilegalidades deste sejam sanados, pois essa não é instrumento de justiça. Além do que, a autoridade que dispensa a tutela jurisdicional está sujeita a erros, o que pode gerar sentenças nulas, ineficazes e inexistentes, como ocorre no caso das sentenças ultra e extra petita. Essas sentenças viciadas são passíveis de serem atacadas pelos remédios competentes, rescindindo a coisa julgada.

Como a tutela jurisdicional não está imune a erros e vícios, e o princípio

da legalidade visa justamente combatê-los, juntamente com as arbitrariedades que podem surgir desses erros. Assim, garante que ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal mesmo que oriunda de autoridade judicial, possibilitando desta forma a oposição contra essa mesma, ao proibir a violação da lei.

Apesar de a coisa julgada ser de ordem pública e de trazer segurança jurídica,

não garante de justiça e legalidade o julgado, como já demonstrado. Não evita que determinados julgados venham possuir ilegalidades e gravidades de tamanha proporção que viabilizaria a sua desconstituição, assim relativizando a coisa julgada, por meio de uma ação autônoma, que ataca a sentença transitada em julgado, buscando sua rescindibilidade.

Em face de tal situação a própria lei processual trouxe a ação rescisória como

meio de refutar determinadas ilegalidades que viciam as sentenças de mérito, tanto a doutrina como a jurisprudência vêm reconhecendo outro meio de rebater tal ilegalidade, qual seja a querela nulitatis. Deste modo, estes meios se apresentam como forma de freios e contra pesos em face da ilegalidade.

No caso da ação rescisória, disciplinada pelo Código de Processo Civil

Brasileiro, a partir do artigo 485, por sua vez possui as hipóteses de relativização de forma taxativa, deste modo, não admitindo sua flexibilização.

Tais hipóteses, não abordam as sentenças inexistentes, como é o caso das

sentenças ultra e extra petita, que ocorrem quando a lide tem seu mérito analisado pela autoridade judicial que dispensa uma tutela jurisdicional diversa do pedido contido na inicial, indo contra o texto do artigo 128 da lei processual. Tem função precípua de delimitar os limites da prestação jurisdicional, fazendo como que

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o dispositivo inexista, tanto por falta de requisitos de direito material, como por falta de requisitos de direito processual.

Portanto, nestes casos de inexistência ocorre uma afronta direta ao

princípio da legalidade, sendo que, dentro do ordenamento jurídico, sua inexistência no meio jurídico afigura-se como um dos vícios mais graves.

A inexistência é tão grave que não permite que tais sentenças transitem

em julgado, conforme o elucidado neste trabalho, vez que a coisa julgada não incide e não corrige os mesmo.

Se os efeitos da coisa julgada não incidem sobre estes, consequentemente,

a segurança jurídica também não incidirá. Tal defeito não preclui em tempo algum, vez que não produzirá efeitos, não sendo cabível nesta situação a ação rescisória, porque o defeito por ela atacado, é passível de preclusão em 02 (dois) anos, portanto, aplica-se a querela nulitatis, pois seu prazo não precluir.

Ensejando a relativização de um ato jurídico que foi praticado dentro de

um processo válido, por uma autoridade competente, porém de forma viciada, prejudica sua existência, bem como a aplicação de um remédio jurídico para desconsiderá-la, qual seja a querela nulitatis. Conclui-se que a coisa julgada em sentenças ultra e extra petita não só podem como devem ter sua “coisa julgada” relativizada pela querela nulitatis. CONCLUSÃO

Diante de todo o estudo discorrido, foi possível visualizar a relevância dos efeitos que as sentenças produzem e a imunização que a coisa julgada traz em todos os seus aspectos de validade e elaboração no Estado de Direito.

A importância desses efeitos reflete diretamente na sociedade que necessita de

segurança, justiça e legalidade. Entretanto, o fato da tutela jurisdicional recair sobre uma lide não exclui a possibilidade dela conter vícios anuláveis, nulos e inexistentes, pois os operadores da tutela jurisdicional são seres humanos passíveis de erros.

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A PROTEÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL POR MEIO DO TOMBAMENTO

Discente - CLÁUDIA MARIA MARCUZZO Professor – SÍLVIO LACERDA DE OLIVEIRA

RESUMO: A presente pesquisa teve por objetivo o estudo do tombamento nas esferas federal, estadual e municipal, dando um maior enfoque ao procedimento do tombamento municipal. A questão maior tratada neste estudo foi a respeito da natureza jurídica do tombamento em todas as esferas, federal, estadual e municipal, decorre-se de ato de servidão administrativa ou de limitação administrativa ou de ato administrativo próprio ou misto por não se enquadrar em nenhum dos anteriores. A discussão doutrinária tratou justamente disso. O rito processual também foi observado e no item dois todas as particularidades do procedimento foram abordadas, inclusive no que diz respeito à gravidade da intervenção do Estado na propriedade privada por meio da desapropriação. Ao final, foi abordado o tombamento na cidade de Jataí com base no resultado da pesquisa de campo realizada junto ao assessor da Secretaria de Cultura de Jataí - GO. Palavras chave: tombamento; desapropriação indireta; desapropriação direta; indenização; propriedade; propriedade privada; poder público. INTRODUÇÃO

O tombamento é forma de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, considerado pela Constituição Federal, podendo atingir qualquer bem de natureza, móveis ou imóveis, públicos ou privados. Nos termos do artigo 1º do Decreto- lei nº 25/37, são sujeitos de tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importem conservar e proteger, que tenham sido dotados pela natureza ou agenciados pela indústria humana.

No artigo 5º da referida Carta Magna, nota-se a preocupação da proteção do

patrimônio histórico e artístico nacional. O tombamento é um ato administrativo realizado pelo Poder Público, nos níveis

federal, estadual ou municipal. Os tombamentos federais são da responsabilidade do IPHAN e começam pelo pedido de abertura do processo, por iniciativa de qualquer cidadão ou instituição pública. Tem como objetivo preservar bens de valor histórico, cultural, arquitetônico, ambiental e também de valor afetivo para a população, impedindo a destruição e/ou de tais bens.

Pode ser aplicado aos bens móveis e imóveis, de interesse cultural ou ambiental.

É o caso de fotografias, livros, mobiliários, utensílios, obras de arte, edifícios, ruas, praças, cidades, regiões, florestas, cascatas etc. Somente é aplicado aos bens materiais de interesse para a preservação da memória coletiva.

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Na primeira parte será tratando o conceito do tombamento, sobre a natureza jurídica do referido instituto, dever de indenizar e as três correntes divergentes de doutrinadores.

A segunda etapa desse estudo será dedicada às espécies de tombamento e

processo tombamento no âmbito federal, estadual e municipal. Na parte final do trabalho será analisado o processo de tombamento no

município, na realidade de Jataí.

1. O TOMBAMENTO E A VISÃO DA PROPRIEDADE

No Brasil, é garantido o direito à propriedade, inclusive uma garantia Constitucional, mas, a este direito se impõe o interesse da coletividade ou seja, para que o proprietário mantenha a propriedade, é condicionado o cumprimento de certos requisitos constitucionais: de acordo com os incisos XXII e XXIII do artigo 5º da Constituição Federal de 1988: “XXII – é garantido o direito de propriedade”; “XXIII – a propriedade atenderá sua função social.” Da mesma forma que assegurada nos artigos 170 e seus incisos II e III da mesma norma.

Estes incisos estabelecem que a ordem econômica, fundada na valorização do

trabalho humano e na livre iniciativa, que tem por fim assegurar a existência digna, conforme ditames da justiça social, ditadas nos princípios: propriedade privada e na função social da propriedade.

Sob a luz da Constituição, o conceito de propriedade não é mais absoluto e sim,

relativo, na medida em que o Poder Público pode determinar obrigações de fazer ao proprietário é também obrigações de não fazer e aplicar penas devido a não utilização ou ao uso indevido do bem.

No entendimento de Alexandre de Moraes “toda pessoa, física ou jurídica, tem

direito à propriedade, podendo o ordenamento jurídico estabelecer suas modalidades de aquisição, perda, uso e limite.”Acrescenta ainda que: o direito de propriedade, constitucionalmente consagrado, garante que dela ninguém poderá ser privado arbitrariamente, pois somente a necessidade ou utilidade pública ou interesse social permitiram a desapropriação.

Conceituando tombamento, é a declaração pelo Poder Público do valor histórico, artístico, paisagístico, turístico, cultural que, por essa razão, devam ser preservados, como forma de proteção ao patrimônio público, está expressamente previsto na Constituição Federal, em seu artigo 216, uma vez que a utilização da propriedade pelo titular, “o proprietário”, do direito, está voltado para o interesse público.

De acordo com o artigo 1º, § 1 do Decreto-Lei n. 25/37, tombar significa

inscrever no Livro do Tombo, que, por sua vez, indica a existência nas repartições

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competentes de um registro pormenorizado do bem que se pretende preservar, mediante a custódia do Poder Público.

Nesse sentido, o tombamento consiste em um ato administrativo pelo qual o

Poder Público declara o valor cultural de coisas móveis e imóveis, inscrevendo no respectivo Livro do Tombo e é sujeito a normas que impõem de forma especial limitações ao exercício de propriedade com a finalidade de preservá-las.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o tombamento é uma restrição parcial

conforme explicação a seguir: o tombamento é sempre uma restrição parcial, não impedindo ao particular o exercício dos direitos inerentes ao domínio; pois mesmo, não dá, em regra, direito á indenização; para fazer jus a uma compensação pecuniária, o proprietário deverá demonstrar que realmente sofreu algum prejuízo em decorrência do tombamento. O tombamento pode ser definido como procedimento administrativo pelo qual o Poder Público sujeita a restrições parciais os bens de qualquer natureza cuja conservação seja de interesse público. 1.1 Proteção ao patrimônio cultural

Todo tombamento deriva de manifestação expressa da vontade do poder público, porque ele é responsável pela proteção do patrimônio cultural brasileiro e pela intervenção na propriedade privada por força do mandamento constitucional inserto no artigo 216 da Constituição Federal.

De acordo com o artigo 216, § 1º da Constituição Federal - § 1º. O Poder

Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventário, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação.

Seus efeitos estabelecem que o Poder Público promoverá e protegerá o

patrimônio cultural brasileiro mediante inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação.

De acordo com Alexandre de Moraes, o artigo 216 da Carta Magna define o

patrimônio cultural brasileiro como bens de natureza material e imaterial, que podem ser tombados individualmente e coletivamente, portadores de referência à identidade, à ação, e à memória das diferentes comunidades precursoras da sociedade brasileira.

Acrescenta ainda que o Poder Público pode promover e proteger o

patrimônio cultural brasileiro através de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, além de outras formas de acautelamento e preservação.

Posicionamento semelhante possui o Superior Tribunal de Justiça na seguinte

jurisprudência: tombamento - conceito de bem vinculado a fatos memoráveis da história da pátria e de excepcional valor artístico. Nulidade, no caso, caracterizada. I – O tombamento e a desapropriação são meios de proteção do patrimônio cultural brasileiro, consistente em atos administrativos que traduzem a atuação do Poder Público

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mediante a imposição de simples restrição ao direito de propriedade ou pela decretação da própria perda desse direito. O tombamento localiza-se no início de uma escala de limitações em que desapropriação ocupa o ponto extremo. II – As restrições ou limitações ao direito de propriedade, tendo em conta a sua feição social, entre as quais se insere o tombamento, decorre do poder de polícia inerente ao Estado, que há de ser exercitado com estrita observância ao princípio da legalidade e sujeição ao controle do Poder Judiciário. Cabe a este dizer, à vista do caso concreto, trata-se de simples limitação administrativa ou de interdição ou supressão ao direito de propriedade, hipótese esta que só pode ser alcançada por meio de desapropriação.

Ainda com relação à preservação do patrimônio histórico e cultural, o

doutrinador Lucas Rocha Furtado ensina que o texto constitucional traz em seu bojo, além do artigo 216, outros dispositivos legais que tratam do tombamento, assim: artigo 5º, LXXIII, que confere legitimidade na qualquer cidadão para a propositura de ação popular que vise ato lesivo ao patrimônio histórico e cultural; artigo 23, II, que confere competência administrativa comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para proteger (...) outros bens de valor histórico, artístico e cultural, monumentos; artigo 24, VII, que confere competência concorrente à União e aos Estados e ao

Distrito Federal para legislar sobre proteção ao patrimônio histórico,

cultural, artístico, turístico e paisagístico. Artigo 30, IX, que define como competência dos Municípios o dever de

promover a proteção do patrimônio cultural e local, observada a legislação e ação fiscalizadora federal e estadual.

Artigo 129, III, que admite a propositura de ação civil pública para a preservação

do patrimônio artístico cultural. 1.2 Natureza jurídica

Há muito que se falar a respeito da natureza jurídica do tombamento, porque existe uma forte divergência doutrinária que se resume em três correntes que consideram a finalidade de proteção ao patrimônio cultural e à relação entre administração pública e o proprietário endereçado, público ou particular, do tombamento.

A primeira corrente doutrinária considera o tombamento uma servidão administrativa, é representada por Celso Antonio Bandeira de Mello.

A segunda corrente considera o tombamento uma limitação administrativa, que é

defendida por Hely Lopes Meirelles, sendo minoritária. A terceira, defendida por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, José dos Santos

Carvalho Filho e Edmir Neto de Araújo, dentre outros, considera o tombamento um

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instituto dotado de natureza jurídica própria: nem servidão e nem limitação administrativa.

Servidão ou não, a doutrina converge que final das contas, o tombamento é um

ato declaratório, já que declara um bem de valor cultural e constitutivo, uma vez que altera o seu regime jurídico.

Tombamento é forma de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem

objetivo a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional, assim considerado, pela legislação ordinária, o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil. O vocábulo tombamento, do direito brasileiro seguiu a tradição do direito português, que utiliza a palavra tombar no sentido de registrar, inventariar, inscrever nos arquivos do Reino, guardados na Torre do Tombo. 1.2.1 Primeira corrente

Para a primeira corrente, isoladamente, o doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello entende que o tombamento constitui na modalidade servidão administrativa, porque ao contrário da limitação geral, incide sobre imóvel determinado, causando ao proprietário ônus maior do que aos demais membros da coletividade.

Servidão administrativa consiste em direito real de gozo, de natureza pública,

instituído sobre imóvel de propriedade alheia, com base em lei, por entidade pública ou por seus delegados, em favor de um serviço ou de um bem afetado a fim de utilidade pública.

Para Celso Antonio Bandeira de Mello, sempre que seja necessário um ato

específico de Administração impondo um gravame, por conseguinte, criando uma situação nova, atingiu-se o próprio direito e, pois, a hipótese é de servidão.

1.2.2 Segunda corrente

Para Hely Lopes Meirelles, sozinho na segunda corrente, o tombamento tem que ser efetivado observando-se o atendimento das imposições legais e regulamentares para que a restrição ao exercício do direito de propriedade esteja integrada ao devido processo legal, durante a sua formalização. Falando em restrição, define a natureza jurídica do tombamento como limitação, conforme exemplifica abaixo: o tombamento pode acarretar tanto uma restrição individual quanto uma limitação geral. É restrição individual quando atinge determinado bem – uma casa, por exemplo, reduzindo o direito do proprietário ou impondo encargos é limitação geral quando abrange uma coletividade, obrigando-a a respeitar padrões urbanísticos ou arquitetônicos, como ocorre com o tombamento de locais históricos ou paisagísticos. 1.2.3 Terceira corrente

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Na terceira corrente de juristas, em que figuram Maria Sylvia Zanella Di Pietro, tem comum a limitação administrativa o fato de ser imposto em benefício do interesse público.

Conforme entendimento de Edmir Neto de Araújo, o tombamento não possui

natureza de servidão, porque falta realização dominante–dominada, difere da desapropriação porque não tem finalidade de subtrair a propriedade do expropriado, e não pode ser limitação administrativa porque individualiza a coisa tombada.

Assim ensina que: ... merece o tombamento qualificação autônoma na ciência

do Direito, como conjunto de restrições parciais que, fundamentadas na Constituição Federal, leis e regulamentos, o Poder Público impõe à propriedade particular (ou pública), móvel ou imóvel, mediante o devido procedimento legal, que culmina com ato administrativo objetivando a proteção, conservação e preservação de bens que passam dessa forma, pela inscrição no respectivo “Livro de Tombo”, a integrar o patrimônio cultural da respectiva coletividade.

Conforme pensamento de Lucas Rocha Furtado, é impossível qualificar a

intervenção estatal no tombamento como servidão ou como limitação administrativa. Para referido autor: o tombamento afeta bens individualizados, aspecto que

muito o aproximaria das servidões. Destas se afasta, todavia, em razão da natureza das obrigações que impõem ao proprietário do bem. A servidão administrativa gera para o proprietário o dever de suportar a instituição de um ônus real sobre imóvel, o que não se verifica com o tombamento. Neste, ao contrario, são impostas obrigações de fazer e de não fazer, sendo meramente acessórias as obrigações de suportar imputadas ao proprietário.

Em razão da imposição de obrigações de não fazer, poder-se-ia argumentar que

se trata de limitação. A instituição da limitação, todavia, decorre diretamente da lei e independe de ato administrativo para o seu aperfeiçoamento.

Diversa é a situação do tombamento, cujo aperfeiçoamento sempre requer a

adoção de atos administrativos de execução, sendo totalmente descabido falar-se em tombamento decorrente diretamente de lei. Esta regula os tramites a serem observados pelo poder público necessários ao tombamento, mas a efetividade desde sempre requer a prática de ato administrativo.

É, de fato, impossível enquadrar o tombamento dentro de qualquer outro

instituto pertinente à intervenção do Estado na propriedade privada. A conclusão a que se chega é no sentido de que se trata de instituto dotado de

natureza jurídica própria, distinto das demais formas de intervenção na propriedade privada.

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Por sua vez, José dos Santos Carvalho Filho concorda com o posicionamento anterior, ensinando que: não concordamos com a posição segundo o qual se trata de servidão administrativa.

Por mais de uma razão, primeiramente o tombamento não é um direito real,

como o é servidão; depois, inexistem as figuras do dominante e do serviente, intrínsecas à servidão administrativa. De outro lado, classificar o tombamento como bem de interesse público nos parece uma idéia vaga, que não chega a caracterizar esse tipo de intervenção. Limitação administrativa também é natureza inadequada: enquanto a limitação se reveste de caráter geral, o tombamento tem caráter específico, ou seja, incide apenas sobre determinados bens, discriminados no competente ato. 1.2.3.1 A mudança de posicionamento de Maria Sylvia Zanella Di Pietro

Maria Sylvia Zanella Di Pietro considera o tombamento como categoria própria, que não se enquadra nem como simples limitação administrativa, nem como servidão.

Mas antes, a citada doutrinadora sustentava que o tombamento tratava de

limitação administrativa e, como admitido por ela, alterou-se entendimento de modo a definir a natureza jurídica do tombamento como categoria própria, que não se enquadra nem como simples limitação administrativa, nem como servidão.

De acordo com ela, na limitação administrativa, o Poder Público poderia editar

normas gerais com as quais condicionaria o uso da propriedade para atingir o bem-estar social, sem nenhuma fruição pela coletividade ou pela Administração, por intermédio de seus agentes. Portanto, a limitação administrativa incidiria sobre o proprietário (obrigação pessoal), enquanto a servidão incidiria sobre a propriedade (ônus real).

Hoje, para justificar sua nova posição, Maria Sylvia afirma que o tombamento

apenas tem em comum com a limitação administrativa o fato de ser imposto em benefício de interesse público, porém dela difere por individualizar o imóvel. E comparado com a servidão, o tombamento a ele se assemelha pelo fato de individualizar o bem, porém dela difere porque falta a coisa dominante, essencial para caracterizar qualquer tipo de servidão, seja pelo direito público ou privado.

O presente trabalho segue o raciocínio do doutrinador Hely Lopes Meirelles, que

tem consonância com posicionamento do Superior Tribunal de Justiça, no sentido que o tombamento é um ato administrativo que traduz atuação do Poder Público mediante a imposição de simples restrição ao direito de propriedade ou pela decretação da própria perda desse direito. 1.3 O dever de indenizar

Tem prevalecido na literatura jurídica o entendimento de que o tombamento, em si, não gera direito à indenização.

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É que a simples declaração de interesse cultural em determinado bem, por

encerrar restrição administrativa que apenas obriga o proprietário a mantê-lo dentro de suas características para a proteção da memória nacional, não engendra situação de prejuízo capaz de justificar qualquer dever de indenizatório para o Poder Público.

Uma corrente de doutrinadores sustenta que o Poder Público impõe a

determinado bem, individualizado e especificado, determinadas sujeições: impossibilidade de destruição, demolição, mutilação, reparação, pintura ou restauração do bem, exceto com a autorização do órgão competente – que, são qualificadas como sacrifício de direito e implicam em prejuízo econômico para o particular e, em consequência, o Estado deve indenizar o proprietário do bem tombado. Nesse caso, o regime jurídico do tombamento se assemelha à servidão administrativa.

Celso Antonio Bandeira de Mello afirma que a indenização é devida pelo Estado

porque há um sacrifício do direito do proprietário do bem e o referido sacrifício implica em agravo econômico. Ainda, segundo Celso, o tombamento tem natureza jurídica de servidão, por essa razão a segunda hipótese de indenização mediante desapropriação indireta, em razão do bem tomado, a propriedade fica totalmente aniquilada devido ao tombamento.

Os doutrinadores Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Édis Miralé defendem a

teoria que não se deve indenizar já que o direito de posse permanece com o proprietário. E, para Maria Sylvia há uma única hipótese de se indenizar, quando o imóvel ou móvel sofre um prejuízo maior.

Para o doutrinador Celso Antonio Bandeira de Mello, raras são as hipóteses em

que não há o dever de indenizar por tombamento em razão de não causar gravame econômico.

Exemplo de tombamento geral é aquele que atinge uma cidade ou parte dela,

pelo valor histórico e artístico, como por exemplo, Ouro Preto(MG) e Parati(RJ). No que respeita à indenização, a regra fundamental será no art. 5º XXIV, da

Constituição Federal: a indenização tem que ser prévia, justa e em dinheiro. São os princípios, respectivamente, da precedência, justiça e pecuniariedade.

Quando se examina o pagamento da indenização, outro aspecto a ser

considerado diz respeito ao seu caráter preliminar. Quando a Constituição Federal menciona que a indenização deve ser prévia,

determina que somente com o pagamento ocorrerá a transferência da propriedade, não obstante seja legítimo ao poder público solicitar, conforme examinado, a imissão provisória na posse.

O critério básico a ser considerado pela Administração Pública expropriante em

sua proposta ou pelo juiz para pautar a definição do justo preço é o valor de mercado do bem, avaliação que deve adotar com parâmetro básico os laudos periciais apresentados. Assim, coberturas florestais que em razão de limitações administrativas não possam ser

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objeto de exploração econômica, por exemplo, não são compreendidas no cálculo da indenização – o STJ firmou a tese de que, sem exploração econômica, não há que se falar em condenação ao pagamento de indenização pela cobertura vegetal.

A indenização deve, finalmente, ser paga em dinheiro, ressalvadas as hipóteses

previstas na Constituição Federal. Se houver consenso, é legítimo ao pode público efetuar o pagamento da

indenização em dinheiro ou por meio da entrega de outros bens, inclusive de bens imóveis.

Não havendo consenso, a sentença judicial que fixe o valor a ser pago pelo

poder público deverá indicar o valor em moeda nacional corrente, devendo ser observados, nesta hipótese, os procedimentos para emissão de precatórios, nos termos do artigo 100 da Constituição Federal caso o expropriante seja pessoa de Direito Público.

2. ESPÉCIES DE TOMBAMENTO: PROCESSO E PROCEDIMENTO

Difícil desenvolver qualquer raciocínio, crítico, técnico ou científico sobre o procedimento de tombamento sem tratar simultaneamente das diversas espécies do referido meio de proteção ao patrimônio cultural histórico, artístico e paisagístico.

Isso ocorre porque o procedimento do tombamento pode ocorrer em várias

etapas e formas diferenciadas, dependendo do endereçado e do interessado no processo. Assim, o tombamento pode ser: voluntário ou compulsório, de ofício, provisório ou definitivo. 2.1 O tombamento no Decreto-Lei nº 25/37.

O Decreto-Lei nº 25 de 30 de novembro de 1937 organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. A referida norma sofreu alteração por força da Lei nº 6.292, de 15 de dezembro de 1975, que introduziu no processo de tombamento a possibilidade de reexame de todo o procedimento, caso necessário for, de ofício, a fim de se evitar a nulidade do tombamento por qualquer ilegalidade através da apreciação da decisão de tombamento pelo Ministro da Cultura, antes da definitiva homologação e registro no Livro Tombo competente. Art. 1º - O tombamento de bens no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. (IPHAN), previsto no Decreto- lei nº 25, de novembro de 1937, dependerá de homologação do Ministro do Estado da Educação e Cultura, após parecer do respectivo Conselho Consultivo.

Parágrafo Único – Aplica-se o disposto neste artigo ao caso de cancelamento que se refere o § 2º do artigo de 19 do Decreto – Lei 25, de novembro de 1937

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2.2 Procedimento para Tombamento Federal pelo IPHAN

Para dar entrada no procedimento de tombamento, primeiramente deve-se protocolar o pedido na Superintendência do IPHAN, com o maior número de informações possíveis, como a identificação do proprietário do bem, como: nome, RG, CPF, endereço, telefone para contato, contendo cópias dos documentos pessoais, além da identificação do bem de objeto do pedido do tombamento.

Quando o pedido de tombamento se referir a um bem móvel, principalmente se

esse bem for peça única ou de coleção, alguns cuidados devem ser tomados. Como por exemplo, deve ser feita uma descrição minuciosa do bem, mencionando o material empregado, outras características que os individualiza, assim como de informações precisas sobre a localização, o responsável pela guarda do objeto e seu estado de conservação, acrescidas de documentação fotográfica e análise do valor deste bem para o patrimônio cultural do país.

Referindo-se a um bem imóvel, o procedimento de tombamento muda um pouco

porque o pedido deve ver acompanhado de uma sequência de dados, diferenciada do procedimento anterior, visto que deve conter endereço completo do imóvel que se pretende tombar, informando a quadra, o lote ou as confrontações do imóvel, além da documentação fotográfica capaz de identificar o bem.

Também deve ser anexado o documento de propriedade do imóvel devidamente

registrado no Cartório de Registro de Imóveis, contendo desenhos das edificações, mapas, projetos arquitetônicos (contendo plantas baixas, cortes, fachadas, planta de locação e planta de situação) e outros dados técnicos e complementares que demonstrem as técnicas construtivas, e a localização.

Após o protocolo do pedido de tombamento, o dossiê é autuado e encaminhado

para divisão técnica da diretoria competente onde será realizada a elaboração do estudo e do parecer técnico,que posteriormente será apreciado pela Presidência do IPHAN.

Sendo favorável a apreciação do tombamento pela Presidência do IPHAN, o

proprietário será notificado para anuir ou impugnar o tombamento em 15 dias. A impugnação ou a anuência será analisada pelo Conselho Consultivo do

Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a quem cabe a decisão final sobre o tombamento.

Sendo positivo o tombamento, a homologação da decisão será realizada pelo

Ministro do Estado da Educação e Cultura. Após a homologação do tombamento a inscrição do mesmo deve ser feita no

Livro Tombo. O IPHAN possui 4 livros tombos: a) Livro do Tombo Arqueológico,

Etnográfico e Paisagístico; b) Livro do Tombo Histórico; c) Livro do Tombo das Belas

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Artes; d) Livro do Tombo das Artes Aplicadas; O tombamento de um único bem pode ser registrado em mais de um Livro Tombo, dependendo de suas características.

O procedimento do tombamento no âmbito estadual pela AGEPEL, em especial aqui no Estado de Goiás, obedece a mesma sequência de atos e burocracias exigidos na esfera federal, mudando apenas no que diz respeito a pessoas endereçadas ao recebimento e apreciação do pedido de tombamento, assim como a pessoa responsável pela homologação da decisão de tombamento.

Pode se arrematar com isso, que o pedido de tombamento deve ser encaminhado

por ofício para o Presidente da AGEPEL (Agência Goiana de Cultura) que o recebe e por sua vez o encaminha para o Conselho da Diretoria de Patrimônio, o qual aprecia todo o processo de tombamento além da manifestação do proprietário do bem que possui o mesmo prazo de 15 dias dado na esfera federal.

A decisão final é homologada por Decreto do Governador do Estado de Goiás e

somente após isso é registrada a inscrição do tombamento do bem no Livro Tombo.

O procedimento do tombamento no município alcança patamares burocráticos semelhantes ao procedimento estadual, mudando-se apenas a nomenclatura dos departamentos responsáveis.

Na prática, o que se tem discutido a respeito do tombamento na esfera municipal

é a competência do município para legislar sobre os procedimentos de tombamento, se ela é concorrente ou residual.

Ao que se vê pela pesquisa bibliográfica nos artigos de lei, sendo eles: artigo 23,

III. Proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico,artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos.

Artigo 24, VII. Proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e

paisagístico. Artigo 30, IX. Promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local,

observada da legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. 2.3 Efeitos do processo administrativo do tombamento

O processo administrativo provoca efeitos no patrimônio particular que interferem no uso e no direito de uso da propriedade, de acordo com a necessidade de conservação e proteção do bem que está sendo tombado.

Em últimos casos, a intervenção estatal pode ser mais drástica, ocorrendo aí a

desapropriação, que pode ser direta ou indireta.

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2.3.1 A desapropriação direta e a indireta

De acordo com Lucas Rocha Furtado, o instituto da desapropriação constitui o mais agressivo meio que se pode valer o Estado para intervir na propriedade privada.

A desapropriação pode ser direta ou indireta, depende da observância dos

requisitos constitucionais pelo Estado ao intervir na propriedade privada. Assim a desapropriação pode ser direta quando o Poder Público observa os requisitos procedimentais pela Constituição Federal e pela Legislação; ao contrário, ocorre a desapropriação indireta, ainda que não se observe os procedimentos pertinentes, colocando fim à propriedade privada por culpa do Poder Público.

Para José dos Santos Carvalho Filho, desapropriação indireta é o fato

administrativo pelo qual o Estado se apropria de bem particular, sem observância dos requisitos da declaração e da indenização prévia. Observe-se que, a despeito de qualificada como indireta, essa forma expropriatória é mais direta do que a que decorre da desapropriação regular. Nela, na verdade, o Estado age realmente arbitrariamente e, portanto muito mais diretamente.

Trata-se de situação que causa tamanho repúdio que, como regra, os estudiosos a

têm considerado verdadeiro esbulho possessório. Com efeito, esse mecanismo, a despeito de ser reconhecido na doutrina e jurisprudência, e mais recentemente até por ato legislativo, não guarda qualquer relação com os termos em que a Constituição e lei permitiram o processo de desapropriação. Primeiramente, porque a indenização não é prévia, como o exige a Lei Maior.

Exemplo comum de desapropriação indireta tem ocorrido com a apropriação de áreas privadas para abertura de estradas.

A desapropriação direta obedece rito de um processo administrativo que deve

ser seguido pelo Poder Público. A primeira etapa do processo de desapropriação corresponde à fase declaratória.

Por meio de decreto (denominado decreto expropriatório), ou a lei, o poder

público declara bem ou bens específicos de utilidade pública ou de interesse social. O ato deve, além de individualizar o bem, indicar a fundamentação legal da

desapropriação e a finalidade a que se destina. A declaração de utilidade pública ou de interesse social do bem não importa em

qualquer limitação ou restrição ao direito do proprietário, que está livre para usar e dispor do bem. Alguns poucos efeitos, todavia, decorrem dessa declaração. São eles: 1) fixa o estado do bem para a indicação do valor da indenização; 2) dá início à contagem do prazo de caducidade do valor da indenização; 3) autoriza o poder público a penetrar no imóvel.

Somente decorrido um ano poderá ser o mesmo objeto de nova

declaração.

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Finalmente, declarada a utilidade pública, nos termos do art. 7º do Decreto-lei 3.365/41, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração, podendo recorrer, em caso de oposição, ao auxílio de força policial. Com a faculdade de penetrar nos prédios, objetiva-se permitir a realização das avaliações estritamente necessárias à avaliação do bem com vista à fixação do valor a ser pago.

A ação de desapropriação possui objetivo específico: obter, pela via

judicial, o valor a ser pago ao proprietário a título de indenização. Havendo consenso, o pagamento será efetuado em espécie (ou por meio

da entrega de outros imóveis ou bens, se o proprietário do bem desapropriado consentir); se houver a necessidade da propositura da ação judicial, devem ser observados os procedimentos previstos no art. 100 da Constituição Federal, relativos à emissão de precatórios, caso o autor da ação seja pessoa de direito público.

Todavia, alguns doutrinadores entendem que a indenização ocorre pela

desapropriação indireta e não, pela desapropriação direta. A jurisprudência contém alguns julgados que admitem a desapropriação indireta, nos casos de tombamento de áreas florestais para proteção do patrimônio ecológico, paisagístico e turístico.

Desapropriação indireta é a que se processa sem observância do procedimento

legal; costuma ser equiparada ao esbulho e, por isso mesmo, pode ser obstada por meio de ação possessória. A desapropriação indireta não atende à disposição do §1 do artigo 216, da Constituição Federal. A interpretação adequada do citado dispositivo resulta na desapropriação mediante prévia e justa indenização em dinheiro, como nos demais casos de desapropriação asseguradas na lei maior artigo 5º inciso XXIV.

Art. 5º, XXIV - A lei estabelecerá o procedimento para desapropriação por

necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados, os casos previstos nesta Constituição.

Outrossim, a desapropriação indireta não constitui a via processual apropriada

para o pedido indenizatório, uma vez que o proprietário permanece na posse da propriedade tombada, não obstante as restrições impostas pelo Estado.

A desapropriação indireta e o exercício da posse do bem tombado pela

Administração Pública Federal, estadual ou municipal, dependendo da esfera de poder que efetua o tombamento.

Alguns doutrinadores que sustentam que o tombamento enseja indenização,

nos casos de aniquilamento da propriedade pelo tombamento o Estado deve efetuar a desapropriação, como prevê o § 1º do artigo 216 da Constituição Federal: art. 216, § 1 - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e outras formas de acautelamento e preservação.

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No tombamento a simples declaração do valor cultural de determinada propriedade e a alteração do regime jurídico com a inscrição no Livro do Tombo não interferem nem com a posse e nem com o domínio do bem.

Embora o procedimento se encerre com a inscrição no Livro do Tombo, a

lei exige ainda que, em se tratando de imóveis, se faça a transcrição no Registro de Imóveis, averbando-se o tombamento ao lado da transcrição do domínio , artigo 13. do Decreto-Lei nº 25. Em se tratando de bens móveis, embora a lei federal não contenha norma semelhante, deduz-se do § 2º do mesmo dispositivo que a transcrição deve ser feita em registro público, no caso o Registro de Títulos e Documentos.

A solução adequada para os casos concretos de aniquilamento da propriedade

pelo tombamento é a desapropriação por utilidade pública, conforme artigo 5º, alínea k, do Decreto-Lei n. 3.365 de 21 de junho de 1941.

Artigo. 5º – Consideram-se casos de utilidade pública. (...) K – a preservação e

conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza.

Que dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública para a preservação

e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos rurais.

Assim sendo, no artigo 9º do Decreto-Lei n. 25 de 30 de novembro de 1937, o

proprietário é notificado do tombamento e o impugna, expondo as restrições que incidirão sobre a sua propriedade.

As alegações e as provas produzidas pelo proprietário devem ser analisadas

e consideradas pelo órgão que iniciou o tombamento, sob pena de violação ao princípio do devido processo legal, com da ampla defesa e do contraditório.

O tombamento será concretizado depois de esgotados todos os recursos

administrativos cabíveis, inclusive aquele dirigido à autoridade estatal superior, por exemplo, o Presidente da República, se federal. 3. O PROCESSO DE TOMBAMENTO MUNICIPAL EM JATAÍ/GO 3.1 Competência legislativa do município e proteção do patrimônio cultural

Afirma o artigo 23 da Constituição Federal que compete, de forma comum, à União, aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal realizar a proteção, dentre outros, dos documentos, das obras e outros bens de valor histórico artístico e cultural. A possibilidade de o município legislar sobre normas de proteção do patrimônio cultural

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está contida no artigo 30, I, da Constituição Federal quando afirma que compete ao Município legislar sobre matérias de interesse local.

Artigo 30. Compete aos Município: I- legislar sobre assuntos de interesse local;

no conteúdo do artigo 30 da Constituição Federal para analisar a possibilidade do Município legislar sobre normas de proteção do patrimônio cultural, faz-se necessário verificar a abrangência do inciso I, do citado artigo 30, quando se refere à possibilidade do município legislar sobre assuntos de interesse local.

A expressão interesse local dá a entender que cabe ao município legislar

sobre matéria ambiental, particularmente, acerca da proteção do patrimônio cultural. Entende-se, ainda mais, que por interesse local visa-se o atendimento das necessidades locais, ao redor, na região do município, ainda que tenham alguma repercussão sobre as necessidades gerais do Estado.

Especificamente sobre a possibilidade do Município legislar sobre normas de

proteção do patrimônio cultural, pode-se afirmar que a competência concorrente do Município decorre da interpretação conjunta do artigo 216, parágrafo 1º, com o artigo 30, IX, da Constituição Federal.

Assim, cabe ao Município promover a proteção cultural dentro da área sob a sua

administração, observando a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. O que o Município não pode fazer é desrespeitar a legislação de proteção

estadual e federal que sobre ele recaia, protegendo bens culturais em seu território. Art. 30. Compete aos Municípios: (...) IX – promover a proteção do patrimônio

histórico – cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e cultural. No tocante a normas de proteção ambiental, especialmente as de proteção ao

patrimônio cultural, é possível a sua edição baseada no princípio da autonomia do municipal.

Por essa razão é que existem as diversas leis municipais, dispondo sobre normas

de preservação do patrimônio cultural no município de Jataí-GO, como a Lei nº 2.670 de 28/11/2005, assim como os decretos que cuidam do tombamento e do destombamento de bem., Como por exemplo, o Decreto nº 530 de 24/11/1.999; o Decreto nº 1.460 de/outros. 3.2 Realidade jataiense

No município de Jataí-GO, o tombamento também é um mecanismo de proteção ambiental utilizado com o foco voltado ao patrimônio histórico cultural.

Especialmente na secretaria cultura de Jataí, foi realizada uma pesquisa de

campo, para elaboração desse trabalho, entrevistando o Sr. Manuel Napoleão Alves de

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Oliveira, assessor do secretário de cultura, onde fizeram questionamentos sobre como se dá o procedimento do tombamento no município.

Atualmente, existem 23 (vinte três) imóveis tombados no município de Jataí, e

não há bens móveis tombados em Jataí. A respeito de quanto duram os procedimentos que atendem os requisitos legais,

de acordo com artigo nº 1º da Lei nº 2.670 de novembro de 2005, não existe prazo determinado para durar o processo de tombamento sendo que os requisitos legais a serem atendidos são: a) promover estudos técnicos necessários à preservação e suas atividades essenciais – conservação, restauração e revitalização; b) analisar propostas, propor soluções e medidas necessárias a tombamento de bens móveis ou imóveis existentes no município que justifiquem comprovadamente sua preservação; c) instituir o Livro de Tombo para o devido registro dos proposto, como medida de proteção prévia; d) notificar os proprietários dos bens cujo tombamento é proposto, como medida de proteção prévia; e) encaminhar expediente à Secretaria da Fazenda, com a devida anuência do Prefeito Municipal, instruindo sobre a isenção dos impostos ou outros benefícios previstos nesta Lei; f) proceder vistorias regulares nos bens tombados, verificando seu estado de conservação e preservação; g) promover campanhas publicitárias e/ou de conscientização educativa junto a comunidade; h) encaminhar expediente à Secretaria de Obras e Urbanismo, com a devida anuência do Prefeito Municipal, instruindo sobre os imóveis tombados para o devido controle de alvarás de demolição e/ou reformas de maneira a evitar sua descaracterização; i) contatar instituições e técnicos especializados para participarem em trabalhos relativos à preservação dos bens tombados; j) procurar financiamentos, patrocínios e recursos em instituições públicas ou privadas destinadas a programas específicos para a preservação do patrimônio.

Os procedimentos de tombamento, que acabaram por indenizar o proprietário

particular do imóvel, de acordo com a Lei 2.670 de novembro de 2005, não houve nenhum caso de indenização ao proprietário particular.

A norma municipal que a prefeitura se fundamenta para editar normas sobre

tombamento, o município se fundamenta na Lei municipal nº 2.670 que entrou em vigor em 25 de novembro de 2005.

