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ributação EM REVISTA Ano 17 N° 59 T ISSN 1809-3426 Uma publicação do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil – Sindifisco Nacional Abr–Jun 11 Distribuição Dirigida Quem paga a conta? Entrevista Fernando Gaiger - Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamento Páginas 6 a 13 Desoneração

Tributação em Revista 59

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ributaçãoe m r e v i s t a ano 17 N° 59 T

issN 1809-3426Uma publicação do sindicato Nacional dos auditores-Fiscais da receita Federal do Brasil – sindifisco Nacional

abr–Jun 11 Distribuição Dirigida

Quem pagaa conta?

Entrevista

Fernando Gaiger - Progressividade da Tributação e Desoneração da Folha de Pagamento Páginas 6 a 13

Desoneração

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Política de Distribuição - Tributação em Revista é uma publicação periódica do Sindifisco Nacional - Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil. A revista tem acesso livre e é divulgada eletronicamente no endereço http://www.sindifisconacional.org.br, no link publi-cações. Havendo interesse em receber um exemplar da publicação, entre em contato conosco pelo email: [email protected]. Política Editorial - Tributação em Revista é um veículo de divulgação de ideias que explora temas tributários com ênfase em Economia e Direito Tributário; Política e Administração Tributária, Previdenciária e Aduaneira. Constitui-se num campo democrático aberto a discussão e a colaborações. Os artigos aqui divulgados são de inteira responsabilidade de seus autores e não refletem, necessariamente, a opinião da entidade. Os autores interes-sados em publicar suas reflexões neste espaço devem remeter seus artigos para [email protected]. Os artigos devem ser inéditos e estruturados segundo as normas técnicas da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas.

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s u m á r i os u m á r i oEDITORIAL

ENTREVISTAFernando Gaiger silveira

ARTIGOinconsistências da Proposta de Desoneração da Folha de saláriosÁlvaro Luchiezi Jr.

ARTIGOreforma tributária simples: reconstruindo os Laços Nacionais do Federalismo Brasileiro e resgatando a Dignidade do ContribuinteEurico Marcos Diniz de Santi

ARTIGODa Capacidade Contributiva e o seu Processo real de efetividadeArlindo Marostica, Hélio Silvio Ourem Campos

ARTIGOLegitimidade do Planejamento tributário: critériosClaudemir Rodrigues Malaquias

ARTIGOresponsabilidade tributária Objetiva?Otávio Alves Forte

QUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIOstF reafirma possibilidade de tributação progressiva do iPtU paulistano

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DIRETORIA ExECUTIVA NACIONAL (DEN)PresidentePedro Delarue tolentino Filho1º Vice-PresidenteLupércio machado montenegro2º Vice-Presidentesergio aurélio velozo DinizSecretário-GeralClaudio marcio Oliveira DamascenoDiretor-Secretáriomauricio Gomes ZamboniDiretor de FinançasGilberto magalhães De CarvalhoDiretor-Adjunto de Finançasagnaldo NeriDiretora de Administraçãoivone marques monteDiretor-Adjunto de Administraçãoeduardo tanakaDiretor de Assuntos Jurídicossebastião Braz da Cunha Dos reis1º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosWagner teixeira vaz2º Diretor-Adjunto de Assuntos JurídicosLuiz Henrique Behrens FrancaDiretor de Defesa ProfissionalGelson myskovsky santos1ª Diretora-Adjunta de Defesa Profissionalmaria Cândida Capozzoli de Carvalho

2º Diretor-Adjunto de Defesa ProfissionalDagoberto da silva LemosDiretor de Estudos TécnicosLuiz antonio BeneditoDiretora-Adjunta de Estudos Técnicoselizabeth de Jesus mariaDiretor de Comunicação SocialKurt theodor Krause1ª Diretora-Adjunta de Comunicação SocialCristina Barreto taveira2º Diretor-Adjunto de Comunicação Socialrafael Pillar JúniorDiretora de Assuntos de Aposentadoria,Proventos e PensõesClotilde GuimarãesDiretora-Adjunta de Assuntos deAposentadoria, Proventos e Pensõesaparecida Bernadete Donadon FariaDiretor do Plano de SaúdeJesus Luiz BrandãoDiretor-Adjunto do Plano de Saúdeeduardo artur Neves moreiraDiretor de Assuntos ParlamentaresJoão da silva dos santosDiretor-Adjunto de Assuntos ParlamentaresGeraldo marcio secundinoDiretor de Relações IntersindicaisCarlos eduardo Barcellos Dieguez

Diretor-Adjunto de Relações IntersindicaisLuiz Gonçalves BomtempoDiretor de Relações InternacionaisJoão Cunha da silvaDiretora de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialmaria amália Polotto alvesDiretor-Adjunto de Defesa da Justiça Fiscal e da Seguridade Socialrogério said CalilDiretor de Políticas Sociais e Assuntos EspeciaisJosé Devanir de OliveiraDiretores-SuplentesKleber Cabral Conselho FiscalMembros Titularesricardo skaf abdalaJose Benedito de meiramaria antonieta Figueiredo rodrigues Membros Suplentesiran Carlos toneli LimaNorberto antunes sampaioJosé Yassuo Hashimoto

Tributação em Revista é uma publicação do Sin-dicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita

Federal do Brasil – Sindifisco Nacional.

Conselho EditorialLupércio machado montenegro, elizabeth de Jesus maria; Kurt theodor Krause; tarcízio Dinoá medeiros; João Cunha da silva; Hélio socolik, ro-berto Barbosa de Castro e Luiz antonio Benedito.

Coordenação Executiva Álvaro Luchiezi Jr.

EdiçãoÁlvaro Luchiezi Jr.

Projeto Gráficoerika Yoda

Fotolito e ImpressãoBrasília artes Gráficas

CapaNúcleo Cinco

Diagramação Washington ribeiro (wrbk.com.br) 4613-DF

Tiragem desta edição3.000 mil exemplares

Produção EditorialPublicação Dirigida. acesso livre no seguinte endereço eletrônico http://www.sindifisconacional.org.br, link publicações. Para receber um exemplar da publicação, entre em contato pelo email:[email protected]

Redação e correspondência sDs, Conjunto Baracat – 1º andar, salas 1 a 11 Brasília-DF - CeP 70392-900 Fonefax: 61 3218-5255

Colaboração:Os artigos devem ser enviados para Tributação em Revista – Sindifisco Nacional, Departamento de Estudos Técnicos, SDS, Conjunto Baracat, salas 1 a 11, Brasília-DF, CEP 70.392-900 ou para o e-mail [email protected]. Os textos serão submetidos ao Conselho Editorial quanto à conveniência de publicá-los, poderão sofrer revisão e, se necessário, serão devolvidos ao autor com sugestões de mudanças ou solicitação de informações. Nenhuma modificação de estrutura ou conteúdo será feita sem consentimento do autor. As matérias publicadas por Tributação em Revista só poderão ser reproduzidas mediante autorização do Sindifisco Nacional. Os originais devem ser apresentados em disquetes, CD-ROM ou enviados por email, em arquivos do Word e Excel (tabelas), corpo 12, até 15 páginas e deverão conter: Página inicial abordando os principais tópicos do artigo; Notas e referências bibliográficas; Currículo do autor (máximo 5 linhas).

ributaçãoT e m r e v i s t a

Page 5: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 5

e DITORIAL

a desoneração da folha de pagamento é um tema

recorrente entre acadêmicos, estudiosos, formuladores

de política e empresários. ela entrou definitivamente na

agenda política brasileira em 2008, embutida na PeC

233/08 que definiu a proposta de reforma tributária en-

caminhada pelo Governo Federal. Desde então a desone-

ração também entrou na pauta das Centrais sindicais e

de muitos sindicatos.

sucessivos governos têm apresentado proposta de

mudanças no sistema tributário sem conseguir atacar

definitivamente dois problemas centrais: a baixa progres-

sividade da tributação brasileira e a má distribuição da

carga tributária.

Dada a relevância destes dois temas, o sindifisco Na-

cional firmou uma parceria com o iPea e com o Dieese

para, estudando-os, levantar questões polêmicas não to-

talmente esclarecidas no discurso oficial. estas reflexões

serão divulgadas à classe dos auditores-Fiscais e à socie-

dade por meio de publicações que virão a público em

meados do segundo semestre deste ano. tributação em

revista repercute nesta edição parte destas polêmicas.

a entrevista de Fernando Gaiger, técnico do iPea es-

pecializado em tributação, questões distributivas e deso-

neração tributária, traz respostas a algumas das preocu-

pações dos auditores-Fiscais, sindicalistas e de grande

parte da sociedade brasileira sobre ambos os temas. O

artigo de alvaro Luchiezi Jr. questiona dois dos princi-

pais argumentos em favor da desoneração da folha de

pagamento, lançando dúvidas sobre seus benefícios para

o mercado de trabalho e para a competitividade externa

dos nossos produtos.

Qualquer proposta de reforma tributária somente lo-

grará êxito na medida em que primar pela simplicida-

de das soluções que ela aporta. isto é particularmente

verdade se quisermos elevar nosso sistema tributário a

um patamar de maior justiça fiscal, com tributos mais

progressivos e carga tributária melhor distribuída. esta

é a mensagem do artigo assinado pelo professor eurico

de santi, da FGv/sP e que surgiu no bojo da parceria

realizada pelo sindifisco Nacional e o Núcleo de estudos

Fiscais da FGv/sP. O artigo de arlindo marostica e Hélio

Ourém aborda outro aspecto relevante para questões de

progressividade: a capacidade contributiva. Não haverá

plena justiça tributária enquanto perdurarem mecanis-

mos de renúncia tributária em favor da renda do capital

ou isenção no pagamento de lucros e dividendos.

tributação em revista também abre espaço para ou-

tras reflexões que sugerem melhorias em nosso sistema

tributário. este número traz o artigo do auditor Fiscal

Claudemir malaquias abordando a questão do planeja-

mento tributário e fazendo sérias observações quanto

às condutas de contribuintes que tentam fugir de suas

obrigações tributárias por meio de expedientes evasivos

e elisivos. O tema desenvolvido por Otávio Fortes coloca

em discussão a introdução, no CtN, da responsabilidade

tributária objetiva.

ao desenvolver estes temas tributação em revista es-

pera provocar no leitor reflexões acerca da justiça fiscal.

seriam as propostas de reforma tributária e de desone-

ração da folha de pagamento, nela embutida, caminhos

para a prática da justiça fiscal? Ou elas representariam

mais privilégios para alguns segmentos e contribuiriam

para perpetuar as desigualdades de tratamento tributário

em nosso país?

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6 triBUtaÇÃO em revista

O Doutor em economia Fernando Gaiger silveira, Pesquisador do iPea – insti-tuto de Pesquisa econômica aplicada é um dos técnicos desta respeitada ins-tituição com maior produção e conhecimento sobre questões relativas à pro-

gressividade na tributação e à desoneração da folha de pagamento, temas da presente edição. sua participação tem sido bastante esclarecedora no ciclo de seminários sobre estes temas que o sindifisco Nacional vem promovendo em parceria com o iPea e o Dieese. tributação em revista foi ouvi-lo para compartilhar com o leitor suas reflexões.

e ntrevista

Fernando Gaiger Silveira

“Compensar a desoneração da parcela patronal da contribuição previdenciária por mais uma contribuição sobre a receita ou faturamento, isenta nas exportações, torna mais regressivo o financiamento da previdência,

pois implica onerar mais as parcelas da população com baixos rendimentos e que não são afiliadas ao sistema”

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triBUtaÇÃO em revista 7

Tributação em Revista - Cerca de 52% da Carga Tri-

butária Brasileira é composta de tributos indiretos.

Maior incidência tributária sobre a renda teria re-

percussão direta sobre os gastos das famílias de me-

nor renda, melhorando o perfil do seu consumo e,

por conseguinte, o acesso a bens e serviços? Ou esta

equação é mais complexa e dependeria de outros fa-

tores?

Fernando Gaiger - Não resta dúvida de que a compo-

sição de nossa carga tributária, diferentemente dos pa-

íses desenvolvidos, ao apresentar um predomínio dos

tributos indiretos vai de encontro ao que se espera do

sistema tributário em termos distributivos. Na verda-

de, os tributos no Brasil aprofundam a concentração

da renda ao incidir proporcionalmente mais sobre a

renda dos mais pobres. segundo nossas estimativas,

enquanto os 10% mais pobres arcam com 32% de sua

renda com tributos, para os 10% mais ricos os tribu-

tos respondem por 21% da renda. vale sublinhar, no

entanto, que nossos tributos indiretos e diretos apre-

sentam índices de regressividade e progressividade

próximos aos que se observam nos países centrais,

especialmente no caso dos indiretos. No caso dos di-

retos, a progressividade que eles apresentam é menos

expressiva ao que se assiste nesses países. a diferença

se situa na composição da carga, fazendo com que o

nosso sistema como um todo seja regressivo, portan-

to, concentrador de renda. O potencial distributivo de

um tributo – ou de um benefício – depende do seu

grau de progressividade ponderado por sua importân-

cia na renda, podendo se empregar como analogia a

ideia de que a progressividade é como uma alavanca

cujo potencial de alterar a posição inicial depende do

tamanho dela. No caso brasileiro, pode-se dizer que

os tributos diretos e indiretos são alavancas com po-

tenciais distributivos semelhantes ao de outros países,

mas o nosso problema é o tamanho relativo dessas ala-

vancas: uma pequena alavanca no caso dos tributos

diretos, que limita seus impactos distributivos; e uma

enorme alavanca no caso dos indiretos, que potencia-

liza seus efeitos concentradores.

essa composição centrada nos impostos indiretos se

deve a obstáculos tanto políticos como econômicos

para ampliar o peso dos tributos diretos. as dificulda-

des políticas estão consubstanciadas no bloqueio que

as camadas mais ricas da população, notadamente os

detentores de patrimônio, desenvolvem à ampliação

da carga tributária direta por meio da presença de seus

interesses nas três esferas do poder. No âmbito da eco-

nomia, o elevado grau de informalidade nas relações

de trabalho e nas atividades empresariais implica em

menor eficiência arrecadatória dos tributos diretos, le-

vando, assim, ao predomínio dos tributos indiretos,

que se mostram mais efetivos nesse cenário.assim, o

crescimento do peso dos tributos diretos passa, neces-

sariamente, pelo crescimento econômico e pela conse-

quente formalização das relações comerciais, tornando

mais efetiva a tributação direta e ampliando o grau de

proteção social pelo aumento do contingente de traba-

lhadores filiados à previdência social.

TR - A atual estrutura de alíquotas do Imposto de

Renda é adequada à estrutura da distribuição de

renda brasileira, a qual mostra grande concentração

de renda nas mãos dos mais ricos (13% da renda é

apropriada por 1% mais rico da população)?

“Os tributos no Brasil

aprofundam a concentração da renda ao incidir

proporcionalmente mais sobre a

renda dos mais pobres.”

Page 8: Tributação em Revista 59

8 triBUtaÇÃO em revista

FG - Hoje o imposto de renda alcança a parcela dos

mais ricos que são assalariados, tendo baixa efetivida-

de sobre aqueles cuja renda é proveniente ou de seus

empreendimentos – lucros e dividendos - ou de ga-

nhos patrimoniais – juros e aluguéis. a dificuldade se

deve tanto às lacunas da legislação, bem apontadas em

estudos realizados por vocês do siNDiFisCO, em que

se sobressai o fato de os empresários não “existirem”

enquanto pessoas físicas, tornando seus gastos – sua

renda – custos empresariais e sua riqueza patrimônio

de pessoa jurídica. exemplo disso é a importância atu-

al das consultorias em planejamento tributário, que,

em alguns casos, realizam, também, estudos voltados

à estimativa da carga tributária e de sua incidência.

mesmo assim, não se deve esquecer que a classe média

brasileira, que se situa, em razão de nossa distribui-

ção de renda, nos estratos intermediários superiores

e elevados de renda, suporta uma carga fiscal direta

pouco expressiva frente ao que se assiste em países de-

senvolvidos. O que quero dizer é que arcamos (utilizo

como exemplo o meu próprio caso, de pesquisador

graduado do ipea) com um tributação direta pouco

expressiva sobre a renda em comparação ao ônus que

um cidadão de um país central, em posição semelhan-

te na “pirâmide social” suporta em termos de tributos

sobre a renda. assim, defendi junto com outros cole-

gas a ampliação da estrutura de alíquotas com vistas a

aumentar a arrecadação do irPF, abrindo espaço para

diminuir a alíquota do Pis-Cofins – que é o maior tri-

buto indireto de competência do governo federal. Ou

seja, grosso modo, a população alcançada pelo irPF

não se alteraria, mas seriam criadas mais alíquotas,

implicando, por outro lado, benefícios aos contribuin-

tes do ir com menores rendas, pois a incidência da

tributação indireta seria abrandada. Os ganhos para

os mais pobres, não atingidos pelo ir, seriam ainda

maiores, já que arcariam com um ônus fiscal menor.

evidentemente que apontamos para a necessidade de

melhorar a eficácia do irPF para os rendimentos dos

autônomos, denominados nas investigações domicilia-

res de conta-própria, e os oriundos de lucros, juros e

aluguéis.

