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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN 1808-8716 Assis. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 7(gt17):1-19 Tecnologia Local no Projeto Nacional da Exploração de Petróleo GT 17 – Periferalidade e subalternidade na produção do conhecimento João Sérgio S. Assis Resumo: De tempos em tempos surgem temas capazes de mobilizar diversos setores da sociedade brasileira: são os chamados Projetos Nacionais. O interesse de amplos setores da sociedade ao longo do século XX na exploração e produção de petróleo no Brasil torna este tema um candidato a Projeto Nacional. Porém, no Brasil, raramente o desenvolvimento ou aproveitamento de tecnologia local é considerado condição de sucesso de um Projeto Nacional. No caso do Projeto Nacional do Petróleo, quando se encontrou grandes quantidades de petróleo em local inacessível à tecnologia da época, desenvolvimento de tecnologia inédita se tornou mandatório. O projeto foi um sucesso, sobretudo do ponto de vista empresarial, porém nem todos os ganhos ficaram no país. Palavras – chave: Petrobras, petróleo, PROCAP, inovação, tecnologia local

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VII ESOCITE.BR tecsoc - ISSN∕ 1808-8716 Assis. Anais VII Esocite.br/tecsoc 2017; 7(gt17):1-19

Tecnologia Local no Projeto Nacional daExploração de Petróleo

GT 17 – Periferalidade e subalternidade na produção do conhecimento

João Sérgio S. Assis

Resumo: De tempos em tempos surgem temas capazes de mobilizar diversos setores da sociedadebrasileira: são os chamados Projetos Nacionais. O interesse de amplos setores da sociedade ao longodo século XX na exploração e produção de petróleo no Brasil torna este tema um candidato a ProjetoNacional. Porém, no Brasil, raramente o desenvolvimento ou aproveitamento de tecnologia local éconsiderado condição de sucesso de um Projeto Nacional. No caso do Projeto Nacional do Petróleo,quando se encontrou grandes quantidades de petróleo em local inacessível à tecnologia da época,desenvolvimento de tecnologia inédita se tornou mandatório. O projeto foi um sucesso, sobretudo doponto de vista empresarial, porém nem todos os ganhos ficaram no país.

Palavras – chave: Petrobras, petróleo, PROCAP, inovação, tecnologia local

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Introdução

O objetivo deste trabalho é buscar pistas para entender por que o desenvolvimento de

tecnologia local raramente fez parte de algum Projeto Nacional brasileiro e quando fez não

figurou como uma de suas condições de sucesso. Projeto Nacional, neste texto, não deve ser

entendido como um projeto definido no sentido estrito da palavra, mas sim um objetivo (ou

conjunto de objetivos) adotado por grupos com algum poder de decisão (ou de pressão sobre

quem tem poder decisório) e que mobilize setores da população nacional por um tempo

considerável, pelo menos até que algum (dos) objetivo(s) seja atingido.

Esta falta de prioridade (na tecnologia local) deixa aberta a porta para a adoção de

soluções como a importação de tecnologia estrangeira, quando disponível, ou até mesmo a

contratação de empresas estrangeiras para desenvolver soluções de problemas que estas

mesmas empresas ainda não dominam, o que pode ser chamada de “exportação de desafios”.

A adoção de uma destas soluções externas ajuda empresas estrangeiras a ganhar escala,

tornando-as imbatíveis na competição direta com eventuais candidatos nacionais.

Mas a quem interessa desenvolver tecnologia local? Os principais interessados

diretamente no desenvolvimento tecnológico são os cientistas e técnicos envolvidos nestas

atividades. Este grupo, porém, não é autônomo e depende da existência de investimento

prévio em sua formação. Além disso, depende também das demandas e do financiamento de

governos ou de grupos privados que invistam em criação de tecnologia e assumam os riscos

financeiros deste investimento.

Em algumas épocas surgem oportunidades que permitem que os interesses de grupos

de cientistas e técnicos se aproximem dos interesses dos grupos que detêm algum poder de

decisão das políticas publicas do país: o setor produtivo industrial, o setor produtivo agrícola,

militares e burocracia estatal. Estes setores não são homogêneos e não é necessária a total

adesão de seus membros para fazer avançar um projeto nacional.

A população em geral vem a reboque destes interesses e é cooptada através de ideias

simplificadas e de forte apelo: desconfiança do estrangeiro, promessa de desenvolvimento,

destino manifesto, autossuficiência.

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Falar, genericamente, de Projeto Nacional envolve diversas complicações que fogem

ao escopo deste trabalho. Porém, a descrição do primeiro parágrafo se encaixa perfeitamente

num “projeto” que mobilizou diversos setores do país desde a década de 1920 até os dias

atuais.

Diversos eventos ilustram como possuir petróleo e produzir petróleo foi sendo

desejado por largas parcelas da população e como isso se configurou no imaginário do país.

