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UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA CURSO DE ENGENHARIA SANITÁRIA E AMBIENTAL SAÚDE AMBIENTAL 3ª Edição (http://gaesufjf.blogspot.com.br) Júlio César Teixeira Juiz de Fora 2014

SAÚDE AMBIENTAL - ufjf.br · Apostila utilizada no Curso de Engenharia Sanitária e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de Fora. Área de concentração: Saúde Ambiental

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DE JUIZ DE FORA CURSO DE ENGENHARIA SANITRIA E AMBIENTAL

    SADE AMBIENTAL

    3 Edio

    (http://gaesufjf.blogspot.com.br)

    Jlio Csar Teixeira

    Juiz de Fora

    2014

  • SADE AMBIENTAL

    3 Edio

    Jlio Csar Teixeira

  • SADE AMBIENTAL

    Apostila utilizada no Curso de Engenharia Sanitria

    e Ambiental da Universidade Federal de Juiz de

    Fora.

    rea de concentrao: Sade Ambiental.

    Linha de pesquisa: Impacto das condies do

    ambiente sobre a sade.

    Prof. Dr. Jlio Csar Teixeira.

    Juiz de Fora

    Faculdade de Engenharia da UFJF

    2014

  • 4

    SUMRIO:

    1. Sade Ambiental ....................................................................................... 5

    2. Conceitos Bsicos de Epidemiologia ......................................................... 16

    3. Modelos Sade-Doena ............................................................................ 20

    4. Conceito de Causa e de Fator de Risco ..................................................... 27

    5. Indicadores Epidemiolgicos .................................................................... 37

    6. Desenhos de Pesquisa em Epidemiologia ................................................ 45

    7. Medidas de Associao ............................................................................ 53

    8. Saneamento Bsico e Sade Pblica ........................................................ 59

    9. Meio Ambiente e Sade Pblica ............................................................... 83

    10. Referncias Bibliogrficas ........................................................................ 104

  • 5

    1 SADE AMBIENTAL

    1.1 Aspectos histricos e conceituais

    A partir de 1972, na primeira conferncia da ONU sobre o meio ambiente, as questes

    ambientais foram aladas a merecedoras de preocupao e interveno dos estados

    nacionais e de articulao internacional. Desde ento, assiste-se a um processo de

    tomada de conscincia gradual e global o uso predatrio dos recursos naturais pode

    inviabilizar a vida no planeta.

    Neste processo, ganham visibilidade questes relacionadas pobreza, aos custos do uso

    racional dos recursos naturais, do desenvolvimento de novas tecnologias no poluentes e

    poupadoras desses recursos. Ganham relevo as disparidades entre pases desenvolvidos e

    subdesenvolvidos.

    A Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada

    em 1992, no Rio de Janeiro, consolidou na Declarao do Rio sobre o Meio Ambiente e

    o Desenvolvimento (CNUMAD, 1992) alguns pontos importantes j apontados em

    1972:

    a) o da sobrevivncia do planeta. Assim sendo, todos os pases so atingidos

    indistintamente. A responsabilidade de proteger o planeta para as geraes

    futuras , portanto, de todos, guardado o respeito equidade como princpio de

    justia fundamental na distribuio dos nus da mudana de rumo do

    desenvolvimento em direo proteo ambiental;

    b) os seres humanos ocupam o centro das preocupaes o que coloca a sade

    humana no centro das preocupaes articulada ao ambiente e ao

    desenvolvimento;

    c) o desenvolvimento sustentvel almeja garantir o direito a uma vida saudvel e

    produtiva em harmonia com a natureza para as geraes presentes e futuras.

    assegurada a autonomia dos estados nacionais - em termos de liberdade e

    responsabilidade - na promoo do desenvolvimento econmico. O desenvolvimento

    deve responder equitativamente s necessidades de desenvolvimento humano e

    preservao ambiental para as geraes presentes e futuras, o que introduz, de forma

  • 6

    inequvoca, a associao entre o desenvolvimento econmico, a proteo do meio

    ambiente, a preservao da sade e a promoo do bem-estar social de forma sustentvel,

    ao longo de geraes.

    A Rio-92 foi um marco onde foi aprovada a Agenda 21 (CNUMAD, 1997), documento

    que estabelece uma srie de orientaes para integrao, no mbito mundial, das aes

    articuladas para o desenvolvimento sustentvel visando sade humana e proteo do

    meio ambiente.

    A partir da Rio-92, a Organizao Pan-Americana de Sade iniciou os preparativos para

    a Conferncia Pan-Americana sobre Sade, Ambiente e Desenvolvimento (OPAS/OMS,

    1995), tendo em vista elaborar um plano regional de ao no contexto do

    desenvolvimento sustentvel, articulando os planos nacionais a serem elaborados pelos

    diversos pases e apresentados na Conferncia, que se realizou em outubro de 1995.

    O Brasil elaborou seu Plano Nacional de Sade e Ambiente no Desenvolvimento

    Sustentvel Diretrizes para Implantao (MINISTRIO DA SADE, 1995). Dividido

    em duas partes, o documento inicialmente fez um diagnstico da situao de sade e da

    situao ambiental do pas e nele so expressas a gravidade e a complexidade do quadro

    epidemiolgico em que as doenas da pobreza se misturam s do desenvolvimento,

    situao de extrema pobreza de parcelas significativas da populao e a um quadro de

    grande degradao ambiental. Na segunda parte, as diretrizes, em linhas gerais,

    apontaram para a necessidade de articulao de vrios setores (sade, educao,

    saneamento, meio ambiente, trabalho, economia, etc.) e de vrias instncias (federal,

    estadual e municipal) de governo; alm de contar com a participao da populao sem a

    qual no h controle social sobre o uso dos recursos e o desenvolvimento no ser

    sustentvel.

    a gesto democrtica e tica do espao urbano e rural que poder garantir a

    sustentabilidade de qualquer modelo de desenvolvimento. A ideia de sustentabilidade

    vincula-se justia social como equidade, distribuio equitativa de recursos e bens, o

    que impe a necessidade de aes para mitigar a pobreza, a fome e a desnutrio,

    necessrias para que haja vida saudvel para a humanidade no presente e, ao longo do

    tempo, para as futuras geraes (ONU, 2012).

  • 7

    Tal idia s se sustenta, na prtica, com a compreenso de que todos os grupos sociais,

    os mais diversos e legtimos, muitos com interesses contraditrios entre si, podem se

    reunir em torno de um objetivo comum: a qualidade de vida da humanidade. Em torno

    desse objetivo, possvel construir metas e programas que tero que ser negociados nos

    espaos democrticos, garantida a incluso de todos os grupos de interesses. Nesta

    perspectiva, a condio para que possa haver perspectiva de incluso de grupos excludos

    das decises de governo, a populao, que haja informao disponvel para todos.

    No se pode falar em integrao de setores, de participao da comunidade ou de

    programa de vigilncia sanitria e ambiental sem a matria-prima bsica que a

    informao de sade. E a disciplina que mais nos oferece meios para produzir as

    informaes acerca da sade da populao, em quantidade e qualidade, a

    Epidemiologia. No mbito da implantao de um sistema de vigilncia ambiental em

    sade, a Epidemiologia Ambiental tem uma capital importncia (CMARA, 2002).

    Nesse contexto, constituda de prticas sociais historicamente delineadas, a

    Epidemiologia se apresenta como instrumento capaz de auxiliar a tomada de decises em

    todas as esferas e pelos grupos de interesses envolvidos nas questes de sade e

    ambiente.

    A prtica da sade ambiental compreende uma ampla gama de disciplinas que estudam o

    impacto do ambiente sobre a sade das populaes e que executam aes de preveno e

    controle para reduzir ou eliminar este impacto.

    O campo do conhecimento no qual se situa a questo das relaes sade e ambiente

    multidisciplinar e comporta uma infinidade de abordagens e articulaes

    interdisciplinares. Nesse sentido, convm explicitar alguns conceitos e noes que

    orientam esse campo. Compreende-se que o ambiente produzido por processos

    conduzidos pela sociedade por meio das tecnologias e tcnicas com as quais os seres

    humanos interagem com a natureza. So esses ambientes que podem configurar situaes

    de risco para a sade e qualidade de vida dos seres humanos (TAMBELLINI, 1996).

    O modelo conceitual, que se pretende adotar, baseia-se no entendimento de que as

    questes relacionadas s relaes entre sade e ambiente devem ser pensadas como

  • 8

    integrantes de sistemas complexos. Um problema de sade, uma epidemia de diarreia em

    uma determinada populao, ou uma situao de risco ambiental para a sade humana,

    como um depsito de resduos txicos em rea urbana, s podem ser tratados

    adequadamente se considerarmos os sistemas complexos que os contm. Pensar

    complexo antes de tudo diferenciar e juntar, complexus significa o que tecido junto

    (MORIN, 1999). Pensar complexo se ope forma tradicional de conhecimento que

    separa e reduz. Em sade ambiental, no importa que problema tome-se como exemplo;

    se a tentativa for de reduzir o problema ao mbito de uma disciplina, certamente no se

    encontrar possibilidade de gerar conhecimento que auxilie a interveno.

    Pensar na complexidade das situaes ambientais ou problemas de sade a elas

    relacionados significa pensar nos indivduos que se articulam entre si dinamicamente

    criando situaes que vo construindo, com seu movimento prprio a sua prpria

    histria. A compreenso desse movimento o que permite uma interveno eficaz em

    situaes de risco.

    Tome-se como exemplo a diarreia. Em um determinado momento h um aumento do

    nmero de casos de diarreia em uma dada comunidade. Quais podem ser os elementos

    componentes da situao? A contaminao da populao devido ao rompimento da rede

    de esgotos e a desnutrio crnica favorecendo o aparecimento e a gravidade da diarreia

    so fatores em uma comunidade que tem uma situao socioeconmica desfavorvel,

    grau de escolaridade baixo que favorece a falta de informao sobre higiene pessoal e

    formas de proteo sade. A comunidade que se instalou nesse lugar, recentemente

    atrada por uma indstria que se instalou nas proximidades, so famlias que vm todas

    de um mesmo lugar e tm uma histria de lutas, uma capacidade de mobilizao e

    solidariedade intensas, o que pode favorecer o encontro de solues. Assim, poder-se-ia

    ir longe num exerccio de encontrar todos os elementos que, no conjunto, nos

    possibilitam compreender essa situao da diarreia na comunidade hipottica e ainda

    identificar reas de interveno (CMARA, 2002).

