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Rev. Bras. Med. Trab., Belo Horizonte • Vol. 2 • No 3 • p. 209-223 • jul-set • 2004 • 209

SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO INFORMAL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A INDÚSTRIA BRASILEIRA

Saúde e Segurança no Trabalho Informal:Desafios e Oportunidades para a IndústriaBrasileira*

* Adaptação do texto elaborado para o Departamento Nacional do Serviço Social da Indústria (SESI), através de Contrato.

1. Professor Titular do Departamento de Medicina Preventiva e Social da UFMG (aposentado); Presidente da AssociaçãoNacional de Medicina do Trabalho (ANAMT). E-mail: [email protected].

2. Médica com especialização em Saúde Coletiva e MBA de Gestão em Saúde. Foi Assessora Técnica da Secretaria de Políti-cas de Saúde do Ministério da Saúde e atuou como Gerente da Área de Planejamento, Programação e Avaliação em Saúdeda CASSI, Brasília-DF.

René Mendes1

Ana Cristina Castro Campos2

ARTIGO

RESUMOEstudo realizado para o Serviço Social da Indústria (SESI), com o objetivo de identificar oportunidadespotenciais para que o Setor Formal da Indústria Brasileira possa identificar políticas, programas e ações quemelhorem as condições de saúde e segurança no trabalho no Setor Informal da economia, em especialaquele que está relacionado com a Indústria.O estudo revisa os conceitos e a caracterização do Setor Informal, apresentando estatísticas e dadosatualizados. Mostra, em seguida, as estreitas interfaces entre o Setor Formal e o Informal, caracterizando-oscomo mutuamente interdependentes e complementares, dentro do marco da atual visão de “cadeia deprodução” ou “cadeia produtiva”, de “cluster” ou de “ciclo completo de vida” de um produto ou serviço.Segue-se uma breve descrição dos principais problemas de saúde e segurança no trabalho informal, segundoos relatos disponíveis na bibliografia brasileira mais atual.A parte principal do estudo aborda os enfoques e as políticas que deveriam nortear um importanteenvolvimento da Indústria dita “formal”, com o Setor Informal, baseado na visão de “cadeia produtiva” etomando como referência o conceito ampliado de “responsabilidade social”. Discute-se a ampliação doconceito de “sustentabilidade ambiental” e, por último, como as prováveis mudanças da atual legislaçãodos Serviços de Saúde e Segurança no Trabalho (NR-4) irão contribuir, atribuindo mais elevadaresponsabilidade social e legal às grandes empresas, no tocante às condições de saúde e segurança daspequenas e microempresas e dos trabalhadores informais que gravitam em torno das grandes empresas.Os “Serviços Compartilhados” poderão significar um importante avanço nessa direção.

Palavras-chave: Saúde Ocupacional; Setor Informal; Trabalho Informal; Saúde e Segurança na Indústria;Brasil.

INTRODUÇÃO

As relações de trabalho, compreendidas aqui numconjunto de arranjos institucionais e informais quemodelam e transformam as relações sociais de produ-ção nos locais de trabalho1, vêm, nas últimas décadas,se transformando em todo o mundo.

Praticamente em todos os países estão ocorrendo adiminuição dos empregos fixos e o aumento de outrasmodalidades de trabalho, como o trabalho autônomo,o subcontratado, o trabalho por projeto, por prazo de-terminado, por tempo parcial, entre outras.

O salário fixo perde força como única forma deremuneração, surgindo, em seu lugar o salário va-

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riável, atrelado à tarefa, qualidade e produtivida-de. As negociações coletivas realizadas pelos sin-dicatos dão lugar à negociação direta entre traba-lhadores e empresas.2

Na União Européia, o trabalho domiciliar realiza-do por telefone já responde por 5% das atividadesexercidas pelos trabalhadores. Nos Estados Unidos,cerca de 10% das pessoas trabalham em casa. Na Es-panha, apenas 32% dos empregados têm contratoscom prazo indeterminado. Na Coréia do Sul, no curtoperíodo de 1997-2002, a proporção de pessoas quetrabalham em atividades atípicas cresceu 50%.3

No Brasil, a Pesquisa Nacional por Amostra deDomicílios (PNAD), realizada pelo IBGE em 2002,revela que, de uma População Economicamente Ati-va (PEA) de aproximadamente 78 milhões (não in-cluída a população rural de Rondônia, Acre, Amazo-nas, Pará e Amapá), 32,3 milhões estão na informali-dade, e 17,4 milhões trabalham “por conta própria”,seis milhões como domésticos, 5,8 milhões com tra-balho não remunerado e 3,1 com produção para pró-prio consumo.

Nessa modificação das relações de trabalho, é im-portante ressaltar que, em todo o mundo, as leis tra-balhistas e previdenciárias surgiram fundamentalmentepara o trabalho industrial exercido em regime de su-bordinação, por prazo indeterminado e de forma con-centrada em grandes empresas.4

No Brasil, o sistema previdenciário sempre esteveintimamente ligado à consolidação e estruturação domercado de trabalho, cujos recursos recolhidos sobrea folha de pagamento fazem parte de sua principalbase de financiamento.5

Outras proteções, direitos e benefícios sociais e tra-balhistas estão atrelados ao modo de inserção do indi-víduo sobre o mercado de trabalho, como a proteçãoà saúde, o amparo na doença e no desemprego, reco-nhecimento e proteção para periculosidade, insalu-bridade, acidente de trabalho, qualificação do ambi-ente de trabalho, entre outros.

A ruptura do vínculo empregatício formal repre-senta, na prática, a perda dessas condições, entre elastoda a proteção da saúde e segurança no trabalho.

A pergunta que permanece é o que fazer com osetor informal da economia? O que o setor organiza-do da economia pode fazer para a melhoria das con-dições de vida e de trabalho da população inserida nomercado informal? Afinal, qual é a real responsabili-dade e competência do setor organizado frente ao setorinformal da economia?

O presente trabalho traz uma revisão sobre os con-ceitos e caracterização do setor informal, apresen-tando uma visão sobre os principais problemas desaúde e condições de trabalho, além de contribuir

para a identificação de ações a serem desenvolvidaspelo setor formal.

CONCEITOS DE TRABALHO INFORMAL

A discussão sobre trabalho informal se inicia junta-mente com a Revolução Industrial. Em “O Capital”,Marx6 discute sobre as “Diversas formas de existênciada população relativamente excedente”, que tratava dapopulação que momentaneamente excedia a neces-sidade do capital, isto é, a necessidade de mão-de-obra das empresas, não devendo ser confundida comoexcedente no sentido de desnecessária à economiacomo um todo. Marx6 dividiu esta população em trêscategorias, sendo a primeira uma reserva móvel de tra-balho, sempre disponível às empresas quando estasnecessitam de expandir rapidamente o número de em-pregados, denominada por Marx de população exce-dente líquida.

Uma segunda parte da população foi denominadacomo latente, formada pelos moradores do campo queestão em vias de serem expulsos da agricultura e so-mente esperam uma conjuntura favorável para se diri-gir às cidades em busca de trabalho.

A terceira categoria, denominada estagnada, fazparte da população economicamente ativa, entretan-to em ocupações inteiramente irregulares. Caracteri-za-se por um período máximo de trabalho e mínimode remuneração.

