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Thiago de Oliveira Araujo Determinação de Biomoléculas Derivadas de Compostos Oncolíticos à Base de Platina em Diferentes Linhagens Celulares Tese de Doutorado Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós- graduação em Química Analítica do departamento de Química da PUC-Rio. Orientadores: Prof. Ricardo Queiroz Aucélio Prof. Reinaldo C. de Campos (in memoriam) Co-orientadora: Profa. Janaína Fernandes Rio de Janeiro Outubro de 2014

Thiago de Oliveira Araujo Determinação de Biomoléculas Derivadas de … · 2018-01-31 · obtenção do grau de Doutor pelo programa de Pós-graduação em Química Analítica

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  • Thiago de Oliveira Araujo

    Determinao de Biomolculas Derivadas de Compostos Oncolticos Base de Platina em

    Diferentes Linhagens Celulares

    Tese de Doutorado

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor pelo programa de Ps-graduao em Qumica Analtica do departamento de Qumica da PUC-Rio. Orientadores: Prof. Ricardo Queiroz Auclio

    Prof. Reinaldo C. de Campos (in memoriam)

    Co-orientadora: Profa. Janana Fernandes

    Rio de Janeiro

    Outubro de 2014

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  • Thiago de Oliveira Araujo

    Determinao de Biomolculas Derivadas de Compostos Oncolticos a Base de Platina em Diferentes Linhagens Celulares

    Tese apresentada como requisito parcial para obteno do grau de Doutor pelo programa de Ps-graduao em Qumica Analtica do departamento de Qumica da PUC-Rio. Aprovada pela Comisso Examinadora abaixo assinada.

    Prof. Ricardo Queiroz Auclio Orientador

    Departamento de Qumica - PUC-Rio

    Prof. Janana Fernandes UFRJ

    Prof. Josino Costa Moreira

    Fiocruz

    Prof. Ricardo Erthal Santelli UFRJ

    Prof. Fatima Ventura Pereira Meirelles

    Departamento de Qumica - PUC-Rio

    Prof. Aderval Severino Luna UERJ

    Prof. Cssia Ribeiro Ponciano

    Departamento de Fsica - PUC-Rio

    Dra. Marcia Silva da Rocha INMETRO

    Prof. Jos Eugenio Leal

    Coordenador Setorial do Centro Tcnico Cientfico - PUC-Rio

    Rio de Janeiro, 27 de outubro de 2014

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  • Todos os direitos reservados. proibida a reproduo total ou parcial do trabalho sem autorizao da universidade, do autor e do orientador.

    Thiago de Oliveira Araujo Graduou-se Bacharel em Qumica pela Universidade de Braslia (UnB) em 2002 e atua desde ento como pesquisador no Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Coordenou o Laboratrio de Anlise Inorgnica (Labin), no perodo de 2006 2009. Atua intensamente na rea de garantia da qualidade em anlises qumicas, e na pesquisa e desenvolvimento em qumica analtica e bioanaltica. Atualmente coordena a rea transversal de Metrologia Forense na Diviso de Metrologia Qumica.

    Ficha Catalogrfica

    CDD: 540

    Araujo, Thiago de Oliveira

    Determinao de biomolculas derivadas

    de compostos oncolticos base de platina em

    diferentes linhagens celulares / Thiago de Oliveira

    Araujo ; orientador: Ricardo Queirz Auclio ; co-

    orientadores: Janana Fernandes, Reinaldo C. de

    Campos. 2014.

    147 f. : il. (color.) ; 30 cm

    Tese (doutorado)Pontifcia

    Universidade Catlica do Rio de Janeiro,

    Departamento de Qumica, 2014.

    Inclui bibliografia

    1. Qumica Teses. 2. Cisplatina. 3.

    Oxaliplatina. 4. Carboplatina. 5. HPLC-ICP-MS. 6.

    K562. 7. Acetilcolinesterase. 8. Aduto de DNA

    biomarcador. I. Auclio, Ricardo Queirz. II.

    Fernandes, Janana. III. Campos, Reinaldo C. de

    IV. Pontifcia Universidade Catlica do Rio de

    Janeiro. Departamento de Qumica. V. Ttulo.

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  • Ao meu irmo, Davi e minha mulher, Lilian.

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  • Agradecimentos

    Primeiramente eu agradeo ao Professor Reinaldo Calixto por confiar a mim o

    desenvolvimento de um projeto bonito, inovador e relevante. Ele foi um exemplo

    de paixo pelo trabalho e elegncia no convvio com as agruras da pesquisa no

    Brasil. Obrigado Professor, sinto voc no estar aqui para colher comigo mais este

    fruto de uma semente plantada.

    Agradeo ao Professor Ricardo Auclio, que me acolheu, acreditou e apoiou

    durante toda nossa caminhada juntos no desenvolvimento deste trabalho.

    Agradeo por ter dedicado a mim nada alm de respeito, confiana e apoio. Sem

    isso, certamente eu no teria conseguido. Espero conseguir seguir seu exemplo em

    minha carreira futura.

    Agradeo tambm Professora Janana Fernandes, entusiasta da bancada que me

    conduziu pelas, para mim, tortuosas veredas da biologia celular e molecular.

    Sempre empolgada, disposta e meticulosa com os experimentos e seus resultados.

    Muito do meu desenvolvimento nas atividades laboratoriais se devem a voc

    professora, obrigado.

    No tenho como agradecer suficiente minha alma gmea, professora, amiga,

    irm... minha mulher Lilian. Sempre atenta a meu andamento, advertindo,

    aconselhando, arregaando as mangas. Sem ela, ou mesmo sem o apoio dela no

    daria, eu no chegaria aqui. Ela me apoiou e confortou, estudou comigo e discutiu

    o assunto... enfim, obrigado meu amor, meu grande amor.

    Agradeo a meus filhos, Carolina e Bernardo, pela compreenso, alegria e preces

    para papai terminar a tese. Apoio e interesse em saber, o que o pai est fazendo,

    quando vai terminar e pela fervorosa torcida, obrigado meus amores.

    Agradeo ao meu irmo Davi Araujo e a meus pais Joo Rita de Araujo e Marieta

    do Carmo de Oliveira pelo carinho, compreenso e apoio incondicional que me

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  • ofereceram durante toda esta caminhada. Mesmo a distncia, foram fundamentais

    para me orientar, prover foras e estimular para que eu continuasse.

    Agradeo de forma sincera pela contribuio, apoio e disponibilidade aos

    queridos: Danielle Cavalcanti, Rodrigo Araujo, Bruno Silva, Douglas de Oliveira,

    Manuel de Castro Carneiro, Fernanda Veronesi Marinho Pontes, Daniela

    Loureno, Carolina Catta Preta, Marcia Rocha, Lilian Silva, Jefferson Rodrigues,

    Maria Luiza, Alfredo Sanz Mendel, Valnei Smararo, Janana Caixeiro e

    Humberto Brandi. Me desculpo com aqueles no mencionados nominalmente,

    mas tambm fundamentais para o sucesso deste trabalho, Obrigado.

    Agradeo ainda s instituies que me apoiaram. Primeiramente ao Inmetro pelo

    imenso investimento em minha formao e apoio a meu desenvolvimento

    profissional. PUC-Rio pela bolsa de iseno e infraestrutura fornecidas.

    UFRJ e CETEM pela infraestrutura. As agncias de fomento FAPERJ e CNPq

    pelo apoio que mantm o funcionamento dos laboratrios envolvidos.

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  • Resumo

    Araujo, Thiago de Oliveira; Auclio, Ricardo Queiroz; Fernandes Janana. Determinao de Biomolculas Derivadas de Compostos Oncolticos Base de Platina em Diferentes Linhagens Celulares. Rio de Janeiro, 2014. 147p. Tese de Doutorado Departamento de Qumica, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

    A utilizao de drogas base de platina o tratamento de primeira linha

    para diversos tipos de cncer. Pacientes tratados com estas drogas apresentam

    resultados melhores que os obtidos com outros regimes de quimioterapia para os

    mesmos tipos de malignidades. As principais limitaes para a utilizao destes

    compostos so os efeitos colaterais severos e a resistncia dos tumores ao

    tratamento. A cisplatina foi a primeira droga dessa categoria a ser empregada.

    Desde o final dos anos 70 at hoje, esta droga vem sendo amplamente utilizada e

    com sucesso substancial. Acredita-se que o principal mecanismo de ao desta

    classe de medicamentos seja a ligao de dois stios ativos da platina com o DNA

    das clulas tumorais, impedindo sua multiplicao e finalmente induzindo a

    apoptose, o que provoca a reduo, e em alguns casos a eliminao, dos tumores.

    Entretanto, devido complexidade dos mecanismos envolvidos, uma descrio

    clara da atuao intracelular destas drogas ainda no foi estabelecida. A

    combinao de tcnicas de separao como eletroforese ou cromatografia lquida

    de alta performance com tcnicas de espectrometria atmica tem se apresentado

    como uma poderosa alternativa para investigao de fenmenos biolgicos que

    envolvem, de alguma maneira, espcies metlicas. A hifenao destas tcnicas

    permite a separao e deteco em linha de biomolculas contendo metais,

    possibilitando a obteno de informaes nicas sobre os processos biolgicos. O

    presente trabalho apresenta o desenvolvimento de mtodos analticos utilizando

    eletroforese em gel de agarose (GE), cromatografia lquida de alta eficincia

    (HPLC) e espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS)

    para a determinao de biomolculas contendo platina em materiais biolgicos. O

    principal objetivo do trabalho fornecer ferramentas analticas para o estudo dos

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  • mecanismos de ao de drogas base de platina em humanos. Foram utilizados

    diversos materiais biolgicos, como sangue, urina e culturas de clulas. A

    cromatografia lquida em fase reversa foi usada na determinao das drogas

    intactas e de seus produtos de hidrlise; a cromatografia de excluso por tamanho

    foi empregada para a avaliao de protenas presentes nas amostras enquanto a

    cromatografia de par inico para separao de fragmentos de DNA. A deteco de

    platina nos eluatos por ICP-MS permitiu a obteno de cromatogramas limpos

    apresentando claramente as molculas contendo platina. A evidncia da

    aplicabilidade dos mtodos desenvolvidos foi avaliada com a prospeco de

    biomarcadores de eficincia do tratamento com cisplatina. Diversas linhagens

    celulares foram expostas a diferentes tratamentos com cisplatina e tiveram seus

    comportamentos avaliados. A determinao de adutos de DNA contendo platina

    apresentou-se como uma interessante perspectiva para a obteno de um

    biomarcador de resistncia ao tratamento com cisplatina.

    Palavras-chave

    Cisplatina; oxaliplatina; carboplatina; HPLC-ICP-MS; K562; aduto de

    DNA; biomarcador.