Indagado a respeito de quais as normas municipais já editadas pelo município,

foram no total 07(sete) decretos, sendo: 1) Lei nº 2.067 de 15 de março de 1999, que regulamenta o processo de preservação do patrimônio cultural da cidade de Jataí e dá outras providências; 2) decreto nº 337, de 22 de maio de 2009, que promove o destombamento de imóvel que menciona, revoga parcialmente o Decreto Municipal n.1.641 de 11 de julho de 2000; 3) decreto n° 530, de 24 de novembro de 1998, onde declara tombados prédios públicos que menciona e dá outras providências; 4) decreto nº 1.460, de 10 de julho de 2000, que homologa tombamento do Centro de Pesquisas Ambiental Mata do Açude e Jardim Botânico Zenaide Gouveia Vilela e dá outras providências; 5) decreto nº 1.420, de 07 de junho de 2000, onde homologa tombamento do Casarão da UFG Campus Avançado de Jataí; 6) decreto nº 1.461, de 11 de junho de 2000, que homologa tombamento de casarões e espaço físico que menciona e dá outras providências; 7) decreto nº 1.027 de 29 de novembro de 2004,

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onde homologa tombamento dos prédios do ISG e área do entorno e dá outras providências.

As providências tomadas pelo município diante da recusa do proprietário

particular em aceitar o tombamento do seu imóvel, depois de expedido o respectivo Decreto assinado pelo Prefeito Municipal, o proprietário dos bens serão comunicados oficialmente pela Superintendência Municipal de Cultura, conforme artigo 9º e 10º da Lei Municipal nº 2.067 de novembro de 2005. CONCLUSÃO

O poder de regulação do Estado não se projeta apenas sobre seus próprios bens patrimoniais em sentido estrito, mas também, como vimos até aqui, sobre coisas e bens de particulares, que sejam dotados de tão especial interesse público que levam o Poder Público a tomar medidas que possam restringir o uso e gozo integrais dessas propriedades, para que sejam preservadas suas características.

Pelo presente trabalho pode se concluir que o tombamento é considerado pela

Administração Pública como uma das formas de promover a função social da propriedade e de proteger o patrimônio cultural brasileiro.

Tombamento, portanto, equivale à atividade de colocar sob o abrigo e à tutela

pública os bens que, por suas características históricas, artísticas, naturais e arqueológicas.

Já quanto à competência para legislar, divergem os doutrinadores. A

Constituição Federal, em seu artigo 24, VII, conferiu à União, Distrito Federal e Estados competência concorrente para legislar sobre patrimônio, histórico, cultural, artístico e paisagístico, o que significa, nos termos do § 1º do mesmo dispositivo, que nesse âmbito a União se limita a expedir normas gerais, e que os Estados exercerão competência diferente sobre essa matérias, não se mencionando Distrito Federal ou Municípios.

Também foi visto a particularidade do tombamento municipal em Jataí,

principalmente no tocante à sua capacidade para legislar por meios de seus decretos e leis sobre os imóveis tombados na cidade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01. ARAÚJO, Edmir Netto de, Curso de Direito Administrativo. 5 ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2010.

02. BANDEIRA DE MELO, Celso Antonio. Curso de Direito Administrativo. 17ª ed., São Paulo: Malheiros, 2004.

03. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Resp. nº 30.519/RJ, 2ª Turma. Relator: Ministro Antônio Torreão Braz. Brasília, DF. Lex: Diário da Justiça, Seção I, 20 jun. 1994, p. 16.077.

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04. ________. Câmara Municipal dos Vereadores de Jataí. Decreto n° 1.420 de 07 de Junho de 2000. Homologa tombamento do Casarão da UFG Campus Avançado de Jataí e dá outras providências.

05. ________. Câmara Municipal dos Vereadores de Jataí. Decreto n° 530 de 24 de novembro de 1998. Declara tombados prédios públicos que menciona e dá outras providências.

06. ________. Câmara Municipal dos Vereadores de Jataí. Decreto n°337 de 22 de maio de 2009: Promove o destombamento de imóvel que menciona; revoga parcialmente o Decreto Municipal n. 1.461 de 11 de julho de 2000, e dá outras providências.

07. ________. Câmara Municipal dos Vereadores de Jataí. Decreto nº 1,027 de 29 de novembro de 2004. Homologa tombamento dos prédios do ISG e área do entorno e dá outras providências.

08. __________. Câmara Municipal dos Vereadores de Jataí. Decreto nº 1.461 de 11 de julho de 2000. Homologa tombamento de casarões e espaço físico que menciona e dá outras providências.

09. _________. Câmara Municipal dos Vereadores de Jataí. Decreto nº 1.460 de julho de 2000.

10. Homologa tombamento do Centro de Pesquisas Ambiental Mata do Açude e Jardim Botânico Zenaide Gouveia Vilela e dá outras providências.

11. ________. Câmara Municipal dos Vereadores de Jataí. Lei nº 2.067 de 15 de março de 1999.

12. Regulamenta o processo de preservação do patrimônio cultural da cidade de Jataí e dá outras providências.

13. ________. Senado Federal, Decreto- Lei 3.651 de 10 de junho de 1941. Dispõe sobre a desapropriação por utilidade pública. Disponível em: www.presidencia.gov.br, acesso em 30 de outubro de 2010.

14. ________. Senado Federal. Lei n° 6.292 de 15 de dezembro de 1975. Dispõe sobre o tombamento de bens no Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). Disponível em: <www.presidencia.gov.br>. Acesso em 28.10.2010.

15. CARVALHO FILHO, José dos Santos, Manual de Direito Administrativo. 23 ª ed. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2010.

16. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 19ª ed., 2ª reimpr. São Paulo: Altas, 2006.

17. DIAS, Edna Cardozo. Manual de Direito Ambiental. 2ª ed., Belo Horizonte: Mandamentos, 2003.

18. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 11ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2010.

19. FURTADO, Lucas Rocha. Curso de Direito Administrativo. 2ª ed. rev. ampl. Belo Horizonte: Fórum, 2010.

20. MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Malheiros Editores, 2009.

21. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 28 ª ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda, 2003.

22. MILARÉ, Èdis. Direito do Ambiente: a gestão ambiental em foco: doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009.

23. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2002.

74

SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO POR VIA ADMINISTRATIVA, LEI 11.441

Discente - EDLAINE DE FÁTIMA BORILE

Professora – ALESSANDRA GONÇALVES HERONVILLE DA SILVA RESUMO: A Lei 11.441, criada em 04 de janeiro de 2007, inseriu o artigo 1.124-A no Código de Processo Civil, permitindo que as separações e divórcios consensuais sejam realizados via administrativa, dando celeridade aos procedimentos. A lei exige para a realização da escritura de separação e divórcio que as partes observem os seguintes requisitos: consenso entre os cônjuges, não haver filhos menores ou maiores incapazes, transcurso dos prazos estipulados em lei, presença de advogado. Com a possibilidade de se fazer a separação e o divórcio consensuais extrajudiciais, surgiram divergências quanto a aplicação da lei. Foi então criada a Resolução n° 35 de 24 de abril de 2007 do Conselho Nacional de Justiça, a qual disciplina a aplicação da lei, adotando regras uniformes para serem seguidas. O procedimento via extrajudicial faz com que diminua a quantidade de ações de separações e divórcios judiciais consensuais. Também dá aos casais a opção de realizar o término e dissolução da sociedade conjugal pela via administrativa, de forma mais célere e menos burocrática. Palavras-chave: separação, divórcio, extrajudicial, via administrativa. INTRODUÇÃO

A presente monografia tem por objetivo mostrar as alterações no Código de Processo Civil com a edição da Lei 11.441/07, que acrescentou o artigo 1.124-A, possibilitando a separação e o divórcio consensuais extrajudiciais.

A lei permite que a separação e o divórcio quando consensual e que não se tenha

filhos menores ou maiores incapazes e desde que preenchidos os requisitos legais possam ser feitos pela via administrativa através de escritura pública, diretamente no cartório de Tabelionato de Notas.

Nesta pesquisa foram reunidos legislações, resoluções e posições e ensinamentos

de doutrinadores o que possibilitou aprofundar os conhecimentos acerca do tema. A presente monografia procura mostrar como ocorreu a evolução histórica

acerca das leis sobre o término da sociedade conjugal e dissolução do casamento no Brasil, até chegar aos dias de hoje. Mostra também que o término da sociedade conjugal pode se dar pela morte de um dos cônjuges, pela nulidade ou anulação do casamento, pela separação judicial e extrajudicial e pelo divórcio judicial e extrajudicial. E que a dissolução do casamento válido só ocorrerá com a morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio.

Em seguida passa a expor sobre a aplicação da lei 11.441/07, seus requisitos

exigidos, competência, a faculdade em optar pela via extrajudicial, a gratuidade nas

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escrituras, a separação e o divórcio feitos por procurador, a exigência da ausência de filhos menores ou maiores incapazes, a exigência de advogado na realização do ato, recusa do tabelião em lavrar a escritura, responsabilidade do tabelião, cláusulas obrigatórias, a não intervenção do judiciário, anulação da escritura, casos de reconciliação.

E, por último, tece comentários sobre os pontos positivos e negativos em se fazer

a separação e o divórcio consensuais pela via administrativa, possibilitando melhor entendimento sobre os benefícios trazidos com a edição da lei 11.441/07. 1 SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO POR VIA ADMINISTRATIVA, LEI 11.441/07

O casamento é a instituição mais importante da sociedade, sendo ele a base da família como prevê a própria Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” (VADE MECUM, 2009, p. 75).

Diniz define o casamento como: “o vínculo jurídico entre o homem e a mulher

que visa o auxílio mútuo material e espiritual, de modo que haja uma integração fisiopsíquica e a constituição de uma família.” (2010, p. 37).

Pelo casamento, os cônjuges adquirem direitos e obrigações recíprocas

referentes à vida conjugal. A lei não regula as finalidades do casamento, pois são do íntimo de cada pessoa, sendo que cada pessoa busca a sua felicidade, que é subjetivo de cada um.

Atualmente os relacionamentos conjugais passam por crises, sendo vários os

motivos. Questões como o desgaste da relação por falta de diálogo, questões financeiras,

desrespeitos dos direitos e obrigações do casal e inúmeras outras, enfraquecem o casamento.

Os casais estão perdendo os valores, os costumes, desconsiderando o verdadeiro

significado de vida conjugal, perdendo o sentido em manter -se casadas, pois estariam infelizes, fazendo com que aumente cada vez mais as dissoluções do vínculo matrimonial. 1.1 Evolução histórica das leis sobre término da sociedade conjugal e dissolução do casamento no Brasil

Hoje o divórcio e a separação ficaram tão comuns quanto o casamento. Antigamente, a mulher era submissa ao marido, sendo que para que ocorresse a separação do casal, o homem é quem abandonava o lar, por sua única vontade. O

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casamento que até então era de ordem econômica, mais tarde passou a ser uma questão moral e religiosa, surgindo a indissolubilidade do matrimônio.

Até o século XIX, somente a Igreja Católica era quem regulava o casamento. A

qual tinha o casamento como vínculo indissolúvel. Em 1889, com a proclamação da República, o Estado se separou da Igreja,

instituindo o casamento civil e o divórcio, que foram regulados pelo Decreto 181, de 24 de janeiro de 1890 – Lei do Matrimônio. Mas apesar de instituir o divórcio, o decreto dizia que o mesmo não dissolvia a sociedade conjugal, a qual só era dissolvida com a morte de um dos cônjuges. Na verdade, o divórcio era visto como a separação judicial de hoje, ou seja, só dissolvia a sociedade matrimonial sem, contudo, dissolver o vínculo.

Em 1916, o Código Civil regulou toda a matéria referente ao casamento e sua

dissolução. O referido código não trouxe muitas mudanças para a dissolução da sociedade conjugal, a qual permanecia como sendo a única forma de dissolução, a morte de um dos cônjuges. O que a lei fez foi mudar a palavra divórcio por desquite, sem mudar o sentido.

Dispondo então o artigo 315 do Código Civil de 1916 que diz que a sociedade

conjugal termina: I. Pela morte de um dos cônjuges; II. Pela nulidade ou anulação do casamento; III. Pelo desquite, amigável ou judicial. Parágrafo único. O casamento valido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges, não se lhe aplicando a presunção estabelecida neste Código, art. 10, segunda parte. (BRASIL, 1916, p. 36).

O motivo da mudança do divórcio pelo desquite foi por que naquela mesma

época, em outros países o divórcio dissolvia a sociedade e o vínculo conjugal, enquanto que no Brasil não, fazendo confusão para a população , onde os legisladores acharam melhor fazer a referida mudança.

Nesta época, eram permitidas às pessoas se “desquitarem”, mas o vínculo

matrimonial continuava a ser indissolúvel, ou seja, por mais que as pessoas tivessem novos vínculos afetivos ou novas sociedades conjugais, elas eram impedidas de se casarem novamente, surgindo então o concubinato.

O desquite só era permitido em casos de adultério, tentativa de morte, sevícia ou

injúria grave, também nos casos de abandono do lar , quando voluntário, por um período de dois anos, ou quando em caso de consenso entre os cônjuges estiverem casados a mais de dois anos, de acordo com os artigos 317 e 318 do Código Civil de 1916.

Quanto à Constituição Federal, que era omissa a respeito do assunto, em

1934 vedou a dissolução do casamento. As Constituições posteriores, a de 1937, 1946 e 1967, de igual , mantiveram a indissolubilidade do casamento.

Com o aparecimento do concubinato, houve uma necessidade de regularizar

essas situações, as quais foram feita através da emenda constitucional - EC 9/1977, passando o casamento a ser dissolúvel.

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A referida Emenda Constitucional foi elaborada em 28 de junho de 1977,

prevendo a dissolução do casamento, e dispunha que: art. 1º, o § 1º do artigo 175 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: o casamento somente poderá ser dissolvido, nos casos expressos em lei, desde que haja prévia separação judicial por mais de três anos. (BRASIL, 1977, p. 1); art. 2º, a separação, de que trata o § 1º do artigo 175 da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada em Juízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data desta emenda. (BRASIL, 1977, p. 1).

A referida Emenda foi muito criticada, especialmente pela Igreja Católica, que

era totalmente contra a dissolução do casamento. Tanto que para a mesma ser apreciada, foi necessário aprovar a Emenda Constitucional n°8, que permitia a diminu ição do quorum de aprovação de Emendas, e só após a diminuição do quorum foi possível aprovar a Emenda n° 9/77.

Com previsão constitucional, a dissolução da sociedade conjugal e do casamento

precisava ser regulamentada, a qual foi feita através da Lei n° 6.515/77 , Lei do Divórcio, revogando as disposições do Código Civil de 1916 nas matérias que tratavam sobre dissolução da sociedade conjugal e da proteção da pessoa dos filhos.

Uma das mudanças da Lei do Divórcio foi a substituição da palavra desquite por

separação judicial, conforme leciona Dias: para a aprovação da Lei do Divórcio (L 6.515/1977), não houve a possibilidade de simplesmente acabar com o desquite. Ocorreu somente uma singela alteração terminológica. O que o Código Civil chamava de desquite (ou seja, não “quites”, alguém em débito para com a sociedade) a Lei do divórcio denominou de separação, com idênticas características: rompe, mas não dissolve o casamento. (2009, p. 274).

A lei 6.515/1977 regulamentava a separação judicial e o divórcio, prevendo que

a separação judicial dissolvia a sociedade conjugal e somente após a conversão em divórcio é que acabava o vínculo matrimonial. Regulamentava, ainda, que o divórcio dissolvia a sociedade conjugal e o vínculo matrimonial, podendo os cônjuges contrair novas núpcias.

A separação judicial poderia ser requerida por um ou ambos os cônjuges.

Quando requerida por ambos, além do consenso entre eles, era necessário que fossem casados há mais de dois anos. Já quando fosse requerida por um dos cônjuges, o mesmo deveria imputar ao outro, conduta desonrosa ou violação dos deveres conjugais, também em casos onde provasse que não havia vida em comum entre ambos a mais de cinco anos, ou em caso de doença mental grave, após cinco anos, considerando a doença como de cura improvável.

O divórcio poderia ser concedido de duas maneiras, sendo o divórcio conversão

e o divórcio direto. No divórcio conversão da separação judicial, os cônjuges deveriam estar separados judicialmente a mais de três anos. O divórcio direto só era permitido em casos excepcionais, como estarem o casal separado de fato antes da edição da Lei do Divórcio, devendo ainda provar o tempo de cinco ou mais anos de separação de fato, assim como os motivos que os levaram a pedir o divórcio.

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Em cinco de outubro de 1988 foi promulgada a nova Constituição Federal, ainda

hoje em vigor, modificando regras para a dissolução da sociedade conjugal. Preservou a dignidade da pessoa humana e a solidariedade mútua, facilitando aos cônjuges dissolverem a sociedade conjugal e o matrimônio pelo divórcio . Pois, o Estado não pode interferir na vontade das partes, ferindo sua liberdade e tornando -os infelizes.

Dispõe a Constituição Federal: art. 226... “§ 6º - O casamento civil pode ser

dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos.” (VADE MECUM, 2009, p. 75).

Após a edição da Constituição Federal de 1988, surgiu a lei 7.841/89,

reduzindo os prazos para o término e a dissolução da sociedade conjugal. Na conversão da separação judicial, o prazo passou de três para um ano. Já no divórcio direto, o prazo que era de cinco passou a ser de dois anos, facilitando para que o mesmo não ocorresse somente em casos excepcionais.

Em 1992 foi editada uma nova lei que de igual modificava alguns artigos da Lei

6.515/77, na separação judicial, reduziu o prazo para se provar a ruptura da vida em comum do casal, de cinco para um ano.

Foi elaborado o novo Código Civil, Lei 10.406/02, trazendo as novas regras a

respeito do término da sociedade conjugal e também dos casos de dissolução do casamento.

Lembrando que a lei 6.515/77 (Lei do Divórcio) não está totalmente revogada,

permanecendo vigente em matérias processuais. Para agilizar a obtenção da tutela jurisdicional, foi criada a Lei n. 11.441/07,

alterando o Código de Processo Civil, quando acrescentou o artigo 1.124-A, possibilitando a separação e o divórcio, quando consensuais, a serem feitos via administrativa, desde que preenchidos os requisitos legais.

A lei 11.441/07 gerou muitas divergências quanto a sua aplicação. Foi então

necessário adotar regras uniformes para serem seguidas, pelos serviços notariais e de registro, ao aplicar a referida lei, a qual foi feita através da Resolução n°. 35 de 24 de abril de 2007 do Conselho Nacional de Justiça. 2 TÉRMINO DA SOCIEDADE CONJUGAL E DISSOLUÇÃO DO CASAMENTO PELO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O novo Código Civil (Lei 10.406/02) elenca os casos em que se termina a sociedade conjugal e, ainda, os casos em que se dissolve o casamento. Art. 1.571. A sociedade conjugal termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio.

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§ 1º. O casamento válido só se dissolve pela morte de um dos cônjuges ou pelo divórcio, aplicando-se a presunção estabelecida neste Código quanto ao ausente. § 2º. Dissolvido o casamento pelo divórcio direto ou por conversão, o cônjuge poderá manter o nome de casado; salvo, no segundo caso, dispondo em contrário a sentença de separação judicial. (VADE MECUM, 2009, p. 208). 2.1 Morte de um dos cônjuges

O inciso I, do artigo 1.571 do Código Civil, diz que a sociedade conjugal termina com a morte de um dos cônjuges, passando o sobrevivente ao estado de viuvez, e autorizando o mesmo a se casar novamente. Se o cônjuge sobrevivente for mulher, a mesma só poderá se casar depois de 10 meses do falecimento do marido, a menos que antes desse prazo dê à luz a um filho, ou prove que não está grávida, conforme dispõe o artigo 1.523, inciso II e parágrafo único do Código Civil.

A morte presumida e a declaração de ausência também fazem com que se

termine a sociedade conjugal, permitindo ao cônjuge sobrevivente contrair novas núpcias, descartando a possibilidade de haver bigamia. Há uma divergência doutrinária quanto ao reaparecimento do ausente. Uns entendem que o segundo casamento estaria nulo, sendo considerado o casamento como putativo, ocasionando efeitos civis. Outros, que o primeiro casamento continuará dissolvido, fazendo com que o cônjuge reaparecido tenha condição de solteiro. Existe, ainda, posicionamento nos sentido de que passados dois anos da separação de fato, o cônjuge sobrevivente poderá pedir o divórcio direto. 2.2 Nulidade ou anulação do casamento

A decisão judicial de nulidade ou anulabilidade põe fim à sociedade conjugal, como ensina Dias: nem a anulação, nem a nulidade do casamento levam ao término da sociedade conjugal (CC 1.571 II). “Terminar” significa pôr fim, acabar, concluir. A mera nulidade, enquanto não reconhecida judicialmente, não afeta a higidez do matrimônio, que existe e produz todos os efeitos. A ação anulatória tem eficácia desconstitutiva, e a sentença só gera efeitos depois do trânsito em julgado. Assim, não é a nulidade ou a anulação do casamento que levam ao seu término, mas a decisão judicial que o anula. (2009, p. 267).

Após a sentença judicial, os cônjuges voltam ao estado de solteiros, permitindo

aos mesmos constituírem nova sociedade conjugal. Quanto aos efeitos do casamento, após a decisão judicial de término, para os cônjuges continuará tendo efeito o casamento putativo, quando de boa-fé de um ou de ambos; já com relação a filhos, se estes existirem, subsistirá todos os efeitos civis. Em relação a terceiros, os mesmos não serão prejudicados quanto à aquisição de direitos a título oneroso, conforme preceituam os artigos 1.561 e 1.563 do Código Civil vigente. 2.3 Separação judicial

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A separação judicial que antes era chamada de desquite é alvo de crítica de grandes doutrinadores. Pois apesar da lei na tentativa de restabelecer a sociedade conjugal, acreditando no arrependimento dos cônjuges durante o prazo em que aguardam para a conversão da separação judicial em divórcio, os doutrinadores criticam dizendo que são raros os casos de reconciliação dos cônjuges separados, e que seria constrangedor para eles quando não mais existe sentimentos afetivos de um, ou pior quando de ambos, e ter que esperar, contrariando suas vontades a conversão em divórcio para que se dissolva o seu casamento.

Madaleno (2009, p. 173) diz que: infelizmente, o Direito brasileiro manteve a

duplicidade de procedimentos da separação e do divórcio para um mesmo casamento, perdendo a grande oportunidade de ficar com a adoção exclusiva do divórcio como modo, suficiente e de acesso eficiente para a dissolução do vínculo conjugal, liberando os consortes do constrangimento e do custo pessoal e financeiro de precisarem promover, em regra, duas demandas, em tempos diversos, para atingirem a dissolução do vínculo de seu matrimônio.

A separação judicial termina com a sociedade conjugal, mas não dissolve o

casamento, conforme prevê o inciso III e parágrafo primeiro do artigo 1.571 do Código Civil, não sendo possível casar-se novamente enquanto não seja a separação convertida em divórcio.

A separação judicial poderá ocorrer de forma consensual ou litigiosa, conforme

preceituam os artigos 1.572 e 1.574 do Código Civil.

A separação judicial consensual se dará quando não houver litígio entre o casal, quando ambos estiverem de acordo a requerê-la, sendo necessária uma petição que será assinada por ambos, que somente poderá ser solicitada após um ano de casamento.

Para se fazer a separação consensual é necessária a observação do procedimento

previsto nos artigos 1.120 a 1.124 do CPC. Ou seja, ambos os cônjuges devem assinar a petição de separação judicial, caso seja preciso, será permitido assinatura a rogo. Quando não assinado na frente do juiz, deverá a assinatura ser reconhecida por tabelião. A petição também deverá ser assinada pelo advogado comum dos cônjuges, ou pelos advogados de cada um. Na petição deverá conter a descrição e a partilha dos bens dos cônjuges, a guarda e regime de visitas dos filhos quando menores ou incapazes, bem como o valor para educá-los e criá-los, a pensão alimentícia devida à mulher, quando esta não tiver bens para se manter.

O juiz constatando que a petição de separação judicial preenche os

requisitos legais ouvirá os cônjuges sobre as causas da separação explicando, suas consequências.

Conforme entenda o juiz, homologará após ouvir o Ministério Público ou

mandará que as partes voltem e ratifiquem o pedido.

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A separação judicial litigiosa será proposta por um dos cônjuges, através de processo contencioso, onde o cônjuge que propor a ação deverá provar que o outro cônjuge violou os deveres do casamento e tornou insuportável a vida em comum, seja pelo adultério, por tentativa de morte, abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo e outros. Neste caso , a separação poderá ser pedida a qualquer tempo, sendo esta separação chamada de separação-sanção, prevista no caput do artigo 1.572 do Código Civil. Esta sanção ocorre quando um ou ambos os cônjuges sejam culpados no término da sociedade conjugal, sejam punidos como, por exemplo, perder o direito de usar o sobrenome do outro. A jurisprudência entende que não há necessidade de comprovar a culpa, nem o s motivos para se requerer a separação, pois violaria a privacidade e a intimidade do casal.

Na separação judicial litigiosa, existem algumas causas que não dependem de

culpa, sendo objetivas e previstas no parágrafo primeiro do artigo 1.572 do Código Civil, é a separação falência, e ocorre quando um dos cônjuges provar a ruptura da vida em comum a mais de um ano e a impossibilidade de sua reconstituição, não importando se um ou se ambos deram causa à separação. Doutrinadores entendem que a ruptura da vida em comum pode se dar com a separação de fato por mais de um ano ou até mesmo quando o casal mesmo morando juntos, não mantém relações sexuais, não tomam juntas suas refeições.

Existe também a separação remédio que está regulamentada no parágrafo

segundo e terceiro do artigo 1.572 do Código Civil, onde prevê a possibilidade de um dos cônjuges pedir a separação judicial quando o outro estiver acometido de doença mental grave. Prevê a lei que a doença grave não pode ser física e sim mental como, por exemplo, a esquizofrenia, a paranóia e outras. A doença deve ser manifestada após o casamento, mesmo que originada antes, tornando impossível o relacionamento da vida conjugal. A lei exige ainda que após dois anos da manifestação da doença, a mesma seja avaliada como de cura improvável. Para desestimular os pedidos de separação judicial por acometimento de doença mental grave, a lei estabelece uma sanção que é a reversão ao cônjuge doente da propriedade exclusiva dos bens que levou para o casamento, e a meação dos bens adquiridos durante a sociedade conjugal.

Doutrinadores entendem que não faz sentido pedir a separação judicial por

acometimento de doença mental grave, pois, passados dois anos de separação de fato, poderá ser pedido o divórcio direto, e ficar o cônjuge que pleiteou o pedido livre da sanção patrimonial.

A ação de separação judicial litigiosa poderá ser convertida em separação

consensual, conforme a vontade das partes. De igual modo, se os cônjuges quiserem, poderão restabelecer a sociedade conjugal a qualquer tempo, não podendo esta reconciliação prejudicar direitos de terceiros, como prevê, respectivamente, os artigos 1.580 e 1.577, do Código Civil. 2.4 Separação de corpos

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Dispõe o artigo 1.575 do Código Civil que a separação judicial importa na separação de corpos e a partilha dos bens. A separação de corpos serve como prova da separação de fato, acabando entre os cônjuges os deveres de coabitação e fidelidade recíproca.

A lei permite que antes de propor ação de separação judicial, a parte pode

requerer a separação de corpos, desde que comprovada sua necessidade, podendo após a sua concessão servir para a contagem do prazo de um ano para a conversão da separação judicial em divórcio. 2.5 Divórcio judicial

O divórcio não só termina com a sociedade conjugal, mas dissolve o casamento, permitindo aos cônjuges divorciados contraírem novo casamento. Acabam os deveres recíprocos entre os cônjuges, não admitindo a reconciliação , após o trânsito em julgado da sentença que o decretou.

O divórcio é de caráter personalíssimo, sendo possível somente aos cônjuges

requerê-lo, havendo uma exceção que é nos casos de incapacidade do cônjuge, em que a lei permite ao curador, ascendente ou irmão fazê-lo, como preceitua o artigo 1.582 do Código Civil.

O artigo 1.581 do Código Civil dispõe que o divórcio pode ser concedido sem

que haja prévia partilha dos bens. O divórcio pode ser feito por duas maneiras, sendo o divórcio conversão da

separação judicial ou extrajudicial e o divórcio direto, de igual forma, judicial ou extrajudicial . 2.5.1 Conversão da separação judicial em divórcio

Estabelece o artigo 1.580 do Código Civil que qualquer dos cônjuges após um ano de trânsito em julgado da sentença da separação judicial ou da decisão que concedeu a medida cautelar de separação de corpos, poderá pedir a conversão em divórcio.

A conversão da separação judicial em divórcio poderá ser consensual ou

litigiosa, dependendo se houver ou não consenso entre ambos. Sendo que no primeiro caso os cônjuges estão de acordo em fazer o pedido de conversão. Já no segundo caso, um dos cônjuges se recusa a consentir o divórcio ao outro.

Se o pedido de conversão for feito onde tramitou a ação de separação

judicial, deverá o mesmo ser apensado nos autos da separação. Caso contrário, o pedido de conversão deverá conter a certidão da sentença de separação ou de sua averbação no assento de casamento.

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O juiz não pode negar a sentença de conversão, salvo se os cônjuges

entrarem com o pedido antes de decorrido um ano da separação judicial, caso em que o juiz julgará improcedente o pedido, podendo somente ser renovado depois de cumprido o prazo legal estipulado pelo artigo 1.580 do Código Civil. A sentença de conversão não fará referências à causa que a determinou. 2.5.2 Divórcio direto

Quando os cônjuges houverem se separado de fato há mais de dois anos, a lei permite que se faça o divórcio direto. Não sendo necessário que se demonstre a causa que originou a separação.

O divórcio direto pode ser feito de maneira consensual ou litigiosa, exigindo -se,

em ambos os casos, o prazo de dois anos de separação de fato, conforme determinam o parágrafo segundo do artigo 1.580 do Código Civil e o parágrafo sexto do artigo 226 da CF/88. 2.5.3 Divórcio direto consensual

Será adotado o procedimento previsto nos artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil, devendo ainda observar o artigo 40, parágrafo segundo da lei 6.515/77 – Lei do Divórcio (nesta parte continua em vigor), que preceitua: art. 40. No caso de separação de fato, e desde que completados 2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovida ação de divórcio, na qual deverá ser comprovado decurso do tempo da separação. (Redação dada pela Lei nº 7.841, de 17.10.1989)

§ 1º - O divórcio, com base neste artigo, só poderá ser fundado nas mesmas causas previstas nos artigos 4º e 5º e seus parágrafos. (Revogado pela Lei nº 7.841, de 17.10.1989) § 2º - No divórcio consensual, o procedimento adotado será o previsto nos artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo Civil, observadas, ainda, as seguintes normas: I - a petição conterá a indicação dos meios probatórios da separação de fato, e será instruída com a prova documental já existente; II - a petição fixará o valor da pensão do cônjuge que dela necessitar para sua manutenção, e indicará as garantias para o cumprimento da obrigação assumida; III - se houver prova testemunhal, ela será produzida na audiência de ratificação do pedido de divórcio a qual será obrigatoriamente realizada; IV - a partilha dos bens deverá ser homologada pela sentença do divórcio. § 3º - Nos demais casos, adotar-se-á o procedimento ordinário. (BRASIL, 1977, p. 6).

Se durante o trâmite da ação de divórcio, um dos cônjuges vier a falecer, a ação

será extinta, sendo o estado civil do cônjuge sobrevivente o de viúvo.

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2.5.4 Divórcio direto litigioso

Este se dá quando os cônjuges separados de fato há mais de dois anos, não entram em consenso, onde um deles se recusa em se divorciar. O cônjuge interessado em divorciar-se entra com uma ação, em que o outro poderá contestar. A contestação só poderá versar sobre o tempo exigido da separação de fato.

No divórcio direto litigioso, preceitua a lei que deverá ser seguido o

procedimento ordinário, em que é ônus do autor provar a separação de fato há mais de dois anos, que poderá ser feita através de documentos, testemunhas e outras. Não há necessidade de provar os motivos do pedido de divórcio. 3 SEPARAÇÃO E DIVÓRCIO VIA ADMINSTRATIVA

A Lei 11.441 foi criada em 04 de janeiro de 2007, sendo publicada no Diário da União em 05 de janeiro de 2007, entrando em vigor na mesma data, pois não foi aplicada a vocatio legis de 45 dias.

Esta lei permite que as separações e divórcios consensuais sejam realizados via

administrativa, dando celeridade aos procedimentos. O que na maioria das vezes não ocorria antes da edição desta lei, pois, os pedidos de separação e divórcio eram inúmeros, e a burocratização que existia fazia com que um procedimento que poderia ser simples e rápido tornasse difícil e demorado.

Para a realização do casamento não é preciso que o Estado intervenha

judicialmente na vida privada das pessoas, sendo que por esse motivo, não se justifica a intervenção do mesmo nos casos de término e dissolução da sociedade conjugal, ferindo a liberdade do casal .

O artigo 3° da lei 11.441/07 acrescenta ao Código de Processo Civil o

artigo 1.124-A, o qual dispõe que: art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. § 1º. A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. § 2º O tabelião somente lavrará a escritura se os contratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles ou por defensor público, cuja qualificação e assinatura constarão do ato notarial. § 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. (VADE MACUM, 2009, p. 310).

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Em razão disso, nos casos de separação e divórcio consensuais em que não haja filhos menores ou incapazes, que tenha consenso entre os cônjuges e sejam assistidos por advogado, podem ser realizados de forma extrajudicial, em cartório, de forma rápida, sem constrangimento para o casal, e consequentemente desafogando o Poder Judiciário. 3 .1 Competência

A separação e o divórcio consensuais poderão ser feitos em qualquer cartório, não se aplicando as regras de competência do Código de Processo Civil, cabendo aos cônjuges a escolha do tabelionato que acharem mais convenientes. 3.2 Faculdade da via administrativa

A separação e o divórcio consensuais feitos via administrativa são faculdades dos cônjuges, pois caso queiram, a lei não impede que eles entrem com uma ação judicial.

A faculdade da via extrajudicial está prevista no próprio caput do artigo 1.124-

A do Código de Processo Civil, onde estabelece que as partes “poderão” realizar a separação e o divórcio consensuais por escritura pública. O verbo “poderão”, como dito é uma faculdade e não um dever. As partes não precisam esgotar as vias administrativas para procurar à judicial, pois a Constituição Federal dispõe o pleno acesso ao judiciário em seu artigo 5°, XXXV.

A Resolução n° 35/07 do Conselho Nacional de Justiça, que disciplina a

aplicação da lei 11.441/07, teve o mesmo posicionamento em ser uma faculdade e não uma obrigação a via administrativa. 3.3 Documentos exigidos

Não há necessidade de peticionar aos tabeliães para a lavratura de escritura pública de separação e de divórcio, e sim um requerimento das partes e advogado, junto com os documentos exigidos pela Resolução n°35/07 do Conselho Nacional de Justiça, elencados em seu artigo 33.

Art. 33. Para a lavratura da escritura pública de separação e de divórcio

consensuais, deverão ser apresentados: a) certidão de casamento; b) documento de identidade oficial e CPF/MF; c) pacto antenupcial, se houver; d) certidão de nascimento ou outro documento de identidade oficial dos filhos absolutamente capazes, se houver; e) certidão de propriedade de bens imóveis e direitos a eles relativos; e f) documentos necessários à comprovação da titularidade dos bens móveis e direitos, se houver. (CRUZ, 2008, p.151).

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No caso de separação consensual, os cônjuges precisam provar que estão

casados a mais de um ano, manifestarem vontade de por fim à sociedade conjugal, não ter filhos menores não emancipados ou incapazes e estarem assistidos por advogado, conforme dispõe o artigo 47 da mesma Resolução.

No caso do divórcio consensual, quando for por conversão da separação exige-se

a apresentação de certidão atualizada do processo judicial ou certidão de averbação da separação no assento de casamento, conforme reza o artigo 52 da Resolução n° 35/07 do CNJ.

Já quando o divórcio consensual for direto deve ser provada, através de documentos e testemunhas, a separação dos cônjuges a mais de dois anos, de acordo com o artigo 53 da Resolução n°35/07 do CNJ. 3.4 Custas x gratuidade nas escrituras

Ao realizar as escrituras, os cônjuges deverão pagar uma taxa pela realização dos serviços prestados. O artigo 4° da Resolução n°35/07 do CNJ diz que o valor dos emolumentos deverá corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados. O valor a ser cobrado não poderá ser calculado em porcentagem em relação ao valor dos bens. No Estado de Goiás, a tabela de emolumentos prevê o valor de R$ 66, 00 (sessenta e seis reais) para realizar a escritura quando o casal não tiver bens, podendo chegar até o valor de R$ 2.107,00 (dois mil, cento e sete reais).

Quando os casais não tiverem condições econômicas de arcar com as custas,

prevê a lei a possibilidade da gratuidade. A gratuidade é a isenção no pagamento de custas, que no caso das separações e divórcios consensuais é regulada pelo parágrafo 3° do artigo 1.124 -A do CPC, “§ 3º A escritura e demais atos notariais serão gratuitos àqueles que se declararem pobres sob as penas da lei. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007) ” (VADE MECUM, 2009, p. 310).

Também regulada pela Resolução n° 35/07 do CNJ, em seus artigos 5°e 6°: art.

6º A gratuidade prevista na Lei n° 11.441/07 compreende as escrituras de inventário, partilha, separação e divórcio consensuais. (CRUZ, 2008, p. 148). Art. 7º, para a obtenção da gratuidade de que trata a Lei nº 11.441/07, basta a simples declaração dos interessados de que não possuem condições de arcar com os emolumentos, ainda que as partes estejam assistidas por advogado constituído. (CRUZ, 2008, p. 148).

A gratuidade é uma garantia constitucional, prestada aos que comprovem que

não têm condições financeiras. A comprovação poderá ser feita pelos próprios cônjuges, através de uma declaração, em que os mesmos afirmarão se responsabilizar civil, administrativa e penalmente, ou da mesma forma pelo próprio procurador.

A gratuidade prevista será da escritura, mas se preciso averbação em

outros cartórios, a mesma também será deferida.

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3.5 Separação e divórcio por procurador

Quando as partes não puderem estar presentes, como por exemplo, quando morarem em lugares distintos, a separação e o divórcio consensuais poderão ser feitos através de procurador. A procuração deve ser pública e com poderes específicos, tendo como validade o prazo de 30 dias, conforme artigo 36 da Resolução n° 35/07 do CNJ. 3.6 Exigência de ausência de filhos menores ou maiores incapazes

Uma das exigências que a lei 11.441/07 faz para que seja feita a separação e o divórcio consensuais extrajudiciais, é que o casal não tenha filhos menores ou maiores incapazes. Mas há entendimentos de que seria possível fazer a escritura, desde que não fira os direitos indisponíveis dos filhos, como prescreve o renomado autor Madaleno: em nada interfere a separação ou o divórcio extrajudicial se o casal já cuidou de acordar em demanda precedente os interesses pertinentes à guarda, visitas e aos alimentos de sua prole menor ou incapaz, ou mesmo se já tratou desses itens em uma antecedente separação consensual de corpos homologada e transitada em julgado (2009, p. 247).

Os filhos maiores e capazes que dependem por estarem, por exemplo, cursando

uma faculdade em tempo integral, ao contrário da separação judicial, deverão estar presentes na lavratura da escritura, não lhes sendo permitido ser representados por seus pais.

Se o casal tiver filhos menores emancipados, poderão realizar a escritura, desde

que a emancipação não seja feita com o intuito de fraudar a separação ou o divórcio extrajudicial. 3.7 Exigência da presença do advogado

A presença de advogado ou de defensor público na realização de escritura de separação e divórcio consensuais extrajudiciais é requisito necessário, sem o qual dito documento não poderá ser lavrada.

Alguns doutrinadores entendem que assim como não precisa do advogado

quando se realiza o casamento, não haveria necessidade da presença do mesmo na realização da separação e divórcio via administrativa, pois fere a liberdade dos casais. Pensam uma vez que tal exigência fosse para privilegiar o advogado para que exerça sua profissão, ainda que em situações de simples resolução, como esta em comento. Os que entendem em sentido contrário defendem a idéia de que sem a presença do profissional do direito, poderiam surgir acordos temerários e fraudes.

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Não há necessidade de apresentar procuração do advogado, visto que na escritura de separação e divórcio via administrativa, consta a outorga de poderes ao advogado.

O artigo 9° da Resolução n°35/07 do CNJ, proíbe o tabelião de indicar advogado

às partes, pois o advogado deve ser de confiança do casal. Reza o mesmo artigo que se as partes não tiverem condições financeiras, o tabelião deverá recomendar que procurem a Defensoria Pública, e na falta desta, que procurem a Seccional da Ordem dos Advogados do Brasil. 3.8 Recusa do tabelião em fazer a escrituração

O artigo 46 da Resolução n°35 do CNJ, traz as hipótese em que o tabelião pode se recusar em fazer a escritura de separação e divórcio extrajudiciais, sendo elas: “art. 46. O tabelião poderá se negar a lavrar a escritura de separação ou divórcio se houver fundados indícios de prejuízo a um dos cônjuges ou em caso de dúvidas sobre a declaração de vontade, fundamentando a recusa por escrito .” (CRUZ, 2008, p. 153).

Isso se justifica por que muitas vezes acontecem casos em que uma das partes

age de má-fé, tentando prejudicar a outra, ou mesmo casos em que não há a intenção , mas gera vantagem a um e desvantagem ao outro, trazendo prejuízo a um dos cônjuges. Ou ainda quando o casal toma decisões precipitadas em momentos de desequilíbrio emocional, viciando sua vontade.