Para citar alguns: as cartas de Monteiro Lobato a Getúlio Vargas em 1936, a comoção gerada

pelo primeiro poços de petróleo encontrado em 1939, a campanha “O Petróleo é Nosso”, a

mão do presidente Getúlio Vargas molhada com petróleo brasileiro quando se decidia a

criação da Petrobras em 1952, o presidente Figueiredo comemorando o aniversário de

governo numa plataforma de petróleo em 1984 e o presidente Lula repetindo o gesto de

Getúlio no anúncio da possível autossuficiência em 2006.

Os Interesses no Projeto Nacional do Petróleo

É muito complicado procurar situar em uma singularidade o começo de alguma coisa.

Sempre que se tenta fazer isso se corre o risco de ignorar relações que estão se consolidando

ao longo do tempo, estabelecendo entre elas as características de causa e efeito, o que pode

levar a perguntas como “o que veio primeiro?”. Mesmo correndo este risco, é difícil não ver a

Primeira Guerra Mundial (1914-1918) como um marco do momento em que o petróleo

passou a ser visto como algo a ser desejado. A guerra foi um acontecimento de escala mundial

onde durante quatro anos desfilaram pelos campos de batalha da Europa, máquinas

(blindados, navios, submarinos e aviões), movidas por combustíveis derivados de petróleo,

construídas em indústrias também dependentes de petróleo. Para quem acompanhava os

acontecimentos teve o efeito de um grande evento de marketing. Mesmo no Brasil, longe do

teatro de guerra e que teve uma pequena participação nas operações, os efeitos foram

sentidos.

Não é surpresa que os primeiros sensibilizados tenham sido os militares. A partir da

guerra, a segurança nacional passou a depender também da segurança energética. Desde

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aquela época, ficou claro que não era mais possível lutar (e ganhar) uma guerra sem

combustível. Tornou-se vital ter acesso a uma fonte confiável e reservas suficientes para o

caso de um conflito, e o Brasil, naquela época, não tinha nenhuma das duas coisas. Além

disso, as negociações para a entrada do Brasil na guerra colocaram os militares em contato

com as forças armadas de países industrializados, o que tornou patente o atraso das forças

armadas brasileiras em relação à forma como estava sendo lutada a guerra. Este contraste fez

crescer um sentimento de frustração com o atraso do país, sobretudo entre a baixa oficialidade

(tenentes), marcando a década de 1920 com várias rebeliões.

Outro grupo que poderia se interessar eram os detentores de capital, os grandes

capitalistas. O Brasil do início do século XX, porém, era um país agrícola que dependia da

exportação de uns poucos bens primários como o café e a borracha. Enquanto, nos países

industrializados, os derivados de petróleo eram cada vez mais empregados para mover as

indústrias e uma frota crescente de veículos (sobretudo automóveis e navios), no Brasil este

produto tinha pouca importância.

Porém, com a guerra, o país foi duramente afetado devido à interrupção das

exportações de café para a Europa e à apreensão de navios brasileiros pela marinha alemã

(COMPAGNON, 2014, pos. 4421). Paradoxalmente, a guerra também dificultou a importação

de bens industrializados, que passaram a ser fornecidos por uma incipiente indústria local,

temporariamente livre da concorrência europeia (BONGIOVANNI, 1994. P. 29). Neste

período começa a ganhar força a ideia que o país precisava se industrializar, diminuir sua

dependência externa, se “modernizar”.

Isso não quer dizer que nunca se havia pensado em procurar petróleo no Brasil. Desde

a época em que o moderno negócio do petróleo começava a dar seus primeiros passos nos

EUA, foram realizadas algumas explorações, com permissão do governo, pela iniciativa de

particulares (muitos deles estrangeiros). Foram poucas tentativas que foram se esgotando

antes mesmo da primeira guerra.

Após a revolução de 1930 e durante os dez anos seguintes, foram formadas diversas

companhias de pequenos investidores privados que tentaram, através de venda de ações,

captar dinheiro para exploração de petróleo. Estes investimentos foram em geral mal

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sucedidos principalmente por que não conseguiram encontrar petróleo, apesar de muitas vezes

usarem a propaganda para afirmar o contrário. Alguns investidores se dedicaram ao refino e

chegaram a ser construídas pequenas destilarias, a maior parte no sul do país, que atendiam

apenas a necessidades locais. A quase totalidade do combustível do país vinha da importação

promovida pelas grandes empresas multinacionais produtoras (os trustes).

