Sindrome Do Esmagamento e Il6

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    499Revista Brasileira de Terapia IntensivaVol. 19 N 4, Outubro-Deembro, 2007

    RESUMO

    JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:A sndrome de esma-gamento descrita como um conjunto de manies-

    taes sistmicas resultantes da leso clula mus-cular devida a presso ou esmagamento. O ator deinibio da migrao de macragos (MIF) uma ci-tocina multiuncional envolvida em amplo espectro deeventos patolgicos relevantes para o sistema imune.A interleucina-6 (IL-6) uma citocina pr-inamatriaenvolvida nas ases precoces da resposta inamatriapor trauma e no desenvolvimento das ases precocee tardia da disuno orgnica mltipla (MODS). Hpoucos estudos publicados sobre o perfl de citocinasna sndrome de esmagamento (SE). O objetivo destetrabalho oi relatar quatro casos de SE, avaliando osnveis sricos de MIF e IL-6 nestes pacientes e sua

    Fator de Inibio da Migrao de Macragose Interleucina-6 na Sndrome de Esmagamento:

    Analogia com Gravidade? Relato de Casos*

    Macrophage Migration Inhibitory Factor and Interleukin-6 in CrushSyndrome: Analogy with Severity? Case Reports

    Rita C. Vianna de Azevedo, Roberto Bueno de Paiva2, Felipe Ades3,Cid Marcos N. David4

    1. Mestranda em Terapia Intensiva pela Faculdade de Medicina daUniversidade Federal do Rio de Janeiro.2. Ex-Coordenador do CTI do Instituto Estadual de Cardiologia doRio de Janeiro.3. Mdico Residente em Oncologia Clnica do Instituto Nacional doCncer.4. Proessor Adjunto do Departamento de Clnica Mdica da FM-UFRJ; Doutor em Cincias Mdicas. Coordenador da Ps-Gradua-o em Clnica Mdica rea Terapia Intensiva, da UFRJ. Presidentedo Fundo Brasileiro de Educao e Pesquisa Fundo AMIB.*Recebido do Hospital Central do Exrcito, Rio de Janeiro, RJ.

    Apresentado em 13 de abril de 2007Aceito para publicao em 14 de deembro de 2007

    Endereo para correspondncia:Dra. Rita C. Vianna de AevedoRua Embaixador Morgan, 43 - Humait22261-140 Rio de Janeiro, RJFones: (21) 2538-0286; 8891-7600Fax: (21) 2538-0286E-mail: [email protected]

    Associao de Medicina Intensiva Brasileira, 2007

    correlao com a gravidade.RELATO DOS CASOS: Foram estudados quatro pa-cientes internados no centro de terapia intensiva (CTI)do Hospital Central do Exrcito (HCE) com histria de

    trauma que desenvolveram sndrome de esmagamen-to. O escore APACHE II oi realiado em cada pacien-te nas primeiras 24 horas de admisso no CTI. Fo-ram coletadas amostras dirias de soro de cada umdurante seis dias consecutivos e o escore SOFA oiaerido diariamente. Foram dosados no soro a crea-tinoquinase (CK) e as citocinas MIF e IL-6. Os dadosoram analisados.CONCLUSES: Variaes observadas nos nveis deCK oram acompanhadas por alteraes nos nveis dascitocinas inamatrias bem como do escore SOFA,sugerindo interdependncia entre essas variveis.Estudos anteriores j haviam demonstrado resultadosemelhante. Embora o emprego de citocinas como in-dicadores de gravidade no trauma possa ser assuntode interesse, h necessidade de estudos com amos-tragem maior para validar esta observao.Unitermos: IL-6, MIF, sndrome de esmagamento,trauma.SUMMARY

    BACKGROUND AND OBJECTIVES: Macrophage mi-

    gration inhibitory actor (MIF) is a multiunctional cytoki-ne involved in a broad-spectrum pathological eventsrelevant to the immune system. Interleukin-6 (IL-6) isa proinammatory cytokine that plays an importantrole in the initial inammatory response to trauma andthe development o early and late multiple organ dys-unction syndrome (MODS). Crush syndrome has beendescribed as the systemic maniestation o muscle celldamage resulting rom pressing or crushing. There areew data about MIF and IL-6 in crush syndrome. The