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  • Abstract

    Araujo, Thiago de Oliveira; Auclio, Ricardo Queiroz (Advisor); Fernandes Janana (Co-advisor). Determination of Biomolecules Derived from Platinum-Based Oncolitic Compounds in Different Cell Lines. Rio de Janeiro, 2014. 147p. Doctoral Degree Theses Departamento de Qumica, Pontifcia Universidade Catlica do Rio de Janeiro.

    The use of platinum-based drugs is the first line treatment for many

    cancers. Patients treated with these drugs present better outcome when compared

    with other chemotherapy regimens for the same types of malignancies. The major

    limitations to the use of these drugs are the severe side effects and resistance

    tumors present to the treatment. Cisplatin was the first platinum-based drug to be

    approved for human use. Since the late 1970s until today, this drug has been

    widely used with great success. It is believed that the major mechanism of action

    of these drugs is the binding of two active sites of platinum complexes with the

    DNA of the tumor cells, preventing their multiplication and finally inducing

    apoptosis, that leads to a reduction, and in some cases eliminating, tumors.

    However, due to the complexity of the mechanisms involved, a clear description

    of the intracellular action of these drugs has not been established. The

    combination of separation techniques such as electrophoresis or high performance

    liquid chromatography with atomic spectrometric techniques has emerged as a

    powerful alternative for investigation metal-related biological phenomena. The so

    called hyphenation of these techniques allows the separation and detection of

    biomolecules containing metals, making possible to obtain unique information

    about biological processes. This work presents the development of analytical

    methodologies using agarose gel electrophoresis (GE), high performance liquid

    chromatography (HPLC) and inductively coupled plasma with mass spectrometry

    (ICP-MS) for the determination of platinum-containing biomolecules in biological

    materials. The main objective of this work is to provide analytical tools for the

    study of the mechanisms of action of platinum-based drugs in humans. Various

    biological materials such as blood, urine and cell cultures were used. Reverse

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  • phase liquid chromatography was used for the determination of intact drugs and

    its hydrolysis products; size exclusion chromatography was used to assess the

    protein profile in samples while the ion-pair chromatography for separation of

    DNA fragments. The detection of platinum in the eluates by ICP-MS allowed the

    obtention of clean chromatograms clearly presenting the platinum-containing

    molecules. The evidence of the applicability of the developed methods was

    assessed with the search for biomarkers of efficacy of treatment with cisplatin.

    Several cell lines were exposed to different treatments of cisplatin and their

    behavior were evaluated. The determination of DNA adducts containing platinum

    presented an interesting approach for obtaining a marker of resistance to cisplatin

    treatment.

    Keywords

    Cisplatin; oxaliplatin; carboplatina; HPLC-ICP-MS; DNA adduct;

    biomarker.

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  • Sumrio

    1. Introduo 18

    1.1 Contextualizao 18

    1.2 Objetivos 19

    1.2.1 Geral 19

    1.2.2 Especficos 20

    2. Fundamentao terica 21

    2.1 Algumas caractersticas do cncer humano 21

    2.2 Tratamento para o Cncer 23

    2.3 Drogas base de platina 24

    2.3.1 Cisplatina 26

    2.3.1.1 Mecanismo de ao 27

    2.3.1.2 Efeitos Colaterais 33

    2.3.1.3 Resistncia Cisplatina 34

    2.3.2 Carboplatina 37

    2.3.3 Oxaliplatina 39

    2.4 Determinao de biomolculas contendo metais: Metalmica. 41

    2.4.1 Anlise de especiao 42

    2.5 Clulas como Modelos Biolgicos 44

    2.6 Tcnicas utilizadas 46

    2.6.1 ICP-MS 46

    2.6.2 HPLC e HPLC-ICP-MS 48

    2.6.3 Citometria de fluxo 51

    2.6.4 Extrao de DNA e eletroforese em gel 53

    3. Materiais e Metodologia 55

    3.1 Materiais 55

    3.1.1 Reagentes 55

    3.1.2 Materiais 57

    3.1.3 Instrumentos 57

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  • 3.2 Procedimentos 59

    3.2.1 Especiao de platina em drogas com acoplamento HPLC-ICP-MS 59

    3.2.2 Cultura de clulas 61

    3.2.3 Determinao de metabolismo celular da cisplatina 61

    3.2.4 Extrao de DNA e eletroforese em gel 63

    3.2.5 Extrao do DNA do gel 67

    3.2.6 Determinao de fragmentos de DNA por HPLC-ICP-MS. 67

    4. Resultados e discusso 70

    4.1 Estudo de separao cromatogrfica aplicado a drogas base de

    platina 70

    4.2 Estudos com clulas 82

    4.3 Experimentos de acumulao celular de Pt 89

    4.4 Extrao de DNA e eletroforese em gel 91

    4.5 Determinao de fragmentos de DNA contendo platina por HPLC-

    ICP-MS 96

    5. Concluso 104

    6. Referncias Bibliogrficas 106

    7. Anexo I: Composio do meio de cultura RPMI 1640 127

    8. Anexo II - Publicaes resultantes dos trabalhos desenvolvidos na

    Tese. 128

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  • Lista de Figuras

    Figura 1: Estruturas dos compostos platnicos mais utilizados com

    atividade oncoltica. a) cisplatina; b) carboplatina; c) oxaliplatina. 25

    Figura 2: Produtos da hidrlise da cisplatina aps cruzar a membrana

    celular 29

    Figura 3: Ao da cisplatina na frao no nuclear da clula 30

    Figura 4: Estrutura do DNA aps ligao da cisplatina 31

    Figura 5: a) Modelo da estrutura do DNA evidenciando stios de ligao

    preferenciais; b) adutos mais recorrentes da ligao da cisplatina com

    DNA; c) modelo de estrutura qumica de adutos formados pela

    oxaliplatina, anlogos aos formados pela cisplatina 33

    Figura 6: Produtos de hidrlise da carboplatina em meio aquoso 38

    Figura 7: Produtos de hidrlise da oxaliplatina. 40

    Figura 8: Esquema da estrutura de um espectrmetro de massa com fonte

    de plasma indutivamente acoplado usado para medies por ICP-MS. 47

    Figura 9: Representao esquemtica de um sistema de HPLC. 49

    Figura 10: Representao esquemtica de um citmetro de fluxo. 51

    Figura 11: Resultado de avaliao de viabilidade celular por citometria de

    fluxo 52

    Figura 12: Sistema HPLC-ICP-MS da PUC-Rio. 60

    Figura 13: Aparato de eletroforese em gel 66

    Figura 14: Exemplo de gel de agarose utilizado para separao dos

    fragmentos de DNA 66

    Figura 15: Sistema HPLC-ICP-MS montado no Inmetro. 68

    Figura 16: Cromatograma de uma soluo contendo 200 g L-1 de

    cisplatina em soro fisiolgico. 71

    Figura 17: Cromatograma de uma soluo contendo 50 g L-1 de

    carboplatina em soro fisiolgico. 72

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  • Figura 18: Cromatogramas apresentando as espcies de Pt presentes em

    uma soluo aquosa da mistura de cisplatina e carboplatina. 73

    Figura 19: Cromatogramas da separao de espcies de platina em uma

    soluo de 50 g L-1 cisplatina em soro fisiolgico. 75

    Figura 20: Cromatograma apresentando a separao das espcies de

    platina em uma soluo de 50 g L-1 de carboplatina 76

    Figura 21: Cromatograma de uma soluo de 50 g L-1 de oxaliplatina em

    gua 76

    Figura 22: Cromatograma das trs drogas diludas em um soro fisiolgico

    a 50 g L-1 cada uma. 77

    Figura 23: Cromatogramas da oxaliplatina solubilizada em urina

    imediatamente aps o preparo da soluo. 78

    Figura 24: Cromatogramas obtido 24 h aps a solubilizao da

    oxaliplatina em urina. A indica os picos comuns encontrados na urina

    incubada com oxaliplatina e urina advinda de um paciente tratado com

    oxaliplatina (ver Figura 25). 79

    Figura 25: Urina de uma paciente tratado com oxaliplatina coletada 72 h

    aps a infuso e analisada 1 h aps a coleta. A representa os sinais

    comuns aos observados na urina incubada com oxaliplatina por 24 h; e

    B so os picos referentes a metablitos da oxaliplatina observados

    apenas nas amostras oriundas de paciente em tratamento com o frmaco.

    80

    Figura 26: Urina de um paciente tratado com oxaliplatina coletada 72 h

    aps a infuso da droga e analisada 24 h aps a coleta aps

    armazenamento 4 C. 81

    Figura 27: Clulas em cultura. a) H460 e b) Lucena. 82

    Figura 28: Resultados de viabilidade celular por citometria de fluxo.

    Incubao de K562 por 48 h com diferentes concentraes de cisplatina:

    84

    Figura 29: Resultados de viabilidade celular por citometria de fluxo.

    Incubao de Lucena por 48 h com diferentes concentraes de cisplatina

    84

    Figura 30: ndice de apoptose para linhagem Lucena. 85

    Figura 31: ndice de morte celular para linhagem K562. 86

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  • Figura 32: Avaliao do funcionamento das bombas de efluxo Pgp por

    citometria de fluxo. 88

    Figura 33: Resultados de eletroforese em gel. Raia a: DNA ladder 1 kb;

    raias b, c e d DNA ladder 1 kb, DNA de culturas de K562 sem tratamento

    e tratadas por 48 h com 10 g mL-1 de cisplatina extrados pelo mtodo 1;

    raias e, f e g o mesmo que nas raias b, c e d com extrao pelo mtodo 2.

    94

    Figura 34: (1) Gel apresentando um padro de degradao do DNA

    devido apoptose induzida por cisplatina, destacando bandas com

    fragmentos de DNA de 200 PB. (2) Mesmo gel aps a remoo das

    pores contendo os fragmentos de DNA de interesse. 95

    Figura 35: Cromatograma de uma injeo de um branco (Tris-HCl 10

    mmol L-1, pH 7,5) com as condies escolhidas para separao dos

    fragmentos de DNA. 99

    Figura 36: Cromatograma obtido para DNA Ladder 100 BP. 100

    Figura 37: Cromatograma obtido para a cisplatina pura a 1 mg L-1. 101

    Figura 38: Cromatograma do DNA da K562 tratada com cisplatina 102

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  • Lista de Tabelas Tabela 1: Condies otimizadas para separao das espcies de Pt das

    drogas e seus produtos de hidrlise com deteco por ICP-MS 60

    Tabela 2: Parmetros instrumentais para determinao da cintica de

    entrada e de sada de cisplatina da linhagem K562 e Lucena. 63

    Tabela 3: Condies cromatogrficas escolhidas para determinao de

    fragmentos de DNA contendo platina. 68

    Tabela 4: Condies cromatogrficas otimizadas para separao de

    drogas base platina intactas e produtos de hidrlise em meio aquoso e

    fluidos biolgicos. 74

    Tabela 5: Resultados do estudo de efluxo de cisplatina pelas clulas K562

    e Lucena. 90

    Tabela 6: Condies do ICP-MS para determinao de fragmentos de

    DNA contendo Pt. 96

    Tabela 7: Condies cromatogrficas otimizadas para separao de

    fragmentos de DNA. 98

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  • preciso amar as pessoas como se no houvesse amanh, porque se voc

    parar pra pensar, na verdade, no h.