O capital internacional não tinha interesse em procurar petróleo no Brasil, pois seus

técnicos afirmavam que as perspectivas não eram favoráveis a encontrar grandes quantidades

do produto (a probabilidade de lucro era muito maior que o risco do investimento). As

multinacionais de petróleo já dominavam a importação e distribuição de combustíveis (desde

1912) e tinham suas próprias fontes de petróleo. Esta falta de interesse alimentava a

desconfiança de grandes setores da população em relação a estas companhias, acreditando que

elas agiam para que não se encontrasse petróleo no Brasil. O escritor Monteiro Lobato foi um

grande divulgador desta desconfiança. Quando finalmente se encontrou petróleo esta

desconfiança pareceu se confirmar, pois as multinacionais, antes indiferentes, passaram a

atuar abertamente para modificar a legislação de forma a atender seus interesses.

Promessa e Incredulidade

A ideia de que o país tinha petróleo em seu subsolo e que sua exploração deveria estar

nas mãos de brasileiros foi sendo construída ao longo do século XX, impulsionada pela

promessa de desenvolvimento e pela incredulidade frente à dificuldade de encontrar esse

produto no solo de um país com as dimensões do Brasil.

O controle sobre uma fonte deste produto em território nacional passou a ser visto

como uma condição necessária para o desenvolvimento do país, tal como já havia sido

experimentado em outros países. É o que mostra uma nota no Jornal do Brasil publicada em

1936 e que dizia que o “petróleo, como é geralmente sabido, foi e é um dos grandes fatores

da esplendida situação financeira dos Estados Unidos”. A mesma nota afirma que dinheiro

empregado na exploração de petróleo seria um investimento com grande potencial de retorno

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para o país, pois o “líquido precioso”, quando encontrado, “o compensará abundantemente

das despesas feitas e do tempo empregado nesta procura”1.

O Brasil dependia dos conhecimentos técnicos e dos equipamentos estrangeiros para

encontrar petróleo e explorá-lo. Muitos acreditavam que também dependia do capital

estrangeiro. Desde a década de 1920 até os dias de hoje, a questão da origem do capital é a

mais debatida. A questão da origem do conhecimento e dos equipamentos só foi enfrentada

com sucesso após a criação da Petrobras, como decisão interna da empresa, mas que gerou

benefícios ao resto da sociedade.

É longa a lista de cientistas estrangeiros contratados para estudar a nossa geologia, a

começar pelo francês Henry Gorceix, trazido ao Brasil por iniciativa do Imperador Dom

Pedro II, que além de diversos estudos foi o responsável pela criação da Escola de Minas de

Ouro Preto, em 1875. A criação da Escola de Minas deveria ter resolvido a questão da

formação de profissionais para estudar nossa geologia, mas não foi o que ocorreu.

Sempre que era necessário, sobretudo no caso do petróleo, buscava-se o aval da

ciência norte-americana. Em 1904, o governo criou a Comissão de Estudos das Minas de

Carvão e contratou o renomado geólogo americano Israel C. White para chefiá-la. A

expedição, conhecida como Comissão White, passou dois anos estudando a geologia da Bacia

do Paraná, e o seu relatório, publicado em 1908, é considerado um marco no estudo da

geologia no país.

Uma das conclusões do relatório, porém, ajudou a alimentar a desconfiança em relação

aos estrangeiros na questão do petróleo. Após a perfuração de um único poço, onde encontrou

uma camada de rocha vulcânica abaixo da rocha sedimentar, o relatório indicava ser

improvável a existência de petróleo no sul do Brasil. Estes resultados desestimularam por

alguns anos a procura de petróleo no país. Tempos depois, estas conclusões foram contestadas

com base em descobertas no México, em 1908, de petróleo em áreas com condições

geológicas semelhantes àquelas do sul do Brasil (PEYERL, 2014, p. 57-59).

1 “Petróleo Nacional”. Jornal do Brasil, 17 de janeiro de 1936. P. 5 Consultado em 15/09/2017, Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/60991

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Quando o cientista estrangeiro contrariava a expectativa de encontrar petróleo no país,

surgia a desconfiança em relação a este parecer. Segundo alguns, a ciência estrangeira feria a

lógica. Numa nota publicada no Jornal do Brasil em 19322, a existência de petróleo no Brasil

era tratada como “cousa sobre a qual não há mais dúvida aceitável”. Após citar vários países

vizinhos produtores, concluía que era improvável que “somente o Brasil, na América do Sul,

o não possuísse, nas várias faixas de terras semelhantes às dos citados países que o tem” 3.

Feria o orgulho nacional que diversos vizinhos do Brasil, com territórios menores, já

haviam encontrado e exploravam petróleo, enquanto técnicos estrangeiros atestavam que não

havia este produto no nosso subsolo. O mesmo argumento foi repetido em 1936 pelo repórter

do Jornal do Brasil Gabino Duque, que escreveu que o “Brasil, como todos sabem, está

cercado por todos os lados por países que produzem em larga escala o líquido preciosíssimo

e não era de crer que somente em nosso território, ficássemos sem a dádiva magnífica”

(DUQUE, 1936, p.5).