Atualmente, no debate sobre trabalho informal,existe uma série de termos utilizados, como “setornão-estruturado da economia”, “setor não-organi-zado”, “setor não-protegido”, “subemprego”, “de-semprego disfarçado”, “estratégia de sobrevivência”,demonstrando a existência de diferentes visões eavaliações sobre esse setor, principalmente no quediz respeito às causas do crescimento desse setorna economia.

O termo “Setor Informal” foi criado pela Organi-zação Internacional do Trabalho (OIT) e utilizado pelaprimeira vez em 1972, nos relatórios sobre Gana eQuênia, elaborados no âmbito do Programa Mundialde Empregos. Esse relatório descrevia que nessas loca-lidades, mais grave do que o problema do desempre-go, era a existência de um grande número de “traba-lhadores pobres”, ocupados em produzir bens e servi-ços sem que suas atividades estivessem reconhecidas,registradas, protegidas ou regulamentadas pelas auto-ridades públicas.7

Segundo o Programa Regional de Emprego para aAmérica Latina e Caribe – PREALC, o setor informal écomposto por pequenas atividades urbanas, gerado-ras de renda, que se desenvolvem fora do âmbito nor-mativo e oficial, em mercados desregulamentados e

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competitivos, em que é difícil distinguir a diferençaentre capital e trabalho.

Para a OIT, esse setor surgiu a partir da forte migra-ção da população rural para centros urbanos, levandoa um excedente de mão-de-obra nas cidades. Essapopulação, para a sua sobrevivência, foi obrigada a“inventar” seu próprio trabalho.

A visão da OIT é distinta da visão de economistasliberais, que defendem que o setor informal é maldefinido, englobando, inclusive, atividades econômi-cas extralegais. Para esse grupo, a origem da informa-lidade na economia é atribuída à excessiva regulamen-tação da economia pelo Estado e representa uma res-posta dos trabalhadores às restrições à contratação nosetor formal.8

Uma terceira perspectiva, chamada de “estrutura-lista” define o setor informal como o conjunto de ati-vidades geradoras de renda e desregulamentadas peloEstado, em ambientes sociais em que atividades simi-lares são regulamentadas.8

Segundo esta teoria, a origem do setor informalestaria ligada às estratégias das grandes empresas for-mais de encontrar alternativas de trabalho, como otrabalho em tempo parcial ou pontual, o contrato deprestação de serviços e a subcontratação para peque-nas e desregulamentadas empresas terceirizadas deprodução de bens e serviços.8

Para os estruturalistas, o desenvolvimento do setorinformal não se trata de um movimento dos trabalha-dores vencendo a barreira da pesada regulamentaçãodo Estado, mas, sim, uma estratégia de acumulaçãode capital das empresas modernas do setor formal daeconomia.

Na análise dessas diferentes correntes, não nossurpreenderá que todas estejam corretas e que a ori-gem e desenvolvimento do setor informal da econo-mia seja a conseqüência de todos esses fatores apre-sentados. No modelo híbrido de origem do setor in-formal, este se caracteriza por atividades de peque-no porte, incluindo atividades econômicas extrale-gais, com pesada desregulamentação, geradora derenda, onde é difícil distinguir a diferença entre ca-pital e trabalho, podendo exigir ou não alta qualifi-cação da mão-de-obra.

Em estudos sobre o setor informal, a fragilidadeda conceituação e a complexidade do setor dificul-tam avaliar a dimensão e algumas características dotrabalho informal, devido à aplicação de metodolo-gias diferentes.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística(IBGE), em sua Pesquisa sobre Economia Informal Ur-bana (ECINF), realizada a cada cinco anos, abrangen-do todos os domicílios situados em áreas urbanas noBrasil, utiliza os critérios referendados pela OIT conti-

dos na recomendação aprovada na 15a Conferênciade Estatística do Trabalho, em 1993.9

O IBGE considera para delimitação do setor infor-mal da economia os seguintes critérios:

• a delimitação do setor informal se dá baseadano conceito de unidade econômica, entendidacomo unidade de produção, e, não, o trabalha-dor individual ou a ocupação por ele exercida;

• fazem parte do setor informal as unidades eco-nômicas não agrícolas que produzem bens e ser-viços para geração de rendimento para as pessoasenvolvidas, sendo excluídas aquelas unidadesengajadas apenas na produção de bens e servi-ços para autoconsumo;

• as unidades do setor informal caracterizam-sepela produção em pequena escala, baixo nívelde organização e pela quase inexistência de se-paração entre capital e trabalho, enquanto fato-res de produção;

• a ausência de registro não foi utilizada como cri-tério para definição de setor informal, na medi-da em que a base do conceito de informalidadeutilizado considera o modo de organização efuncionamento da unidade econômica, e não seustatus legal ou a relação que mantém com asautoridades públicas;

• a definição de unidade econômica informal nãodepende do local onde é desenvolvida a ativida-de produtiva, da utilização de ativos fixos daduração das atividades das empresas (permanen-te, sazonal ou ocasional) e do fato de tratar-se daatividade principal ou secundária do proprietá-rio da empresa.

Pertencem ao setor informal todas as unidadeseconômicas de propriedade de trabalhadores porconta própria e de empregados com até cinco em-pregados, moradores de áreas urbanas, sejam elasatividade principal de seus proprietários ou ativida-de secundárias.

A pesquisa Mapa do Trabalho Informal no Municí-pio de São Paulo8, realizada em 1998, pela CentralÚnica dos Trabalhadores (CUT), em parceria com aConfederation of Industrial Organizations (CIO), dosEstados Unidos, também utilizou os critérios referen-dados pela OIT, contidos na recomendação aprova-da na 15a Conferência de Estatística do Trabalho, em1993.9

Nessa pesquisa, foram utilizados os seguintes crité-rios para a delimitação do setor informal:

• assalariados em empresas com até cinco empre-gados com ou sem carteira assinada;

• assalariados sem carteira assinada em empresascom mais de cinco empregados;

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• donos de negócio familiar;• autônomos que trabalham para o público ou para

empresas;• empregados domésticos;• trabalhadores familiares.Como podemos observar, mesmo em pesquisas

em que se utiliza a mesma referência conceitual, adefinição do mercado informal para análise é dife-rente. Essa pesquisa descreveu como característicado trabalho informal a restrição a poucos ramos daeconomia, e a grande maioria da população que es-tava neste setor atuava no pequeno comércio e emserviços de baixa qualificação, inclusive os domésti-cos. Outra característica é a existência de longas jor-nadas de trabalho com uma remuneração mínima. Ajornada de trabalho média era de 62 horas semanaisdos vendedores em trens, de 54 horas, dos vendedo-res em semáforos e de 44 horas, dos catadores dematerial reciclável. A maioria dos informais exerceatividades precárias, quase todas sujeitas à repressãopolicial, que torna o ganho extremamente instável eincerto.

Alves10, em sua dissertação sobre o setor infor-mal, discute sobre as diferentes formas da informali-dade, descrevendo que as atividades desse setorforam sofrendo transformações ao longo dos anos, apartir da influencia do setor formal da economia, sen-do incluído no primeiro setor as formas de terceiriza-ção, a subcontratação de força de trabalho, aorganização em redes de produção, a externalizaçãode parte do processo produtivo que simplificam astarefas e ocupações antes encontradas no interior dagrande empresa.