O tabelião quando verificar a ocorrência de alguns desses fatos tem o dever de

negar a escritura, sob pena de responder civil, administrativa e criminalmente. Lembrando que só responde quando se tratar de erro grosseiro, pois o tabelião não tem o dever de investigar a ponto de obter informações suficientes para negar a escritura. 3.9 Responsabilidade do tabelião

A escritura lavrada por tabelião é dotada de fé pública, como preceitua o artigo 215, caput do Código Civil: “art. 215. A escritura pública, lavrada em notas de tabelião, é documento dotado de fé pública, fazendo prova plena.” (VADE MECUM, 2009, p. 150).

A fé pública é uma afirmação de que são verdadeiros os atos praticados, gerando efeitos jurídicos, onde o tabelião se responsabilizará.

A responsabilidade prevista para o tabelião é a subjetiva, ou seja, aquela onde se

analisa se teve ou não culpa, como por exemplo, verificar se o tabelião conferiu os documentos trazidos pelas partes. É, ainda, pessoal, pois a responsabilidade é do tabelião que praticou o ato e não da serventia. O Estado ao contrário responde objetivamente, ou seja, independente de culpa, cabendo a parte prejudicada, caso queira, escolher contra quem irá entrar com uma ação.

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O tabelião deve ter o maior cuidado ao lavrar as escrituras, para que as mesmas sejam feitas de forma clara, seguindo as normas legais. Verificar ainda se existe vício, fraude ou coação nas separações e divórcios que irá escriturar. Vale lembrar que a responsabilidade civil do tabelião não exime a penal e a administrativa.

O artigo 42 da Resolução n°35/07 do CNJ diz que não há sigilo nas

escrituras públicas de separação e divórcio. Mas apesar de não ser segredo de justiça, o tabelião não pode sair contando sobre seu serviço.

O tabelião é responsável por eventuais desvios e atos praticados contra a

lei, respondendo civil, administrativa e criminalmente. Ele deve fazer com que os interesses das partes sejam preservados, respondendo pelos erros e omissões grosseiras. As cláusulas que versarem sobre questões econômicas como, por exemplo, a partilha de bens deve ser ajustada em conjunto pelas partes que serão livres para isso. O tabelião tem o dever de evitar nulidades, sendo que se o mesmo verificar que o interesse de uma das partes estiver prejudicado a ponto de acarretar a situação de penúria deverá ele se recusar a fazer o acordo.

O tabelião deverá ter cautela na prevenção do desequilíbrio da partilha dos bens,

preservando a dignidade da pessoa humana, deixando a repressão ao juiz. 3.10 Cláusulas obrigatórias

Dispõe o caput do artigo 1.124-A do Código de Processo Civil: art. 1.124-A. A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão ser realizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelo cônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu o casamento. (Incluído pela Lei nº 11.441, de 2007) (VADE MECUM, 2009, p. 310).

Quando fazemos a leitura do presente caput, temos a impressão de que é

condição obrigatória ao realizar uma escritura pública de separação ou divórcio via administrativa, constar as disposições relativas à descrição , partilha dos bens comuns, pensão alimentícia e o acordo quanto à retomada ou não pelo cônjuge de seu nome de solteiro. Tal condição não é obrigatória, visto que não atenderia a finalidade da via extrajudicial, que foi criada na intenção de simplificar o procedimento da separação e do divórcio, e não de dificultar como, por exemplo, não realizar a escritura por não terem o casal decidido questões sobre alimentos.

Não há necessidade de partilhar os bens do casal no momento da realização

da escritura de separação e divórcio, sendo uma faculdade dos cônjuges, que poderão realizar a partilha após o término ou dissolução do casamento. Isto se justifica por que até mesmo na esfera judicial esta cláusula não é requisito como prevê o artigo 1.581 do Código Civil e o parágrafo primeiro do artigo 1.121 do Código de Processo Civil, vejamos: art. 1.581. O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens. (VADE MECUM, 2009, p.208 ).

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Artigo 1.121: § 1o Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens,

far-se-á esta, depois de homologada a separação consensual, na forma estabelecida neste Livro, Título I, Capítulo IX. (VADE MECUM, 2009, p. 310).

Quanto à disposição da retomada ou não pelo cônjuge de seu nome de solteiro,

haverá caso em que as partes não chegarão a um consenso, como por exemplo, quando uma delas não queira que a outra utilize seu nome. Neste caso, por haver litígio, poderão entrar com uma ação judicial para resolução da questão, e independente fazer a separação ou o divórcio via administrativa. 3.11 Não intervenção do judiciário

O divórcio e a separação consensuais via administrativa não dependem de homologação judicial, como prescreve o parágrafo primeiro do artigo 1.124-A do Código de Processo Civil e ainda, artigo 3° da Resolução n°35/07 do CNJ, a saber: artigo 1.124-A, § 1º. A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para o registro civil e o registro de imóveis. (Incluído pela Lei n º 11.441, de 2007). (VADE MECUM, 2009, p. 310).

Art. 3º As escrituras públicas de inventário e partilha, separação e

divórcio consensuais não dependem de homologação judicial e são títulos hábeis para o registro civil e o registro imobiliário, para a transferência de bens e direitos, bem como para promoção de todos os atos necessários à materialização das transferências de bens e levantamento de valores (DETRAN, Junta Comercial, Registro Civil de Pessoas Jurídicas, instituições financeiras, companhias telefônicas, etc.) (CRUZ, 2008, p. 147).

Um dos motivos da nova lei 11.441/07 foi o de desafogar o judiciário,

sendo assim, não haveria sentido em submeter às escrituras a passar nas mãos do magistrado, para que faça a referida homologação.

Quando as partes em comum acordo quiserem alterar cláusula de

separação e divórcio via administrativa referente à partilha, alimentos e nome, poderão fazê-lo através de escritura pública, não necessitando submeter ao judiciário, tendo somente como requisito a manifestação de vontade.

Da mesma forma se fará nos casos de alteração de cláusula de separação

judicial em que as partes estejam em comum acordo, exigindo além da manifestação de vontade, que o casal não tenha filhos menores ou maiores incapazes. A regra aplica-se também às separações judiciais realizadas antes da vigência da lei 11.441/07. Vale lembrar que o que se altera é a cláusula de separação judicial e não a sentença do juiz. 3.12 Anulação da escritura

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A manifestação de vontade é um dos requisitos exigido pela lei 11.441/07, nos

casos de separação e divórcio consensuais via administrativa. Não podendo a mesma ser eivada de vícios, como coação, fraude, dolo e outros, sob pena de anulação, restaurando o casamento.

A ocorrência de anulabilidade deverá ser requerida pela parte lesada, devendo

fazer prova do vício na manifestação de vontade. Se a anulação for referente somente a questões patrimoniais, como por exemplo,

a partilha, não apresentando vícios no consentimento, o casamento não será restaurado. A anulação não prejudicará direitos de terceiros. 3.13 Reconciliação

O casal, depois de feita a separação, tanto extrajudicial como judicial, em casos de arrependimento e reconciliação, podem vir a restabelecer a sociedade conjugal, pela via administrativa, como preceitua o artigo 48 da Resolução n°35/07 do CNJ. Lembrando que o restabelecimento da sociedade conjugal não poderá prejudicar direitos de terceiros.

Para se fazer a retratação, os cônjuges devem apresentar a certidão da sentença

de separação ou da averbação da separação no assento de casamento, devendo o tabelião seguir as normas ditadas no artigo 49 da Resolução n°35/07 do CNJ.

Art. 49. Em escritura pública de restabelecimento de sociedade conjugal, o

tabelião deve: a) fazer constar que as partes foram orientadas sobre a necessidade de apresentação de seu traslado no registro civil do assento de casamento, para a averbação devida; b) anotar o restabelecimento à margem da escritura pública de separação consensual, quando esta for de sua serventia, ou, quando de outra, comunicar o restabelecimento, para a anotação necessária na serventia competente; e c) comunicar o restabelecimento ao juízo da separação judicial, se for o caso. (CRUZ, 2008, p. 154).

Caso seja feita a retratação, fica vedado as partes fazerem modificações na

sociedade conjugal. Depois de concluído o restabelecimento da sociedade conjugal, deverá fazer a averbação no registro civil, para que a mesma seja efetivada. 3.14 Aspectos negativos e positivos da Lei 11.441/07

A lei 11.441/07 traz pontos negativos e positivos. Sendo os negativos, a possibilidade de fraude pelos cônjuges em relação ao direito de um deles ou até mesmo a terceiros. As fraudes podem ocorrer de várias maneiras, uma delas é quando o casal possui filhos menores, e emancipam os mesmos, realizando a separação ou

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o divórcio via administrativa, com o intuito de se eximir da responsabilidade de prestar pensão alimentícia.

Outra possibilidade é de o casal embora ainda convivam juntos, separaram ou

divorciam-se para fraudar credores, fazendo a separação dos bens, para não sofrerem execuções e perderem seu patrimônio.

Neste sentido expõe o autor Madaleno: há igualmente sério risco de fraude

com relação aos direitos de terceiros contratantes com os consortes, diante da possibilidade de existirem separações ou divórcios de pura fachada, expedientes de gaveta, utilizado por casais devedores, que para consumo externo pactuaram a sua separação na defesa dos bens comuns contra credores e execuções, embora continuem convivendo como marido e mulher. (2009, p. 244).

Em se tratando de aspectos positivos, a lei permite ao casal a faculdade de

realizar a separação ou o divórcio via administrativa, quando existir consenso entre os cônjuges e desde que observem os requisitos legais. Como já dito, a via administrativa é uma faculdade, ou seja, é mais uma opção colocada a disposição dos casais. Onde podem através de uma escritura terminar ou dissolver a sociedade conjugal de uma forma mais simples e rápida.

Também outro ponto positivo, foi para o judiciário que vive sobrecarregado de

ações, fazendo diminuir a quantidade de processos sob a sua cautela.

4 ENTREVISTA COM O JUIZ DA 3ª VARA CÍVEL DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DA COMARCA DE JATAÍ-GO E TABELIÃO DE SERVIÇO DE REGISTRO CIVIL E TABELIONATO DE NOTAS

4.1 Entrevista com Juiz Dr. Élcio Vicente da Silva

1) A edição da lei 11.441/07 possibilitou a separação e o divórcio serem realizados extrajudiciais, em casos onde houver consenso entre os cônjuges e desde que preenchido os requisitos legais. A referida lei trouxe benefícios ao Judiciário?

R. A lei que permitiu a realização da separação e do divórcio via extrajudicial significou diminuição no ingresso de ações nas Vara de Família. E que, com assistência do advogado, houve simplificação do procedimento. Devido à questão de assistência de patrimônio a partilhar, o casal nem sempre opta pelo cartório extrajudicial, por causa das custas envolvidas. A saída é procurar a Justiça, pedindo a assistência judiciária.

2) Mesmo com a implantação da lei ainda há procura pela via judicial? R. A falta de consenso entre as partes, filhos menores ou incapazes ou a

necessidade de assistência judiciária (havendo bens) ainda levam as pessoas a procurar o Judiciário para defesa de seus direitos. 4.2 Entrevista com o tabelião Sr. Ednei de Freitas Fernandes

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1) É grande a procura para se fazer a separação e o divórcio consensual

extrajudicial? R. Sim, a procura deste serviço é grande pela facilidade de ser um

procedimento mais rápido e satisfatório, onde legaliza a vontade das partes de forma consensual. Hoje a procura por este serviço neste Tabelionato é de em média 30 escrituras por mês.

2) Sabemos que em casos onde houver indícios de prejuízo a um dos cônjuges

ou em casos de dúvida sobre a declaração de vontade, o tabelião pode se recusar a lavrar a escritura. É fácil detectar a ocorrência destes casos?

R. Não é fácil por ser atos consensuais em que os casais formulam o acordo com o advogado e procuram o tabelionato para formalizar este acordo de forma pública. Até por que o tabelião tem o dever de analisar os documentos e os requisitos previstos na lei, mas não irá investigar a fundo a vida dos casais.

3) A lei permite o restabelecimento da sociedade conjugal. Na prática, há

procura pelos cônjuges em fazer a retratação? R. Na prática isso quase não acontece. Tivemos um caso neste tabelionato,

onde o casal no dia seguinte após a separação consensual, retornou para fazer a revogação da escritura. CONCLUSÃO

A presente pesquisa apresentou noções amplas sobre a separação e o divórcio consensuais via administrativa. A criação da lei 11.441/07 foi mais uma faculdade para os cônjuges ao terminar, dissolver a sociedade conjugal, possibilitando aos mesmos a realizarem a separação e o divórcio consensuais extrajudiciais quando não possuírem filhos menores ou maiores incapazes, observado os prazos legais e acompanhados de advogado. Além de ser mais uma opção aos cônjuges, esta lei permitiu dar mais celeridade nas separações e divórcios consensuais, diminuindo grande quantidade de processos em trâmite junto ao Poder Judiciário.

Por fim, o objetivo desta monografia, ao analisar este tema, foi verificar

os benefícios trazidos à população com a edição da lei 11.441/07, a desburocratização no procedimento, restringindo a intervenção do Estado na vida das pessoas, preservando sua liberdade. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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2010. 10. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro. 7. ed. rev. atual. São

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Juruá, 2009. 13. VADE MECUM. Acadêmico de Direito. 8. ed. São Paulo: Rideel, 2009.

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ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA OAB: PROCESSO ÉTICO - DISCIPLINAR

Discente - ELIANE APARECIDA CASTRO PAES MAIA

Professor – JUVERCI FELÍCIO VIEIRA RESUMO: No império Romano do Oriente, com Justiniano, aparecem os primeiros registros de advogados. As Ordenações Filipinas, Livro I, Título XLVIII, determinavam oito anos de estudo para a formação do advogado. Duarte Peres foi o primeiro advogado do Brasil Colônia, degredado em 1501. Com a Independência do Brasil, criaram-se os primeiros cursos jurídicos em Olinda e São Paulo; contudo, a Ordem dos Advogados do Brasil só passou a existir legalmente em 1930. A OAB instituiu para si um Estatuto, a Lei 8.906/94, o Código de Ética e Disciplina, o Regulamento Geral da OAB, Provimentos, Regimentos e Portarias, legislações de natureza administrativa, que regulamentam a atividade advocatícia, bem como, fixam finalidade e competência de cada órgão vinculado ao Conselho Federal, órgão soberano com sede no Distrito Federal, atuando por meio de suas Seccionais, instaladas nas Capitais dos Estados brasileiros, e suas Subsecções com sede nos municípios, e a Caixa de Assistência aos Advogados, que promove saúde e seguridade a todos afiliados à Ordem. A Ordem dos Advogados do Brasil pugna por prestar um serviço social de caráter público, indispensável à Justiça, para isso, criou um Tribunal de Ética e Disciplina com o fito de processar e julgar as questões infracionais cometidas pelos seus inscritos, de forma célere e visando a economia processual, detém a OAB o dever de punir seus afiliados, mantendo, assim, a instituição imaculada em sua integridade ética. A advocacia deve ser exercida, observando toda legislação a ela inerente, conforme segue: O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, Lei, n. 8.906/94, Capítulo I – Do processo Disciplinar (arts. 70 a 74); O Código de Ética e Disciplina da OAB – Título II – Do Processo Disciplinar (arts. 49 a 66); O Código de Ética e Disciplina da AOB – Capítulo I – Da Competência do Tribunal de Ética e Disciplina (arts. 49 a 50); Título II – Dos Procedimentos ( arts. 51 a 61); O Código de Ética e Disciplina da OAB – Capítulo III – Das Disposições Gerais e Transitórias (arts. 62 a 66). Sem nenhuma dúvida, o inscrito que não observar estas normas poderá sofrer o processo e suportar as penas, descritas no art. 35 da Lei 9.806/94, do Estatuto, estas consistem em: Censura, Suspensão, Exclusão e Multa. Palavras-chave: Estatuto da Advocacia Lei n.º8.906/94; Código de Ética e Disciplina da OAB; Regulamento Geral da OAB; Provimento 83/96; Fases do Julgamento do Processo Ético Disciplinar; Procedimento Cautelar no Processo Disciplinar; Tipos de Recursos; Das Penas e Sanções Disciplinares. INTRODUÇÃO

Acadêmico em direito, Bacharel em direito e o Advogado inscrito, são degraus para a correta formação do futuro profissional, atividade festejada pela Carta Magna em seu artigo 133, o de elevar a categoria em espécie, ao mais alto nível de eleição que é

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tornar-se a partir da inscrição na OAB, um operador do direito, indispensável a administração da Justiça.

Em que pese, quanto ao desenvolvimento do trabalho de cada advogado, sua

conduta deve pautar-se de uma certa moral, previsão codificada nos fundamentos da ética e da consciência moral social. Eis que, o dever ser, reclama pela equidade na administração da Justiça, ainda mais por tratar-se de tutelar bens e direitos de terceiros de boa fé, assim, a Ordem dos Advogados do Brasil, com o intuito de zelar pelo bom nome da coletividade exercente de advocacia, vela pela correta aplicação das leis, de modos que, para manter a dignidade de toda classe afiliada a Ordem dos Advogados do Brasil, a OAB criou para si legislação própria, ou seja, o Estatuto, Lei 8.906/94, um Código de Ética e Disciplina, o Regulamento Geral, além de Provimentos e Portarias diversas, com o fim de disciplinar e punir as possíveis infrações que venham cometer seus inscritos no desdobrar de sua função, aos quais cabe sempre observar todo complexo de normas pela OAB instituída.

A Ordem dos Advogados do Brasil adotou o modelo Federativo na sua estrutura

física, desta forma, é por meio de seus órgãos, Conselhos Seccionais, Subseções, Caixa de Assistência aos Advogados, que ela pode cumprir a finalidade estampada no artigo 44 do Estatuto. Tais órgãos assemelham-se aos membros de um enorme corpo dividido em partes, segundo os Estados e Municípios que passam a existir, vinculados contudo ao Conselho Federal, situado no Distrito Federal, o qual é como a cabeça de todo o corpo. Os órgãos atuantes, uma vez constituídos nas suas bases territoriais, se interagem como um todo, a serviço do órgão soberano, o Conselho Federal, pois, todos concorrem para um mesmo fim, o de zelar e vigiar constantemente, sobre todos os inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, compelindo seus afiliados, por meio legal, a cumprir com os deveres referentes a sua função, com a Ordem e com a própria Justiça, por meio do Processo Ético Disciplinar, de competência exclusiva da OAB, disciplinar, selecionar e punir seus inscritos, vedando assim, a Justiça comum de não imiscuir-se nas questões meramente administrativas, porque na OAB o poder de punir lhe é exclusivo, tratando-se de Processo Disciplinar, sede da presente monografia, demonstrando ao final que neste procedimento de natureza administrativa, que o Estatuto, Lei n.º 8.906/94, o Código de Ética e Disciplina da OAB, o Regulamento Geral e suas Portarias e Regimentos, são o bastante para o desenvolvimento legal do Processo Ético Disciplinar.

1. A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL

De olho nos dados históricos, vemos que o exercício da advocacia, como defesa de pessoas, direitos, bens e interesses, teria o seu nascedouro desde o terceiro milênio antes de Jesus, o Cristo, na Suméria, segundo conhecimentos históricos comprovados. Versa no Antigo Testamento, a tradição de que entre os judeus, os sábios em leis ou Juízes, podiam ministrar argumentos e fundamentos em defesa de quem necessitasse, perante autoridades ou tribunais, o que, igualmente, se pode inferir de um fragmento do Código de Manu, prática esta, a qual era terminantemente proibida no Egito, graças ao pensamento de que os usos retóricos e suasórios utilizados pelo defensor, poderiam influenciar os Juízes.

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Contudo, foi na Grécia antiga, especificamente em Atenas, que surgiram os

grandes oradores, tais como Demóstenes, Péricles, Isócrates, defensores dos interesses das partes, dando assim, origem ao exercício da advocacia. Os primeiros registros de advogados - Segundo dados históricos, foi o Imperador Justino, antecessor de Justiniano, quem constituiu no século VI, a primeira Ordem de Advogados no Império Romano do Oriente, pois, tantos quantos fossem advogar no foro, eram obrigados a ser registrados, além de, ser aprovados em exame de jurisprudência, ter boa reputação, não ter mancha de infâmia, comprometer–se a quem o pretor em caso de necessidade designasse, não usar de falsidade, não pactuar “ quota-litis”, não abandonar a defesa, uma vez aceita. O fato é que, em Roma a função do advogado existia sob forma de instituição liberal, e no Baixo Império, os advogados foram organizados em colégio, sob o nome de “Ordem dos Advogados”, isto, durante o Império de Justino.

No entanto, há divergência de opinião, entre vários autores, os quais apontam o

século XIII, com a Ordenança francesa do Rei São Luiz, o qual teria indicado requisitos para o exercício da profissão, o que configuraria o marco inicial da regulamentação legal da advocacia, porém, tal Ordenança marcou apenas as regras deontológicas da profissão e não sua regulamentação. O primeiro advogado brasileiro - As Ordenações Filipinas, no Livro I, Título XLVIII, determinavam que: todos os letrados que, houverem de advogar e procurar em nossos Reinos, tenham oito anos de estudo cursados na Universidade de Coimbra em Direito Canônico, ou Civil, ou em ambos.

Assim, aquele que fosse pego em desacordo com esta determinação, sofria

severa pena de prisão ou degredo. O primeiro advogado Brasileiro, foi Duarte Peres, o bacharel de Cananéia,

degredado, deixado em Cananéia no ano de 1501. No período Brasil Colônia, a magistratura era constituída de ignorantes, corrompidos, rábulas e analfabetos, além de tudo, trapaceiros, pois, esta espécie era fruto do Alvará Régio, de 24 de julho de 1734, que declarou que fora da Corte, poderia ser advogado: “ qualquer pessoa idônea, ainda que não seja formado,tirando Provisão.”

O termo Provisão foi que designou o título de provisionado, que perdurou no

Brasil até o advento do Estatuto da Advocacia Lei n. 8.906/94. Com a independência do Brasil, a advocacia foi reconhecida como profissão, e

isto, a partir da criação dos cursos jurídicos, em 11 de agosto de 1827, em Olinda e São Paulo; em 9 de julho de 1825, fora criado provisoriamente na Capital do Império (Rio de Janeiro) um curso jurídico, o qual nunca se instalou, porém, resultou na elaboração dos Estatutos das Faculdades de Direito, pelo Visconde de Cachoeira, adotado mais tarde pelas Faculdades de São Paulo, instalada no Convento de São Francisco em 01/03/1828, e em Olinda, no Mosteiro de São Bento em 15/05/1828, posteriormente, transferida para Recife em 1854.

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Na República Velha, os bacharéis tiveram acentuado declínio no crescimento de suas profissões, quadro que só se modificou após a fundação do Instituto da Ordem dos Advogados Brasileiros no ano de 1843, e depois, com a criação da Ordem dos Advogados do Brasil no ano de 1930, por meio da qual foi feita a regulamentação profissional do advogado, sob à exigência da formação universitária.

Dessa forma, com o surgimento dos dois primeiros Estatutos da Advocacia,

Decreto n.º 20.784, de 14/12/1931, e Lei n.º 4.215, de 27/04/1963, e finalmente foi consagrada a profissão pela Lei 8.906 de 04 de abril de 1994, donde o novo Estatuto definiu a advocacia como exercício profissional de postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e como atividade de consultoria, assessoria e direção jurídica, disciplinando o sentido e o alcance de sua indispensabilidade na administração da justiça, previsto no artigo 133 da nossa Carta Magna.

Assim, segundo a Constituição Federal, a advocacia é indispensável à

administração da justiça, e à luz do que nos legou Rui Barbosa, a advocacia é também tal como um ofício religioso, cuja faculdade foi o templo, a qual consagrou o bacharel em direito, ao exercício comparado ao sacerdócio, que de tal missão divina, a pureza, a fidelidade e honestidade, devem prevalecer, por tal razão, o Estatuto da Advocacia, Lei n.º 8.906/94, é a luz para o correto exercício deste sacerdócio.

2. O CÓDIGO DE ÉTICA E DISCIPLINA DA OAB

O termo ética, segundo o Vocabulário Jurídico de Plácido e Silva, conceitua: “Ética. Derivado do grego ethikós, é definida como a ciência da moral.” E ainda :“Moral. Derivado do latim moralis (relativo aos costumes), na forma substantiva designa a parte da filosofia que estuda os costumes, para assinalar o que é honesto e virtuoso, segundo os ditames da consciência e os princípios de humanidade.”

Embora apresentada a definição de “Moral e Ética”, sabemos que há vários

aspectos e correntes filosóficas diferentes, assim, vamos encontrar conceitos outros, no mesmo sentido . Contudo, é mister limitar os termos em proposição, no sentido e direção ao aspecto profissional, de modos que, é oportuno citar a lição de Ruy, A. Sodré, que define ética profissional, como: “A parte da moral que trata de moralidade dos atos humanos, e que necessita da complementação do termo – profissional – porque ela se aplica a uma atividade particular da pessoa humana“

De modo claro e definido, é dentro de sua estrutura organizacional que a OAB,

fundamentada em seu Estatuto, instituiu o seu Código de Ética, um conjunto de princípios que devem reger a conduta funcional de cada profissional inscrito nesta entidade institucional, devendo cada advogado observar e consentir com a fidelidade, honestidade e dignidade em honrar os artigos 33 a 54, V da Lei n. 8.906/94, Código de Ética este, o qual , o Conselho Federal da OAB no uso de suas atribuições , aprovou para o bem da classe, o Código de Ética e Disciplina , exortando ao seu quadro de inscritos a sua fiel observância.

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O que define o Código de Ética de uma determinada profissão é a responsabilidade que dela decorre, quanto maior sua importância, maior ainda será a responsabilidade que dela provém em face dos outros. Assim, tal como mandamentos basilares das relações laborais, um Código de Ética vincula o profissional a ideias de utilidade, prestatividade, lucratividade, categoria laboral, produção, prestação de serviços, e a atividade regulamentada e desenvolvida de acordo com a finalidade social.

De outro modo, a profissão, ofício ou atividade envolve uma relação social com

terceiros de boa fé, aos quais, devem ser protegidos pelo profissional, que deve visar sempre a valoração da dignidade humana, com isso, transformando por meio do exercício de sua profissão, a vida de pessoas que dela dependa.

No dizer de Maurice, Garçon, que ensina : o advogado está sujeito a uma

moralidade absoluta, integral, devendo, dominar não só as próprias paixões, mas as daqueles que o rodeiam.Não deve ceder nunca a solicitações suspeitas, tanto mais sedutoras quanto, a serem atendidas, poderiam facultar-lhe vantagens rendosas. A sua honestidade, a sua independência e a sua moderação- que não exclui a firmeza- devem estar acima de toda a suspeita.

Assim, a codificação das regras e princípios éticos são nada mais que um

conjunto de prescrições de caráter formal e jurídico, e deve o profissional adaptar sua ética pessoal aos mandamentos mínimos que circundam o comportamento da categoria da qual faz parte.

A liberdade profissional é vigiada pelas normas vigentes codificadas que

estipulam direitos e deveres de acordo com a sua categoria profissional, de modo que a instituição passa a controlar os atos de seus afiliados presos aos deveres éticos, impondo ao profissional o dever da conduta ética, o preparo técnico que é a ciência e o compromisso para com os efeitos de seu exercício profissional, isto é, a consciência ética, o dever de saber e o dever de ser, donde devem sobressair as virtudes profissionais, da competência, sigilo, honestidade e zelo, coleguismo, classismo, dentre outros.

3. DOS ÓRGÃOS COMPONENTES DA OAB

O artigo 45 caput, e seus incisos I, II, III e V da Lei 8.906/94, Estatuto da Advocacia e OAB dispõe: são Órgãos da OAB: I. o Conselho Federal; II. os Conselhos Seccionais; III. as Subseções; IV. as Caixas de Assistência dos Advogados; O Título II - Da Ordem dos Advogados do Brasil OAB - Capitulo I – Dos fins e da Organização – do Regulamento Geral da OAB, precisamente o artigo 44 do Regulamento, afirma que a finalidade prevista no artigo 44 do Estatuto, é cumprida pelos órgão componentes da OAB, ou seja, o Conselhos Federal e Seccionais e pelas Subsecções, de modo integrado, observado suas competências especificas. Ainda o Regulamento Geral da OAB, artigo 62 dispõe: o Conselho Federal, órgão supremo da OAB, com sede na Capital da Republica.

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Compõe-se de um Presidente, dos Conselheiros Federais integrantes das delegações de cada unidade federativa e de seus Ex-presidentes.

O Conselho Federal atua mediante, os órgãos, do Conselho pleno; órgão

Especial do Conselho Pleno; Primeira, Segunda e Terceira Câmara, Diretoria e Presidente (art. 64 do Regulamento).

Estes órgãos são todos unidades federativas da OAB e vinculados ao órgão

soberano situado no Distrito Federal, que é o Conselho Federal, este em matéria recursal é o ultimo grau de Recurso, reexaminando todos os Recursos seja dos Conselhos Seccionais, as Subseções ou Caixas de Assistência dos Advogados, gozando todos de imunidade tributária em relação aos seus bens e serviços. As decisões e atos conclusivos destes órgãos pertencentes a OAB, são publicadas na imprensa oficial ou afixadas no Fórum, na íntegra ou resumo. O mandato em qualquer órgão é sempre de três anos, as competências de cada um, encontram-se definidas nos parágrafos 1º; 2º; 3º e 4º do artigo 45 da Lei n. 8.906/94, do Estatuto da Advocacia e da OAB, de modos que, cada órgão possui personalidade jurídica administrativa para o desenvolvimento de suas competentes e distintas atribuições, na base de seus territórios, todos estes órgão, são unidades federativas que cumprem a finalidade da AOB, vinculados uns aos outros tais como guardiões dos postulados éticos que envolvem os profissionais inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, coordenando e velando pelo conjunto de normas que são os basilares da institucionalização com a finalidade tríplice de defender, selecionar e disciplinar o seu quadro de advogados inscritos, matéria da presente monografia em espécie.

4. PROCESSO E PROCEDIMENTO

Processo:“Série de atos coordenados regulados pelo direito processual, através dos quais se leva a cabo o exercício da jurisdição.”

Ou ainda: “Processo, é o método, isto é, o sistema de compor a lide em juízo

através de uma relação jurídica vinculativa de direito público, enquanto procedimento é a forma material com que o processo se realiza em cada caso concreto.”² 4.1 Primeiras considerações

O Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, Lei 8.906/94, no Título III, Do Processo na OAB - Capitulo I – Disposições Gerais (arts. 68 a 69); o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, Lei, n. 8.906/94, Capitulo I – Do processo Disciplinar(arts. 70 a 74); o Código de Ética e Disciplina da OAB – Titulo II – Do Processo Disciplinar (arts. 49 a 66); o Código de ética e Disciplina da AOB – Capítulo I – Da Competência do Tribunal de Ética e Disciplina (arts. 49 a 50); O Código de Processo Disciplinar da OAB – Título II – Dos Procedimentos ( arts. 51 a 61); o Código de Ética e Disciplina da OAB – Capitulo III – Das Disposições Gerais e Transitórias (arts. 62 a 66).

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4.2 Da legislação própria da OAB

Conforme dispõe o artigo 1.º do Código de Ética e Disciplina: art. 1.º - o exercício da advocacia exige conduta compatível com os preceitos deste Código, do Estatuto, do Regulamento Geral, dos Provimentos e com os demais princípios da moral individual, social e profissional.

De modo incontroverso, o advogado inscrito, no desenvolvimento de suas

atribuições advocatícias tem o dever de cumprir tal exigência, pois a moral não é simplesmente uma consciência individualizada do certo e do errado, mas, do profissional no contexto social, o que exige a conduta compatível do operador do direito, com o conjunto de normas imposto pela OAB;

E mais: no mesmo sentido, o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da

OAB, impõe: “art. 1.º - A atividade de advocacia é exercida com observância da Lei 8.906/94(estatuto), deste Regulamento Geral, do Código de Ética e Disciplina e dos Provimentos.”

E ainda o artigo 44, caput e inciso II, do Estatuto da Advocacia e da OAB, Lei

n. 8.906/94 preceituam: art. 44 – A Ordem dos Advogados do Brasil OAB, serviço público, dotada de personalidade jurídica e forma federativa, tem por finalidade. I- defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas.

A entidade de classe, OAB, zela e cuida do bom nome da classe, assim e para

isso, coloca-se a serviço da sociedade para fazer cumprir sua finalidade e punir exemplarmente seus inscritos, caso haja conduta fora dos preceitos éticos constantes de seu conjunto de deveres impostos a todos exercentes da advocacia, uma vez inscritos na Ordem dos Advogados do Brasil, 4.3 O poder de punir

A Ordem dos Advogados do Brasil, evocou para si o dever e o poder de punir os advogados ou estagiários inscritos em seu quadro, por meio de seus órgãos competentes, desde que estes, no desempenho de suas atividades profissionais, venham infringir os conjuntos de regras, preceitos, deveres e obrigações impostos pela principiologia da Lei n. 8.906/94, nascendo o direito de punição pelos órgãos censórios componentes da Ordem dos Advogados do Brasil, por força da exclusividade que possui para tal mister. Assim, fica vedado a outro órgão ou autoridade constituída, inclusive o magistrado, a aplicar sanção disciplinar, aos afiliados da Ordem dos Advogados do Brasil. 4.4. Lugar da infração

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O poder de punir disciplinarmente os inscritos, é de competência do Conselho Seccional, cuja base territorial tenha ocorrido a infração ( art. 70 do Estatuto).

Segundo o artigo 70 do Estatuto, Lei n. º 8.906/94, que dispõe: “O poder de

punir disciplinarmente os inscritos na OAB compete exclusivamente ao Conselho Seccional, em cuja base territorial tenha ocorrido a infração, salvo se a falta for cometida perante o Conselho Federal.” 4.5 Normas aplicáveis no processo administrativo

O artigo 68 da Lei 8.906/94 Estatuto da Advocacia e da OAB, ordena: Salvo disposições em contrario, aplicam-se subsidiariamente ao processo disciplinar as regras da legislação processual penal comum e, aos demais processos, as regras gerais do procedimento administrativo comum e da legislação processual civil, nesta ordem.

O Estatuto concentrou em um titulo especifico todas as matérias relativas

a processo e procedimento administrativo na OAB, contudo, a previsão é de caráter geral e principiológico, que provocando interesse nos terceiros. Os procedimentos específicos encontram-se encartados no Regulamento Geral ou no Código de Ética e Disciplina as normas supletivas ao Estatuto e a legislação regulamentar dividem em duas determinadas áreas, uma para o processo (e procedimento disciplinar), no que se aplica supletivamente as normas da legislação processual penal comum (princípios gerais); conquanto para os demais processos, a exemplo, (relativos a inscrição ou impedimentos), aplica-se supletivamente, em primeiro lugar, as normas do procedimento administrativo comum (princípios de direito administrativo e os procedimentos adotados na respectiva legislação) ao depois, as normas do processo civil.

De modo que, no procedimento disciplinar, não se aplica nem os princípios gerais ou regras supletivas da legislação penal, o que desencadearia a dupla sanção, de cunho administrativo e outro disciplinar, em virtude da mesma falta, não havendo prevalência da absolvição, no plano criminal, sobre o processo disciplinar.

O processo ético disciplinar, no âmbito administrativo, tem seu respaldo

em legislação própria, ou seja, o Código de Ética e Disciplina, o Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e o Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, contudo, aplica-se subsidiariamente ao processo disciplinar, as regras da legislação processual penal comum, as regras do procedimento administrativo comum e a da legislação processual civil, com intuito de preencher alguma lacuna.

Dessa forma, o processo ético disciplinar, possui a natureza de direito

administrativo e não de cunho penal e civil, isto implica que, uma vez rompido com os deveres do advogado ou estagiário, automaticamente o órgão censório das atividades advocatícias, na esfera administrativa regulado pelo Código de Ética e Disciplina, no zelo do bom nome da classe dos advogados, torna-se a pessoa de direito

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para instaurar o competente processo ético disciplinar contra o profissional inscrito, em tese infrator.

Por outro lado, em se tratando de advogado com função em órgão estatal, este

poderá responder por dois processo éticos administrativos, um processo no âmbito de sua função pública, previsão de Estatuto próprio que venha regular a sua função pública, e o segundo, um processo administrativo, na jurisdição de seu órgão censor a OAB, desde que inscrito, e ser julgado pelo Tribunal de Ética e Disciplina, bem como, não ficando livre ainda, das sanções civis e penais, sendo que todos os processos serão independente uns dos outros. 4.6 Do tribunal de ética e disciplina

Cada Seccional, possui a competência para criar e definir a composição do Tribunal de Ética e Disciplina, definindo sua totalidade, origem, eleição dos membros e funcionamento. O Tribunal de Ética e Disciplina possui natureza disciplinar e atua como órgão julgador de todos os processos disciplinares instruído pelos relatores designados pelos Presidentes das Seccionais, dos Conselhos ou das Subsecções.

O Tribunal de Ética e Disciplina é também órgão consultor e de promoção da

ética profissional, induzindo ao inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil, a observar cuidadosamente o Código de Ética e Disciplina, instituído à coletividade de advogados afiliados a OAB.

Os membros do Tribunal de Ética e Disciplina, podem ser de fora ou de dentro

do próprio Conselho, desde que sejam advogados prestigiados, os mandatos terão o prazo definido no Regimento Interno do Conselho a que este pertencer, seus membros eleitos são irremovíveis, salvo pela perda do cargo, o procedimento utilizado é previsto no Código de Ética e Disciplina e Regimento Interno, de suas decisões cabe recurso para o Conselho Seccional, ressalvadas a hipóteses do Estatuto em seu art. 75 Lei n.º 8.906/94, sendo que, deste ultimo, nenhum recurso será encaminhado diretamente ao Conselho Federal, de todas as decisões dos órgãos vinculados da OAB, (Tribunal de Ética e Disciplina, seu presidente e sua diretoria, as diretorias das Subseções e da Caixas de Assistência ao Advogado), sem antes obter a decisão do Conselho Seccional.

O Tribunal de Ética e Disciplina, por força de Provimento do Conselho Federal,

possui a competência para promover Conciliação quando a representação for de advogado contra advogado, frustrada esta, o processo seguirá o rito previsto.

5. FASES PROCESSO ADMINISTRATIVO

Há duas fases distintas, uma a da instrução, competência do relator designado pelo presidente da Subseção ou Conselho Seccional; e outra fase a do julgamento, competência exclusiva do Tribunal de Ética e Disciplina.

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5.1 Da instauração à instrução

O processo disciplinar instaura-se de oficio ou mediante representação, vedado o anonimato (art. 51 do Código de Ética e Disciplina da OAB + art. 72 do Estatuto).

Na dicção do artigo 72 da Lei 8.906/94, do Estatuto da Advocacia e OAB,

quanto ao processo ético disciplinar: “O processo disciplinar instaura-se de oficio ou mediante representação de qualquer autoridade ou pessoa interessada.”

Investida do poder de punir, a OAB possui o direito e o dever de punir seus

inscritos e vigiar pela correta observância do conjunto de leis que lhe são inerentes, e reguladoras de toda atividade advocatícia,. 5.2 Da representação postulatória

A OAB age primeiramente no interesse de velar pelo bom nome da classe, e da dignidade da coletividade advocatícia, assim, a parte leiga, o constituinte, poderá simplesmente apresentar por escrito ou verbalmente as suas queixas diante do órgão repressor e disciplinador de seus inscritos, pois, entende o órgão, que por tratar-se de pessoas comuns, e falarem uma linguagem coloquial, dispensada fica a redação jurídica com suas técnicas e brilhos, sendo que, num primeiro momento, de conseqüência, todos os requisitos formais de admissibilidade, o que será observado num segundo evento.

A parte queixosa, assim que procura o órgão da OAB, a própria Secretaria

tratará de reduzir a termo a denuncia, em caso de queixa verbal, e assim, inicia-se o processo ético disciplinar, contra o inscrito, junto aos órgão da OAB, Subseção ou Seccional ou Conselho Federal, desde que o inscrito desenvolva sua atividade advocatícia, na base territorial de uma daquelas, havendo exceção, para a denuncia anônima. 5.3 Competência dos presidentes das subseções ou conselhos • Receber de oficio toda representação ( art. 73 caput do Estatuto c/c 51 do Código de Ética e Disciplina ). • Nomear defensor dativo ao representado revel ( § 4º do art. 73 do Estatuto c/c § 2.º do art. 52 do Código de Ética e Disciplina ). • Designar relator para instruir o processo administrativo disciplinar (art. 73 do Estatuto c/c § 1.º art. 51 do Código de Ética e Disciplina). • Julgar o parecer do relator sobre o deferimento ou indeferimento liminar da representação, (§ 2.º do art. 73 do Estatuto c/c § 2.º do art. 51 do Código de Ética e Disciplina).

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5.4 Instrução, procedimentos e o sigilo

O processo ético disciplinar tramita em segredo até o seu termino (§ 2.º do art. 72 do Estatuto).

O Processo disciplinar tramita em sigilo, até o seu término, dicção do § 2.º do

artigo 72 da Lei 8.906/94.somente apos o trânsito em julgado da decisão é que o Conselho Seccional ou o órgão censório onde ocorreu a infração e onde tramitou o processo, podendo posteriormente, remetê-lo ao Conselho onde o condenado possua a inscrição principal, se for o caso.