Petróleo e Estado

A Primeira Guerra também despertou na classe política o interesse pelo petróleo. Em

1919, o diretor do Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil (SGMB), foi demitido,

segundo Smith (1978, p. 27), por pedir “permissão ao Governo Federal para contratar

empresas estrangeiras para realizar as sondagens” de petróleo. No mesmo ano, o governo

Epitácio Pessoa assumiu a posição que “os minerais em geral, e o petróleo em particular,

seriam pesquisados exclusivamente por brasileiros ou não seriam pesquisados” (SMITH,

1978, p. 27 apud PEYERL, 2014, p. 38).

Em 1919, através do SGMB com nova direção, o governo federal passou a tomar as

iniciativas de sondagens, aumentando consideravelmente o número de poços perfurados.

Foram 163 poços perfurados entre 1919 e 1939 (PEYERL, 2014, p. 42) contra apenas 15 de

2 “O Petróleo”. Jornal do Brasil, 7 Dezembro de 1932. P. 5. Consultado em 15/09/2017, Disponível em http://memoria.bn.br/DocReader/030015_05/28815

3 Apesar de apócrifo, o artigo é em todo semelhante à argumentação de Monteiro Lobato no livro “O Escândalo do Petróleo” de 1936, podendo ter sido publicado no jornal pela Companhia de Petróleo Nacional do qual ele era sócio.

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1862 até 1918 (PEYERL, 2014, p. 47-48). Até 1938, porém, o “Brasil passava por altos e

baixos quando a discussão era petróleo, seja por falta de verbas, pelo corpo técnico formado

por estrangeiros, pela falta de capacitação técnica ou pelo simples – mas relevante – motivo

de ainda não se haver encontrado um poço de valor comercial, ou mesmo subcomercial”

(PEYERL, 2014, p. 62).

Com a Revolução de 1930, a geração dos tenentes chegou ao governo e a questão do

petróleo foi ganhando mais importância, com o estado, cada vez mais, assumindo o

protagonismo. Foi se formando um consenso, sobretudo entre os militares, sobre a

necessidade de manter o negócio do petróleo em mãos nacionais.

O escritor Monteiro Lobato até hoje tem seu nome ligado ao petróleo nacional devido

às polêmicas que se manteve através de cartas aos jornais e de livros na década de 1930, em

defesa de seus investimentos neste setor. Ele foi sócio de companhias que fizeram sondagens

em São Paulo e Alagoas. Os principais alvos de seus ataques foram: o Código de Minas de

1934, as multinacionais de petróleo (os trustes) e os órgãos do governo ligados ao petróleo

(SGMB e DNPM4). Estes dois últimos eram acusados de estar mancomunados para “não tirar

petróleo, nem deixar que o tirem” (LOBATO, 2011, pos. 311).

O modelo de negócios defendido por Lobato visava “copiar” o que ele vivenciou na

temporada em que morou nos EUA (entre 1927 e 1930). Conhecido por sua denúncia dos

interesses estrangeiros e por sua crítica ao posicionamento do governo, seu comportamento

era ambíguo. Ele era receptivo a técnicos estrangeiros que viam potencial nas áreas que

pretendia explorar e contrário a técnicos brasileiros e estrangeiros que negassem esse

potencial. Além disso, suas empresas dependiam de equipamentos de perfuração estrangeiros,

em alguns casos fornecidos pelo governo.

Aos poucos, o governo foi dominando cada vez mais o setor de petróleo. Em 1934 foi

criado o Código de Minas, atribuindo ao governo federal a posse do subsolo e suas riquezas

(como era nos tempos do Império). Em 1938 foi criado o Conselho Nacional do Petróleo

(CNP), cujo primeiro presidente foi o militar nacionalista e defensor do monopólio estatal do

4 Departamento Nacional de Produção Mineral, criado após o Código de Minas em substituição ao SGMB.

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petróleo: general Horta Barbosa. Uma nova legislação foi criada onde todas as atividades do

setor petrolífero, incluindo o refino, foram declaradas “serviço de utilidade pública”, sujeitas

exclusivamente à competência do governo federal. Além disso, foi estabelecido que apenas

brasileiros natos poderiam ter a propriedade e participar da direção e gerência das refinarias

(DIAS e QUAGLINO, 1993, p. 60-61). As poucas refinarias existentes tiveram de se adaptar

a estas condições. O CNP passou a ter poder sobre os tributos do setor petrolífero e este órgão

passou a assumir a pesquisa de jazidas de petróleo e gás natural, podendo, se julgasse

conveniente, também assumir a industrialização destes produtos.