TR - Em sua opinião, o sistema tributário brasileiro,

cuja tributação direta é considerada por muitos es-

pecialistas como similar a de países desenvolvidos,

é eficaz em termos distributivos? Como a capacida-

de contributiva dos indivíduos pode contribuir para

uma tributação mais equânime e melhoria distribu-

tiva?

FG - tributos são os custos que pagamos para cons-

truirmos uma sociedade civilizada (“taxes are what

we pay for civilized society”) disse Oliver W. Holmes

– essa frase se encontra no frontispício do edifício

da receita federal norte-americana. essa consciência

e esse espírito de solidariedade é o que falta à nossa

sociedade, evidenciados na valorização dada aos que

conseguem recolher menos imposto de renda lançan-

do mão das brechas legais. Os dados mostram que o

irPF é bastante progressivo, sendo, no entanto, pouco

efetivo para aqueles que percebem rendimentos fora

do mercado de trabalho assalariado. Deve-se, assim,

buscar melhorar seu alcance junto a esses segmentos e

ampliar seu peso no conjunto da carga tributária. Nes-

se particular devem ser avaliados alguns benefícios,

entre os quais os gastos em saúde e educação privada

e para os mais idosos. Os descontos permitidos para

“Os dados mostram que o IRPF é bastante

progressivo, sendo, no entanto, pouco

efetivo para aqueles que percebem

rendimentos fora do mercado

de trabalho assalariado.”

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triBUtaÇÃO em revista 9

os dispêndios com educação formal junto a institui-

ções privadas funcionam como uma espécie de “Bolsa

Família’ da classe média e dos ricos, tendo represen-

tado, em 2010, um desconto da ordem de r$ 65,00

mensais, bem superior aos benefícios do Bolsa Família

associados a presença de crianças e jovens. Já no que

concerne aos impostos sobre patrimônio – imóveis e

automóveis – o perfil de incidência é neutro, no caso

do iPva, e regressivo para o iPtU. esse quadro vai de

encontro ao objetivo re-distributivo que se espera dos

tributos sobre patrimônio e riqueza. vale destacar que

a progressividade no iPtU foi possível recentemente,

ainda sendo obstaculizada no caso do iPva. alíquo-

tas diferenciadas para o iPva são empregadas como

instrumento de incentivo a determinados modelos de

automóveis – movidos a etanol, entre os quais os flex,

sendo controversa a aplicação de alíquotas diferencia-

das segundo o valor do bem. Cabe citar ainda as bai-

xas alíquotas dos impostos sobre herança (itCmD) e

a baixa progressividade que se verifica nas legislações

estaduais, bem como a inexistência de valores máxi-

mos de transmissão como ocorre em vários países.

TR - Temos uma legislação tributária moderna em

termos distributivos? As diversas isenções do Impos-

to de Renda – por exemplo, na distribuição de lucros

e dividendos – e a própria defasagem na correção da

tabela do IR, não provocariam distorções distributi-

vas? Em grandes linhas, que alterações o Sr. proporia

em nosso sistema legal em favor de maior equidade?

FG - Não resta dúvida que a isenção concedida à dis-

tribuição de lucros e dividendos é negativa para a

maior progressividade do irPF, mas, como apontei an-

teriormente, os benefícios fiscais concedidos aos gas-

tos privados em educação e saúde atenuam, também,

a progressividade do tributo, além de beneficiar a pro-

visão privada em áreas onde o gasto público direto,

como proporção do PiB, encontra-se bem aquém do

praticado em países desenvolvidos.

Quanto à defasagem da tabela do irPF, vale, primeira-

mente, notar que a remuneração média do trabalhador

urbano brasileiro foi, em 2009, segundo a PNaD, de

r$ 1.131,98, situando-se ao redor do 70º percentil.

Ou seja, 70% dos trabalhadores urbanos com renda

positiva recebem por seu trabalho principal valores

inferiores à média. Caso se considere que a subdecla-

ração da renda do trabalho nas pesquisas domiciliares

é da ordem de 75%, o rendimento médio do trabalho

estaria ao redor de r$ 1.500,00, valor bastante próxi-

mo ao limite de isenção do irPF para o ano calendário

2009. sabendo que toda transferência de renda é pro-

gressiva quando se desconta rendimentos das pessoas

que se situam acima do rendimento médio, a tabela

do irPF, no que concerne aos rendimentos do tra-

balho, mostra-se adequada em termos de incidência.

Como dito, há que se ampliar a estrutura de alíquotas,

com a majoração destas para os maiores rendimentos,

buscando-se, também, melhorar a efetividade do irPF

para os ganhos advindos do trabalho autônomo – pro-

fissionais liberais, dos empreendimentos e do patri-

mônio.

TR - As políticas tributária, previdenciária e assis-

tencial do Brasil têm alguma eficácia e efetividade

em termos distributivos? Até que ponto a nossa pés-

sima distribuição de renda é um obstáculo para que

tais políticas operem largamente em favor do maior

acesso a benefícios para as classes intermediárias e

para as populações mais carentes?

“Não resta dúvida que a isenção concedida à distribuição

de lucros e dividendos é negativa para

a maior progressividade do IRPF.”

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10 triBUtaÇÃO em revista

FG - Como já apontei a política tributária é em seu con-

junto regressiva, ou seja, reforça o padrão de concen-

tração de renda nacional. em minha tese de doutora-

do, avaliei os impactos distributivos da tributação e da

previdência e assistência sociais com base na Pesquisa

de Orçamentos Familiares de 2003. Observei que esse

conjunto de políticas não implicava alterações na desi-

gualdade de renda, ou seja, a ação do setor público não

modificava o quadro de iniquidade na distribuição de

renda. isso porque os ganhos distributivos da previ-

dência e da assistência não eram expressivos à época,

bem como os decorrentes da tributação direta, sendo

todos eles “perdidos” com a incidência dos tributos

indiretos. Concretamente, o Índice de Gini da renda

recebida via mercado – do trabalho, de aluguéis, por

meio de doações inter-domiciliares e de rendimentos

do capital - diminuía em 2,3% após a concessão dos

benefícios previdenciários e assistenciais, queda bem

menos expressiva que a observada nos países centrais.

Um dos motivos para essa queda pouco expressiva é o

fato de a previdência social refletir, em grande medida,

o perfil distributivo do mercado de trabalho, dado seu

caráter de seguro social, ou seja, ter por parâmetro

da concessão dos benefícios a contribuição realizada

pelos trabalhadores. Nesse particular, chama atenção o

caráter regressivo das aposentadorias do setor público,

que decorre dos maiores salários pagos aos trabalhado-

res do setor público em razão da melhor qualificação

desses frente aos do setor privado. Com a incidência

dos tributos diretos o Índice de Gini da renda mo-

netária caiu, em 2003, 2,0%, bem inferior ao que se

observa nos países centrais. a queda na concentração

de renda, decorrente da concessão de benefícios previ-

denciários e assistenciais e da incidência dos tributos

diretos, era totalmente reposta pela tributação indireta

com o Gini retornando ao patamar anterior à inter-

venção do estado por essas políticas – previdência,

assistência social e tributação direta. atualizei essas

estimativas, para 2009, com base na última POF, ten-

do ficado evidente o aprofundamento do impacto dis-

tributivo das transferências monetárias – previdência

e assistência sociais. efetivamente, enquanto o Índice

de Gini da renda de mercado ficou, em 2009, 2,3%

inferior ao observado em 2003, no caso da renda após

os benefícios previdenciários e assistenciais a queda

foi de 5,2%. essa diferença se preservou entre a ren-

da disponível – descontados os tributos diretos – e a

renda pós-tributação – subtraídos os tributos indiretos

– entre os dois anos. Fica patente, assim, que os efeitos

distributivos da tributação tanto direta - progressiva

- como indireta – regressiva - preservaram-se nos mes-

mos níveis; mas a novidade foi que houve ganhos sig-

nificativos nos efeitos distributivos das transferências

monetárias públicas – previdência e assistência so-

ciais. Ganhos esses que, desta vez, não foram anulados

pela regressividade do sistema tributário. interessante

notar que é justamente no momento em que avança

essa maior efetividade distributiva da previdência e

assistência sociais é que ganha destaque na discussão

pública o peso da carga tributária e de sua iniquida-

de, como a criação do impostômetro e da mensuração

dos dias trabalhados para o pagamento de impostos.

Pergunto-me se o impostômetro é de fato um medidor

de impostos ou é a medida de uma impostura. im-

postura ao esconder o real objeto dessa crítica que é a

melhoria distributiva do gasto social. Junto com essa

atualização das estimativas dos impactos distributivos

das políticas tributária, previdenciária e assistencial,

realizei a valoração e alocação dos gastos públicos em

saúde e educação, ficando evidente o quão são dis-

tributivas essas políticas universais. Como resultado

final do balanço entre o que se paga em tributos e o

que se recebe por meio da previdência e assistência

social e da provisão pública de saúde e educação tem-

-se um saldo positivo para os estratos populacionais

pobres e intermediários, tendo esse saldo se ampliado

entre 2003 e 2009. O índice de Gini diminui 11,6% e

15,2% quando se adicionam a renda os gastos públi-

cos com a educação e saúde públicas em 2003 e 2009,

respectivamente. Concluo, assim, que o gasto social

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triBUtaÇÃO em revista 11

tem sido capaz de alterar a distribuição de renda, ain-

da que o financiamento seja regressivo. existe espaço

para que esses ganhos se preservem e aumentem com a

ampliação dos gastos sociais, bem como pela melhoria

da incidência tributária, com a ampliação dos tributos

diretos.

TR - Um dos argumentos a favor da desoneração da

folha de pagamento é o de que ela propiciaria maior

competitividade aos produtos brasileiros no exterior.

Contudo, o que é relevante nesta questão são os cus-

tos totais do trabalho, dos quais as contribuições pa-

tronais são apenas uma parte. Os custos brasileiros

são baixíssimos comparados aos de outros países.

O foco da desoneração não seria de fato o mercado

interno, visando maior rentabilidade e lucratividade

das empresas para, hipoteticamente, elevar o inves-

timento produtivo?

FG - É fato que temos custos totais do trabalho re-

lativamente baixos, mas é, também, fato que nossa

alíquota de contribuição previdenciária – emprega-

dor e empregado – é elevada. Como não é permitida

a “retirada”, no momento das exportações, dos encar-

gos previdenciários dos preços e encontramo-nos com

dificuldades em competir dada a apreciação cambial,

uma das alternativas é a migração dos encargos tra-

balhistas para tributos que incidem sobre os produ-

tos, tributos esses que são passíveis de tratamento –

isenção – quando das exportações. a questão é que

esse real motivo para a desoneração das contribuições

previdenciárias patronais é mascarado pela defesa des-

sa medida como forma de incrementar o emprego e a

formalidade. a desoneração da contribuição patronal

é, como diz um estudo recente, uma solução à busca

de um problema, que hoje se faz presente na questão

da competitividade, afetada pela apreciação cambial.

Preocupa-me que a maior parte da crítica à desone-

ração se concentra nos riscos ao financiamento da se-

guridade social, em geral, e da previdência social, em

particular, que podem ser mitigados pela instituição

de nova fonte de financiamento, que é aventada pela

proposta oficiosa. Ora, compensar a desoneração da

parcela patronal da contribuição previdenciária por

mais uma contribuição sobre a receita ou faturamento,

isenta nas exportações, torna mais regressivo o finan-

ciamento da previdência, pois implica onerar mais as

parcelas da população com baixos rendimentos e que

não são afiliadas ao sistema. Por que não buscar fontes

outras de financiamento da previdência que melhorem

o perfil de financiamento?

TR - Os defensores da desoneração das contribui-

ções patronais sobre a folha de pagamento alegam

que ela propiciaria geração de emprego e renda. Seus

estudos indicam alguma correlação entre esta deso-

neração e o crescimento dos salários? O crescimento

da massa salarial, como consequência desta desone-

ração, traria efeitos distributivos benéficos?

FG - Primeiramente, é despropositada, no atual cená-

rio, a proposta de desoneração com vistas a ampliar

o emprego e a formalidade, dada a dinâmica a que

se assiste no mercado de trabalho. Observa-se, nos

últimos anos, uma ampliação expressiva tanto do

emprego como da formalidade, em razão, principal-

mente, do crescimento econômico e das políticas de

fortalecimento do mercado interno por meio da valo-

rização do salário mínimo, da ampliação do crédito e

de desonerações fiscais. e a informalidade se concen-

“É despropositada, no atual cenário,

a proposta de desoneração

com vistas a ampliar o emprego e a formalidade, dada a dinâmica a que se

assiste no mercado de trabalho.”

Page 12: Tributação em Revista 59

12 triBUtaÇÃO em revista

tra naqueles trabalhadores que percebem rendimen-

tos baixos, inferiores ao salário mínimo, tendo já sido

implementadas políticas de inclusão previdenciária,

como o simples, o Plano simplificado de Previdência

social, o microempreendedor individual e o desconto

da parcela patronal do iNss do empregado doméstico

no ir. em segundo lugar, os estudos apontam que a

desoneração da contribuição patronal teria seus efei-

tos concentrados nos rendimentos dos trabalhadores

formais e, no meu entender, na ampliação da margem

de lucro dos empresários. esses efeitos seriam perver-

sos em termos distributivos, tornando-se mais agudos

caso a compensação dessa desoneração fosse realiza-

da por meio de impostos – contribuições – sobre a

receita ou o faturamento. trocaríamos uma fonte de

financiamento de caráter neutro e incidente sobre os

futuros beneficiários da previdência por uma regressi-

va e cuja incidência é proporcionalmente maior sobre

a renda daqueles que não se encontram afiliados ao

sistema previdenciário. assim, se hoje temos já uma

parcela importante do financiamento das políticas

sociais, notadamente, previdência, assistência e saú-

de baseada em tributos indiretos, logo regressivos, a

mudança que se noticia aprofundaria essa situação de

iniquidade fiscal. estou, juntamente com colegas do

ipea, desenvolvendo estudo em que iremos defender a

necessidade de ações que possam mitigar esses efeitos

regressivos da desoneração compensada por impostos

sobre o consumo. Partimos do pressuposto de que

a desoneração da folha tem por objetivo melhorar a

competitividade de nossa economia por reduzir os en-

cargos fiscais que não são passíveis de serem retirados

quando das exportações, dado o quadro de apreciação

cambial que vivemos. Nossas propostas de “redução

de danos” são de desonerar a parcela do empregado

sobre o primeiro salário mínimo – por exemplo, de

8% para 4% - e a busca de outras fontes de compensa-

ção, entre as quais a tributação sobre a exportação de

minerais e outras commodities. O objetivo dessas pro-

postas é, de um lado, compensar os efeitos regressivos

da medida e, de outro, diminuir os encargos sobre o

mercado interno.

TR - A mão de obra informal brasileira (vendedo-

res ambulantes, prestadores de serviço domésticos,

etc.), principalmente, padece de baixa qualificação

profissional, o que dificulta a sua formalização.

Diante deste fato, a pretendida desoneração total

das contribuições previdenciárias incidentes sobre a

folha de pagamento seria eficaz em elevar o grau de

formalização da mão de obra?