    Note que cada um dos elementos se articula com os demais e o conjunto deve ser

    pensado em permanente movimento. Assim como nesse exemplo pensou-se na

    construo de um sistema com elementos locais, no mbito da comunidade, pode-se

    pensar em crescente organizao da instncia local, da municipal, da estadual, da

  • 9

    nacional. Cada uma dessas instncias encontra-se em profunda articulao com as

    demais. Voltando comunidade hipottica, ela est localizada em um municpio com

    uma tradio rural e a primeira fbrica a ser instalada. Os poderes executivo e

    legislativo locais aplaudem a iniciativa que abrir novos empregos e recursos para o

    municpio. Na instncia estadual, observa-se grande disparidade entre as regies com

    uma distribuio de recursos bastante concentrada em poucos municpios da regio

    metropolitana. Na instncia nacional, a disparidade ainda se intensifica e no mbito

    planetrio observa-se uma diviso da produo em que nos pases perifricos so

    instaladas as indstrias que mais poluem numa clara explorao da vulnerabilidade

    desses pases, conferida pela situao de misria absoluta de parcelas significativas de

    suas populaes (CMARA, 2002).

    Cada uma dessas instncias pode ser pensada como sistemas cujos elementos interagem

    entre si e com o problema de sade ou a situao de risco ambiental que se quer

    enfrentar. Tais elementos, componentes dos sistemas, podem ser hierarquizados,

    conforme a proximidade, a viabilidade e o grau de influncia sobre o problema que

    estiver sendo focalizando. Na comunidade hipottica, em curto prazo, pode no ser

    vivel uma alterao significativa do grau socioeconmico, mas pode ser possvel

    consertar a rede de coleta de esgotos, conseguir recursos para oferecer escola e merenda

    de qualidade para as crianas diminuindo o grau de desnutrio.

    Quando pensa-se na contribuio da Epidemiologia, tem-se que considerar essa

    compreenso da articulao entre produo-ambiente-sade com toda sua

    complexidade. Quando citou-se Morin (1999) para criticar a reduo operada pelas

    disciplinas, procurou-se chamar a ateno para o fato de que o objeto da sade

    ambiental as relaes entre sade e ambiente no redutvel a uma disciplina.

    Assim, coloca-se a necessidade de utilizao de todo o conhecimento que a

    Epidemiologia tem gerado para enriquecer o conhecimento e o poder de interveno no

    campo das relaes entre sade e ambiente.

  • 10

    1.2 Epidemiologia: aspectos histricos e conceituais

    Desde o sculo XVI, encontram-se referncias de estudos que procuram correlacionar

    condies ambientais sade, mas com a Revoluo Francesa que a preocupao com

    a sade das populaes ganha maior expresso e passa a ser objeto de interveno do

    estado. Entre os marcos da histria da sade coletiva esto o surgimento da medicina

    urbana na Frana de 1789 (isolamento de reas miasmticas: os hospitais e cemitrios),

    a criao da polcia mdica na Alemanha (regras de higiene individual para controle das

    doenas), os estudos de Alexandre Louis de morbidade na Inglaterra, e nos Estados

    Unidos, o surgimento da Medicina Social designando, de uma forma genrica, modos

    de tomar coletivamente a questo da sade (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL,

    2006).

    O estudo de John Snow, realizado na cidade de Londres em 1854, referncia

    obrigatria na histria da Epidemiologia. John Snow, que estudou algumas epidemias

    de clera, tido como o pai da Epidemiologia com a utilizao de um mtodo indutivo

    associado ao estudo da epidemia. Segundo Rojas (1978), a linha de raciocnio de Snow

    ilustra o mtodo epidemiolgico que ento nascia. Nesse estudo, ele pde associar a

    mortalidade por clera ao abastecimento de gua, e formular uma hiptese de que

    microrganismos presentes na gua seriam responsveis pela doena. Com esse estudo,

    Snow pde construir o mecanismo de transmisso da doena mesmo antes da

    descoberta do bacilo do clera.

    A descoberta dos microrganismos, por Louis Pasteur, imprimiu um grande impacto s

    pretenses de desenvolvimento da Epidemiologia, atrelando-a s cincias bsicas da

    rea mdica, retardando sua constituio como disciplina autnoma e afastando-a da

    perspectiva ambiental com a qual ela nasceu. O termo Epidemiologia foi inicialmente

    atribudo ao estudo descritivo das epidemias. Mais tarde, o raciocnio estatstico

    introduzido nas investigaes epidemiolgicas e o objeto da Epidemiologia passou a ser

    cada vez mais diversificado, expandindo seus limites para alm das doenas infecciosas

    (CMARA, 2002).

    O declnio da hegemonia da medicina cientfica a partir da dcada de 1930 possibilitou

    o ressurgimento do social como determinante de doenas. A Epidemiologia se

  • 11

    desenvolveu como disciplina, destinada ao estudo dos processos patolgicos na

    sociedade.

    Na dcada de 1950 assistiu-se a uma consolidao da disciplina com aperfeioamento

    dos desenhos de pesquisa, estabelecimento de regras bsicas da anlise epidemiolgica,

    fixao de indicadores tpicos (incidncia e prevalncia), conceito de risco,

    desenvolvimento de tcnicas de identificao de casos e identificao dos principais

    tipos de bias.

    Na dcada de 1960, com a introduo da computao, as perspectivas da Epidemiologia

    se ampliaram e foram introduzidas anlises multivariadas no controle das variveis

    confundidoras e a possibilidade de trabalhar com grandes bancos de dados. Os modelos

    matemticos surgem na dcada de 1970, com uma aproximao com a Matemtica.

    Com as transformaes que a Epidemiologia vem sofrendo ao longo de sua histria, o

    modelo bsico de anlise epidemiolgica mantm-se baseado no modelo etiolgico. O

    que se busca colocar em evidncia uma associao entre varivel independente e

    fenmeno de sade. Inicialmente buscavam-se relaes causais entre varivel

    independente e sade (CMARA, 2002).

    Atualmente, a Epidemiologia definida como a cincia que estuda a distribuio e os

    determinantes dos problemas de sade (e fenmenos e processos associados) em

    populaes humanas. A Epidemiologia constitui uma cincia bsica da sade coletiva

    (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).

    Num processo de adaptao e incorporao de novos objetos, das doenas com as quais

    se podia determinar uma causa (para haver doena era preciso que um microrganismo

    estivesse presente), a Epidemiologia passa a se ocupar tambm das doenas no

    infecciosas determinadas por uma rede de fatores causais. Os fatores de risco so

    propostos como determinantes de doena (GOLDBERG, 1990). Com a aplicao desses

    conceitos ao campo da sade ambiental, so desenvolvidos estudos que procuram

    associar fatores de risco ambientais e doenas, estudando fatores de risco segundo

    exposies variadas.

  • 12

    1.3 Epidemiologia Ambiental

    Com a preocupao com o esgotamento dos recursos naturais, e a consolidao da

    compreenso do papel central dos processos produtivos como fontes de risco para o

    ambiente e, consequentemente, para a sade humana, a Epidemiologia vem contribuir

    para tornar evidente a relao entre ambiente e agravos sade. Oferece tanto a

    possibilidade de calcular riscos pela exposio a determinadas condies ambientais

    como tambm a implantao de programas de interveno e reduo de riscos, tais

    como sistemas de vigilncia epidemiolgica, monitoramento ambiental, por exemplo.

    Essa aplicao dos conceitos e teorias construdos no interior da disciplina

    Epidemiologia s questes de sade ambiental levantaram alguns desafios, como

    analisados a seguir, que caracterizam a Epidemiologia Ambiental.

    1.3.1 A especificidade do objeto

    Os processos produtivos compreendem atividades que incluem a extrao das matrias-

    primas, sua transformao em produtos, o consumo destes produtos e, finalmente, o seu

    destino final sob a forma de resduos. Em todas essas atividades so geradas situaes

    de risco, tanto para os trabalhadores, quanto para a populao em geral.

    O progresso tecnolgico, se por um lado aliviou grande parte da sobrecarga dos

    trabalhadores e, em certa medida, os protegeu do esforo observado nos primrdios da

    industrializao, por outro tem acrescentado novos riscos no s queles que trabalham

    nas indstrias, mas a toda a populao.

    Uma infinidade de substncias qumicas novas so lanadas a cada ano nos diversos

    processos de trabalho. A cada nova formulao se alteram as consequncias sobre a

    sade humana. A velocidade com que so introduzidas novas substncias qumicas no

    mercado no acompanhada pelo conhecimento de sua toxicidade. Mesmo se tratando

    de substncias tradicionais, somente uma pequena parcela se encontra suficientemente

    estudada. Acrescente-se o fato de que os efeitos crnicos de baixa dose so praticamente

    desconhecidos para a maioria das substncias. Esses so motivos que fazem com que as

    fontes de risco de origem qumica adquiram importncia crucial para avaliao e

    interveno e desafiam a Epidemiologia Ambiental a dar respostas (CMARA, 2002).

  • 13

    Pode-se considerar os agentes biolgicos e a contaminao da gua para consumo

    humano, ou ainda, as condies ambientais que favorecem a proliferao de vetores.

    So todas questes ambientais que trazem srios impactos sobre a sade humana, a

    reivindicar uma abordagem diferenciada e especfica, a Epidemiologia Ambiental.

    1.3.2 A interdisciplinariedade

    Uma primeira questo metodolgica a ser observada na realizao de estudos sobre

    riscos ambientais que esta abordagem deve ser necessariamente multidisciplinar e

    conduzida por equipes multiprofissionais. Quando se apresentou os aspectos

    conceituais, centrou-se a ateno na complexidade dos problemas de sade relacionados

    ao ambiente. Seja um exemplo de aplicao do pensar complexo a um estudo

    epidemiolgico na rea de sade ambiental.

    Foi realizado um estudo para avaliar a exposio e efeitos causados pelas emisses

    atmosfricas de mercrio metlico provenientes de lojas que comercializam ouro na

    populao residente e no ocupacionalmente exposta do Municpio de Pocon, Estado

    do Mato Grosso (CMARA et al., 2000). No processo de extrao do ouro da natureza,

    a formao de amlgama com o mercrio metlico uma etapa essencial.

    Posteriormente este amlgama queimado, purificando o ouro e liberando mercrio

    para a atmosfera, que se deposita no ambiente. O ouro produzido no garimpo ainda

    contm cerca de 3% a 5% de mercrio em sua composio, e por este motivo, nas lojas

    onde comercializado, requeimado, possibilitando a exposio ao mercrio para os

    trabalhadores das lojas e, por emisso pelas chamins, tambm para a populao

    residente.

    importante salientar a contribuio de diversos campos do conhecimento nas diversas

    fases do estudo, desde o desenho anlise e discusso dos resultados: a meteorologia

    indicou a direo dos ventos necessria para o desenho do plano amostral; a engenharia

    ambiental a distncia de at 400 metros a partir das lojas como de maior risco para

    depsito de mercrio no solo; a nutrio, o padro diettico para afastar a possibilidade

    da exposio ser em virtude da ingesto de peixes poludos por metil-mercrio; a

    ictiologia na seleo dos peixes para dosagem de metil-mercrio; a odontologia para

  • 14

    minimizar a possvel influncia do nmero de amlgamas dentrias nos resultados, entre

    outros. Na medicina, por exemplo, foi necessria assessoria de clnico geral,

    neurologista, nefrologista e pediatra na elaborao do questionrio para avaliao dos

    sintomas e queixas, bem como no roteiro do exame clnico. Esse exemplo mostra a

    complexidade das situaes que envolvem sade e meio ambiente e a necessidade de

    uma ampla articulao interdisciplinar no processo de gerao de conhecimento.