No mesmo ano de 1938, o governo assumiu as sondagens de petróleo em Lobato, na

Bahia, onde veio a ser descoberto o primeiro poço de petróleo do país em abril do ano

seguinte. Este primeiro poço foi posteriormente considerado sem valor comercial, porém, em

1941, novos poços foram encontrados no Recôncavo Baiano, começando a produção de

petróleo no país. A descoberta de petróleo no Brasil, feita por técnicos brasileiros por

iniciativa do governo, foi um grande trunfo para as posições nacionalistas e estatistas. Uma

importante batalha foi ganha, mas a guerra havia apenas começado.

Descoberto o petróleo, era necessário construir refinarias. A legislação abria espaço

para a atuação da iniciativa privada, desde que totalmente nacional, e inicialmente surgiram

diversos projetos de refinarias, que acabaram não se viabilizando, entre outros motivos pela

pressão exercida pelas multinacionais (sobretudo a Standard Oil) e pelas dificuldades criadas

pela nova guerra mundial (DIAS e QUAGLINO, 1993, p. 62).

A Segunda Guerra Mundial (1939-1941) começou a mostrar o porquê de o país

precisar ter suas próprias fontes de petróleo e sua própria tecnologia de exploração e

produção. Começou a haver interrupções da importação de combustível, pois produtores

passaram a priorizar os países em conflito e torna-se necessário fazer racionamento de

combustíveis. Começaram a faltar peças de reposição para as perfuradoras e a produção de

petróleo ficou estagnada.

O Petróleo é Nosso e a Petrobras

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A partir de 1943 a política de petróleo sofreu uma repentina mudança após Horta

Barbosa pedir demissão e ser sucedido pelo Coronel José Carlos Barreiro, que estava “mais

interessado no rápido desenvolvimento do petróleo do que na manutenção de controles

nacionalistas sobre a nascente indústria” (SMITH, 1978, p.61). As medidas tomadas por

Barreiro mostram uma inflexão na política do CNP: ele tentou, sem sucesso, criar um novo

código de minas dando ao proprietário da terra preferência na pesquisa e exploração do

subsolo, contratou dois técnicos americanos, Everett L. DeGolyer e Lewis W. MacNaughton,

para atuarem como consultores das decisões do CNP, contratou empresas estrangeiras para

auxiliar na exploração de petróleo e defendeu a abertura do setor para o capital internacional.

A mudança de rumo se acentuou com a deposição de Getúlio Vargas e a eleição do

General Eurico Gaspar Dutra para a presidência. Uma nova constituição foi preparada abrindo

o setor de petróleo para a iniciativa privada e os militares se mostraram divididos. Em 1947,

ocorreram debates no Clube Militar entre o General Juarez Távora, defendendo a abertura do

setor de petróleo ao capital internacional, e o General Horta Barbosa, defendendo o

monopólio estatal. As posições ficaram mais acirradas quando no mesmo ano o presidente

Dutra propôs uma lei do petróleo, não só abrindo o setor como oferecendo vantagens para as

empresas estrangeiras (MIRANDA, 2004, p. 38-39).

O projeto causou uma série de reações que resultaram num movimento popular com o

sugestivo nome de “O Petróleo é Nosso”. O petróleo nacional se converteu em ponto de

passagem obrigatória para militares, estudantes, intelectuais e políticos. O movimento “O

Petróleo é Nosso” foi extremamente bem sucedido e ganhou a adesão até mesmo da UDN,

partido de oposição, quando foi proposto o monopólio do petróleo.

A defesa do petróleo nacional foi usada como bandeira política por Getúlio Vargas na

sua campanha para presidente da república. Logo no primeiro ano de mandato, Vargas propôs

uma nova lei do petróleo instituindo o monopólio estatal de todo o setor (exceto da

distribuição) e a criação de uma nova empresa, a Petrobrás. A Petrobrás foi criada em 3 de

outubro de 1953 como uma empresa de economia mista, com o controle acionário votante nas

mãos do governo. Além disso, como empresa estatal, seus objetivos “estão fixados por lei,

não podendo furtar-se a estes objetivos”, sendo uma sociedade de economia mista “um

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instrumento de atuação do Estado”, devendo os interesses públicos “estar acima dos

interesses privados” (BERCOVICI, 2015).

A nova empresa assumiu as atribuições do Conselho Nacional de Petróleo, passando

também a definir a política pública relativa ao petróleo. Desta forma resolveu-se o problema

de financiamento da política nacional de petróleo, já que os lucros da atividade petroleira

podem ser considerados dinheiro público e aplicados em atividades que gerem benefícios

indiretos para a empresa: formação de profissionais especializados e capacitação tecnológica

de seus fornecedores e de universidades.

Em 1955 foi criado o Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisa de Petróleo (CENAP)

com o objetivo de oferecer cursos de refinação de petróleo, manutenção de equipamentos,

introdução à geologia, geologia do petróleo e engenharia do petróleo. Estes dois últimos

serviram de base para a abertura destes cursos nas universidades brasileiras. Em 1966 foi

criado o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento Leopoldo Américo Miguez de Mello

(CENPES) que passou a ser responsável pela pesquisa e treinamento dentro da empresa,

absorvendo o CENAP. Segundo Peyerl (2014, p. 3), “a Petrobras torna-se o carro-chefe da

economia e da pesquisa científica, tecnológica e de inovação do país relacionados às

Geociências”.