FG - Participei de estudo em que foram avaliados os

efeitos das contribuições previdenciárias sobre o em-

prego e a formalização. Dois colegas deram continuida-

de ao tema e publicaram artigo na revista “Planejamento

e Políticas Públicas” (PPP) do iPea no primeiro número

de 2009. ambos os textos apontam que a crença nos

efeitos positivos da desoneração das contribuições pre-

videnciárias no emprego e na formalização está intima-

mente relacionada ao comportamento do mercado de

trabalho nos anos 90, marcado pela precarização das

relações trabalhistas e pelo aumento das taxas de de-

semprego. Luis Henrique Paiva e Graziela ansiliero, au-

tores do referido artigo, concluem, depois de refinada

análise dos trabalhos sobre os impactos da desoneração

da folha sobre a formalização que, “a hipótese de que

a redução da alíquota previdenciária terá impactos so-

bre taxa de formalidade do mercado de trabalho parece

“A desoneração da contribuição

patronal teria seu efeito concentrado nos

salários dos empregados formais,

impactando negativamente a equidade.”

Page 13: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 13

carecer de evidência apropriada em volume suficiente

para justificar a adoção da referida política fiscal”. e,

ademais, como consequência da baixa elasticidade da

oferta de trabalho ou, em outros termos, da demanda

por emprego (o que significa que os trabalhadores estão

no mercado de trabalho qualquer que seja o salário), o

volume de emprego pouco muda. esse fato associado às

elasticidades da demanda de trabalho apuradas em vá-

rios estudos – de cerca de 0,5 - implica que a incidência

econômica das contribuições patronais recai sobre os

salários dos trabalhadores. Cabe observar que se trata

de uma análise de estática comparada, diferentemen-

te do que ocorre no mundo real, que é essencialmente

dinâmico. assim, se é claro que a desoneração da con-

tribuição do empregado se transformará imediatamente

em salário, no caso da desoneração na contribuição do

empregador ocorreria, na melhor das hipóteses, uma

disputa ou barganha entre empregados e empregadores

sobre a apropriação desse benefício. Pode-se, portanto,

sustentar que a desoneração da contribuição patronal

teria seu efeito concentrado nos salários dos emprega-

dos formais, impactando negativamente a equidade.

vale sublinhar, ainda, que a informalidade encontra-se

concentrada nos trabalhadores de baixos salários, em

especial entre aqueles que recebem menos ou pouco

acima de um salário mínimo, para os quais vem se ins-

tituindo políticas de inclusão previdenciária, em que se

destaca a concessão de benefícios tributários. Os estu-

dos sobre os impactos dessas políticas – simples, PsPs,

mei e desconto da contribuição patronal do empregado

doméstico no irFP – ainda são poucos e não conclusi-

vos.

TR - Além do faturamento, três alternativas têm sido

apontadas como possíveis fontes de receita para a

Previdência Social em substituição às contribuições

patronais sobre a folha de pagamento: tributação so-

bre o faturamento; sobre o valor agregado e sobre

movimentação financeira. Gostaríamos de seus co-

mentários sobre a viabilidade e alcance de ambas no

financiamento da Previdência Social, principalmente

sobre as repercussões destas fontes em termos distri-

butivos e equitativos.

FG - Qualquer uma dessas alternativas aprofunda o

caráter regressivo do financimento da previdência so-

cial, pois se troca uma fonte de incidência neutra por

tributos que incidem sobre o consumo. entre essas

alternativas, pouco se sabe sobre a incidência econô-

mica ou o ônus fiscal da contribuição sobre movimen-

tação financeira. interessante notar que ao se concen-

trar a crítica da desoneração da folha aos potenciais

“riscos” dela para o financiamento da previdência, se

aceita tacitamente sua migração por outra fonte de fi-

nanciamento. Ora, o estado paga um novo benefício

previdenciário ao afiliado do rGPs quando esse se en-

quadra nas regras de elegibilidade, direito esse inscrito

na Constituição e regulamentado na Lei de Custos e

Benefícios da Previdência social – a previdência é o

que se chama de regime de caixa em aberto. De onde

provêm os recursos para seu financimento é de fato

fundamental, mas não é o que garante o direito, a meu

ver. Devemos buscar, portanto, que o financimento

seja o mais progressivo, não lançando mão de fontes

que oneram os mais pobres, cujo grau de cobertura

previdenciária é bastante incipiente. Como bem apon-

ta Luis Henrique Paiva e Graziela ansiliero, “a desone-

ração com compensação fará com que os mais pobres

(que pagam proporcionalmente mais impostos sobre o

consumo no total da renda que os mais ricos) partici-

pem crescentemente do financiamento do sistema pre-

videnciário ao qual não poderão vir a se socorrer, pois

não estão filiados”. Por fim, deve-se ter presente que

a desoneração diminui ou arrefece a vinculação exis-

tente entre contribuições e benefícios, que é basilar na

consistência técnica e na sustentabilidade política do

regime previdenciário. Nesse sentido, a desoneração

tornará mais agudo o errôneo conceito de “rombo da

previdência”, problema que é sempre apontado pe-

los mesmos que defendem a desoneração. serão eles

formadores de opinião esquizofrênicos? acredito que

não, são em verdade pouco sérios e consistentes.

Page 14: Tributação em Revista 59

14 triBUtaÇÃO em revista

a RTIGO

Inconsistências da Proposta de Desoneração da Folha de Salários

sar a redução de receita provocada com a alteração na

alíquota da contribuição. Ou seja, a proposta hoje em

trâmite no Congresso Nacional prevê a redução da con-

tribuição patronal incidente sobre a folha de salários

para 14% ao cabo das reduções gradativas e com uma

fonte alternativa de recursos para os 6% desonerados.

Os defensores da desoneração da folha de salários

baseiam-se em dois argumentos principais para justi-

ficá-la. a redução dos custos de produção seria trans-

ferida para os preços, trazendo efeitos positivos para

o mercado de trabalho e para os produtos brasileiros

negociados no mercado externo.

internamente, haveria estímulos ao crescimento

dos investimentos, o que provocaria uma expansão

do emprego formal, da parcela da renda atribuída aos

salários e, por esta via, do nível de demanda. as per-

das de receitas previdenciárias resultantes da deso-

1- economista e mestre em economia. Gerente de estudos técnicos do sindifisco Nacional

2- trata-se da contribuição social do empregador, empresa ou entidade a ele comparada, incidente sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro.

Álvaro Luchiezi Jr.1

1 Introdução

a desoneração das contribuições patronais inci-

dentes sobre a folha de salários é um tema antigo e

largamente discutido. ela entrou definitivamente na

agenda política a partir de 2008 por meio da Proposta

de emenda Constitucional (PeC) n° 233/08, que en-

caminhou a última proposta de reforma tributária do

Governo Federal. O artigo 11 determina reduções gra-

dativas “da alíquota da contribuição social de que trata

o art. 195, i, da Constituição”2, a serem efetuadas entre

o segundo e o sétimo ano após a entrada em vigor da

emenda. a alíquota da contribuição patronal incidente

sobre a folha de salários hoje é de em 20%. em seu

substitutivo, o relator da Comissão especial da refor-

ma tributária especificou que estas reduções seriam de

um ponto percentual ao ano, acrescentando a previsão

de fonte de financiamento alternativa para compen-

Page 15: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 15

neração seriam compensadas com o maior volume de

contribuições dos trabalhadores formalizados3.

Por outro lado, nossos produtos comercializados

no mercado internacional ganhariam maior competi-

tividade, melhorando o nosso saldo comercial.

O aquecimento da economia decorrente de ambos

os efeitos incrementaria a arrecadação tributária, ge-

rando recursos para a recomposição das receitas pre-

videnciárias.

este artigo discute as inconsistências desses argu-

mentos. a seção 2 mostra o crescimento da formali-

zação na contratação da mão de obra, argumentando

que ela decorre do crescimento do produto e de fato-

res prevalecentes do lado da demanda. Na seção 3 são

apresentados indicadores do desempenho da indús-

tria de transformação, sugerindo que as estratégias

econômico-financeiras empresariais não transferem

para emprego e renda as reduções de custos resul-

tantes da desoneração da folha de salários. a seção

4 define e apresenta a composição do custo do traba-

lho brasileiro comparativamente ao de outros países,

sugerindo que a desoneração não contribuiria para

melhorar a competitividade dos produtos brasileiros

no exterior. À guisa de conclusão, a seção 5 lança

algumas dúvidas sobre as conseqüências positivas da

desoneração.

2 Formalidade e Informalidade no Mercado de

Trabalho

segundo os defensores da desoneração da folha de

salários, as contribuições sociais patronais represen-

tam um entrave para a geração de empregos formais.

maior desoneração levaria à geração de empregos

formais. esta alegação foi reforçada pela dinâmica do

mercado de trabalho brasileiro da segunda metade

dos anos 1980 e da década de 1990 até o início dos

anos 2000.

entre 1990 e 1999 o PiB brasileiro teve um cresci-

mento médio anual de 1,65% alternando períodos de

leve retração (1990-92), de pequena expansão (1993-

1997), ou de estabilidade (1998-99).

a abertura comercial do início da década colocou

nossas indústrias diante de um cenário internacional

fortemente competitivo, obrigando-as a mergulha-

rem num forte processo de reestruturação produtiva,

intensivo em capital. Do lado da política comercial,

a taxa de câmbio sobrevalorizada contribuiu para a

chamada “desindustrialização”. a oferta de empregos

não acompanhou o ritmo do crescimento da força de

trabalho, resultando em duas conseqüências marcan-

tes sobre o mercado de trabalho: aumento do desem-

prego e maior informalidade4.

Contribuíram para este cenário os seguintes fato-

res: a contração da indústria de transformação, setor

tradicionalmente com alto nível de formalidade; o

crescimento do setor de serviços, onde a informali-

dade é maior; maior terceirização da mão de obra em

decorrência da reestruturação produtiva5; e “fatores

institucionais associados ao sistema de seguridade so-

cial e à legislação trabalhista, incentivando o estabe-

lecimento de relações informais (...)6”.

No contexto da reestruturação produtiva por que

passava a economia brasileira, era imperativa a redu-

ção de custos, inclusive dos relacionados aos encar-

gos sociais. a informalização das relações de trabalho

evitava os custos trabalhistas e do sistema de segu-

ridade social. Como estes eram inevitáveis nas rela-

ções formais, a tese da desoneração difundiu-se. mais

ainda, a redução dos empregos formais comprometia

as bases do financiamento da Previdência social e co-

3- O crescimento da massa salarial, resultante desta expansão de empregos formais, propiciaria “incremento nos recolhimentos da alíquota de empregados, do sat, das alí-quotas de exposição a agente nocivo, da taxa de administração da arrecadação de terceiros (apenas da parcela oriunda de empresas em geral) e da própria alíquota patronal” esta última na hipótese de não haver desoneração total das contribuições patronais. (BarBOZa, aNsiLierO e Paiva, 2007, p.3)

4- mte, 2002.

5- ramOs, 2002, apud ULYssea, 2006 e mte, 2002

6- mte, 2002, p. 2

Page 16: Tributação em Revista 59

16 triBUtaÇÃO em revista

locava em pauta a busca por outra base de incidência

mais estável. tanto foi assim que a emenda Consti-

tucional no 42 incluiu no artigo 195 da Constituição

Federal o parágrafo 13 prevendo a hipótese da “subs-

tituição gradual, total ou parcial,” da contribuição so-

cial patronal incidente sobre a folha de salários por

outra não cumulativa “incidente sobre a receita ou o

faturamento”7. mais recentemente, outros setores têm

defendido a movimentação financeira como base de

incidência, alegando que uma alíquota de 0,69% inci-

dente sobre movimentação financeira bancária traria

efeitos benéficos sobre a inflação, crescimento da de-

manda, do produto e do emprego.8

a tendência à informalidade das relações de traba-

lho reverte-se a partir do início dos anos 2000. Fato

marcante foi a crise cambial do início de 1999 que

desembocou na criação do câmbio flutuante. a des-

valorização do real no início de 1999 elevou as ex-

portações para os setores produtivos e a redução das

importações promoveu o reaquecimento da indústria

nacional. as conseqüências para o mercado de traba-

lho foram positivas. registrou-se um forte dinamis-

mo na geração de empregos formais, cujas taxas de

crescimento superaram o crescimento da população

economicamente ativa.

Os dados relativos ao nível de formalidade do mer-

cado de trabalho comprovam a reversão da tendência

a partir do início dos anos 2000, tal como indicam os

dados da PNaD - Pesquisa Nacional por amostra de

Domicílios, ilustrados no Gráfico 1.

7- vide siLveira e outros, 2008.

8- CNs, 2009 e Nese, 2010.

Gráfico 1 - taxas de atividade e de Formalização do mercado de trabalho Brasileiro: 1992-2009

Fonte: iBGe, Pnad

Page 17: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 17

a taxa de formalização da mão de obra cai cons-

tantemente até 1998, tem um grande e rápido cresci-

mento em 1999 e estabiliza-se até 2002. a partir daí

ela cresce constantemente. a taxa de atividade9 oscila

em todo o período, chegando a 2009 em nível pouco

superior a 1992. No período 1992-2002 a taxa de for-

malização da mão de obra decresce de 56,57% para

54,08%, enquanto que no período 2002-09, a inten-

sidade do crescimento da formalização é bem maior

do que o da atividade. enquanto que esta cresce 0,8

pontos percentuais entre, aquela cresce 5,5 pontos

percentuais.

Os dados da Pme - Pesquisa mensal de empre-

go, que abrange apenas seis regiões metropolitanas10,

confirmam este resultado, conforme indica o Gráfico

2. O emprego formal cresce paulatinamente nestas

regiões a partir de 2003, chegando a 51,64% em de-

zembro de 2010, ao passo que o emprego informal cai

de 20,97% para 17,52%.

Os empregos formais têm crescido sem que haja

nenhuma correlação com o nível de incidência da

contribuição patronal.

tal crescimento do nível de empregos formal está,

portanto, associado a outros fatores, principalmente

ao desempenho da economia brasileira, bastante im-

pulsionada pela demanda. veja-se o comportamento

dos empregos formais em anos de bom desempenho

do PiB. Nas regiões metropolitanas, entre dezembro

9- Porcentagem de pessoas economicamente ativas

10- recife, salvador, Belo Horizonte, rio de Janeiro, são Paulo e Porto alegre.

Gráfico 2 - Pme: evolução do emprego Formal. mês de referência: Dezembro

Fonte: iBGe, Pesquisa mensal de emprego

Page 18: Tributação em Revista 59

18 triBUtaÇÃO em revista

de 2009 e dezembro de 2010, eles aumentaram 2,9%,

contra 1,4% entre o mesmo período de 2008 e 2009,

ou seja, mais do que o dobro. em 2009 o PiB regis-

trou crescimento negativo de 0,2%.

a evolução do nível de emprego setorial mostrado

na tabela 1 corrobora com esta afirmativa.

À exceção da agropecuária todos os demais setores

econômicos foram capazes de gerar um saldo positivo

entre admissões e desligamentos no período 2008-10.

Novamente, o movimento do emprego acompanha o

desempenho econômico. O saldo é sempre maior nos

anos de bom desempenho do produto (2008 e 2010)

e menor no ano de mau desempenho (2009).

3 Emprego e Indicadores de Desempenho na In-

dústria de Transformação

se por um lado a evolução do emprego é positiva,

a indústria trata de mantê-lo sempre num nível está-

vel. em momentos de crescimento econômico o de-

sempenho dos índices de produção física e de fatura-

mento é sempre melhor do que o índice de emprego.

Os dados do Gráfico 3 mostram que, entre 2008

e 2010, o índice de emprego na indústria de trans-

formação mantém-se bastante estável e em níveis in-

feriores à produção física e ao faturamento real. No

auge da crise econômica (2º trimestre de 2008 e 1º de

2009) os três indicadores apresentaram queda e o ín-

dice de emprego, embora caísse, manteve-se acima da

produção e do faturamento. Nos momentos de cresci-

mento (três primeiros trimestres de 2008 e todo o ano

de 2010), contudo, os índices de produção e de fatu-

ramento são bem superiores aos de emprego. assim é

que, em 2010, o faturamento real cresceu 28,35%, a

produção física 6,4% e o pessoal ocupado 2,5%.

a tabela 2 mostra a evolução dos índices de fatu-

ramento real, emprego e massa salarial real da indús-

tria de transformação segundo os subsetores inten-

sivos em mão de obra11 ou em capital12. No período

analisado nessa tabela ambos os subsetores mantêm

um crescimento do faturamento real em níveis supe-

riores a 20%. entretanto, o comportamento dos índi-

ces de emprego e da massa salarial é bastante distin-

Setores Produtivos2008 Desligamentos menos Admissões

2009 Desligamentos menos Admissões

2010 Desligamentos menos Admissões

Total 1.452.204 995.110 2.555.421

Ind. Extrativa Mineral 8.671 3.036 17.715

Ind. Transformação 178.675 10.865 544.367

Serviços Ind. de Utilidade Pública 7.965 4.984 20.034

Construção Civil 197.868 177.185 334.311

Comércio 382.218 297.157 611.900

Serviços 648.259 500.177 1.018.052

Administração Pública 10.316 18.075 10.417

Agropecuária 18.232 (15.369) (1.375)

11- alimentos e Bebidas, têxteis, vestuário, Couros e calçados, madeira, Papel e celulose, edição e impressão, refino e álcool, móveis.