    1.3.3 A complexidade das situaes de risco

    A complexidade das situaes de risco se reflete na especificidade metodolgica dos

    estudos nessa rea, particularmente no que se refere s variveis a serem estudadas. De

    forma mais sistemtica, pode-se reconstruir as situaes que envolvem as relaes sade

    e ambiente a partir dos elementos que as compem classificando-os em variveis

    relacionadas com o poluente, o ambiente, a populao exposta e a infraestrutura dos

    setores de sade e de saneamento.

    Quanto ao poluente, elevado o nmero de variveis que devem ser levadas em

    considerao no desenho e desenvolvimento dos estudos e pode-se incluir: tipo, fonte,

    concentrao, poder de volatilizao, odor, local, disperso, padro de ocorrncia,

    estado fsico, cintica ambiental, disperso, tipo de solubilidade, transformao

    (biodegradabilidade, sedimentao, ao de microrganismos, adsoro a partculas,

    interao com outras substncias), persistncia ambiental, vias de absoro,

    distribuio, biotransformao (oxidao, reduo, hidrlise, acetilao, metilao,

    conjugao), acumulao, tempo de latncia, vias de eliminao, tipos de efeitos

    adversos, entre outros.

    Ainda sobre os poluentes, qualquer avaliao de risco deve levar em conta o melhor

    local para a coleta das amostras para anlise. Neste caso, a frequncia de sua ocorrncia,

    sua cintica ambiental, a persistncia no ambiente, a capacidade de biotransformao, as

    vias de penetrao no organismo so aspectos importantes para esta coleta.

    No que diz respeito s caractersticas do ambiente no qual o poluente est presente,

    destacam-se aquelas variveis que se referem s condies hidrolgicas, geolgicas,

    topogrficas e meteorolgicas, tais como: aspectos fsico-qumicos dos compartimentos

  • 15

    ambientais, temperatura, ventos, umidade, permeabilidade dos solos, drenagem,

    concentrao populacional, vegetao, guas superficiais e profundas, etc.

    Como exemplos pode-se citar: a importncia dos ventos na disperso dos poluentes; a

    possibilidade de diminuio da exposio por via respiratria de substncias como a

    slica livre em ambientes umidificados; as caractersticas das condies topogrficas

    para contaminao de lenis freticos; e o papel do pH para a ocorrncia ou no de

    metilao de compostos de mercrio.

    Quanto s variveis de interesse relativas populao exposta deve-se levar em

    considerao, entre outras, sexo, idade, susceptibilidade individual, grupos especiais,

    estado nutricional, raa, escolaridade, caractersticas socioeconmicas, ocupao,

    padres de consumo, hbitos e doenas pr-existentes. Uma pessoa que apresenta um

    bom padro de condies de vida, boa alimentao e acesso a informaes ter um risco

    menor de exposio para muitos fatores adversos do ambiente para a sade e que so

    caractersticos de reas de baixa situao socioeconmica.

    Alm disso, existem grupos especiais de maior risco como, por exemplo, crianas e

    adolescentes, por estarem em fase de desenvolvimento fsico, idosos pela diminuio da

    resistncia orgnica e, especialmente, gestantes, uma vez que um grande nmero de

    substncias qumicas podem atravessar a barreira placentria e causar leses congnitas.

    Do mesmo modo, deve-se dar prioridade na proteo das mulheres em perodo de

    amamentao, visto que uma grande quantidade de substncias perigosas pode ser

    eliminada do organismo pelo leite materno.

    Por fim, deve-se levar em considerao as variveis relacionadas infraestrutura dos

    setores de sade e de saneamento necessria para a o desenvolvimento de qualquer

    avaliao de risco, e que incluem, entre outros, recursos humanos, equipamentos, apoio

    laboratorial, programas de preveno e controle, programas de reabilitao, seguridade

    social, etc.

    Como pode ser observado, a equipe de pesquisa interessada em avaliar risco em sade

    ambiental dever contar com a participao de profissionais de diversas origens, desde o

    desenho do estudo s recomendaes visando proteo da sade.

  • 16

    2 CONCEITOS BSICOS DE EPIDEMIOLOGIA

    2.1 Epidemiologia

    Epi = em cima de, sobre

    dems = povo Cincia do que ocorre sobre o povo.

    logos = estudo

    "Epidemiologia o estudo da frequncia, da distribuio e dos determinantes dos

    estados ou eventos relacionados sade em especficas populaes e a aplicao desses

    estudos no controle dos problemas de sade" (LAST, 2000).

    A epidemiologia constitui uma cincia bsica da sade coletiva voltada para a

    compreenso do processo sade-doena no mbito de populaes, aspecto que a

    diferencia da prtica clnica da medicina, que tem por objetivo o estudo desse mesmo

    processo, mas em termos individuais (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).

    2.2 Agente etiolgico infeccioso

    o microrganismo que provoca uma doena infecciosa. Os principais grupos de

    microrganismos que podem provocar doenas no homem so os vrus, as bactrias, os

    protozorios e os helmintos (vermes).

    2.3 Distribuio geogrfica

    a regio - pas, estado, cidade, distrito, bairro - onde uma doena ou um agente

    infeccioso ocorre.

    2.4 Reservatrio

    Entende-se por reservatrio o habitat de um agente infeccioso, no qual este vive, cresce

    e se multiplica. Podem comportar-se como reservatrio:

    o homem;

    os animais;

    o meio ambiente.

  • 17

    2.5 Patogenicidade

    a capacidade do agente infeccioso, uma vez instalado no organismo do homem ou de

    outros animais, produzir sinais e sintomas em maior ou menor proporo entre os

    hospedeiros infectados.

    2.6 Vias de transmisso de doenas

    So as vias pelas quais o agente etiolgico passa do reservatrio para uma pessoa sadia.

    As principais vias de transmisso de doenas so a gua, alimentos, esgoto, lixo,

    enchentes, poeira, insetos, perdigoto (gotculas de tosse ou espirro), uso compartilhado

    de seringas, sexo desprotegido. O saneamento bsico promove a preveno de doenas

    por meio da interrupo das vias de transmisso de doenas.

    2.7 Vias de penetrao

    So as vias pelas quais o agente etiolgico penetra em um indivduo saudvel. As

    principais vias de penetrao so a boca, as narinas, a pele e os rgos genitais.

    2.8 Endemias

    uma doena localizada em um espao limitado denominado faixa endmica. Isso quer

    dizer que endemia uma doena que se manifesta apenas numa determinada regio, de

    causa local.

    A ttulo de exemplo, pode ser citada a febre amarela na Amaznia. No perodo de

    infestao da doena, as pessoas que viajam para a regio precisam ser vacinadas.

    Outro exemplo: Juiz de Fora teve 30 novos casos de Aids por ano a cada cem mil

    habitantes, segundo dados do Ministrio da Sade (2010).

    2.9 Epidemias

    uma doena infecciosa e transmissvel que ocorre numa comunidade ou regio e pode

    se espalhar rapidamente entre as pessoas de outras regies, originando um surto

    epidmico. Isso poder ocorrer por causa de um desequilbrio (mutao) do agente

    transmissor da doena ou pelo surgimento de um novo agente (desconhecido).

  • 18

    Em 2010, houve uma epidemia de dengue na cidade de Juiz de Fora: 9.441 pessoas

    tiveram dengue e 17 morreram (MINISTRIO DA SADE, 2010).

    2.10 Pandemias

    A pandemia uma epidemia que atinge grandes propores, podendo se espalhar por

    um ou mais continentes ou por todo o mundo, causando inmeras mortes ou destruindo

    cidades e regies inteiras.

    Quando uma epidemia se alastra de forma desequilibrada se espalhando pelos

    continentes, ou pelo mundo, ela considerada uma pandemia.

    O vrus A (H1N1) da gripe aviria, que teve origem comum - suna, aviria e humana,

    determinou a primeira pandemia de gripe do sculo XXI.

    2.11 Hospedeiro

    Hospedeiro um organismo que abriga outro organismo em seu interior ou o carrega

    sobre si, seja este um parasita, um comensal ou um mutualista.

    2.11.1 Hospedeiro definitivo

    Hospedeiro definitivo o que apresenta o organismo em fase de maturidade ou em fase

    de atividade sexual.

    2.11.2 Hospedeiro intermedirio

    Hospedeiro intermedirio o que apresenta o organismo em fase larvria ou em fase

    assexuada.

    2.12 Profilaxia ou medidas de preveno das doenas

    um conjunto de medidas que tem por finalidade prevenir ou atenuar as doenas, suas

    complicaes e consequncias. Quando a profilaxia est baseada no emprego de

    medicamentos, trata-se da quimioprofilaxia. Entretanto, as medidas profilticas s sero

    eficientes quando se conhecer a epidemiologia da doena, isto , os fatores responsveis

    pela existncia da doena

  • 19

    2.13 Perodo de incubao

    o perodo de tempo entre a penetrao do agente etiolgico no organismo at o

    aparecimento dos primeiros sinais e sintomas clnicos da doena.

    2.14 Zoonoses

    Doenas que pode ocorrer tanto em seres humanos como em animais, isto , o agente

    infeccioso pode passar do ser humano para os animais ou vice-versa.

    2.15 Sade Ambiental

    "Sade ambiental so todos aqueles aspectos da sade humana, incluindo a qualidade de

    vida, que esto determinados por fatores fsicos, qumicos, biolgicos, sociais e

    psicolgicos no meio ambiente. Tambm se refere teoria e prtica de valorar, corrigir,

    controlar e evitar aqueles fatores do meio ambiente que, potencialmente, possam

    prejudicar a sade de geraes atuais e futuras" (WHO, 1993).

    O grande nmero de fatores ambientais que podem afetar a sade humana um

    indicativo da complexidade das interaes existentes e da amplitude das aes

    necessrias para melhorar os fatores ambientais determinantes da sade. Porm, os

    programas de melhorias no ambiente tm aes bastante diferenciadas daquelas da

    ateno mdica, ainda que no possam estar desvinculadas delas (RIBEIRO, 2004).

    Atualmente, os aspectos ambientais chamam a ateno de diferentes cincias, tanto das

    reas biolgicas quanto das cincias da natureza e das cincias exatas. Glacken (1967)

    sintetizou essas preocupaes em trs perguntas, que tm tido destaque na histria

    humana:

    1. Qual o sentido da criao humana e qual o sentido da concepo da terra? A

    terra foi criada para o ser humano?

    2. Qual a influncia do entorno meio ambiente nas caractersticas do ser

    humano e das sociedades?

    3. Como os seres humanos vm transformando a terra?

    A primeira questo objeto das religies. A segunda e a terceira questo sero

    discutidas ao longo deste curso.

  • 20

    3 MODELOS SADE-DOENA

    3.1 Introduo

    Neste captulo, vamos abordar os principais modelos de sade-doena que tm

    orientado a epidemiologia.