    Renato Russo, Pais e Filhos

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  • 18

    1. Introduo

    1.1 Contextualizao

    O presente trabalho aborda o desenvolvimento de mtodos analticos como

    ferramenta para o entendimento da bioqumica envolvida no tratamento de

    cnceres com drogas base de platina. Este tipo de frmaco vem sendo utilizado

    desde a dcada de 1970 e, devido complexidade e espectro de sua atuao, os

    processos bioqumicos responsveis pela efetividade das drogas e tambm pela

    resistncia de certos tumores ao tratamento ainda no foram completamente

    esclarecidos. Pontos que ainda devem ser respondidos so o entendimento dos

    processos bioqumicos de ao das drogas e o estabelecimento de indicadores de

    eficcia do tratamento com drogas base de platina (biomarcadores). Tal

    conhecimento pode reduzir drasticamente a exposio de pacientes aos severos

    efeitos colaterais trazidos por esta classe de medicamentos.

    Em parte, o no entendimento dos processos celulares deve-se falta de

    abordagens analticas que permitam desvendar os processos que envolvem estes

    frmacos dentro do organismo. Nesta lacuna, a qumica analtica pode prestar

    grande servio biologia e medicina, desenvolvendo estratgias para se extrair

    informao relevante e que repercutam na avaliao da efetividade dos

    medicamentos e no ajuste dos tratamentos realizados com estes. Os qumicos

    analticos contribuem com uma compreenso aprofundada das ferramentas

    disponveis e com uma percepo apurada da qualidade dos resultados das

    determinaes qumicas. Em trabalhos como este, a parceria com bilogos e

    mdicos, que trazem uma percepo dos processos moleculares, celulares e

    sistmicos em organismos vivos, deveria mostrar grande sinergia para conduzir a

    achados que no seriam possveis de obter isoladamente.

    Neste trabalho foram desenvolvidas abordagens analticas que objetivaram

    esclarecer etapas do metabolismo de drogas base de platina. A hifenao da

    cromatografia lquida e a espectrometria de massas foram obtidas, assim como

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  • 19

    abordagens analticas que permitiram acessar informaes biolgicas at ento

    mascaradas por tratamentos de amostras inadequados.

    O presente trabalho foi construdo com o acmulo de conhecimentos nas

    reas da qumica analtica e da biologia e exigiu o desenvolvimento de aptides no

    tratamento de amostras biolgicas, cultura e manuteno de populaes de clulas

    e uso de tcnicas caractersticas das anlises biolgicas. No processo foi

    desenvolvido um protocolo para detectar um possvel indicador do prognstico do

    tratamento de clulas tumorais com drogas base de platina. A rotina analtica

    consistiu em extrair o DNA das clulas selecionadas, separar os fragmentos de

    DNA de interesse para posterior anlise, que possibilitou uma primeira

    investigao de fragmentos de DNA contendo Pt de clulas de leucemia tratadas

    com cisplatina. Vale salientar que os mtodos atualmente disponveis na literatura

    para determinao de DNA ligado Pt so precedidos por uma digesto com

    DNAse, que fragmenta o DNA em pares de bases. Esta prtica remove a

    informao biolgica que indica a origem do fragmento de DNA, isto , o

    tamanho da molcula que contm platina. Com a abordagem proposta aqui no se

    perde tal informao, permitindo inferir algo sobre a origem dos fragmentos de

    DNA contendo platina, consequentemente sobre o processo biolgico envolvido

    na produo deste fragmento. Uma vez identificados, estes fragmentos tm

    potencial para serem utilizados como biomarcadores para resistncia ao

    tratamento.

    1.2 Objetivos

    1.2.1 Geral

    Desenvolver mtodo baseado na tcnica HPLC (HPLC-ICP-MS) de forma a

    contribuir para a compreenso do mecanismo oncoltico dos compostos de Pt

    utilizados no tratamento de cncer pela identificao e quantificao de Pt em

    modelos celulares buscando informao sobre a frao de droga no modificada e

    biomolculas derivadas destes compostos;

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  • 20

    1.2.2 Especficos

    Desenvolver mtodo analtico sensvel e seletivo para a

    determinao de Pt por ICP-MS em fluidos biolgicos e modelos

    celulares, aps tratamento com compostos antineoplasicos base de

    platina;

    Estudar o metabolismo de drogas base de Pt em modelos celulares.

    Desenvolver mtodos analticos sensveis e seletivos para

    identificao de espcies de Pt em fluidos biolgicos e modelos

    celulares, aps tratamento com compostos antineoplasicos base de

    platina;

    Identificar e otimizar os parmetros analticos relativos a

    determinao instrumental das amostras tratadas por HPLC-UV e

    HPLC-ICP-MS;

    Desenvolver uma sistemtica para identificao de biomarcadores

    para determinao da resistncia / eficcia do tratamento com drogas

    base de platina.

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  • 21

    2. Fundamentao terica

    2.1 Algumas caractersticas do cncer humano

    O que comumente chamado de cncer humano compreende, na realidade,

    mais de 200 doenas diferentes que, em conjunto, responsvel por,

    aproximadamente, um quarto das mortes nos Estados Unidos (Siegel, Rebecca,

    Naishadham, Deepa e Jemal, Ahmedin, 2013). Um em cada trs ingleses

    desenvolver algum tipo de cncer em seu perodo de vida (Sasieni et al., 2011) e

    na Alemanha, com seus 82 milhes de habitantes, mais de 400 mil novos casos

    so diagnosticados todos os anos com aproximadamente 200 mil bitos. Como a

    incidncia da maioria dos cnceres cresce com a idade do indivduo, a tendncia

    desta incidncia de aumento, uma vez que a expectativa de vida continua a subir

    (Schulz, 2005). No Brasil, o Instituto Nacional do Cncer (INCA) estima que

    cerca de 580 mil novos casos da doena sejam reportados em 2014. Os tipos mais

    comuns de cncer e a previso de incidncia para 2014 no Brasil so: para

    homens: prstata (70 mil), clon e reto (15 mil), estmago (13 mil); para

    mulheres: mama feminina (56 mil), clon e reto (17 mil), colo do tero (15 mil),

    traqueia brnquio e pulmo (11 mil) (Estimativa 2014 - Incidncia de Cncer no

    Brasil, 2013).

    Os principais tipos de cncer que se apresentam em humanos so os de

    tecidos epiteliais, chamados carcinomas; os de tecidos conjuntivos, chamados

    sarcomas; os cnceres do sistema linftico chamados de linfoma; alm do de

    clulas do sistema imune (leuccitos) chamado leucemia.

    Apesar de sua diversidade, os tipos de cncer humanos apresentam diversos

    aspectos comuns e que os definem como cncer. Tais caractersticas so: 1)

    proliferao descontrolada de clulas; 2) diferenciao gentica; 3) metabolismo

    alterado; 4) instabilidade genmica; e 5) capacidade de invadir tecidos e rgos

    vizinhos ou distantes (metstase) (Schulz, 2005).

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  • 22

    Os cnceres so, em geral, hipersensveis aos estmulos de crescimento1, por

    outro lado, eles se tornam independentes destes estmulos externos para continuar

    crescendo. Ao mesmo tempo, eles so pouco sensveis aos estmulos de inibio

    do crescimento. Juntas estas caractersticas resultam em uma autonomia de

    crescimento que caracteriza os cnceres, e estas caractersticas tendem a se

    acentuar na medida em que a doena evolui (Alberts, 2008).

    Este comportamento de crescimento do cncer permite que suas clulas

    sejam alvejadas por frmacos no especficos, uma vez que, para manter o ritmo

    aumentado de crescimento e de replicao, as clulas do tumor possuem um

    metabolismo muito mais acelerado que o das clulas normais. Consequentemente,

    estas clulas metabolizam uma quantidade maior de frmacos do que as clulas

    equivalentes que no sofreram mutao, possibilitando assim que algumas drogas

    sejam txicas s clulas tumorais sem serem letais para os pacientes (Kroemer e

    Pouyssegur, 2008).

    A capacidade de invaso de outros tecidos e de gerar metstase o critrio

    definitivo para se discernir um tumor benigno de um tumor maligno. Juntamente

    com a caquexia2 e a supresso do sistema imune, a metstase a responsvel pela

    maior parte da mortalidade dos cnceres humanos. Na invaso, as clulas

    cancerosas crescem em vrios pontos e em vrias camadas do mesmo tecido e

    eventualmente extrapolam este tecido passando para os tecidos vizinhos. Isto

    permite que o tumor cresa de forma praticamente indefinida, o que produz mais

    rapidamente os efeitos no paciente.

    Na metstase, clulas cancerosas se desprendem do tumor e viajam pela

    corrente sangunea ou pelo sistema linftico e aderem em outros rgos onde

    formam novos tumores. Entretanto, este processo de aderncia em condies

    favorveis ao crescimento no ocorre frequentemente, e as clulas cancerosas ou

    pequenos grupos de clulas podem ficar retidos em vasos capilares e sobreviver

    ali por anos at se adaptar ao novo ambiente e reiniciar seu processo de

    crescimento descontrolado (Alberts, 2008). Estas clulas, ou pequenos grupos no

    podem ser diagnosticados por imagem, mas muitos podem ser identificados por

    1 Crescimento, neste contexto, diz respeito reproduo celular. 2 Caquexia a perda de apetite, fadiga, fraqueza, associada perda de massa corprea que

    no pode ser revertida atravs de meios nutricionais, i. e. mesmo se o paciente ingere mais calorias, ele continua perdendo massa magra. Em geral provocada em pacientes de cncer pela demanda do tumor por energia.

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    biomarcadores presentes na corrente sangunea (Brenner, Kloor e Pox, 2013). Os

    rgos que apresentam maior incidncia de metstase so aqueles com sistemas

    microcapilares extensos como o fgado, o pulmo e os ossos (Schulz, 2005).

    2.2 Tratamento para o Cncer

    O tratamento a ser indicado para o cncer depende do tipo de tumor, do

    estgio em que se apresenta e das caractersticas e estado de sade do paciente

    (Schulz, 2005; Estimativa 2014 - Incidncia de Cncer no Brasil, 2013). Em geral

    uma gama de terapias est disponvel, sendo as mais comuns a cirurgia, a

    radioterapia, a quimioterapia alm de combinaes destas. Cirurgias e radioterapia

    so indicadas para cnceres localizados, j as leucemias, linfomas, tumores

    metastticos, carcinomas avanados e tumores em tecidos moles requerem

    quimioterapia.