12- Produtos químicos, Borracha e plástico, minerais não metálicos, metalurgia básica, Produtos de metal, máquinas e equipamentos, máquinas, aparelhos e materiais elétricos, material eletrônico e comunicação, veículos automotores, Outros equipamentos de transporte.

Tabela 1 - saldo entre Desligamentos e Demissões no mercado de trabalho Brasileiro

Fonte: mte - CaGeD, Lei 4.932-65

Page 19: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 19

Gráfico 3 - indústria de transformação: indice de evolução da produção física, pessoal ocupado e faturamento 2008-2010 (2008 = 100)

Fonte: CNi, indicadores industriais

Subsetores/Indicadores 2008 2009 2010 2011

mar jun set dez mar jun set dez mar jun set dez mar

subsetores intensivos em mão de Obra

Faturamento real 119,90 115,65 131,13 110,21 126,94 115,02 128,61 125,23 145,58 127,76 140,58 122,59 145,11

emprego 100,70 102,96 104,10 99,18 97,19 97,35 98,86 97,13 99,62 100,67 102,40 100,13 100,15

massa salarial real 101,53 103,78 104,87 122,75 100,91 100,39 101,62 120,55 105,21 107,59 111,14 127,42 107,21

subsetores intensivos em Capital

Faturamento real 114,12 126,48 134,40 110,24 113,21 109,49 122,08 122,08 131,62 122,09 130,24 144,15 141,21

emprego 100,99 102,53 104,72 101,50 96,24 95,18 96,95 96,95 101,87 103,70 105,93 105,43 107,24

massa salarial real 98,70 95,00 99,43 123,70 94,52 90,59 92,85 92,85 99,45 98,14 104,93 124,38 108,43

Tabela 2 - Índices de Faturamento real, emprego e massa salarial real da indústria de transformação subsetores intensivos em mão de Obra e em Capital

Fonte: CNi, indicadores industriais

Page 20: Tributação em Revista 59

20 triBUtaÇÃO em revista

to do índice de faturamento real. enquanto que nos

setores intensivos em mão de obra a massa salarial

cresce 5,6% no período considerado, nos setores in-

tensivos em capital ela cresce 9,86%. O índice de em-

prego registrou pequena queda de 0,5% nos setores

intensivos em mão de obra, enquanto que nos setores

intensivos em capital houve crescimento de 6,2%.

a indústria de transformação consegue manter seu

faturamento em níveis mais elevados do que o em-

prego e a massa salarial. Nos setores intensivos em

capital o desempenho do emprego e da massa salarial

é melhor do que nos setores intensivos em mão de

obra.

estes números lançam dúvidas sobre a capacidade

de a desoneração gerar impactos positivos no merca-

do de trabalho. Uma desoneração das contribuições

patronais certamente reduziria os custos de produ-

ção, propiciando às empresas maior rentabilidade e

lucratividade, mas um efeito positivo sobre a geração

de empregos e de renda é incerto13. Não haveria, ne-

cessariamente, contratação de maior volume de tra-

balhadores. O crescimento sustentado do produto é o

meio mais seguro para gerar tal resultado.

estudo realizado por Bitencourt e teixeira14 indica

que a maior parte dos efeitos benéficos de uma deso-

neração dos encargos sociais para a economia ocorre

somente em níveis superiores a 50%. Os efeitos da

redução dos encargos sobre o mercado de trabalho

são a queda nos salários – menor nos salários urbanos

de mão de obra qualificada do que no de não quali-

ficada – e o aumento da taxa de desemprego rural e

urbano, esta última menor apenas quando a desone-

ração é superior a 50%.

ressalte-se que a desoneração prejudica o nível

de emprego e, como conseqüência, implica em maior

rentabilidade do capital:

“ (...) os capitais rural e urbano apresentam va-riação positiva. O que ocorre na economia é uma transferência do fator mão-de-obra, principal-mente não qualificada, para capital (rentabilida-de), cuja conseqüência é um acréscimo na taxa de desemprego, rural e urbano (...)15

Os efeitos da redução dos encargos sobre os níveis

de preços e de investimentos são neutros.

em termos de renda do governo e da arrecadação

tributária, os efeitos são negativos qualquer que seja

o percentual de desoneração. Obviamente, pela falta

de um sucedâneo em termos de arrecadação.

4 Custo do Trabalho e Competitividade Interna-

cional

Os encargos sociais e os salários são dois dos com-

ponentes do custo total do trabalho. salários devem

ser entendidos como o total da remuneração, direta

e indireta, recebida pelo trabalhador como contra-

partida pela prestação de trabalho a um empregador.

as contribuições sociais referem-se aos encargos in-

cidentes sobre a folha de salários e que não revertem

diretamente em benefício do trabalhador16.

O custo total do trabalho é, assim, um conceito

mais amplo, sendo definido, segundo a Oit como:

“o custo incorrido pelo empregador na contra-tação de mão de obra. O conceito estatístico de custo do trabalho compreende a remuneração pelo trabalho realizado, os pagamentos relativos ao tempo pago, mas não trabalhado, bônus e gratificações, o custo da comida, bebida e outros

13- Fernando Gaiger, em entrevista publicada nesta edição, também compartilha deste ponto de vista. veja-se “(...) a desoneração da contribuição patronal teria seus efeitos concentrados nos rendimentos formais e, no meu entender, na ampliação da margem de lucro dos empresários.”

14- BiteNCOUrt, m. B. e teiXeira, 2008. Os autores chegaram ao resultado por meio da utilização de modelo econométrico de equilíbrio geral, construindo seis cená-rios, divididos em dois grupos. No primeiro grupo, composto de 3 cenários, admite-se que o peso inicial dos encargos sociais sobre a folha de pagamentos é de 25,1%. No segundo grupo, composto de mais 3 cenários, o peso é de 45%. No primeiro cenário de cada grupo supõe-se uma redução de 5,8 pontos percentuais nos encargos, referen-tes às contribuições para o sistema s. No segundo, os encargos são reduzidos em 50% relativamente ao peso inicial e no terceiro, o peso dos encargos é de 9%, percentual este próximo da média dos países concorrentes ao Brasil.

15- idem, p. 73

16- Dieese, 2006. a ONU define a soma dos salários e das contribuições como “compensações aos empregados” da seguinte forma: “a remuneração dos empregados é composta por todos os pagamentos feitos por produtores de ordenados e salários a seus empregados, em espécie, bem como em dinheiro, e de contribuições em relação aos seus empregados para a segurança social e de previdência privada, seguro contra acidentes, seguro de vida e sistemas semelhantes”. (ONU, 1968).

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triBUtaÇÃO em revista 21

pagamentos em espécie, o custo de habitações sociais a cargo dos empregadores, gastos patro-nais com encargos sociais, custo para o emprega-dor para a formação profissional, serviços sociais e itens diversos, tais como transporte de traba-lhadores, a roupa de trabalho e de recrutamento, juntamente com os impostos considerados como custo do trabalho”17 (grifo nosso)

resumidamente, o custo total do trabalho é a soma

das despesas remuneratórias e de manutenção do tra-

balhador, encargos sociais incidentes sobre a folha de

salários, treinamento e benefícios.

sendo assim, em termos da inserção competitiva

da empresa no mercado, especialmente no mercado

internacional, o custo relevante é o custo total do tra-

balho, e não apenas o custo dos encargos incidentes

sobre a folha de salários18, uma vez que este é parte

daquele.

Para duas empresas que tenham o mesmo custo

total do trabalho, não haverá diferencial competitivo

entre elas do ponto de vista dos custos trabalhistas

se os encargos sociais, como percentual sobre a folha

de salários, forem bastante inferiores numa delas19.

isto significa que, no caso de uma forte desoneração

da folha de salários no Brasil, uma empresa brasilei-

ra que compete no mercado internacional com, por

exemplo, uma empresa chinesa, não passaria a ter,

necessariamente, maior vantagem competitiva. sabe-

-se que o componente salário no custo do trabalho de

uma empresa chinesa é baixíssimo e menor do que

o brasileiro20. a vantagem competitiva, se existir, de-

penderia da magnitude da desoneração e dos concor-

rentes no mercado internacional.

em termos internacionais, o custo do trabalho no

Brasil já é bastante baixo, tal como indicam os dados

da tabela 3. Da amostra de 34 países, a qual con-

templa países desenvolvidos, emergentes e em desen-

volvimento, somente dois países (Filipinas e méxico)

apresentaram, em 2009, custo da mão de obra por

hora inferior ao brasileiro.

Para conseguir reduzir seus custos do trabalho a ní-

veis inferiores ao do méxico, exclusivamente por meio

da desoneração das contribuições sociais, o Brasil pre-

cisaria desonerar suas contribuições sociais, com base

no ano de 2009, em 85,82%, o que seria impraticável.

aliás, em termos de competição internacional, o

méxico não é parâmetro para o Brasil. Dentre os fa-

tores que tornam seus produtos mais competitivos,

além do reduzido custo total do trabalho, estão sua

proximidade física dos estados Unidos, podendo

atender mais rapidamente as encomendas do seu vi-

zinho e com menor custo de transporte, além de se

beneficiar da ausência de quotas de importação como

membro do NaFta (acordo de Livre Comércio da

américa do Norte)21.

Dentre os países relacionados na tabela 3, o Brasil

apresenta a maior participação dos custos com segu-

ro social e tributos trabalhistas na compensação total

do trabalho. este indicador refere-se à participação

relativa dos gastos com seguro social no custo total

do trabalho. talvez seja por esta razão que os empre-

sários defendem a desoneração. ela é uma forma de

reduzir a participação relativa dos custos com encar-

gos no custo total do trabalho. mas o seu reflexo em

termos de vantagem competitiva para o Brasil é prati-

camente nulo. reduzir aquilo que já é muito baixo –

o custo total do trabalho – em nada contribuiria para

o maior acesso a mercados dos produtos brasileiros.

17- Oit, 1967, p. 39.

18- eUZeBY (1999), apud marQUes e eUZÉBY, 2003.

19- Dieese, idem.

20- Chan (2009) aponta quatro razões principais para que os salários chineses tornem os produtos daquele país tão competitivos no mercado internacional: oferta de traba-lho quase inexaurível; descentralização administrativa e desregulamentação de salários na reforma econômica, fazendo com que os governos das províncias fizessem vistas grossas à exploração da mão de obra; ausência de sindicatos autônomos que lutem pela preservação de salários; o sistema doméstico de registro chamado hukou que previne fluxo migratório rural-urbano incontrolado.

21- idem.

Page 22: Tributação em Revista 59

22 triBUtaÇÃO em revista

Países

2009 2008

Compen-sação aos emprega-

dos1

Pagamento Total2 Gastos com Seguro Social3

Compen-sação aos emprega-

dos1

Pagamento Total2 Gastos com Seguro Social3

Vlr. Vlr. % Vlr. % Vlr. Vlr. % Vlr. %

estados Unidos 33,53 25,63 76% 7,90 24% 32,23 24,77 77% 7,46 23%

argentina 10,14 8,37 83% 1,77 17% 9,95 8,21 83% 1,73 17%

austrália 34,62 27,49 79% 7,13 21% 36,91 29,31 79% 7,60 21%

Áustria 48,04 35,88 75% 12,16 25% 47,81 35,71 75% 12,10 25%

Bélgica 49,40 34,68 70% 14,72 30% 50,82 35,66 70% 15,16 30%

Brasil 8,32 5,63 68% 2,70 32% 8,48 5,73 68% 2,75 32%

Canadá 29,60 23,61 80% 5,99 20% 32,70 26,08 80% 6,62 20%

república Checa 11,21 8,15 73% 3,06 27% 12,20 8,95 73% 3,24 27%

Dinamarca 49,56 44,52 90% 5,04 10% 50,08 44,83 90% 5,25 10%

estônia 9,83 7,24 74% 2,58 26% 10,34 7,73 75% 2,61 25%

Finlândia 43,77 34,31 78% 9,45 22% 44,68 35,03 78% 9,65 22%

França 40,08 27,57 69% 12,51 31% 42,23 28,52 68% 13,71 32%

alemanha 46,52 36,14 78% 10,37 22% 48,22 37,67 78% 10,55 22%

Grécia 19,23 13,92 72% 5,31 28% 19,58 14,18 72% 5,41 28%

Hungria 8,62 6,39 74% 2,24 26% 9,77 7,14 73% 2,64 27%

irlanda 39,02 33,06 85% 5,96 15% 39,37 33,36 85% 6,01 15%

israel 18,39 15,41 84% 2,98 16% 19,51 16,46 84% 3,05 16%

itália 34,97 24,34 70% 10,63 30% 35,77 24,90 70% 10,88 30%

Japão 30,36 24,95 82% 5,42 18% 27,80 22,84 82% 4,96 18%

Coreia do sul 14,20 11,68 82% 2,52 18% 16,27 13,38 82% 2,88 18%

méxico 5,38 3,93 73% 1,45 27% 6,12 4,47 73% 1,65 27%

Holanda 43,50 33,45 77% 10,05 23% 44,72 34,39 77% 10,33 23%

Nova Zelândia 17,44 16,92 97% 0,52 3% 19,12 18,61 97% 0,51 3%

Noruega 53,89 43,97 82% 9,91 18% 58,22 47,51 82% 10,71 18%

Filipinas 1,50 1,37 91% 0,13 9% 1,55 1,42 92% 0,13 8%

Polónia 7,50 6,32 84% 1,18 16% 9,38 7,91 84% 1,48 16%

Portugal 11,95 9,54 80% 2,41 20% 12,24 9,77 80% 2,47 20%

singapura 17,50 15,05 86% 2,45 14% 18,85 16,21 86% 2,63 14%

eslováquia 11,24 8,02 71% 3,22 29% 10,89 7,84 72% 3,05 28%

espanha 27,74 20,46 74% 7,29 26% 27,63 20,62 75% 7,00 25%

suécia 39,87 27,18 68% 12,69 32% 44,09 30,42 69% 13,66 31%

suíça 44,29 37,72 85% 6,57 15% 43,76 37,00 85% 6,76 15%

taiwan 7,76 6,61 85% 1,14 15% 8,68 7,40 85% 1,28 15%

reino Unido 30,78 24,31 79% 6,46 21% 35,75 28,25 79% 7,51 21%

Tabela 3 - Custo da mão de obra por hora na indústria manufatureira, 2008-09

Fonte: Bureau of Labor statistics. international Comparisons of Hourly Compensation Costs in manufacturing, 1996-20091 - Compensação aos empregados = pagamento total + gastos com seguro social e tributos trabalhistas2 - Pagamento total = remuneração total por hora trabalhada ( salário base; remuneração por empreitada; horas extras, pagamento por troca ou substiuição, trabalho noturno e feriados; bônus e prêmios) + benefícios diretos (pagamento por dias não trabalhados - férias, feriados, e outras au-sências, execeto ausência por doença; bônus sazonais e irregulares; licenças para assuntos familiares, para mudanças, etc.; pagamentos em espécie; indenizações não previstas em acordo coletivo)3 - Gastos com seguro social = aposentadoria e pensão por invalidez; seguro saúde; seguro de garantia de renda e licença por doença; seguro de vida e por invalidez acidental; acidentes de trabalho e compensações por doença; outras despesas da seguridade social; impostos líquidos de subsídios sobre folhas de pagamento

Page 23: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 23

O estudo de Bitencourt e teixeira mostra que a de-

soneração dos encargos sociais traria melhorias para

o comércio internacional dada pelo crescimento das

exportações e redução as importações. a acumulação

de maior rentabilidade do capital, conseqüência da

elevação da taxa de desemprego, viabiliza os investi-

mentos e, por esta via, maior produção e crescimento

das vendas internas e externas.

a desoneração dos encargos sociais provoca, assim,

um resultado perverso. apenas o capital se beneficia,

em detrimento dos empregos e dos salários. Os ganhos

de rentabilidade e de lucratividade somente mostrariam

seus efeitos benéficos sobre o nível de investimentos,

sem repercussões em termos de geração de emprego e

renda e de formalização do mercado de trabalho.

ressalte-se, entretanto, que tais benefícios, mes-

mo que exclusivos ao capital, apenas ocorreriam me-

diante níveis de desoneração impraticáveis.

a este respeito, um estudo realizado pelo Banco

mundial22 mostra que até o patamar de 50% de deso-

neração haveria uma redução de 2% a 5% no custo

total das empresas, assumindo-se que o governo “eli-

minaria tributos (contribuições sociais) e os benefícios

financiados pelos tributos”. segundo as conclusões do

estudo, tal redução não viabilizaria investimentos pro-

dutivos ou geração de empregos. Ou seja, uma fortís-

sima redução de encargos traria um benefício relativa-

mente pequeno exclusivamente para empresários, sem

contrapartida para os trabalhadores e para o país.