    Em primeiro lugar, veremos o modelo biomdico que um modelo que considera a

    doena como resultante da agresso de um agente etiolgico a um organismo. um

    modelo eficaz para a explicao das doenas infecciosas e parasitrias.

    Em segundo lugar, estudaremos um modelo de grande importncia histrica para a

    epidemiologia, denominado Histria Natural das Doenas ou modelo processual. Este

    modelo incorpora o conceito de fator de risco para a produo de conhecimento de

    medidas de preveno, especialmente importante para as doenas crnicas no

    transmissveis.

    Discutiremos, ainda, um modelo de sade-doena denominado modelo sistmico que

    combina fatores ambientais com uma perspectiva sistmica, fornecendo um conjunto

    para a compreenso de sistemas epidemiolgicos concretos.

    Por ltimo, apresentam-se algumas contribuies das cincias humanas para a sade

    ambiental que, a partir da crtica de outros modelos, constituram modelos de sade-

    doena valorizando elementos psicossociais e culturais.

    3.2 Modelo Biomdico

    Conceito Biomdico doena um desajustamento ou falha nos mecanismos de

    adaptao do organismo ou uma ausncia de reao aos estmulos a cuja ao est

    exposto, segundo Jnicek e Clroux (1982).

    O conceito biomdico se aplica a organismos de todas as espcies e por isso deve ser

    analisado em termos biolgicos.

  • 21

    Segundo a Organizao Panamericana de Sade (OPAS/OMS, 1992), doena infecciosa

    a doena do homem ou dos animais que resulta de uma infeco.

    O modelo biomdico de patologia foi desenvolvido privilegiando-se as doenas

    infecciosas (BARRETO, 1998). Neste modelo, as doenas no infecciosas so tratadas

    por excluso.

    O conceito de doena no modelo biomdico abordado a partir de duas perspectivas

    Tabela 3.1:

    Etiologia Valoriza o mecanismo causador das doenas:

    infecciosas;

    no-infecciosas.

    Durao Privilegia uma abordagem teraputica de sinais e sintomas:

    agudas;

    crnicas.

    Tabela 3.1 - Exemplo de classificao de doenas quanto durao e etiologia

    Fonte: ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL (2006)

    Nas doenas infecciosas, o agente etiolgico um ser vivo, correntemente chamado de

    patgeno - gerador de doena. D-se o nome de infeco penetrao e ao

    desenvolvimento ou multiplicao de um patgeno no organismo de uma pessoa ou

    animal.

    Patgeno: o agente etiolgico um ser vivo.

  • 22

    Infeco: penetrao e desenvolvimento ou multiplicao de um

    patgeno no organismo.

    Doena transmissvel: causada por agente infeccioso especfico

    que se manifesta pela transmisso de uma pessoa ou animal

    infectados ou de um reservatrio a um hospedeiro suscetvel

    (OPAS/OMS, 1976).

    Doena contagiosa: causada atravs de contato direto com

    indivduos infectados.

    As doenas no-infecciosas so aquelas que no se relacionam com a invaso do

    organismo por seres vivos parasitrios.

    Agentes etiolgicos de natureza inanimada. Exemplos: radiaes,

    poluentes atmosfricos, lcool, fumo, drogas, etc.

    A maioria das doenas no-infecciosas so doenas crnicas.

    Doenas no-infecciosas agudas so os acidentes, envenenamentos,

    mortes violentas, etc.

    A suscetibilidade individual implica em geral uma gradao.

    Perodo de latncia para doenas no-infecciosas crnicas , em geral,

    longo.

    3.3 Modelo Processual ou Histria Natural das Doenas

    Modelo Processual ou Histria Natural das Doenas o nome dado ao conjunto de

    processos interativos compreendendo as interrelaes do agente etiolgico, do

    suscetvel e do meio ambiente que afetam o processo global e seu desenvolvimento,

    desde as primeiras foras que criam o estmulo patolgico no meio ambiente, ou em

  • 23

    qualquer outro lugar, passando pela resposta do homem ao estmulo, at as alteraes

    que levam a um doena, invalidez, recuperao ou morte (LEAVELL e CLARK, 1976).

    Neste modelo, considera-se a evoluo dos processos patolgicos em dois perodos

    consecutivos que se articulam e se complementam, a saber, perodo pr-patognese e

    perodo de patognese.

    3.3.1 Pr-patognese:

    As manifestaes patolgicas ainda no se manifestaram.

    Agentes:

    fsicos;

    qumicos;

    biolgicos;

    nutricionais;

    genticos.

    Determinantes:

    econmicos;

    culturais;

    ambientais;

    biolgicos;

    psicossociais.

    3.3.2 Patognese:

    Os processos patolgicos j esto ativos.

    Quatro nveis de evoluo da doena:

    interao agente-sujeito;

    alteraes bioqumicas, histolgicas e fisiolgicas;

    sinais e sintomas;

    cronicidade.

  • 24

    Para Almeida e Rouquayrol (2006), o Modelo Processual ou Histria Natural das

    Doenas representa um grande avano em relao ao modelo biomdico, na medida em

    que reconhece que sade-doena implica um processo de mltiplas e complexas

    determinaes.

    3.4 Modelo Sistmico

    Sistema:

    um conjunto de elementos, de tal forma relacionados, que uma

    mudana no estado de qualquer elemento provoca mudana no estado

    dos demais elementos (ROBERTS, 1978 apud ALMEIDA FILHO e

    ROUQUAYROL, 2006).

    O Modelo Sistmico remete noo de ecossistema.

    Sistema Epidemiolgico:

    Conjunto formado por agente patognico, suscetvel e pelo ambiente,

    dotado de uma organizao interna que regula as interaes

    determinantes da produo da doena, juntamente com os fatores

    vinculados a cada um dos elementos do sistema (ALMEIDA FILHO e

    ROUQUAYROL, 2006).

    Qualquer que seja o caso, a ecloso de uma epidemia est relacionada a

    quebra no equilbrio no ecossistema que implica em modificaes

    quantitativas ou qualitativas no sistema epidemiolgico.

    Agente e Suscetvel:

    Um agente pode ser um microrganismo, um poluente ou um gene.

    O suscetvel aquele em que a doena se desenvolver e ter

    oportunidade de se manifestar clinicamente (hospedeiro).

    Essa relao pode ser descritas por trs categorias:

    Resistncia.

    Suscetibilidade.

    Imunidade.

  • 25

    Ambiente:

    Conjunto de processos que mantm relaes interativas com o agente

    etiolgico e o suscetvel, sem se confundir com os mesmos.

    Reservatrio, vetores e veculos.

    Epidemiologicamente, alm do ambiente fsico e do ambiente biolgico,

    deve ser abordado tambm o ambiente social.

    3.5 Modelos Socioculturais

    A grande maioria das doenas resultante da conjuno de fatores extrnsecos,

    situados no meio ambiente e no sistema socioeconmico, e de fatores

    intrnsecos, prprios do ser vivo afetado.

    Field (1976):

    Enfermidade no implicaria simplesmente uma condio

    biologicamente alterada, mas tambm um estado socialmente alterado

    que pode ser visto tanto como desviante quanto como (normalmente)

    indesejvel.

    Modelo de sade-doena na concepo de Kleinman, Eisenberg e Good (1978):

    Doena = Enfermidade + Molstia Figura 3.1.

    Figura 3.1 - Modelo de Kleinman, Eisenberg e Good (1978)

  • 26

    Young (1982):

    Enfermidade doena molstia (EDM).

    As prticas mdicas revelaram um importante componente poltico e

    ideolgico, estruturando-se com base em relaes de poder, que

    justificam uma distribuio social desigual das enfermidades e dos

    tratamentos, bem como as suas consequncias.

    O foco sobre a dimenso da enfermidade do modelo EDM de Young

    (1982) permite superar a nfase dos nveis biolgico de Boorse (1997) e

    individual de Kleinman, Eisenberg e Good (1978).

    3.6 Concluses:

    tarefa da epidemiologia, utilizando-se das tcnicas analticas de pesquisa que lhe so

    prprias, identificar fatores de risco nos ambientes fsico, qumico, biolgico e social

    (ROSE, 2008).

    A epidemiologia busca estudar os fatores determinantes dos fenmenos sade-doena.

    Por este motivo, uma sntese da abordagem epidemiolgica pode ser encontrada na

    transposio dos modelos de causalidade e risco para uma interpretao sistmica da

    doena (ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).

    A sade ambiental busca estudar as vias de transmisso das doenas e as formas de

    adoo de medidas de interrupo destas vias de transmisso de modo a prevenir as

    doenas relacionadas com o meio ambiente.

  • 27

    4 CONCEITO DE CAUSA E DE FATOR DE RISCO

    4.1 Causalidade e Fator de Risco

    A causalidade dos eventos adversos sade uma das questes centrais da

    epidemiologia, mas tambm uma das mais complexas. A epidemiologia em seus

    primrdios foi influenciada por conceitos unicausais da determinao das doenas,

    derivados principalmente do desenvolvimento da microbiologia no final do sculo XIX.

    De acordo com essa concepo, a cada doena infecciosa deveria corresponder um

    agente etiolgico especfico.

    Esta concepo da unicausalidade das doenas tinha, entre seus principais referenciais

    tericos, os chamados Postulados de Koch, originalmente formulados por Henle em

    1840 e adaptados por Robert Koch em 1877.

    No entanto, j nas primeiras dcadas do sculo XX, verificou-se que essa teoria no se

    adequava compreenso da maioria das doenas infecciosas ou no-infecciosas,

    restringindo a aplicabilidade dos Postulados de Koch.

    Progressivamente, firmava-se a percepo de que vrios fatores, e no somente uma

    nica causa, estavam relacionados com a ocorrncia das doenas. Incorporava-se, ento,

    epidemiologia a concepo multicausal da determinao do processo sade-doena.

    Com o objetivo de sistematizar o raciocnio epidemiolgico com fundamento nesta

    abordagem, Alfred Evans (1976) elaborou os seguintes postulados (Postulados de

    Henle-Koch-Evans), tomando como referncia aqueles propostos por Koch no sculo

    XIX:

    1. A prevalncia da doena deve ser significativamente mais alta entre os expostos

    causa sob suspeita do que entre os controles no expostos (a causa pode estar presente

    no ambiente externo ou num defeito de resposta do hospedeiro).

  • 28

    2. A exposio causa sob suspeita deve ser mais frequente entre os atingidos pela

    doena do que o grupo controle que no a apresenta, mantendo constantes os demais

    fatores de risco.

    3. A incidncia da doena deve ser significativamente mais elevada entre os expostos

    causa sob suspeita do que naqueles no expostos.

    4. A doena deve ocorrer num momento posterior exposio ao hipottico agente

    causal, enquanto a distribuio dos perodos de incubao deve apresentar-se na forma

    de uma curva normal.