Com a criação destes órgãos a Petrobras e o país puderam gradativamente deixar de

depender de profissionais estrangeiros. Antes disso, porém, a Petrobras contratou, em 1954, o

geólogo americano Walter K. Link para chefiar o recém-criado Departamento de Exploração

(DEPEX). Link era um geólogo experiente que trazia no seu currículo o trabalho para a

Standard Oil na Venezuela, Colômbia e Equador. Como diretor do DEPEX organizou o

departamento, investiu na formação de profissionais brasileiros em universidades estrangeiras

e viajou pelas diferentes bacias sedimentares brasileiras para estudar a geologia do país

(PEYERL, 2014, p. 96-97).

Link prestou um grande serviço à Petrobras, porém acabou sendo lembrado pelo

escândalo provocado pela divulgação das cartas que deixou, onde comentava seus estudos das

condições geológicas do país, conhecidas a partir de então como relatório Link. O escândalo

veio reacender a velha desconfiança em relação aos estrangeiros, pois em suas cartas Link

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desaconselhava a pesquisa em terra no Brasil, recomendava o investimento em poços nos

países vizinhos (o que sempre foi feito pelas multinacionais) e, o que era uma novidade na

época, propunha que a empresa investisse em procurar petróleo no mar.

Petróleo no Mar

A partir da criação da Petrobras, o Brasil continuou a produzir petróleo em terra,

porém com muita dificuldade para aumentar sua produção. A partir de 1966 a Petrobras

passou a seguir o conselho de Link e começou a procurar petróleo no mar. Para isso foi

encomendada em um estaleiro brasileiro uma plataforma para ser construída de acordo com

um projeto americano. Já em 1968 foi encontrado o primeiro poço em Sergipe numa lâmina d

´água de 28 metros e cuja produção começou em 1973 (MORAES, 2013, p. 111-113). No

início dos anos 1970 começou a exploração na Bacia de Campos, onde foram sendo

encontrados campos cada vez maiores em lâminas d´água cada vez mais profundas

(LUCCHESI, 1998, p. 28-29).

Na década de 1980, quando o petróleo passou a ser encontrado em grandes

quantidades, em local inacessível para a tecnologia da época, o investimento em

desenvolvimento tecnológico tornou-se mandatório. Travou-se então uma batalha pública que

opôs a necessidade de investir em tecnologia local (longo prazo) à possibilidade de comprar

petróleo barato (curto prazo). Naquela ocasião, as reservas já descobertas, um plano de

estabilização econômica e uma discreta influência militar garantiram a manutenção dos

investimentos, permitindo à Petrobras instituir o Programa de Capacitação Tecnológica em

Águas Profundas (PROCAP). Este episódio é ilustrativo da falta de prioridade que se dá ao

desenvolvimento local de tecnologia no Brasil, pois as prioridades do país estavam sendo

direcionadas para a estabilização econômica. O aumento da produção de petróleo no início da

década, fruto da entrada em operação dos poços da Bacia de Campos, e a promessa de campos

gigantes em águas profundas acenavam com a possibilidade de diminuição da conta do

petróleo e, até mesmo, com uma possível autossuficiência num futuro próximo (projetada

para 1993).

O PROCAP, após longa batalha, conseguiu garantir o dinheiro para os investimentos

em exploração em águas profundas e isso garantiu o sucesso do programa. Este programa é

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considerado de forma unânime com um caso de sucesso de investimento em inovação e não

há dúvidas que trouxe muitos benefícios à Petrobras, que pôde dar prosseguimento a um

aumento constante de sua produção, batendo recordes mundiais de profundidade e garantindo

o domínio sobre uma tecnologia estratégica para a empresa e o país.

Furtado e Freitas (2004, p. 55-56) realizaram um estudo sobre os “impactos

econômicos resultantes de diversas formas de aprendizado que derivaram da execução de

projetos tecnológicos” do PROCAP. Baseados numa amostra de sete projetos (entre os 116

projetos do programa) escolhidos pela participação de empresas e universidades nacionais em

sua realização, eles chegaram à conclusão que “os impactos econômicos superaram em mais

de sete vezes os custos dos projetos”.

Antes de falar destes sete projetos, é preciso conhecer um pouco da “fauna

tecnológica” envolvida na exploração de petróleo no fundo do mar: diversos tipos de

plataforma (fixa, flutuante, semissubmersível, de pernas tensionadas), Risers (tubulação

flexível que liga o poço a plataforma), Manifolds (conjunto de válvulas que concentram a

produção de vários poços e enviam para a superfície), Árvores de Natal Molhadas (conjunto

de válvulas que ficam na boca do poço) e robôs submarinos de operação remota (ROV) ou

autônomos (AUV).