A autora classifica o setor informal da seguinteforma:

• Trabalhos informais tradicionais: são aquelesque vivem de sua força de trabalho e, em algunscasos, incorporam a força de trabalho de familia-res, mas normalmente não contratam trabalhado-res assalariados, podendo ser trabalhadoresinformais “estáveis”, “instáveis” ou “ocasionais/temporários”.Os trabalhadores informais “estáveis” possuemconhecimento profissional específico ou meio detrabalho bem definidos, por exemplo: as costurei-ras, os vendedores ambulantes, os jardineiros, osbarbeiros, os engraxates, entre outros.Os trabalhadores informais “instáveis” dependemde ocupação eventual, de sua força física e da dis-posição para realizar pequenas e diversificadas ta-refas de pouca qualificação. Em alguns casos,trabalham por empreitada. São recrutados eventu-

almente, dependendo do ciclo econômico da pro-dução ou do acúmulo de trabalho, por exemplo:serviços em geral, guardadores de carro, carrega-dores, auxiliar de mudança.Os trabalhadores informais “ocasionais/temporá-rios” eventualmente permanecem sem trabalho edesenvolvem atividades informais temporariamen-te, e, às vezes, passam a trabalhar como assalaria-dos. Esse trabalhador vê essa atividade comosecundária, sendo seu objetivo retornar ao traba-lho assalariado ou realizar a atividade informalapenas de forma complementar à sua atividadeprincipal no setor formal da economia. Praticamos chamados “bicos”, conciliando o trabalho “re-gular” com o ocasional. Exemplos: digitador, sal-gadeiras, “boleiras”, faxineiras, manicuras,confecção de artesanato.

• Trabalhadores assalariados sem registro: fo-ram contratados à margem da regulamentaçãodo mercado de trabalho, à margem das regrasdos contratos por tempo indeterminado de pe-ríodo integral e da organização sindical. Na dé-cada de 1990, houve um grande aumento nessetipo de contratação pelas empresas, aumentan-do a rotatividade de sua força de trabalho e man-tendo os salários reduzidos.

• Trabalhadores autônomos ou por conta pró-pria: são aqueles geralmente mais qualificados,que possuem seus meios de trabalho e utilizamforça de trabalho própria ou familiar. Há casosem que se emprega um número pequeno de tra-balhadores assalariados. Geralmente possuemum capital mínimo representado pelo pequenoestabelecimento comercial e possuem meios detrabalho que lhes asseguram certa estabilidadede ocupação; pertencem ao segmento médio dasociedade.Esses trabalhadores prestam seus serviços dire-tamente para o público ou para determinadaempresa.O trabalhador autônomo, para o público, é aque-le que explora seu próprio negócio ou ofício,prestando seu serviço diretamente ao público,sem usar intermediação de uma empresa ou pes-soa, enquanto o autônomo, para a empresa, tra-balha por conta própria, exclusivamente paradeterminada(s) empresa(s) ou pessoa(s). Esse nãotem jornada de trabalho prefixada contratual-mente, nem trabalha sob controle direto da em-presa, tendo, portanto, liberdade para organizarseu próprio trabalho – horário, forma de traba-lhar, ter ou não ajudante. Essa categoria inclui

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O pequeno proprietário que utiliza o seu pró-prio trabalho e subemprega força de trabalhotemporária e em condições precárias, sem osbenefícios sociais e que não tem a propriedadedos meios de produção, faz parte das práticasda informalidade.O pequeno proprietário que exerce uma profissãoou ofício e conta com o auxílio de um ou mais em-pregados assalariados com registro em carteira, deforma permanente e tem a propriedade dos meiosde produção, está fora do âmbito da informalidade,é considerado como empregador e tem sua situa-ção “regulamentada” junto aos órgãos públicos.

INTERFACES DO SETOR INFORMAL COM O SETORFORMAL DA ECONOMIA

O trabalho informal não existe aleatoriamente. Naverdade, ele compõe a cadeia produtiva do setor for-mal, entendida aqui como o conjunto de atividadesque se articulam progressivamente, desde os insumosbásicos até o produto, distribuição e comercialização,como elos de uma corrente (Figura 1).

As tendências mais recentes indicam que as ocu-pações informais têm um papel muito importante, nãoapenas de ocupar os espaços deixados pelo “grandecapital”, mas desempenham outras funções no pro-cesso de produção de bens e serviços.10

É necessário, aqui, caracterizar um pouco as formasde terceirização existentes atualmente, que variam des-de o trabalho em domicílio até a subcontratação depequenas e médias empresas, inclusive com explora-ção em cadeia, envolvendo as próprias empresas sub-contratadas, em que uma subemprega outra emcondições cada vez mais precárias.

Assim, por exemplo, na cadeia de produção do aço,o trabalho de produção do carvão vegetal é visto numaperspectiva como a estudada por Pedro Zuchi11:

também o trabalhador vinculado a uma empre-sa que recebe exclusivamente por produção, cujovínculo é expressamente formalizado em con-trato de autônomo.Engloba, também, os trabalhadores que se in-cluem na categoria “independentes”, que pres-tam seus serviços às grandes empresas, de formaa baratear sua força de trabalho, como uma es-tratégia para enfrentar a forte concorrência en-tre as empresas. Esses trabalhadores mantêmbaixos preços, têm jornadas de trabalho extre-mamente prolongadas, com precariedade dasremunerações.

• Pequeno Proprietário informal: a autora refor-ça que a discussão de pequena empresa informalseparando-a da definição dos trabalhadores autô-nomos ou por conta própria parece contraditório,já que na realidade essas definições estão muitopróximas, posto que as atividades desenvolvidaspor todos esses trabalhadores estão inseridas nasformas de exploração do mundo de acumulaçãocapitalista. Mas, essa definição torna-se necessá-ria, na medida em que muitos autores empregamesse termo para se referirem ao trabalhador porconta-própria.Há pequenas empresas que recebem rendas deuma certa magnitude e que possuem um consi-derável número de empregados assalariados. Apa-rentemente desfrutam de uma situação diversa eprivilegiada em relação aos demais trabalhadoresinformais. Mas suas atividades estão estreitamen-te ligadas à demanda das grandes empresas e, por-tanto, se mantêm subordinados a elas. Para sedefinir o grau de informalidade das empresas ter-ceirizadas, utilizou-se como critério o empregode força de trabalho assalariada dentro das nor-mas estabelecidas pelas leis trabalhistas e a pro-priedade dos meios de produção.

FLUXO DE PRODUTOS E/OU SERVIÇOS

FORNECEDORES DISTRIBUIDORES CONSUMIDORES

FONTES FABRICANTE

FLUXO DE INFORMAÇÃO

Fonte: Aligleri, 2003.

VAREJISTAS

Figura 1. Modelo de cadeia de relacionamento.

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apropriação e na reciclagem dos restos advindos daprodução, seja por meio de catadores de materialou, ainda, na prestação de serviços diversos para opúblico ou para as empresas.15-19

Essas atividades podem-se concentrar na produ-ção, nas áreas de comércio e prestação de serviços,englobando desde os empregos familiares do setor ar-tesanal, os pequenos ofícios, os pequenos comérciose as atividades ocasionais diversas.