    As abordagens so complementares, uma vez que cada uma apresenta

    caractersticas especficas e os tumores so complexos e diversos. Por exemplo, a

    aplicao de quimioterapia ou de radioterapia, aps um procedimento cirrgico

    para combater clulas que no puderam ser dissecadas, chamada de tratamento

    adjuvante. Analogamente, a quimioterapia empregada antes de uma cirurgia com

    intuito de diminuir o tumor e facilitar sua completa retirada chamada de terapia

    neo-adjuvante.

    Na quimioterapia, uma grande variedade de drogas pode ser utilizada.

    Algumas atuam diretamente sobre o cncer, outras atuam melhorando e

    estabilizando funes do paciente comprometidas pela doena. O componente

    principal para a maioria dos tratamentos um agente citotxico. Neste tipo de

    terapia, compostos qumicos bloqueiam funes celulares bsicas como a

    replicao de DNA ou mitose3 conduzindo estas clulas apoptose4. As drogas

    base de platina so parte importante destes tratamentos. Outro tipo de terapia

    conduzido com o uso de agentes biolgicos que se ligam aos receptores nas

    clulas cancerosas que regulam, de forma indireta, a replicao de DNA ou o

    processo de mitose. Exemplos deste tipo de substncia so hormnios e anti- 3 Mitose o processo de diviso celular dos eucariotos. 4 Apoptose morte celular que ocorre de forma ordenada e demanda energia para a sua

    execuo. Pode ser acionada tanto por mecanismos de controle da homeostase, quanto por danos celulares irreparveis (como leso do DNA, por exemplo).

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  • 24

    hormnios usados no tratamento de cncer de seio ou de prstata. Outros grupos

    importantes de agentes biolgicos utilizados mais recentemente so as citocinas5,

    os fatores de crescimento, interferons6 e interleucinas7. Hoje eles so responsveis

    por tratamentos de doenas que eram incurveis h apenas uma dcada atrs.

    Alguns atuam diretamente sobre o tumor, outros estimulam o sistema imune a

    combater as clulas cancerosas (Schulz, 2005; Alberts, 2008).

    2.3 Drogas base de platina

    Desde a descoberta de suas propriedades oncolticas em meados dos anos

    60, a cisplatina tornou-se, inclusive no Brasil, uma droga padro no tratamento de

    diversos tipos de tumores, em especial o testicular (Williams e Einhorn, 1980).

    Apesar das boas respostas obtidas para tumores slidos como o sarcoma

    (Rosenberg, Barnett, 1980), o tratamento com a cisplatina acompanhado de

    efeitos colaterais severos (danos aos rins, nusea, danos aos ouvidos e ao sistema

    nervoso perifrico), que levaram investigao de outros compostos de platina

    que mantivessem a capacidade teraputica, minimizando os efeitos txicos. Entre

    estes novos compostos esto a carboplatina, a oxaliplatina, a loboplatina e a

    satraplatina (Weiss e Christian, 1993). Esses compostos apresentam menor

    toxicidade ao paciente quando comparados com a cisplatina, entretanto, eles so,

    de forma geral, menos ativos. A carboplatina o segundo composto platnico

    autorizado para uso clnico, apresentando excelentes resultados para diversos tipos

    de tumores, especialmente o cncer de ovrio (Calvert et al., 1989; Ozols et al.,

    2003). A sua atuao semelhante da cisplatina, sendo menos txica, e

    apresentando resistncia cruzada com a cisplatina, isto , os tumores resistentes

    cisplatina so tambm resistentes carboplatina (Go e Adjei, 1999). A

    oxaliplatina um complexo platnico de terceira gerao, menos txico e com

    atuao distinta da cisplatina (Raymond et al., 1998), sendo atualmente utilizada

    5 Citocina um termo genrico empregado para designar um extenso grupo

    de molculas envolvidas na emisso de sinais entre as clulas durante o desencadeamento das respostas imunes.

    6 Os interferons so protenas produzidas por clulas sob ataque, so produzidos pelas clulas do organismo para defend-lo de agentes externos como vrus, bactrias e clulas de tumores.

    7 As interleucinas so alguns tipos de protenas produzidas principalmente por clulas do sistema imune e atuam principalmente na ativao deste contra um agente especfico.

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  • 25

    como droga de primeira linha no tratamento de carcinoma colo-retal. Na Figura 1

    so apresentas as estruturas das principais drogas base de platina utilizadas para

    tratamento do cncer.

    Figura 1: Estruturas dos compostos platnicos mais utilizados com atividade oncoltica.

    a) cisplatina; b) carboplatina; c) oxaliplatina.

    Para explicar os complexos processos de transporte, armazenamento,

    eliminao e capacidade de interagir com biomolculas, que determinam o

    mecanismo de ao citotxica destas drogas, preciso entender a reatividade da

    platina e, consequentemente, de seus compostos de coordenao. A platina, no

    forma ons em meio aquoso tendo apenas gua como ligante, mas sim ons

    complexos envolvendo outros ligantes mais fortes que a gua. Tanto os

    complexos de Pt(II) quanto os de Pt(IV) so importantes em matrizes biolgicas.

    A platina tem uma forte capacidade de ligao com grupos doadores de eltrons

    como os presentes em aminocidos e tem a habilidade de formar quelatos (Lee,

    1996). No estado de oxidao II, os complexos geralmente so tetra-coordenados

    e apresentam geometria planar quadrtica, uma vez que envolve um sistema de

    eltrons d8. Pode-se destacar, em meio aquoso, os complexos [PtCl4]2- , que tem

    grande importncia na qumica preparativa e se hidrolisa facilmente em gua,

    formando [Pt(H2O)Cl3]- e [Pt(H2O)2Cl2]. Quando a platina est no estado de

    oxidao IV, complexos hexacoordenados com geometria octadrica so

    formados. Em geral, os complexos de platina (II ou IV), apresentam uma elevada

    estabilidade termodinmica e uma relativa inrcia cintica.

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  • 26

    As trs drogas base de platina e comercialmente disponveis, so na

    realidade pr-drogas, que somente apresentam a configurao ativa aps sua

    hidrlise, seja no meio extracelular ou meio intracelular. A cintica de ativao

    das drogas modula sua atividade e seus efeitos colaterais (Desoize e Madoulet,

    2002). Deve acrescentar-se que a cisplatina e carboplatina tm uma atividade

    substancial em clulas tumorais para sensibilizao radioterapia especialmente

    em tumores na cabea e pescoo, pulmo, esfago, colo do tero, bexiga e no reto

    (Desoize e Madoulet, 2002).

    2.3.1 Cisplatina

    A cis-diaminodicloroplatina (II) (cisplatina) foi primeiramente sintetizada

    em 1844 por Michel Peyrone recebendo o nome de Cloreto de Peyrone. O

    composto se apresenta como um p amarelo com solubilidade em gua de

    2,53 mg mL-1, a 25C, e de menos de 1 mg mL-1 a 19C. A cisplatina um

    complexo quadrado planar com dois ligantes cloreto e dois ligantes amino em

    posio cis, como pode ser observado na Figura 1.

    Em 1961 Barnett Rosenberg iniciou estudos explorando a exposio de

    clulas mitticas de mamferos campos magnticos. Em testes com a bactria

    Escherichia coli, ele observou uma diminuio da reproduo celular e o

    alongamento das bactrias. Rosenberg investigou esta resposta e observou que os

    eletrodos de platina utilizados se degastavam com a formao de complexos de

    platina que eram responsveis por este efeito nas bactrias. Rosenberg percebeu as

    possibilidades deste resultado e direcionou sua pesquisa para a busca de um

    agente antineoplsico, uma vez que estes complexos, ao parar o ciclo celular,

    poderiam ser de grande valia no tratamento de tumores, considerando que uma das

    principais caractersticas destes a reproduo descontrolada.

    Em 1965 Rosenberg relatou o alongamento da Escherichia coli e o associou

    presena de metais de transio no meio de cultura (Rosenberg, Vancamp e

    Krigas, 1965); em 1969 Rosenberg sugeriu um grupo de complexos platnicos

    como agentes antitumorais, inclusive a cisplatina (Rosenberg et al., 1969). J em

    1971 ele demonstrou a atuao da cisplatina com a drstica reduo de um

    sarcoma implantado em camundongos. Este experimento teve um grande efeito na

    aceitao da cisplatina como agente antineoplasico (Rosenberg, 1971), e em 1978

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  • 27

    a droga j estava aprovada para uso nos Estados Unidos pelo Food and Drug

    Administration (FDA) para uma srie de tumores (Rosenberg, B., 1980). At hoje

    a cisplatina utilizada como tratamento de primeira linha contra diversos cnceres

    e apresenta taxa de cura de at 97% dos casos contra tumores de testculo, por

    exemplo (Siegel, R., Naishadham, D. e Jemal, A., 2013).

    Com a descoberta acidental de Rosenberg, um novo horizonte no tratamento

    do cncer se abriu. Nenhuma droga (a maioria, compostos orgnicos de origem

    natural) at ento apresentara respostas to significativas no tratamento da doena.

    Com os resultados obtidos com a cisplatina, diversos compostos de coordenao

    contendo platina comearam a ser investigados. O prprio Rosenberg se dedicou a

    esta busca por anos (Rosenberg, 1973). Alm da platina, complexos contendo

    outros metais como Pd, Au, Fe, Ru (Cutillas et al., 2013), Ir, Mg (Bruijnincx e

    Sadler, 2008), Co e Cu (Gasser e Metzler-Nolte, 2012; Graf e Lippard, 2012) vm

    sendo investigados como agentes antineoplasicos. A maioria destes apresentam

    mecanismos de ao semelhantes ao da cisplatina, porm, alguns apresentam

    comportamentos bem distintos.

    2.3.1.1 Mecanismo de ao

    Um entendimento completo dos mecanismos de ao da cisplatina ainda no

    foi alcanado, e constantemente observam-se dados contraditrios na literatura

    (Klein e Hambley, 2009). Sem dvida a cisplatina a droga base de platina mais

    estudada e serve de referncia em termos de atividade e princpio farmacolgico

    para as outras drogas de tratamento do cncer. O que se tem praticamente como

    consenso que o principal mecanismo responsvel pela citotoxicidade da

    cisplatina a formao de ligao covalente com o DNA, impedindo a diviso

    celular e induzindo a clula a apoptose. Entretanto diversas frentes de atuao da

    droga corroboram para sua eficincia.