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    aim o this study was to report our cases o crush syn-drome, measuring seric levels o MIF and IL-6 and itscorrelation with severity.CASES REPORTS: Four patients suering rom crushsyndrome ater an accident with an explosive artiactwere enrolled in the study. APACHE II score was che-

    cked at admission. It was collected serum sample othese patients during six consecutive days. Serum MIF,IL-6 and creatine kinase (CK) were measured. Sepsis-related organ ailure assessment (SOFA) score wasevaluated concomitantly. Data were analyed.CONCLUSIONS: The variations observed in the CKmeasures were ollowed by alterations in the cytokineslevel and at the SOFA score, suggesting interdepen-dence between those actors. Other articles have alre-ady demonstrated similar results. Although the use ocytokines as biomarkers o severity in trauma is matter

    o interest, we need large studies with a higher numbero patients to validate this observation.Key Words:crush syndrome, IL-6, MIF, trauma

    INTRODUO

    A sndrome de esmagamento (SE) oi reconhecida em1909 aps o terremoto de Messina na Itlia e durante aprimeira grande guerra mundial, sendo primeiramentedescrita na lngua inglesa em 19411. A leso por esma-gamento uma leso direta resultante de ao trau-mtica. As vtimas mais comuns so aquelas resultan-tes de desastres naturais como terremotos, acidentesindustriais e guerras. Pode ainda acometer pessoas,que devido ao rebaixamento do nvel de conscinciadecorrente de, por exemplo, acidente vascular ence-lico ou mesmo intoxicao por drogas ilcitas, venhama ter parte de seu corpo comprimida pelo prprio peso.Os sinais e sintomas resultantes da leso muscular poresmagamento no so apenas limitados ao local dotrauma, havendo tambm maniestaes sistmicasdescritas como sndrome de esmagamento. A gravi-dade desta condio est relacionada magnitude e

    durao da ora compressiva e dimenso do ms-culo aetado2.O ator de inibio da migrao de macragos (MIF)oi Inicialmente descrito como um ator solvel asso-ciado ao mecanismo de hipersensibilidade tardia. No-vas unes biolgicas do MIF oram demonstradasposteriormente3 sendo atualmente o MIF reconhecidocomo uma citocina multiuncional envolvida em am-plo espectro de eventos patolgicos relevantes parao sistema imune4. O MIF um peptdeo liberado pela

    glndula pituitria anterior em resposta ao estmulo deendotoxinas , sendo tambm produido, estocado e li-berado por clulas da imunidade inata na sepse expe-rimental e clnica uma citocina pr-inamatria e comoimunomodulador.Em 1996, Gueugniaud e col.5 publicaram um relato de

    caso de SE onde oi avaliado o perfl hemodinmico dopaciente e paralelamente dosadas as citocinas IL-6 eator de necrose tumoral (TNF). Os autores observaramelevao nos nveis de IL-6 e nveis abaixo do normalde TNF quando o paciente apresentou instabilidade he-modinmica. Em 1998 Seekamp e col.6 demonstraramque a IL-6 exercia importante papel na fsiopatologiada leso tecidual em modelos de isquemia/reperuso.Outros estudos observaram que havia correlao entreelevao de IL-6 e trauma8 e entre elevao dessa ci-tocina e leses por queimadura7 propondo um papel

    prognstico/diagnstico para sua medio.O objetivo deste estudo oi relatar quatro casos de SE,avaliando os nveis sricos de MIF e IL-6 nestes pacien-tes e sua correlao com a gravidade nesta sndrome.

    RELATO DOS CASOS

    Trata-se de descrio de uma srie de casos de SE,constitudo por quatro pacientes internados na Uni-dade de Pacientes Crticos (UPC) do Hospital Centraldo Exrcito (HCE) aps trauma por arteato explosivomilitar que desenvolveram a sndrome de esmaga-mento (SE). Aps concordncia em participar do estudo atravsdo termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE),oram coletadas amostras de soro de cada pacien-te, em jejum, por seis dias consecutivos durante suapermanncia no CTI. Em cada amostra de soro oramdosados o MIF, atravs do Duo Set kit, R & D System,a interleucina-6 atravs do mtodo de ELISA usandokits ultra-sensveis disponveis comercialmente e a CKatravs do mtodo de quimioluminescncia. No pri-meiro dia de internao no CTI oi calculado o esco-

    re APACHE II9, sendo usado o pior valor de 24 horasde cada paciente. Foram realiadas avaliaes diriasdo escore Sepsis-Related Organ Failure Assessment(SOFA) de cada paciente10. Os dados obtidos oramanalisados.

    Paciente 1Paciente do sexo masculino, 39 anos, internado no CTIvtima de trauma por arteato explosivo com traumasabdominal e torcico echados, leso ssea (ratura

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    exposta), muscular e nervosa na perna esquerda equeimadura de segundo grau em tronco e nos mem-bros ineriores. No decorrer da internao apresentouquadro de choque sptico, insufcincia respiratriaaguda, rabdomilise e insufcincia renal aguda. Per-maneceu internado no CTI por 20 dias, recebendo alta

    para o quarto.Na fgura 1 esto apresentados os resultados dos va-lores do escore APACHE II, SOFA, MIF, IL-6 e CK doprimeiro (D1) ao sexto (D6) dias de internao.