É importante ressaltar o caráter subordinado dosetor informal no sistema econômico capitalista. Noâmbito desse sistema, não se pode pensar no setorinformal como uma solução para o emprego, se nãoforem elevados os níveis de investimento e de saláriosdo setor dinâmico da economia.

Dessa forma, a capacidade de geração de rendado trabalho informal é definida pela expansão do se-tor formal da economia, o qual gera demanda por bense serviços.

A indústria calçadista constitui-se num exemploemblemático, não somente das relações entre o setorinformal e formal, como da perversidade crescentedessas relações. A Tabela 1 mostra o aumento para-doxal da produção – e da produtividade – na medidainversa da redução dos postos de trabalho formal, ouvice-versa.

“...no estudo das condições de trabalho na produ-ção de carvão vegetal, é preciso considerar quequem determina a necessidade de produção de car-vão vegetal são as siderúrgicas, pois elas consomem80% do volume de carvão produzido.”Ainda no mesmo exemplo da cadeia da indústria

siderúrgica, cabe ressaltar que o sistema artesanal deprodução do carvão é caracterizado pela informalida-de nas relações de trabalho, onde os acertos e as com-binações são verbais, sem qualquer registro formal. Aproposta de serviço é feita a partir de um valor deacerto por metro de carvão produzido, ficando aindadefinido que o fornecimento de gêneros alimentíciose medicamentos serão descontados quando do acer-to. O carvoeiro é “livre” para trazer sua família para acarvoaria, cabendo ao mesmo planejar e executar osserviços, ou seja, aparentemente, não existe uma hie-rarquia formal: os acertos são feitos diretamente como empreiteiro ou com o dono da fazenda, que avaliao desempenho de cada carvoeiro pelo que é capaz deproduzir, verificando se deve mantê-lo ou não no ser-viço.11-14

Na verdade, a pressão temporal e o ritmo de tra-balho acabam sendo definidos pelo próprio carvoei-ro, na medida em que, se ele não acelerar osmovimentos, antecipar o resfriamento dos fornos etomar outras providências, ele não conseguirá produ-zir volume suficiente de carvão e estará em débito como senhorio que lhe fornece, a preço aviltante, alimen-tação e medicamentos. Nesse contexto, o que vale éa capacidade física do trabalhador e a rapidez comque ele consegue transformar a lenha em carvão, in-dependentemente do método de trabalho. Para con-seguir cumprir suas metas, o carvoeiro lança mão dotrabalho familiar, incorporando à força produtiva suaesposa e filhos, na expectativa de aumentar os ganhos,em detrimento das condições de vida, que se tor-nam cada vez mais precárias. Como bem denuncia-do em vários estudos, no sistema artesanal de produçãode carvão vegetal não existe organização formal detrabalho e suas relações são nebulosas, passando aolargo dos mínimos direitos que devem ser garantidosaos trabalhadores.11-14

Ressalte-se, contudo, que:“...independentemente do sistema de produção, odestino final do carvão vegetal são as siderúrgicasprodutoras de ferro-gusa, ferro-ligas e aço, que aca-bam por determinar a demanda de produção, pre-ço etc. Isso vai interferir na forma de produção, comreflexos na oferta de emprego, na terceirização, nascondições de trabalho etc.”11

O trabalho informal atua, também, no escoa-mento de produtos de todo o tipo, realizado porvendedores ambulantes e de ponto fixo, seja pela

Tabela 1Número de Trabalhadores Empregados

na Indústria Calçadista e Produção Médiapor Trabalhador, Franca – SP, 1984-1999(Dados apresentados por Navarro, 2003)

Ano Número de Produção MédiaTrabalhadores Trabalhador/Ano

(Em Pares)

1984 36.000 888

1994 25.000 1.240

1997 17.000 1.706

1999 17.000 1.941

Tal evolução de aumento da produtividade não sedeu apenas por inovações tecnológicas. Antes, pelocontrário, deu-se por drásticas medidas de “reestrutu-ração produtiva”, com aumento da perda de postosde trabalho na Indústria e simultâneo ou conseqüentecrescimento das atividades terceirizadas, “quarteriza-das”, “domiciliadas”, em condições adversas, muitobem analisadas por Navarro20,21, entre outros.

Do trabalho de Navarro21, relativo à Indústria Cal-çadista, extraem-se os seguintes comentários:

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“Nas indústrias de calçados em Franca estão em-pregados diretamente cerca de 17.000 operários.Grande número de trabalhadores presta serviçopara essas indústrias e realizam parte da confec-ção do calçado fora de seus limites físicos. No en-tanto, dimensionar esse número não é tarefa fácil.Dados do Sindicato da Indústria de Calçados deFranca indicam a existência, na atualidade, de apro-ximadamente 2.000 prestadores de serviços (oubanqueiros) que realizam, sobretudo, serviços depesponto e de costura manual. Em torno dessesbanqueiros orbita um número não quantificado detrabalhadores contratados para realizar o trabalho.Entre os banqueiros, há diversidade de formas derelacionamento com as indústrias contratantes, nonúmero de empregados contratados e nas instala-ções onde o trabalho é realizado: existe desde aquelepequeno banqueiro que realiza o trabalho de pes-ponto em sua casa com uma ou mais pessoas desua família até o grande banqueiro que dispõe deinstalações onde trabalham de 20 a 50 funcionári-os subcontratados.Todavia, a despeito da precariedade dos dados dis-poníveis, essa realidade pode ser facilmente cons-tatada com uma simples visita a bairros habitacionaisperiféricos de Franca, onde se pode observar, a ami-úde, sua transformação em bairros industriais semindústrias (...)Esse processo de terceirização da produção, que seamplia em Franca a partir dos anos de 1990, já eraprática difundida no setor. De forma geral, as em-presas calçadistas francanas há muito terceirizavamsua produção quando o volume de encomendasultrapassava sua capacidade produtiva. A partir demeados da década de 1980, essa prática deixa deser exceção para tornar-se regra com o prementeobjetivo de reduzir custos. Esse fato explica em par-te a grande redução de postos de trabalho nas in-dústrias de calçados de Franca. Na décadacompreendida entre os anos de 1986 a 1996 fo-ram extintos 16.000 postos de trabalho no ramoindustrial. A redução contínua no contingente daforça de trabalho empregada pelo setor naqueleperíodo não foi conseqüência de uma redução sig-nificativa do volume da produção, que se mantevena média histórica de 27 milhões de pares/ano, àexceção dos anos de 1995 e 1996, quando o volu-me produzido foi de 22 e 24,8 milhões de pares/ano, respectivamente. A redução no número depostos de trabalho nas indústrias foi acompanhadapelo crescimento do trabalho informal, precariza-do, ‘subcontratado’, ‘terceirizado’ e do valor agre-gado ao produto.”21

O TRABALHO INFORMAL E A SAÚDE ESEGURANÇA DO TRABALHADOR NO BRASIL

Além das dificuldades de comparação metodoló-gica de estudos sobre o setor informal da economia,vale ressaltar que outras características peculiares dosetor dificultam o estudo sistemático das condições detrabalho e da saúde e segurança do trabalhador.17,18

Parte das atividades do setor informal ocorre emambientes caracterizados por: ausência de limites físi-cos ou territoriais, grande amplitude, desorganizaçãoou mobilidade dos espaços de trabalho, como, porexemplo, os que trabalham na rua.