5.5 Da protocolização do processo disciplinar

O Capitulo II – Dos Procedimentos, artigos 51 à 61 do Código de Ética e Disciplina da OAB, disciplina todos os procedimentos do processo disciplinar na OAB.

O § 1.º do artigo 51, dispõe: Art. 51 (...) § 1.º - Recebida a representação o Presidente do Conselho Secional

ou da Subseção, dispondo esta de Conselho, designa relator um de seus integrantes, para presidir a instrução processual “ 5.6 Quem instrui o processo disciplinar

Cabe ao relator, designado pelo presidente da Subseção ou do Conselho Seccional, toda instrução processual. Cabe as Subseções ou os relatores do próprio Conselho, designados pelo Presidente deste ( § 1º do art. 70 ultima parte do Estatuto c/c 73 caput do

Estatuto). Compete aos relatores designados pelo Conselho ( § 1.º do art. 70 do Estatuto

ultima parte), instruir o processo disciplinar; realizar diligencias necessárias ao processo disciplinar ( § 3.º do art. 52 do Código de Ética e Disciplina).

Ao relator compete ainda, determinar a notificação, pessoal, por ofício ou edital,

do representado, defensor ou parte interessada, ( art. 52 do Código de Ética e Disciplina) referente a audiência, defesa prévia e oitiva das testemunhas.

Compete ao relator propor ao Conselho Secional ou Presidente deste, o

arquivamento ou indeferimento liminar da representação ( § 2.º do art. 51 do Código de Ética e Disciplina c/c § 2º do art. 73 do Estatuto), e ainda, dilatar o prazo para Defesa Prévia do representado (§ 3º do art. 73 do Estatuto) e exarar parecer preliminar sobre processo que instrui ( § 5.º do art. 52 do Código de Ética e Disciplina).

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Deste modo, cabe ao relator certos andamentos do processo administrativo, a começar pela notificação do profissional representado, bem como, realizar diligencias necessárias, requisitar e produzir provas, ouvir testemunhas e as partes, em fim, é da competência do relator designado, tudo o que for necessário para a apuração dos fatos narrados na denuncia, junto ao órgão censório, em desfavor do profissional inscrito. 5.7 Da notificação do representado

Não sendo arquivada a denuncia, o relator designado, no uso de suas atribuições, notificará o representado para no prazo de 15 dias opor Defesa Prévia (art. 52, § 1º do Código 40 de Ética da OAB), caso não for encontrado ou revel, o Presidente do Conselho ou da Subseção designará defensor dativo ao representado. A juízo do relator, o prazo poderá ser prorrogado ocorrendo justo motivo (arts. 73 § 3º do Estatuto).

O ressalvado o § 3.º do art. 73 do Estatuto, o relator, após a apresentada a Defesa

Previa pelo representado ou defensor, proferirá o Despacho Saneador, ( § 2.º do art. 52 do Estatuto), designando audiência para tomada de oitiva das testemunhas, do representado ou seu defensor.

O relator poderá a seu juízo realizar diligencias que julgar convenientes (art. 52,

§ 3º). 5.8 Prazos no processo disciplinar

O representado será notificado por meio de oficio reservado, ou notificação pessoal, (§ 1.º do art. 69 do Estatuto da Advocacia Lei 8.906/94 c/c art. 52 do Código de Ética e Disciplina da OAB) ou por meio de edital pela imprensa oficial. 5.9 Formas e contagem do prazo

Notificação por oficio reservado. O prazo conta-se do dia útil imediato ao da notificação , inclusive, ao da data em que foi anotado o recebimento, e não da juntada do aviso (AR) do Correio ou de mensageiro da AOB (§ 1º do art.68), . Será refeita se não for realizada diretamente à pessoa do destinatário, após a segunda tentativa, caindo para a forma do edital, havendo exceção para a primeira notificação.

Notificação pessoal. O prazo conta-se da mesma forma do prazo para oficio

reservado. Notificação pela imprensa oficial,conta-se a partir do primeiro dia útil seguinte,

inclusive, da publicação. Cumpre ao profissional o hábito e o dever de ler a imprensa oficial com regularidade.Durante o recesso dos Conselhos da OAB, os prazos ficam

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suspensos, reiniciando-se no primeiro dia útil a seu termino. (§ 2º do art. 69 do Estatuto). 5.10 Revelia do representado

O relator observando que o advogado representado não apresentou defesa, solicitará ao presidente que designe defensor dativo, evitando a nulidade processual administrativa. Por motivo relevante e comprovado, o prazo poderá ser dilatado ao advogado representado por mais 15 dias pelo relator. (§ 3.º do artigo 73 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94).

O inscrito deve manter seu endereço profissional e residencial atualizado

no cadastro do Conselho Seccional de sua base territorial, pois, presume-se, notificado o inscrito que assim não proceder ( § 1º do art. 137-A, Capitulo VIII, Das Notificações e Dos Recursos – do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e OAB).

A intimação por meio de Edital na imprensa oficial Estadual ou da União,

deverá conter o nome do advogado e n º de sua inscrição, e uma simples convocação para que este venha comparecer a Subsecção ou Seccional para tratar de assunto de seu interesse, motivado pelo sigilo da tramitação do processo disciplinar ( § 3.º do art. 137-A- Capitulo VIII,- Das Notificações e Dos Recursos – do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e OAB). 5.11 Tipos de defesa pelo representado

Ao representado é assegurado amplo direito de defesa, no processo disciplinar, tais como : Defesa Prévia, Razões Finais e Defesa Oral. 5.12 Faculdades do representado Na dicção do artigo 73 e seu parágrafo 1º, é mister ao representado: • apresentar defesa prévia, depois de regularmente notificado; • apresentar e levar suas testemunhas para inquirição; • acompanhar o processo em todas as suas fases; • acompanhar o processo em todos os seus termos; • opor razoes finais após instrução do relator; • sustentar defesa oral perante o Tribunal de Ética e Disciplina por ocasião do julgamento. 5.13 Arquivamento antes da defesa prévia

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O § 2.º do artigo 51 do Código de Ética e Disciplina da OAB, prevê o arquivamento indicado pelo relator ao presidente do Conselho, antes da defesa prévia, no caso de ausência de pressupostos mínimos de admissibilidade, (como exemplo, advogado não inscrito). Se o presidente da Subseção ou do Conselho Seccional, não concordar com o arquivamento, o relator irá até ao final da instrução.

O parecer preliminar do relator, em nada influênciará o presidente da Subseção

ou Conselho Seccional, ou do Tribunal de Ética, que uma vez não concordando com o parecer do relator no caso pelo arquivamento, o processo continua e o relator designado prosseguirá o procedimento de instrução ate ao seu final. Exceção se o representado não for inscrito, por exemplo, isto acarreta ausência mínima de pressuposto de admissibilidade.

Quanto à defesa prévia: após notificado pessoalmente, o profissional

inscrito deverá apresentar esta acompanhada de todos os documentos probantes de suas alegações, bem como, o rol das testemunhas, requerer a intimação pessoal, salvo se este incumbir-se do comparecimento das testemunhas para a audiência de oitiva ( § 1.º do art. 52 do Código de Ética e Disciplina da OAB). 5.14 Testemunhas

O representado uma vez notificado, no prazo de 15 dias, oferecerá Defesa Prévia, juntamente com o rol de testemunhas, máximo de 05, bem como, todos os documentos probatórios, (arts. 52, § 2.º do Estatuto), sendo que, quanto ao comparecimento destas junto ao órgão sensório, para a oitiva em dia e hora previamente notificados ao representado, ficará a cargo do representado ou de seu defensor ( segunda parte do § 2.º do artigo 52 do Estatuto). 5.15 Razões finais

Após a conclusão da Instrução, é aberto o prazo sucessivo de 15 dias para as partes apresentarem as razões finais, após a juntada da ultima intimação (§ 4.º do art. 52 do Estatuto), findo o prazo das razoes finais, o relator profere parecer preliminar a ser submetido ao Tribunal de Ética ( § 5º do art. 52 do Estatuto). 5.16 Encerramento da fase instrutória com oferecimento do parecer preliminar

O relator após a conclusão da instrução, notificação, diligencias, defesa prévia e oitivas de testemunhas e razoes finais, (art. 52, § 1º, § 2.º § 3º e § 4.º do Código de Ética e Disciplina da OAB), salvo prazo dilatório (§ 3.º do art. 73 do Estatuto), o relator ao final do prazo estipulado para razoes finais, proferirá seu parecer preliminar a ser submetido ao Tribunal.

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O relator deverá de forma sucinta oferecer parecer preliminar contendo descrição clara dos fatos e do enquadramento legal, buscando a verdade real dos fatos, sem deixar prevalecer sentimentos de corporativismo, que em nada contribuem para a dignidade da profissão e a realização do poder de punir que a lei auferiu a OAB.

Abre-se ao representado a oportunidade de oferecer a razões finais após

notificação pessoal ou pela imprensa oficial, momento que marca o encerramento do procedimento de instrução.

6. FASE DO JULGAMENTO DO PROCESSO ÉTICO DISCIPLINAR

O atual Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, por meio de delegação de atribuições, autorizou ao Conselho Seccional, ou suas Subsecções, a instauração dos processos éticos disciplinares, dispensando assim, a instauração no local onde o inscrito tenha sua inscrição originaria, chamada principal, cabendo o julgamento e a aplicação da sanção disciplinar ao respectivo Tribunal de Ética e Disciplina. 6.1 Das sessões do tribunal

Aplica-se ao funcionamento das sessões do Tribunal o procedimento adotado no Regimento interno do Conselho Secional (art. 57 do Código de Ética e Disciplina da OAB). O julgamento dos processos disciplinares é de competência exclusiva do Tribunal de Ética e Disciplina ( primeira parte do § 1.º do art. 70);

O Presidente do Tribunal após o recebimento do processo instruído, designará relator para proferir o voto (art. 53 do Código de Ética e Disciplina da OAB).

O processo será inserido automaticamente na pauta da primeira sessão de julgamento, e salvo alguma diligencia suscitada pelo relator, em 20 dias após o prazo do recebimento o processo será julgado em sessão plenária pelo Tribunal de Ética.( § 1 do artigo 53 e caput do Código de Ética e Disciplina da OAB). 6.2 Da intimação do representado

Estando o processo autuado pela Secretaria, registrado em livro próprio e distribuído à Seções ou Turmas julgadoras, quando houver, então, o representado será intimado antecedência de 15 dias, pela Secretaria do Tribunal, para Defesa Oral perante o Tribunal, a qual será de 15 minutos, após o voto do relator (§§ 1.º, 2º E 3º do artigo 53 do Código de Ética e Disciplina da OAB); 6.3 Defesa oral

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Uma vez intimado, presente diante do Tribunal, durante a sessão de julgamento, após o voto do relator, será então produzida a Defesa Oral, pelo representado ou por seu advogado pelo prazo de 15 minutos; 6.4 Inquirição do representado pelo tribunal

É mister que o Tribunal, por meio de seus membros, inquira o representado, e ainda se o relator entender insuficiente a instrução poderá determinar diligências (artigo 53 e artigo 45 ambos do Código de Ética e Disciplina da OAB). Durante o julgamento, a ordem para dirimir dúvidas será alternada entre o relator e o revisor, por preferência (§ 3.º do art. 56 do Código de Ética da OAB). 6.5 Vista dos autos do processo disciplinar

Qualquer um dos membros poderá pedir prazo de uma sessão para vista dos processo, salvo se a matéria for de caráter urgente; caso de vários pedidos, fica a critério da Secretaria do Tribunal distribuir os prazos; ( § 2.º do art. 56 do Código de Ética e Disciplina da OAB; 6.6 Parecer do relator

O relator e o revisor terão 10 dias para elaborarem seus pareceres, apresentando-os na primeira sessão seguinte, para julgamento. (§ 1.º e § 3.º do art. 56 do Código de Ética e Disciplina da OAB); 6.7 Da decisão do tribunal e sua fundamentação

Esclarece o Manual de Procedimento do Processo Ético -Disciplinar, do Conselho Federal da OAB (2000), que todas as decisões adotadas em processos ético- disciplinares, da mesma forma que ocorre com o processo comum, tem a sua legalidade subordinada à fundamentação. Os motivos de fato e de direito que sustentam devem ser expressamente consignados. Não se pode admitir decisão sem acórdão; ou acórdão sem o voto devidamente fundamentado; ou omissão da juntada data da sessão de julgamento, ou de seu extrato.

Da decisão do Tribunal deve conter o numero do processo, as iniciais do nome

das partes, números de inscrição, nome por extenso do eventual procurador e inscrição, para objeto de publicação na imprensa oficial. Quando encerrar o processo cessará a regra do sigilo, pois, é obrigatória a publicidade da pena de suspensão e exclusão. 6.8. Da lavratura do acórdão

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O § 5.º do artigo 56 do Código de Ética e Disciplina da OAB, diz que os autos

devem após o julgamento, ir ao relator ou membro que tiver voto vencedor para a devida lavratura de acórdão, contendo ementa a ser publicada no órgão oficial do Conselho Secional. 6.9 Comunicação obrigatória

O respectivo assentamento referente a condenação do representado, de decisão irrecorrível, será comunicado ao Conselho Seccional onde este tenha sua inscrição principal (§ 2.º do art. 2º do Estatuto, Lei n.º 98.906/94);

O Parágrafo único do artigo 60, prevê que o Tribunal dará conhecimento de

todas as suas decisões ao Conselho Secional, para que determine periodicamente a publicação de seus julgados.

7. DOS RECURSOS 7.1 Normas aplicáveis aos recursos na OAB

“O Regulamento Geral disciplina o cabimento de recursos específicos no âmbito de cada órgão julgador”(§ único do art. 77 do Estatuto, Lei n. 8.906/94), no mesmo sentido: (§ único do artigo 144 do Regulamento Geral da Advocacia e OAB), dispõe: “o Regimento Interno do Conselho Seccional, disciplina o cabimento dos recursos no âmbito de cada órgão julgador.”

O artigo 60 do Código de Ética e Disciplina da OAB reporta ao Regulamento

Geral, ao Estatuto da Advocacia e OAB Lei n. 8.906/94 e Regimento Interno do conselho Secional, para o caso de interposição de recursos contra o Tribunal de Ética e Disciplina, ao Conselho Seccional(artigo 76 da Lei 8.906/94, Estatuto da Advocacia e OAB).

“Os recursos contra decisões do Tribunal de Ética e Disciplina, ao Conselho

Seccional, regem-se pelas disposições do estatuto, do Regulamento Geral e do Regimento Interno do Conselho Seccional.”(artigo 60 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94). 7.2 Cabimento do recurso

O art. 75 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94, prevê o recurso para o Conselho Federal de todas as decisões definitivas pelo Conselho Seccional, caso de: • decisões não unânimes;

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• ou sendo unânimes contrariem o Estatuto Lei n.º 8.906/94, ou decisão do Conselho Federal, do Conselho Seccional, do Regulamento Geral, do Código de Ética e Disciplina ou Provimento, (§ único do art. 75 Estatuto). 7.3 Das decisões recorríveis • Da decisão do Presidente, cabe recurso voluntário ao órgão julgador que proferiu a decisão recorrível (§ único do art. 140). • Da decisão do Presidente ou da Diretoria da Subsecção, cabe recurso ao Conselho Seccional mesmo que haja Conselho na Subseção (art. 143 do Regulamento Geral). • Da decisão do Tribunal de Ética e Disciplina, cabe recurso ao plenário ou órgão especial equivalente do Conselho Seccional (art. 144). • Cabe recurso ao Conselho Seccional de todas as decisões proferidas por seu Presidente, pelo Tribunal de Ética e Disciplina, diretoria da Subseção ou Caixa de Assistência dos Advogados. “Cabe revisão do processo disciplinar, na forma prescrita no art. 73, § 5.º, do Estatuto.” (artigo 61 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94). • Dos conflitos de orientação entre os Conselhos Seccionais e orientação de Órgão Colegiado Superior, sujeita a duplo grau de jurisdição (art. 142). 7.4 Legitimidade para propor recurso

Além das partes, o Presidente do Conselho Seccional é parte legitima para interpor recurso ( parágrafo único do artigo 75 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94). 7.5 Prazo para propor recurso

Prazo uniforme de 15 dias conforme artigo 69 do Estatuto, Lei n.8.906/94. O prazo para qualquer recurso será de 15 dias (art. 139 do Regulamento)

contados do primeiro dia útil da publicação da decisão na imprensa oficial/ da data do recebimento da notificação, anotada pela Secretaria do órgão da OAB ou pelo agente dos Correios. Obs.: no período de recesso os prazos são suspensos, reiniciando-se no primeiro dia útil (última parte do artigo 139 do Regulamento Geral da OAB). 7.6 Efeito dos recursos

Regra: Efeito suspensivo para todos os recursos (art. 77 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94; 2.º do artigo 138 do Regulamento Geral da OAB).

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Exceção: Salvo, tratando-se de julgamento por Suspensão preventiva (art. 54 do Código de Ética e Disciplina da OAB), e que trate de eleições (art. 63 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94), e de cancelamento de inscrição obtida com falsa prova; 7.7 Formas de interposição do recurso

Via fac-símile, com a entrega dos originais no prazo de 10 (dez) dias da data da interposição.

Protocolado perante os Conselhos Seccionais e as Subseções. Tratando-se de recurso interposto de condenação por Suspensão Preventiva, a

parte recorrente deverá, juntar copia integral da representação disciplinar (art. 144-A do Regulamento Geral da OAB). 7.8 Tipos de recursos

O artigo 138 do Regulamento Geral da Advocacia e OAB admite apenas um tipo de recurso, o inominado, dirigido ao órgão hierarquicamente superior, e voltado sempre para a reforma; principio da fungibilidade, pouco importa a denominação que se dê ao recurso, basta apenas inconformismo com a decisão e tempestividade, para que este seja recebido pelo relator, o órgão julgador que não pode rejeitar o encaminhamento ao órgão superior (§ 1.º do artigo 138 do Regulamento Geral da Advocacia e OAB), exceção dos embargos de declaração. Existe porém, a previsão para dois tipos de recursos especiais, Embargos de Declaração e o de Revisão do Processo Ético Disciplinar. 7.9 Embargos de declaração

O § 3.º do art. 138 do Regulamento Geral da OAB, instituiu o recurso na modalidade de Embargos de Declaração.

Juízo de Admissibilidade: os Embargos de Declaração, este recurso é interposto

no órgão julgador recorrido, bem como, é dirigido ao relator da decisão condenatória recorrida,, contudo, o relator poderá negar seguimento, fundamentado, se os tiver por protelatórios, intempestivos, ou carentes de pressupostos legais para interposição (§ 3.º do art. 138 do Regulamento; artigo 140 caput do Regulamento Geral), não cabe recurso para destrancar seguimento negado pelo órgão que proferiu a decisão recorrida (§ 5º do art. 138 do Regulamento).

Prazo: o § 4 º do artigo 138 do Regulamento Geral da OAB, dispõe, caso

admitido os Embargos de Declaração, estes serão julgados independentemente de pauta ou publicação, logo na primeira sessão seguinte, salvo algum impedimento justificado.

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7.10 Revisão do processo ético disciplinar

Previsão legal para o caso de condenação em falsa prova (§ 5.º do art. 73), entende se pela expressão “Erro de Julgamento”, como pressuposto para revisão, significa, decisão contraria a lei, à Constituição, ao Regulamento Geral da OAB, ao Código de Ética e Disciplina e aos Provimentos, previstas nos artigos 54, VIII e 75 caput do Estatuto.

O § 5.º do art. 73 da Lei 8.906/94, Estatuto da Advocacia e da OAB + art. 61 do

Código de Ética e Disciplina da OAB, prevêem a Revisão do processo ético disciplinar, o qual deverá ser processado por iniciativa exclusiva do representado punido, não esta sujeito as regras dos recursos, aplicando-se-lhe subsidiariamente as regras dos artigos 621 a 627 do Código de Processo Penal, e mais os seguintes requisitos: a. a revisão pode ser requerida antes ou após a extinção da pena; b. a revisão pode ser pedida parcialmente, com redução ou desclassificação da pena; c. competência do Conselho Federal, para prosseguir na revisão e julgar, tratando de decisão proferida em recurso u decisão em processos disciplinares originários; d. competência do Conselho Seccional, tratando-se de decisão transitada em julgado em primeira instância administrativa. 7.11 Outros processos no tribunal de ética

Dispõe o artigo 47 do Código de Ética e Disciplina: a falta ou inexistência, neste código, de definição ou orientação sobre questão de ética profissional, que seja relevante para o exercício da advocacia ou dele advenha, enseja consulta e manifestação do Tribunal de Ética e Disciplina ou do Conselho Federal.

Deste modo, é função também do Tribunal de Ética e Disciplina, resolver

dúvidas dos advogados e estagiários, quanto a ser ou não, determinada postura ética. Basta apenas que se encaminhe a esse órgão, uma petição solicitando o posicionamento do Tribunal acerca da questão suscitada, assim, inicia-se a consulta ao Tribunal de Ética e Disciplina. 7.11.1. As consultas

É passível formular consultas, que serão recebidas e processadas em apartado, e terão designados relator e revisor pelo Presidente para estas, contudo, será considerado falta de ética passível de punição, comprovando-se que os interessados usaram o meio somente para procrastinar, o que resultará noutro processo ético( artigo 56 caput do Estatuto c/c art. 58 todos do Código de Ética e Disciplina da OAB).

Para este tipo de processo, o Presidente designará relator e revisor.

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O artigo 56 e seus parágrafos do Estatuto, Lei 8.906/94. afirma o caput, que as

Consultas sobre conduta ética, processam em autos apartados, e para este caso, são designados, relator e revisor, pelo Presidente do Tribunal de Ética e Disciplina.

Os parágrafos 1º; 2 e 3º do mesmo artigo, fixa o prazo de 10 dias para o relator e

10 dias para o revisor, para elaboração de seus pareceres, apresentando- os na primeira sessão seguinte , para julgamento, seguindo sempre o funcionamento das sessões do Tribunal o procedimento adotado no Regimento Interno do Conselho Seccional (artigo 57 do Código de Ética e Disciplina da OAB0; lembrando que durante a sessão, relator e revisor, terão preferência para manifestação, caso haja dúvidas a serem esclarecidas. 7.11.2 Conciliatória no tribunal

PROVIMENTO Nº 83/96 (DJ 16.07.96, p. 24.979); dispõe sobre processos éticos de representação por advogado contra advogado.

O Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, no uso de suas

atribuições legais e regulamentares, e tomando em consideração o que decidido no Processo CP nº 4.126/96,RESOLVE baixar o seguinte provimento: art. 1º Os processos de representação, de advogado contra advogado, envolvendo questões de ética profissional, serão encaminhados pelo Conselho Seccional diretamente ao Tribunal de Ética e Disciplina, que: I – notificará o representado para apresentar defesa prévia; II – buscará conciliar os litigantes; III – acaso não requerida a produção de provas, ou se fundamentadamente considerada esta desnecessária pelo Tribunal, procederá ao julgamento uma vez não atingida a conciliação; art. 2º Verificando o Tribunal de Ética e Disciplina a necessidade de instrução probatória ,encaminhará o processo ao Conselho Seccional, para os fins dos artigos 51 e 52 do Código de Ética e Disciplina; art. 3º Este Provimento entra em vigor na data de sua publicação. (Brasília, 17 de junho de 1996. Ernando Uchoa Lima, Presidente. Sergio Ferraz, Relator.) (grifo nosso)

Assim, mediante tal provimento, o Conselho Federal, atribuiu ao Tribunal de

Ética e Disciplina a competência para a Conciliação, quando a representação for com requerida por outro advogado, e caso esta seja frustrada, o processo seguira o rito previsto no Código de Ética.

8. PROCEDIMENTO CAUTELAR NO PROCESSO DISCIPLINAR

Sessão Especial: Incrustado no artigo 54 do Código de Ética e Disciplina da OAB, ocorre no caso de que a infração cause negativamente repercussão a coletividade da advocacia, ferindo a dignidade desta, por culpa do representado, o qual será processado de oficio, sendo da competência do Tribunal de Ética e Disciplina solicitar a suspensão preventiva do inscrito, infrator de conduta grave, no caso por exemplo, de envolvimento com tráfico de drogas

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8.1 Prazo para conclusão da suspensão preventiva

No caso de ferir a dignidade da advocacia, o representado poderá ser suspenso pelo Tribunal de Ética e Disciplina do Conselho onde o acusado tenha sua inscrição principal, e notificado a comparecer para ser ouvido em sessão especial, neste caso o processo disciplinar deve ser concluído em 90 dias ( § 3.º do art. 70 do Estatuto).

9. DAS PENAS E SUAS APLICAÇOES

Capítulo IX- Das Infrações e Sanções Disciplinares, do Estatuto, Lei n.º 8.906/94, os artigos 34 e seus incisos, parágrafos e alíneas, tratam das infrações disciplinares as quais o operador do direito tem o dever de observar e cumpri-las.

Capítulo IX- Das Infrações e Sanções Disciplinares, do Estatuto, Lei n.º

8.906/94, preceitua o artigo 35 ao 43. Art. 35. As sanções disciplinares consistem em: I – censura; II – suspensão; III –

exclusão; IV – multa. Parágrafo único. As sanções devem constar dos assentamentos do inscrito, após

o trânsito em julgado da decisão, não podendo ser objeto da publicidade a de censura.

Art. 36. A censura é aplicável nos casos de: I – infrações definidas nos incisos I a XVI e XXIX do art. 34; II – violação a preceito do Código de Ética e Disciplina; III – violação a preceito desta Lei, quando para a infração não se tenha estabelecido sanção mais grave.

Parágrafo único. A censura pode ser convertida em advertência, em ofício reservado, sem registro nos assentamentos do inscrito, quando presente circunstância atenuante. 9.1 Da suspensão

Art. 37. A suspensão é aplicável nos casos de: I – infrações definidas nos incisos XVII a XXV do art. 34; II – reincidência em infração disciplinar. § 1º A suspensão acarreta ao infrator a interdição do exercício profissional, em todo o território nacional, pelo prazo de trinta dias a doze meses, de acordo com os critérios de individualização previstos neste capítulo. § 2º Nas hipóteses dos incisos XXI e XXIII do art. 34, a suspensão perdura até que satisfaça integralmente a dívida, inclusive com a correção monetária. § 3º Na hipótese do inciso XXIV do art. 34, a suspensão perdura até que preste novas provas de habilitação.

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9.2 Da exclusão

Art. 38. A exclusão é aplicável nos casos de: I – aplicação, por três vezes, de suspensão; II – infrações definidas nos incisos XXVI a XXVIII do art. 34.

Parágrafo único. Para a aplicação da sanção disciplinar de exclusão é necessária a manifestação favorável de dois terços dos membros do Conselho Seccional competente. 9.3 Da multa

Art. 39. A multa, variável entre o mínimo correspondente ao valor de uma anuidade e o máximo de seu décuplo, é aplicável cumulativamente com a censura ou suspensão, em havendo circunstâncias agravantes. 9.4 Aplicação das atenuantes nas sanções disciplinares

Art. 40. Na aplicação das sanções disciplinares são consideradas, para fins de atenuação, as seguintes circunstâncias, entre outras: I – falta cometida na defesa de prerrogativa profissional; II – ausência de punição disciplinar anterior; III – exercício assíduo e proficiente de mandato ou cargo em qualquer órgão da OAB; IV – prestação de relevantes serviços à advocacia ou à causa pública.

Parágrafo único. Os antecedentes profissionais do inscrito, as atenuantes, o grau de culpa por ele revelada, as circunstâncias e as conseqüências da infração são considerados para o fim de decidir: a) sobre a conveniência da aplicação cumulativa da multa e de outra sanção disciplinar; b) sobre o tempo de suspensão e o valor da multa aplicáveis.

9.5 Possibilidade da reabilitação Art. 41. É permitido ao que tenha sofrido qualquer sanção disciplinar requerer,

mano após seu cumprimento, a reabilitação, em face de provas efetivas de bom comportamento.

Parágrafo único. Quando a sanção disciplinar resultar da prática de crime, o pedido de reabilitação depende também da correspondente reabilitação criminal.

9.6 Penas que impedem o exercício advocatício Art. 42. Fica impedido de exercer o mandato o profissional a quem forem

aplicadas as sanções disciplinares de suspensão ou exclusão.

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9.7 Prescrição da pretensão da punibilidade e interrupção

Art. 43. A pretensão à punibilidade das infrações disciplinares prescreve em

cinco anos, contados da data da constatação oficial do fato. § 1º Aplica-se a prescrição a todo processo disciplinar paralisado por mais de

três anos, pendente de despacho ou julgamento, devendo ser arquivado de ofício, ou a requerimento da parte interessada, sem prejuízo de serem apuradas as responsabilidades pela paralisação.

§ 2º A prescrição interrompe-se: I – pela instauração de processo disciplinar ou pela notificação válida feita diretamente ao representado; II – pela decisão condenatória recorrível de qualquer órgão julgador da OAB.

9.9 Observações finais Só cometem as infrações os advogados efetivamente inscritos, que poderão

sofrer dupla penalidade, administrativa e penal, uma não excluindo a outra, aos não inscritos aplicar-se a legislação penal comum, por tratar-se de Crime de exercício ilegal da profissão.

A toda conduta positiva ou comportamento desejado, encartados no Código de

ética, as infrações disciplinares caracterizam-se pela conduta negativa, ou comportamento indesejado do inscrito, o que deve ser reprimido, de forma punitiva, aplicando a cada caso concreto, as penas correspondentes as infrações praticadas disciplinadas e indicadas pelo Estatuto, vedado a interpretação analógica ou extensiva destas.

No caso de Censura ou Advertência, o Tribunal poderá suspender

temporariamente a aplicação da pena, se o infrator for primário, e se no prazo de 120 dias, este vier comprovar que freqüentou e concluiu curso, simpósio, seminário ou atividade equivalente, sobre Ética Profissional do Advogado, desde que realizado por entidade de notória idoneidade.(art. 59 o Código de Ética e Disciplina da OAB)

A censura é aplicável no caso de violação do Código de Ética e Disciplina,

salvo, se o Estatuto cominou-lhe sanção mais severa. Vale ainda assinalar, que no caso de suspensão ou exclusão, será exigido a

devolução dos documentos de identificação do advogado representado, de forma administrativa ou judicial pela OAB (artigo 74 do Estatuto, Lei n.º 8.906/94).

A pena de multa não pode ser aplicada isoladamente, pois, é sanção disciplinar

acessória e deve cumular-se a uma sanção em caso de circunstância agravante.

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CONCLUSÃO

Assertivamente, todo bacharel em direito, ao romper as cadeias que o prendiam

nas cadeiras da grade letiva de seu curso de direito, motivado pela paixão da letra, corre em direção de uma meta, o Exame da Ordem, e assim, adquire para si um número de ordem, e passa a exibir orgulhosamente a Carteira de Identificação Profissional da OAB.

O bacharel em direito, quase em sua maioria, apressa os passos rumo ao

caminho do sério ofício de advogar, e sem demora, toma assento no mercado de trabalho advocatício, e se infla ao ouvir a expressão comum “ Doutor”- , contudo, e muitas das vezes, o recém formado desconhece totalmente a Lei 8.906/94, adiando sempre o momento daquele encontro, quando profundamente deveria estudar, e cuidadosamente apreender todo o conjunto de normas imperativas as quais cuidam dos deveres, e das proibitivas, que tratam das infrações disciplinares, basilares fundamentais do operador do direito, sem as quais não chegará a consagração final, pois, desconhecer a legislação regente da classe operadora do direito, é tornar-se um advogado de olhos vendados, cego para a Justiça.

A presente monografia representa apenas uma fagulha de luz, ante a imensurável

grandeza da profissão e do dever de conhecer sua própria Lei, e isto, imposto a toda consciência ética daquele que sonha ser advogado.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Revista dos Tribunais, 2006. (RT- mini-códigos).

121

ASPECTOS GERAIS DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS PREVISTAS NO ARTIGO 51

DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Discente - LAYLA MILENA OLIVEIRA GOMES Professor – LEONARDO DE MELO AMARAL

RESUMO: Esta monografia objetiva efetuar um breve estudo sobre as proteções legais estatuídas na Lei 8.078/90 contra as cláusulas abusivas nos contratos decorrentes de relações de consumo. Ao longo da presente, veremos que o atual sistema legal de proteção do consumidor origina das inúmeras modificações havidas nos últimos tempos nas relações de consumo, representando reação ao avanço rápido do fenômeno que deixou o consumidor desprotegido diante das novas situações decorrentes do desenvolvimento. Em decorrência desta evolução, no ordenamento jurídico pátrio, restou instituído o sistema de proteção ao consumidor em atendimento a três mandamentos constitucionais previstos no artigo 5º, XXXII, artigo 170, inciso V, da Nossa Carta Magna e artigo 48 dos Atos de Disposições Transitórias Constitucional. Este sistema restou regulamentado pelo Código de Defesa do Consumidor, com o objetivo de atender às necessidades dos consumidores, de dar a proteção de seus interesses econômicos, bem como a transparência e a harmonia nas relações de consumo. O CDC surgiu para restabelecer o equilíbrio entre as partes contratantes, vez que a inferioridade do consumidor foi compensada pela edição de normas protetivas, principalmente, com a enumeração das cláusulas abusivas, fulminadas de nulidade, e que são inderrogáveis por vontade dos interessados. Isso porque, toda vulnerabilidade do consumidor decorre, direta ou indiretamente, do empreendimento contratual e toda a proteção é ofertada na direção do contrato. Enfim, uma leitura atenta sobre todo o conteúdo deste estudo será de fundamental relevância para a compreensão do sistema de proteção do consumidor, respeitante a proibição das cláusulas abusivas nos contratos decorrentes da relação de consumo. Palavras-chave: Lei 8.078/90, cláusulas abusivas, relações de consumo. INTRODUÇÃO

Há muito, restou derrocado o utópico pensamento da ampla liberdade contratual, com a crença de que todos seriam capazes de cuidar dos próprios interesses financeiros, de escolher adequadamente o parceiro contratual, bem como de definir o conteúdo do contrato. O tempo demonstrou que, de fato, tal pensamento não poderia prevalecer, em detrimento às peculiaridades da relação de consumo, dado ao desequilíbrio econômico existente entre os contraentes, ferindo inúmeros princípios constitucionais, em especial, o da boa fé e o do equilíbrio contratual.

Diante disso, fora pacificado em âmbito mundial, a respeito da

vulnerabilidade auferida ao consumidor, principalmente, no campo contratual, onde é raro, senão impossível, encontrar um contrato que tenha sido elaborado a partir da

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discussão de cláusula por cláusula, e que resguarde a harmonia e o equilíbrio dos interesses entre consumidor e fornecedor.

De fato, fora o advento do Código do Consumidor que representou a tão

almejada flexibilização do brocardo latino Pacta sunt servanda, que significa "os pactos devem ser respeitados" ou mesmo "os acordos devem ser cumpridos".

Por essas razões, a presente monografia objetiva destacar as origens

históricas das relações de consumo, e, concomitantemente, dos contratos, buscando arregimentar argumentos suficientes que demonstrem a incompatibilidade entre a ampla liberdade contratual dada pelo Estado através do Código Civil de 1916, em detrimento às peculiaridades da relação de consumo. Neste contexto, será tratada a origem do Código de Defesa do Consumidor, realçando as principais alterações do sistema de consumo, com destaque para o sistema de proteção ao consumidor e as cláusulas consideradas abusivas.

Para tanto, sem pretensão de esgotar o assunto, o presente trabalho será

desenvolvido da seguinte forma: a primeira parte vem apresentando uma retrospectiva histórica da Proteção ao Consumidor, abordando, primeiramente, o cenário mundial e, a posteriori, a proteção do consumidor no Brasil; a segunda etapa trata dos conceitos de consumidores e fornecedores, enfocando a proteção contratual contra cláusulas abusivas, a função social do contrato, os limites à liberdade contratual, bem como os essenciais princípios que deverão ser observados nas relações de consumo. A terceira etapa trata, paulatinamente, de todas as cláusulas consideradas abusivas previstas no rol exemplificativo do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, assim como fazem referência às cláusulas previstas nas portarias editadas pelo Ministério da Justiça. A quarta e última parte traz as considerações finais, chamando atenção para a possibilidade de decretação de ofício do magistrado da nulidade das cláusulas consideradas abusivas, bem como a possibilidade da revisão contratual, sendo estes institutos diferentes e harmônicos entre si.

Consta no cap. IV alguns julgados do Superior Tribunal de Justiça que

demonstram o entendimento majoritário de algumas divergências no sistema de proteção ao consumidor.

1. COMO SURGIU A PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR?

A tutela dos consumidores é um direito antigo e não surgiu espontaneamente e aleatoriamente. Trata-se de uma reação a um quadro social, reconhecidamente concreto, em que se vislumbrou a posição de inferioridade do consumidor em face ao poder econômico do fornecedor.

Conforme ensinamentos de Gisele de Lourdes Friso, as relações de

consumo existem desde remotos tempos, sendo tão antigas quanto o comércio e, portanto, presentes há séculos em meio ao mundo civilizado, surgindo, assim, a preocupação em tutelar os interesses dos consumidores. Deste modo, visando

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proteger os interesses dos consumidores, primeiramente, temos o Código de Hammurabi, escrito por volta de 2000 a.C., o qual continha normas que tutelavam relações de consumo, como construção de casas e barcos, constando ainda, as primeiras remissões a vício redibitório, responsabilidade civil pelo fato do produto e pelo fato de serviço. (FRISO, 2007, p. 18).

Logo após, por volta de 1.300 a.C., o Código de Manu, na Índia,

continha previsão de multa e punição para quem entregasse coisa inferior por superior, ou que adulterasse espécies, ou ainda que vendesse coisa de natureza igual por preços diferentes.

Na Grécia, conforme a lição extraída da Constituição de Atenas, de Aristóteles,

também havia essa preocupação latente com a defesa do consumidor, havendo uma fiscalização acerca dos produtos vendidos, com o intuito de verificar se não havia adulterações ou misturas. Como explicitado pelo mestre estagirita: [...] são também designados por sorteio os fiscais de mercado, cinco para o Pireu e cinco para a cidade; as leis atribuem-lhes os encargos atinentes às mercadorias em geral, a fim de que os produtos vendidos não contenham mistura nem sejam adulterados; são também designados por sorteio os ficais das medidas, cinco para a cidade e cinco para o Pireu; ficam a seu encargo as medidas e pesos em geral, a fim de que os vendedores utilizem os corretos; [...].(FILOMENO, 1999, p. 41).

Em seguida, no mesmo autor e obra, encontramos mais detalhes sobre o

comércio da época: [...] havia também os guardiões do trigo; eles se encarregam, em primeiro lugar, de que o trigo em grão colocado no mercado seja vendido honestamente; depois, de que os moleiros vendam a farinha por um preço correspondente ao da cevada, e de que os padeiros vendam os Paes por um preço correspondente ao do trigo e com o seu peso na medida por eles prescrita (com efeito, a lei ordena que eles o fixem); são também designados por sorteio dez inspetores do comércio, aos quais se atribuem os encargos mercantis, devendo eles obrigar os comerciantes a trazerem para a cidade dois terços do trigo transportados para comercialização [...] o juro de uma dracma incidente sobre o capital de um mina implicava uma taxa de 1% ao mês ou 12% ao ano.

Durante a história medieval, na França e na Espanha, aqueles que

adulteravam alimentos, especialmente manteiga e vinho, eram expostos ao público em situações vexatórias. Já no Império Romano, a tutela consumeirista ganhou ênfase com o controle de abastecimento de produtos e de preços. Nesse mesmo período havia a garantia de produtos duráveis; caso o produto apresentasse vícios ocultos, teria este de ser sanado, sob pena de rescisão contratual. Entrementes, em 1891 o movimento consumeirista ganhou força através da entidade Consumer League, que tinha por objetivo a proteção dos direitos do consumidor, e que realizou um boicote aos frigoríficos de Chicago que maltratavam seus empregados. Foi a primeira grande realização desse movimento, que hoje se tornou a Consumer’s Union, entidade de grande poder nos Estados Unidos. (FRISO, 2007, p. 18).

Apenas no ano de 1979, a Organização das Nações Unidas – ONU, por meio de

seu Conselho Social e Econômico, adotou a Resolução1979/74, que estabeleceu padrões

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para as relações de consumo e para a defesa dos direitosdo consumidor. (FRISO, 2007, p. 18).

No Brasil, antes do surgimento do Código de Defesa do Consumidor, não fazia mesmo sentido se falar em proteção contratual do consumidor, já que este, assim denominado, inexistia como entidade jurídica com perfil próprio. Na verdade, havia apenas um esforço das jurisprudências no sentido de mitigar o rigor do nosso Código Civil e o apego descomedido da doutrina a certos princípios que, diante da sociedade de produção e consumo em massa, gritavam por reforma. (FRISO, 2007, p. 19).

Nesse passo, a preocupação com a proteção dos direitos do consumidor no Brasil

se deu início através da criação do Sistema Estadual de Proteção do Consumidor, no ano de 1976, considerada como um marco dos direitos dos consumidores, entidade que hoje se tornou a Fundação PROCON, sendo este o primeiro órgão de proteção e defesa do consumidor no País. (FRISO, 2007, p. 19).