    A cisplatina administrada aps uma super-hidratao do paciente seguida

    da administrao de diurticos de modo a diminuir os efeitos nefrotxicos da

    droga. Um monitoramento atento do fluxo diurtico obrigatrio para o controle

    da toxicidade, que se configura no maior fator limitante de dose deste frmaco

    (O'dwyer, Stevenson e Johnson, 2000). Aps a aplicao da cisplatina por via

    intravenosa, devido concentrao de cloreto no plasma sanguneo, a molcula

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  • 28

    no sofre hidrlise e carreada pelo sangue em sua forma original. Em torno de

    90% da cisplatina interage fisicamente com protenas do plasma como albumina, e

    o restante solubilizado. A cisplatina se distribui rapidamente nos rgos e

    tecidos, e encontrada principalmente no fgado e nos rins (O'dwyer, Stevenson e

    Johnson, 2000). As concentraes plasmticas da droga decaem rapidamente,

    sendo a meia vida da platina ultrafiltrvel no plasma, isto , solubilizada em sua

    forma original, de 20 a 45 min. Aproximadamente 25% do frmaco excretado na

    urina nas primeiras 24 h, at 90% eliminado em at cinco dias e o restante da

    platina pode ficar retida no organismo por anos.

    Muitos estudos tm sido realizados para esclarecer a farmacocintica dos

    medicamentos base de platina, mas a maioria deles so baseados na

    determinao total de Pt. A distribuio espacial de platina em linfcitos de

    pacientes tratados com cisplatina e em linhas de clulas cultivadas so quase a

    mesma: 20% na membrana, de 60% na fraco citoslica, 10% no citoesqueleto e

    10% no ncleo (Zayed, Shoeib, et al., 2011).

    Enquanto a cisplatina encontra-se no plasma sanguneo, ela permanece em

    sua forma original devido concentrao de cloreto neste meio (aproximadamente

    100 mmol L-1). Ao atravessar a membrana celular por difuso passiva ou atravs

    de transporte ativo auxiliado por protenas de membrana como as chaperonas de

    cobre (Blair et al., 2009), a cisplatina encontra um meio com uma concentrao de

    cloreto da ordem de 3 a 20 mmol L-1 e sofre hidrlise convertendo-se nas formas

    mais ativas da droga (Klein e Hambley, 2009; Galluzzi et al., 2012). Na Figura 2

    (Klein e Hambley, 2009) esto ilustrados os possveis produtos de hidrlise que

    determinaro a atividade da cisplatina no meio celular. Existem evidencias de

    diversas interaes das formas ativas da cisplatina com o meio intracelular,

    podendo-se dividi-las em dois grupos principais, ao no citoplasma e no ncleo.

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  • 29

    Figura 2: Produtos da hidrlise da cisplatina aps cruzar a membrana celular (Klein e

    Hambley, 2009).

    Ao entrar na clula, a cisplatina interage com a membrana plasmtica

    perturbando interaes lipdio-lipdio e lipdio-protena (Martins et al., 2008).

    Acredita-se que esta interao pode provocar o recrutamento e ativao da

    caspase-88 e consequentemente a ativao em cascata das outras caspases

    conduzindo a clula apoptose caspase-dependente.

    Na frao citoplasmtica a cisplatina interage com uma srie de espcies

    nucleoflicas endgenas como a glutationa reduzida (GSH), metionina,

    metalotioneinas, alm de outras protenas citoplasmticas (Barefoot, 2001;

    Calderon et al., 2003; Finney e O'halloran, 2003; Galluzzi et al., 2012). A ao da

    cisplatina no citoplasma tem um carter depletivo de espcies reduzidas,

    formando um ambiente favorvel ao estresse oxidativo, que favorece a atuao da

    droga no ncleo da clula (Galluzzi et al., 2012), no retculo endoplasmtico e na

    8 Caspase-8 uma, de um grupo de protenas codificada pelo gene CASP8. A ativao

    sequencial das caspases tem um papel central no processo de execuo da apoptose celular. O

    nome "caspase" derivado dessa funo molecular caracterstica: cysteine-aspartic-acid-proteases.

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  • 30

    mitocndria. Uma vez que a mitocndria atacada por espcies oxidantes, danos

    a suas macromolculas como lipdios, protenas e DNA mitocondrial (Podratz et

    al., 2011) induzem a apoptose tanto via caspase quanto por vias independentes de

    caspase (Martins et al., 2008), (Pabla e Dong, 2008). Na Figura 3 so

    apresentados os mecanismos de ao no nucleares da cisplatina. Ainda na frao

    citoplasmtica da clula, a cisplatina interage com RNA (Hostetter, Osborn e

    Derose, 2012), comprometendo a sinalizao celular e a expresso gnica.

    Considerando o que se conhece at hoje, estes so os principais mecanismos

    citotxicos da cisplatina exercidos na frao citoplasmtica da clula. Todas as

    outras interaes da droga no citoplasma so consideradas como fontes de

    resistncia, isto , diminuem a concentrao da cisplatina no citoplasma

    disponvel para induzir a apoptose, e sero discutidas mais adiante.

    Figura 3: Ao da cisplatina na frao no nuclear da clula (Adaptado de Pabla e Dong,

    2008)

    No ncleo da clula, a cisplatina se liga ao DNA alterando sua estrutura e

    impedindo a replicao celular. Na Figura 4 ilustrada a estrutura do DNA aps a

    ligao da cisplatina (Pabla e Dong, 2008). Os estudos estruturais que

    determinaram a estrutura dos adutos de Pt-DNA foram conduzidos por difrao de

    raios-x, e por espectroscopia de ressonncia nuclear magntica, alm de diversos

    estudos com simulao computacional. Entretanto, todos estes estudos foram

    feitos com o DNA isolado, purificado e fora de sua estrutura de cromatina, na qual

    Ativao de Caspase-8

    Ativao de Caspase-9

    Ativao de Caspase-12

    Via Mitocondrial

    Citocromo C

    Independente . de Caspase

    Via de receptoresde apoptose Estresse RE

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  • 31

    se encontra no meio celular, logo as concluses quanto estrutura no apresentam

    uma correlao adequada com a configurao real da molcula em meio celular

    ou com a resposta fisiolgica induzida pela droga. Durante muitos anos se

    acreditou que este era o mecanismo de ao da cisplatina, entretanto, pesquisas

    mais recentes vm elucidando, de forma mais clara e realista, o intrincado

    mecanismo de ao da droga.

    Figura 4: Estrutura do DNA aps ligao da cisplatina (adaptado de Gelasco e Lippard,

    1998).

    Cerca de 1% da cisplatina total absorvida pela clula encontra-se ligada ao

    DNA nuclear (Gonzalez et al., 2001) A cisplatina interage com o DNA formando

    uma srie de adutos, ligando-se preferencialmente posio N7 das bases

    purnicas (adenina e guanina), podendo formar adutos duplos, com ligaes em

    uma nica fita ou entre as fitas de DNA. A cisplatina pode ainda formar adutos

    simples com bases de DNA ou ainda adutos de protena-DNA. Na Figura 5-b

    observa-se a representao de alguns desses adutos.

    O aduto majoritrio o cis-1, 2, [Pt(NH3)2]2+-d(GpG) intrafita, que responde

    por 65% do total de adutos formados. O segundo mais abundante o cis-1, 2,

    [Pt(NH3)2]2+-d(ApG) intrafita que responde por 25% dos adutos formados

    enquanto que entre 5 e 10% dos adutos so cis-1, 3, [Pt(NH3)2]2+-d(GpNpG)

    tambm intrafita, com uma frequncia menor encontra-se os adutos interfita (Todd

    e Lippard, 2009).

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  • 32

    As leses causadas ao DNA pela cisplatina ativam uma srie de mecanismos

    de reparo, sendo o que envolve o sistema de reparo por exciso de nucleotdeo

    (NER) o que constitui a mais importante via de retiradas de adutos da fita de

    DNA. Entretanto, mecanismos de reparo de erro de pareamento (MMR) tambm

    participam da remoo dos adutos de platina da fita de DNA. Quando as leses

    so limitadas, a cisplatina induz uma parada do ciclo celular aprisionando a clula

    em S ou G29, permitindo ao sistema de reparo reestabelecer a integridade do

    DNA. Se o dano ao DNA muito extenso, ou seja, quando no pode ser reparado,

    a clula evolui para a morte por apoptose ou, dependendo da dose de cisplatina,

    por necrose.

    9 G1, S e G2 indicam o estado de uma clula em relao mitose. As clulas em G1 esto

    com seu contedo de DNA normal, S indica um estado onde a clula iniciou o processo de duplicao de seu contedo gentico; e G2 o estado em que todo o DNA da clula j se encontra duplicado, faltando a essa dividir-se em duas novas clulas filhas.

    Adenina Timina

    Estrutura de fosfato-desoxirribose

    CitosinaGuanina

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  • 33

    Figura 5: a) Modelo da estrutura do DNA evidenciando stios de ligao preferenciais; b)

    adutos mais recorrentes da ligao da cisplatina com DNA (Esteban-Fernandez et al., 2010); c)

    modelo de estrutura qumica de adutos formados pela oxaliplatina, anlogos aos formados pela

    cisplatina (Zayed, Jones, et al., 2011).

    A cascata de sinalizao mais importante, que liga a leso ao DNA causada

    pela cisplatina morte celular por apoptose, envolve a ativao em sequncia de

    uma srie de protenas no ncleo e no citoplasma. O processo se inicia por

    ativao de protenas que percebem e sinalizam o dano presente no DNA, como

    a checkpoint kinase 1 (CHEK 1), e por sua vez fosforila a protena supressora de

    tumor TP53 (Shieh et al., 2000; Appella e Anderson, 2001; Zhao e Piwnica-

    Worms, 2001). Uma vez ativada a TP53 dispara uma srie de funes letais no

    ncleo e no citoplasma que culminam com a apoptose da clula. Alm deste

    mecanismo, diversos outros vem sendo reportados e estudados, entretanto,

    descrev-los est alm do escopo deste trabalho (Wang et al., 2006; Pabla e Dong,

    2008; Galluzzi et al., 2011).

    2.3.1.2 Efeitos Colaterais

    Entre os efeitos colaterais mais comuns da administrao de cisplatina esto

    os efeitos emetognicos10, ototoxicidade, anemia e nefrotoxicidade (O'dwyer,

    Stevenson e Johnson, 2000).

    Os efeitos emetognicos podem ser muito severos e comprometer o

    andamento do tratamento com cisplatina. Em geral esses efeitos indesejados so

    tratados com drogas que atuam no sistema nervoso central, como serotonina ou

    antagonistas 5-HT3 como o ondansentron (Eisenberg et al., 2003).