Os projetos selecionados buscaram o desenvolvimento: de um equipamento de

bombeamento e separação submarina, de dois tipos de plataforma (plataforma do tipo Tension

Leg Platform – TLP – e a plataforma semissubmersível Vitória Régia), de um tipo de Árvore

de Natal Molhada, de dois tipos de Manifold (um Manifold diverless com Árvore de Natal

Molhada acoplada e um modelo “revolucionário” de Manifold – o Octos 1000) e de um

Veículo de Operação Remota. Mesmo sendo inéditos e inovadores (o Octos 1000 chegou a

receber um prêmio internacional) nenhum destes projetos foi aproveitado.

Segundo Furtado e Freitas (2004, p. 63-71), foram vários os motivos para o não

aproveitamento destes projetos: as empresas nacionais não conseguiram se adequar às

especificações, não se interessaram pela produção ou os custos eram muito altos; as empresas

estrangeiras não se interessaram ou apresentaram orçamentos muito caros; o conceito se

tornou obsoleto em função da demora de projeto; o novo conceito enfrentou obstáculos de

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transferência e de passagem para a escala industrial; o Departamento de Produção da

Petrobras não se interessou ou se desentendeu com o CENPES; ou simplesmente a Petrobras

até hoje não optou por essa tecnologia em nenhum de seus desenvolvimentos em offshore.

Para este trabalho, optei por seguir mais detalhadamente o projeto do ROV. Este

projeto foi entregue a uma empresa nacional (CONSUB), relativamente pequena, que utilizou

os serviços de outras empresas nacionais e quatro universidades. Inicialmente foram

encomendados e construídos, com um grau de nacionalização bastante alto (90%), dois

veículos apenas para observação (eram dotados de uma câmera). Posteriormente foi adaptado

um braço mecânico ao projeto.

A partir de 1990, assumiu a presidência da república Fernando Collor Mello e ganhou

força a ideia de que as empresas, mesmo as estatais, devem ser “eficientes” (sem que se

discuta o que é eficiência) e “lucrativas” (sem que se discuta onde serão aplicados estes

lucros). A Petrobras passou a agir mais como uma empresa de petróleo, visando atender os

interesses de lucratividade de seus acionistas, do que como órgão público responsável pela

política de petróleo do país (que deveria privilegiar a capacitação de empresas nacionais). O

robô submarino brasileiro passou a ser considerado incompleto, defeituoso, inadequado, um

protótipo não concluído e inviável comercialmente. Este produto foi abandonado em 1992

com o fim do PROCAP e a Petrobras passou a alugar ROVs de empresas multinacionais.

Novas mudanças ocorreram no governo Fernando Henrique que afetaram a Petrobras:

o monopólio nacional do petróleo deixou de existir, a política pública de petróleo passou para

a responsabilidade da Agência Nacional de Petróleo e foi modificado o conceito de empresa

nacional, que passou a ser qualquer empresa instalada no Brasil, independente da origem de

seu capital (FURTADO, 2004, p. 232). Enquanto ocorriam estas mudanças, em 1997, a

multinacional norueguesa DSND adquiriu a CONSUB formando uma nova empresa (pela

nova lei nacional apesar de 90% do capital ser norueguês), a DSND-CONSUB, que passou a

alugar os ROVs para a Petrobras. O faturamento da empresa cresceu de US$ 50 mil anuais

para US$ 200 milhões em 1999 (VIDOR, 1999, p. 18). A receita obtida no Brasil em 1998

representou 40% do faturamento mundial do grupo (ORDOÑES, 1999, p. 26).

A Quem Interessa Tecnologia Própria?

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O que o caso da CONSUB parece mostrar é que apenas o investimento em tecnologia

numa empresa nacional não é capaz de garantir que esta empresa cresça e ganhe escala para

enfrentar a concorrência externa. A vulnerabilidade da Petrobras frente às flutuações da

política econômica do país pode permitir que parte de seu investimento em tecnologia seja

revertido em ganho de escala para empresas estrangeiras.

Para Furtado e Freitas (2004, p. 74), o investimento em pesquisa é positivo mesmo que

seus resultados não se transformem em produto. Através dele, a Petrobras pôde obter

conhecimentos técnicos sobre os equipamentos pesquisados, permitindo à companhia ganhar

poder de negociação quando for adquiri-los de outras empresas (mesmo que estrangeiras).