    5. O espectro da resposta do hospedeiro em um momento posterior exposio ao

    hipottico agente causal deve apresentar-se num gradiente biolgico que vai do benigno

    ao grave.

    6. Uma resposta mensurvel do hospedeiro, at ento inexistente, tem alta probabilidade

    de manifestar-se aps a exposio ao hipottico agente causal, ou aumentar em

    magnitude, se presente anteriormente (exemplos: anticorpos, clulas cancerosas, etc).

    Esse padro de resposta deve ocorrer infrequentemente em pessoas pouco expostas.

    7. A reproduo experimental da doena deve ocorrer mais frequentemente em animais

    ou no homem adequadamente exposto causa hipottica do que naqueles no expostos;

    essa exposio pode ser deliberada em voluntrios, experimentalmente induzida em

    laboratrio, ou demonstrada num estudo controlado de exposio natural.

    8. A eliminao ou modificao da causa hipottica deve diminuir a incidncia da

    doena (exemplos: controle da utilizao de gua contaminada, remoo do hbito de

    no lavar as mos aps ir ao banheiro, modificaes de hbitos alimentares, etc).

    9. A preveno do hospedeiro exposio causa hipottica deve diminuir a incidncia

    ou eliminar a doena (exemplos: imunizao, administrao de drogas para a

    diminuio do colesterol, etc).

    10. Todas as associaes ou achados devem apresentar consistncia com os

    conhecimentos no campo da biologia e da epidemiologia.

  • 29

    A compreenso da concepo multicausal pressupe o conhecimento dos conceitos de

    risco e de fator de risco, que apresenta-se a seguir:

    Entende-se por risco em epidemiologia a probabilidade de ocorrncia de uma

    determinada doena ou evento adverso sade.

    Pode-se definir como fator de risco o elemento ou caracterstica positivamente

    associado ao risco (ou probabilidade) de desenvolver uma doena.

    Pode-se ento entender a causalidade como algo que pode apresentar-se de duas formas:

    a direta ou a indireta (Figura 4.1).

    Causao

    direta

    Causao

    indireta

    Figura 4.1 Formas direta e indireta de causalidade de doenas

    Fonte: Adaptado de Gordis (2008)

    1. Na causao direta, o fator A causa diretamente a doena B sem a interao com

    nenhum fator adicional.

    2. Na causao indireta, o fator A causa a doena B, mas por meio da interao de

    um ou mais fatores adicionais (fatores X, Y,...), que podem ser entendidos como

    fatores de risco.

    Aplicando um raciocnio semelhante, mas utilizando uma abordagem diferente, pode-se

    apresentar a causalidade como uma relao de causa-efeito em que alguns elementos

    devem estar presentes para que a doena ocorra.

    Ter-se- dois componentes da causalidade:

    - Causa "necessria": entendida como uma varivel (patgeno ou evento) que deve

    estar presente e preceder a doena, produzindo uma associao do tipo causaefeito.

    Fator A

    Fator A

    Doena B

    Doena B

    Fator X Fator Y

  • 30

    - Causa "suficiente": entendida como certa varivel ou um conjunto de variveis cuja

    presena inevitavelmente produz ou inicia a doena.

    A presena de um patgeno pode ser necessria para a ocorrncia de uma doena, mas

    sua presena pode no ser suficiente para que ela se desenvolva. Em situaes como

    essa, a causa suficiente pode ser a quantidade do patgeno ou a presena de outros

    fatores numa configurao favorvel ao desenvolvimento da doena.

    Geralmente, a causa suficiente abrange um conjunto de fatores de risco, no sendo

    necessrio identific-los na totalidade para implementar medidas efetivas de preveno,

    uma vez que a eliminao de um deles pode interferir na ao dos demais, naquilo que

    denomina-se configurao favorvel e, portanto, evitar a doena.

    A partir desses pressupostos, em epidemiologia pode-se definir como causa uma

    multiplicidade de condies propcias que, reunidas em configuraes adequadas,

    aumentam o risco de ocorrncia de determinada doena ou evento adverso sade.

    Seja o exemplo da tuberculose Figura 4.2. Pode-se aceitar a presena do bacilo de

    Koch como sua causa necessria, embora no seja suficiente, pois a evoluo da

    infeco tuberculosa para a doena tuberculose consequncia da interveno de um

    conjunto de fatores de risco, tais como a m alimentao, condies inadequadas de

    habitao, a debilidade fsica resultante de trabalho extenuante e fatores genticos. Esse

    conjunto de fatores de risco constitui a causa suficiente.

    Causa

    necessria

    Causa

    suficiente

    Figura 4.2 Causas da tuberculose

    Fonte: Adaptado de Bonita, Beaglehole e Kjellstrom, 2010

    possvel destacar quatro tipos de fatores que intervm na causalidade das doenas,

    atuando seja como causas necessrias, seja como causas suficientes (BONITA,

    BEAGLEHOLE e KJELLSTROM, 2010):

    Desnutrio

    Bacilo de

    Kock

    Tuberculose

    Tuberculose

    Aglomera

    o

    Condies

    adversas de

    trabalho

  • 31

    1- Fatores predisponentes, como idade, sexo, existncia prvia de agravos sade, que

    podem criar condies favorveis ao agente para a instalao da doena.

    2- Fatores facilitadores, como alimentao inadequada sob o aspecto quantitativo ou

    qualitativo, condies de saneamento precrias, acesso difcil assistncia mdica, que

    podem facilitar o aparecimento e desenvolvimento de doenas.

    3- Fatores desencadeantes, como a exposio a agentes etiolgicos (patognicos) ao

    homem, que podem associar-se ao aparecimento de uma doena.

    4- Fatores potencializadores, como a exposio repetida ou por tempo prolongado a

    condies adversas de trabalho, que podem agravar uma doena j estabelecida.

    Com alguma frequncia pode-se identificar diferentes fatores de risco para uma mesma

    doena, o que pressupe a existncia de uma rede de fatores ligados causalidade. A

    fora de cada fator, como determinante do agravo, pode ser varivel. Da mesma forma,

    existem fatores de risco associados a mais de uma doena.

    Como exemplos, pode-se citar:

    - a doena coronariana, que apresenta diferentes fatores de risco, entre eles o estresse, o

    hbito do tabagismo, a hipertenso arterial, a vida sedentria, hbitos alimentares

    inadequados;

    - o tabagismo pode constituir fator de risco para mais de uma doena como, por

    exemplo, o cncer de pulmo e a doena coronariana.

    4.2 Causalidade na Relao Ambiente e Sade

    4.2.1 Aspectos histricos

    Os primeiros registros histricos de suspeitas de causalidade entre fatores ambientais e

    doenas datam de 2.000 a.c.

  • 32

    Entre os sculos IV a V a.c., Hipcrates escreveu o tratado Dos ares, das guas e dos

    lugares, considerado o primeiro tratado de Epidemiologia.

    Durante a Idade Mdia, prevaleceu a Teoria Miasmtica, a qual considerava que as

    doenas so causadas pelos vapores da putrefao, que se originavam na atmosfera ou a

    partir do solo. Em funo da Teoria Miasmtica, algumas medidas de Sade Pblica

    foram adotadas como o enterro dos mortos, o aterro dos excrementos e a recolha do

    lixo.

    John Snow, ao estudar a epidemia de clera no bairro do Soho em Londres em 1854,

    concluiu que a doena estava associada gua para consumo humano. Snow, hoje,

    considerado o pai da Epidemiologia Tabela 4.1.

    Tabela 4.1 Simulao do estudo de Jonh Snow sobre clera e gua para consumo

    humano Bombas de poos Nmero de moradias Nmero de bitos bitos por moradias

    A a b b / a

    B c d d / c (*)

    C e F f / e

    (*) Obs.: valor mais elevado, na poca Broad Street, atual Broadwick Street.

    4.2.2 Epidemiologia Ambiental

    A Epidemiologia Ambiental formula hipteses a respeito das relaes de causa e efeito

    sobre o impacto das condies do ambiente sobre a sade coletiva. Assim, a exposio a

    agentes ambientais pode causar doenas na populao.

    Um exemplo dos modelos de estudo de causa e efeito ambiental o modelo multicausal

    proposto por Leavell e Clarck (1976), tambm chamado de trade ecolgica ou Histria

    Natural das Doenas, Figura 4.3.

    Agente Patognico

    Ambiente Hospedeiro

    Figura 4.3 Trade ecolgica

    Fonte: Adaptado de Leavell e Clark (1976)

  • 33

    Assim, no modelo da trade ecolgica, pode-se formular a pergunta: o que provoca as

    doenas?

    A resposta a que a ocorrncia das doenas vem do desequilbrio dos vrtices do

    tringulo (agente ambiente hospedeiro). Portanto, a preveno das doenas se faz

    com base na Histria Natural das Doenas.

    4.2.3 Teoria do Germe

    Louis Pasteur considerado o pai da Microbiologia, sendo o formulador da Teoria do

    Germe. Pasteur props que as doenas eram causadas pelos microrganismos e que

    somente eles trazem as doenas, o que veio a ser conhecido tambm como a teoria da

    unicausalidade.

    Assim, o estudo da causalidade das doenas teve uma grande modificao a partir dos

    estudos de Louis Pasteur no sculo XIX com a descoberta dos microrganismos como

    agentes patolgicos. A partir deste momento, as ideias sobre causalidade, ou seja, a

    compreenso dos mecanismos que determinam as doenas concentrou-se quase

    exclusivamente na idia de contgio, em que o organismo mero receptculo das

    doenas. Surge a crena de que a Microbiologia o estudo das bactrias, fungos,

    protozorios, helmintos (vermes) e vrus e seus respectivos mecanismos de ao iria

    resolver se no todos, a maior parte dos problemas de sade.

    Com o tempo, a teoria da unicausalidade mostrou ter uma viso estreita na explicao

    dos fenmenos associados s doenas, pois no levava em conta problemas associados

    ao ambiente - como poluio ambiental e falta de estrutura sanitria; problemas sociais -

    como nutrio deficiente, moradia precria e problemas na mobilidade urbana; e

    problemas econmicos - como desemprego, baixa renda e crises macroeconmicas.

    No incio do sculo XX, como consequncias da teoria da unicausalidade pode-se

    registrar:

    1. O fortalecimento do modelo biomdico e, por consequncia, do enfoque na

    medicina curativa.

    2. O descuido de vrios pases com questes relacionadas ao saneamento bsico e

    higiene pessoal, domstica e dos alimentos.

  • 34

    4.2.4 Desenvolvimento da Sade Ambiental

    - 1987 Comisso Brutland, instituda pela ONU:

    Conceito de desenvolvimento sustentvel.

    - 1992 Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento com

    a aprovao da Agenda 21 (CNUMAD, 1997):

    Definio do homem no centro das preocupaes ambientais, com o

    fortalecimento do conceito de sade ambiental.

    - 1995 Conferncia Panamericana de Sade, Ambiente e Desenvolvimento

    (OPAS/OMS, 1995):

    Compromisso dos pases da Amrica Latina e do Caribe com o

    desenvolvimento sustentvel.