Outra parte das atividades ocorre em ambientesbem delimitados, muitas vezes em ambiente domicili-ar, freqüentemente com instalações improvisadas e semutilização de dispositivos de proteção ambiental cole-tiva e/ou proteção individual do trabalhador. Apesarde mais bem delimitado, o ambiente de trabalho, namaioria das vezes, não é “enxergado” pelos órgãos defiscalização do trabalho, por se tratarem de empresasirregulares.

De maneira geral, as condições de trabalho no se-tor informal, nas pequenas e microempresas, no do-micílio e nas ruas são perigosas e insalubres,observando-se nelas a presença de múltiplos fatoresde risco para a saúde e a ausência de dispositivos emecanismos básicos de proteção. Soma-se a esses fa-tores de risco presentes ou decorrentes do trabalho aausência de proteção legal assegurada pela informali-zação do contrato de trabalho, o descumprimento denormas básicas de segurança, a ausência de fiscaliza-ção, além da falta de cobertura do seguro social e aci-dentes do trabalho.17,18

De modo geral, são grandes as dificuldades para aconstrução de redes de solidariedade e de suportesocial entre os trabalhadores, pois a pressão da neces-sidade de sobrevivência submete o trabalhador, dei-xando em segundo plano todas as demaisreivindicações de vida e trabalho, além do desconhe-cimento de direitos básicos e de mecanismos de pro-teção jurídica à cidadania.17,18

Em atividades que são realizadas em ambientesdomiciliares e em pequenas e microempresas, a faltade manutenção preventiva dos equipamentos e ma-quinários, a ausência de equipamentos de proteçãotanto ambientais quantos individuais, a insuficiênciade treinamento dos trabalhadores são somadas aosfatores de risco à saúde específicos das atividades quesão desenvolvidas nesses locais.

No trabalho informal realizado em ambientes do-miciliares, há o agravamento da situação devido aofenômeno denominado domiciliação do risco, ondenão somente os trabalhadores, mas também suas fa-

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mílias estão expostas aos mesmos riscos ocupacionaisda atividade desenvolvida.

Como bem relatado por Vera Lúcia Navarro20, emsua tese:

“Nas visitas realizadas em domicílios de trabalhado-res, pode-se observar que a invasão do espaço do-méstico pelo trabalho assalariado (que pressupõe emmuitos casos também a invasão de máquinas e equi-pamentos) além de subtrair do trabalhador e de suafamília a privacidade do lar, coloca em risco a saúdede todos. O cheiro da cola, o pó do couro, equipa-mentos improvisados para o desenvolvimento de suasatividades, o ruído das máquinas que permanecemem funcionamento até mesmo em período noturnoe em finais de semana são indicadores suficientes paraafirmar que o aumento da informalização do setor,além de precarizar as relações de trabalho, agravatambém as condições de trabalho, saúde e qualida-de de vida dos trabalhadores e de seus familiares (ébom lembrar que as famílias são compostas tambémpor idosos, pessoas doentes, neonatos e crianças deidades variadas).”20

Prossegue a autora:“Como se não bastasse, a invasão fabril do lar étambém compartilhada pela vizinhança do traba-lhador. Há inúmeros relatos, em Franca, de rela-ções de amizade ou de vizinhança rompidas ouabaladas pela instalação de máquinas e equipamen-tos em espaços destinados à moradia. A instalaçãode balancins de corte no interior de residências, alémde colocar em risco a saúde, tem provocado tam-bém irritação nos vizinhos, que compartilham oruído provocado por esse equipamento. Há casosrelatados, também, de rachaduras em paredes tan-to do dono do equipamento quanto de seu vizinho.A instalação de espaços destinados ao desenvolvi-mento de atividades fabris em locais inadequadoschegou a tal ponto que, recentemente, o sindicadodos trabalhadores recebeu denúncia de uma mo-radora da cidade pedindo providências, pois seuvizinho que mora no andar de cima de um aparta-mento do CDHU instalou no local uma banca depesponto, onde trabalha com a família até nos fi-nais de semana.”20

Apesar de não estarem disponíveis informações con-fiáveis, é possível inferir a ocorrência de altos índices deacidentes do trabalho e de doenças profissionais e rela-cionadas ao trabalho, que se superpõem às causas deadoecimento próprias das más condições gerais de vidae da precariedade dos serviços sociais, entre eles, o desaúde, prestados a essa população.

Dos estudos realizados com lapidários de pedraspreciosas e semipreciosas em Minas, obtemos relatoscomo o seguinte:

“Os dados preliminares disponíveis mostram que,além da exposição à poeira de sílica, outras situa-ções de risco para a saúde dos trabalhadores estãopresentes nas lapidações, decorrentes de instalaçõesimprovisadas; rede elétrica sem proteção, ao ladode mangueiras que conduzem água; serras sem dis-positivos de proteção; exposição importantes aoruído; movimentos e posições forçadas devidas amobiliário improvisado; ventilação e iluminaçãoprecárias; ausência e/ou inadequação de equipa-mentos de proteção coletiva e individual. Conside-rando o caráter domiciliar e familiar da atividade, égrande o contingente de mulheres e adolescentesenvolvidos.(...) Em todas as oficinas estudadas, os pesquisado-res observaram pouca ou nenhuma atenção para adispersão da poeira, tanto dos ambientes de traba-lho como dos rejeitos e depósitos nos quintais, jun-to às oficinas e residências. (...).”17,18

SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHOINFORMAL: DESAFIOS E OPORTUNIDADESPARA A INDÚSTRIA BRASILEIRA

Introdução

Experiências e iniciativas internacionais existentesbuscam combater o trabalho informal ou, no mínimo,garantir mecanismos de proteção social e qualificaçãode renda.

Em uma proposta macro, a solução para as ques-tões de saúde e segurança dos trabalhadores do setorinformal inclui mudanças econômicas estruturais ca-pazes de gerar emprego produtivo e regulamentado.Outras providências incluem medidas jurídicas para alegalização da informalidade, apoio ao crédito, capa-citação profissional e ampliação de cobertura de assis-tência à saúde e previdência social.17,18

No referente à Saúde no Trabalho, urge a interven-ção do Estado, dentro de suas responsabilidades cons-titucionais e da legislação da saúde – em especial aLei 8.080/90.22 Num contexto de marginalidade,desigualdade e notória assimetria de condições soci-ais e de falta de eqüidade:

“...ganha importância o papel e a responsabilidadedo Sistema de Saúde no desenvolvimento das açõesde saúde para esses trabalhadores. No Brasil, o sis-tema público de saúde representa uma das poucas– se não a única – políticas públicas formuladas combase no acesso universal e na participação e con-trole social. Também não se pode esquecer que,nos serviços de saúde, nas diferentes formas em queestão organizados – serviços de urgência e emer-gência, atenção básica e serviços especializados –chegam e ganham visibilidade, às vezes de modo