Logo após, no ano de 1988 foi promulgada a Constituição Federal vigente, fruto

de uma Assembleia Constituinte democrática após um longo período de ditadura militar. No inciso XXXII de seu artigo 5º, que trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, está disposto como direito fundamental a proteção do consumidor pelo Estado, bem como em seu artigo 170, inciso V, que prevê como princípio da ordem econômica a defesa do consumidor, colocando a proteção dos direitos do consumidor como essencial à ordem econômica.

Diante disso, o artigo 48 dos Atos das Disposições Transitórias, ordenou

que o Congresso Nacional elaborasse o Código de Defesa doConsumidor. Com efeito, finalmente fora promulgado o Código de Defesa do Consumidor, através da Lei 8.078 no ano de 1990, com o intuito de intervir nas relações de consumo para a proteção do sujeito vulnerável, desigual na relação com o fornecedor, de modo a manter o equilíbrio e a igualdade entre as partes nas contratações.

Em decorrência desta evolução, conferindo ao consumidor proteção a nível

constitucional e através do Código de Defesa do Consumidor, o Estado passou a assumir um papel fundamental na proteção do consumidor, já que atualmente as relações jurídicas sofrem, cada vez mais, a intervenção do Estado na sua regulamentação, visando sempre coibir a exploração do mais fraco pelo mais forte, e os abusos decorrente do acentuado desequilíbrio econômico entre as partes, procurando regular através de disposições legais cogentes, o conteúdo de certos contratos - uma vez que a maioria das relações entre consumidor e fornecedor se dá através de contrato -, de modo que as partes fiquem obrigadas a aceitar o previsto em lei, não podendo, naquelas matérias, regular diferentemente seus interesses.

Nesse ínterim, o Código de Defesa do Consumidor destina um capítulo à

proteção contratual, enumerando as hipóteses que configuram cláusulas abusivas e conferindo mecanismo de proteção, prevista na Seção II do Capítulo VI ainda do Título I. 2. DAS RELAÇÕES ENTRE CONSUMIDOR E FORNECEDOR

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O conceito de consumidor passa pela a definição disposta no artigo 2º da Lei n° 8.078 de 1990, segundo o qual, o consumidor “[...] é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. (BRASIL, 1990).

Desta feita, com base na definição legal prevista no artigo 2º do Código de

Defesa do Consumidor, a única característica restritiva para se alcançar o conceito de consumidor, seria a aquisição ou utilização do bem como “destinatário final”. Deste modo, tendo em vista que o texto legal não possui o significado de “destinatário final”, a doutrina consumeirista abrangeu duas principais correntes quanto à definição do consumidor, sendo elas: finalistas (subjetiva) e maximalistas (objetiva).

Para os finalistas, partindo do conceito econômico de consumidor, defendem

que a interpretação da expressão destinatário final seja restrita, fundamentando-se no fato de que somente o consumidor, parte mais vulnerável na relação contratual, merece a especial tutela.

Em suma, a corrente finalista defende ser crucial que o indivíduo seja

destinatário final econômico do bem, ou seja, não adquiri-lo para revenda ou para uso profissional, colocando um fim na cadeia de produção, utilizando o bem retirado do mercado apenas para uso próprio ou da família, para que seja considerado como consumidor.

Já a corrente maximalista defende que o destinatário final seria apenas o

destinatário fático, não havendo relevância quanto à destinação econômica que lhe deva sofrer o bem, ou ainda na finalidade do uso do produto ou serviço, sendo a definição de consumidor puramente objetiva, podendo, desta forma, haver atémesmo a intenção de lucro.

Diante disso, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça superou a discussão

acerca do alcance da expressão “destinatário final” constante do artigo 2º, do Código de Defesa do Consumidor, consolidando a teoria finalista como aquela que indica a melhor diretriz para a interpretação do conceito de consumidor, admitindo, entretanto, certo abrandamento dessa teoria quando se verificar uma vulnerabilidade no caso concreto, conforme se infere no Recurso Especial 476428/SC, publicado em data de 09 de maio de 2005. (BRASIL, 2005).

No que tange ao conceito de fornecedor, o artigo 3º do Código de Defesa do

Consumidor, possui a definição clara e ampla a respeito, veja-se: artigo 3º. Fornecedor é toda a pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços. (BRASIL, 1990).

Para obstar interpretações contraditórias, o legislador optou definir ainda

produto como sendo “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial” (artigo 3º, §1º, do Código de Defesa do Consumidor), (BRASIL, 1990), e serviço

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como “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista” (artigo 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor). (BRASIL, 1990).

Com efeito, verifica-se que a previsão legal inerente ao conceito de fornecedor

praticamente exauriu todas as formas de atuação no mercado de consumo. Conforme pondera Almeida (2009, p. 46), fornecedor não é apenas quem produz ou fabrica, industrial ou artesanalmente, em estabelecimento industriais centralizados ou não, como também quem vende, ou seja, comercializa o produto, se distanciando, portanto, a definição do fornecedor com a definição de consumidor, pois, enquanto este há exigência do destinatário final, tal exigência já não se verifica quanto ao fornecedor, que pode ser o fabricante originário, o intermediário ou o comerciante, bastando apenas que faça disso sua profissão ou sua atividade principal. 2.1 Natureza jurídica da tutela do consumidor

Em razão da preocupação de garantir a tutela de um direito fundamental previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXII, remanesce cristalino que as normas de proteção ao consumidor têm forte conteúdo de direito público. (BRASIL, 1988)

Por se tratar de normas cogentes, de observância obrigatória e cumprimento

coercitivo, constata-se a clara disposição do Estado de intervir no mercado em socorro do consumidor vulnerável, posto que, a proteção interessa a toda a coletividade e não apenas ao consumidor individual, não resta dúvidas quanto à natureza jurídica da tutela do consumidor, qual seja, de ordem pública.

Além disso, a própria lei de proteção, deixa claro que as disposições do Código

do Consumidor têm a natureza jurídica de normas de “ordem pública e interesse social”, em seu artigo 1º, do que decorrem sua imperatividade e inderrogabilidade pela vontade das partes.

2.2 Da vulnerabilidade do consumidor e a busca do equilíbrio contratual

Assevera Batista de Almeida que a produção em massa e a comercialização em volumosa escala geraram a padronização dos contratos para a colocação dos produtos e serviços no mercado de consumo. Concomitantemente a esse fato, surgiu a nova modalidade contratual: a hipertrofia da vontade do fornecedor,que estipulava previamente as cláusulas e condições e praticamente as impunha ao consumidor-aderente, as quais visavam apenas dar maior garantia possível ao fornecedor, em regra integrante de grandes complexos industriais e comerciais. Aludidas cláusulas, na verdade, não resultavam de acordo com a vontade das partes, mas de verdadeira imposição do fornecedor. Em síntese: a superioridade econômica conduziu à superioridade contratual. (ALMEIDA, 2009, p. 138).

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Deste modo, pode-se dizer que a fragilidade do consumidor manifesta-se

com maior destaque em três momentos principais de sua existência no mercado: antes, durante e após a contratação. Em outras palavras: toda a vulnerabilidade do consumidor decorre, direta ou indiretamente, do empreendimento contratual e toda a proteção é ofertada na direção do contrato. Daí a importância que assume a matéria contratual no amplo círculo de proteção do consumidor.

Conforme se vê, a vulnerabilidade do consumidor é naturalmente reconhecível

pelo fato do fornecedor deter o conhecimento dos meios de produção, bem como em decorrência da relação de dependência entre consumidor e fornecedor. Consequentemente, o consumidor é submetido ao poder do titular do conhecimento dos meios de produção (fornecedor), tornando-se, quase sempre, a parte mais fraca da relação da relação de consumo, ou seja, totalmente vulnerável.

Atualmente, já não se questiona mais a respeito do reconhecimento da

vulnerabilidade do consumidor, havendo o consenso universal no que se refere a este assunto, tendo, inclusive a ONU através da Resolução n. 39/248, de 10 de abril de 1985, declarado nitidamente a respeito, reconhecendo que os consumidores se depararam com desequilíbrio em termos econômicos, nível educacional e poder aquisitivo, o que conflita com o direito de acesso a produtos e serviços seguros e inofensivos (normas, item 1).

O Brasil, por seu turno, também reconheceu a hipossuficiência e vulnerabilidade

do consumidor, angariando meios para a tomada de consciência em favor dele. Declarou através do Código de Defesa do Consumidor a vulnerabilidade que ele possui como um dos princípios da Política Nacional de Relações de consumo, e ainda, assegurando os direitos e os instrumentos protetivos para a defesa do consumidor. (BRASIL, 1990)

Logo, considerando que a maior parte das relações de consumo é

consumada através de contrato, o legislador preocupou-se em aferir relevância não só para a manifestação da vontade do consumidor - em razão do princípio do pacta sun servanda -mas também, e, principalmente, com os efeitos do contrato, editando normas de caráter cogentes, visando obstar a prática abusiva dos fornecedores, bem como propiciando ao consumidor instrumentos e mecanismos para superação do desequilíbrio contratual decorrente de sua vulnerabilidade, através da tipificação e sancionamento das cláusulas consideradas abusivas, alcançando, assim, o equilíbrio contratual e a harmonia dos interesses das partes na relação de consumo. 2.3 Da proteção contratual contra as cláusulas abusivas

O desequilíbrio nas relações contratuais em decorrência da superioridade econômica dos fornecedores, os quais impunham condições e cláusulas que garantiam exclusivamente os interesses dos mesmos, acarretou em diversos abusos e lesões patrimoniais de toda a ordem aos consumidores, uma vez que estes não encontravam resposta adequada no sistema até então vigente e, sobretudo, em razão da

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aplicação rigorosa da pactu sunt servanda, da falta de tratamento legislativo acerca da modificação e da revisão das cláusulas contratuais desproporcionais ou excessivamente onerosas, da falta de tipificação e sancionamento das cláusulas chamadas abusivas, entre outros motivos.

Diante disso, o Código de Defesa do Consumidor, surgiu para compensar a

inferioridade e a vulnerabilidade do consumidor, editando normas protetivas coibindo costumeiros abusos e criando mecanismos poderosos de prevenção e repressão contra fraudes, além de enumerar os direitos básicos do consumidor,buscando restabelecer o equilíbrio entre as partes contratantes. (GRINOVER, et al., 2004)

Dentre estas medidas, inclui-se a proteção contra cláusulas abusivas ou impostas

no fornecimento de produtos ou serviços (relações de consumo), conforme disposto no artigo 6º, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor. (BRASIL, 1990).

O Código de Defesa do Consumidor enumerou em seu artigo 51 em seus incisos

e parágrafos, uma série de cláusulas consideradas abusivas, dando-lhes o regime de nulidade de pleno direito.

Referida nulidade é decorrente do caráter da tutela instituída no artigo 1º

do Código de Defesa do Consumidor: “de ordem pública e interesse social”. Vale lembrar que o rol previsto no artigo 51 em seus incisos e parágrafos não é

exaustivo, podendo o juiz, diante das circunstâncias do caso concreto, entender ser abusiva e, portanto, nula, determinada cláusula contratual, com fulcro no artigo 51 do CDC, que diz serem nulas, “entre outras”, as cláusulas que menciona, bem como pelo o inciso XV do referido artigo onde contém norma de encerramento, que dá possibilidade ao juiz de considerar abusiva a cláusula que “esteja em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor”.

Por fim, cabe ressaltar que para o negócio jurídico auferir a proteção

jurídica contra as cláusulas abusivas prevista no artigo 51,em seus incisos e parágrafos do Código de Defesa do Consumidor, é crucial que o contrato sejaoriundo da relação jurídica de consumo. (ALMEIDA, 2009). 2.3.1 Da função social do contrato

O regime adotado antes do Código de Defesa do Consumidor sujeitava o consumidor a cumprir de forma forçada o contrato até o final, mesmo quando constatado abusos e lesões a este, em razão da rigorosa aplicação do princípio pacta sunt servanda,e, mormente em virtude de não existir base legal para pleitear revisão do contrato, pois não estavam tipificadas e sancionadas em lei as hoje chamadas cláusulas abusivas.

Com a criação do Código de Defesa do Consumidor ocorreu uma grande

evolução, posto que, criou novo contrato capaz de resguardar os direitos dos consumidores, protegendo-o em relação aos abusos e lesões anteriormente praticados

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pelos fornecedores. Por esta razão, pode-se dizer que o contrato passou a ter “função social”, já que não mais cuidava em preservar exclusivamente os interesses dos fornecedores.

Conforme alude Batista de Almeida, com o novo regime ocorreram

significativas mudanças: a) atenuação do princípio da obrigatoriedade dos contratos, admitindo-se a modificação e cláusulas contendo prestações desproporcionais; b) o Código de Defesa do Consumidor, ao adotar a teoria da quebra da base do negócio, permitiu a revisão de cláusula em razão de fatos supervenientes que ocasionem onerosidade excessiva; c) a autonomia da vontade foi reduzida mediante a previsão de nulidade das cláusulas abusivas; d) a garantia passou a ser regulada pela lei; e, por último, e) a garantia contratual recebeu regulamentação adequada e tipificação legal; (2009, p. 145)

Portanto, por se tratar estas inovações de normas de ordem pública, haverá

intervencionismo cada vez maior do Estado nas relações contratuais decorrentes da relação de consumo, no intuito de relativizar o antigo dogma da autonomia da vontade com as novas preocupações de ordem social, com a imposição de umnovo paradigma, o princípio da boa-fé objetiva e a equidade.

É o contrato, como instrumento a disposição dos indivíduos na sociedade

de consumo, mas, agora limitado e eficazmente regulado para que alcance realmente a sua função social. 2.3.2 Limites à liberdade contratual

Em nome do princípio da igualdade de todos perante a lei, pressupunha-se que as partes haviam di0scutido previamente os termos e as condições do contrato, chegando, afinal, a denominador comum, arcando cada qual com os efeitos jurídicos decorrentes, justificando, assim, a abstenção do Estado no momento da formação do contrato.

Em decorrência do referido princípio, conduziu-se no campo contratual, ao

princípio da autonomia de vontade,fundamentado no direito ao consumidor de realizar ou não determinado contrato, segundo a vontade e com pessoa escolhida, bem como no direito de definir o conteúdo do contrato, convencionando livremente suas cláusulas e condições. Entrementes, não era o que de fato ocorria, uma vez que os fornecedores abusavam dos poderes que lhes eram conferidos em face de sua superioridade econômica, impondo as condições e cláusulas que garantissem apenas os seus próprios interesses. (GRINOVER, et al., 2004).

Desta feita, no intuito de superar a inferioridade do consumidor com uma

superioridade jurídica, a intervenção estatal se fez presente, buscando compensar o desequilíbrio existente entre as partes contratantes, ou seja, entre o fornecedor, economicamente mais bem aquinhoado, e o consumidor,mais fraco econômica e socialmente.

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A principal manifestação da intervenção estatal se deu através do dirigismo contratual, que vem a ser a imposição de limitações à liberdade contratual, pelo Estado, visando impedir a exploração do mais fraco pelo mais forte, regulando através de disposições legais cogentes, o conteúdo de certos contratos, impondo ou proibindo determinadas cláusulas, de modo que as partes fiquem obrigadas aaceitar o que está previsto na lei, não podendo, naquelas matérias, regular diferentemente a favor de seus interesses.

Nesse sentido, esclarece Batista de Almeida que: o Código de Defesa do

Consumidor é pródigo em dirigismo contratual. Por isso, além das normas gerais de proteção (arts. 46 a 50),editou normas especificas que interferem no conteúdo do contrato (art. 51, seus incisos e parágrafos). Segundo seus termos, os contratos, nas relações de consumo, não poderão conter cláusulas que excluem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor, que gerem desequilíbrio contratual ou que, de qualquer forma, conduzam o consumidor a situação prejudicial em face do poder econômico do outro contratante. Assim, o sancionamento das cláusulas abusivas com a pecha de nulidade absoluta(art. 51) restringiu a autonomia de atuação contratual do fornecedor, impondo-lhe a observância de normas de conduta que conduzirão induvidosamente a um maior respeito aos direitos do consumidor, em face dos parâmetros de honestidade emoralidade que encerram e que se deseja presidindo as relações de consumo. (2009, p. 140)

Em virtude da lei de proteção, verifica-se que o fornecedor não possui

mais autonomia absoluta no ato de contratar, além de não poder convencionar livremente as cláusulas e condições que lhe sejam mais favoráveis e prejudiciais ao consumidor, deverá sempre os princípios da boa-fé e da equidade, bem como o regramento imperativo do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor.

Deste modo, permanece apenas a liberdade de contratar, isto é, a de realizar ou

não um determinado contrato, uma vez que a liberdade contratual, liberdade para determinar o conteúdo da relação obrigacional sofre limitações através das normas imperativas para a contratação e, também, por meio do intervencionismo legal na vida dos contratos. (BRASIL, 1990). 2.4 Princípios fundamentais que devem ser aplicáveis em contratos decorrentes da relação de consumo 2.4.1 Princípio da boa-fé contratual

Partindo da premissa de que a grande maioria das relações entre consumidores e fornecedores se firma através de contrato, relevante se torna avaliarmos um dos mais importantes princípios norteador do Código de Defesa do Consumidor: a boa-fé contratual nas relações entre consumidor e fornecedor.

Em sentido amplo, aludido princípio consiste no dever recíproco do indivíduo

agir com honestidade, lealdade, cooperação, convicto que está agindo conforme o direito, se abstendo da prática de atos que possam extenuar as expectativas contratuais

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da outra parte, objetivando sempre a harmonia das relações do consumo, conforme estabelece o artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, vejamos: art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (grifo nosso). (BRASIL, 1990).

Assim como pelo artigo 51, inciso IV, da mesma legislação: art. 51. São nulas de

pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade. (grifo nosso). (BRASIL, 1990).

Conforme já alinhavado, a boa-fé trazida pelo Código Consumeirista é a

objetiva, onde estabelece o dever de lealdade presente em todas as relações jurídicas, se distinguindo da boa-fé subjetiva. (GRINOVER et. al., 2004).

A boa-fé subjetiva desprezada pelo Código Consumeirista é a manifestação

estritamente psicológica, contrapondo-se à má-fé, ou seja, age com a boa-fé quem não age com má-fé. É considerada como concepção na qual o sujeito conscientemente ignora o caráter ilícito de seu ato, sendo mais comum de ser encontrada nos diversos preceitos do Código Civil. (GRINOVER et. al., 2004)

Já a boa-fé objetiva, presente no Código de Defesa do Consumidor, é muito

mais abrangente, sendo de difícil definição, conforme ensina a doutrinadora Gisele de Lourdes Friso: é, via de regra, uma norma de conduta, o dever de fornecedor e consumidor agirem de acordo com certos valores, com honestidade, visando o equilíbrio da relação.

Temos, portanto, que a boa-fé objetiva é apurada pelo binômio tempo e

espaço. Hoje um comportamento considerado de acordo com a boa-fé objetiva, pode não

o ser amanhã. Em determinado lugar, o mesmo comportamento pode ser contrário à boa-fé objetiva. (FRISO, 2007,)

Deste modo, a boa-fé objetiva adotada pelo Código de defesa do

consumidor, configura-se como um dever de agir em consonância com os padrões socialmente aceitos, de modo que, a relação jurídica entre consumidor e fornecedor seja conduzida de forma honesta e lícita, estabelecendo um parâmetro de comportamento ou padrão de conduta aos que se obrigam na relação jurídica. Ou seja, determina os deveres secundários de conduta dos contratantes, os quais impõem as partes comportamentos éticos necessários – conduta leal, correta, honesta e lícita – ainda

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que não haja previsão expressa nos contratos, tornando-se fatores determinantes e imprescindíveis a fim de permitir a concretização das justas expectativas surgidas em razão das cláusulas avençadas na celebração do contrato.

Assim, pode-se dizer que a boa-fé objetiva constitui um conjunto de

padrões éticos de comportamento, aferíveis objetivamente, que devem ser seguidos pelas partes contratantes em todas as fases da existência da relação contratual, desde a sua criação, durante o período de cumprimento e, até mesmo, após a sua extinção. (ALMEIDA, 2009).

Nesse ínterim, verifica-se que a função interpretativa da boa-fé, serve de

orientação para o juiz, devendo este sempre prestigiar, diante de convenções e contratos, a teoria da confiança, segundo a qual as partes agem com lealdade na busca do adimplemento contratual. Assim, temos que a função da boa-fé objetiva funda-se no intuito de evitar o abuso do direito subjetivo, limitando condutas, práticas e cláusulas comerciais abusivas, reduzindo, certa forma, a autonomia dos contratantes.

Concluindo, deste modo, que a caracterização de qualquer cláusula abusiva, nos

termos da sistemática adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, independe de análise subjetiva da conduta do fornecedor, se houve ou não malícia, intuito de obter vantagem indevida ou exagerada, bem como não é exigida a má-fé ou dolo do fornecedor para que determinada cláusula contratual decorrente da relação de consumo seja considerada como abusiva.

2.4.2 Princípio da equidade (equilíbrio contratual) Sendo um dos valores fundamentais presentes no sistema de proteção contratual,

o princípio da equidade é fundado no equilíbrio de direitos e deveres nos contratos entre consumidores e fornecedores, para que realmente se possa alcançar a justiça contratual.

Destarte, institui o Código de Defesa do Consumidor normas imperativas, que

proíbem a utilização de qualquer cláusula abusiva, como a que assegure vantagens unilaterais ou exageradas para o fornecedor de bens e serviços, buscando sempre a harmonia e o equilíbrio das relações de consumo, conforme também se infere no artigo 4º, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis: art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: [...] III – harmonização dos interesses dos participantes das relações de consumo e compatibilização da proteção do consumidor com a necessidade de desenvolvimento econômico e tecnológico, de modo a viabilizar os princípios nos quais se funda a ordem econômica (art. 170, da Constituição Federal), sempre com base na boa-fé e equilíbrio nas relações entre consumidores e fornecedores. (grifo nosso). (BRASIL, 1990).

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Encontra-se, ainda, o princípio da equidade amparado em nossa Carta Magna em seu artigo 3º, inciso I, vejamos: art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária [...].(BRASIL, 1988).

E ainda pelo já referido artigo 51, inciso IV, do CDC, em sua parte final, quando

diz que são nulas de pleno direito as cláusulas contratuais que sejam incompatíveis com a equidade. (BRASIL, 1990).

Em síntese, o princípio da equidade tem como escopo nas relações de

consumeirista em admitir o consumidor como parte vulnerável, de modo que, ele poderá anuir conscientemente com determinada cláusula em contrato pactuado com o fornecedor, no entanto, se referida cláusula trazer vantagem excessiva para o fornecedor, se é abusiva, o resultado é contrário à ordem pública de proteção do Código de Defesa do Consumidor e, consequentemente, a autonomia da vontade do consumidor não prevalecerá, ainda que não inexista uma conduta reprovável do fornecedor.

3. DAS CLÁUSULAS ABUSIVAS

Visando a proteção do consumidor nas relações consumeiristas, de forma exemplificativa, enumera o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, as cláusulas consideradas abusivas que, quando presentes nos contratos, serão nulas de pleno direito, mesmo tendo o consumidor admitido e concordado com o conteúdo.

Considera-se “nulas de pleno direito”, conforme doutrina majoritária, como

sinônima de nulidade absoluta, não só em razão do artigo 166, inciso VII do Código Civil, mas principalmente em consideração do caráter da tutela instituída no art. 1º do CDC: “de ordem pública e interesse social”. (GRINOVER et. al., 2004).

Quanto à natureza da sentença que reconhece a cláusula abusiva, a doutrina

majoritária reconhece ser uma sentença constitutiva negativa, produzindo efeitos ex tunc, retroagindo a data da celebração do contrato.

Considerando que a vedação das cláusulas abusivas trata-se de matéria de ordem

pública, a nulidade de pleno direito destas não é atingida pela preclusão, de modo que pode ser alegada no processo a qualquer tempo e grau de jurisdição, ou seja, o consumidor poderá exercer a qualquer momento o direito potestativo de desconstituir os contratos cujas as cláusulas são abusivas.

Destaca-se, ainda, que o Código de Defesa do Consumidor não fixou nenhum

prazo para o exercimento do direito de pleitear em juízo a nulidade da cláusula abusiva, bem como não faz qualquer alusão ao artigo 26 do mesmo diploma. Consequentemente, na ausência de norma nesse sentido, este tipo de ação é considerada perpétua, ou seja, imprescritível. (ALMEIDA, 2009).

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Em razão da boa-fé objetiva, a abusividade das cláusulas não é aferida subjetivamente, ou seja, não se infere se o fornecedor, ao estipular as cláusulas contratuais, tinha o conhecimento de que eram abusivas frente aoCódigo Consumeirista.

No intuito de proteger essa categoria vulnerável, denominada consumidor, o

legislador privilegiou valores superiores ao dogma da autonomia da vontade (pacta sunt servanda), como a boa-fé objetiva e a justiça contratual, permitindo que o Poder Judiciário tenha condições de aferir, objetivamente, quando estará ocorrendo um desequilíbrio entre as partes, possibilitando, assim, um efetivo controle do conteúdo dos contratos de consumo.

Ressalta-se que, pelo princípio da conservação das relações jurídicas, o contrato

deve ser mantido, sendo declarada apenas a nulidade da cláusula abusiva, exceto se tal nulidade impossibilitar o cumprimento ou comprometer a essência do contrato. (FRISO, 2007). 3.1 Rol de cláusulas abusivas previstas no código de defesa do consumidor

O artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor, enumera de forma exemplificativa as cláusulas consideradas abusivas,que serão nulas de pleno direito, relativas ao fornecimento de produtos e serviços.

3.1.1 Cláusula de não indenizar nos contratos de consumo e que impliquem na renúncia ou disposições de direitos

Reza o inciso I, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis. (BRASIL, 1990).

Com fulcro no inciso supra, verifica-se que o fornecedor não poderá inserir em

contrato cláusula que o isente do dever de indenizar ou mesmo que atenue a responsabilidade, sob pena de ferir o princípio do equilíbrio contratual (equidade).

Cabe ressaltar, que as cláusulas de exoneração da responsabilidade

somente operam se objeto de estipulação contratual, de modo que, não poderá instituir cláusula de não indenizar os danos derivados de responsabilidade extracontratual. As pretensões de terceiros também ficam imunes à eventual eficácia dessa cláusula abusiva.

Com relação à responsabilidade pelo fato e por vício do produto e serviço,

dispõe o artigo 25 do Código de Defesa do Consumidor no mesmo sentido, vejamos:

135

art. 25. É vedada a estipulação contratual de cláusula que impossibilite, exonere ou atenue a obrigação de indenizar previstas nesta e nas seções anteriores. (BRASIL, 1990).

A única exceção se dá nas relações de consumo entre fornecedor e o

consumidor, pessoa jurídica, caso em que a indenização poderá ser limitada em situações justificáveis.

Portanto, no caso concreto, caberá ao magistrado a verificação da validade ou

não da cláusula limitadora do dever de indenizar, observando sempre o princípio da equidade e da boa-fé.

Vale dizer que mesmo nos casos de pessoa jurídica consumidora, o Código

Consumeirista veda a impossibilidade de indenização, permitindo apenas uma atenuação no dever de indenizar, mas não a sua completa impossibilidade.

Por fim, insta salientar que as normas do Código de Defesa do Consumidor são

de ordem pública e interesse social, não se emprestando validade à cláusula de renúncia ou disposições de qualquer direito pelo consumidor, pois isso enseja a desequilíbrio contratual em favor do fornecedor. (FRISO, 2007).

3.1.2 Subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga

Dispõe o inciso II, do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] II – Subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código. (BRASIL, 1990).

Conforme estabelece a norma ora comentada, as cláusulas contratuais que

subtraírem do consumidor o direito de ser reembolsado das quantias pagas, total ou parcialmente, são nulas de pleno direito. Referida previsão, é corroborado em vários dispositivos do Código, como por exemplo, o consumidor que exercitar o direito de arrependimento previsto no artigo 49, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor, tem o direito de ver-se reembolsado as quantias eventualmente pagas, imediata e monetariamente atualizadas, de acordo com os índices oficiais.

Salienta-se, que a regra incide quando o direito de reembolso ou devolução das

quantias pagas estiver assegurado pelo Código. Veda-se essa cláusula também por importar disposição de direitos, conforme analisado no artigo 51, inciso I, do Código de Defesa do Consumidor. 3.1.3 Transfiram a responsabilidade a terceiros

Encontra-se insculpido no inciso III, do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais

136

relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] III – Transfiram a responsabilidade a terceiros [...]. (BRASIL, 1990).

Não pode o fornecedor, por meio de cláusula contratual, procurar se eximir

de suas responsabilidades, transferindo-a a terceiros,uma vez que sua responsabilidade provém da lei. A responsabilidade do fornecedor independe das relações jurídicas que o fornecedor tenha com terceiros, sendo vedado a ele a transferência das responsabilidades oriundas das relações de consumo.

No entanto, conforme pondera Nery Júnior, pode ocorrer que o fornecedor

realize contrato de seguro com terceiro para garantir-se de possível prejuízo causado relativamente àquele contrato de consumo. Para essa hipótese, o Código criou, em benefício do consumidor, um caso de solidariedade (art. 265 do Código Civil) entre fornecedor e seguradora, autorizando o fornecedor, quando demandado, a chamar a seguradora ao processo (art. 101, inciso II do Código de Defesa do Consumidor) a fim de que possam ambos os devedores solidários, ser condenados na sentença. Com feito, sendo a condenação solidária (artigo 80, do Código de Processo Civil), o consumidor poderá pleitear o cumprimento de sentença contra fornecedor e/ou seguradora, indistintamente. (2004,p. 568)

Por último, vale registrar que, não se tratando de hipótese de seguro,

qualquer outro instituto processual, quer seja denunciação da lide ou chamamento ao processo serão nulos, em conformidade com o Código de Defesa do Consumidor. 3.1.4 Cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada ou incompatíveis com a boa-fé ou equidade

Estabelece o inciso IV, do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou equidade [...] (BRASIL, 1990).

Aludido inciso, ainda refere-se às cláusulas que coloquem o consumidor

em desvantagem exagerada. O Código de Defesa do Consumidor, em se artigo 51, parágrafo 1º, traz exemplos de cláusulas presumidamente exageradas, como aquela que se mostre excessivamente onerosa ao consumidor, sendo elas: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] §1º. Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagens que: I – ofendem os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence; II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual; III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso. (BRASIL, 1990).

Entrementes, vale lembrar que o rol do citado parágrafo é meramente

exemplificativo, cabendo ao juiz a integração da norma no caso concreto.

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3.1.5 Estabelecem a inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor

Estabelece o inciso VI, do artigo 51 do CDC: art. 51. São nulas de pleno direito,

entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor [...]. (BRASIL, 1990).

Por primeiro, insta esclarecer que ônus processual não significa exatamente

dever ou obrigação da parte, e sim um encargo que, se descumprido, acarreta, de regra, consequências negativas ao interessado, como a própria derrota judicial.

Cumpre registrar, ainda, que basicamente, a disciplina relativa ao ônus

processual está, basicamente, no caput do artigo 333 da lei processual civil que estabelece ser ônus do autor a prova de fatos constitutivos do seu direito e, de outro lado, ônus do réu a demonstração da existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

É prevista ainda, no parágrafo único e os dois incisos do artigo 333 do Código

de Processo Civil, a possibilidade das partes, por meio de disposição contratual, distribuir de maneira diversa o ônus da prova, salvo quando “recair sobredireito indisponível da parte” ou “tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito”.

Entrementes, as inversões do ônus da prova estabelecidas no Código de Defesa

do Consumidor não podem ser alteradas por disposição contratual, até porque, repita-se, as normas do Código de Defesa do Consumidor são de “ordem pública e interesse social” e, portanto, inafastáveis por acordo de vontade entre consumidor e fornecedor. (FRISO, 2007).

Nos casos, por exemplo, do artigo 12, §3º, e 14, §3º do Código de

Defesa do Consumidor, determinam que, para haver exclusão da responsabilidade de o fornecedor indenizar o dano decorrente do fato do produto ou serviço, é preciso que ele comprove a existência e verificação das causas excludentes adotadas pela lei, bem como do o artigo 38, do Código de Defesa do Consumidor, dispõe: “O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina”, o ônus da prova está atribuído ao fornecedor por normas de ordem pública, não podendo ser derrogadas por convenção das partes, conforme Grinover et. al. (2004, p. 576).

O inciso em estudo encontra respaldo ainda no inciso VIII do artigo 6º do

Código de Defesa do Consumidor, onde está consagrado o direito básico do consumidor consistente na “[...] facilitação de defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.”. (BRASIL, 1990).

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3.1.6 Determinem a utilização compulsória de arbitragem

Reza o inciso VII, do artigo 51 do Código de Defesa Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] VII - determinem a utilização compulsória de arbitragem [...]. (BRASIL, 1990).

Conforme se vê, o legislador consumeirista, em respeito ao princípio de proteção

ao hipossuficiente, vedou a estipulação compulsória de convenção de arbitragem, por entender que seria prejudicial ao consumidor.

Isso porque, normalmente, no momento da contratação, faltam informações

suficientes ao consumidor para que possa optar, de forma livre e consciente, pela adoção da arbitragem como meio de solucionar futuro conflito de consumo, além do que a superioridade econômica do fornecedor não pode transformar em obrigatório aquilo que é facultativo para as partes, em consonância ao artigo 1.072 e seguintes do Código de Processo Civil. (ALMEIDA, 2009).

Ademais, para que as partes optem por um juízo arbitral e firmem tal

compromisso, é indispensável um conhecimento anterior de ambas as partes acerca da legislação e das implicações que o compromisso arbitral acarretará, o que, com certeza, não ocorre nas relações de consumo.

Deste modo, o Código de Defesa do Consumidor vedou a adoção prévia e

compulsória da arbitragem no momento da celebração do contrato. Porém, quando já configurado o conflito, é possível que seja instaurado o procedimento arbitral, caso haja consenso entre fornecedor e consumidor, conforme os ensinamentos de Medeiros Garcia. (2008, p. 272). 3.1.7 Imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor

Prevê o inciso VIII, do artigo 51 do já citado Código que fundamenta este estudo: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] VIII - imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor [...] (BRASIL, 1990).

É vedado ao fornecedor, oportunizando da fragilidade e vulnerabilidade do

consumidor, impor um representante para celebrar negócio jurídico em seu nome. Tal cláusula era muito comum em contratos de abertura de crédito, financiamento de cartões de crédito. Entrementes, além de ser considerada uma prática abusiva, com base nas disposições do artigo 39 do Código do Consumidor, a cláusula será nula de pleno direito. (GRINOVER et. al., 2004).

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Salienta-se que o presente inciso veda é a imposição do procurador ao consumidor, possibilitando que o mandatário aja, a seu alvedrio, no interesse exclusivo do credor.

Nesse sentido, visando coibir abusos, o Superior Tribunal de Justiça também se

posicionou a respeito do assunto, editando a Súmula60, que prevê como “É nula a obrigação cambial assumida por procurador do mutuário vinculado ao mutuante, no exclusivo interesse deste”.(BRASIL, 1992). 3.1.8 Opção exclusiva do fornecedor de concluir ou não o contrato

Reza o inciso IX, do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor. (BRASIL, 1990).

O fornecedor não poderá incluir no contrato cláusula desobrigando-o de cumprir

o contrato, porém obrigando somente o consumidor, pois feriria o equilíbrio contratual. Vale lembrar que se o fornecedor se obrigou, seja por qualquer informação prestada, seja por publicidade, terá que cumpri-la nos moldes do artigo 30 ou do artigo 35, ambos do Código de Defesa do Consumidor. (FRISO, 2007).

Deste modo, verifica-se a proibição da cláusula que dê ao fornecedor a

opção exclusiva para, a seu bel prazer, concluir ou não o contrato e que, ao mesmo tempo, obrigue o consumidor a aceitar a opção do fornecedor. Nesse, e em outros dispositivos do Código, vê-se a preocupação da lei em dirigir o contrato de consumo para o ponto de equilíbrio ideal entre fornecedor e consumidor. 3.1.9 Variação unilateral do preço

Pondera o inciso X, do artigo 51 em estudo: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] X - permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral [...]. (BRASIL, 1990).

De acordo com o princípio do equilíbrio previsto no artigo 4º, inciso III, do

Código de Defesa do Consumidor, não pode o fornecedor ficar com o privilégio de alterar unilateralmente o preço no contrato de consumo, após a sua celebração, uma vez que este ato viria a desequilibrar a relação jurídica de consumo. Deste modo, para que se torne possível qualquer alteração contratual superveniente a sua conclusão, é crucial que seja discutida entre os participantes da relação jurídica de consumo a possível alteração, em igualdade de condições.

Insta salientar que se inclui na proibição do dispositivo comentado a

alteração unilateral das taxas de juros e outros encargos. No entanto, havendo

140

modificação no modelo da economia nacional, poderá ocorrer um reajuste nos contratos de consumo, caso em que as partes devem reavaliar as bases do contrato, com possibilidades de alteração no preço e taxas de juros e outros encargos, de modo bilateral, discutindo entre as partes e de igual para igual as novas situações, a fim de que seja preservado o equilíbrio que deve presidir as relações de consumo e respeitado o direito básico do consumidor de ver assegurando igualdade nas contratações. 3.1.10 Cancelamento unilateral do contrato, sem que igual direito seja conferido ao consumidor

Consta no inciso XI, do artigo 51 já mencionado: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor. [...]. (BRASIL, 1990).

A princípio, o inciso leva a conclusão apenas de que deve constar no

contrato cláusula permitindo que ambas as partes (consumidore fornecedor) cancelem o contrato, para validar a prática. Entretanto, a norma deve ser analisada em sentido amplo e em harmonia com o sistema do Código.

Conforme Friso, os contratos de prestação de serviços contínuos, em regra, não

têm prazo determinado. Assim, tais contratos simplesmente não terminam. Podemos, então, dizer que, caso o consumidor pague o preço pelo serviço e cumpra com suas obrigações, o fornecedor será obrigado a continuar o trabalho. Nesse casso, a opção de cancelar o contrato, causaria um grave desequilíbrio na relação, uma vez que geraria sensação de insegurança e incerteza ao consumidor. (FRISO, 2007)

Assim, nos demais casos, havendo a previsão do direito de cancelamento por

parte do fornecedor no contrato decorrente da relação de consumo, aludida faculdade também deverá ser conferida ao consumidor, colocando as partes em posição contratual de igualdade e equilíbrio.

Por derradeiro, cabe registrar que o inciso em estudo trata-se de resilição, que é

meio de extinção do vínculo contratual por uma das partes independentemente de descumprimento do pactuado, o que difere da rescisão contratual, a qual pressupõe inadimplência por uma das partes. 3.1.11 Ressarcimento unilateral dos custos de cobrança

Consoante o inciso XII, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor, temos que: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XII - obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor [...]. (BRASIL, 1990).

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Visando conter a supremacia econômica do fornecedor, referido inciso veda à possibilidade deste, caso seja necessário o recurso à cobrança para fazer valer os seus direitos derivados do contrato de consumo, estipular que os esses encargos sejam carreados ao consumidor, sem que igual direito for assegurado ao mesmo, caso seja necessário cobrar o cumprimento da obrigação do fornecedor.

Ou seja, será considerada valida a cláusula que dispõe que o consumidor

arque com os custos de cobrança efetuada pelo fornecedor,se houver reciprocidade em seu favor, ou seja, deverá ser concedido alinhavado direito também ao consumidor, para que haja o equilíbrio contratual.

Vale lembrar que em muitos casos, porém, não basta haver cláusula de

ressarcimento de custos de cobrança em favor do consumidor para legitimar a cobrança pelo fornecedor. Da mesma forma do inciso XI, deverá verificar se não há ofensa à boa-fé objetiva ou abuso do direito. Nesse sentido, a jurisprudência tem entendido que cláusula que prevê o pagamento de honorários advocatícios quando não ajuizada nenhuma demanda judicial, sob o argumento de que a cobrança já foi encaminhada paraum escritório de cobrança, deverá ser considerada abusiva. 3.1.12 Modificação unilateral do contrato

Estabelece o inciso XIII, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração. (BRASIL, 1990).

Em respeito, mais uma vez, ao princípio da boa-fé objetiva e ao princípio

da equidade, se houver a necessidade de alteração contratual, o fornecedor deverá consultar o consumidor para que seja a alteração válida, ou seja, deverá ser discutida gré à gré entre fornecedor e consumidor, para que ocorra uma nova manifestação de vontade.

Isso porque é considerada abusiva e ilícita a cláusula que conceda ao fornecedor

o direito de alterar unilateralmente o conteúdo ou qualidade do contrato, mediante estipulações como modificação de preço, prazo de entrega do produto ou serviço, entre outros. (ALMEIDA, 2009).

Portanto, sendo nulas de pleno direito aludidas cláusulas, e, de corolário, não

produzem efeitos e nem obrigam o consumidor, de modo a preservar o equilíbrio negocial entre fornecedor e consumidor, bem como assegurar a este a igualdade nas contratações. 3.1.13 Violação das normas ambientais

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No inciso XIV, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor consta: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XIV - infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais. [...]. (BRASIL, 1990).

O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é garantia constitucional

prevista no artigo 225 da Carta Magna. Deste modo, não se admite que cláusulas contratuais que tenha potencialidade para ofender o meio ambiente, ainda que sejam benéficas ao consumidor. (BRASIL, 1988).