    Figura 1 Evoluo Diria do Paciente 1

    Paciente 2Paciente do sexo masculino, 19 anos, internado no CTIvtima de trauma por arteato explosivo, apresentandoratura exposta em plat tibial direito e emur esquerdo.Durante sua permanncia no CTI apresentou rabdomi-lise e insufcincia renal aguda. Recebeu alta aps

    seis dias de permanncia no CTI.Na fgura 2 esto apresentados os resultados dos va-lores do escore APACHE II, SOFA, MIF, IL-6 e CK doprimeiro (D1) ao sexto (D6) dias de internao.

    Figura 2 Evoluo Diria do Paciente 2

    Paciente 3Paciente do sexo masculino, 19 anos, internado no CTIvtima de trauma por arteato explosivo com quadro detrauma torcico, apresentando hemopneumotrax

    direita e pneumotrax esquerda, queimadura de 2grau em ace e vias areas, ratura na clavcula esquer-da alm de erida cortocontusa em membro superioresquerdo. Evoluiu com quadro de insufcincia respi-ratria aguda, choque sptico, rabdomilise e insuf-cincia renal aguda. Permaneceu no CTI por 13 dias,

    recebendo alta para o quarto.Na fgura 3 esto apresentados os resultados dos va-lores do escore APACHE II, SOFA, MIF, IL-6 e CK doprimeiro (D1) ao sexto (D6) dias de internao.

    Figura 3 Evoluo Diria do Paciente 3

    Paciente 4Paciente do sexo masculino, 19 anos, internado no CTIvtima de trauma por arteato explosivo, apresentandona admisso traumatismo cranioencelico com eridacortocontusa extensa em couro cabeludo e amputaotraumtica de perna direita. Durante a internao apre-

    sentou quadro de rabdomilise, permanecendo no CTIpor seis dias. Recebeu alta no 7 dia para o quarto.Na fgura 4 observam-se os resultados dos valores doescore APACHE II, SOFA, MIF, IL-6 e CK do primeiro(D1) ao sexto (D6) dias de internao.

    Figura 4 Evoluo Diria do Paciente 4

    Na tabela 1 pode-se observar as variaes dos valoresdirios das citocinas IL-6 e MIF, do escore SOFA, daCK e o escore APACHE II de cada paciente.

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    DISCUSSO

    A sndrome de esmagamento um quadro clnico quepode se desenvolver em pessoas que oram subme-tidas a algum tipo de compresso mecnica de par-te de seu corpo. Pode ocorrer acentuado edema naregio acometida acarretando sorimento circulatrio,instabilidade hemodinmica e choque. A insufcinciarenal aguda ocorre em grande percentagem destespacientes e se acompanha de elevada mortalidade11.O quadro clnico tpico da sndrome de esmagamen-to predominantemente resultado de rabdomilisetraumtica e subseqente liberao do contedo dasclulas musculares lesadas12. Com o estiramento damembrana sarcoplasmtica, ons como sdio, clcioe gua invadem a clula muscular ocorrendo libera-o de potssio, mioglobina, osato e urato da clulapara a circulao. O evento fnal choque, acidosemetablica, hipercalemia, sndrome compartimen-tal e insufcincia renal aguda. A insufcincia renalaguda a complicao mais grave da SE e ocorre

    pela combinao de hipovolemia com subseqen-te vasoconstrio renal e pela leso provocada porsubstncias nerotxicas como a mioglobina, urato eosato. A causa mais comum do choque o seqes-tro de uidos para o compartimento do msculo le-sado, desviando lquido do espao intravascular parao intracelular causando dor muscular. As alteraeseletrolticas associadas acidose metablica promo-vem eeito inotrpico negativo. Nveis crescentes deCK esto associados ao desenvolvimento de insufci-