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SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO INFORMAL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A INDÚSTRIA BRASILEIRA

dramático, as conseqüências deletérias da desigual-dade social e das más condições de vida e trabalho,que se traduzem nos acidentes e no adoecimentorelacionados ao trabalho. Assim, não é exagero di-zer que, na atualidade, o sistema de saúde repre-senta a única alternativa disponível, de curto prazo,para assegurar aos trabalhadores do setor informaluma atenção diferenciada, que contemple sua in-serção no trabalho, uma vez que estes trabalhado-res estão a descoberto de outras formas de amparolegal, disponíveis para os trabalhadores do setorformal.”17

Como bem observa a pesquisadora,“a tendência observada na atualidade, de reor-denar as políticas e as ações de saúde, tanto nosetor público quanto no privado, pelo marco daPromoção da Saúde, priorizando a atenção bási-ca, pode vir a constituir um elemento favorávelao desenvolvimento de ações de Saúde do Traba-lhador no setor informal.23 Entre as dificuldadespara o encaminhamento das mudanças estão asformas incipientes e pouco claras de organizaçãodesses trabalhadores; as más condições de vida;a ausência ou precariedade da cobertura dos di-reitos básicos de cidadania e a sustentabilidadeeconômica.”17,18

Responsabilidade Social em uma Visão deCadeia de Produção

É crescente o número de empresas que vêm per-cebendo que ações de responsabilidade social podemrepresentar reais vantagens competitivas, mas, para quese legitimem como tal, é imprescindível o envolvimen-to de toda a cadeia produtiva, uma vez que um bemsocialmente responsável somente será produzido coma integração dos vários processos de diferentes em-presas e elos – ainda que informais – da cadeia. Comefeito, as novas exigências para a manutenção dacompetitividade das empresas vêm trazendo para agestão implicações de cunho mais amplo e sistêmico,de forma que as oportunidades de negócio oferecidaspelas atuais condições econômicas geram uma fortedemanda por um “novo contrato social global”.24

Com esta visão, o conceito de responsabilidadesocial das empresas vem-se consolidando de formamultidimensional e sistêmica, buscando “interdepen-dência e interconectividade entre os diversos stakehol-ders ligados, direta ou indiretamente, ao negócio daempresa”.25

É nesse contexto e com essa visão que o setor for-mal ou organizado da economia – e aqui, da Indústria– pode e deve exercer um papel importante nas ques-tões de saúde e segurança dos trabalhadores do setorinformal de trabalho que, a montante ou a jusante da

indústria formal, constituem elos indissociáveis na ca-deia produtiva ou “cadeia logística” – como preferemalguns –, da produção industrial.

Na verdade,“(...) o atual arranjo sistêmico que vem sendo exigidodas empresas requer também uma nova compreen-são de responsabilidade social, que não mais pode-rá estar centrada unicamente no fabricante e emsuas políticas sociais para os diversos stakeholders.A designação de empresa e de produto socialmenteresponsável passa a ser incumbência não apenas deuma organização isolada, mas de toda a cadeia pro-dutiva da qual ela faz parte.”24

A Figura 2 resume os princípios e o enfoque, des-tacando, primeiro, o novo contexto empresarial, mar-cado pela globalização e pelo incremento dacompetitividade, ocasionando impacto direto sobre aonda de coordenação, cooperação e parceria. Tal con-dição exige do gestor uma visão mais ampla e sistêmi-ca, uma vez que aparecem novos valoresorganizacionais e novas maneiras de pensar a cadeiaprodutiva. Em seguida, a gestão logística sob o enfo-que estratégico, desde o fornecedor de insumos até ocliente final, integrados por um sistema de informa-ção e uma política de responsabilidade social única,tendo como foco o meio ambiente, a saúde e segu-rança, a ética e o público interno.

Como foi muito bem destacado pela pesquisadoraLilian Aligleri24, da Universidade Estadual de Londrina:

“Não há como denominar uma empresa como so-cialmente responsável, se o seu fornecedor atua deforma ambientalmente agressiva, ou utiliza padrõesde conduta antiéticos, bem como se o seu distri-buidor pratica discriminação racial, ou não apre-senta condições mínimas de segurança no trabalho.Haja visto as campanhas de boicote que vem so-frendo a Nike, por diversas organizações não-go-vernamentais de todo o mundo, em protesto pelascondições de trabalho apregoadas pelos fornece-dores.”Nesta mesma compreensão, vale salientar que não

basta o fabricante almejar e implementar políticas ediretrizes internas, para conseguir excelência em res-ponsabilidade social. A prática deve-se estender aosfornecedores, distribuidores e varejistas, evitando açõesprecárias e muitas vezes predatórias em questões liga-das ao social. Caso contrário, devido ao contexto sis-têmico, a empresa produtora corre o risco de serpenalizada com a perda de uma boa imagem corpo-rativa e de competitividade, devido à ineficiência dacadeia produtiva em que está inserida, por mais soci-almente correta que ela seja.24

Cada ponto fraco da cadeia – adverte Aligleri24 –prejudica a imagem responsável do produto, desde o

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processo utilizado na extração de matéria-prima atéas práticas de venda utilizadas pelos varejistas. Dessaforma – prossegue –, a consistência de uma cadeia emquestões ligadas ao social é igual à resistência de seuelo mais fraco, pois, se uma dessas funções falha ou éinterrompida, provoca desequilíbrio nos outros elos,diminuindo o desempenho de cada um e comprome-tendo a cadeia como um todo.

Assim, a responsabilidade social transforma-se emum sistema de gestão interorganizacional que envolvea integração de diversos processos de negócios, desdeas fontes de suprimentos até o consumidor final. Talinteração significa uma profunda alteração de valores,já que há necessidade de alinhamento de processos-chave, extrapolando os limites da empresa.26

A propósito do tema, Aligleri24 comenta que:“Políticas sociais inovadoras, no que diz respeito aorelacionamento com os fornecedores, podem serobservadas, tanto na Van den Bergh Alimentos, uma

divisão da Gessy Lever, quanto na Natura. A Vanden Bergh busca, com os produtores de tomate,soluções para minimizar o impacto ambiental daprodução, implantando a irrigação por gotejo nasplantações, o que, além de provocar uma diminui-ção do consumo de água e energia da ordem de25%, também reduz pela metade o uso de agrotó-xicos utilizados na produção. Já a Natura incluiu emseus contratos com os fornecedores uma cláusulaque estabelece a possibilidade de rompimento derelações comerciais, caso haja desrespeito ao esta-tuto da Criança e do Adolescente.”A Norma SA 8000, sobre Responsabilidade So-

cial,27 especifica requisitos para possibilitar uma em-presa a desenvolver, manter e executar políticas eprocedimentos com o objetivo de gerenciar temas deresponsabilidade social aos quais ela possa controlarou influenciar, devendo esses requisitos ser aplicadosuniversalmente em relação à localização geográfica,

Figura 2. Modelo de Cadeia de Relacionamento.

Novo contexto empresarial na cadeia socialmente responsável

Globalização Incremento dacompetividade

Desfronteirizaçãoorganizacional

Novos valoresorganizacionais

Coordenação,cooperação e

parceria

Nova cadeiade produção

GESTÃO ESTRATÉGICA

Meio ambiente,saúde e segurança

Ética Público interno

Insumos Fornecedores Fabricante Distribuidor Varejista Consumidores

Cadeia logística

Fonte: Aligleri modificado por Mendes.