Segundo Marques (2002, p. 24), as relações econômicas tem passado por um processo

de “informacionalização”, que consiste num “aumento da quantidade de trabalho sobre a

informação em relação à quantidade de trabalho sobre a matéria”, ou seja, quando se define

o preço de um produto, se paga cada vez mais pela informação (as subestruturas matemáticas

que, combinadas logicamente, constituem o projeto do produto e sua fabricação) e menos

pela matéria (as subestruturas materiais que estão ali fisicamente montadas).

Ao participar das pesquisas, a Petrobrás adquire conhecimento que permite a ela

influir nas especificações de produtos ou mesmo impor modificações em seus projetos.

Muitas vezes, a própria Petrobrás faz em parte, ou totalmente, o trabalho de

informacionalização, entregando para outras empresas um projeto pronto ou quase pronto.

Para complementar a análise dos investimentos do PROCAP realizada por Furtado e

Freitas, é interessante recorrer ao conceito de “investidura informacional”. Segundo Marques

(2002, p. 87-88), pode-se definir três tipos de investidura: de uso, de “materialização” e de

virtualização. Cada uma delas resulta em diferentes formas de agregar valor a produtos e

diferentes distribuição de oportunidades de trabalho. A investidura de uso define uma relação

com a tecnologia apenas de uso de um produto pronto, sem nenhum envolvimento na sua

concepção ou materialização. A investidura de materialização define uma relação em que se

pega um projeto pronto e apenas se procede à montagem do produto, como a Petrobras fez

com sua primeira plataforma marítima. A investidura de virtualização define uma relação

completa com a tecnologia, do projeto à materialização.

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Se a Petrobras for gerida como uma empresa privada de petróleo, sem se preocupar

com seu papel no desenvolvimento do país e voltada apenas para sua própria viabilidade

econômica e lucratividade, ela pode restringir seus investimentos à investidura de uso, uma

vez que sua atividade fim não é fabricar equipamentos. Neste caso, o país corre o risco de

voltar à situação de usuário de sondas e equipamentos importados e, por vezes, obsoletos.

Porém, a lógica envolvida na criação da Petrobras e na criação do PROCAP é outra.

O PROCAP foi concebido não só para dotar a Petrobras de investidura de virtualização, como

para utilizar esta empresa para capacitar outras empresas nacionais e universidades a adquirir

esta investidura.

Analisando o caso CONSUB em termos de investidura, talvez não se tenha chegado ao

melhor resultado para o país, pois os conhecimentos foram financiados e depois exportados.

Em relação aos outros projetos do PROCAP, talvez o resultado não tenha sido de todo ruim,

desde que se mantenham as condições da Petrobrás como empresa nacional e pública e o

petróleo como fonte de financiamento para o desenvolvimento tecnológico nacional.

Infelizmente estes pontos têm sido motivo de debate, mesmo antes do fim do PROCAP, o que

influiu no aproveitamento dos resultados das pesquisas.

Considerações Finais

A insistência deste texto em destacar a origem estrangeira dos equipamentos vem do

fato de que até a criação da Petrobras não se encontram indícios de que se tenha pensado em

produzir no país as sondas para procurar petróleo. Constantemente as buscas por petróleo

foram interrompidas por problemas nos equipamentos, falta de pessoal especializado na sua

operação e falta de peças de reposição. Mesmo que a procura por sondas de petróleo fosse

pequena, não justificando a produção local, não se deve esquecer que as primeiras sondagens

realizadas nos EUA utilizavam equipamentos para furar poços de água. Uma indústria que

produzisse sondas de petróleo poderia ser viabilizada por uma indústria de perfuração de

poços de águas. No entanto, até a década de 1940 utilizava-se sondas importadas, muitas

vezes usadas.

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A pressa por obter resultados, que atuou para induzir o desenvolvimento tecnológico,

passou a atuar contra esses investimentos à medida que outros países adquiriram tecnologias

similares (muitas delas financiadas pelas compras da Petrobras). A crescente hegemonia das

teses econômicas monetaristas e neoliberais nos países centrais, aliada a crises econômicas

persistentes, decorrente dos choques do petróleo e da crise da dívida, foram mudando o foco

das manchetes de jornais, modificando as prioridades do país e desestabilizando o projeto

nacional do petróleo.

A redemocratização do país e a progressiva perda de influência política dos militares

serviu para associar as políticas desenvolvimentistas a desequilíbrio econômico,

protecionismo a autoritarismo. Empresas públicas passam a ser associadas a ineficiência,

difundindo uma ideia de que empresas estatais devem atuar segundo os mesmos critérios de

eficiência de empresas privadas.

O PROCAP, com seus projetos em pleno desenvolvimento, foi atingido

profundamente por estas mudanças, o que fez com que os investimentos em desenvolvimento

de tecnologia não resultassem totalmente em produtos efetivamente utilizados pela

companhia. Os ganhos com o desenvolvimento de tecnologia própria foram sendo diluídos

com o tempo à medida que as influências que garantiram este desenvolvimento foram

perdendo força.

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