    - 2012 Conferncia das Naes Unidas sobre Desenvolvimento Sustentvel (ONU,

    2012):

    Entendemos que os objetivos do desenvolvimento sustentvel s podem ser

    alcanados na ausncia de uma alta prevalncia de doenas transmissveis e crnicas e

    onde as populaes possam alcanar um estado de sade fsica, mental e bem-estar.

    4.2.5 Situao do Brasil:

    Antes de 1970, a situao do Brasil em relao ao saneamento ambiental era

    caracterizada pela disperso das aes entre rgos federais, estaduais e municipais,

    com perda de investimentos, baixa eficincia e falta de sustentabilidade econmica.

    No perodo entre 1970 e 1986, vigorou o Plano Nacional de Saneamento PLANASA

    com algumas caractersticas:

    Os estados criaram as Companhias Estaduais de gua e Esgotos como COPASA,

    SABESP, CORSAN, COMPESA,...

    Os recursos para investimentos em saneamento bsico eram provenientes do governo

    federal, por meio do Banco Nacional da Habitao BNH, com recursos do Fundo de

    Garantia por Tempo de Servio FGTS.

  • 35

    Houve uma ampliao da cobertura populacional por servios de saneamento bsico,

    com nfase no abastecimento e tratamento de gua para consumo humano em

    populaes urbanas.

    Os investimentos no levavam em conta, neste perodo, a situao de sade pblica.

    O critrio predominante para priorizao de investimentos em obras de saneamento era

    o retorno financeiro do investimento.

    O perodo entre 1986 e 2002 foi caracterizado por um vazio institucional, marcado pela

    extino do Banco Nacional de Habitao BNH, que era o sistema financeiro do setor

    de Saneamento, e o incentivo privatizao das empresas e servios de saneamento

    bsico. Algumas caractersticas:

    promulgada a Constituio Federal (BRASIL, 1988) que estabeleceu, em seus

    artigos 196 e 200, uma viso integradora entre saneamento e sade pblica.

    Art. 196. A sade direito de todos e dever do Estado, garantido mediante polticas

    sociais e econmicas que visem reduo do risco de doena e de outros agravos e ao

    acesso universal e igualitrio s aes e servios para sua promoo, proteo e

    recuperao.

    ...

    Art. 200. Ao sistema nico de sade compete, alm de outras atribuies, nos termos

    da lei:

    I - controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substncias de interesse para a sade

    e participar da produo de medicamentos, equipamentos, imunobiolgicos,

    hemoderivados e outros insumos;

    II - executar as aes de vigilncia sanitria e epidemiolgica, bem como as de

    sade do trabalhador;

    III - ordenar a formao de recursos humanos na rea de sade;

    IV - participar da formulao da poltica e da execuo das aes de saneamento

    bsico;

    V - incrementar em sua rea de atuao o desenvolvimento cientfico e tecnolgico;

    VI - fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor

    nutricional, bem como bebidas e guas para consumo humano;

  • 36

    VII - participar do controle e fiscalizao da produo, transporte, guarda e utilizao de

    substncias e produtos psicoativos, txicos e radioativos;

    VIII - colaborar na proteo do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.

    No entanto, o critrio de aplicao de recursos do Planasa tem continuidade, isto ,

    priorizava-se o retorno financeiro dos investimentos, em detrimento de critrios de

    sade pblica na priorizao dos investimentos.

    O perodo caracterizado pelo baixo investimento na expanso dos servios de

    saneamento espera da privatizao do setor que, por sua vez, no obteve sucesso.

    Na prtica, houve avanos e recuos em uma viso conjunta entre Saneamento Bsico

    e Sade Pblica.

    No perodo de 2003 at os dias de hoje, tem-se:

    A promulgao da Lei 11.445 (BRASIL, 2007), que estabeleceu diretrizes nacionais

    para o saneamento bsico no pas, com destaque para a exigncia de planejamento com:

    diagnstico da situao e de seus impactos nas condies de vida, utilizando sistema

    de indicadores sanitrios, epidemiolgicos, ambientais e socioeconmicos e apontando

    as causas das deficincias detectadas.

    A promulgao da Lei 12.305 (BRASIL, 2010b), que institui a Poltica Nacional de

    Resduos Slidos, com destaque para metas para a eliminao e recuperao de lixes,

    associadas incluso social e emancipao econmica de catadores de materiais

    reutilizveis e reciclveis at agosto de 2012.

    O estabelecimento do PAC 1 (2007 a 2010) e PAC 2 (2011 a 2015) com a previso

    de investimentos em saneamento bsico de, respectivamente, 40 e 45 bilhes de reais.

    Fortalecimento dos servios de vigilncia sanitria e epidemiolgica em nvel

    federal, estadual e municipal.

    Elaborao do Plano Nacional de Saneamento Bsico (Plansab) e dos planos

    municipais de saneamento bsico, alm da implantao dos entes reguladores.

  • 37

    5 INDICADORES EPIDEMIOLGICOS

    5.1 Introduo

    Os indicadores epidemiolgicos expressam a relao entre o subconjunto de doentes ou

    bitos e o conjunto de membros da populao. Em outras palavras, esta relao equivale

    ao clculo da probabilidade de adoecer ou de morrer, ou seja, os indicadores

    epidemiolgicos constituem a expresso mais simplificada do risco.

    Figura 5.1 Os subconjuntos da morbimortalidade (ALMEIDA FILHO e

    ROUQUAYROL, 2006).

    Pode-se classificar os indicadores epidemiolgicos de acordo com a sua referncia em

    dois grandes grupos, a saber:

    1. Macroindicadores ou taxas: aqueles cujos denominadores se referem

    base populacional P.

    2. Microindicadores ou coeficientes: aqueles cujos denominadores se

    referem a um subconjunto da base populacional P, conforme indicado na

    Figura 5.1.

  • 38

    Assim, prope-se, por conveno, adotar os termos taxa para os macroindicadores e

    coeficiente para os microindicadores epidemiolgicos.

    Exemplos de macroindicadores ou taxas:

    1. Taxa de mortalidade = O / P

    Ex: Taxa de mortalidade no Brasil 2008 = 7,4 bitos por 1.000 habitantes.

    2. Incidncia ou prevalncia de doena = D / P

    Ex: Taxa de incidncia da dengue Br, 2009 = 204,26 casos por 100.000 habitantes.

    3. Incidncia ou prevalncia de infeco = I / P

    Ex: Taxa de infeco de parasitoses ASNJF, 2002 = 5,0%.

    Exemplos de microindicadores ou coeficientes:

    1. Coeficiente de patogenicidade = D / I

    Ex: 1/6 dos indivduos infectados por Ascaris lumbricoides tm sintomas.

    2. Coeficiente de virulncia = G / D

    Ex: Em 1% dos casos, a hepatite A uma heptica aguda grave.

    3. Coeficiente de letalidade = O / D

    Ex: Chegou a 40% a letalidade por doenas meningoccicas em Campinas, no interior

    de So Paulo, em 2011.

    Para Almeida Filho e Rouquayrol (2006), morbidade e mortalidade constituem os

    principais indicadores empregados na epidemiologia para abordar o estado de sade das

    comunidades.

    5.2 Morbidade

    Refere-se a uma populao predefinida, com clara localizao espacial, intervalo de

    tempo e abrangncia do estudo.

    Indicador de morbidade = No de casos de uma doena x 10

    n

    Populao

  • 39

    Em sade pblica, os indicadores de morbidade mais frequentemente utilizados para

    avaliar o risco de um dado problema de sade ou para descrever a situao de

    morbidade em uma comunidade so as medidas de prevalncia e de incidncia.

    5.2.1 Prevalncia

    Prevalncia o termo que descreve a fora com que subsistem as doenas nas

    coletividades.

    Indicador de prevalncia = No de casos conhecidos de uma dada doena x 10

    n

    Populao

    Nmero de casos conhecidos de uma dada doena compreende os casos que subsistem,

    bem como a soma de todos os casos novos diagnosticados desde a data da computao

    anterior. Na Tabela 5.1, so dados alguns exemplos.

    Tabela 5.1 Prevalncia de algumas doenas no Brasil, 2009

    (casos por 10.000 habitantes)

    Causas IP

    Hansenase 1,99

    Malria 15,80

    Alcoolismo 1.890

    Fonte: Ministrio da Sade (2010)

    5.2.2 Incidncia

    Incidncia de doenas em uma populao significa a ocorrncia de casos novos

    relacionados unidade de tempo - dia, semana, ms ou ano.

    Indicador de incidncia = No de casos novos de uma dada doena x 10

    n

    Populao

    Nmero de casos novos de uma dada doena compreende somente os casos novos

    diagnosticados desde a data da computao anterior. Alguns exemplos da taxa de

    incidncia da dengue so mostradas na Tabela 5.2.

  • 40

    Tabela 5.2 Taxa de incidncia da dengue por local, 2009

    (casos por 100.000 habitantes)

    Causas Idengue

    Brasil 204,26

    Acre 2.658,25

    Minas Gerais 268,64

    Rio Grande do Sul 0,49

    Juiz de Fora 517,30

    Fonte: Ministrio da Sade (2010)

    5.2.3 Coeficiente de Ataque

    Quando a inteno investigar surtos epidmicos de doena contagiosa logo aps sua

    ecloso e durante sua vigncia, a medida de incidncia reveste-se de uma feio

    diferente e recebe a denominao de coeficiente de ataque.

    Coeficiente de ataque = No de casos novos surgidos a partir do caso-ndice x 10

    n

    Total de contatos com o caso-ndice

    D-se o nome de caso-ndice ao primeiro caso oficialmente notificado de uma dada

    doena.

    5.2.4 Relao entre Prevalncia e Incidncia

    A prevalncia (P) varia proporcionalmente com o produto da incidncia (I) pela durao

    da doena (D).

    P I x D

    5.3 Mortalidade

    Os indicadores de mortalidade podem ser definidos como quocientes entre frequncias

    absolutas de bitos e nmero de sujeitos expostos ao risco de morrer.

  • 41

    5.3.1 Taxa de Mortalidade Geral - TMG

    Calcula-se a taxa de mortalidade geral dividindo-se o nmero de bitos por todas as

    causas em um determinado ano, circunscritos a uma determinada rea, pela populao.

    O resultado em geral se multiplica por 1.000, base referencial para a populao exposta

    ao risco de morrer.

    Taxa de mortalidade geral (TMG) = No de bitos x 10

    3

    Populao

    Na prtica, o emprego da taxa de mortalidade geral prejudicado pela presena de

    distores relacionadas ao sub-registro e qualidade dos registros de atestados de

    bitos. A seguir, na Tabela 5.3, so mostrados algumas taxas de mortalidade geral.