    A nefrotoxicidade , certamente, a maior preocupao em relao

    administrao da cisplatina. A afinidade desses compostos pelas clulas renais, e

    sua alta citotoxicidade culminam na induo de apoptose e tambm de necrose das

    clulas renais, comprometendo os tecidos e a funo do rgo de forma reversvel

    ou permanente. A nefrotoxicidade o mais importante dos fatores limitantes da

    dose administrada de cisplatina. A disfuno renal induzida pela droga se

    manifesta clinicamente por insuficincia renal, hipocalemia e hipomagnesemia.

    10 Emetognicos i.e. provocam intensa irritabilidade no trato gastrointestinal, induzindo o

    reflexo do vmito de forma intensa e difcil de controlar.

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  • 34

    Os riscos destes efeitos colaterais so dose-dependentes e podem ser minimizados

    com uma hidratao intensiva antes e durante a infuso da cisplatina (O'dwyer,

    Stevenson e Johnson, 2000; Pabla e Dong, 2008). O principal mecanismo de ao

    nefrotxica da cisplatina parece estar relacionado com a induo das clulas

    epiteliais do tbulo proximal apoptose, conduzindo a um quadro clnico descrito

    como necrose tubular aguda. A cisplatina induz apoptose nestas clulas,

    principalmente por via mitocondrial. Medicamentos capazes de proteger a

    mitocndria das clulas epiteliais dos tbulos proximais se apresentam como

    promissores adjuvantes no tratamento de diversos tumores, possibilitando o

    aumento das doses ministradas de cisplatina (Pabla e Dong, 2008; Podratz et al.,

    2011).

    Alguns efeitos colaterais dos compostos platnicos esto relacionados a

    interaes com biomolculas ainda no sangue, sendo que os estudos dos possveis

    compostos formados, sua estrutura e cintica de formao, podem ajudar a

    entend-los e posteriormente evit-los. Estudos recentes comeam a elucidar as

    estrutura de biomolculas formadas com a cisplatina ainda no sangue e que

    transportam o medicamento at as clulas (Huang et al., 1995). Compostos com

    grupos tiol, como a L-metionina, a L-cisteina e GSH reagem com as drogas base

    de platina administradas a pacientes e existem evidncias de que a nefrotoxicidade

    da cisplatina aumentada na presena de L-metionina. Mais recentemente o

    espectro de biocompostos de interesse tem sido delimitado e tanto a estrutura de

    protenas ligadas platina quanto de adutos de DNA tem sido indicados como os

    mais ativos, tanto na ao oncoltica quanto nos efeitos colaterais (Takahara et al.,

    1995; Teuben et al., 1999; Kelland, 2000; Timerbaev, Kung e Keppler, 2002;

    Mcsheehy, S. et al., 2003; Kim et al., 2009; Wong et al., 2010).

    2.3.1.3 Resistncia Cisplatina

    A base da resistncia a cisplatina pode ser descrita seguindo o modo de ao

    molecular da droga, que envolve vrios passos at a resposta da clula tumoral.

    Processos celulares que impedem a apoptose mitocondrial, ou que os danos

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  • 35

    causados ao DNA evoluam para apoptose induzida por p5311 (Jamieson et al.,

    1999; Cohen e Lippard, 2001) so os principais fatores que prejudicam a

    eficincia da cisplatina, levando a uma m resposta do tratamento. Uma melhor

    compreenso do mecanismo pelo qual estas molculas so reguladas, bem como

    de seus papis na sensibilidade e na resistncia droga so necessrias e ainda

    no esto bem estabelecidas na literatura.

    Vrias molculas esto envolvidas na resistncia cisplatina, a protena 1 de

    ligao ao domnio metil-CpG (MBD1), que desempenha um papel importante na

    progresso da doena, uma delas. Esta protena recrutada para locais de danos

    ao DNA induzidos por cisplatina e atua no reparo do material gentico da clula,

    conferindo a esta uma maior resistncia ao frmaco. Assim, o silenciamento da

    expresso da MBD1 prejudica a resposta do sistema de verificao de danos ao

    DNA, e, consequentemente, reduz significativamente a capacidade da clula de

    reparar o DNA (Xu et al., 2013).

    Outro modulador da atividade da cisplatina a protena Jun activating

    binding protein (Jab1), uma protena multifuncional que participa no controle da

    proliferao das clulas e na estabilidade de vrias protenas e desempenha um

    importante papel na resposta celular cisplatina e a irradiao atravs do controle

    de danos ao DNA e rotas de reparo (Pan et al., 2013). A Jab1 regula

    positivamente a expresso da Rad5112 por via dependente de p53. O aumento da

    expresso ectpica13 de Rad51 confere resistncia celular cisplatina, radiao

    infravermelha e ao UV em clulas deficientes de Jab1. Pan et al. demostraram que

    a Jab1 superexpressa em duas linhagens celulares de carcinoma de nasofaringe

    relativamente resistentes cisplatina, radiao infravermelha e UV.

    Fatores de transcrio FOXO, funcionando ao logo da cascata de sinalizao

    PI3K-AKT-PTEN(PKB), so essenciais para a proliferao celular, diferenciao,

    reparao de danos ao DNA e apoptose (Kwok et al., 2010). Pesquisas recentes

    indicam que o fator de transcrio relacionado FOXM1 um alvo direto da

    represso por protenas FOXO. A inativao da FOXO ou sobre expresso de

    FOXM1 est associada com tumorgnese e progresso do cncer. Alm disso, os

    11 Quando a cisplatina provoca um dano que no pode ser reparado a protena p53 inicia a

    cascata de reaes que culminam na apoptose celular. 12 Rad51 uma protena que assiste no reparo de quebras nas duas fitas do DNA. 13 Expresso ectpica a expresso, num organismo, de um gene numa localizao em que

    normalmente ela no acontece.

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  • 36

    efeitos citostticos e citotxicos de um vasto espectro de drogas antineoplsicas,

    tais como paclitaxel, doxorrubicina, lapatinib, gefitinib, imatinib e cisplatina, so

    mediadas atravs da ativao de FOXO3a e/ou a inibio de seu alvo metablico,

    a protena FOXM1. Paradoxalmente, protenas FOXO tambm contribuem para a

    resistncia aos medicamentos, por influir na expresso de genes importantes para

    o efluxo de drogas, bem como a reparao do DNA e os meios de sobrevivncia

    celular em cnceres (Kwok et al., 2010) resistente a drogas.

    Outro mecanismo presente em clulas resistentes cisplatina a reduo da

    acumulao intracelular de drogas base de platina em sua forma ativa. Isto pode

    resultar da reduo da absoro da droga, do aumento do efluxo de drogas ou do

    sequestro intracelular. Embora um dos mecanismos de captao de cisplatina seja

    mediado pela protena transportadora de cobre CTR1, o efluxo realizada por

    dois outros canais de escoamento de cobre: as adenosina-trifosfatases tipo p

    (ATP7A e ATP7B). Samimi et al. descreveu que as alteraes na expresso destas

    protenas tm sido implicadas na resistncia cisplatina e a baixos ndices de

    sobrevivncia de pacientes, em alguns tipos de cncer, mais notavelmente no

    cncer de ovrio (Samimi et al., 2003). A chaperona ATOX1 foi recentemente

    descrita como o transportador que conduz a Pt da CTR1 para ATP7B. A Pt parece

    competir com a GSH na interao com essa protena. Adutos estveis de

    ATOX1-Pt foram recentemente observados (Galliani et al., 2014).

    Outro sistema de efluxo importante, cMOAT/MRP2, tm sua expresso

    aumentada nas clulas tumorais. Vrios trabalhos demonstraram que este

    transportador de membrana pode contribuir para a resistncia cisplatina (Xie et

    al., 2010). MRP2 requer GSH como um cofator, e o seu papel na proteo contra

    os efeitos citotxicos da cisplatina pode ser um resultado da sua capacidade para o

    transporte de conjugados de GSH/cisplatina atravs da membrana plasmtica

    (Tonigold et al., 2014). GSH pode trabalhar em conjunto com a cMOAT/MRP2

    para bombear conjugados de GSH-cisplatina para fora das clulas de uma maneira

    dependente de ATP. A resistncia cisplatina atravs deste mecanismo

    completamente dependente de GSH (Arner et al., 2001). De fato, o aumento dos

    nveis de GSH intracelular so frequentemente observados em tumores resistentes

    cisplatina (Singh, Okamura e Ali-Osman, 2010).

    Alm dos mecanismos de efluxo descritos anteriormente as clulas tambm

    dispe da P-glicoprotena 1 (Pgp), esta uma importante protena de membrana

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  • 37

    celular que bombeia muitas substncias estranhas para fora das clulas, isto ,

    uma bomba de efluxo dependente de ATP que atua sobre um amplo espectro de

    substratos (Aller et al., 2009). A Pgp uma glicoprotena que, em humanos,

    codificada pelo gene ABCB1. A atividade da Pgp sobre a cisplatina no est

    completamente elucidada, sabe-se que a cisplatina induz um aumento na

    expresso de Pgp, entretanto a cisplatina no substrato para a bomba de efluxo,

    isto , a protena transmembrana no capaz de transportar a cisplatina para fora

    da clula diretamente. Entretanto observa-se, em clulas com uma maior

    expresso da Pgp uma maior resistncia cisplatina.

    A capacidade das drogas base de platina, e tambm de outros frmacos,

    para formar ligaes com os grupos tiol, os tornam adequados para formar

    ligaes com metalotionenas (MTs), que so protenas intracelulares, que contm

    a maior quantidade de grupos tiol no citoplasma. O aumento do nvel de MT um

    mecanismo de resistncia a esta classe de medicamentos, uma vez que a ligao

    da droga MT, ainda na frao citoplasmtica, impede as molculas ativas de

    cisplatina de alcanar o seu alvo: o DNA intranuclear das clulas tumorais

    (Gumulec, Balvan, et al., 2014; Gumulec, Raudenska, et al., 2014).

    A excision repair cross-complementation group 1 (ERCC1) uma

    componente chave da maquinaria de reparo de DNA atravs da exciso de

    nucleotdeos (NER). A expresso desta protena se apresenta marcadamente mais

    elevada em diversas linhagens tumorais resistentes cisplatina (Bauman et al.,

    2013; Ozdemir et al., 2013; Muallem, Braicu, et al., 2014; Muallem, Marnitz, et

    al., 2014; Torii et al., 2014). A ao da ERCC1 produz fragmentos de DNA de

    cadeia simples (de cerca de 30 nucleotdeos) contendo o aduto de Pt e protenas

    do sistema NER ligadas. DNA polimerases e ligases preenchem a lacuna deixada

    na fita de DNA, utilizando a fita complementar remanescente como um molde

    (Friedberg, 2001).