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SAÚDE E SEGURANÇA NO TRABALHO INFORMAL: DESAFIOS E OPORTUNIDADES PARA A INDÚSTRIA BRASILEIRA

ao setor da indústria e ao tamanho da empresa. A Nor-ma SA 8000 é clara na visão ampliada do conceito deGestão da Saúde e Segurança no Trabalho, incluindo,de forma inseparável e obrigatória, o controle dos for-necedores e, quando apropriado, dos subfornecedo-res. Essa visão de futuro, urgentemente necessária nopresente, introduz o conceito adotado pela OECD de“Responsabilidade Estendida do Produtor”, o que sig-nificaria um passo além do conceito e da prática de“Atuação Responsável” (“Responsible Care”), progra-ma internacional adotado por cerca de 47 países e, noBrasil, representado e coordenado pela AssociaçãoBrasileira da Indústria Química (ABIQUIM). Incluiria,também, a visão a montante, ou “para a frente”, nacadeia produtiva.

Como bem salienta Lilian Aligleri24, em seu estudo:“É importante enfatizar que a responsabilidade so-cial da cadeia produtiva não se encerra com a ven-da do produto ao consumidor final. A cadeia deveassumir para si a preocupação com a vida útil doproduto e seu destino após o consumo, o queabarca, inclusive, as embalagens que o compõem,caso existam. Só assim a cadeia conseguirá atingirníveis elevados de responsabilidade social e contri-buir para a melhoria da qualidade de vida da socie-dade.”24 (negrito nosso).Tem sido citado – como exemplo negativo, às ve-

zes, e como exemplo positivo, outras vezes – o casoda indústria automobilística, que vem passando poruma forte transformação decorrente do processo deglobalização, associado à revolução tecnológica, alte-rando as relações e processos nas várias partes da ca-deia produtiva: montadoras, fornecedores, autopeçase concessionárias. Toda essa transformação mudouprofundamente o comportamento dentro da cadeia,fazendo com que ocorressem mudanças nos papéis ena postura dos vários participantes.24,26,28

Segundo destaca Aligleri24, no setor das indústriasde insumos para a cadeia automotiva, os cuidados coma gestão social devem respeitar a legislação, reduzin-do principalmente os impactos negativos ao meioambiente (e à saúde e segurança no trabalho – acres-centamos nós), de forma a proporcionar a sustentabi-lidade produtiva, em longo prazo. As empresas deextração de minerais e metais, principais matérias-pri-mas do setor automotivo, deverão possuir políticas am-bientais e de saúde dirigidas à redução do descarte deprodutos tóxicos e da utilização de poluentes; redu-ção do lixo tóxico produzido; reutilização dos resídu-os do processo produtivo, além de minimizar os danosao solo. Com relação às políticas éticas, é imprescindí-vel o cumprimento dos deveres legais, a prática depreços honestos e a adoção de posicionamentos in-ternos que venham a restringir práticas antiéticas ouilegais, como suborno ou contratos de terceirizaçãodiscutível.24

Como bem destaca Venanzi26, as indústrias meta-lúrgicas e siderúrgicas, que são os fornecedores dire-tos das montadoras, também devem corresponder àsexigências de ética ambiental e social. Segundo esseautor, a cadeia automobilística possui um grande nú-mero de fornecedores – entre mil e 2,5 mil para afabricação de um carro completo – o que acarreta umárduo esforço da montadora para gerenciar questõesque interferem diretamente na percepção do produtocomo socialmente responsável.

A Figura 3 esquematiza o conceito de cadeia deprodução, aplicado para a Indústria automobilística.

Como bem salienta Aligleri24, nem sempre a inser-ção das cadeias produtivas em políticas de responsa-bilidade social envolve o aporte de investimentos,variando essa questão de cadeia para cadeia. Em al-guns casos, acredita a autora, como na cadeia quími-ca, pode haver necessidade de tecnologias e insumos

Cadeia logística da indústria automobilística

Fontes deinsumos Fornecedores Fabricante/

transformadorDistribuidor/

varejistaConsumidor

final

Indústria deextração

Indústriasiderúrgica/metalúrgica

Indústriaautomobilística

Concessionária Pessoa físicaPessoa jurídica

Insumos Beneficiadora Montadora Serviços

Fonte: Aligleri, 2003.

Figura 3. Esquema dos Principais Elos da Cadeia de Produção na Indústria Automobilística.

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mais caros; já em outros, como na cadeia agroalimen-tar orgânica, a tendência é reduzir os custos ligados àquestão ambiental e o impacto na qualidade de vidados trabalhadores.29-31

Ampliação do Conceito de “Sustentabilidade”Ambiental

Quando comparadas às questões de Saúde e Se-gurança no Trabalho, as preocupações pela “sustenta-bilidade ambiental” estão em sintonia com o enfoquedo “ecologicamente correto”, e é nessa vertente queidentificamos desafiadores espaços para a atuaçãoempresarial da Indústria.

Talvez deva ser dito antes que, no nosso modo dever, confunde-se e superpõe-se a responsabilidade le-gal com a responsabilidade social e com a responsabi-lidade ética, pois Saúde, Segurança e Meio Ambientepodem e devem ser vistos nestas três perspectivas.32

A Figura 4 esquematiza esta superposição de en-foques necessários.

captada por extensas e invisíveis redes de sucateiros ecoletores, a maioria dos quais tipicamente “informal”.Incluí-los nas políticas e ações da Indústria é entenderque eles fazem parte da cadeia produtiva a montante,e vê-los como fornecedores, portanto, parceiros nosempreendimentos e stakeholders estratégicos.15-19,33,34

“O trabalho refere-se ao diagnóstico dos serviçosde limpeza urbana na cidade de Porto Alegre, aliadoa uma avaliação sucinta dos mesmos através de in-dicadores de sustentabilidade. O estudo abrangetambém a caracterização dos resíduos urbanos do-miciliares e comerciais, e a quantificação do setorinformal e dos depósitos de materiais recicláveis.Os temas supracitados foram obtidos através depesquisas a campo, bem como por meio de infor-mações do Departamento Municipal de LimpezaUrbana – DMLU. Entre os resultados obtidos, ci-tam-se: a educação ambiental é de suma importân-cia para a obtenção de um melhor desempenhodos serviços de coleta seletiva realizados peloDMLU. O teor de resíduos facilmente biodegradá-veis em Porto Alegre é bastante significativo; aquantidade absoluta de materiais recicláveis do lixodomiciliar corresponde a cerca de 259 t/dia; amaior economia de energia dos componentes re-cicláveis se obtém através dos plásticos, seguidodo papel e do alumínio; o trabalho ecológico de-sempenhado pelos catadores de lixo correspondea cerca de 125 t diárias, valor correspondente aaproximadamente três vezes o total coletado peloDMLU através da coleta seletiva; os componentesdescartados em maiores quantidades no lixo co-mercial são o papel, o papelão e a matéria orgâni-ca; os depósitos de materiais recicláveis, querealizam apenas a classificação e o enfardamentodos componentes antes da venda, destinam àsindústrias recicladoras cerca de 1.192 t mensais demateriais. De maneira geral, os resultados do es-tudo mostram a importância dos catadores no cicloda reciclagem dos componentes do lixo domiciliare comercial. Sugere-se, portanto, a integração des-tes nos serviços prestados pelo DMLU, no intuitode minimizar o monopólio exercido pelos deposi-tários e, principalmente, promover a melhoria devida destes profissionais.”33

Os Serviços “Compartilhados” de Segurança eSaúde no Trabalho: A Indústria Brasileira ea Nova Nr-4

A participação da indústria brasileira na melhoriadas condições de trabalho do setor informal pode-sedar de diferentes formas, desde a exigência de quali-ficações mínimas para a contratação de serviços ter-

ResponsabilidadeLegal Responsabilidade

ética

Responsabilidadesocial

Figura 4. Esquema da Superposição Entre a Responsabi-lidade Legal, Ética e Social das Empresas, em Saúde eSegurança no Trabalho.