    Tabela 5.3 Taxa de mortalidade geral nas Amricas

    (casos por 1.000 habitantes)

    Pas e ano TMG

    Brasil 2008 7,4

    EUA 2007 5,7

    Argentina 2008 6,0

    Guiana 2006 10,4

    Haiti -

    Fonte: OPAS/OMS (2011)

    5.3.2 Taxa de Mortalidade Especfica - TME

    As taxas de mortalidade por causas especficas so calculadas mediante a diviso do

    nmero de bitos ocorridos por uma determinada causa pela populao. Normalmente,

    o resultado multiplicado por 100.000, base referencial da populao.

    Taxa de mortalidade especfica (TME) = No de bitos por uma causa x 10

    5

    Populao

    Na Tabela 5.4 abaixo, apresenta-se as cinco principais causas de morte no pas em 2009:

    doenas do aparelho circulatrio, neoplasias malignas (cncer), causas externas

    (violncia urbana, acidentes de trnsito, acidentes do trabalho), doenas do aparelho

    circulatrio e doenas infecciosas e parasitrias.

  • 42

    Tabela 5.4 Principais causas de bito no Brasil, 2009

    (casos por 100.000 habitantes)

    Causas TME

    Doenas do aparelho

    circulatrio

    167,16

    Neoplasias malignas 89,96

    Causas externas 72,43

    Doenas do aparelho

    respiratrio

    59,82

    Doenas infecciosas e

    parasitrias

    24,55

    Fonte: Ministrio da Sade (2010)

    De uma forma geral, o registro das causas de morte, embora venha melhorando

    gradativamente, ainda no fidedigno na maioria dos municpios brasileiros. Em um

    caso, por exemplo, em que a doena transcorreu sem acompanhamento e o bito

    ocorreu sem assistncia mdica, duas testemunhas atestam o bito como causa natural.

    Em tal circunstncia, o bito contabilizado como bitos com causa mal definida.

    5.3.3 Coeficiente de Mortalidade Infantil - CMI

    O coeficiente de mortalidade infantil (CMI) calculado dividindo-se o nmero de

    bitos de crianas menores de um ano em uma determinada rea pelo nmero de

    crianas nascidas vivas naquele ano, e o resultado multiplicado por 1.000. Portanto, o

    CMI mede o risco de morte para crianas menores de um ano de idade.

    Apesar do sub-registro de bitos e de nascimentos e erros na idade da criana, o

    coeficiente de mortalidade infantil um bom indicador de desigualdades regionais em

    sade. A Tabela 5.5 mostra que as regies Norte e Nordeste so as que exibem os mais

    baixos nveis de sade no pas, considerando-se que os seus coeficientes de mortalidade

    infantil so mais elevados que os das demais regies.

  • 43

    Tabela 5.5 Coeficientes de mortalidade infantil por regies do Brasil em 2000 e 2010

    (mortes por 1.000 nascidos vivos)

    Regio CMI 2000

    (por 1.000 nv)

    CMI 2010

    (por 1.000 nv)

    Norte 29,5 18,1

    Nordeste 44,7 18,5

    Centro-oeste 21,6 14,2

    Sudeste 21,3 13,1

    Sul 18,9 12,6

    Brasil 29,7 15,6

    Fonte: IBGE (2010b)

    As populaes das regies Norte e Nordeste dispem de baixa cobertura de gua tratada

    e esgotos coletados e suas populaes tm dificuldade de acesso aos servios de

    educao e sade. Trata-se de uma situao de iniquidade social com repercusses sobre

    a sade. A regio Nordeste tinha um coeficiente de mortalidade infantil 1,47 vezes

    maior do que a Regio Sul do pas em 2010 (18,5 por 1.000 nascidos vivos contra 12,6

    por 1.000 nascidos vivos). Essa relao era de 2,37 vezes em 2000, o que indica um

    processo de reduo das desigualdades regionais.

    A maioria dos pases da frica, sia e Amrica Latina apresentam coeficiente de

    mortalidade infantil elevado, maior do que 30 por 1.000 nascidos vivos, enquanto nos

    pases economicamente desenvolvidos estas taxas so menores do que 10 por 1.000

    nascidos vivos (WHO, 2010).

    5.3.4 Coeficiente de Letalidade

    Pode ser obtido calculando-se a razo entre o nmero de bitos devido a uma

    determinada doena e o total de pessoas que foram acometidos por essa doena.

    Coeficiente de letalidade = _bitos_

    Doentes

    O coeficiente de letalidade, normalmente expresso em termos percentuais, permite

    avaliar a gravidade de uma doena, considerando as variveis idade, sexo e condies

    socioeconmicas da regio em estudo. Na Tabela 5.6, apresentado o coeficiente de

    letalidade de algumas doenas a ttulo de exemplo.

  • 44

    Tabela 5.6 Coeficientes de letalidade de algumas doenas

    Doena CL (%)

    Raiva 100

    Clera, no tratada > 50

    Meningite 29,3

    Difteria 6,9

    Diarreia 1,0

    Fonte: Almeida Filho e Rouquayrol (2006)

  • 45

    6 DESENHOS DE PESQUISA

    6.1 Introduo

    Adotou-se neste texto uma classificao de desenhos de pesquisa em epidemiologia

    sistematizada h mais de 40 anos por MacMahon e Pugh (1970), aperfeioada por

    Lilienfeld e Stolley (1994) e citada por Almeida Filho e Rouquayrol (2006).

    Este captulo mostra-se convergente com a tipologia adotada por recentes estudos

    metodolgicos no campo epidemiolgico (ROTHMAN e GREENLAND, 1998;

    ALMEIDA FILHO e ROUQUAYROL, 2006).

    A principal classificao da arquitetura de uma pesquisa epidemiolgica baseia-se no

    tipo de unidade de observao e de anlise, e expressa a dicotomia entre:

    1. estudo agregado: coletivos de homens e mulheres;

    2. estudo individualizado: indivduos.

    O papel do investigador em sua relao com o objeto da investigao compreende dois

    tipos:

    1. posio passiva: observao pelo investigador, da forma mais metdica e

    acurada possvel, dos processos de produo de doentes em populaes, com

    o mnimo de interferncia nos objetos estudados;

    2. posio ativa: estratgia de ao do investigador no sentido de interferir nos

    processos em estudo (experimentao).

    Quanto temporalidade, o estudo pode ser desdobrado em duas categorias, a saber:

    1. carter instantneo: quando a produo de dados realizada em um nico

    momento, como se fosse um corte transversal do processo em observao,

    que contnuo ao longo do tempo;

    2. carter serial: quando a produo dos dados se d por meio do seguimento

    dos eventos numa escala temporal, como se fosse um acompanhamento

    longitudinal do processo em observao.

  • 46

    Pode-se entender melhor o funcionamento dos diferentes tipos de desenhos de pesquisa

    em epidemiologia por meio de fluxogramas que se basearam na notao apresentada no

    Quadro 6.1.

    Quadro 6.1: Convenes para o fluxograma dos desenhos de investigao

    epidemiolgicas.

    Notao Referente a:

    N Populao

    A Amostra

    S Processo de seleo

    E Expostos ao fator de risco

    NE No-expostos ao fator de risco

    D Doentes

    ND No-doentes

    6.2 Delineamento Ecolgico

    Tambm chamado de estudo agregado, transversal, observacional Figura 6.1.

    Os estudos ecolgicos abordam reas geogrficas ou blocos de populao bem

    delimitados, analisando variveis globais, quase sempre por meio da correlao entre

    indicadores de condies de vida (abastecimento de gua, esgotamento sanitrio, taxa

    de analfabetismo, renda per capita, etc) e indicadores de sade (mortalidade infantil,

    mortalidade em crianas menores de cinco anos de idade, morbidade por diarreia, etc).

    Os indicadores de cada rea ou de cada bloco constituem-se em mdias que se referem

    populao total, tomada como um agregado uniforme.

    Os estudos ecolgicos podem ser classificados em dois subtipos:

    1. investigaes de base territorial: bairros, cidades, estados, pases, ...

    2. investigaes de agregados institucionais: fbricas, escolas, UBS, ...

  • 47

    N1 D1

    E1

    N2 D2

    E2

    N3 D3

    E3

    .... ....

    Nn Dn

    En

    Figura 6.1 Fluxograma do delineamento ecolgico

    Vantagens do delineamento ecolgico:

    - Facilidade de execuo.

    - Baixo custo.

    - Simplicidade analtica.

    - Capacidade de gerao de hiptese.

    Desvantagens do delineamento ecolgico:

    - Baixo poder analtico.

    - Pouco desenvolvimento das tcnicas de anlise dos dados.

    - Vulnervel a chamada falcia ecolgica.

    Formas de anlise oferecidas pelo delineamento ecolgico:

    - Anlise grfica.

    - Comparao de indicadores.

    - Anlise de correlao (univariada e multivariada).

    Classifica-se sob essa designao, as investigaes desenvolvidas por John Snow, a

    partir de 1850, para esclarecer as causas da epidemia de clera que assolou Londres.

  • 48

    Desenhos ecolgicos no justificam a reduo ao mbito individual de padres

    observados no nvel do agregado populacional, devido ao que se convencionou chamar

    de falcia ecolgica. A falcia ecolgica consiste na suposio de que indicadores de

    uma dada rea referem-se populao total da rea, quando na realidade implica em

    uma mdia da variao de subgrupos com caractersticas diferentes que vivem naquela

    rea.

    6.2.1 Exemplo

    Saneamento e sade pblica nos estados brasileiros a partir de dados secundrios do

    banco de dados IDB 2008 (TEIXEIRA e SOUZA, 2011).

    6.3 Delineamento Transversal

    Tambm chamado de estudo seccional ou individualizado, transversal, observacional

    Figura 6.2.

    Investigaes que produzem instantneos da situao de sade de uma populao ou

    comunidade, com base na avaliao individual do estado de sade de cada um dos

    membros do grupo, da produzindo indicadores globais de sade para o grupo

    investigado, so chamados estudos transversais.

    Em geral, os estudos transversais utilizam amostras representativas da populao devido

    s dificuldades para realizar investigaes que incluam a totalidade dos membros de

    grupos numerosos. O delineamento transversal trata-se do estudo epidemiolgico no

    qual fator de risco e doena so observados em um mesmo momento histrico.

    D

    E

    ND

    N A

    D

    NE

    ND

    Figura 6.2 Fluxograma do delineamento transversal

  • 49

    Vantagens do delineamento transversal:

    - Baixo custo relativo.

    - Alto poder descritivo (subsdio ao planejamento).

    - Simplicidade analtica.

    Desvantagens do delineamento transversal:

    - Vulnerabilidade a bias (especialmente de seleo).

    - Baixo poder analtico (inadequado para testar hipteses causais?).

    Formas de anlise oferecidas pelo delineamento transversal:

    - Comparao de indicadores de sade e de exposio, inclusive ambiental.

    - Testagem da significncia estatstica.

    Como consequncia do fato de que fator de exposio e doena serem considerados

    simultaneamente durante o perodo de tempo a que se refere o estudo transversal, seus

    resultados no so indicativos de sequncia temporal. Para alguns autores, as concluses

    derivadas da anlise de estudos de transversais restrigem-se a relaes de associaes e

    no de causalidade.