    2.3.2 Carboplatina

    A cis-diammina (1,1-ciclobutanodicarboxilato) platina(II), comumente

    chamada de carboplatina, um anlogo da cisplatina desenvolvida pela Bristol-

    Myers Squibb com a colaborao de um nmero de oncologistas e institutos

    acadmicos. A droga foi introduzida em testes clnicos em 1981 e foi aprovada

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  • 38

    pelo FDA para uso em 1989 (Go e Adjei, 1999). Aps uma extensa triagem pr-

    clnica que envolveu um grande nmero de derivados de platina, a carboplatina foi

    escolhida principalmente por causa de sua menor toxicidade em comparao com

    a cisplatina (Lebwohl e Canetta, 1998). Infelizmente, ela apresenta resistncia

    cruzada com a cisplatina. O limitante da dose a mielossupresso14 provocada

    pela administrao da carboplatina. A trombocitopenia15 o efeito colateral

    predominante (Go e Adjei, 1999; O'dwyer, Stevenson e Johnson, 2000).

    A carboplatina foi amplamente testada em um grande nmero de ensaios

    clnicos aleatrios, avaliando-se sua eficcia em comparao cisplatina. A sua

    atividade anti-tumoral foi demonstrada contra o cncer de ovrio. Uma meta-

    anlise de 11 ensaios clnicos, que inclui mais de 2.000 pacientes, no indicou

    superioridade de carboplatina sobre a cisplatina (Chemotherapy in advanced

    ovarian cancer: an overview of randomised clinical trials. Advanced Ovarian

    Cancer Trialists Group, 1991). A combinao de carboplatina com o paclitaxel16

    de grande interesse, uma vez que a toxicidade desta reduzida. Esta combinao

    utilizada nomeadamente em cnceres do ovrio, cabea e pescoo e bexiga, e em

    NSCLC17 (Lokich e Anderson, 1998).

    Figura 6: Produtos de hidrlise da carboplatina em meio aquoso (adaptado de (Pavelka,

    Lucas e Russo, 2007).

    14 Mielossupresso a diminuio da produo de clulas sanguneas pela medula ssea. 15 Trombocitopenia a reduo do nmero de plaquetas no sangue, deixando o paciente

    mais suscetvel a hemorragias. 16 Paclitaxel um inibidor de mitose utilizado em regimes de quimioterapia combinado

    com outras drogas. 17 NSCLC a sigla em ingls para Non Small Cell Lung Cancer.

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  • 39

    Na prtica, a carboplatina substitui a cisplatina em diversas indicaes. A

    dose tipicamente calculada com relao rea da superfcie corporal do

    paciente, com uma dose mdia de 400 mg m-2, em comparao com 100 mg m-2

    para a cisplatina. Alm da sua eficcia e toxicidade inferior, o regime de

    administrao utilizado, com uma nica infuso rpida, mais prtico do que a

    infuso prolongada tpico da administrao de cisplatina. (Desoize e Madoulet,

    2002).

    A carboplatina apresenta um ligante abandonador mais estvel que os

    cloretos da cisplatina, o grupo carboxilato, que confere droga menor toxicidade,

    porm tambm uma menor atividade.

    2.3.3 Oxaliplatina

    A trans-L-diaminociclohexano-oxalato platina(II), comumente chamada de

    oxaliplatina foi sintetizada por Kidani na Universidade de Nagoya, Japo e foi

    desenvolvida primeiramente na Frana, com o apoio dos Laboratrios Roger

    Bellon, Debiopharm e Sanofi-Synthelabo. Esta droga foi selecionada para o

    desenvolvimento, pois apresentou uma maior eficcia e uma menor toxicidade do

    que a cisplatina em estudos pr-clnicos in vivo e, o mais importante, no

    apresentou resistncia cruzada com a cisplatina.

    O efeito colateral mais proeminente e que limita a dose a neuropatia

    sensorial significativa, que no pode ser prevista. No incio do processo de

    desenvolvimento do medicamento, Levi e colegas relataram a superioridade da

    cronomodulao18 de perfuses sobre a infuso a velocidade constante nos

    estudos pr-clnicos e clnicos com oxaliplatina (Boughattas et al., 1989;

    Caussanel et al., 1990; Levi et al., 2000). Este modo particular de administrao

    resultou numa toxicidade diferenciada. Para regimes de infuso com velocidade

    constante, observou-se estomatite nos pacientes com maior frequncia. Em

    contraste, para regimes de infuso com cronomodulao, os sintomas observados

    com maior frequncia foram emese e neuropatia sensorial.

    A oxaliplatina apresentou resultados interessantes em cnceres de ovrio, de

    mama, cncer de cabea e pescoo, no linfoma no-Hodgkin, melanoma maligno, 18 Cronomodulao variao da velocidade de infuso da droga ao longo de um

    determinado perodo.

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  • 40

    glioblastoma e NSCLC. A sua eficcia mais notvel contra o cncer resistente a

    outros derivados de platina. Os melhores resultados at agora tm sido obtidos no

    tratamento de cncer colo-retal. Alm disso, uma sinergia significativa foi

    observada com leucovorina e fluorouracilo e produz uma taxa de resposta

    impressionante (De Gramont et al., 1997; Maindrault-Goebel et al., 1999).

    A oxaliplatina apresenta um mecanismo de hidrlise particular e o produto

    final significativamente diferente do da cisplatina e da carboplatina. A

    oxaliplatina menos estvel mesmo em concentraes de cloreto mais elevadas

    como as do plasma sanguneo. Nesse ambiente, a droga sofre hidrlise espontnea

    ao entrar em meio biolgico aquoso, liberando o grupamento oxalato e mantendo

    o diaminociclohexano (DACH). A espcie predominante Pt(DACH)Cl2 (Jerremalm et al., 2004). O grupo oxalato pode ser substitudo por espcies

    nucleoflicas como Cl-, HCO3- e mesmo H2O. Na Figura 7 so apresentadas as

    espcies mais abundantes em meio aquoso.

    A oxaliplatina interage de forma irreversvel com os eritrcitos, e apena 5%

    da droga injetada fica disponvel para entrar na clula. A quantidade de adutos

    formados menor que os formados pela cisplatina em doses equivalentes,

    entretanto o carter mais hidrofbico do grupo DACH parece dificultar o reparo

    dos adutos, tornando a droga mais eficiente (Esteban-Fernndez et al., 2010).

    Figura 7: Produtos de hidrlise da oxaliplatina.

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  • 41

    Foi demonstrado que a oxaliplatina atua de forma semelhante s drogas

    anlogas cisplatina e carboplatina. A oxaliplatina tambm exerce seu efeito

    citotxico atravs da formao de adutos de DNA , Zayed et. al. demonstraram

    que os adutos formados mais abundandes so G Pt (DACH) G, G Pt (DACH)

    A (Zayed, Jones, et al., 2011). Entretanto, a eficincia da oxaliplatina no

    apresenta correlao com a atividade de GSH ou da glutationa S transferase

    (GST)19 (Arnould et al., 2003).

    2.4 Determinao de biomolculas contendo metais: Metalmica.

    No decorrer do processo evolutivo, minerais e ons disponveis na crosta

    terrestre foram inseridos em processos biolgicos fundamentais de todos os seres

    vivos. Diversos metais participam de processos fisiolgicos, sendo que alguns

    ons metlicos, quando associados a polipeptdios, podem catalisar reaes

    qumicas nicas e atuar em funes fisiolgicas especficas. Nos sistemas

    celulares, os metais atuam como ativadores de protenas, equilibram foras

    eletrostticas, catalisam reaes, etc. Assim, a vida est associada aos elementos

    majoritrios e a elementos-trao, alm dos elementos tpicos das substncias

    orgnicas C, H, O, N, P e S. Por outro lado, elementos como Hg, Pb e As, entre

    outros, podem provocar danos significativos a sistemas biolgicos mesmo em

    baixssimas concentraes (Caldern et al., 2003).

    Neste contexto, os sistemas vivos possuem mecanismos para regulao das

    concentraes dos elementos essenciais e, ao mesmo tempo, mecanismos de

    defesa contra elementos cujo efeito acima de uma dada concentrao txico.

    Elementos como Na, K, Ca e Fe desempenham papis vitais na maioria dos

    organismos e esto presentes em concentraes bastante altas, ao mesmo tempo

    elementos como Co, presentes em nveis da ordem de ng kg-1 tambm se

    apresentam essenciais para a vida. A bioqumica dos elementos majoritrios j

    bem compreendida e descrita, entretanto ainda se sabe pouco sobre o efeito dos

    19 GST uma famlia de enzimas que catalisa a ligao da glutationa molculas txicas

    para a clula, como a cisplatina por exemplo. Estas molculas ligadas a GSH ento so reconhecidas pelas bombas de efluxo Pgp e removidas do interior da clula.

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    metais encontrados em baixas concentraes associados a biomolculas. Para um

    melhor entendimento neste campo necessrio um profundo entendimento da

    qumica e da biologia envolvida, pois estudos meramente qumicos podem

    conduzir a concluses irreais em sistemas biolgicos (Metallomics: whence and

    whither, 2012).

    A metalmica se apresenta como uma abordagem para estudar elementos

    em sistemas biolgicos, correlacionando as espcies presentes e suas funes. A

    International Union of Pure and Applied Chemistry (IUPAC) define metaloma

    como a totalidade das espcies de um metal/metaloide presentes em um sistema

    biolgico definido quanto sua identidade e/ou concentrao. J a metalmica

    definida como o estudo do metaloma, interaes e conexes funcionais de um

    elemento e suas espcies com genes, protenas, metablitos e outras biomolculas

    em sistemas biolgicos (Lobinski et al., 2010).

    No contexto biolgico, tornou-se claro que a determinao do contedo total

    de um dado elemento no suficiente, necessrio conhecer, alm do contedo

    total do elemento, sua distribuio nas diferentes formas qumicas em que se

    apresentam (especiao), distribuio esta que ir determinar, por exemplo, sua

    biodisponibilidade, toxicidade, etc. (Caruso et al., 2003).

    2.4.1 Anlise de especiao

    Para a completa aplicao da Metalmica, os mtodos de anlise qumica

    devem ser capazes de determinar as diferentes espcies presentes nos sistemas

    biolgicos. Para tanto, a anlise de especiao deve proporcionar: 1) limites de

    deteco ainda menores que anlise de quantidades-trao totais, pois a parte

    sempre menor do que o todo; 2) capacidade de separao das espcies, uma vez

    que cada espcie participa de forma nica nos sistemas biolgicos; 3) pr-

    tratamento suave de amostras, pois esta etapa no pode modificar a identidade

    qumica das espcies (Michalke, 2003). Todo o conhecimento acumulado relativo

    anlise de traos passa a necessitar de uma reviso, uma vez que, por exemplo,

    procedimentos de preservao de analitos em quantidades-trao para a

    determinao do contedo total geralmente no so aplicveis quando da

    especiao.