O inciso em estudo é aplicado às duas partes da relação de consumo, quais

sejam: consumidor e ao fornecedor. Ressalta-se, ainda, que não há necessidade da ofensa real ao meio ambiente, bastando apenas caracterizar a abusividade da cláusula que possibilite a ofensa às normas ambientais.

Importante destacar que os interesses das partes contratantes, deve sempre

respeitar direitos de terceiros, principalmente se pertencentes à coletividade, decorrendo da tendência atual de mitigar o principio da relatividade das convenções, constituindo-se, deste modo, o aspecto da função social do contrato, que hoje está expressa no artigo 421 do Código Civil vigente: “A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato”. (BRASIL, 2002).

Ressalta Grinover et. al. outro fator relevante no inciso em estudo, é que

a proibição alcança, também, as cláusulas que estejam em desacordo com normas ambientais, legais ou administrativas. Os termos “meio ambiente” e “normas ambientais” estão tomados em sua acepção mais ampla, incluídos neles o meio ambiente natural (ar, água, florestas, fauna, flora, etc.), meio urbanístico (zoneamento, poluição visual e sonora, etc.), meio ambiente cultural (patrimônios e bens de valores históricos, estéticos, turísticos, paisagístico, artístico e arquitetônico) e meio ambiente do trabalho (salubridade e segurança no ambiente de trabalho, etc.). (2004, p. 589) 3.1.14 Desconformidade com o sistema protetivo

Encontra-se insculpido no inciso XV, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor: art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: [...] XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor [...]. (BRASIL, 1990).

Normas de ordem pública e imperativa, que são as leis de proteção ao

consumidor devem ser cumpridas integralmente, e, não podem ser derrogadas pela vontade das partes.

Assim, além da vedação específica de algumas cláusulas contratuais, o

legislador, em caráter geral, prevê a vedação das cláusulas que esteja em desacordo com o sistema protetivo do consumidor. Deste modo, diante a interessante norma de abertura prevista no inciso em estudo, a doutrina e

143

jurisprudência desempenham importante papel na apreciação das cláusulas que estejam em descordo com o sistema de proteção ao consumidor.

A disposição aberta contida no presente inciso reforça a ideia de

indisponibilidade dos direitos garantidos pelo sistema protetivo do consumidor, de modo que a proteção e direitos conferidos em favor dos consumidores não podem jamais ser afastados ou diminuídos, em razão de cláusula contratual, posto que, encontra-se em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor. (FRISO, 2007). 3.1.15 Benfeitorias necessárias

O último inciso (XVI) do caput do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, considera nula as disposições contratuais que “[...] possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.”. (BRASIL, 1990).

As benfeitorias necessárias são aquelas que têm por fim conservar a coisa

ou evitar que se deteriore, a teor do artigo 96, §3º, do Código Civil. (BRASIL, 2002). Portanto, quando o consumidor precisar realizar qualquer benfeitoria necessária, terá sempre o direito de ser ressarcido pelos gastos efetuados, ainda que exista cláusula excluindo tal direito.

Frisa-se que a aludida proibição já se encontra prevista na norma geral do inciso

I, do caput do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor, uma vez prevê a vedação da cláusula que implique na renúncia ou disposição de direitos.

Diante disso, há discussão com relação à previsão de não-indenização por

benfeitorias úteis e voluptuárias, pois, a princípio, não caberia tal cláusula, visto implicar renúncia de direitos. Entretanto, conforme alude Friso (2007), pelo princípio do inclusio unius exclusio alterius, ou seja, o que não está incluído está excluído, que fundamenta a interpretação a contrário senso, se o legislador quisesse que as benfeitorias úteis e voluptuárias estivesses incluídas na proteção, ou teria que dizer expressamente, ou não dizer nada e deixar a cargo da interpretação da regra geral das cláusulas que implicam renúncia de direitos, prevista no inciso I, do artigo 51 do Código de Defesa do Consumido. 3.2 Das cláusulas abusivas da Secretaria de Direito Econômico (Ministério da Justiça)

Restou demonstrado, seja pelo caráter exemplificativo do rol, seja pelo disposto nos incisos IV e XV do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, que a constatação da abusividade depende, em algumas hipóteses, da análise do caso concreto de suas circunstâncias e, da aplicação do princípio da boa-fé objetiva e da equidade. Deste modo, possuindo o intérprete e o aplicador do direito uma boa margem de liberdade ao analisar a abusividade de determinada cláusula.

144

No campo administrativo, a Secretaria de Direito Econômico (órgão da estrutura do Ministério da Justiça), com fundamento no artigo56 do Decreto 2.181 de 1997, (BRASIL,1997), que estabelece normas gerais de aplicação de sanções administrativas do Código de Defesa do Consumidor, divulga, por meio de portarias, elenco de cláusulas abusivas.

Referido procedimento administrativo, tem como escopo conferir maior

segurança e objetividade à análise da validade de determinadas cláusulas inseridas nos contratos decorrentes das relações de consumo, bem como orientar os integrantes do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, principalmente, para fins de aplicação de sanção administrativa. (GRINOVER et. al., 2004).

Já foram editadas, desde 1998, quatro diferentes portarias de cláusulas abusivas

que, embora não vinculem o intérprete e o juiz, oferecem importantes parâmetros para análise da validade de inúmeras disposições contratuais oriundas das relações de consumos.

4. DA POSSIBILIDADE DE REVISÃO DOS CONTRATOS E DA ALEGAÇÃO DE OFÍCIO DAS NULIDADES PELO MAGISTRADO

4.1 Breve análise jurisprudencial

As normas de proteção ao consumidor da Lei 8.078/90, conforme já exaustivamente elucidado são de ordem pública e interesse social.

Não obstante isso, o Superior Tribunal de Justiça vem entendendo que o juiz de

primeiro e segundo graus não poderão declarar de ofício a nulidade absoluta das cláusulas abusivas.

Nesse mesmo sentido, a Súmula 381 do Superior Tribunal de Justiça, também veda o reconhecimento de ofício pelo julgador da cláusula abusiva nos contratos bancários, afirmando que “(...) nos contratos bancários, é vedado ao julgador conhecer, de ofício,da abusividade das cláusulas.”

No entanto, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça entende que

o magistrado ao se deparar com a abusividade da cláusula contratual de eleição de foro, deverá declarar de ofício sua nulidade, conforme se infere no julgamento publicado em 08 de março de 2010.

No que concerne a corrente doutrinária, grande parte entende ser possível a decretação da nulidade de ofício pelo magistrado, sempre que se verifica a abusividade em determinada cláusula no contrato decorrente da relação de consumo, uma vez que trata de normas de ordem pública e interesse coletivo, o que confere no poder-dever do poder judiciário em declarar a nulidade de

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determinada cláusula abusiva, dispensando a argüição da parte, conforme observa João Batista de Almeida: após tipificá-las, o Código sancionou-as de nulidade absoluta (art. 51, seus incisos e parágrafos), com as decorrentes conseqüências jurídicas: tais cláusulas nunca terão eficácia, não convalescem pela passagem do tempo, nem pelo fato de não serem alegadas pelo interessado; podem ser pronunciadas de ofício pelo juiz, dispensando arguição da parte; não são supríveis e não produzem qualquer efeito jurídico, pois a declaração de nulidade retroage à data da contratação. (2009, p. 148).

Em outros doutrinadores ainda encontramos que “(...) a nulidade da

cláusula abusiva deve ser reconhecida judicialmente, por meio de ação direta (ou reconvenção), de exceção substancial alegada em defesa (contestação), ou, ainda, por ato ex officio do juiz.” (GRINOVER, 2004, p. 560).

Já outra parte da doutrina entende, com fundamento no Resp. 541.153/RS, que o

Superior Tribunal de Justiça somente referiu à atuação pelos tribunais, ou seja, vedou-se apenas o reconhecimento de ofício dos tribunais de origem, de modo que, o juiz monocrático continuará podendo intervir de ofício nas relações de consumo, conforme se vê: com essa decisão, portanto, o STJ inicia uma marcha no sentido de não admitir, em grau recursal, o conhecimento de ofício das nulidades de pleno direito, disciplinadas no art. 51 do CDc. Entendemos, todavia, que, como o novo posicionamento do STJ somente se referiu à atuação pelos tribunais, o juiz monocrático continuará podendo intervir de ofício nas relações de consumo. (GARCIA, 2008, p. 266).

Logo, apenas parte minoritária da doutrina entende não ser possível o

reconhecimento de ofício pelos tribunais de origem,bem como pelo juiz de primeiro grau, da nulidade de cláusulas abusivas.

Deste feita, inobstante as divergências jurisprudenciais e doutrinárias respeitante

ao poder-dever do magistrado e tribunal em decretar de ofício a nulidade consideradas abusivas, o poder judiciário poderá promover a revisão do contrato, desde que pleiteado judicialmente pelo consumidor, não havendo nenhuma incompatibilidade entre os dois regimes (de nulidade e revisão).

Deste modo, é possível que o juiz declare a nulidade absoluta de determinada

cláusula e, em seguida, integrar o contrato com base em usos e costumes, com exigência da boa-fé objetiva ou expressa disposição normativa sobre o assunto. Em termos práticos, a revisão, possui maior incidência em relação à cláusula que estabelece o preço e sua forma de reajuste. De modo que, se a forma de reajuste de determinado contrato decorrente da relação de consumo contrariar norma legal, o magistrado, ao invés de invalidar a cláusula – retirando qualquer espécie de reajuste -, poderá promover a revisão do contrato, determinando o reajuste pelo índice correto. (ALMEIDA, 2009).

Por derradeiro, insta salientar que será mantida a conservação do contrato apenas

se expurgado as cláusulas abusivas, ainda obtenha condições de sobreviver e ser cumprido pelas partes, já que restou restabelecido o equilíbrio contratual. Logo, caso não seja possível restabelecer-se esse equilíbrio, apesar dos esforços de integração, pois

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o ônus excessivo terá de ser suportado apenas por uma das partes, nessa hipótese permite o Código de Defesa do Consumidor a resolução do contrato. CONCLUSÃO

Ao longo do presente estudo, constata-se que as relações de consumo sempre estiveram presentes nas relações jurídicas, em todo cenário mundial, sem a devida regulamentação, respeitando os princípios da boa-fé e do equilíbrio contratual. No Brasil, a efetiva proteção ao consumidor somente emergiu apóso advento do Código do Consumidor, que fora editado com lastro nos princípios estabelecidos na própria Constituição Federal, a qual estatui o direito do consumidor como direito fundamental.

Vimos que, atualmente, o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro é uma

das leis consumeristas mais modernas do mundo, demonstrando uma significativa evolução na defesa do consumidor brasileiro, e principalmente, na evolução do direito coletivo e da função social dos contratos e das relações jurídicas.

Referida evolução constata-se principalmente com as previsões das cláusulas

abusivas, fulminadas de nulidade, conferindo ao contrato a sua função social, já que não poderá mais seu conteúdo dispor vantagem exagerada por parte do fornecedor, uma vez que referidas cláusulas são inderrogáveis pela vontade das partes.

Destaca-se ainda, a importância conferida aos princípios da boa-fé objetiva e

equidade, os quais deverão sempre ser observados nos contrato decorrente na relação de consumo. Referidos princípios serve de orientação para o magistrado, devendo este sempre apreciar a honestidade, lealdade, bem como a harmonia dos interesses entre as partes contratantes, de modo que, não haja nenhuma vantagem excessiva a nenhuma das partes.

Por estas razões, vimos que as inúmeras vedações de cláusulas abusivas

previstas no art. 51 são a maior vitória que o consumidor, pois facilitou seu controle por intermédio dos órgãos destinados a proteção do consumidor e, consequentemente, gerou uma maior garantia do equilíbrio contratual entre o consumidor vulnerável e o fornecedor. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

01. ALMEIDA, João Batista de. A proteção Jurídica do Consumidor.7. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. [rev. e atual.].

02. BENJANIM, Antônio Herman; MARQUES; Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de Direito do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

03. BRASIL, Código Civil. Brasília: 2002. Disponível em: <http: www.planalto.gov.br>. Acesso em: 27 abr. 2010.

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05. BRASIL, Decreto 2.181, de 20 de março de 1997. Brasília: 2010. Disponível em: <http.www.procon.go.gov.br>. Acesso em: 20 abr. 2010.

06. BRASIL, Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Disponível em: <http:www.planalto.gov.br>. Acesso em: 05 abr. 2010.

07. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 476428/SC, 09 maio 2005. Jus Brasil.Disponível em: <http. www.jusbrasil.com.br/busca?...REsp%20476428/SC>. Acesso em 28 abr. 2010.

08. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 60.Brasília: 1992. In: ________. Súmulas. Disponível em: <http.www.stj.gov.br>. Acesso em 06 mai 2010.

09. BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Súmula n. 381. Brasília: 2008. In: ________. Súmulas. Disponível em: <http.www.stj.gov.br>. Acesso em 06 mai 2010.

10. FILOMENO, José Geral Brito. Manual de Direitos do Consumidor. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

11. FRISO, Gisele de Lourdes. Código de Defesa do Consumidor Comentado. SãoPaulo: Primeira Impressão, 2007.

12. GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor, Código Comentado e Jurisprudência.4. ed.. Niterói: Impetus, 2008. [rev., ampl. e atual.].

13. GRINOVER, Ada Pellegrini et. al. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. [rev., ampl. e atual.].

14. MARQUES, Claudia Lima. Contratos no Código de Defesa do Consumidor.5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. [rev., ampl. e atual.].

15. ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Resolução 38/248 de 1985. Jus Navegandi. Disponível em: <estudandoodireito.blogspot.com/.../jus-navigandidoutrina-o-profissional.html>. Acesso em 28 abr. 2010.

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A COMPETÊNCIA DOS MUNICÍPIOS PARA LEGISLAR SOBRE A QUEIMA DA

PALHA DA CANA-DE-AÇÚCAR

Discente - LUÍCILY CARVALHO FERREIRA Professor – SÍLVIO LACERDA DE OLIVEIRA

RESUMO: Ao longo dos últimos anos, ambientalistas, organizações, governo e até mesmo a população vêm se preocupando e dando cada vez mais ênfase à questão da preservação do meio ambiente a fim de se obter uma melhor qualidade de vida. A poluição do meio ambiente vem causando efeitos colaterais prejudiciais à saúde da sociedade, a incidência de doenças respiratórias, câncer e outras que vêm aumentando e em alguns casos causando a morte. Além dos problemas atuais, tem-se preocupado também com a qualidade de vida que será proporcionada pelo homem através do meio ambiente às gerações futuras, caso essa degradação desenfreada do meio ambiente continue. Por conta disso reclama-se uma solução, e a cada dia que passa torna-se mais importante que haja uma política eficiente a fim de combater esse problema. O presente estudo alerta para o fato controverso existente a respeito da competência municipal em legislar sobre a queimada palha da cana-de-açúcar, método de cultivo, uma vez que usineiros e o legislativo municipal vêm travando uma luta forte a respeito desta controvérsia. Para uns a queima da palha de açúcar causa danos ao meio ambiente e à saúde das pessoas, já para outros, os meios justificam os fins, já que fazer do Brasil uma potência econômica também é objetivo do governo. O objeto da divergência está relacionado ao fato de vários Municípios estarem aprovando leis que proíbem a queima da palha da cana-de-açúcar, sendo que segundo a parte contrária, essa competência é do Estado. A seguir serão apresentadas diferentes opiniões que tratam sobre o objeto da discórdia de forma a esclarecer o leitor sobre a questão e embasá-lo a fim de que tenha sua própria opinião. Palavras-chave: poluição do meio ambiente, competência municipal, divergência sobre a competência para legislar sobre a proibição da queima da palha da cana-de-açúcar. INTRODUÇÃO

Desde a Antiguidade, nosso país tem suas terras e águas exploradas como fonte alimentadora de um sistema que visa colocar o Brasil entre as maiores potências econômicas. Como consequência deste modelo extrativista, várias florestas e rios desapareceram em razão de queimadas, derrubadas descontroladas, extração de metais preciosos e outros tantos meios de degradação ambiental. O Brasil sempre se destacou como grande cultivador de cana-de-açúcar. Desde o início da colonização deste país já se plantava cana-de-açúcar, naquela época, fonte rica para produção de açúcar. Atualmente, em virtude principalmente dos automóveis bicombustíveis, tivemos um aumentou na procura por álcool, levando a um aumento da área plantada com cana-de-açúcar, fato este que casou com o interesse do governo em transformar o país em uma grande potência econômica. O Estado de São Paulo destaca-se como maior produtor de cana-de-açúcar, sendo também onde ocorre a maior parte dos

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problemas, ocasionados pela prática da colheita da cana. Dentre essas práticas exploradoras, destaca-se a queima da palha da cana-de-açúcar, método utilizado com o objetivo de facilitar, acelerar e minimizar custos na colheita da cana-de-açúcar. Comprovadamente esse método afeta o meio ambiente, a saúde da população das proximidades das plantações e o bem estarem das nossas futuras gerações.

Em consequência disso, o governo brasileiro tem criado normas que visam

regulamentar e diminuir esses danos ambientais ocasionados pela exploração. No caso da cana-de-açúcar, existem normas que visam controlar a prática das queimadas, mas que se apresentam ineficazes. Por conta disso, Municípios, com maior intensidade no interior do Estado de São Paulo, vêm criando leis que proíbem essa prática de colheita, baseados na Constituição Federal que autoriza o Município legislar de forma suplementar sobre questões ambientais de interesse local e que coloca como direito de todos terem um meio ambiente saudável.

No polo contrário aos Municípios, estão os usineiros, representados na

maioria dos casos por seus sindicatos, que são contra e alegam inconstitucionalidade dessas leis, que segundo eles, afrontam a própria Constituição Federal que determinou como competente para legislar sobre tal matéria o Estado, que o fez por meio de lei Estadual em vigor atualmente.

Segundo entendimentos dessa corrente, lei Municipal não pode contrariar lei

Estadual já em vigor. O governo, formado por líderes com interesses próprios, aparece também como polo contrário aos Municípios, porém de forma indireta. Isso ocorre porque o governo busca ter uma economia forte e, consequentemente, acaba por incentivar práticas de exploração. O problema é que na maioria dos casos não existe uma fiscalização que minimize os danos causados e que controle tais práticas. Assim sendo, em alguns casos, o governo acaba pressionando o judiciário a julgar contra o Município.

Diante disso, surgiu em todo país um forte debate no judiciário, através de

processos contra essas leis municipais proibitórias da queima da palha da cana-de-açúcar.

O presente trabalho tem como objetivo destacar o método poluidor usado

na colheita da cana-de-açúcar, o que vem sendo feito para minimizar isso e a resistência contrária ao Legislativo Municipal.

Escolhido por ser um tema atual e de alta relevância para a humanidade, o

presente estudo visa também alertar a população do nosso Estado de Goiás sobre possíveis problemas relacionados a essa prática agroindustrial, já que o crescimento de plantações de cana-de-açúcar apresenta-se cada vez mais intenso por aqui. 1. ORGANIZAÇÃO POLÍTICO-ADMINISTRATIVA

Antes de adentrar de maneira mais profunda no presente estudo, é importante agregar alguns conhecimentos inicias sobre o tema e conceitos expostos

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pela Constituição Federal que irão auxiliar o leitor no entendimento sobre o tema proposto.

No dizer de Silva, “o termo República Federativa do Brasil é tido como um

princípio relativo à existência, previsto na Constituição Federal Brasileira.” (2010, p. 94); ele representa a materialização da criação de fato e de direito de um país.

“República Federativa do Brasil condensa o nome do Estado brasileiro –

República Federativa do Brasil -, o nome do país – Brasil- , a forma de Estado, mediante o qualificativo Federativa, que indica tratar-se de Estado Federal, e a forma de governo – República.” (2010, p. 98).

“O termo República tem sido empregado no sentido de forma de governo

contraposta à monarquia. No entanto, ele significa mais do que isso, aqui ele leva o sentido de coisa do povo, para o povo, que se opõe a toda forma de tirania.” (2010, p. 102).

O poder emana do povo que clama por uma política eficiente que venha

proporcionar qualidade de vida, regulando de maneira definitiva a questão da preservação do meio ambiente.

No decorrer do presente estudo, poderá o leitor, perceber que assim como os

Estados, os Municípios também são regidos por uma autonomia política limitada, estando assim autorizado a criar lei, entretanto, obedecendo a limites impostos pela Constituição Federal. 1.1 Componentes da Federação

O artigo 18 CF/88, traz como componentes da República Federativa do Brasil a União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, esse último não objeto desta pesquisa, entretanto, não menos importante.

Art 18,Caput- CF/88 – “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição”. (MECUM, Vade, 2010 p. 14).

Segundo ensina Alexandre de Moraes: a União é entidade federativa autônoma em relação aos Estados, aqui chamados de Estados-membros, e municípios. É pessoa jurídica de Direito Pública Interno tendo como função zelar pela soberania do país, atuando em nome próprio ou em nome de toda Federação quando relacionada com outros países(2007, p. 255).

Corroborando esse entendimento, Silva aduz (2010, p. 493), “Estado federal,

com o nome de República Federativa do Brasil, é o todo, ou seja, o complexo constituído da União, Estados, Distrito Federal e Municípios”.

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O termo “Estado” para melhor ser compreendido será tratado neste estudo como Estados-Membros, como exemplo temos: São Paulo, Goiás etc., sendo então instituições formadoras do Estado Federal, caracterizando-se por ter capacidade de auto-organização e auto legislação, termos esses ligados ao poder que os Estado Membros têm para editar sua própria Constituição e leis, de autogoverno, por ter seu representante escolhido diretamente pelo povo, contendo a divisão de poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário e por fim, de auto-administração, já que o Estado-Membro, de maneira própria, exerce suas competências administrativas, legislativas e tributárias.

Assim como entre juízes e advogados não deve haver hierarquia, entre os entes da federação também não. Para alguns, a forma como o texto constitucional trata os entes da federação traduz uma idéia de hierarquia entre eles, fato este que não procede. A lei apenas visa transmitir, por meio de palavras escritas, qual a forma a ser seguida por todos os entes com o objetivo de construir um país organizado.

Vale ressaltar, que para alguns, o Município é o ente mais importante da

República Federativa do Brasil pelo fato de ter-se uma ligação mais próxima com a sociedade, fato que não ocorre com tamanha intensidade com os Estados e menos ainda com a União.

Na definição de Silva (2010, p. 639), “o Município brasileiro é entidade

estatal integrante da Federação, como entidade político-administrativa, dotada de autonomia política, administrativa e financeira”.

O Município, de forma similar aos Estados-Membros, auto organiza-se através

de sua Lei Orgânica Municipal e, posteriormente, por meio da edição de leis municipais; autogoverna-se mediante a eleição direta de seu prefeito, Vice-prefeito e vereadores, sem qualquer ingerência do governo federal ou estadual; e, finalmente, auto administra-se, no exercício de suas competências administrativas, tributárias e legislativas, diretamente conferidas pela Constituição Federal (MORAES, 2007, p. 262). 1.2 Competência

O termo “competência”, analisado de uma maneira mais superficial, pode ser entendido, segundo o dicionário, como faculdade concedida por lei a um funcionário, juiz ou tribunal para apreciar e julgar certos pleitos ou questões, ou ainda, qualidade de quem é capaz de apreciar e resolver certo assunto, fazer determinada coisa; capacidade, habilidade, aptidão, idoneidade.

Para Moraes, “A autonomia das entidades federativas pressupõe repartição de

competências legislativas, administrativas e tributárias, sendo, pois, um dos pontos caracterizadores e asseguradores do convívio no Estado Federal.” (2007, p. 277).

Segundo ensina Silva, competência é a faculdade juridicamente atribuída a uma

entidade, órgão ou agente do Poder Público para emitir decisões. Competências são as

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diversas modalidades de poder de que se servem os órgãos ou entidades estatais para realizar suas funções. (2010, p. 479)

Para Moraes (2007, p. 278): o princípio que norteia a repartição de competência é o da predominância do interesse, sendo que, à União caberão aquelas matérias e questões de predominância do interesse geral, ao passo que aos Estados-Membros referem-se às matérias de interesse regional e aos Municípios os assuntos de interesse local.

Segundo ensina Silva (2010, p. 480), “essas competências podem ser

classificadas quanto à forma, conteúdo, extensão e origem”, sendo as duas últimas repassadas de forma mais detalhada por se apresentarem mais afins ao tema do presente estudo.

Quanto à extensão, as competências podem ser classificadas em exclusivas,

quando é atribuída a uma entidade com exclusão das demais, em privativas, quando enumeradas como próprias de uma entidade, com possibilidade, no entanto de delegação e de competência suplementar, em comum,que significa a faculdade de legislar ou praticar atos, juntamente e em pé de igualdade, sem que uma venha a excluir a competência da outra, podendo assim ser exercida cumulativamente, em concorrente, cujo conceito compreende dois elementos: possibilidade de disposição sobre o mesmo assunto por mais de uma entidade federativa e primazia da União no que tange à fixação de normas gerais e por fim, em suplementar, que é correlativa da competência concorrente, e significa o poder de formular normas que desdobrem o conteúdo de princípios ou normas gerais ou que supram a ausência ou omissão destas. (SILVA, 2010, p. 481).

Quanto à origem, a competência pode ser: originária, quando desde o início

é estabelecida em favor de uma entidade, ou delegada, quando a entidade recebe sua competência por delegação daquela que a tem originariamente (SILVA, 2010, p. 481).

Sob outro prisma, ensina Lenza: A competência pode ser administrativa, não

legislativa, determinando um campo de atuação político-administrativa, pois não se trata de atividade legiferante ou legislativa, tratando de competências constitucionalmente definidas para elaborar lei, sendo esta ultima tratada de forma mais detalhada a seguir, levando-se em conta os entes da federação. (2010, p. 355).

A Constituição Federal prevê nos seus artigos as competências administrativas, voltada para gerenciamento, instituição de multas, tributos, etc., e legislativas, voltada para criação de leis.

O artigo 22 da CF/88 expõe a competência legislativa privativa da União. Já no artigo 23, CF/88, estão dispostos as matérias de competência

administrativa comum entre União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios, dos quais merecem destaque os incisos VI e VII: art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: [...] VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; [...] VII -

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preservar as florestas, a fauna e a flora; como já exposto, por ser competência do tipo comum, o Município pode criar mecanismos para proteger o meio ambiente e combatera poluição causada pela queima da palha da cana-de-açúcar, juntamente com a União e os Estados, fazendo isso em pé de igualdade e sem que um interfira na competência do outro; entretanto, essa competência é administrativa e logo não diz respeito à criação de leis.

A análise feita no artigo 24, CF/88, revela as regras de competência concorrente

entre União, Estados-Membros e Distrito Federal, reservando-se as normas gerais à União, devendo os Estados e Distrito Federal especificá-las de acordo com as peculiaridades locais. É a chamada competência suplementar, destacando: art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...] VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

O presente artigo não engloba os Municípios, de forma concorrentemente,

só a União, Estados e Distrito Federal podem legislar sobre proteção do meio ambiente e consequentemente sobre a proibição da queima da palha da cana-de-açúcar. A título de exemplo, este ato é autorizado em SP, pela Lei Estadual 11.241/02.

Em se tratando de matéria de competência administrativa, reporta-se ao artigo 23, CF/88, já comentado, ressaltando a característica de competência comum que existe entre a União, os Estados-Membros e o Distrito Federal.

Legislativamente, aos Estados-Membros cabe a competência: - expressa prevista

no artigo 18, § 4º, que prevê a criação, incorporação, fusão e desmembramento de municípios, no artigo 25, caput, que lhe dá capacidade de auto organização por meio de sua própria lei, no artigo 25, § 2º, que prevê a exploração direta, ou mediante concessão, dos serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, no artigo 25, § 3º, que prevê a instituição, mediante lei complementar estadual, das regiões metropolitanas, todos esses artigos da CF/88; - remanescente ou residual previstos no artigo 25, § 1º, CF/88, dispondo ao Estado Membro toda competência que não for vedada de forma implícita ou explícita e aquelas que não forem de competência expressa dos outros entes; - concorrente-suplementar previstas no artigo 24, CF/88, que autoriza o Estado Membro a legislar de forma suplementar com relação à União; - por delegação prevista no artigo 22, CF/88, prevendo então que a União pode delegar competência aos Estados-Membros por meio de lei complementar, sobre algum dos incisos do referido artigo.

Corroborando o exposto no item 1.3.2, este tópico vem apenas para reforçar de

maneira individualizada, sobre as competências que cabem ao Estado, ficando claro que ele pode legislar sobre a queima da palha da cana-de-açúcar.

Antes de adentrar na questão da competência do Município, vale sanar de vez a dúvida sobre a existência da autonomia por parte do Município.

“A autonomia significa capacidade ou poder de gerir seus próprios negócios,

dentro de um círculo prefixado por entidade superior” (SILVA, 2010, p. 640),

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autonomia essa constatada quando se faz uma análise dos termos utilizados no texto constitucional.

Ensina Silva (2010, p. 641) que a autonomia municipal assenta em quatro

capacidades: auto-organização, mediante elaboração de lei própria; autogoverno, pela eletividade do Prefeito e Vereadores; normativa própria (auto legislação), mediante competência de elaboração de leis municipais sobre áreas que são reservadas à sua competência exclusiva e suplementar; auto-administração, para manter e prestar os serviços de interesses locais.

O artigo 1º, CF/88, declara que a República Federativa do Brasil é formada

pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, ficando claro que o Município é parte integrante do País Brasil. No artigo 18, CF/88, está expresso que a organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e, inclusive, os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Essa afirmação, utilizando do termo “autônomo”, dá-nos a certeza de que a lei maior deste país eleva o Município a uma categoria de ente da União e que este possui sim autonomia. Por fim, o artigo 34, VII, c, CF/88, destaca que a União não poderá intervir no Estado-Membro exceto para assegurar a observância do princípio constitucional da autonomia municipal, reforçando assim, a certeza de que o Município possui autonomia própria.

São onze ocorrências das expressões unidade federada e unidade da Federação

na Constituição Federal: arts. 34, II, IV e V, 45, § 1º, 60, III, 85, II, 132, 159, § 2º, 225, § 1º, III; ADCT, arts. 13, § 4º, e 32, § 9º.

Já para Pedro Lenza, muito se questiona a respeito de serem os Municípios

parte integrante ou não de nossa federação, bem como sobre a sua autonomia. A analise dos artigos 1º e 18, CF/88, bem como de todo o capítulo reservado aos Municípios (apesar de vozes ao contrário) leva-nos ao único entendimento, de que eles são entes federativos, dotados de autonomia própria, materializada por sua capacidade de auto organização, autogoverno, autoadministração e auto legislação (2010, p. 365).

Na definição de Pedro Lenza (2010, p. 368), as competências legislativas podem

assim serem definidas: − expressa: art. 29, caput, CF/88 – qual seja a capacidade de auto organização dos municípios, através de lei orgânica; interesse local: art. 30, I, CF/88 – diz respeito às peculiaridades e necessidades inseridas à localidade. Citado por Lenza, Michel Temer observa que a expressão “interesse local”, doutrinariamente, assume o mesmo significado da expressão “peculiar interesse”, expressa na Constituição de 1967. E completa: “Peculiar interesse significa interesse predominante”; suplementar: art. 30, II, CF/88 – estabelece competir aos Municípios suplementar a legislação federal e a estadual, balizando-a dentro do interesse local. Observa ainda que tal competência aplica-se, também, às matérias do art.24, CF/88, suplementando as normas gerais e específicas, juntamente com outras que digam respeito ao peculiar interesse daquela localidade; plano diretor: art. 182, § 1º, CF/88 - o plano diretor deverá ser aprovado pela Câmara Municipal, sendo obrigatório para cidades com mais de vinte mil habitantes. Serve como instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana.

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2. DIREITO AMBIENTAL

Entender o significado da expressão “Meio Ambiente” é de suma importância para a correta análise do presente caso. Através dos conceitos, estipulados por lei, é possível ter uma idéia da dimensão e tamanha importância que a lei dá a essa matéria.

Com os princípios será possível analisar se as atuais leis sobre a queima da palha

da cana-de-açúcar estão calcadas sobre tais princípios, obedecendo a uma regra básica de nosso sistema, que é prezar pelos princípios, declarando inconstitucional aquela lei que não os leva em consideração.

“O termo “Meio Ambiente” é considerado por alguns um pleonasmo, ou

seja, redundância/ repetição de termos. As palavras “meio” e “ambiente” são sinônimas porque “meio” é aquilo que envolve que rodeia, ou seja, o “ambiente”, meio em que vivemos”. (MACHADO, 2009, p. 51).

Definido pela lei n. 6938/81 (Lei da Política Nacional do Meio Ambiente) em

seu artigo terceiro, “meio ambiente é o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”. (FIORILLO, 2010, p. 70).

O termo “meio ambiente” é um conceito indeterminado e unitário regido por parâmetros traçados pela Política Nacional do Meio Ambiente sendo classificado em: natural, constituído pela atmosfera, biosfera, águas, solo, subsolo, fauna e flora, artificial, compreendido pelo espaço urbano construído, consistente no conjunto de edificações (espaço urbano fechado) e equipamentos públicos (espaço urbano aberto), cultural, integrado pelo patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, traduzindo a história, formação e cultura de um povo, do trabalho, sendo o local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais relacionadas a saúde, sejam remuneradas ou não, caracterizado pelos bens móveis e imóveis de uma empresa ou sociedade. (FIORILLO, 2010, p. 71).

Direito Ambiental é uma matéria jurídica denominada para alguns como Direito do Meio Ambiente ou apenas Direito do Ambiente que tem como escopo proteger o ambiente mediante sistemas de prevenção ou reparação adaptados a uma melhor defesa contra as agressões de uma sociedade moderna, sendo então um Direito de futuro e antecipação (MACHADO, 2009, p. 53).

Por ser de futuro e antecipação, algo deve ser feito de forma a antecipar aos

futuros prejuízos, que poderão se tornar imutáveis em consequência de determinadas ações do homem.

Segundo Paulo Affonso Leme Machado analisou: o Direito Ambiental é um

Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica. Não se trata mais de

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construir um Direito das águas, um Direito da atmosfera, um Direito do solo, um Direito florestal, um Direito da fauna ou um Direito da biodiversidade. O Direito Ambiental não ignora o que cada matéria tem de especifico, mas busca interligar estes temas coma argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e reparação, de informação, de monitoramento e de participação (2009, p 54).

Doutrinadores e estudiosos deste ramo de Direito divergem-se com relação ao conceito de Direito Ambiental, existindo então, uma vasta variedade de conceitos, tendo inclusive, aqueles que o compara com o mesmo conceito de Direito Ecológico.

Prof. Tycho Brahe Fernandes Neto conceituou Direito Ambiental como o

“conjunto normas e princípios editados objetivando a manutenção de um perfeito equilíbrio nas relações do homem com o meio ambiente” (MACHADO, 2009, p. 53).

Esse perfeito equilíbrio, objetivo de tantos outros ramos, remete a pergunta sobre

a atual Política Ambiental que na maioria das vezes é considerado preocupante, principalmente para gerações futuras.

São fontes do Direito tidas como sendo a base, o alicerce de determinadas normas. Analisados de forma subjetiva e mais flexível representam a base para criação de leis.

O presente estudo não tem por fim esgotar todo o conteúdo em tela, por ser

extenso, destacaremos apenas os princípios mais afins da matéria e de forma resumida.

“Diz respeito à conservação das propriedades e das funções naturais do meio ambiente, de forma a permitir a existência, a evolução e o desenvolvimento dos seres vivos mantendo o atual meio em que se vive e preservando para gerações futuras”. (MACHADO, 2009, p. 57).

A especial característica do princípio é a de que o desequilíbrio ecológico não é

indiferente ao Direito, pois o Direito Ambiental realiza-se somente numa sociedade equilibrada ecologicamente. Cada ser humano só fruirá plenamente de um estado de bem-estar e de equidade se lhe for assegurado o direito fundamental de viver num meio ambiente ecologicamente equilibrado. A Constituição do Brasil, além de afirmar o Direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, determina que incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, interditando as práticas que coloquem em risco sua função ecológica ou provoquem a extinção de espécies (art. 225, caput e seu § 1˚, VII). (MACHADO, 2009, p. 59).

Postergar é adiar, é deixar para depois, é não fazer agora, é esperar acontecer. A precaução age no presente para não se ter que chorar e lastimar no futuro. A precaução não só deve estar presente para impedir o prejuízo ambiental, mesmo incerto, que possa resultar das ações ou omissões humanas, como deve atuar para a prevenção oportuna desse prejuízo. Evita-se o dano ambiental, através da prevenção oportuna desse prejuízo (MACHADO, 2009, p. 81).

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Para Machado (2009, p. 69), “o princípio da precaução não deve ser entendido como de idéias pessimistas, nas quais só se veja malefícios, mas sim como objetivo de tornar mais duradoura a qualidade de vida das gerações presentes e futuras”.

Princípio constitucional expresso na Constituição Federal, o art. 225, caput, rege que é dever do Poder Público e da coletividade, proteger e preservar o meio ambiente para presentes e futuras gerações, tendo grande importância pelo fato de que na maioria das vezes os danos ambientais são irreversíveis e irreparáveis devendo então ser concretizadas por meio de uma consciência ecológica desenvolvida mediante uma educação ambiental forte e presente (FIORILLO, 2010, p.111-113).

Corroborando o entendimento, Paulo Affonso Leme Machado aduz que:

prevenir significa agir antecipadamente de modo a evitar na origem as transformações prejudiciais à saúde humana e ao meio ambiente, sendo esses comportamentos dependentes de uma atitude do ser humano de estar atento ao meio ambiente e não agir sem previa avaliação das conseqüências (2009, p. 90-93).

Segundo alguns doutrinadores, acordos internacionais têm força de emendas à Constituição Federal, sendo que uma vez assinados devem ser cumpridos de acordo com a força que tem.

Segundo consta da Declaração de Estocolmo/72, da qual o Brasil é signatário,

não é apenas uma sugestão, mas sim um dever confiar às instituições nacionais competentes a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente.

Como se não bastasse, veio a Declaração do Rio de Janeiro/92, com ainda mais

autoritarismo e impôs aos Estados o dever de criar leis eficazes sobre o meio ambiente (MACHADO, 2009, p. 106).

Sendo assim não basta apenas que existam leis, mas sim que essas sejam

eficazes o suficientes a atingir a finalidade que é proteger o meio ambiente proporcionando assim, consequentemente, uma maior qualidade de vida.

A proteção constitucional do meio ambiente pode ser extraída do art. 225, CF/88

e seus incisos. Segundo rege o caput do presente artigo, todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade e dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A Constituição Federal dá a todos, sem distinção de qualquer natureza, o direito

a um ambiente saudável. Não importa a condição econômica, social ou profissional, todos têm direito de forma isonômica.

Por não ser bem de uma só pessoa, mas sim de todos de maneira indeterminada,

o meio ambiente é classificado de interesse difuso, cabendo então não só ao Estado, mas a todos o dever de zelar por tal bem.

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Constituições do passado já zelavam pelo direito à vida, porém, houve um avanço ainda maior com a de 1988. Ela impôs à coletividade e principalmente ao Estado o dever de proporcionar ao cidadão uma vida com qualidade, com saúde e dignidade, a começar pelo meio ambiente. Busca-se então um equilíbrio entre uma vida econômica suficiente e uma qualidade de vida.

3. ORDEM ECONÔMICA

O termo “Ordem Econômica”, dentro do tema proposto do presente estudo, é de suma importância. Na atualidade, o desenvolvimento econômico é o foco principal por parte do governo para alavancar ainda mais o país perante a comunidade internacional na busca por uma posição de destaque como potência econômica.

Para chegar a este ponto é preciso que grandes, médias e pequenas empresas

produzam o suficiente para isto. Incentivos cada vez mais eficientes do governo ajudam para que essas empresas colaborem para esse objetivo.

Devido à fertilidade do solo do Brasil e à grande área disponível, desde o

passado, um dos meios mais utilizados para evoluir economicamente é a exploração agrícola. Assim sendo, tem-se uma forte exploração do meio ambiente, trazendo de forma paralela, uma crescente degradação do meio ambiente e uma redução da qualidade de vida.

A Constituição Federal traz em seu artigo terceiro os objetivos da

República Federativa do Brasil: construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza e a marginalização; reduzir as desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor e idade. Daqui extraímos a autorização e incentivo para produzirmos cada vez mais, no intuito de tornar o país uma potência econômica, melhorando, assim, a qualidade de vida da população.

Entretanto, a Constituição Federal impõe limites a essa exploração do meio

ambiente. O legislador constituinte, ao criar o art. 170, CF/88, contrabalanceou a exploração e o crescimento econômico.

Tido como sendo a base para outras normas e considerados fonte de Direito, nos quais poderão ser recorridos a qualquer tempo na busca pela justiça, os princípios devem ser fielmente observados para criação de certa norma sob risco de ser ilegal.

No art. 170 e incisos, da CF/88, estão expressos os princípios da ordem

econômica sendo: soberania nacional, propriedade privada, função social da propriedade, livre concorrência, defesa do consumidor, defesa do meio ambiente, inclusive tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços de seus processos de elaboração e prestação, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno emprego, tratamento favorecido para empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país.