    ncia renal aguda (IRA) e mortalidade2. Outros au-tores sugerem que simplesmente usando o nmerode membros acometidos pelo trauma se obteria umaestimativa mais prtica da gravidade do quadro, porexemplo, o esmagamento de uma, duas, ou trs ex-tremidades levaria a incidncia de IRA em 50%, 75%e 100% dos casos, respectivamente13.Em 2004, Nishihira realiou estudo sobre a concen-trao do MIF em pacientes com trauma echadograve, sugerindo que esta citocina poderia ter papelimportante no prognstico, reetindo a gravidade dotrauma14. A migrao de leuccitos um mecanismoessencial na imunidade do hospedeiro. Entretanto,uma ve recrutados para o local da lesotecidual, osleuccitos constituem, atravs de seu prprio meca-nismo de ao, a causa principal de inamao e le-so deste tecido ou da parede dos vasos.Frink e col.15, investigando o eeito do sexo e idadena resposta imunolgica ps-trauma, verifcou quepacientes que evoluam com sndrome de disunoorgnica mltipla (MODS) apresentavam maior con-

    centrao plasmtica de IL-6, IL-8 e IL-10. Estes pa-cientes evoluam com mais reqncia para sepse eapresentavam maior mortalidade. Outro estudo publi-cado em 2002 correlacionou IL-6 e IL-10 com gravi-dade da leso por trauma em alcolatras8. Em 1998,Seekamp observou que houve correlao entre nvelde IL-6 e gravidade da leso cirrgica de isquemia/reperuso6. Todos os estudos demonstraram que aIL-6 pode apresentar um papel prognstico nesta sn-drome.

    Tabela 1 - APACHE II e Valores Dirios do MIF, IL-6, Escore SOFA e CK.

    Pacientes Dia 1 Dia 2 Dia 3 Dia 4 Dia 5 Dia 6

    1 (39 anos) APACHE SOFA 4 5 6 6 6 5

    11 CK (U/L) 2450 3350 1185 454 325 123

    MIF (pg/mL) 1,656 1,451 1,812 2,219 2,055 1,508

    IL-6 (pg/mL) 0,05 0,35 0,55 0,07 0,06 0,04

    2 (19 anos) APACHE SOFA 2 2 3 3 2 110 CK (U/L) 2355 9730 5170 3200 3100 3000

    MIF (pg/mL) 1,992 1,963 8,956 1,122 0,447 0,336

    IL-6 (pg/mL) 0,05 0,38 0, 77 0,25 0,01 0,01

    3 (19 anos) APACHE SOFA 2 3 4 4 3 2

    8 CK (U/L) 3655 5600 4170 3510 2640 1475

    MIF (pg/mL) 1,143 1,146 1,551 1,477 0,647 0,645

    IL-6 (pg/mL) 0,23 0,27 0,79 0,13 0,03 0,01

    4 (19 anos) APACHE SOFA 1 2 3 2 1 1

    6 CK (U/L) 1105 1918 4790 6040 3500 1236

    MIF (pg/mL) 1,067 1,517 1,726 3,465 1,792 1,742

    IL-6 (pg/mL) 0,04 0,19 0,49 0,25 0,01 0,008

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    Na tabela 1 observa-se que todos os pacientes apre-sentaram nveis crescentes de CK desde a interna-o, apresentando um pico em torno do terceiro diade internao. Essa elevao oi acompanhada pelaelevao do escore SOFA um pouco mais tardia. Am-bos decresceram em seguida at o sexto dia. Esses

    dados sugerem correlao entre trauma muscular ealncia orgnica. Os valores das citocinas inama-trias IL-6 e MIF tambm acompanharam o mesmodesenho, alcanando valores mais elevados em tor-no do terceiro dia, decrescendo a seguir. As eleva-es e diminuies nos nveis de CK oram acompa-nhadas respectivamente por variaes semelhantesnas citocinas inamatrias e no escore SOFA, suge-rindo interdependncia entre esses atores. Na fgura5 observa-se a variao das mdias dirias destasvariveis.

    Figura 5 Valores Mdios Dirios da CK, IL-6, MIF e EscoreSOFA

    Estudos prvios J haviam demonstrado correlaoentre trauma e liberao de citocinas inamatrias1,8,bem como associao entre liberao de IL-6 e aln-cia orgnica15, propondo um papel prognstico/diag-nstico para asua medio14.

    CONCLUSO

    Embora a utiliao de citocinas como indicadores degravidade no trauma possa ser tema de interesse, apequena amostra aqui apresentada no nos permitemaiores concluses. Nenhum teste de correlao pode

    ser realiado devido ao risco de incorrer em correla-es esprias. O pequeno nmero de casos estudadosimpossibilitando a realiao de anlise adequada nopermite uma ilao eetiva entre gravidade e o papeldestes indicadores em prognstico ou manuseio des-tes pacientes.

    AGRADECIMENTOS

    Agradecemos a Patrcia P. Boa, PhD, pesquisadoraassociada do Departamento de Microbiologia e Far-macodinmica do Instituto e Fundao Oswaldo Cru,pela contribuio na realiao deste estudo.

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