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    Dentre os mtodos para determinao de analitos em quantidades-trao e de

    anlise de especiao, de longe, os mais frequentes so os que se utilizam da

    espectrometria atmica para deteco seletiva de elementos. Entretanto, no resta

    dvida que os avanos mais impressionantes em termos de capacidade de

    deteco associam-se s tcnicas de massa cuja principal vantagem associar

    limites de deteco instrumentais extremamente baixos, rapidez, possibilidade de

    discriminao isotpica e modos multi-elementares de anlise (Heumann, 2004).

    A deteco por espectrometria de massa facilmente acoplvel a tcnicas de

    separao (eletroforese capilar, CG e, principalmente, no presente caso, HPLC),

    permitindo a fcil hifenao em linha, dado que a vazo de sada da fase mvel

    compatvel com a vazo de entrada da amostra no espectrmetro. Tcnicas

    hifenadas como HPLC-ICP-MS e LC-MS tm sido muito utilizadas na anlise de

    especiao (Szpunar et al., 1999; Kelland, 2000; Timerbaev, Kung e Keppler,

    2002; Mcsheehy, Shona et al., 2003; Rogers, Ray e Hieftje, 2010), aplicando-se

    diversas tcnicas de separao por diferena de tamanho (SEC), troca aninica,

    fase reversa, pareamento inico, entre outras (Esteban-Fernndez et al., 2010;

    Hann et al., 2010). Nas suas primeiras verses, interferncias espectrais (espectro

    de massa) de espcies poliatmicas eram mais frequentes. Entretanto, a melhor

    resoluo de massa dos analisadores quadrupolares comerciais (os mais

    populares) aliada introduo de clulas de coliso ou reao, em muito

    diminuram este problema, permitindo a anlise de amostras mais complexas. O

    ICP-MS conta ainda com a possibilidade de calibraes por diluio isotpica, um

    mtodo de quantificao considerado absoluto (Sanz-Medel, Montes-Bayon e

    Luisa Fernandez Sanchez, 2003).

    Para a anlise de especiao a diluio isotpica pode ser utilizada de duas

    formas particulares, com fortificao com a espcie especfica ou com uma

    espcie no especfica (Koellensperger et al., 2008). No primeiro caso, a molcula

    que se quer quantificar dever ser sintetizada utilizando o elemento enriquecido,

    tornando possvel a co-eluio de ambos, o analito na frao fortificada e o analito

    originalmente presente na amostra. Neste caso, o mtodo pode ser considerado

    como primrio, de mais alta qualidade metrolgica. No segundo caso a calibrao

    por diluio isotpica requer correes no processo de deteco que podem

    comprometer a qualidade dos resultados (Herrmann et al., 1994). Mesmo vrios

    anos aps as primeiras publicaes sobre especiao utilizando a diluio

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    isotpica, a calibrao espcie no especfica muito mais comum e aplicvel,

    uma vez que h fornecedores comerciais de material enriquecido isotopicamente

    para a maioria dos elementos, enquanto padres moleculares marcados

    isotopicamente so raros de se encontrar comercialmente e difceis de se sintetizar

    nos prprios laboratrios de pesquisa (Rodrguez-Gonzlez e Garca Alonso,

    2010).

    Na anlise de especiao, a confiabilidade das anlises deve ser avaliada

    com as mesmas ferramentas de validao tpicas dos mtodos de anlise qumica.

    O emprego de controles, padres internos e avaliao com materiais de referncia

    certificados fundamental para a demonstrao da adequao dos mtodos ao uso

    proposto. Entretanto, ainda so poucos os materiais de referncia com certificao

    para diferentes espcies, e s vezes, a prpria padronizao questionvel, dado o

    desconhecimento da forma exata em que se apresenta o elemento, isto entre outras

    situaes anlogas (Caruso et al., 2003; Michalke, 2003) ainda impe uma grande

    incerteza associada a estas medies, suscitando diferentes concluses e

    divergncias entre grupos de pesquisa.

    Os avanos recentes da metalmica e da anlise de especiao so notveis.

    Diversos regulamentos tcnicos e legislaes j contemplam a determinao de

    espcies de As, Se e Cr. A aplicao da especiao aos compostos de platina,

    considerando sua ampla utilizao no tratamento do cncer, condio obrigatria

    para se contribuir com a elucidao dos mecanismos de ao e resistncia dessa

    classe de frmacos. Frente diversidade dos mecanismos envolvidos e

    dificuldade dos processos biolgicos a serem compreendidos, poucos estudos

    foram realizados. Mesmo os estudos in vitro realizados com material biolgico

    no so totalmente representativos, e a falta de estudos in vivo ainda uma das

    maiores dificuldades para o entendimento deste problema (Esteban-Fernndez et

    al., 2010).

    2.5 Clulas como Modelos Biolgicos

    A utilizao de clulas como modelo uma tcnica de pesquisa bem

    estabelecida. Atravs de modelos celulares, por exemplo, pode-se estudar reaes

    que ocorrem nas clulas alvo de um tratamento com um frmaco citotxico. Esta

    abordagem extremamente vantajosa, pois culturas de clulas so rapidamente

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    renovadas assim como diversos estudos podem ser conduzidos simultaneamente.

    A desvantagem que no se pode observar o comportamento sistmico dos

    frmacos ou das prprias clulas em seu ambiente natural, uma vez que a

    vizinhana influencia o metabolismo celular, a ausncia da matriz extracelular real

    pode introduzir erro sistemtico nos resultados. No entanto, como um modelo

    inicial, esta uma abordagem largamente empregada e til.

    A cultura de clulas envolve a manuteno destas em um ambiente que se

    aproxime das condies naturais, provendo nutrientes, estabilidade trmica e

    espao fsico para que estas cresam e se mantenham saudveis. Para clulas de

    mamferos, em geral utiliza-se estufas com variabilidade trmica menor ou igual a

    1C, com concentrao controlada de CO2 e protegidas da incidncia de luz.

    Diversas linhagens celulares foram utilizadas neste trabalho: 1) clulas

    leucmicas da linhagem K562 sensvel cisplatina; 2) clulas leucmicas

    homologas K562, linhagem Lucena resistente cisplatina; 3) clulas de cncer

    de pulmo linhagem H460; e 4) clulas de cncer de colo retal linhagem HCT-

    116. A K562 foi a primeira linhagem celular de leucemia mieloide imortalizada.

    Esta linhagem derivada de uma paciente do sexo feminino portadora de

    leucemia mieloide crnica em crise blstica20. As clulas so arredondadas e no

    aderentes (Lozzio e Lozzio, 1975; Drexler, 2001). A Lucena 1 uma linhagem

    celular resistente a diversas drogas e foi selecionada a partir da linhagem K562. A

    clulas que constituem esta linhagem foram inicialmente selecionadas para

    resistncia a vincristina21. Esta linhagem apresenta diferenas em sua expresso

    proteica, e em seu citoesqueleto. Quando comparada K562, ela apresenta

    resistncia radiao UV e a diversas drogas, incluindo a cisplatina (Rumjanek et

    al., 2001). A HCT116 uma linhagem celular maligna isolada de um paciente do

    sexo masculino com carcinoma de clon. As clulas so do tipo epitelial,

    aderentes e se apresentaram tumorgnicas em ratos. A H460 uma linhagem

    celular obtida a partir do fluido pleural de um paciente do sexo masculino com

    cncer de clulas grandes de pulmo. Esta linhagem aderente, tumorgnica e no

    20 Crise blstica a fase final da evoluo da leucemia mieloide crnica, e comporta-se

    como uma leucemia aguda, com rpida progresso e sobrevivncia curta. 21 Vincristina um alcaloide da vinca utilizado com quimioterpico, com atividade

    antimittica.

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    apresenta grandes mutaes em seu DNA se comparada a clulas grandes de

    pulmo normais (Banks-Schlegel e Quintero, 1986).

    2.6 Tcnicas utilizadas

    2.6.1 ICP-MS

    A espectroscopia de massa com plasma indutivamente acoplado (ICP-MS)

    pode ser utilizada para determinar a composio isotpica e concentrao de

    grande parte dos elementos da tabela peridica. Ao serem nebulizadas, a partir de

    uma soluo lquida, as amostras passam por processos que levam secagem da

    nvoa, atomizao e ionizao ao longo de seu tempo de residncia no plasma de

    alta temperatura. Uma frao dos ons que penetram no espectrmetro de massa

    so ento separados e determinados. Como existe uma funo de calibrao

    estabelecida entre a quantidade de analito em solues padres e o sinal produzido

    na deteco, a quantificao pode ser realizada com exatido. A sensibilidade da

    tcnica varia em funo dos elementos, como resultado das diferenas de: 1)

    facilidade de ionizao; 2) nveis de fundo de elementos no ambiente; 3) o efeito

    imposto pela matriz da amostra e 4) as interferncias de combinaes de tomos

    que formam ons com a mesma razo massa/carga que o elemento a ser detectado.

    Na Figura 8 apresentada a estrutura de um espectrmetro de massa com fonte de plasma indutivamente acoplado. O equipamento possui um sistema de

    introduo de amostra, responsvel por admitir uma quantidade suficiente de

    amostra com caractersticas adequadas para no perturbar o plasma a ponto de

    extingui-lo ou desestabiliza-lo, alm de uma tocha com uma vazo suficiente de

    argnio para manter o plasma aceso. O plasma iniciado atravs de uma descarga

    Tesla atravs do fluxo de argnio. Esta descarga retira eltrons de alguns tomos

    de argnio e um campo magntico oscilante gerado por uma bobina de induo

    acoplada a um gerador de radiofrequncia estabiliza os ctions de argnio e os

    eltrons. Uma reao em cadeia se estabiliza rapidamente nesta regio formando o

    plasma. As temperaturas alcanadas no plasma variam entre 6000 e 10000 K, e,

    virtualmente todas as molculas que chegam ao plasma so dissociadas e os

    elementos ionizados. Desta forma o ICP uma fonte de ons muito abundante,

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    adequada para a determinao de aproximadamente 70% dos elementos da tabela

    peridica.

    Os ons so conduzidos ao analisador de massa atravs de uma interface de

    presso intermediria presso atmosfrica da fonte de ICP e o alto vcuo

    caracterstico da operao do espectrmetro de massa. A diferena de presso e/ou

    uma diferena de potencial aceleram os ons que deixam o plasma em direo ao

    detector. Aps a passagem pela interface, o feixe de ons colimado e as

    partculas tem sua energia cintica ajustada em uma lente inica.

    Alguns elementos sofrem interferncia de isbaros ou de ons poliatmicos

    produzidos pelas condies extremas do plasma. No caso das interferncias

    poliatmicas, elas podem ser contornadas com a escolha de istopos livres de

    interferncia para se realizar o monitoramento do elemento de