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Para Fiorillo (2010, p. 78-79), desenvolvimento sustentado é um princípio

e encontra-se esculpido no caput do art. 225, CF/88 que diz: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

4. A QUEIMA DA PALHA DA CANA-DE-AÇÚCAR

Antes de adentrar ao título do capítulo em tela, valer repassar, em linhas gerais, conceitos tais como poluição, poluidor e dano ambiental. Com tal conhecimento, ficará a critério do leitor entender e ter uma opinião própria a respeito da ligação ou não dos conceitos com o título do presente capítulo que será detalhado ao longo do estudo.

A lei nº 6938/81, que trata sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, traz em

seu art. 3º, incisos III e IV, o conceito de poluição e poluidor. O primeiro é definido como a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população, criem condições adversas às atividades sociais e econômicas, afetem desfavoravelmente a biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente ou, por fim, lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos. O segundo, poluidor, é definido como a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental.

“O art. 225 da Constituição Federal, de forma ampla, abrangeu a todos, que, de

algum modo, forem os causadores do dano ambiental. Sendo assim, todos podem encaixar-se no conceito de poluidor” (FIORILLO, 2010, p. 96).

O dano ambiental é conceituado por vários doutrinadores, dentre eles, Fiorillo

(2010, p. 98-99), destacando que “em face da responsabilidade objetiva, haverá dano mesmo que este não derive de um ato ilícito. Basta verificar o dano com o nexo de causalidade para surgir o dever de indenizar. Em suma, dano é a lesão a um bem jurídico”. 4.1 Histórico e considerações

Com a vinda dos portugueses para o Brasil, iniciou-se o processo de exploração deste país. Aproveitando a fertilidade das terras aqui encontradas optou-se por cultivar, dentre outros, a cana-de-açúcar, que desde então passou a ser importante para a economia, o que continua até os dias atuais.

Dentre os derivados da cana-de-açúcar destacam-se atualmente o etanol e o

açúcar. A necessidade por etanol, principalmente para abastecer automóveis com motores movidos por este combustível, fez com que crescesse a demanda, o que consequentemente aumentou a produção da cana-de-açúcar, sendo, por conta disso,

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atualmente, o etanol um produto de alta importância para a sociedade e para economia.

A colheita da cana-de-açúcar faz parte de uma das várias etapas do cultivo

da mesma e se faz por dois métodos, manual ou por máquinas. Sendo manual, utiliza-se fogo para queimar a palha da cana, eliminando assim parte da folhagem que não seja a cana propriamente dita e não aproveitada. Isso facilita a colheita da mesma e acelera o corte feito pelos chamados “bóias frias”, funcionários responsáveis pela colheita manual da cana-de-açúcar. O método por máquina ainda é pouco utilizado quando comparado com o manual por conta do alto custo; neste caso, utiliza-se uma máquina de grande porte tipo colheitadeira para realizar a colheita.

Conforme parecer de Manoel Eduardo Tavares Ferreira: com a febre da

monocultura da cana, a prática das queimadas passou a ser rotineira. Depois da queima inicial da vegetação existente para a implantação dos

canaviais, ocorriam as queimas destinadas a despalhar a cana, para facilitar a colheita. No estado de São Paulo até a década de 70 as usinas eram proprietárias de aproximadamente 30% da área que utilizavam para o plantio da cana. Com o advento do Proálcool (1975) e por causa do extremamente vantajoso subsídio estatal, com juros negativos, e longo prazo de carência, a cultura canavieira avançou com voracidade sobre os campos de outras culturas rurais e em semelhante intensidade o domínio das terras destinadas ao plantio da cana passou para as usinas, por força de aquisição ou de arrendamento. (2006, http://www.sucre-ethique.org/Aqueimada-da-cana-e-seu-impacto.html).

A utilização do fogo para os “bóias frias” é tido como uma benefícios por

proporcionar uma renda financeira maior. Para os produtores, a utilização do método manual é mais rentável por se apresentar mais econômica e ainda proporciona à população um maior número de emprego.

Atualmente, em todo o Brasil, a queima é autorizada. O Código Florestal

estabelece alguns critérios, mas não veda de forma total. O artigo 27 da referida lei diz o seguinte: art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.

Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego

do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução.

A título de exemplo, no Estado de São Paulo a lei 1.241/02 dispõe sobre a

eliminação gradativa da queima da palha da cana-de-açúcar e dá outras providências, mas também não proíbe de forma total. O artigo 6º, da referida lei estadual, diz o seguinte: artigo 6º - O requerimento de autorização, para cada imóvel, independentemente de estar vinculado a agroindústria, deve ser instruído nos termos do regulamento. § 1º - Sendo contíguos os imóveis, o requerimento de autorização pode ser instruído com uma única planta, observadas as exigências fixadas, sendo que cada imóvel deverá ser referido à respectiva matrícula ou ao documento imobiliário a que corresponder. § 2º - Considera-se comunicação de queima controlada de palha de cana-de-açúcar o documento subscrito pelo interessado no emprego do fogo para

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despalhamento da cana-de-açúcar, mediante o qual dá ciência à autoridade ambiental, ou ao órgão regional que esta determinar competente, de que cumpriu os requisitos e as exigências do artigo 4º da Lei nº 10.547, de 2 de maio de 2000, e desta lei.

A lei 10547/00, que define procedimentos, proibições, estabelece regras de

execução e medidas de precaução a serem obedecidas quando do emprego do fogo em práticas agrícolas, pastoris e florestais, e dá outras providências correlatas, regendo o seguinte: artigo 4º - Previamente à operação de emprego do fogo, o interessado na obtenção de autorização para Queima Controlada deverá: I - definir as técnicas, os equipamentos e a mão-de-obra a serem utilizados; II - fazer o reconhecimento da área e avaliar o material a ser queimado; III - promover o enleiramento dos resíduos de vegetação, de forma a limitar a ação do fogo; IV - preparar aceiros de no mínimo três metros de largura, ampliando esta faixa quando as condições ambientais, topográficas, climáticas e o material combustível a determinarem; V - providenciar pessoal treinado para atuar no local da operação, com equipamentos apropriados ao redor da área, e evitar propagação do fogo fora dos limites estabelecidos; VI - comunicar formalmente aos confrontantes a intenção de realizar a Queima Controlada, com o esclarecimento de que, oportunamente, e com a antecedência necessária, a operação será confirmada com a indicação da data, hora e início e do local onde será realizada a queima; VII - prever a realização da queima em dia e horário apropriados, evitando-se os períodos de temperatura mais elevada e respeitando-se as condições dos ventos predominantes no momento da operação; VIII - providenciar o oportuno acompanhamento de toda a operação de queima, até sua extinção, com vistas à adoção de medidas adequadas de contenção do fogo na área definida para o emprego do fogo. 4.2 Consequências

O Brasil tem hoje grandes plantações de cana-de-açúcar, sendo considerado uma potência na produção de derivados como etanol e açúcar. A maior parte dessas plantações encontra-se no Estado de São Paulo, não deixando desalientar que o Sudeste Goiano também é rico nesse tipo de plantio. São Paulo é o estado onde se encontra atualmente a maior parte das divergências e ações contra a queima da palha da cana-de-açúcar.

Segundo Jornal da USP: expandir o ramo pode ser bom para a economia

brasileira. Mas, se forem mantidas as atuais técnicas de cultivo e não houver um aperfeiçoamento e aplicação rigorosa da legislação de queimadas da palha da cana-de-açúcar, o aumento das concentrações de gases tóxicos na atmosfera poderá afetar a dinâmica ambiental e agravar a situação de saúde da população que vive no entorno das regiões produtoras (2005, http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2005/jusp738/pag1011.htm).

Corroborando esse entendimento, Ferreira aduz: neste quadro, a prática da

queimada da cana-de-açúcar foi difundida em larga escala, sendo que, desde então, o controle parcial somente tem ocorrido por força dos movimentos sociais que

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culminam em legislações específicas, ações do Ministério Público e decisões judiciais (2006, http://www.sucre-ethique.org/Aqueimada-da-cana-e-seu-impacto.html).

Como consequência da queima da palha da cana-de-açúcar, pode-se observar

danos à flora, à fauna, à saúde, doenças respiratórias, câncer, danos à atmosfera, efeito estufa, danos à agropecuária, além de outros, que serão discorridos a seguir. 4.2.1 Danos à fauna, à saúde, à atmosfera e à agricultura

Podendo ser entendida como conjunto das espécies vegetais de uma determinada localidade. A flora brasileira vem sofrendo em conseqüência do desmatamento para plantio da cana-de-açúcar.

Segundo dados de Manoel Eduardo Tavares Ferreira: a destruição da vegetação

florestal nativa do Brasil e, em especial, no Estado de São Paulo, tem ocorrido nos diversos ciclos de implantação de culturas e pastagens sendo o ultimo deles o da monocultura canavieira. Como exemplo temos a região de Ribeirão Preto que até a década de 1970 tinha 22% de cobertura florestal ativa, sendo que com o estimulo do PROALCOOL essa área foi reduzida para menos de 3% nos dias atuais”. (2006, http://www.sucre-ethique.org/A-queimada-da-cana-eseu-impacto.html).

O preparo da terra para o plantio da cana causa impacto à flora por conta do

desmatamento que é feito. Alem disso, chegada a fase da colheita, ocorrem outros danos por conta do fogo utilizado para queima da palha que acaba por destruir boa parte da vegetação que não seja a cana e ainda causa, em alguns casos,incêndio em outras plantações vizinhas por conta das fagulhas de fogo levado pelo vento, ressaltando também que reservas legais e/ou áreas de preservação podem ser destruídas por conta do fogo, que em muitos casos foge do controle.

Dentre as várias denominações, fauna pode ser entendida como o conjunto dos animais próprios de uma região ou de um período geológico e vem sofrendo inúmeros danos devido ao avanço de certas culturas, sendo no caso concreto a cana-de-açúcar.

Conforme parecer de Manoel Eduardo Tavares Ferreira: as queimadas eliminam

os predadores naturais de algumas pragas, como as vespas, que são inimigas da broca da cana Diatrea saccharalis (que é a principal praga da cana na região de Ribeirão Preto), provocando o descontrole desta praga e exigindo assim a utilização cada vez maior de agrotóxicos, provocando maior contaminação ambiental (2006, http://www.sucre-ethique.org/A-queimada-da-cana-e-seuimpacto.html).

Além do exposto, vale ressaltar que uma maior utilização de agrotóxicos causa

uma menor qualidade do alimento, podendo ainda ocasionar, em algumas pessoas, doenças ou danos à saúde.

Segundo Ferreira: embora condenável, a pratica denominada queimada em

círculos é a mais utilizada pelos canavieiros e dificulta que animais escapem do fogo, além de causar um aquecimento de aproximadamente 800Cº, ocasionando a

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morte de animais como gatos do mato, onças-pardas, lobos-guará, veados, tamanduás, tatus, cobras, pássaros, roedores, inseto e outros que em alguns casos estão em seus ninhos em fase de filhotes (2006, http://www.sucre-ethique.org/A-queimada-da-cana-e-seuimpacto.html).

Concluindo, Ferreira aduz que “a queimada da palha da cana-de-açúcar, embora

muitas vezes feita com autorização do Poder Público, é uma prática que infringe a lei, pois provoca danos na fauna, que é especialmente protegida por leis federais e estaduais”. (2006, http://www.sucre-ethique.org/A-queimada-da-cana-e-seu-impacto.html).

Direito à saúde está interligado com Direito à vida e este por sua vez mostra-se o

maior de todos os Direitos. Quando se ouvir “Direito à vida” entenda-se como sendo com qualidade e para tal é primordial uma saúde plena, algo cada vez mais difícil neste ambiente poluído em que se vive.

O Prof. Antônio Ribeiro Franco, citado por Machado (2009, p. 562), assevera

que “as vítimas da poluição não morrem durante as queimadas, elas adoecem e morrem, seja de doenças respiratórias, de câncer ou doenças de caráter crônico degenerativo. Os médicos não as relacionam com a poluição do ar”.

Ainda segundo Machado: na fuligem sedimentada, o chamado carvãozinho –

aquela que fica depositada sobre o solo depois da queima – foram identificados centenas de compostos químicos, dentre os quais 40 HPAS – Hidrocarbonetos Policlínicos Aromáticos. Entre esses últimos, estão os 16 considerados mais perigosos para a saúde humana na avaliação da Environmental Protection Agency – Agencia de Proteção Ambiental dos Estados Unidos. A freqüência de asma/bronquite, na nossa investigação, foi de 14% e 11% respectivamente em Piracicaba e São Paulo, concluindo-se que a presença de poluentes no ar da grande São Paulo, proveniente de fontes móveis, bem como os poluentes do ar da região de Piracicaba, provenientes da queima da cana de açúcar, surte efeitos nocivos à saúde da criança (2009, p. 562).

Além disso, trabalhadores submetem-se a uma condição de trabalho

totalmente inadequada, a fuligem no ar repleta de substâncias cancerígenas são inaladas por conta da respiração, penetrando na corrente sanguínea podendo ocasionar câncer.

Em muitos casos não há ambiente apropriado para alimentação e condições

sanitárias precárias (http://www.sppt.org.br/wp/?p=255). É nítida a crescente preocupação do governo com a proteção do meio ambiente,

sendo a atmosfera um dos pontos principais a serem debatidos, conferências estão sendo realizadas, umas com sucesso, outras não, porém o alerta foi dado.

Conforme assevera Manoel Eduardo Tavares Ferreira: as queimadas causam a

liberação para a atmosfera (segundo foi comprovado pelo INPE de São José dos Campos e UNESP de Jaboticabal) de ozônio, de grandes concentrações de monóxido de carbono (CO) e dióxido de carbono (CO2), que afetam a saúde dos seres vivos, reduzindo também as atividades fotossintéticas dos vegetais, prejudicando a

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produtividade de diversas culturas. As queimadas liberam grandes quantidades de gases que contribuem para a destruição da camada de ozônio na estratosfera e, assim, possibilitam que raios ultravioletas atinjam em maior quantidade a Terra e causem efeitos cancerígenos e mutagênicos. Por outro lado, os gases que ficam concentrados na atmosfera absorvem a energia térmica dos raios infravermelhos refletidos pela superfície da Terra,contribuindo com o efeito estufa que gera uma reação em cadeia negativa para o planeta (2006, http://www.sucreethique.org/A-queimada-da-cana-e-seu-impacto.html).

Em linhas gerais, conforme parecer de Manoel Eduardo Tavares Ferreira: o uso

do fogo na agricultura provoca a desertificação, alterações climáticas, destruição da cobertura florestal nativa, falta de proteção para as nascentes e mananciais, alteração no ciclo das chuvas, causa lesão a sustentabilidade da própria agricultura, dentre outros males. (2006, http://www.sucre-ethique.org/A-queimadada-cana-e-seu-impacto.html).

Para Ferreira: no solo, devido a altas temperaturas, o fogo alteraas suas

composições químicas, físicas e biológicas, prejudicando a ciclagem dos nutrientes e causando a sua volatilização, provocando um uso maior de agrotóxicos e herbicida, para o controle de pragas e de plantas invasoras, afetando os micros organismos do solo e contaminando o lençol freático e os mananciais. Vale ressaltar também que, a falta de cobertura vegetal após a queimada agrava o processo erosivo do solo (2006, http://www.sucre-ethique.org/A-queimada-da-cana-e-seu-impacto.html).

A queima da palha da cana-de-açúcar é um assunto que traduz várias

divergências, sendo o presente capítulo, mais uma ferramenta para que o leitor possa compreender o que significa a queima, tendo então conhecimento para entender sobre o qual seria a melhor atitude com relação às queimadas.

5. DIVERGÊNCIAS 5.1 Objeto

A divergência resume-se no fato de Sindicatos, usineiros e outros do setor estarem alegando perante o judiciário que leis municipais criadas a fim de proibir a queima da palha da cana-de-açúcar são inconstitucionais por afrontar leis estaduais que autorizam tal prática.

Já o Legislativo municipal alega que essa prática causa poluição do Meio

Ambiente, afrontando a Constituição Federal que preza por qualidade de vida, bem maior que existe.

Alega também que a Constituição Federal autoriza o Município a legislar sobre

questões de interesse local e de forma suplementar.

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A seguir serão apresentados ao leitor alguns comentários e decisões do judiciário a respeito de tal divergência.

5.1.1 Competências

Palavra chave do presente estudo, o referido tópico apresenta-se como sendo dos mais importantes. Entender o que significa a palavra competência dentro deste contexto irá auxiliar o leitor, proporcionando um conhecimento mais detalhado sobre a divergente questão das leis municipais proibitórias do método de preparo para a colheita da cana-de-açúcar.

O fato é que analisado de forma mais especifica e próxima ao tema proposto do

trabalho, o referido termo tem diversos conceitos e pode ser entendido de várias maneiras. Em resumo, entende-se competência como responsabilidade e poder que determinado órgão tem para tratar sobre certo tema.

A CF/88 atribuiu competência concorrente à União, aos Estados e ao

Distrito Federal para legislar sobre proteção do meio ambiente e controle da poluição e ao mesmo tempo atribuiu ao Município competência para legislar sobre questões de interesse local de forma suplementar. Aqui surge a grande questão, quem na verdade teria prioridade para tratar de questões ambientais?

Na definição de Mendes, Coelho e Branco, citado por Pedro Lenza: havendo

conflito entre os entes federativos, no caso concreto, Município, Estados e União, se o critério da colaboração não vingar, há de ser cogitar do critério da preponderância de interesses. Mesmo não havendo hierarquia entre os entes que compõe a federação, pode-se falar em hierarquia de interesses, em que os mais amplos (da União) devem preferir aos mais restritos(dos Estados) (2010, p. 355).

Percebe-se aqui que o Direito Positivo sobrepôs ao um princípio maior da

CF/88, o qual seria prezar pela qualidade da vida, determinado no art 225, caput, CF/88. Por outro lado, podemos analisar a questão da seguinte maneira. Conforme já

dito anteriormente, o Município possui sua autonomia da qual retira capacidade de auto legislação, onde de forma suplementar e tratando de interesse local pode o Município legislar sobre questões ambientais.

Nas palavras de Alexandre de Moraes: o art. 30, II, da Constituição Federal,

preceitua caber ao Município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, o que não ocorria na constituição anterior, podendo o Município suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, embora não podendo contraditá-las, inclusive nas matérias previstas no art. 24 da Constituição de 1988. Assim, a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos Municípios, consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância

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com aqueles e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local. (2007, p. 291).

O Município, de forma suplementar, pode legislar sobre a queima da palha

da cana-de-açúcar, porém sem contradizer, no sentido de autorizar algo a maior, sendo uma norma mais leve. Atualmente existe a Lei Estadual nº 11.241/02 que autoriza a queima da palha da cana-de-açúcar, contudo, existem também leis criadas pelo Legislativo municipal que visam proibir essa prática.

Ainda, segundo Alexandre de Moraes: interesse local refere-se `aqueles

interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do Município, mesmo que acabem gerando reflexo no art 225,Caput- CF/88 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Salvo as tradicionais hipóteses de interesse local, as demais deverão ser

analisadas caso a caso, vislumbrando-se qual o interesse predominante (princípio da predominância do interesse) (2007, p. 292).

Partindo do raciocínio exposto acima e fazendo uma análise superficial, entende-

se que a queima da palha da cana-de-açúcar afeta diretamente a população próxima às plantações, sendo então de interesse imediato de certos Municípios. Lei Municipal que trata de interesse local, de forma suplementar mais rígida pode sim ser entendida como legal. 5.1.2 Ordem econômica

Dentro desse embate existente sobre a inconstitucionalidade de lei municipal que proíbe a queima da palha da cana-de-açúcar existem entendimentos de que a queima justifica-se no fato da própria CF/88 ter, dentre outros, objetivos de garantir o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, reduzindo as desigualdades sociais. O investimento cada vez maior na plantação de cana-de-açúcar e a oportunidade de trabalho proporcionada com a colheita supriram essa necessidade.

A questão é que dentro da ordem econômica existe um princípio que deve

ser observado e que serve como “freio” contra práticas como a da queima da palha da cana-de-açúcar, trata-se daquele previsto no artigo 170, IV, CF/88, qual seja defesa do meio ambiente.

Entende-se que havendo enfrentamento entre princípios, deve-se analisar a

situação concreta e o melhor para a sociedade. Trazendo para o estudo proposto, teríamos uma situação financeira favorável contra um meio ambiente que proporcionasse uma qualidade de vida mais saudável.

A queima da palha da cana-de-açúcar está ligada ao meio ambiente, e

este, segundo Machado (2009, p. 154), “é uma questão de estudo obrigatório, não se

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tratando de gosto, de ideologia e de moda, mas um fator que a Carta maior leva em conta”.

Fiorillo, ainda, ensina que “deve permitir o desenvolvimento, mas de

forma planejada, de forma que os recursos hoje existentes não se esgotem para que as futuras gerações possam desfrutar desses mesmos recursos que hoje temos” (2010, p. 78-79).

Ao se fazer uso da queima da palha da cana-de-açúcar, deve-se observar se está

de acordo com todas as normas afins, ficando claro a ligação com o exposto acima. 5.1.3 Artigo 225, caput, CF/88

Objeto de estudo já citado no decorrer deste trabalho, o artigo 255, CF/88 é um dos grandes argumentos por partes dos legisladores municipais no sentido de autorizarem a edição de leis sobre a proibição da queima da palhada cana-de-açúcar.

Deve-se observar qual a lei que mais se adapta aos anseios desses

princípios expressos na CF/88. Os legisladores alegam que as leis municipais estão em maior consonância com a Carta Magna que as leis Estaduais, como por exemplo, a citada no trabalho, Lei 11241/02. 5.2 Análise sob a ótica do Direito Ambiental

No Direito Ambiental, já detalhado acima no presente estudo, existem princípios básicos e importantes para a vida humana, bem maior entre nós. Analisando as normas a favor da queima e contra, como as municipais, podemos perceber, claramente, quais adotam os mesmos como alicerces.

Retomando o item 2.2.2, deste trabalho, o leitor terá a oportunidade de ter uma

visão crítica sobre a obediência ou não de tais princípios. São eles: Princípio ao Meio Ambiente Equilibrado, Princípio à Sadia Qualidade de Vida, Princípio da Precaução, Princípio da Prevenção e Princípio da Obrigatoriedade da Intervenção do Poder Público.

5.3 Comentários

Segundo Manoel Eduardo Tavares Ferreira: as queimadas existem apenas para reduzir os custos do setor sucro-alcooleiro com a colheita da cana de açúcar, pois como sabemos o rendimento do trabalhador cortador de cana ou da colheitadeira é triplicado quando a palhada é queimada. O setor canavieiro sempre ameaça a população que reclama das queimadas, com o desemprego dos cortadores de cana que seriam trocados pelas colheitadeiras, mas esse argumento é mentiroso, pois se

168

queimadas fossem proibidas hoje, seria no mínimo triplicado o numero de trabalhadores empregados na colheita. Alegam ainda que os trabalhadores não querem cortar a cana crua,pois o rendimento do corte é baixo, existe o risco dos animais peçonhentos, cortes e outras. No entanto os trabalhadores já cortam a cana sem queimar para o plantio, basta pagar uma remuneração justa e fornecer equipamento adequado. As condições ambientais de trabalho do cortador na cana queimada são muito pior que na cana crua, pois a temperatura no canavial queimado, pela cor escura que apresenta eleva a temperatura ambiente que chega a mais de 45º C, alem disso a fuligem da cana penetra pela pele e pela respiração circulando na corrente sanguínea do trabalhador.

Substâncias cancerígenas presentes na fuligem já foram identificadas na urina

desses trabalhadores. As pessoas ficam doentes, pois respiram as partículas finas e ultrafinas provenientes das queimadas, que penetram no sistema respiratório provocando reações alérgicas e inflamatórias. Esses poluentes passam para a corrente sanguínea, causando complicações em diversos órgãos do organismo (2006, http://www.sucre-ethique.org/A-queimada-da-cana-e-seu-impacto.html).

Segundo Jornal da USP: o Brasil é o maior produtor de cana-de-açúcar do

mundo. O equivalente a dois Estados do Piauí, ou 4,5 milhões de hectares, é utilizado para o plantio, num ramo que movimenta 6% do PIB. De toda a safra, a maior parte (55%) é destinada à produção de álcool e subprodutos, o que torna o Brasil um grande produtor de etanol. Estima-se um aumento de 50%, até 2010, na atual produção. Além disso, o bagaço da cana-de-açúcar viabiliza a produção de energia limpa, o que tem possibilitado a muitas usinas desenvolver projetos de certificação de créditos de carbono, através do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) (http://www.usp.br/jorusp/arquivo/2005/jusp738/pag1011.htm).

Assim assevera a Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT): O Dr.

José Eduardo Delfini Cançado, da Sociedade Paulista de Pneumologia e Tisiologia (SPPT), finalizou em 2003 uma tese de doutorado sobre o assunto. O trabalho focalizou a região de Piracicaba e baseou-se em pesquisas anteriores. Uma delas, do dr. Márcio Arbex – ex-presidente regional da SPPT - teve como objeto de pesquisa a cidade de Araraquara, no ano de 1995, e concluiu que o aumento de partículas de fuligem (provenientes da queima da cana) era diretamente proporcional ao crescimento das inalações realizadas no Hospital São Paulo de Araraquara. A tese é do dr. Cançado baseou-se também no estudo de uma física, da Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz (ESALQ-USP), que coletou e analisou a composição das partículas suspensas na região de Piracicaba. A análise dos dados confirmou que 75% das partículas finas provêm da queima da cana-de-açúcar. A poluição atmosférica pode ser medida em microgramas de partículas poluentes por metro cúbico de ar. A taxa permitida pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente é microgramas. A média anual calculada na região de Piracicaba foi de 56, exatamente a mesma que a da cidade de São Paulo. O dado mais alarmante, porém, é que nos seis meses da safra, a taxa, em Piracicaba, sobe para 88 e na entressafra cai para 29.

Uma alternativa considerável é o uso de máquinas coletoras. Em áreas com

declive maior de 12% ou muito pequenas, porém, é impossível a utilização destas máquinas.

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Para o Dr. Cançado, este é o principal entrave para o fim das queimadas, mas,

como justificativa, é insuficiente. "Há condições para se desenvolver máquinas que entrem nas áreas que hoje são consideradas não mecanizáveis, mas se não houver uma lei obrigando, ninguém vai investir", afirma. No ano passado, foram registradas mortes de cortadores por exaustão na região de Piracicaba. Dr. Cançado relata que os grandes produtores já estão conscientes da necessidade de parar de queimar. O problema ainda são os pequenos, cujas áreas não são mecanizáveis. Ele acredita que estes produtores deveriam ser obrigados a substituir o cultivo ou, caso sejam desenvolvidas máquinas que contemplem os terrenos menores, utilizá-las. Neste caso, nem mesmo o preço das novas máquinas pode ser colocado como barreira, pois há grandes cooperativas que poderiam se unir para adquiri-las. A tese do Dr. José Eduardo Delfini Cançado evidencia que os poluentes têm causado inúmeras internações e, conseqüentemente, altos gastos para o Sistema Único de Saúde.

Porém, por serem efeitos indiretos da queima da cana-de-açúcar, acabam não

sendo considerados. Isto sem contar que a pesquisa considerou apenas as internações. A questão é que a maior parte dos atingidos por problemas de saúde ocasionados pela poluição atmosférica tem gastos com consultas e remédios, mas não chega a ser internada, o que indica que os efeitos são ainda mais alarmantes (http://www.sppt.org.br/v2/noticia_completa.php?id_noticia=108). 5.4 Divergências legislativas

Segundo Fernando Porfírio, em matéria publicada em site: a Justiça paulista julgou constitucional a Lei nº 4.446/03, de Botucatu, que proíbe a queima da palha da cana-de-açúcar. A decisão é do Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores consideraram improcedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo (Sipesp). O argumento da entidade foi o de que apenas a União e o Estado têm competência para legislar sobre meio ambiente e que a Lei Estadual 11.241/02 permite o uso do fogo na pré-colheita. Ainda de acordo com o sindicato, o município não teria atribuição para tratar do assunto e ainda mais passar por cima de norma estadual. A defesa alegou também que a proibição iria afetar 80% da safra da cana-de-açúcar. Em São Paulo, a queima da palha da cana é regulada pela Lei 11.241 e pelo Decreto 47.700, de março de 2003. O entendimento da maioria foi o de que a proibição da queima feitapor lei municipal se mostra em harmonia com a Constituição Federal, quando aponta que a saúde é direito de todos e dever do Estado. A maioria entendeu, ainda, que esse direito deve ser garantido por meio de políticas sociais e econômicas que busquem a redução do risco de doenças. O voto condutor foi do desembargador Jacobina Rabello. O desembargador Palma Bisson, que relatou o voto vencido, entendeu que os municípios não têm competência para legislar sobre esse assunto. Segundo ele, proibir a queima de cana vai contra a Lei Estadual, o que não pode acontecer. Todos querem proteger o meio ambiente, mas a proteção tem de ser dentro das normas constitucionais, diz Bisson (2008, http://www.conjur.com.br/2008-mar-05/mantida_lei_proibe_queima_canade-açúcar).

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Este julgado refere-se a um litígio, onde o Sindicato da Indústria de Fabricação

do Álcool do Estado de São Paulo entrou com Ação Direta de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça deste Estado, contra a edição de uma lei do Município de Botucatu-Sp que proibia a queima da palha da cana-de-açúcar naquele seu território. O Município saiu vitorioso, sendo que o Tribunal alegou que mesmo havendo lei Estadual que autorize a queima, o bem maior que é a qualidade de vida deve sobrepor os interesses econômicos.

Esclarece Fernando Porfírio, em matéria publicada em site, que: o Sindicato da

Indústria da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo (Sifaesp) e o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo (Siaesp) entraram com uma Ação Cautelar, no Supremo Tribunal Federal, contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que julgou improcedente Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a Lei 4.446/03, do município de Botucatu (SP). A lei proibiu as queimadas no preparo do plantio e colheita da cana-de-açúcar. Os sindicatos argumentam que a decisão contrariou a Constituição Federal e a legislação estadual. Na ação, as entidades relatam que o artigo 24 da CF estabelece competência concorrente da União, estados e Distrito Federal para elaborar leis de proteção ao meio ambiente e controle da poluição. Os advogados sustentam que foi equivocada a interpretação do TJ-SP de que o fato de a Constituição Federal estabelecer como competência dos municípios a proteção ao meio ambiente permite a eles definir regras sobre o tema.

“Os municípios tem reconhecida a sua competência para agir em relação ao

meio ambiente. Retenha-se competência para agir, para atuar. Não para legislar”, ressaltam as entidades. Os sindicatos também argumentam que a Lei estadual 11.241/2000, que regulamentou a atividade, não proíbe a queima da cana-de-açúcar, apenas impõe critérios para que o método seja realizado. Eles afirmam que, se a lei estadual estabelece o processo controlado da queima e permite a utilização do fogo de forma controlada, como prática agrícola de colheita, a existência de lei municipal que não permita o uso do fogo contraria o disposto na legislação estadual. As entidades sustentam que o cultivo da cana-de-açúcar é importante para todo o país, uma vez que é a matéria-prima do etanol, uma das principais fontes de energia dos automóveis nacionais. Apesar de reconhecer os perigos da queima para os cortadores de cana e para o meio ambiente, elas afirmam que não é possível substituir o método no momento, porque muitas adaptações ainda precisam ser feitas nas fazendas e o número de colheitadeiras mecanizadas é insuficiente (2009, http://www.conjur.com.br/2009-mar-30/sindicatos-questionam-stf-lei-proibequeima-cana-açúcar).

Inconformado com a decisão proferida pelo TJ-SP, o Sindicato da Indústria

da Fabricação do Álcool do Estado de São Paulo, a partir desse momento, em conjunto com o Sindicato da Indústria do Açúcar no Estado de São Paulo, resolveu entrar com uma Ação Cautelar perante o STF, alegando, pelos motivos expostos acima, que o Município não pode legislar sobre tema já resolvido pelo Estado através da Lei estadual 11.241/2000.

Conforme publicado pela Revista Consultor Jurídico: a Lei 4.446/03, de

Botucatu (SP), que proíbe a utilização de fogo na colheita da cana-de-açúcar, está

171

suspensa por força de uma liminar concedida pela ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal. O Sindicato da Indústria de Fabricação do Álcool de São Paulo e o Sindicato da Indústria do Açúcar de São Paulo entraram com ação cautelar contra decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo, que considerou válida a lei municipal. Segundo a ministra, as razões apresentadas pela defesa evidenciam a plausibilidade jurídica, já que o artigo 24, IV, da Constituição, estabelece que compete à União, aos estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição. Já o perigo na demora se comprova, diz, devido o início da colheita e a limitação imposta pela lei. Os sindicatos entraram com ação no TJ paulista.

Alegaram que a norma municipal viola os artigos 24, VI e 30, I, da

Constituição Federal, uma vez que sua edição não teria observadoa competência estadual para legislar sobre meio ambiente. Segundo os sindicatos, a colheita da cana tem início em abril e o prazo para cadastramento de requerimentos para queima terminou no último dia 2. Os desembargadores julgaram a ação improcedente. Os sindicatos entraram com Recurso Extraordinário no próprio tribunal estadual, para envio ao STF. Como o RE não possui efeito suspensivo, as entidades recorreram ao Supremo, por meio de ação cautelar para atribuir efeito suspensivo ao recurso. Assim, queriam suspender a decisão do TJ-SP e permitir o uso do fogo na colheita da cana até que a questão seja julgada em definitivo. A ministra Ellen Gracie afirmou que o Supremo já reconheceu a existência de Repercussão Geral na questão. Ela citou o RE 586.224, relatado pelo ministro Eros Grau, em que se discute a proibição da queima para colheita da cana de açúcar, constante em uma lei de Paulínia (SP), embora exista permissão estadual para sua utilização. Com informações da Assessoria de Imprensa do STF. (2009, http://www.conjur.com.br/2009-abr-06/lei-proibe-uso-fogo-colheita-cana-suspensa-stf).

O STF apreciou o pedido de Cautelar e o concedeu em favor dos sindicatos até

que a questão seja resolvida por definitiva. Segundo a ministra responsável, a competência para legislar é realmente do Estado, que já o fez, e que o perigo de demora, requisito para concessão da cautelar, encontra-se evidenciado, já que devido ao início da colheita e a limitação imposta pela lei faz necessário que se tome uma medida urgente e rápida. Essa decisão foi proferida em 31 de março de 2009. - Caso do Município de Mogi Mirim - SP.

Segundo Fernando Porfírio, em matéria publicada em site: a lei municipal que

proíbe a queima da cana em Mogi Mirim foi derrubada pelo Judiciário paulista. Por maioria de votos, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou inconstitucional a Lei Municipal 4.518/2007, que impedia a queima da palha da cana-de-açúcar como método de pré-colheita. A ação foi proposta pelo Sindicato da Indústria do Açúcar de São Paulo (Siaesp) e pelo Sindicato da Indústria de Fabricação de Álcool de São Paulo (Sifaesp). A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi relatada pelo desembargador Paulo Travain. A maioria do Órgão Especial votou com o entendimento de que cabe à União criar normas gerais sobre meio ambiente e aos estados legislar sobre normas suplementares. “O município não pode tratar de questões ambientais quando já existem normas federais e lei estadual tratando do mesmo tema”, afirmou o desembargador Palma

172

Bisson, se referindo à Lei Estadual 11.241/2002, que disciplina a queima da palha da cana-de-açúcar no estado de São Paulo. “Trata-se de uma brutal inconstitucionalidade das leis municipais”, completou Bisson. Polêmica: O desembargador Palma Bisson afirmou que os municípios não têm competência para legislar sobre a queima da palha da cana. Segundo ele, a norma municipal que tratar sobre a matéria estará colidindo frontalmente com lei e decreto estaduais.

Bisson ressaltou que leis municipais só podem existir para complementar

a legislação estadual, que seja genérica. O desembargador Ivan Sartori defendeu que a generalidade é tema tratado pelas normas estaduais e que, portanto, a lei municipal que trata da queima da palha da cana é constitucional (2009, http://www.conjur.com.br/2009-fev-03/municipio-nao-proibir-queima-cana-acucar).

Este julgado refere-se a um litígio entre o legislativo do Município de Mogi

Mirim-SP e os mesmos sindicatos do caso anterior. O problema é praticamente o mesmo, porém aqui o processo não passou do TJ-SP. O referido tribunal, baseado em julgados do STF que estavam declarando inconstitucional a lei municipal, declarou também inconstitucional a lei do referido Município que proibia a queima da palha da cana-de-açúcar. A fundamentação do órgão julgador pautou-se no fato do Município não poder legislar, de forma contrária, sobre assunto já decidido por lei Estadual.

Esses foram alguns dos vários julgados sobre o referido tema. Atualmente

a questão encontra-se indefinida e muito há de acontecer para que se coloque fim nessa questão; enquanto isso, a cada minuto que passa, o meio ambiente clama por uma medida que ponha fim a esse problema mundial: a degradação da vida por meio da poluição. 5.5 Segundo artigos de leis afins

Existe um número grande de leis que tratam diretamente ou indiretamente sobre o tema divergente em estudo. Diante disso, serão apresentadas ao leitor algumas dessas leis com seus respectivos comentários a fim de esclarecer a questão.

Constituição Federal de 1988: art. 23. É competência comum da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; VII - preservar as florestas, a fauna e a flora.

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar

concorrentemente sobre: VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II

- suplementar a legislação federal e a estadual no que couber.

173

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder

Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidadee garantir o bem-estar de seus habitantes.

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem

de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Lei 4771/64 Código Florestal: art. 26. Constituem contravenções penais,

puníveis com três meses a um ano de prisão simples ou multa de uma a cem vezes o salário-mínimo mensal, do lugar e da data da infração ou ambas as penas cumulativamente: e) fazer fogo, por qualquer modo, em florestas e demais formas de vegetação, sem tomar as precauções adequadas.

Art. 27. É proibido o uso de fogo nas florestas e demais formas de vegetação.

Parágrafo único. Se peculiaridades locais ou regionais justificarem o emprego do fogo em práticas agropastoris ou florestais, a permissão será estabelecida em ato do Poder Público, circunscrevendo as áreas e estabelecendo normas de precaução.

Lei nº 6938/81, sobre Política Nacional de Meio Ambiente Art. 17-L. As ações de licenciamento, registro, autorizações, concessões e permissões relacionadas à fauna, à flora, e ao controle ambiental são de competência exclusiva dos órgãos integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente.

Lei nº 8171/91, sobre Política Agrícola: art. 19. O Poder Público deverá: I -

integrar, a nível de Governo Federal, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios e as comunidades na preservação do meio ambiente e conservação dos recursos naturais.

Art. 96. Compete ao Poder Público implementar um conjunto de ações no

âmbito da mecanização agrícola, para que, com recursos humanos, materiais e financeiros, alcance: VI - divulgar e estimular as práticas de mecanização que promovam a conservação do solo e do meio ambiente.

Lei nº 8629/93, sobre Reforma Agrária: art. 2º A propriedade rural que não

cumprir a função social prevista no art. 9º é passível de desapropriação, nos termos desta lei, respeitados os dispositivos constitucionais.

Art. 9º A função social é cumprida quando a propriedade rural atende,

simultaneamente, segundo graus e critérios estabelecidos nesta lei, os seguintes requisitos: II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

174

§ 3º Considera-se preservação do meio ambiente a manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades vizinhas.

CONCLUSÃO Neste trabalho, foi abordada a questão divergente dos municípios estarem

editando leis que proíbem a queima da palha da cana-de-açúcar, como método despalhador.

Conclui-se que existem dois interesses diretamente ligados, o de manter o setor

forte, a ponto de ajudar o Brasil a ser tido como uma potência econômica e outro preocupado com a preservação do meio ambiente e, consequentemente, com uma melhor qualidade de vida.

Observa-se que é importante ter uma econômica forte, capaz de produzir

empregos e atender ao artigo 3º, CF/88; entretanto, mais importante ainda é viver com qualidade e dignidade.

Na prática judiciária, o que vem ocorrendo é que interesses econômicos

vêm falando mais alto, baseados na argumentação de que as leis municipais proibitórias são inconstitucionais por afrontarem a CF/88.

Podemos compreender o quanto essa prática é prejudicial ao meio ambiente e á

saúde dos trabalhadores e populações vizinhas ás queimadas. Mostra-se um forte argumento para que a atual situação sofra uma mudança, até porque, a cada safra aumenta-se cada vez mais a área plantada no anseio de atender a demanda cada vez maior em virtude do alto consumo do etanol, derivado da cana-de-açúcar.

Apesar de ser um tema ainda não resolvido, o judiciário tem meios legais para

tal feito. O jusnaturalismo, algumas vezes causador de insegurança jurídica, parece ser a resolução para tal problema, ato este que a sociedade mundial e a natureza clamam cada vez mais alto.

Em suma, o que não pode negar é que se fazem necessários, de forma urgente,

medidas que preservem e proteja a saúde e vida de todos, bem maior que existe, sendo a recepção dessas leis municipais uma possível solução.