5 Breve Conclusão

Um debate aprofundado sobre a desoneração da

folha de salários, construído ao largo de posições

dogmáticas, deve necessariamente levar em conside-

ração e de maneira abrangente e apropriada, os indi-

cadores de evolução recente da economia brasileira.

Os dados aqui apresentados lançam dúvidas so-

bre os efeitos benéficos que desoneração da folha de

salários é capaz de promover para o mercado de tra-

balho e para a competitividade externa dos nossos

produtos.

tais benefícios dependem muito mais do desem-

penho positivo da economia a médio e longo prazo

– crescimento sustentado do produto, controle fiscal

e da inflação, etc. – do que do estímulo de medidas

regulatórias pontuais, como é o caso a redução das

alíquotas da contribuição social patronal.

Os custos totais do trabalho no Brasil, bastante

baixos se comparados internacionalmente, já impri-

mem a necessária competitividade aos nossos produ-

tos no exterior. a melhor inserção competitiva de nos-

sas empresas no mercado globalizado está muito mais

associada ao desenvolvimento de vantagens compa-

rativas clássicas como a especialização na produção,

melhorias de produtividade, etc. É pouco plausível

que uma redução ainda maior desses custos venha a

melhorar nossas vantagens comparativas.

respondendo ao maior dinamismo da economia,

o mercado de trabalho brasileiro está sendo capaz,

desde 2002, de reduzir o nível de informalidade e de

gerar mais empregos sem o auxílio de qualquer medi-

da de redução dos encargos sociais.

as estratégias empresariais têm sido bem sucedi-

das, nos tempos de crise ou não, em manter o fatu-

ramento e a produção das empresas bem acima dos

índices de emprego e de salários.

a desoneração da folha de salários exerceria pou-

ca ou quase nenhuma influência sobre a dinâmica do

mercado de trabalho e sobre a competitividade exter-

na dos produtos brasileiros, mas certamente exerceria

efeito significativo sobre os custos totais das empresas,

viabilizando-lhes, ao menos num primeiro momento, o

crescimento da rentabilidade e da lucratividade.

enquanto a desoneração acena para os trabalha-

dores com a esperança de melhores salários e mais

empregos, ela pode viabilizar maior acumulação para

os empresários, ampliando a concentração de renda

e fragilizando o financiamento da previdência social.

22- BaNCO mUNDiaL,1996, p. 36.

Page 24: Tributação em Revista 59

24 triBUtaÇÃO em revista

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REFERÊNCIAS

Page 26: Tributação em Revista 59

26 triBUtaÇÃO em revista

a RTIGO

Reforma Tributária Simples: Reconstruindo os Laços Nacionais do Federalismo Brasileiro

e Resgatando a Dignidade do Contribuinte

ver sua atividade empresarial em parceria com o Fisco e

não contra o Fisco.

reforma Fiscal não é um projeto de lei ou emenda

constitucional, um pedaço de papel, é um processo de

reconstrução de nossa identidade que exige a tomada

de consciência sobre fatos políticos, econômicos, jurí-

dicos e crenças que definem o pacto federativo e deter-

minam o papel do estado e da participação do cidadão

nos rumos das políticas públicas.

O Direito não é uma varinha de condão mágica que

altera a realidade a partir de simples indicativo prescri-

to em documento legal, obrigando, proibindo ou per-

mitindo condutas. Não cremos que a prática de burlar

leis seja um esporte nacional, mas há no ar, aparen-

temente, essa percepção: uma idéia de ineficácia legal

que se associa à idéia de impunidade. Culpar o sistema

1- Bacharel e Doutor em Direito. Professor e Coordenador do Núcleo de estudos Fiscais e da escola do Direito de são Paulo da FvG.

eurico marcos Diniz de santi1

1 Brasil, sai da UTI...

ante a crise do petróleo na década de 70, quase 20

anos de ditadura e sucessivas crises econômicas, é um

alento ver o Brasil exibindo essa exuberante situação

na ordem econômica mundial, ainda que talvez fugaz.

Contudo, foram muitos anos em que o Brasil ficou na

Unidade de tributação intensiva, tributando para so-

breviver e pagar as contas. Hoje o cenário é outro, o

paciente exibe disposição para disputar mercados com

a China e correr junto com os tigres asiáticos; con-

tudo, a mesma parafernália tributária de outrora con-

tinua desviando sangue que o país poderia empregar

em artérias mais produtivas: precisa sair da Uti, precisa

ser competitivo, precisa resgatar os laços da federação

estilhaçada, precisa exportar, precisa de simplicidade e

transparência para que o contribuinte possa desenvol-

Page 27: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 27

moral á simplista; pretender ensinar moral é, no míni-

mo, discutível. será que precisamos de regras morais

mais rígidas? tornar o não pagamento de tributos e o

desvio ou mal gasto de recursos públicos um tormento

e infligir o pecador não parece ser a solução para nossos

problemas fiscais.

acreditamos que esse processo começa com a cons-

trução dc uma base de informações confiável sobre da-

dos a ser compartilhada por pesquisadores, forrnulado-

res de opinião e de políticas públicas. Não há sentido

em discutir apenas modelos conceptuais e convicções

pessoais. O êxito desse processo depende do debate pú-

blico e aberto dc suas premissas e de uma radiografia

precisa do atual sistema. trata-se, pois, dc processo que

há de ser informado pela idéia central da transparência

que motive uma revolução criadora de cidadania fis-

cal: saber quanto se paga, porque se paga e, além disso,

indagar sobre a oportunidade e qualidade dos gastos

públicos.

Os caminhos parecem turvos, talvez seja momen-

to de resgatar os laços com a economia, a Política e,

principalmente, com o Direito Financeiro, como vem

insistindo há mais de duas décadas ary Oswaldo mattos

Filho.2 eis um caminho necessário: uma reforma fiscal

que se conecte com outros saberes, pois tributação, or-

çamento e gasto público formam um só sistema e não

podem ser pensados isoladamente: a carga tributária

sobe porque sobem os gastos públicos. impor raciona-

lidade tão-só no sistema tributário ajuda, mas não altera

a equação da carga tributária demandada pelo sistema

dos gastos públicos.

2 Problemas no Sistema Tributário Brasileiro: au-

sência de um “Fisco Nacional” e a presença dos três

leões federados

apesar das divergências entre modelos e propostas, há

grande convergência entre especialistas e o próprio Gover-

no sobre os problemas do sistema tributário Brasileiro: (i)

muitos tributos incidentes sobre as mesmas bases: seis tri-

butos indiretos sobre bens e serviços (iPi, COFtNs, Pis,

CiDe, iCms e iss); dois tributos incidentes sobre o lucro

(irPJ e CsLL); (ii) alto custo de adequação das empresas

no cumprimento de obrigações acessórias; (iii) insegu-

rança jurídica gerada nos contenciosos administrativos e

judiciais; (iv) incidência cumulativa da tributação indire-

ta, onerando investimentos e exportações; (v) tributação

excessiva da folha de salários quc prejudica a competiti-

vidade nacional, estimulando a informalidade e a forma-

ção de pessoas jurídicas “artificiais”; (vi) guerra fiscal entre

estados (iCms x iCms); (vii) guerra fiscal entre estados e

municípios (iCms x iss); (viii) guerra fiscal entre muni-

cípios (1ss x iss); (ix) guerra Fiscal da União contra es-

tados e municípios, utilizando e desvinculando contribui-

ções e reduzindo a tributação sobre os impostos repartidos

via Fundo de Participação dos estados (FPe) e Fundo de

Participação dos municípios (FPm); (x) “guerra fiscal” dos

contribuintes contra União, estados e municípios como

forma de escapar da alta carga tributária mediante “esque-

mas” legais alternativos de planejamento tributário e; (xi)

guerra fiscal” entre contribuintes, que desloca a competiti-

vidade para o custo tributário e induz mais planejamento

tributário entre as empresas que concorrem entre si nos

diversos segmentos da economia.

3 Desafios da Guerra Fiscal: contra quem?

a Guerra Fiscal, especialmente em relação ao iCms

e entre os estados, é um tema praticamente constante

em todos os discursos e propostas sobre reforma tri-

butária. Contudo, detectou-se na pcsquisa algumas

perplexidades: de um lado, percebeu-se que na expe-

riência internacional o tema é visto muitas vezes como

uma forma sadia de baixar a carga tributária sobre o

contribuinte; dc outro, consultadas as séries dos dados

disponíveis na secretaria do tesouro Nacional sobre as

receitas tributárias estaduais. verificamos que a receita

tributária do iCms só tem crescido. É claro que esse

2- mattOs FiLHO, ary Oswaldo (Coord.). reforma Fiscal: Coletânea de estudos técnicos. são Paulo: Dorea, 1993.

Page 28: Tributação em Revista 59

28 triBUtaÇÃO em revista

crescimento pode decorrer da expansão do PiB, efi-

ciência da administração tributária ou outros fatores,

contudo, também não se encontra prova empírica de

que o expediente da guerra fiscal, numa perspectiva

sistêmica, tenha provocado perdas efetivas para os Fis-

cos estaduais.

Proibir não é eficaz3. Na medida em que os dispo-

sitivos que concedem incentivos à revelia do CONFaZ

dependem da declaração de inconstitucionalidade pelo

stF, os estados sistematicamente burlam essa dinâmi-

ca: ora editando novas leis que garantam os mesmos in-

centivos depois de declarada a eventual inconstitucio-

nalidade; ora mediante a revogação do diploma antes

do julgamento de sua inconstitucionalidade, de forma

que a aDiN perca seu objeto, para em seguida editar

nova lei concedendo o mesmo incentivo. Há ainda o

problema de que muitos incentivos são concedidos de

foma obscura, dificultando seu questionamento.

Guerra fiscal: contra quem? Nessa tática de guer-

rilha é o contribuinte quem cai e sofre no campo de

batalha: os estados seduzem com incentivos ilegais

que mobilizam os contribuintes para seus territórios,

mas os outros estados buscam caçar os efeitos de tais

incentivos, normalmente relativos ao direito ao crédi-

to do iCms. causando dano direto aos contribuintes.

Ou seja, na prática dessa guerra fiscal quem sempre sai

perdendo é o contribuinte, que fica iludido por ilega-

lidades patrocinadas pelos próprios estados, os quais

fomentam a insegurança jurídica e subjugam o contri-

buinte a enfrentar juridicamente, ao mesmo tempo, o

estado que concede o beneficio ilegal e o estado que

glosa o mesmo beneficio em nome da legalidade. Ou

seja, nessa guerra fiscal, enquanto os estados e o stF

brincam no jogo da legalidade/ilegalidade, explorando

as ineficiências do sistema de controle de constitucio-

nalidade, quem “toma bala” é o contribuinte4. talvez

isso explique o porquê do prolongamento dessa guerra

sem nenhuma atitude efetiva por parte dos estados ou

do senado Federal: não é problema deles, é problema

do contribuinte!

4 Tributação sobre folha de pagamentos: um pro-

blema mundial

No Brasil, há uma espécie de clamor social para a

desoneraçâo da tributação sobre a folha de pagamen-

tos. alguns segmentos da sociedade, como a Confede-

ração Nacional de serviços e os sindicatos e centrais

de trabalhadores, têm colocado especial ênfase neste

tema sob a alegação que tal desoneração geraria mais

empregos, incentivaria a formalidade e aumentaria a

competitividade nacional, pois o Brasil seria um dos

países que mais onera a folha.

em vários paises tais como Canadá, alemanha. in-

glaterra, índia e França, observa-se que há tributação

sobre a folha de pagamentos, bem como várias alíquo-

tas para determinados beneficios, os quais variam de

acordo com cada país. sendo assim, nada muito dife-

rente do que ocorre no Brasil. entretanto, há pontos

que poderiam ser melhorados no Brasil para dar mais

transparência ao sistema: a questão da separação entre

prêmios, benefícios relativos a estes prêmios (com cál-

culos atuarias) e assistência social.

Outra peculiaridade da tributação sobre a folha no

Brasil e que justifica o discurso reformista são os cha-

mados “penduricários”, tributos que também incidem

sobre a folha, aumentando a oneração do trabalho no

Brasil. Ou seja, além da contribuição para a previdên-

cia social, incidem sobre essa mesma base de cálcu-

lo: salário educação (2,5%), iNCra (0,2%), imposto

sindical (1 dia de salário ao ano), sesC/sesi (1,5%),

seNai/seNaC (1 %) e seBrae (0,6%). Não obstante

cada um desses tributos ter suas justificativas históri-

3- varsaNO, ricardo. a Guerra Fiscal do iCms: Quem ganha e quem perde. rio de Janeiro, instituto de Pesquisa econômica aplicada. 1997.

4- aliás, se o improvável acontecesse e o stF julgasse todos os incentivos indevidos como inconstitucionais, também não seriam os estados os perdedores, mas sim os con-tribuintes que acreditaram nos estados induzidos pelas vantagens fiscais: enfim, se a guerra fiscal acabar, caberá ao contribuinte o espólio dessa batalha em que só funcionou corno vítim

Page 29: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 29

cas, a discussão que se coloca é se a folha de salário

continua sendo a base mais adequada para obtenção de

tais recursos de forma impositiva.

5 O engôdo da não-cumulatividade

a não-cumulatividade é outra demanda sempre pre-

sente nos discursos sobre reforma tributária, em especial

dos setores exportadores. Foi utilizada, recentemente,

como o cavalo de batalha central na derrocada da CPmF.

Não obstante seja encarada como direito do contri-

buinte e até princípio constitucional, o fato é que na prá-

tica a não cumulatividade outorga mais complexidade ao

sistema, menos transparência e acaba funcionando como

eficiente e silencioso instrumento para o aumento da ar-

recadação do Fisco. O Fisco se utiliza de tal expediente

quando oferece isenções no meio da cadeia. restringe a

tomada de créditos financeiros e difere em 48 meses o

aproveitamento de créditos na aquisição de bens do ativo

imobilizado. enfim, na prática impositiva, nega o direito

ao crédito em decorrência de sua própria ineficiência, de-

clarando contribuintes inidôneos com efeitos ex tunc ou,

na guerra fiscal, glosa créditos “legalmente” oferecidos por

outros entes federativos. além disso, assistimos atualmen-

te a multiplicação dos regimes de substituição ou tributa-

ção monofásica que, em nome de facilitar a arrecadação,

ignoram sobejamente a não-cumulatividade.

enfim, para que serve mesmo a não-cumulatividade?

6 Perspectivas jurídicas para superação do impasse

sobre a reforma tributária no Brasil

Não há dúvida sobre a complexidade do impasse que

envolve o tema da reforma tributária no Brasil: acumulam-

-se e acotovelam-se problemas de ordem histórica, políti-

ca, econômica e social, aparentemente de dificil equacio-

namento. além disso, constatamos que, definitivamente,

não são jurídicos os problemas centrais que impõem resis-

tência ao discurso sobre a reforma tributária.

Que fazer?

acreditamos que o direito pode ajudar. Neste tó-

pico, desenvolveremos algumas idéias e propostas de

como o conhecimento das estruturas normativas pode

ajudar a compreender e propor mudanças no processo

propositivo da reforma tributúria no Brasil.

7 O Ovo da Serpente: Brasil Colonial e Origens do

Extrativismo Fiscal

Não há texto sem contexto. Nem Direito sem His-

tória. Não é possível entender nossas instituições nem

nossas leis, sem encontrarmos os devidos contextos

históricos e culturais que dão fundamento e sustenta-

ção ao nosso sistema tributário: (i) seria a distribuição

da renda?; (ii) a solidariedade?; (iii) ou a capacidade

contributiva?