    6.3.1 Exemplo

    Fatores ambientais associados diarreia infantil em reas de assentamento subnormal

    em Juiz de Fora - MG (TEIXEIRA e HELLER, 2005).

    6.4 Delineamento de Coorte

    Tambm chamado de estudo individualizado, longitudinal, observacional Figura 6.3.

    O delineamento de coorte pode ser de dois tipos:

    1. estudo de corte prospectivo ou concorrente;

    2. estudo de corte retrospectivo ou histrico.

    Os estudos de coorte so os nicos capazes de abordar hipteses causais produzindo

    medidas de incidncia e, portanto, medidas diretas de risco (SAMET e MUOZ, 1998).

    Esta caracterstica lhes atribuda pelo fato do desenho longitudinal propor como

  • 50

    sequncia lgica da pesquisa a antecipao das causas e posteriormente a investigao

    de seus efeitos (LILIENFELD e STOLLEY, 1994).

    D (descartados)

    D

    N S E

    ND

    ND

    D

    NE

    ND

    Figura 6.3 Fluxograma do delineamento de coorte

    No estudo de coorte prospectivo, o grupo acompanhado desde o momento da

    exposio, passando pelo monitoramento e registro de casos de doena ou de bito a

    medida em que estes ocorram, at a data prevista para o trmino da investigao.

    J os estudos de coorte retrospectivos envolvem grupos sociais ou profissionais

    especficos, selecionados por terem sido expostos a fatores de risco em potencial e por

    dispor de registros sistemticos da exposio e do efeito.

    Vantagens do delineamento de coorte:

    - Produz medidas diretas de risco.

    - Alto poder analtico.

    - Simplicidade de desenho.

    Desvantagens do delineamento de coorte:

    - Vulnervel a perdas.

    - Inadequado para doenas de baixa frequncia.

    - Alto custo relativo.

    Formas de anlise oferecidas pelo delineamento de coorte:

    - Clculo do risco relativo e do risco atribuvel.

    - Clculo de incidncia.

  • 51

    A anlise de dados do delineamento de coorte baseia-se na comparao de indivduos

    que desenvolvero a doena (D) no perodo de estudo entre os expostos (E) e entre os

    no-expostos (NE). A anlise comparativa produz medidas como o risco relativo (razo

    de incidncias) e o risco atribuvel (diferena de incidncias).

    6.4.1 Exemplo

    Avaliao do impacto sobre a sade das aes de saneamento ambiental em reas

    pauperizadas de Salvador Projeto AISAM (MORAES, 1997).

    6.5 Delineamento Caso-Controle

    Tambm chamado de estudo individualizado, longitudinal, observacional-retrospectivo

    Figura 6.4.

    Desenho de pesquisa em epidemiologia concebido especialmente para investigar

    associaes etiolgicas em doenas de baixa incidncia e, ou com perodo de latncia

    prolongado.

    O delineamento de caso-controle o inverso do estudo de coorte, porque enquanto este

    ltimo parte do fator de risco e prospectivamente observa o aparecimento de doentes, o

    delineamento caso-controle parte da identificao dos doentes e retrospectivamente

    investiga os fatores de exposio.

    O delineamento de caso-controle pode ser de dois subtipos:

    1. quanto seleo dos grupos:

    pareados (um a um);

    no-pareados (um a n indivduos).

    2. quanto origem dos casos:

    casos prevalentes (casos novos e pr-existentes);

    casos incidentes (casos novos somente).

  • 52

    N S D E

    NE

    S ND E

    NE

    Figura 6.4 Fluxograma do delineamento caso-controle

    A escolha do grupo de controle deve obedecer ao princpio de mxima similariedade

    entre os casos e os controles, exceto pelo critrio da presena da doena em estudo.

    Assim, este princpio recomenda identidade de rea geogrfica entre casos e controles,

    de fatores socioeconmicos e culturais da comunidade onde tenham sido atendidos os

    sujeitos afetados pela doena.

    Vantagens do delineamento caso-controle:

    - Baixo custo relativo.

    - Alto poder analtico.

    - Adequado para estudar doenas raras ou de perodo de latncia prolongado.

    Desvantagens do delineamento caso-controle:

    - Incapaz de estimar risco (reduzido poder descritivo).

    - Vulnervel a inmeras biases (seleo, rememorao, etc).

    - Complexidade analtica.

    Formas de anlise oferecidas pelo delineamento caso-controle:

    - Estimativas de risco relativo odds ratio.

    - Risco atribuvel percentual.

    - Anlise de regresso logstica.

  • 53

    7 MEDIDAS DE ASSOCIAO 7.1 Introduo

    H duas modalidades de medidas de associao, que expressam a natureza da operao

    matemtica nelas contidas:

    1. tipo proporcionalidade;

    2. tipo diferena.

    As medidas do tipo proporcionalidade so expressas por nmeros racionais, assumindo

    a forma de quociente entre indicadores de ocorrncia. Exemplos:

    - risco relativo (RR);

    - odds ratio (OR) ou estimativa de risco relativo.

    As medidas do tipo diferena resultam da subtrao entre dois indicadores de

    ocorrncia. Exemplos:

    - risco atribuvel (RA);

    - risco atribuvel populacional (RAP).

    7.2 Risco Relativo (RR)

    O clculo dos riscos de expostos e no-expostos virem a ser atingidos pela doena

    objeto de um estudo pode ser apresentado pela tabela de contingncia ou tabela 2x2

    Tabela 7.1:

    Tabela 7.1 - Esquema de uma tabela 2x2 para o clculo do risco relativo

    Populao Doentes No-doentes Total Incidncia

    Expostos a b a+b a/(a+b)

    No-expostos c d c+d c/(c+d)

    Total a+c b+d t (a+c)/t

    Incidncia da doena entre os expostos: IE = a / (a+b)

    Incidncia da doena entre os no-expostos: IO = c / (c+d)

    Risco Relativo (RR) = IE / IO = [a/(a+b)] / [c/(c+d)]

  • 54

    Tomando como exemplo um estudo de coorte sobre o tabagismo e a ocorrncia de

    cncer de pulmo, pode-se calcular o risco relativo (RR) da seguinte forma Tabela

    7.2:

    Tabela 7.2 - Incidncia de cncer de pulmo entre fumantes e no-fumantes

    Populao Cncer de pulmo

    Sim No Total Incidncia*

    Fumantes 133 102.467 102.600 133/102.600

    No-fumantes 3 42.797 42.800 3/42.800

    Total 136 145.264 145.400 136/145.400

    Fonte: Doll e Hill (1950)

    O clculo da incidncia entre os expostos, entre os no-expostos e do risco relativo

    (RR), isto , da fora da associao, o seguinte:

    IE = Incidncia nos expostos

    IE = (133 casos de cncer de pulmo) / (102.600 expostos ao risco) = 0,0013 = 1,30

    IO = Incidncia nos no-expostos

    IO = (3 casos de cncer de pulmo) / (42.800 no-expostos ao risco) = 0,00007 = 0,07

    Risco Relativo (RR) = IE / IO = 1,30 / 0,07

    Risco Relativo (RR) = 18,6

    Logo:

    H uma forte associao entre o tabagismo e a ocorrncia de cncer de pulmo. Os

    expostos ao risco (fumantes) tm uma probabilidade 18,6 vezes maior de ser atingidos

    pelo cncer de pulmo do que os no-expostos (no-fumantes).

    Interpretao do risco relativo:

    RR > 1 a exposio fator de risco para a doena.

    RR < 1 a exposio fator de proteo para a doena.

    RR = 1 ausncia de risco.

  • 55

    7.3 Risco Atribuvel (RA)

    O risco atribuvel a mensurao da parte do risco a que est exposto um grupo da

    populao e que atribuvel exclusivamente ao fator de risco estudado (exposio) e

    no a outros fatores. Esse indicador til e bastante utilizado na avaliao de impacto

    de programas de controle de doenas como, por exemplo, programas de saneamento

    bsico.

    Sua expresso matemtica resulta da diferena entre a incidncia nos expostos (IE) e a

    incidncia nos no-expostos (IO).

    Risco Atribuvel (RA) = IE - IO

    Retomando o exemplo do estudo de coorte para avaliar a hiptese de associao entre

    tabagismo e cncer de pulmo Tabela 7.3:

    Tabela 7.3 - Incidncia de cncer de pulmo entre grupos de fumantes e de no-

    fumantes e da populao

    Populao Incidncia de cncer de pulmo *

    Fumantes 1,30

    No-fumantes 0,07

    Total 0,94

    *Por 1.000 habitantes

    Fonte: Doll e Hill (1950)

    Risco Atribuvel (RA) = IE IO = 1,30 - 0,07 = 1,23 casos por 1.000 habitantes

    Ou seja, o risco atribuvel exclusivamente ao tabagismo foi de 1,23 casos por 1.000

    habitantes. Essa seria a reduo da incidncia de cncer de pulmo na populao caso o

    hbito de fumar fosse banido da populao, ou seja, o impacto do programa de

    erradicao do tabagismo.

    Em outras palavras, o excesso de risco atribuvel exclusivamente ao ato de fumar foi

    estimado em 1,23 no perodo de estudo.

  • 56

    7.4 Risco Atribuvel Populacional (RAP)

    O risco atribuvel na populao mede a margem de excesso de morbidade que ocorre no

    conjunto de uma populao e que atribuvel presena de um determinado fator de

    risco.

    Para o clculo do risco atribuvel populacional (RAP) deve ser usada a seguinte

    frmula:

    Risco Atribuvel Populacional (RAP) = (IN - IO) / IN

    onde:

    IN = Incidncia na populao

    IO = Incidncia nos no-expostos

    No exemplo do tabagismo como fator de risco para a ocorrncia de cncer de pulmo -

    Tabela 7.3, ter-se-ia:

    IN = Incidncia na populao = 0,94

    IO = Incidncia nos no-fumantes = 0,07

    Portanto:

    Risco Atribuvel Populacional (RAP) = 0,94 0,07 = 0,925 ou 92,5%

    0,94

    Neste exemplo, o risco atribuvel na populao (RAP) indica que a queda percentual da

    incidncia de cncer de pulmo na populao estudada seria de 92,5% se o hbito do

    tabagismo fosse banido da populao. Essa outra forma de apresentao do impacto de

    um programa de sade ou de saneamento bsico.

  • 57

    7.5 Odds Ratio (OR)

    Nos estudos tipo caso-controle, no dispe-se do nmero de expostos ao fator de risco

    e, portanto, do denominador. Dessa forma, no possvel o clculo direto do risco, ou

    seja, das incidncias e do risco relativo. Assim, a mensurao da associao feita por

    um estimador denominado odds ratio, que representa uma estimativa do risco relativo.

    Felizmente, para estudos caso-controle, como o caso da maioria das doenas

    responsveis por surtos epidmicos, o odds ratio apresenta um valor muito prximo do

    risco relativo Tabela 7.4.

    Tabela 7.4 - Esquema de u