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ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Discente - SOLANGE ELIANE PETRY

Professora – ALESSANDRA GONÇALVES HERONVILLE DA SILVA RESUMO: A monografia em questão, focalizará a história dos alimentos gravídicos e suas particularidades. Nos alimentos gravídicos, o nascituro tem direito a receber do suposto pai alimentos e após seu nascimento com vida, os mesmos serão convertidos em pensão alimentícia em favor do menor. A legitimidade para pleitear ação de alimentos gravídicos é da gestante que o fará em nome do nascituro. E quando o alimentante não cumprir com suas obrigações de pagar a quantia estipulada, para suprir as necessidades do alimentado, não resta outra alternativa a não ser executar a quantia que lhe é devida de direito, seja pelo rito do artigo 732 ou pelo artigo 733, do Código de Processo Civil. Palavras-chave: alimentos gravídicos, nascituro, gestante. INTRODUÇÃO

A obrigação alimentar determina ao alimentante o dever de prestar alimentos solidariamente ao alimentando.

A obrigação alimentar gravídica determina ao suposto pai o dever de

prestar solidariamente alimentos ao nascituro para cobrir as despesas que ocorrem durante a gestação, tais como: alimentação especial, assistência médica e psicológica, internações, exames, medicamentos, parto e outras despesas que o juiz considera pertinentes.

Esta obrigação é imposta pelo juiz com base em indícios de paternidade e, após

o nascimento, poderá o suposto pai entrar com ação de investigação de paternidade e, com o resultado negativo, será o mesmo desobrigado da responsabilidade, descaracterizando o vínculo biológico e o cancelamento do registro, se já tiver sido feito.

Quando a obrigação alimentar gravídica não é cumprida, tem-se a inadimplência

e esta, por motivos desculpáveis e esgotado os meios para a sua composição, enseja a cobrança judicial, sendo um dos meios de coação a prisão civil do devedor. A execução visa alcançar os provimentos necessários para o cumprimento dos alimentos gravídicos, e na insolvência poderá invadir o patrimônio do devedor.

Portanto, as prestações alimentares gravídicas são fundamentais na formação

do embrião que está se desenvolvendo no ventre materno e, após o nascimento, a sua conversão em pensão alimentícia, permitindo o desenvolvimento e progresso nas sociedades modernas, tendo o advogado importante papel neste processo da obrigação alimentar gravídica.

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1. ALIMENTOS GRAVÍDICOS

Desde a Antiguidade até os dias atuais, o ser humano, por ser carente desde a sua concepção até a maturidade, necessita da cooperação interpessoal para sua interação na sociedade.

As obrigações alimentícias já eram conhecidas desde o Direito Romano.

Eram, porém, naquela época fundada em diversas causas, tais como: na relação familiar, no testamento, na convenção, na relação de patronato e na tutela. Sendo assim essa disciplina significou o ponto de partida da obrigação alimentar.

Posteriormente com o Direito Canônico, principalmente nos primeiros

tempos, houve o crescimento das obrigações alimentares, exclusivamente nas relações extrafamiliares.

Nesse período foram determinadas as obrigações de prestar alimentos aos filhos

espúrios. E com o surgimento da Lei 883/1949 ficou disciplinado o direito do filho legítimo a receber alimentos.

Segundo Cahali (2009, p. 42) Ciccaglione fez uma minuciosa síntese ao analisar

o instituto na disciplina da igreja e obteve a seguinte conclusão: que seria reconhecido direito de alimentos também aos filhos espúrios; que a obrigação alimentar poderia originar-se, não somente do vínculo sanguíneo, mas de outras relações como a religiosa, em que a igreja era obrigada fornecer alimentos aos asilados. Nesse período foi também questionada a possibilidade da obrigação de alimentar entre tios e sobrinhos, ou padrinhos e afilhados, isso por causa do vínculo espiritual, defendido no direito canônico; que haveria também obrigação recíproca entre os cônjuges.

No Direito brasileiro, as obrigações alimentares iniciaram com as Ordenações

Filipinas, a partir delas surgiram os elementos necessários para a referida obrigação. Vejamos o entendimento de Cahali; se alguns órfãos forem filhos de tais pessoas

que não devam ser dados por soldados, o juiz lhes ordenará o que lhes necessário for para seu mantimento, vestido e calçado, e tudo mais em cada um ano. E mandará ensinar a ler e escrever aqueles que forem para isso, até a idade de doze anos. E daí em diante lhes ordenará sua vida e ensino, segundo a qualidade de suas pessoas e fazenda. (2009, p. 44). Após vieram outros institutos em que foi disciplinada assistência aos filhos ilegítimos.

O Direito brasileiro, ao criar o Código Civil de 1916, passou a disciplinar

a obrigação alimentar familiar. De acordo com o referido Código, no efeito jurídico do casamento propôs

“mútua assistência” (art. 231 III), “sustento, guarda e educação dos filhos” (art. 231 IV); “ao marido, prover a manutenção da família” (art. 233 IV); e disciplinou também a relação de parentesco” (art. 396 a 405).

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Por ser insuficientes estas disposições, e com a evolução da sociedade, foi

necessário ao longo dos anos introduzirem algumas modificações, razão pela qual passou a existir várias leis extravagantes.

O princípio da isonomia entre homem e mulher é de suma importância,

motivo pelo qual tem predominado, atualmente, no que se refere à administração e manutenção da família, disciplinados no CC arts. 1565 e ss e art. 226 § 5º e também no art. 6º da Constituição Federal, 1988 in verbis: “Art. 226 § 5º Constituição Federal. Os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher.” (BRASIL, 2009, p. 70).

“Art. 6º CF, no título que trata dos direitos e garantias fundamentais dos

cidadãos, que são direitos sociais inarredáveis; a educação a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a proteção, a infância e outros.” (BRASIL, 2009, p. 11).

Segundo está disciplinada no texto constitucional em seus artigos 226 e 227, que

a família é a base da sociedade, a obrigação principal do Estado é de protegê-la, assegurar à criança e ao adolescente, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à convivência familiar e comunitária além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Sendo o dever de prestar alimentos tão importante, posto que a sua maior

finalidade é de manter o indivíduo que dele necessita para sobreviver, esta responsabilização foi imposta pela Constituição Federal, conforme o art. 229 CF.

Art.229da CF; “Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores,

e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade.” (BRASIL, 2009, p. 71).

O referido artigo não deixa dúvidas, que mesmo negando o dever de

alimentarem-se, é imposição moral e jurídica, constitucionalizada. A lei dos alimentos (lei 5.478/68) consistia um óbice à concessão de alimentos

ao nascituro, pois consta no seu art. 2º, que deve ser comprovado o vínculo de parentesco ou da obrigação alimentar, mesmo sendo a responsabilidade parental desde a concepção inegável, pois o legislador ao silenciar sobre a concessão de alimentos ao nascituro gerou grande dificuldade não só a este, como à gestante.

Código Civil de 2002, no seu artigo 2º estabelece: “A personalidade civil

da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL, 2009, p. 143).

O mencionado dispositivo desperta profunda controvérsia doutrinária,

alguns defendem que a pessoa só é apta a ter direitos se nascer com vida, embora seus direitos estejam salvaguardados desde a concepção. Outros defendem que mesmo não sendo considerado pessoa, já tem proteção legal de seus direitos desde a concepção.

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A lei dos alimentos gravídicos, Lei nº.11.804/08, surgiu com o intuito de

proteger o nascituro, os alimentos são percebidos pela gestante durante a gravidez, para eventuais despesas; conforme demonstra o art. 2º da lei: art. 2º - Os alimentos de que trata esta lei compreenderão do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Parágrafo único. Os alimentos de que trata este artigo referem-se à parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos.

Esta mesma lei, usando a proteção da mãe e da futura prole,

regulamentou expressamente como regra supletiva a aplicação subsidiária da lei dos alimentos (no 5.478/68) e do Código de Processo Civil (nº. 5.869/73).

É necessário salientar que apesar de não ter esta mesma lei disciplinada

expressamente, a aplicação do Código Civil 2002, ele é perfeitamente aplicável, pode -se ver de acordo com o artigo 1.609, parágrafo único, vejamos: art. 1.609, parágrafo único; “o reconhecimento pode preceder o nascimento do filho ou ser posterior ao seu falecimento, se ele deixar descendentes.” (BRASIL, 2009, p.275).

Os alimentos constituem prestações periódicas devidas a alguém, podem ser em

dinheiro ou em espécies; em regra, são prestados os alimentos por uma soma em dinheiro, em casos excepcionais, podem ser restados in natura, ou seja, com o fornecimento de gêneros alimentícios e outras utilidades indispensáveis ao alimentando (espécies). Os alimentos indenizatórios, mesmo que não estiver a especificação dos alimentos a serem pagos, estes serão determinados pelo juiz, com o intuito de proteger o autor da ação.

“Caso a obrigação seja indeterminada e não estiver na lei nem no

contrato disposição fixada a indenização devida pelo inadimplente, será apurado o valor das perdas e danos na forma que a lei processual determinar” (art. 946 do CC) referente a alimentos indenizatórios. (BRASIL, 2009, p. 211).

Da mesma forma dispõe o art. 950 CC: se da ofensa resultar defeito pelo qual o

ofendido não possa exercer o seu oficio ou profissão, ou se lhe diminua a capacidade de trabalho, a indenização, além das despesas do tratamento e lucros cessantes até ao fim da convalescência, incluíra pensão correspondente à importância do trabalho para que se inabilitou, ou da depreciação que ele sofreu (BRASIL, 2009, p. 211).

Traz,ainda,o Código Civil de 2002 obrigação alimentar entre cônjuges, parentes

e companheiros, art. 1.694 do CC; “podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.” (BRASIL, 2009, p. 282).

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O direito aos alimentos é irrenunciável, pois, “pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora”. (art. 1.707 CC). (BRASIL, 2009, p. 282).

Portanto não é válida a declaração do filho desistindo de pleitear alimentos

contra o pai, ele poderá deixar de pedir os alimentos, mas legalmente não pode renunciar ao exercício do direito aos alimentos.

O mesmo não ocorre com o cônjuge ou companheiro que pode renunciar

ou dispensar os alimentos quando dele não mais necessitar. Nos casos do não cumprimento dos alimentos gravídicos pelo suposto pai,

poderá a gestante valer-se da execução pelos arts. 732 ou 733 do Código de Processo Civil.

Caso o executado possui bens para solver o débito, não justifica a sua prisão, e a

execução deverá se fazer na forma do art. 732 do CPC. A Constituição Federal de 1988, art. 5º LXVII e o Código de Processo Civil, nos

arts. 732 a 735 e a lei dos alimentos (nº. 5.478/68, arts 16 a 19), permitem a prisão no caso do obrigado estar inadimplente com o dever de pagar os alimentos. Já não ocorre via de regra com outros ordenamentos jurídicos, pois preceituam que o devedor deverá responder com o seu patrimônio nos casos de inadimplência.

A execução de prestação alimentícia está elencada no capítulo V, do livro II, sob

o título do processo de execução, a partir do art. 732, que prevê essa execução de alimentos na forma do dispositivo IV do mesmo título, sendo que o devedor responderá com todos os seus bens presentes e futuros, salvo algumas restrições estabelecidas em lei.

O pagamento da pensão alimentícia poderá dar-se de quatro formas: - de acordo

com a lei nº. 5.478/68, art. 16 com o art. 734 do CPC, o desconto poderá ser em folha de pagamento salarial; – poderá a execução ser por quantia certa contra devedor solvente (art. 732 CPC); – ou ainda ser descontado de aluguéis ou qualquer outra renda do devedor (art. 17 da Lei de Alimentos); – podendo ser prisão do devedor (art. 733 do CPC e art. 19 da lei nº.5.478/68).

Ou seja, a execução de alimentos, contra devedor solvente, será pessoal ou

patrimonial.

2. CARACTERÍSTICAS E REQUISITOS DA PRESTAÇÃO ALIMENTÍCIA

A principal característica do direito de alimentos é o direito personalíssimo, pois visa este preservar a vida do indivíduo, motivo pelo qual sua titularidade não pode ser passada a outrem, seja por negócio jurídico, ou por fato jurídico.

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De acordo com o artigo 1.707, 1ª parte do CC, o alimentando poderá deixar de exercer o direito de pedir alimentos, mas jamais renunciar a esse direito.

Sendo o direito de alimentos irrenunciável, essa irrenunciabilidade não

atinge o seu exercício, pois este é uma faculdade, o filho poderá deixar de pedir alimentos, mas não renunciar a este direito.

Caso não seja exercido esse direito no momento oportuno, nada impede que seja

pleiteado posteriormente, caso venha dele precisar o alimentando e desde que estejam presentes os pressupostos legais.

A prestação alimentícia por ser destinada a manter a subsistência do alimentado não poderá responder pelas suas dívidas, como está previsto no artigo 1.707 do CC, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

Diniz (2010 p. 603) é simples e direta ao dizer que “em razão da

finalidade do instituto; uma vez que destina a prover a mantença do necessitado, não pode, de modo algum, responder pelas suas dívidas, estando a pensão alimentícia isent a de penhora”.

A característica irrepetibilidade dispõe que sejam os alimentos provisionais ou definitivos, uma vez cumprida a obrigação, ou seja, efetuado o pagamento da prestação alimentícia, eles são irrepetíveis, a mesma ação não poderá ser objeto de ação de repetição de indébito, por ser um dever moral.

Nos dias atuais esta característica vem sendo muito discutida entre os

doutrinadores, pois para alguns o enriquecimento indevido do alimentado seria ilegal, entendendo os mesmos que por ser extinta a prestação alimentícia e para ganhar mais tempo e algumas parcelas a mais irá prolatar o máximo o andamento da ação.

Para Venoza (2008, p. 384), “não há direito à repetição dos alimentos pagos, tantos os provisionais como os definitivos. Desse mod o, o pagamento dos alimentos é sempre bom e perfeito, ainda que recurso venha modificar decisão anterior, suprindo -os ou reduzindo seu montante”

Já Pereira (2005, p. 13): defende essa idéia de afastamento do princípio da

irretroatividade no que tange ao pagamento das prestações alimentícias, preconizando que o ajuizamento da ação de exoneração deve vir cumulado com o pedido de devolução das prestações indevidamente pagas, caracterizando um enriquecimento ilícito do alimentado.

Em relação ao prazo para pleitear alimentos, este não prescreve, pois quando o alimentado necessitar de alimentos poderá propor ação, desde que prove seu direito de receber os devidos alimentos e a obrigação do alimentante em pagá-los.Esta característica denomina-se imprescritibilidade.

Preenchidos os pressupostos do direito a alimentos, estes poderão ser pleiteados

a qualquer tempo. Poderá, no entanto, ocorrer a prescrição das parcelas fixadas judicialmente, estas uma vez fixadas iniciará o prazo prescricional que seria de dois anos, conforme art. 206 § 2º CC.

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Prescreve em dois anos a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da

data em que se vencerem. É necessário informar que esta imprescritibilidade de prescrição estava

prevista desde o ano de 1968, no art. 23 já na lei dos alimentos nº 5478/68, com a seguinte redação.

“A prescrição quinquenal referida no art. 178 § 10, inciso I, do CC só alcança as

prestações mensais e não o direito a alimentos, que, embora irrenunciável pode ser provisoriamente dispensado.” (BRASIL, 2009, p. 1254).

Posteriormente com o novo Código Civil de 2002 houve inovação no seu art.

206 § 2º que prescreve em “dois anos a pretensão para haver prestações alimentares, a partir da data em que se vencerem.” (BRASIL, 2009, p. 161).

Quanto à periodicidade, o pagamento das prestações alimentícias quando em dinheiro, em regra, deverão ser pagas mensalmente, porém nada impede que sejam fixados outros períodos, não sendo, portanto, admitido que um valor único seja pago, e nem que o período seja muito longo.

A incedibilidade, segundo o Código Civil de 2002, no artigo 1707, está expresso que o direito de receber os alimentos é do alimentando, não pode ser este cedido a outrem, pois estaria confrontando com sua natureza que é de caráter personalíssimo.

Conforme Gomes (1978, p. 328): outorgado, como é, a quem necessita de meios

para subsistir, e, portanto, concedido para assegurar a sobrevivência de quem caiu em estado de miserabilidade, esse direito é, por definição e substância, intransferível; seu titular não pode sequer ceder o seu crédito que obteve em razão de se terem reunido os pressupostos da obrigação alimentar.

As características condicionalidade e variabilidade preveem que uma vez fixados os alimentos e havendo modificações na situação financeira, econômica de ambas as partes, as mesmas poderão reclamar em juízo, informando sobre as circunstâncias e pleiteando exoneração, redução ou majoração dessas parcelas, conforme o caso.

Art. 1.699 do CC: “Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança na situação

financeira de quem os supre ou na de quem os recebe, poderá o interessado reclamar ao juiz, conforme as circunstâncias, exoneração, redução ou majoração do encargo.” (BRASIL, 2009, p. 282).

Alternatividade da prestação alimentícia: essa característica foi qualificada pela doutrina como prestação alternativa devido ao seu caráter de duplicidade, sendo que a lei traz a faculdade ao devedor de prestar alimentos sob duas formas, a primeira seria o pagamento de pensão periódica e a outra forma através de hospedagem e sustento ao alimentando.

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2.1 Classificação dos alimentos quanto à natureza, à causa jurídica, à finalidade, ao momento das prestações e quanto à modalidade

Os alimentos são classificados pela doutrina sob várias espécies, quais sejam: quanto à sua natureza, quanto à causa jurídica, quanto à finalidade, quanto ao momento da prestação e quanto à sua modalidade.

Quanto à natureza, os alimentos se dividem em duas sub-espécies: alimentos naturais e alimentos civis.

Os alimentos naturais são aqueles indispensáveis para garantir a subsistência do

alimentado, tais como alimentação, vestuário, saúde, habitação, educação e outros. Por outro lado, os alimentos civis, além de garantir as necessidades primárias do

alimentado, servem também para manter a qualidade de vida do alimentado para que este tenha o mesmo padrão de vida do alimentante.

Diferença entre alimentos naturais e civis conforme Cahali (2009, p.18), Quando

se pretende identificar como alimentos aquilo que é estritamente necessário para a mantença de uma pessoa, compreendendo tão somente a alimentação, a cura, o vestuário, a habitação, nos limites assim do necessarium vitae, diz-se que são alimentos naturais; todavia, se abrangentes de outras necessidades, intelectuais e morais, inclusive recreação do beneficiário, compreendendo assim o necessarium personae e fixados segundo a qualidade do alimentando e os deveres da pessoa obrigada, diz-se que são alimentos civis.

Quanto à natureza jurídica, são classificados em legítimos, voluntário e indenizatório.

Legítimos ou legais são aqueles impostos por lei, em decorrência de existir entre

os indivíduos um vínculo familiar, ou seja, um laço sanguíneo, também chamado de iure sanguínis, ou ainda aqueles que resultam do matrimônio, apenas esses alimentos se inserem no Direito de Família.

O não cumprimento desta obrigação trará complicações para o devedor, pois a

lei prevê, no art. 733 CPC, a possibilidade de prisão de 1 (um) a 3 (três) meses, caso não seja efetuado o pagamento dos alimentos legais, sendo o mesmo chamado para no prazo de 3 dias quitá-los, ou esclarecer o seu inadimplemento.

Voluntários são aqueles que resultam de uma declaração de vontade, inter vivos

ou causa mortis, sendo que o primeiro são aqueles deixados por disposição de última vontade, pertencendo, no entanto, ao direito das obrigações, e o segundo é aquele que decorre de um legado, devendo ser regulado pelo direito das sucessões.

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Por fim os ressarcitórios ou indenizatórios, que se encontram previsto no art. 948 II CC, são eles decorrentes da consequência da prática de ato ilícito, ou seja, são destinados a indenizar a vítima que sofreu ato ilícito.

Art. 948, II: “No caso de homicídio a indenização consiste, sem excluir outras

reparações”.II “na prestação de alimentos às pessoas a quem o morto às devia, levando -se em conta a duração provável da vida da vítima.” (BRASIL, 2009, p. 211).

Quanto à finalidade podem ser: provisionais ou provisórios e regulares ou

definitivos. Alimentos provisórios são aqueles de caráter emergencial, ou seja, são

aqueles indispensáveis para suprir as necessidades básicas do alimentado, por ser lento o judiciário, os processos, principalmente os de alimentos, levam bastante tempo para serem apreciados, motivo pelo qual a lei determina esses alimentos de forma provisória.

Alimentos regulares ou definitivos, são aqueles alimentos estabelecidos pelo juiz

ou pelas partes mediante acordo, com prestações periódicas, apesar de ter caráter permanente podem a qualquer tempo passarem por revisão, conforme o caso concreto.

O momento das prestações alimentícias podem ser pretéritos ou futuros, estes

são impostos por decisão judicial, ou os decorrentes de acordo entre as partes. Pretéritos são aqueles resultantes antes da decisão do juiz ou do acordo.

A prestação alimentícia se divide em própria e imprópria. A prestação alimentícia própria se refere a tudo o que o alimentado precisa para

sua mantença, já a prestação imprópria significa o fornecimento dos meios idôneos para que o alimentado possa adquirir o que for necessário para a sua subsistência.

2.2 Sujeitos da obrigação alimentícia ou pessoas obrigadas a prestar alimentos Segundo o Código Civil no seu artigo 1696, a “obrigação de prestar alimentos é

recíproca entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros.” (BRASIL, 2009, p. 282).

A obrigação alimentícia conforme o CC em seus artigos 1694, 1696 e

1697 é recíproca entre os ascendentes, descendentes e colaterais consanguíneos de 2º grau.

2.3 Condições objetivas da obrigação alimentar

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A proporção para ser prestadas as obrigações alimentícias, devem ser observadas as necessidades do alimentando e a possibilidade do prestante.

A regra geral, conforme o art. 1695 CC, é que o instituto dos alimentos foi

criado para ajudar aqueles que estão passando por necessidades para promover o seu próprio sustento, e não para dar boa vida ao preguiçoso ou até mesmo para sustentar o parasitismo.

Porém não está obrigado a sustentar outrem aquele que mal ganha para se

manter, por isso deverá ser analisado com cautela as necessidades do alimentário e as possibilidades do alimentante.

Art. 1695 CC “São devidos os alimentos quando quem os pretende não tem bens

suficientes, nem pode prover pelo seu trabalho a própria mantença, e aquele de quem se reclamam pode fornecê-los sem desfalque do necessário ao seu sustento.” (BRASIL, 2009, p. 282).

2.4 Das necessidades do alimentário A prestação alimentícia além de exigir um vínculo familiar, exige ainda

que o titular do direito não consiga se manter com seu trabalho ou patrimônio. A respeito da necessidade do alimentado, Cahali (2009, p. 512) diz que: a regra

tradicional é que cada pessoa deve prover-se segundo suas próprias forças ou seus próprios bens: a obrigação de prestar alimentos é, assim, subsidiária, no sentido de que só nasce quando o próprio indivíduo não pode cumprir esse comezinho dever com sua pessoa, que é de alimentar -se a si próprio, com o produto do seu trabalho e rendimentos.

3. ALIMENTOS GRAVÍDICOS – LEI 11.804/08 “Nascituro” é um ser que está para nascer, está sendo gerado pela gestante, é o

feto durante a gravidez, ele já está concebido. É necessário fazer uma análise sobre o posicionamento de três correntes a

respeito de personalidade. A primeira é a Teoria Natalista, defende, esta corrente, que o início da

personalidade jurídica do nascituro começa com o nascimento com vida, sendo ele da concepção até o parto um mero detentor de expectativa de direito.

Para a Teoria Concepcionista o início da personalidade se dá com a concepção e

não do nascimento com vida, não está subordinado a nenhuma condição.

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Por fim, a Teoria Concepcionista condicionada ou da personalidade condicional, a personalidade jurídica começa desde a concepção, mas fica vinculada à determinada condição, qual seja, o nascimento com vida.

Segundo Moreira, uma corrente entendendo que o nascituro, é uma expectativa

de pessoa e a sua personalidade terá início com o nascimento com vida, uma segunda corrente, que confere personalidade ao nascituro desde a concepção, e uma terceira, que adere à segunda, mas condicionado a nascimento com vida. (2003, p. 12).

A corrente adotada no nosso ordenamento jurídico é a concepcionista, sendo que

a personalidade jurídica do nascituro começa a partir da concepção e não do nascimento com vida.

3.1 Alimentos Gravídicos Alimentos gravídicos são verbas alimentares destinadas ao nascituro e

percebidas pela mulher grávida, ao longo de sua gestação. Esses alimentos compreendem valores suficientes para ser utilizados com as despesas que decorrem no período de gravidez, ou seja, da concepção ao parto.

Essas despesas correspondem aos exames médicos, medicamentos, alimentação

especial, assistência médica e psicológica, internações, parto e outros que possam ocorrer durante a gestação.

Segundo Rizzardo (2004, p. 758): Durante a gravidez, inúmeras as situações

que comportam a assistência econômica do pai. Assim, o tratamento ou acompanhamento médico, a conduta de repouso absoluto à mãe em muitos casos de gravidez de risco, os constantes exames médicos e medicamentos, o tipo de alimentação que deve seguir a gestante, a sua própria subsistência se for obrigada a se afastar do trabalho remunerado que exercia.

A própria lei 11.804/08, no seu art. 2º, traz expressamente o que compreendem

os referidos alimentos. Art. 2º: os alimentos de que trata essa lei compreenderão os valores suficientes

para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes.

Parágrafo único. Os alimentos de que trata esse artigo referem-se à parte

das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida na concepção dos recursos de ambos. (BRASIL, 2009, p. 1763).

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3.2 Do Quantum dos alimentos gravídicos Esses alimentos trouxeram muita discussão sobre o valor que deve ser

fixado a título de verba alimentar, tendo em vista que serão gerenciados e destinados a mulher grávida, e através dela ao nascituro. Sendo que a gestante e a futura mamãe é quem zela pelo ser que traz em seu ventre, realiza exames médicos, toma medicamentos, faz uso de alimentação especial, se necessário.

Esta lei trouxe, no parágrafo único do art. 2º, a paternidade responsável, em que

o futuro pai deverá custear parte dessas despesas, e esse valor será fixado de acordo com o recurso de ambos, ocorrendo desse modo o chamado Binômio (necessidade e possibilidade), em que será analisado as possibilidades do suposto pai para pagá-los e a necessidade da gestante ao recebê-los.

Embora sendo a fixação do valor desses alimentos diferentes daqueles previstos

no artigo 1.654 e seguintes do Código Civil de 2002, ao serem concedidos, o raciocínio passa ser o mesmo, pois, ambos os alimentos ao serem fixados levarão em conta todas as despesas decorrentes da gestação, ou seja, todas as necessidades do menor e o poder de contribuição do suposto pai.

3.3 Da fixação dos alimentos gravídicos A lei 11.804/08, no seu artigo 6º, traz a forma que o juiz vai utilizar para fixar

esses alimentos, pois estando ele convencido que realmente existe “indícios de paternidade”, que pode ser demonstrado através de fotos, testemunhas, cartas, e-mails e outros meios de provas desde que sejam lícitas, fixará os referidos alimentos e estes perdurarão até o dia que a criança nascer.

Caso a criança nasça com vida, os mencionados alimentos serão convertidos em

pensão alimentícia em favor desta e permanecerá até que uma das partes pleiteie a revisão.

Vejamos: art.º 6 - Convencidos da existência de indícios de paternidade, o

juiz fixará alimentos gravídicos que perdurarão até o nascimento da criança, sopesando as necessidades da parte autora e as possibilidades da parte ré.

Parágrafo único. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos ficam

convertidos em pensão alimentícia em favor do menor até que uma das partes solicite a sua revisão. (BRASIL, 2009, p. 1764).

3.4 Termo inicial dos alimentos

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Há muitas dúvidas sobre o momento exato para serem exigidos esses alimentos, pois o art. 9º da lei, vetado, tinha essa previsão.

Por esta lei adotar a teoria da concepção, entende-se que a partir dela podem ser

exigidos os devidos alimentos. Portanto, o momento inicial para serem exigidos os alimentos, começa a partir

da constatação da gravidez, isto significa dizer no 10º dia da gestação, a futura mamãe encontra se habilitada juridicamente para pleitear alimentos em nome do nascituro e a partir da referida data os mesmos deverão ser pagos pelo suposto pai.

Para ser identificado o estado gravídico, o juiz vai buscar amparo na

medicina, através de atestado médico ou prova pericial. Quanto às despesas adiantadas, realizadas pelo gestante, são retroativas,

pois a responsabilidade é de ambos os pais. 3.5 Ônus probatório O juiz ao analisar um pedido de alimentos gravídicos e posteriormente deferi-

los, seja de forma definitiva ou provisória, precisa ter indícios de paternidade. Estes indícios devem ser comprovados pela gestante, não basta a simples alegação do estado gravídico.

De acordo com o Código Civil de 2002, com exceção daqueles casos elencados

nos arts. 1.597 e seguintes, em que ocorre a presunção de paternidade, o ônus probatório é da genitora, pois cabe a ela apresentar os indícios de paternidade que podem ser através de fotos, testemunhas, cartas, e-mails e outros desde que sejam lícitas. Através de análise dessas provas, verificado o juiz que há indícios de paternidade, formará o seu livre convencimento a respeito da concessão ou não dos alimentos.

Por maior que seja a necessidade da mãe a esses alimentos, não goza ela

de presunção de veracidade e também não ocorre a inversão do ônus da prova para o apontado pai. Neste caso, faz-se necessário a aplicação do art. 333, I, do Código de Processo Civil, pelo qual o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito.

Conforme ensina Rizzardo: para a prova da paternidade, admite-se toda a série de documentos demonstradores da convivência quando da concepção, bem como da época quando a mesma ocorreu.

Com isso, infundem-se a convicção e certeza sobre a paternidade, sem o

que incabível a concessão cautelar de alimentos (2004, p. 760). 3.6 Do procedimento

190

Quanto ao procedimento, o legislador teve a intenção de fazer com que o

processo de alimentos gravídicos tivesse celeridade e eficácia, isso para não ocorrer prejuízos ao nascituro durante a gestação.

Motivo pelo qual a nova lei, em seu art. 7º, traz expressamente o prazo de 5 dias

para o réu, no caso suposto pai, ser citado e apresentar resposta. Por serem essas ações de caráter urgente, o réu deverá alegar toda a matéria de defesa nesse momento, sob pena de ocorrer a preclusão. Este tipo de ação é parecido com os procedimentos cautelares do Código de Processo Civil no art. 802, CPC.

Já no que se refere a legitimidade para propor a ação de alimentos

gravídicos havia muitas dúvidas sobre quem teria essa legitimidade se é a gestante ou o nascituro.

De acordo com o artigo 2º do Código Civil “a personalidade civil da

pessoa começa do nascimento com vida: mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.” (BRASIL, 2009, p. 143).

Por esse ângulo a ação de alimentos deverá ser proposta pela futura mamãe que

representa o nascituro, em face ao suposto pai, ou seja, os alimentos serão pleiteados pela genitora em nome do ser que carrega em seu ventre.

A legitimidade processual do nascituro, representado pela mãe, tem sido

reconhecida pelos Tribunais. Vejamos as seguintes decisões: decisão pioneira da Primeira Câmara do

Tribunal de Justiça de São Paulo, datada em 14.09.1993 (ap. Cível n. 1936-1), atribuindo legitimidade „ad causam’ ao nascituro, representado pela mãe gestante, para propor ação de investigação o relator – Res. Renan Iatufo – representando-se à decisão pioneira no mesmo sentido do tribunal do Rio Grande do Sul (RJT JRS 104/418) que ao nascituro assiste, no plano do Direito Processual, capacidade para ser parte como autor ou réu-representado o nascituro, pode a mãe propor ação de investigatória e o nascimento com vida investe o infante na titularidade da pretensão do direito material, até então uma expectativa resguardada. (LOMEU, 2009, p. 01).

O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul em relação aos alimentos em favor

do nascituro dispõe que: havendo indícios da paternidade, não negando o agravante contatos sexuais à época da concepção, impositiva a manutenção dos alimentos à mãe no montante de meio salário mínimo para suprir suas necessidades e também as do infante que acaba de nascer. Não afasta tal direito o ingresso da ação de investigação de paternidade cumulada com alimentos:

TJRS, Agravo de instrumento n.70018406652, Rel. Res. Maria Berenice Dias. D.J. 16.04.2007. (LOMEU, 2008, p. 01).

De igual forma nos dizeres de Pereira (2006, p. 517): “Na hipótese de

reconhecimento anterior ao nascimento autorizada pelo parágrafo único do art. 1.605 do CC, não se pode excluir a legitimidade do nascituro para a ação de alimentos”.

191

Frente às decisões dos Tribunais, os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, não restam dúvidas, que a genitora, futura mamãe, detém legitimidade para propor ações em nome do nascituro. Fato este que foi consagrado pela Lei 11.804/08.

É necessário informar que esta ação será proposta por simples petição

inicial, observado o art. 282, do CPC, onde serão narrados todos os fatos, após seu recebimento o réu será citado para apresentar defesa em 5 dias. Esse procedimento é próprio, embora o art. 11 da lei autoriza aplicação subsidiária do Código de Processo Civil e a lei de alimentos, ambos são diferentes. No art. 5º da lei tinha a previsão de audiência de justificação, mas foi vetado.

Após esse procedimento os alimentos serão fixados e do nascimento com vida

os mesmos serão convertidos em pensão alimentícia em favor da criança, podendo a qualquer momento serem revisionados a pedido das partes.

No momento em que o réu apresentar sua defesa, deverá alegar toda a

matéria, inclusive negar a paternidade, mas isso não vai impedir o juiz de fixar os referidos alimentos ou manter o seu pagamento.

A nova legislação alimentícia busca a dignidade da pessoa humana, pessoa

esta que é considerada desde a sua concepção, por isso os alimentos deverão ser pagos desde a concepção.

Após o nascimento, ocorrendo a ação de investigação de paternidade, feito

o exame de DNA, e ficar comprovado não ser o requerido, o pai biológico, este estará desobrigado da responsabilidade será descaracterizado o vínculo biológico e o cancelamento do registro, se já tiver sido providenciado, por constar nele uma inverdade jurídica.

Quando já estiver se estabelecido um vínculo socioafetivo, há entendimentos em

alguns tribunais que a comprovação da paternidade através de exame de DNA, não possui relevância, prevalecendo a verdade social, a biológica, por causa da existência desse vínculo. 3.7 Do ressarcimento

Por causa da natureza da obrigação e do princípio da irrepetibilidade dos alimentos, os valores que foram pagos, caso em que der negativo o referido exame, não serão desenvolvidos ao suposto pai, por garantir estes alimentos a sobrevivência do alimentado, prevalecendo a necessidade do ser que está em desenvolvimento ou após o nascimento do menor.

No entendimento de Dias: como os alimentos servem para garantir a vida e se

destinam à aquisição de bens de consumo para assegurar a sobrevivência é inimaginável pretender que sejam devolvidos. Esta verdade é tão evidente que até é difícil sustentá-lo. Não há como argumentar o obvio. Provavelmente por esta lógica

192

ser inquestionável é que o legislador sequer preocupou-se em inseri-la na lei. Daí que o princípio de irrepetibilidade é por todos aceito mesmo não constando ordenamento jurídico. (2007. p. 455 ).

A lei não traz possibilidade do apontado pai ser indenizado no caso de má fé, no

art. 10, tinha esta previsão, porém, foi vetado. Por esse ângulo o réu não teria a possibilidade de pedir indenização pelos prejuízos que sofreu. Por outro lado há entendimento que o réu poderá pleitear ação de indenização por danos materiais e morais, contra a mãe que entrou com ação de alimentos gravídicos, desde que seja comprovado que houve a má fé por parte dela.

Conforme argumento Truzzi: O código não compadece com a má fé (art. 110),

reprime o exercício abusivo de um direito (art. 187), pune a postura desleal (art. 422), mesmo que o negócio jurídico, em seu aspecto formal, esteja revestido das formalidades legais se uma das partes celebrar um contrato com reserva mental, este ato, mais que uma violação ao art. 110 do Código, contraria o princípio ético norteador das condutas humanas imposto pela nova lei. Essa mudança de postura principiológica do Código de 2002 é que nos conduz a repensar a irrepetibilidade dos alimentos, quando o alimentado houver agido com ato, má fé ou abuso de direito. (2009, p. 40).

A responsabilidade subjetiva elencada no art. 186 Código Civil deve ser aplicada

como regra geral, pois visa esta regra que ao ficar devidamente comprovada que a autora da ação agiu com dolo, vontade de causar o prejuízo, ou por culpa, negligência ou imperícia deverá a mesma indenizar o réu pelos prejuízos causados.

No que tange o dano moral, o mesmo está evidentemente caracterizado, só o fato

de ser alguém apontado como suposto pai de um ser que está para nascer, já traz vários constrangimentos e obrigações, inclusive ocorrendo mudanças nos planos da vida daquele que seria o pai, mas comprovadamente não é.

O dano material, bem como o dano moral, são perfeitamente cabíveis, sendo

uma forma de tentar reparar os danos e prejuízos causados ao direito de outrem e minimizar a dor e constrangimento de alguém que foi imposta uma obrigação que não era de sua responsabilidade.

No entendimento de Chali: por seus elementos o dano moral é caracterizado

“como a privação ou diminuição daqueles bens que tem um valor precípuo na vida do homem e que traz a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos. (1998, p. 20).

3.8 Foro competente O foro competente para propor ação de alimentos gravídicos é o

domicilio ou residência do alimentado, no caso a gestante. O art. 3º da nova legislação mencionava ser competente o foro do domicílio do suposto pai, foi vetado.

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Art. 100. É competente o foro: II – Do domicilio ou da residência do alimentando, para a ação em que se pedem alimentos. (BRASIL, 2009, p. 394).

3.9 Extinção dos alimentos

A extinção dos alimentos se dá após o nascimento, nos casos em que ficou comprovado não ser a paternidade daquele apontado como pai e obrigado a pagar pensão alimentícia, e automaticamente nos casos de aborto.

3.10 Alimentos gravídicos avoengos Alimentos avoengos são aqueles suportados pelos avós, quando o pai não

tem condições financeiras para cumprir com a obrigação, qual seja, de pagar alimentos aos filhos.

Essa obrigação é subsidiária e não solidária, pois, os avós só vão pagar a pensão alimentícia aos netos enquanto o pai estiver passando por dificuldades financeiras e não tiver condições de supri-las. Após cessar a incapacidade econômica do pai, ele voltará a cumprir com sua obrigação.

Na falta ou impedimento dos avós, serão chamados os parentes até o

segundo grau, sendo a responsabilidade também subsidiária, os mesmos só serão convocados se o pai devedor primitivo não tiver condições para pagar os referidos alimentos.

Vejamos os artigos 1.696 e 1.698 do CC: art. 1.696 CC,O direito à prestação de

alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em graus, uns em falta dos outros. (BRASIL, 2009, p. 282).

Art. 1.698 CC: se o parente deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em

condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato, sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas à integrar a lide. (BRASIL, 2009, p. 282).

É pacífico também na doutrina e jurisprudência, a pensão alimentícia

pleiteada aos avós na impossibilidade do pai em suportá-las. Vejamos o entendimento de Gonçalves: a ação deve ser dirigida primeiramente

contra o pai, para, na impossibilidade dele, serem chamados os avós. Não se exclui a possibilidade de a ação ser proposta contra o pai e o avô, se evidenciando que aquele não tem condições de arcar sozinho com a obrigação alimentar (...). Se, no entanto, o pai, comprovadamente, estiver ausente, ou, estando presente, não reunir condições para responder pela obrigação alimentar, a ação poderá, como dito, ser ajuizada somente contra os avós assumindo o autor o ônus de demonstrar a ausência ou absoluta

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incapacidade daquele. Somente se ficar demonstrado no curso do processo que o autor pode ser sustentado pelo genitor é que seus avós serão excluídos da lide. A ausência de prova inequívoca da incapacidade econômica do pai é matéria de mérito, devendo, pois, ser verificada durante a instrução do processo, e não ser indeferida a pretensão “initio litis” ou no despacho saneador. (2007, p. 492).

Embora a lei 11.804/08 não traz previsão para requerer pensão alimentícia dos

avós, nos casos em que o pai não pode suportá-las, será aplicada supletivamente o Código Civil em seus art. 1.696 e 1.698, pois o art. 11, da referida lei, prevê aplicação supletivamente de outros dispositivos.

Essa extensão de pleitear alimentos aos parentes tem como maior objetivo

resguardar a vida do “ser” que está se desenvolvendo, e o que interessa primeiramente são as necessidades do nascituro, pois por alguma deficiência alimentícia poderá levá-lo à morte.

3.11 Execução dos alimentos gravídicos A nova legislação não traz previsão para a execução desses alimentos,

sendo perfeitamente aplicado os arts. 732 e 733 do Código de Processo Civil.

CONCLUSÃO

O trabalho em pauta teve como escopo demonstrar que os alimentos gravídicos são importantes, pois correspondem à sobrevivência com o mínimo de dignidade ao credor, baseando-se em dois grandes princípios constitucionais: o primeiro protege e garante a vida e o outro assegura a liberdade do ser humano.

Os alimentos gravídicos visam garantir à gestante um auxílio financeiro,

para suprir as condições necessárias ao desenvolvimento do nascituro da concepção ao parto.

O magistrado, ao se convencer que há indícios de paternidade, fixará um

determinado valor a título de alimentos, observando, portanto, a necessidade da gestante e a possibilidade do suposto pai.

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