Kamer DarON aCeLOGLU — professor de

economia aplicada do massachusetts institute of te-

chnology (mit), e vencedor do John Bates Clark me-

dal, prêmio dirigido a jovens economistas entre 30-40

anos e considerado o segundo mais importante prêmio

mundial na área de economia (nos últimos 20 anos,

40% dos premiados pela John Bates Clark medal tam-

bém ganharam o Nobel de economia, entre eles milton

Friedman, Joseph stiligtz e Paul Krugman) — em denso

estudo empírico sobre as origens coloniais e os efeitos

no desenvolvimento econômico5 conclui que diferentes

tipos de colonização implicam distintos desenhos ins-

titucionais. De um Lado, nas origens de países como os

estados Unidos, Canadá e Nova Zelãndia, encontramos

colônias de povoamento em que o estado surgiu a par-

tir da ordem social e que se tornaram modelos do res-

peito às instituições, à propriedade e à idéia de estado

de Direito. De outro, tantos outros países da África e

da américa Latina que funcionaram como colônias de

exploração em que o estado surgiu, artificialmente, de

cima para baixo, com o único objetivo de extrair rique-

5- aCemOGLU, Kamer Daron et ai. the Colonial Origins of Comparative development. p. 1369-93.

Page 30: Tributação em Revista 59

30 triBUtaÇÃO em revista

zas sob o domínio da força da metrópole, configurando

o que DarON aCemOGLU denomina de extrativismo

fiscal: sistema impositivo, em que o estado utiliza a lei

como instrumento de força para extrair riquezas da so-

ciedade submetendo os cidadãos ao risco da expropria-

ção, desrespeitando o direito de propriedade e a idéia

de estado de Direito: é nosso Brasil colonial e atual!

extrativismo fiscal é o regime em que o estado sub-

mete sociedade e economia num ciclo vicioso e autista

em que a lei é utilizada como instrumento de poder de

arrecadação de tributos, mas sem qualquer contrapar-

tida jurídica vinculando tributação com o oferecimento

de serviços públicos. Não se paga tributo para exercer

direito sobre a prestação de serviços públicos; paga-se

porque a Constituição autoriza e a lei delega, silencio-

samente, discricionariedade para o ato de aplicação do

direito: é o império do Direito com o obsessivo objeti-

vo de arrecadar, arrecadar, arrecadar...

Características do extrativismo Fiscal: (i) estado

ao estilo colonial centralizador que elimina ou subme-

te a comunidade local; (ii) indiferença em relação às

políticas públicas que justificam o sistema tributário

(distribuição de riquezas, solidariedade ou capacidade

contributiva), sendo o objetivo do estado a extração

de riqueza das regiões ricas, a qual é apropriada pela

burocracia e transferida para os aliados políticos do

Poder, em geral, elites das legiões pobres que se man-

têm na lógica da exploração colonial e (iii) tributação

excessiva e sanções que penalizam aqueles que produ-

zem e premiam aqueles que se apropriam da riquezajá

produzida.

alguma semelhança?

7.1 Transparência... Para quê? Para quem?

É certo que não cabe ao Direito resolver o imbróglio

fiscal brasileiro, mas também não se justifica utilizá-lo

como cúmplice dos problemas fiscais nacionais. além

de problemas já citados, como a indústria de ilegali-

dade fomentada pelos estados na guerra fiscal, a arti-

manha de burlar o controle de constitucionalidade, de

toda promiscuidade que caracteriza o sistema tributá-

rio constitucional, do problema de bases impositivas

comuns sendo partilhadas por três esferas distintas de

competência, da manipulação de nomenclatura dos

impostos que mascarados como “contribuições” permi-

tem, em nome de uma destinação sempre difícil de se

verificar, a criação de novos tributos estrategicamente

não partilháveis com estados e municípios. entre tais

problemas jurídicos trágicos, há, porém, outros meca-

nismos mais silenciosos e talvez por isso mais danosos,

pois comprometem a compreensão do sistema tribu-

tário nacional e inibem o temeroso exercício da cida-

dania fiscal obstacularizado pela falta de transparência

do sistema.

Um dos subterfúgios legais mais indignos é a cha-

mada alíquota por dentro. segundo Clóvis Panzarini6,

essa forma de cobrança vem desde 1967, tendo sido

criada pelo governo militar para esconder a carga tri-

butária: cobra-se a alíquota de 15% por dentro para

ocultar a real alíquota de 17%; ou 25% por dentro pela

vergonha de tributar luz e tdefone a 33% (1/3 do valor

da conta). Não por acaso, nos debates técnicos sobre

a definição da alíquota do iva nacional, previsto na

PeC 233/08, aventou-se a utilização da alíquota inter-

na também para o iva nacional não-cumulativo, sob a

alegação que sem esse expediente a alíquota seria mui-

to alta, induzindo a evasão fiscal... será que se evita

evasão fiscal com uma mentira institucional (em lei)?

Outra trama construída pelo Direito é a dualidade

contribuinte de direito e contribuinte de fato. O con-

tribuinte de direito é aquele definido pela lei tributária

como responsável pelo pagamento do tributo, contudo

ele não paga o tributo economicamente: transfere o va-

lor do tributo para o contribuinte de fato. Contribuinte

de fato, no sistema brasileiro, é aquele que paga o tri-

buto, mas não sabe que paga nem é reconhecido pelo

6- entrevista publicada na revista Consultor Jurídico, em 22 de janeiro de 2006.

Page 31: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 31

Direito como contribuinte; é o honroso papel que ocu-

pam dezenas de milhões de brasileiros que arcam com

a carga tributária no consumo, mas sem saber.

7.2 O “lançamento por homologação” ou “A Mão

Que Balança o Berço”, devolvendo a competência

administrativa para aplicar as leis tributárias ao

seu titular de direito e expertise: o Fisco

insegurança jurídica é um dos temas centrais que

afetam contribuintes e empresários, bem como tri-

bunais que não conseguem dar vazão aos múltiplos

desenhos negociais propostos pelo contribuinte na

tentativa de adequar sua carga tributária. Decorre da

complexidade das leis, da promiscuidade da Constitui-

ção em tratar tão minuciosamente a matéria tributária

como se fosse uma solução (quando, na verdade, é um

grande problema para o stF, que demora às vezes 10

anos para encontrar uma solução) e de nosso sistema

federativo que reparte a competência tributária entre

as três esferas.

mas também decorre de um hábito, uma atitu-

de, uma prática que já se justificou no passado, mas

que hoje reverte sua aparente facilidade em grandes

e incontroláveis complexidades: refiro-me ao chamado

“lançamento por homologação”, ficção jurídica em que

a administração delega para o contribuinte o dever de

interpretar e aplicar a legislação tributária, mas que fica

sujeito à homologação (fiscalização) por parte do Fis-

co. Ou seja, o Fisco abre mão de interpretar e aplicar a

legislação que cria e passa essa obrigação para o contri-

buinte que, além de ser obrigado a pagar o tributo, tem

que entender de tributação ou contratar especialistas

para ajudá-lo, mas fica sempre sujeito à posterior e in-

certa concordância do Fisco nos próximos cinco anos

– prazo que o Fisco tem para confortavelmente decidir

se a lei que ele criou pegou ou não, ou optar pela me-

lhor interpretação considerando os interesses do Fisco.

tal atitude gera grandes distorções no sistema: uma

delas é o planejamento tributário, atividade incentiva-

da pelo próprio fisco que obriga o contribuinte a pagar

altos tributos, cria uma legislação complexa e obriga

que o próprio contribuinte encontre uma saída legal

satisfatória. Depois, se o Fisco não concorda, lavra um

auto de infração, cobra o tributo que acha devido e

aplica multas entre 75 e 150%. incentiva o contencio-

so, mas a cada quatro anos oferece um plano de parce-

lamento irresistível (Paes. reFis 1, reFis da Crise)

perdoando as multas e “só” exigindo o controvertido

principal em 180 parcelas a perder de vista. É a in-

dústria da incerteza e da ilegalidade patrocinada por

esse esquema fiscal, vítimas de autuações bilionárias

e que se sentem acuadas nos conturbados processos

administrativos que se formam em torno do retórico

valor de bilhões simbolicamente devidos ao Fisco, mas

muitas vezes sem qualquer consistência legal: é tributo

de tolo! Para não citar o susto da Petrobrás e a queda

da secretária Lina vieira e respeitar o sigilo das empre-

sas autuadas (indevidamente ou não, nunca se sabe),

fiquemos com o recente caso de ameaça de autuação da

Bm&F em 5,5 bilhões relativa à amplamente noticiada

integração com a BOvesPa.

Não há sentido em obrigar o contribuinte a apli-

car uma legislação tributária que em razão da própria

complexidade, o Poder Judiciário, encabeçado pelo

stF, demora dez anos para interpretar e oferecer uma

resposta pontual sobre um artigo específico. Não há

sentido em obrigar o contribuinte a aplicar uma lei

complexa que o Fisco cria, para depois o Fisco culpar

o contribuinte de aplicar a lei com fraude e cobrar mul-

tas de 50%: aplicar a lei de ofício é dever do Fisco, não

do contribuinte.

Com os sofisticados sistemas de informação e sPeD

do Fisco, cabe ao contribuinte apenas oferecer as in-

fomações: aplicar a lei é expertise do Fisco, que, aliás,

é o criador dessa legislação. Pressuposto lógico é que

quem cria uma lei, sabe como aplicá-la.

a idéia, seguindo a experiência do simples Nacio-

nal, é: o contribuinte paga o tributo, oferece todas as

informações sobre o fato gerador, mas não pode ser

obrigado a aplicar a lei. a obrigação de aplicar leis fe-

Page 32: Tributação em Revista 59

32 triBUtaÇÃO em revista

derais, estaduais e municipais é dos agentes públicos

de cada esfera, que são treinados e passam por rigo-

rosos concursos públicos para assumir essa complexa

função: não é obrigação do contribuinte que faz pão e

vende leite na padaria entender sobre a não-cumutati-

vidade da Pis/COFiNs ou saber sobre a substituição

tributária para frente do iCms!

8 REFORMA TRIBUTÁRIA SIMPLES — RTS: uma

Reforma Tributária Brasileira, aproveitando a ex-

periência da expertise fiscal brasileira que inspira

e serve de modelo para outros países

O simples Nacional (sN) é um regime tributário di-

ferenciado elaborado para micro e pequenas empresas

(mPe) que visa à unificação da cobrança dos tributos

federais, estaduais e municipais por uma única via. Foi

criado pela Lei Complementar 123, de 14 de dezembro

de 2006 (LC 123/06) e sua vigência teve inicio em 1°

de julho de 2007. ressalta-se que o sN veio a aumentar

e aprimorar o regime simples Federal (que não incluía

tributos estaduais e municipais), tendo sido instituí-

do pela lei 9.317/96 (conversão da medida Provisória

1.526/96). entretanto foram necessários muitos encon-

tros para formatar um sistema que agregasse todos os

tributos numa única guia e um programa gerador capaz

de captar as peculiaridades de várias legislações, além

daquelas impostas pela LC 123.

O simples Nacional inaugura uma nova postu-

ra dos Fiscos. Por tratar-se de lei nacional, é imposi-

tivo para todos os entes federativos (União, estados e

municípios), tendo substituído os regimes especiais de

tributação que existiam de maneira diversa nos entes

federativos e forçado a interação entre os Fiscos que –

com o objetivo de evitar o repasse da complexidade da

legislação tributária decorrente de várias redundâncias

e conflitos de competências — inauguram a admirável

postura: assumir, integrar e resolver os problemas das

três esferas de tributação internamente antes de exigir

o tributo do contribuinte. a regra é: o pagamento do

tributo para o contribuinte dever ser simples, a com-

plexidade é problema dos Fiscos.

No simples Nacional, os três entes estão no mesmo

nível hierárquico: receita Federal, Fazendas estaduais

e municipais são parceiras, reunindo inteligência, info-

mação, esforços e recursos comuns. Não compromete

as competências tributárias, pois as alíquotas podem

ser mudadas a qualquer momento pela União, estados

e municípios. enfim, além de melhorar a vida do con-

tribuinte o simPLes aumentou os poderes de fiscaliza-

ção de todos os entes federados. as informações sobre

o simPLes pertencem a todos: a chave do sucesso do

simPLes é o uso de ferramentas avançadas de ti.

O simPLes — experiência nacional de sucesso - é

um exemplar balão de ensaio para uma reforma tribu-

tária no Brasil. ajudaria numa reforma na medida que

já oferece um mecanismo em que os Fiscos internali-

zam as complexidades do sistema, resolvem a questão e

entregam aos contribuintes NÃO mais problemas, mas

soluções. O simPLes não é “simples” para os fiscos. É

simPLes para o contribuinte. se há 4 anos fosse dito,

aqui no Brasil, que todos os tributos iriam ser reunidos

numa única guia que seria paga no banco e que, após

dois dias, o dinheiro seria repartido entre os entes de

forma automática, todos diriam que isso seria imPOs-

sÍveL.., uma loucura. Bem, hoje o simples Nacional já

existe, é uma realidade, é criação brasileira. Conhece

todos nossos problemas nacionais, mas reúne também

toda inteligência, eficiência e sofisticação do Fisco bra-

sileiro: é o nosso paradigma de uma reforma tributária

inteligente e eficiente que não precisa copiar nenhum

sistema nem alterar nossa constituição.

Não se trata de mais uma reforma de “leis”, é uma

mudança de visão sobre o sistema fiscal brasileiro, uma

mudança de atitude. O Fisco, que é o grande expert em

matéria tributária, deve aplicar a lei tributária. O con-

tribuinte é contribuinte, tão-só (e não é pouco) paga os

tributos. O Fisco passa a assumir a postura de serviço

público do cidadão, colaborando na harmonização da

legislação da federaçào e simplificando a vida de quem

gera riqueza para essa nação chamada Brasil.

Page 33: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 33

8.1 Estratégia de implantação da RFS: Reforma

Tributária “SIMPLES”

a estratégia de implantação da rFs é ‘simples” por-

que já começou. ela iniciou na década de 1990 com o

fim da inflação, com o treinamento e modernização da

receita Federal do Brasil e com a experiência da infla-

ção e da CPmF, que tornaram o nosso sistema Bancário

um dos mais informatizados e sofisticados do mundo.

Começou com a informatização da Declaração de im-

posto sobre a renda: um “case” brasileiro de sucesso

mundial. iniciou com a LC 105 e a “quebra” do sigilo

bancário do contribuinte. iniciou com a exitosa experi-

ência do simPLes NaCiONaL e se consolidou, agora,

no final dessa década com a implantaflo do sistema

Público de escrituração Digital (sPeD)7.

a reforma tributária simPLes não depende de po-

líticos. trata-se de uma mudança de atitude da ação fis-

cal que resgata o sentido da unidade federativa e a dig-

nidade do contribuinte. sua viabilidade, continuidade

de implantação e sucesso só depende de um corpo de

funcionários técnicos dos mais graduados e sofistica-

dos dos quadros da república: os auditores- Fiscais.

trata-se de mera integração das administrações tri-

butárias, as quais, sem perder qualquer poder apenas

haverão de se colocar na contingência de trabalharem

juntas no esforço comum de ajudar o contribuinte que

já paga os impostos.

Nesta nova racionalidade, as unidades de sistema-

tização não serão mais os tributos da União, dos esta-

dos ou dos municipios. Nessa nova reflexão nacional,

o corte de ação exige o olhar pelo ângulo sistemático

de cada setor da economia: importação/exportação, in-

dústria, comércio, serviços, setor financeiro, etc., cui-

dando de um setor de cada vez.

talvez, para o início, o mais fácil e convidativo seja

o setor de importação e exportação. Na importação, o

desafio será a integração do iPi, ii, Pis/COPiNs, iCms

e outras taxas aduaneiras incidentes sobre o ato de

importação. tal harmonização despenderá de especial

negociação e entendimento por parte dos estados, a

exemplo do recente acordo8 celebrado entre os estados

de são Paulo e espírito santo. No mesmo sentido, num

segundo passo, caberá a harmonização entre União e

estados sobre os tributos incidentes sobre a exporta-

ção, resolvendo para o contribuinte os intrincados pro-

blemas dos vários regilnes do Pis/COFiNs na cadeia

de exportação, bem como, exigindo dos estados um

esforço federativo de cooperação e colaboração na lógi-

ca dos créditos do iCms para que barreiras fiscais entre

estados não prejudiquem a livre circulação de merca-

dorias: é... a ‘reforma tributária simples’ já começou!