Com essa visão, enfatizamos que as preocupações eprovidências concretas em matéria de Meio Ambientedevem ser também estendidas à Saúde e Segurançano Trabalho, posto que são indissociáveis e mutuamen-te reforçadoras.

Inúmeros são os exemplos das oportunidades deaproximar Meio Ambiente da Saúde e Segurança dostrabalhadores, e esta tendência tem sido apropriadapor grandes organizações produtivas, ainda que demodo insuficiente.

Um dos exemplos mais típicos dessa oportunidadede trazer a Saúde e a Segurança para mais próximodas políticas sociais e éticas da Indústria é aquele rela-cionado com a obtenção de matéria-prima reciclável,

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ceirizados, a promoção de ações informativas e de es-clarecimento dos trabalhadores em relação ao riscode sua atividade e formas de prevenção e controle,até o incentivo à organização dos trabalhadores, comona formação de cooperativas e definição de espaçosespecíficos de trabalho, entre outras medidas.

Nesse caso, o conceito de “terceirizados” ou “quar-terizados” poderia ser ampliado, exatamente na con-fluência dos conceitos e campos da responsabilidadelegal, da responsabilidade ética e da responsabilidadesocial.

Essa visão de responsabilidade social ampliadaou compartilhada ganha força com o direcionamen-to da nova NR-4, sobre os Serviços de Segurança eSaúde no Trabalho (SEST), que legitimam uma ten-dência universal de desenvolver serviços comparti-lhados (na Espanha, há muitas décadas, existem osserviços “mancomunados”...), extensíveis aos pres-tadores de serviços, de portes pequeno e médio, e,por que não, aos trabalhadores “informais” inseri-dos nas cadeias produtivas a montante e a jusante,ou abrigados num espaço territorial ou de influên-cia econômica da grande ou média Indústria? Eis odesafio e a oportunidade!

Essa possibilidade, correta sob perspectivas ética esocial, poderá tornar-se também correta na perspecti-va legal e é nesta direção que as políticas públicas de-veriam ser direcionadas, sob a visão ampliada deparceria público-privada.

Essa alternativa que estamos propondo já é par-cialmente praticada em alguns pólos econômicos ouindustriais no Brasil, como de Santa Cruz – RJ, deParobé – RS, do Pólo Sídero-Portuário de Tubarão –ES, entre outros.

Identificamos aqui a retomada do conceito de “ca-deia produtiva” e de “cluster”, que poderiam ser osdois critérios básicos para o desenvolvimento e a im-plementação de políticas de Saúde e Segurança parae com trabalhadores informais, dentro de uma visãosolidária, de interdependência e de cooperação.

Assim, “clusters” como, por exemplo, o de calça-dos de Franca – SP21; ou de calçados da Região doCariri – CE35; ou da indústria têxtil de Americana36,37;

e outros38,39; ou da indústria cerâmica de Santa Cata-rina40; ou da indústria moveleira de Ubá – MG – ape-nas para dar alguns poucos exemplos – poderiam, oumelhor, deveriam desenvolver – se ainda não o fize-ram – modelos de organização de ações de promo-ção, proteção e recuperação da saúde dostrabalhadores, por iniciativa própria, liderados por gran-des indústrias ou pelas instâncias organizacionais dopólo ou do “cluster”.

CONCLUSÃO

As questões de Saúde e Segurança no Trabalhono “Setor Informal” de trabalho no Brasil, situadas amontante ou a jusante da atividade core da Indús-tria, devem ser incluídas dentro do espectro deabrangência da responsabilidade social, da respon-sabilidade ética e da responsabilidade legal solidáriada Indústria.

Sob o conceito avançado de cadeia produtiva e deexercício da responsabilidade social estendida, traba-lhadores informais, relacionados com as atividadesindustriais a montante (fornecedores, prestadores deserviço etc.) e a jusante (distribuidores, vendedores, eno limite, consumidores) deveriam ser consideradoscomo “parceiros” e “stakeholders” estratégicos, tam-bém em áreas críticas e vulneráveis da informalidadede trabalho atual, particularmente no campo da saú-de e segurança no trabalho. Somente assim será possí-vel melhorar a eqüidade entre o “setor formal” e o“setor informal” da economia.

Novos modelos organizacionais, baseados em po-líticas e valores de cooperação, solidariedade e par-ceria devem ser buscados, capitalizando arranjosorganizacionais desenvolvidos para fins da Produ-ção, da Competitividade e da Qualidade, num con-texto globalizado. Sem Saúde e Segurança notrabalho em todos os elos da cadeia produtiva e emtodos “stakeholders” estratégicos não haverá susten-tabilidade dos negócios e verdadeiro desenvolvimentosocial e econômico.

Caminhos e alternativas inteligentes e criativas exis-tem e podem-se tornar realidade.

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SUMMARY

Health and Safety in the Informal Work: Challenges and Opportunities for the Brazilian IndustryA study carried out for the Brazilian Social Service of the Industry (SESI) with the purpose of identifyingpotential opportunities for the formal sector of the Brazilian Industry in order to develop and implementpolicies, programs and actions for the improvement of workers’ health and working conditions in the informalsector, mainly when related to the industrial activities.This study revises the “Informal Sector” concept and characterization, presenting some updated statisticsand data from the Brazilian economy. The study introduces the importance and the need of approaching thisissue under a comprehensive view of the mutual interdependency and the mutual complementary nature ofthe formal and the informal sectors. This understanding is taken within the context of the current concepts of“production chain”, “chain of production”, “cluster” and “complete life cycle” of products and services.A brief description and analysis of the main occupational safety and health problems in the Informal Sectorare included in the study, based on Brazilian literature.The main part of this study deals with the approaches and policies that should be taken into account by the“formal” industry in Brazil, when occupational safety and health issues are concerned. The appropriation ofthe concept of “production chain” and “complete life cycle” or even geographic or production “cluster”should push formal industry to consider occupational safety and health in the informal sector withinan extended view of “social responsibility”, to be appropriated and implemented by the formal industry.Furthermore, occupational safety and health should also be dealt with as an extension of the conceptof “sustainable development” and “sustainable environment”. Finally, this study points out the importance ofthe current discussion in Brazil, about the new act on Occupational Health Services (NR-4), which is going tocreate the concept of “Shared Services”, based on geographic and/or production cycle criteria.

Key Words: Occupacional Health; Informal Sector; Informal Work; Occupational Safety and Health in Industry;Brazil.

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