9 Resumindo...

Na reforma tributária simples, não há mudança le-

gislativa substancial ou necessidade de integração de

bases de cálculo – a consolidação para o tributo devi-

do para cada operação negocial é realizada pela própria

administração tributária de modo integrado e harmo-

nizado: o contribuinte apenas arrecada um único valor

indicado sobre a respectiva operação negocial (compra

e venda de mercadoria, aplicação inanceira. prestação

de serviço, industrialização etc). União, estados e mu-

nicípios ficam encarregados de resolver seus problemas

internos de conflitos de competência serviços/merca-

dorias, guerra fiscal entre estados, harmonizar redução

de base de cálculo com redução de alíquotas, substi-

tuição para frente, para trás, diferimento etc.: cabe ao

esforço integrado dos técnicos das três esferas fiscais

7- O sistema Püblico de escrituração Digital (sPeD) visa promover a atuação integrada dos fiscos nas três esferas de governo (federal, estadual e municipal), uniformizar o processo de coleta de dados contábeis e fiscais, bem como tomar mais rápida a identificação de ilicitos tributários. Dentre os beneficios vislumbrados para os contribuintes, com a implantação desse sistema, destaca-se a redução de custos, além de simplificação e agilização dos processos que envolvem o cumprimento de obrigações acessórias. O sPeD é composto de vários módulos: escrituração Contábil Digital; escrituração Fiscal Digital; Nota Fiscal eletrônica e Conhecimento de transporte eletrônico, dentre outros.

8- em atitude exemplar e seguindo a lógica de implementaçao da reforma tributãria simples, os governos do espírito santo e são Paulo fimaram acordo para acabar com a disputa entre os estados pelo iCms cobrado na importação de mercadorias, via tradings capixabas, por empresas paulistas. Às vésperas das eleições, os estados concorda-ram em editar projetos de lei para que o iCms em importações por terceiros, contratadas até o dia 20 de março do ano passado e desembaraçadas até 31 de maio de 2009, deve ficar no estado da trading. são Paulo vinha autuando empresas que importaram mercadorias por meio do Porto de vitória e não recolheram, na compra por ordem de terceiro, o imposto considerado devido à Fazenda paulista.

Page 34: Tributação em Revista 59

34 triBUtaÇÃO em revista

encontrar as soluções que os contribuintes já realizam

quando pagam os vários tributos, mas, agora, de forma

concentrada. O contribuinte pagará os mesmos impos-

tos. mesma carga tributária. Cada ente federativo rece-

berá os mesmos recursos. tudo dependerá de um lan-

çamento de oficio orientado pelas informações sobre

os dados de cada operação, fornecidos em tempo real

pelo sistema Público de escrituração Digital, viabiliza-

do pela incomparável ti do Fisco nacional, que exigirá

o valor em uma única guia centralizada em conformi-

dade com a ampla coordcnaçâo de entendimentos da

“vontade” integrada dos três Fiscos.

se o contribuinte pagar o lançamento em dia está

extinta a obrigação tributária formalizada por esse ato

de integração comum de aplicação da legislação tribu-

tária e o sistema bancário fica encarregado de repartir,

na boca do caixa, os montantes devidos para a União,

estados e municípios. Caso contrário, se o contribuin-

te não concordar, poderá sozinho ou com a ajuda dos

seus advogados impugnar mediante o devido processo

administrativo fiscal que também deverá ser integral:

nesse desenho, é interesse do Fisco aplicar a lei da for-

ma mais clara e bem fundamentada para evitar essas

impugnações. O Fisco será incentivado a buscar a coe-

rência e a fundamentação hierárquica de suas cobran-

ças, sob pena de não receber o tributo (a complexidade

da legislação passa a ser um problema do Fisco, não só

do contribuinte).

a convivência fiscal dos próprios Fiscos no exercí-

cio de harmonizar a aplicação de suas legislações e par-

tilhar o dinheiro da arrecadação, iniciará um processo

de diálogo que poderá encaminhar solução para as ini-

qüidades dos fundos de participação dos estados e dos

municípios (FPe/FPm). a proposta é usar a simplicida-

de e a transparência. será dificil?! impossível harmoni-

zar?! impossível ao Fisco determinar a base impositiva

de tantos tributos ao mesmo tempo. Bem, até hoje esse

foi o “dever acessório” colocado como obrigação por

parte de cada contribuinte individualizado e sujeito a

penas de 75 a 150% sobre o tributo, além da pecha

de sonegador para aqueles que não realizassem tal ta-

refa em dia e corretamente. Nessa nova Pasárgada, os

Fiscos, em vez de pensar em diabrites para infernizar

a vida do contribuinte, haverão de utilizar sua autori-

dade e inteligência para se entender: auditores fiscais

municipais, estaduais e federais hão de trabalhar jun-

tos, tomar-se mais próximos, talvez até amigos, criar

confiança entre si e descobrir que União, estados, mu-

nicípios, empresas, PJ e PJotinhas não existem de ver-

dade, são todas criações do Direito, criações de papel:

só seres humanos trabalham, criam riquezas e pagam

tributos para seres inexistentes.

10 Enfim... para melhorar o Brasil: consciência!

saímos das mãos dos políticos para técnicos alta-

mente qualificados e organizados em sindicatos que se

preocupam com o Brasil. saímos da perspectiva colo-

nial de encontrar uma solução no além mar, encontran-

do solução nacional e inovadora. saímos do sonho de

reformas tributárias de papel, rejeitando o legalismo

autista que pensa que o direito é uma varinha mágica: o

fato é que mudanças radicais no sistema tributário legal

podem ensejar experiências fiscais amargas que sempre

serão sofridas, em última instância, pelo contribuin-

te. saímos do plano legal abstrato e nos encontramos

no plano concreto da aplicação do direito, das práticas

aduaneiras, industriais, comercias e financeiras que ha-

bitam o mundo real dos negócios globalizados. saímos

de um ambiente de insegurança jurídica e de animo-

sidade contenciosa insana do contribuinte contra os

aparatos dos Fiscos federal, estadual e municipal, para

um ambiente de cooperação em que o contribuinte não

precisa de advogados tributaristas para pagar seus tri-

butos – o esforço integrado do Fisco oferece o serviço

público necessário, interpretando e aplicando a legis-

lação tributária.

saímos de uma federação de poderes individu-

ais e mesquinhos para reencontramo-nos no exercí-

cio da harmonização dos poderes fiscais federativos,

reconstruindo nossa noção de nacionalidade além do

Page 35: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 35

futebol. saímos de uma visão em que o contribuinte é

visto como sonegador contumaz por não aplicar cor-

retamente uma legislação que ninguém entende, para

uma visão em que o contribuinte exerce sua expertise

no comércio, na indústria e nos serviços: não é obriga-

ção do contribuinte ser expert em legislação tributária,

assim como quem usa um computador pata escrever

não precisa ser expert em informática – deixemos os

problemas técnicos para os técnicos. saímos de um

sistema tributário extremamente complexo para um

sistema muito mais simples e transparente: as comple-

xidades ficam embutidas e são harmonizadas de forma

centralizada pelo estado, que garante, nessa perspecti-

va, igualdade e competitividade para todos os contri-

buintes (não é a liminar ou a assessoria de um grande

escritório de advocacia que fará a diferença no sucesso

da minha empresa).

enfim, saímos de onde nunca deixamos de estar,

somos o que somos. escrevendo nossas próprias solu-

ções. reforma Fiscal não é um pedaço de papéis, é um

processo histórico que já começou: estamos fazendo

história!

aFONsO. José roberto et. al. Uma reforma esqueci-da. iPea. Boletim de Desenvolvimento Fiscal n. 05, jun/2007.

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REFERÊNCIAS

Page 36: Tributação em Revista 59

36 triBUtaÇÃO em revista

a RTIGO

Da Capacidade Contributiva e o Seu Processo Real de Efetividade

tributação, a riqueza mínima necessária à sobrevivência

digna do ser humano, sob pena de, em não sendo assim, a

tributação constituir-se numa violência à liberdade, valor

maior da natureza humana, tutelada no estado de Direito.

Nesse sentido, José marcos Domingues de Oliveira

constrói o entendimento de que “essa riqueza só poderá

referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevi-

vência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua

para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade

produtora daquela riqueza”.3

Destarte, com fartura, a doutrina alerta que a tributa-

ção não pode se tornar excessiva, proibitiva ou confisca-

tória. exigir mais do que o contribuinte pode pagar, asfi-

xiando-o ou diminuindo-lhe a sua capacidade produtiva

é, por analogia a uma conhecida fábula, matar a galinha

1- Graduado em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco.

2- Doutor e mestre em Direito pela UFPe. Juiz Federal. Professor titular de direito tributário da Universidade Católica de Pernambuco. ex-Procurador Judicial do município do recife. ex-Procurador do estado de Pernambuco. ex-Procurador Federal

3- OLiveira, José marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 1998, p.113

arlindo marostica1

Hélio silvio Ourem Campos2

1 Capacidade Contributiva e a Verificação de Seus

Paradoxos

Não basta o tributo ser legal, há também de ser legíti-

mo. Neste artigo buscamos aferir se as normas tributárias

infraconstitucionais incorporaram plenamente o Princípio

da Capacidade Contributiva.

Compulsando os conceitos formulados pelos mais re-

nomados doutrinadores, o princípio da capacidade con-

tributiva subordina-se à idéia de justiça distributiva. esse

princípio objetiva legitimar a tributação e graduá-la de

acordo com a riqueza de cada qual, de modo que os ricos

paguem mais e os pobres, menos.

ao discorrerem sobre o princípio da capacidade con-

tributiva, os doutrinadores realçam veementemente que

o princípio de que se trata deve preservar, eximindo de

Page 37: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 37

dos ovos de ouro. assim,

essa tributação, ademais, não pode se tornar exces-siva, proibitiva ou confiscatória, ou seja, a tributa-ção, em cotejo com os diversos princípios e garantias constitucionais (direito ao trabalho e à livre iniciati-va, proteção à propriedade), não poderá inviabilizar ou até mesmo inibir o exercício de atividade profis-sional ou empresarial lícita nem retirar do contri-buinte parcela substancial de propriedade.4

Nos últimos anos, os meios de comunicação têm dedi-

cado enorme destaque ao tema da carga tributária brasilei-

ra. estudos e pesquisas estatísticas informam que a carga

tributária se revela, ano após ano, cada vez mais elevada.

O instituto Brasileiro de Planejamento tributário

(iBPt), organização privada, em recente pesquisa divul-

gada no Caderno de economia do Jornal do Comércio,

de 06/06/2007, noticiou que a “carga tributária pesa mais

para a classe média”.5

segundo o iBPt, a carga tributária brasileira é uma das

mais altas do mundo e, pelos serviços públicos prestados

ao cidadão, é também uma das mais injustas. além disso,

informou o que se segue:

mas para a classe média, a parcela da população que tem renda mensal entre r$ 3 mil e r$ 10 mil mensais, os tributos são ainda mais perversos. isso porque esta é a faixa de renda que mais paga impostos no Brasil, mais ainda do que aqueles que ganham acima de 10 mil.6

Ora, se a pesquisa aponta que a classe média é que supor-

ta a maior carga tributária, é lógico concluir-se que os mais

ricos suportam uma carga, relativamente, menor. Por conse-

guinte, pode-se também concluir que o princípio da capaci-

dade contributiva está sendo maculado e que o seu subprin-

cípio da progressividade não foi adequadamente manejado.

em nosso cotidiano prático-profissional, no âmbito da con-

tabilidade, deparamo-nos com diversos paradoxos que adiante

detalharemos. em nosso entendimento, esses paradoxos ne-

gam a efetividade do princípio da capacidade contributiva.

Desde já esclareça-se que os paradoxos que adiante serão

apresentados não ferem o princípio da capacidade contri-

butiva, necessariamente, por prescreverem uma tributação

excessiva, proibitiva ou confiscatória. ressalte-se, ainda que

não ferem o referido princípio por tributarem, necessaria-

mente, a riqueza mínima necessária à sobrevivência digna

do ser humano.

referimo-nos, sim, aos paradoxos que aquinhoam, que

abonam, que infundadamente discriminam, que concedem

isenções, quase sempre, aos mais abastados, maculando a

capacidade contributiva e os subprincípios (proporcionali-

dade, progressividade, personalidade e seletividade).

Nesse contexto, visualiza-se um fosso, cada vez mais

fundo, que separa uns poucos que a cada dia acumulam

mais posses do resto (a maioria) que, paulatinamente,

tornam-se cada vez mais depauperados, retrato nítido do

efeito atroz da indigna, aética, injusta, nefasta, indesejada

e imoral concentração de renda que se verifica, de forma

cada vez mais destoante, nos países que adotam a chama-

da cartilha neoliberal, donde o Brasil é campeão.

Para melhor aferirmos se alguns normativos tributários

respeitam ou afrontam princípios tributários constitucio-

nais e para buscarmos responder à questão problema deste

trabalho abordaremos situações concretas, casos práticos,

aqui denominados paradoxos.

1.1 Paradoxo 1: Rendimento de Aluguéis Percebidos

Por Pessoas Físicas Versus Rendimento de Aluguéis

Percebidos Por Pessoas Jurídicas.

em relação aos rendimentos de aluguéis percebidos

por Pessoa Física, o imposto de renda (irPF) será apura-

do com base na tabela Progressiva a que são submetidos

os rendimentos do trabalho como forma de facilitar a vi-

sualização dos desdobramentos práticos.

Numa descrição simples, no que pertine aos rendi-

mentos de aluguéis percebidos por Pessoa Jurídica, que

seja optante pelo lucro presumido e cujo objeto contemple

a atividade de locação de imóveis próprios, o imposto de

renda (irPJ) e os demais tributos (Pis, COFiNs e CsLL)

serão apurados da seguinte forma:

4- OLiveira, José marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 1998, p.89

5- eDitOriaL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, recife, 06 de junho de 2007. Caderno de economia, pág.3.

6- eDitOriaL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, recife, 06 de junho de 2007. Caderno de economia, pág.3.

Page 38: Tributação em Revista 59

38 triBUtaÇÃO em revista

Tributo Base de cálculo Alíquota Adicional IR % sobre o faturamento

irPJ 16,00% 15,00% 0,00% 2,40%

CsLL 32,00% 9,00% 0 2,88%

Pis Faturamento 0,65% 0 0,65%

COFiNs Faturamento 3,00% 0 3,00%

Carga total 8,93%

Tributo Base de cálculo Alíquota Adicional IR % sobre o faturamento

irPJ 32,00% 15,00% 0,00% 4,80%

CsLL 32,00% 9,00% 0 2,88%

Pis Faturamento 0,65% 0 0,65%

COFiNs Faturamento 3,00% 0 3,00%

Carga total 11,33%

Tributo Base de cálculo Alíquota Adicional IR % sobre o faturamento

irPJ 32,00% 15,00% 10,00% 8,00%

CsLL 32,00% 9,00% 0 2,88%

Pis Faturamento 0,65% 0 0,65%

COFiNs Faturamento 3,00% 0 3,00%

Carga total 14,53%

Tabela 1 - incidência do irPJ sobre o faturamento trimestral de até r$ 30.000,00

Tabela 2 - incidência do irPJ sobre o faturamento trimestral de r$ 30.000,01 até r$ 187.500,00

Tabela 3 - incidência do irPJ sobre o faturamento trimestral que exceder a r$ 187.500,00

Não é necessário possuir um intelecto privilegiado

para perceber a flagrante distorção que as tabelas acima,

por si só, revelam. inicialmente, pode-se verificar que os

rendimentos são da mesma natureza, qual seja: aluguéis.

Não é sem motivo que proprietários de imóveis para ren-

da têm constituído sociedades, mediante a incorporação

de seus bens imóveis ao capital. É uma prática lícita, cuja

denominação é elisão fiscal.

a título exemplificativo tem-se a seguinte situação: se

um determinado proprietário de imóveis, pessoa física,

auferisse alugueres no valor mensal de r$ 62.500,00, o

seu ônus tributário mensal corresponderia a r$ 16.662,31

a título de imposto de renda de pessoa física -irPF.

ao revés, se esse mesmo proprietário constituísse uma

sociedade empresária, incorporando ao capital da socie-

dade os mesmos imóveis que lhe rendiam os aluguéis que

percebia, na qualidade de pessoa física, sobre esses mes-

mos aluguéis, agora auferidos pela pessoa jurídica, incidi-

ria o irPJ, a CsLL, o Pis e a COFiNs, num montante de

r$ 7.081,25.

Page 39: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 39

No exemplo supracitado, verifica-se uma elisão no pa-

tamar de r$ 9.581,06, por mês. ao permitir que esta elisão

fiscal ocorra, estaria a nossa legislação atendendo, só para

exemplificar, os princípios da isonomia, da proporciona-

lidade, da progressividade e da capacidade contributiva?

inegavelmente, a elisão fiscal é legal, mas até que ponto

pode ser considerada legítima?

Neste paradoxo, restou óbvio que os rendimentos são

de natureza idêntica, ou seja, alugueres. O fato de passa-

rem a ser percebidos por pessoa jurídica não lhe altera a

natureza. Para um rendimento da mesma natureza, o le-

gislador concedeu à pessoa jurídica uma tributação muito

menos onerosa se confrontada com a devida pela pessoa

física.

Não há se falar, nesta hipótese, que a pessoa jurídica

suporta gastos superiores aos da pessoa física. No parado-

xo sob enfoque, a sociedade empresária constituída para

administrar e alugar seus próprios imóveis não é deman-

dada em nenhum gasto que não seja devido, também, pelo

proprietário locador pessoa física.

se uma lei contém lacunas legais que permitem, me-

diante a elisão fiscal, afrontar ou até mesmo ignorar os

consagrados princípios tributários, indispensáveis à per-

secução da justiça tributária e, por efeito, a própria justiça

social e a justiça distributiva, não seria razoável supor que

esta mesma lei padece de inconstitucionalidade?

Firmamos um entendimento positivo à indagação sus-

citada. Notadamente no âmbito tributário, pode-se enten-

der o espírito da lei pelos seus efeitos. a verdadeira inten-

ção que move um ser humano a agir, revela-se nos efeitos

ou nas conseqüências que o seu ato provoca. Por conse-

guinte, à luz do princípio da capacidade contributiva, os

seus efeitos teleológicos estão sendo maculados.

analogicamente, pode-se asseverar que a verdadeira

intenção do legislador, ao formular o corpo normativo

da legislação tributária está umbilicalmente atrelado aos

efeitos dessa lei, leia-se: aos próprios efeitos práticos ar-

recadatórios.

e é certo que assim o seja. Por óbvio, não se cria uma

lei, no âmbito tributário, que não vise a efeitos tributários.

Dessa maneira, pode-se dizer que, se uma determinada lei

agrava ou desonera determinado grupo ou categoria de

contribuintes é porque assim o pretendia o legislador.

Não temos a pretensão de provar a intenção deliberada

ou subliminar com que age o legislador. entretanto, pare-

ce-nos oportuno trazer este tema à reflexão. se uma lei, ao

criar tributos ou ao oferecer desonerações, não levar em

conta os princípios que perfazem a justiça tributária não é

razoável supor que a intenção deliberada ou subliminar do

legislador não estivesse eivada de interesses diversos dos

princípios norteadores da justiça tributária, capitaneados

pelo princípio da capacidade contributiva.

vislumbra-se neste paradoxo que, embora tratando da

tributação de rendimentos de capital (alugueres), inciden-

tes sobre pessoas diversas – quais sejam: pessoas físicas e

jurídicas – sua natureza é a mesma. Portanto, o legislador,

deliberada ou subliminarmente, subverteu o subprincípio

da progressividade e ignorou, por conseguinte, o princípio

da capacidade contributiva.

Fala-se muito do avanço da concentração de renda em

nosso país e dos malefícios dela decorrentes. Pouco se fala

a respeito das causas que a fomentam. muito menos se

tem notícias de propostas ou projetos que visem corrigir

essas distorções.

No meu quotidiano prático, exercendo a profissão de

contador, ouvem-se freqüentes reclames do contribuinte

pessoa física que, auferindo rendimentos de aluguéis depa-

ra-se com a “pesada” tributação de até 27,50%. Ouvem-se,

com muito mais ênfase, os mesmos reclames dos represen-

tantes das pessoas jurídicas que, graças ao planejamento

tributário (elisão fiscal) suportam, para rendimentos de

até r$ 10.000,00 por mês, uma carga de 8,93%, para a

mesma espécie de rendimentos (aluguéis).

isso denota que nem toda a manifesta insatisfação em

torno da elevada carga tributária é fundada. Na verdade, o

sistema Fiscal Brasileiro possui muitas das características

de regressividade.

Nesse paradoxo, parece-nos configurada a subversão

do princípio da capacidade contributiva. se assim o é, não

estaria eivada de inconstitucionalidade a legislação que a

Page 40: Tributação em Revista 59

40 triBUtaÇÃO em revista

permite? sabemos que é legal, mas, não pode ser conside-

rado lícito ou legítimo o pomposo instrumento denomina-

do planejamento tributário (elisão fiscal) que, em última

análise permite que, quase sempre, os mais aquinhoados

paguem menos tributos que os que têm menos.

1.2 Paradoxo 2: A Natureza Tributável dos Lucros

no § 5º, Artigo 2º, da Lei Nº 10.101/2000 Versus A

Natureza Isenta dos Lucros no Artigo 10, da Lei Nº

9.249/1995.

Conforme disciplina o artigo 153, inciso iii, da Cons-

tituição da república, a instituição do imposto de rendas

e Proventos de qualquer natureza é de competência da

União. Depreende-se, ainda, que o imposto de renda (ir)

deverá ser informado pelos critérios da generalidade, da

universalidade e da progressividade, na forma da lei. eis o

teor in verbis do dispositivo normativo:

art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:iii – renda e proventos de qualquer natureza;§ 2º - o imposto previsto no inciso iii:i - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade na forma da lei.

O Código tributário Nacional (CtN), alude à norma-

tividade do imposto de renda e Proventos nos seguintes

termos:

art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econô-mica ou jurídica:i – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou a combinação de ambos;ii – de proventos de qualquer natureza, assim enten-didos os acréscimos patrimoniais não compreendi-dos no inciso anterior;§ 1º a incidência do imposto independe da de-nominação da receita ou do rendimento, da localização,condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.art.45. Contribuinte do imposto é o titular da dispo-nibilidade a que se refere o art. 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proven-tos tributáveis.

Nestes termos, o Código tributário Nacional, informa

que o imposto de renda incide sobre a renda e proventos

de qualquer natureza e tem como fato gerador a aquisi-

ção da disponibilidade econômica ou jurídica de renda.

entenda-se por renda o produto do capital, do trabalho ou

a combinação de ambos.

Nos termos do art. 10 da Lei 9.249/95, regulamenta-

da pelo artigo 51 da instrução Normativa 11/96, da se-

cretaria da receita Federal - iN srF 11/96 - os lucros ou

dividendos calculados com base nos resultados apurados

a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados

pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real,

presumido ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência

do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de

cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física

ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

À luz do exposto, transcreve-se o conteúdo do artigo

10, insculpido na Lei nº 9.249/1995.

art. 10º Os lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados a partir do mês de janeiro de 1996, pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, presumi-do ou arbitrado, não ficarão sujeitos à incidência do imposto de renda na fonte, nem integrarão a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, pessoa física ou jurídica, domiciliado no País ou no exterior.

Desta feita, não estão sujeitos ao imposto de renda os

lucros e dividendos pagos ou creditados a sócios, acio-

nistas ou empresário individual (artigo 10, Lei 9.249/95)

gerados a partir 01 de janeiro de 1996. reitere-se, por

oportuno, que essa não-incidência independe do regime

tributário da pessoa jurídica, leia-se: lucro real, presumido

ou arbitrado. além disso, a isenção independe também do

valor distribuído. Os lucros, portanto, independentemen-

te do valor, serão isentos.

O artigo 10 da Lei nº. 9.249/95 converteu a nature-

za tributária dos lucros. Os lucros, que até então, via de

regra e com alíquotas variáveis, eram tributáveis, foram

isentados do imposto de renda. Conforme exposto, a refe-

rida mudança de natureza passou a viger a partir de 1º de

janeiro de 1996.

Compreendemos que o lucro é um produto ou fruto

Page 41: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 41

do capital, representando para quem o aufere a aquisição

de uma disponibilidade econômica, uma renda. Nesse

contexto, o lucro está, indiscutivelmente, inserto na hi-

pótese de incidência do artigo 43 do Código tributário

Nacional.

em contraponto, aos trabalhadores está assegurado o

direito à participação nos lucros ou resultados, de acordo

com o artigo 7º, inciso Xi da nossa Carta. antes da regu-

lamentação por lei ordinária, muito se discutiu acerca da

auto-aplicabilidade deste dispositivo constitucional.7

após a promulgação da Constituição de 88 foram edi-

tadas várias medidas provisórias, que não se converteram

em leis. a primeira medida provisória que regulamentou

a matéria foi a de nº 194, em 1994. após esta medida

Provisória, foram editadas mais treze sobre o assunto, com

poucas alterações.

somente com a edição da lei nº 10.101, em 2000, foi

que se pôs fim à discussão acerca da auto-aplicabilidade

do dispositivo constitucional, pois passou a regulamentar

a participação do trabalhador nos lucros ou resultados da

empresa. após essa Lei, a participação nos lucros ou resul-

tados passou a ser obrigatória, pois consiste em um direito

previsto na Constituição.

assim, a Lei nº. 10.101/2000, alude ao que se segue:

art. 2o a participação nos lucros ou resultados será objeto de negociação entre a empresa e seus empre-gados, mediante um dos procedimentos a seguir descritos, escolhidos pelas partes de comum acordo:...§ 5o as participações de que trata este artigo serão tributadas na fonte, em separado dos demais rendi-mentos recebidos no mês, como antecipação do im-posto de renda devido na declaração de rendimentos da pessoa física, competindo à pessoa jurídica a res-ponsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto. (grifo nosso)

Na tentativa de definir a natureza jurídica desta forma

de participação, surgiram três teorias. a primeira atribuía-

-lhe natureza salarial; a segunda, por sua vez, considerava-

-a um contrato de sociedade; e a terceira, por fim, entendia

que se tratava de uma figura sui generis, que representava

uma forma de transição entre o contrato de trabalho e o

contrato de sociedade.

a doutrina, influenciada pelo artigo 457 da Consoli-

dação das Leis trabalhistas - CLt, posicionou-se pela na-

tureza jurídica salarial da participação mencionada. a ju-

risprudência também defendeu a natureza salarial, dando

origem à súmula 251 do tribunal superior do trabalho

- tst, cuja redação é a que se segue: “a participação nos

lucros da empresa, habitualmente paga, tem natureza sa-

larial, para todos os efeitos legais.”

a referida súmula 251 foi cancelada pelo tst, por

meio da resolução nº 33, de 27 de julho de 1994, em ra-

zão de a Constituição da república asseverar em seu artigo

7º, inciso Xi, que a participação nos lucros ou resultados

seria desvinculada da remuneração.

a teoria que atribuía à participação em tela natureza de

contrato de sociedade não subsistiu porque não há affectio

societatis entre o empregado e o empregador e os riscos

da atividade empresarial são de exclusiva responsabilidade

do último.

Hodiernamente, segundo a doutrina dominante, a par-

ticipação nos lucros ou resultados caracteriza-se por ser

uma figura sui generis, não constituindo um contrato, mas

um efeito que decorre do contrato de trabalho. a Lei nº

10.101/2000, que regulamentou o dispositivo constitu-

cional que trata da participação nos lucros ou resultados,

além de estabelecer a natureza não-salarial da participa-

ção, dispôs sobre a periodicidade do pagamento, que não

poderá ser inferior a um semestre civil.

Pelo exposto, tanto os lucros de que trata o artigo

10 da Lei nº 9.249/95, quanto a participação nos lucros

ou resultados da empresa de que trata o artigo 7º, inci-

so Xi da Constituição de 88, regulamentado pela Lei nº.

10.101/2000, constituem-se em aquisição de disponibili-

dade econômica ou jurídica de renda para os seus bene-

ficiários.

e não é só. a vigente Carta magna ao referir-se ao im-

posto sobre a renda e proventos de qualquer natureza, no

inciso i, § 2º, do artigo 153, expressa que o imposto de

7- alguns autores, dentre os quais se cita José afonso da silva e Celso ribeiro Bastos, afirmavam que a norma era meramente programática, não sendo, portanto, auto-aplicá-vel. Para outros doutrinadores, como sergio Pinto martins, o direito à participação nos lucros, desvinculado da remuneração, já era auto-aplicável desde a Constituição de 88.

Page 42: Tributação em Revista 59

42 triBUtaÇÃO em revista

renda “será informado pelos critérios da generalidade, da

universalidade e da progressividade, na forma da lei”.

Depreende-se do exposto que o artigo 10 da Lei nº.

9.249/95 ignorou, a um só tempo, os três critérios consti-

tucionais formadores do imposto de renda. ao estabelecer

a isenção de imposto de renda sobre os lucros, desconsi-

derou o critério da generalidade, da universalidade e da

progressividade.

Por óbvio, também, feriu de morte o princípio da ca-

pacidade contributiva. Não se pode ignorar que muitos

empreendedores vêm cumulando verdadeiras fortunas

oriundas de lucros auferidos sem qualquer tributação.

O legislador afrontou vários princípios ao estabelecer

isenção tributária para os lucros. em que fundamento ou

princípio maior se baseou o mesmo para tal afronta? seria

de cunho econômico, ético, filosófico, axiológico?

admita-se que o fator determinante para tornar os lu-

cros isentos de tributação tenha a insustentável alegação

de que se estaria incorrendo em bitributação ou, o que

parece ter sido mais decisivo, a pressão dos investidores

estrangeiros e dos capitalistas pátrios.

sem essa isenção, nossas elites abastadas não se sen-

tiam suficientemente recompensadas. ameaçavam reme-

ter (e não ficou só na ameaça) seus capitais para os paraí-

sos fiscais. Por seu turno, os investidores estrangeiros (na

maioria das vezes meros especuladores) não se disporiam

a investir (“apostar”) seus capitais num país dito de econo-

mia instável. O risco era muito alto e, assim, tornou-se im-

prescindível que os lucros fossem excepcionais e livres de

tributação. O legislador, portanto, submissamente, captou

e acolheu os ditames do “mercado”.

ao instituir a isenção, justificou-se que os lucros não

poderiam ter natureza tributável sob pena de se incorrer

em bitributação. eis que os lucros são frutos da atividade

empresarial já devidamente tributada e se os mesmos fos-

sem tributados na pessoa física, estar-se-ia bitributando a

mesma riqueza. essa é a sustentação dos que defendem a

natureza não tributável dos lucros.

tergiversando sobre o assunto, pareceu-nos muito cô-

moda e depreciativa essa conclusão. Cômoda para estes

empresários que foram agraciados com a desoneração.

e depreciativa para os cofres públicos, tendo em vista a

enorme perda arrecadatória que isso representa para o

estado. a conseqüência direta desta realidade fática é o

aumento da carga tributária para os demais contribuintes,

vez que o estado não tem conseguido reduzir seus gastos.

Os lucros são resultados econômicos positivos da ativi-

dade empresarial. assim, os lucros pertencem à empresa.

se, ao investir os lucros em sua própria atividade ou na

expansão da empresa, a ativação desses lucros fosse tri-

butável, por certo, estar-se-ia diante de uma flagrante bi-

tributação.

Porém, ocorre que, no paradoxo ora abordado, os lu-

cros mudam de titularidade. saem da esfera patrimonial

da pessoa jurídica que os gerou para ingressar no patrimô-

nio da pessoa física, dos sócios. e, diante disso, concluir

que os lucros devem ser considerados isentos, sob pena

de incorrer-se em bitributação, não se configura razoável.

se razoável fosse, por analogia, ter-se-ia que admitir

que os salários, esses sim, legítimos frutos do trabalho,

também deveriam ser de natureza isenta. Ora, sabe-se que

tanto o capital quanto o trabalho são fatores de produção

de uma empresa. então, se os frutos do capital (lucros)

devem ser isentos de imposto de renda, por quê os frutos

do trabalho (salários) não o são?

mas, o que foge ao razoável e para nós se afigura in-

compreensível, é o fato de que mesmo ente político ao

legislar sobre a participação do trabalhador nos lucros

ou resultados da empresa, no § 5o, do art. 2o da Lei nº.

10.101/2000, prescreveu que:

as participações de que trata este artigo serão tribu-tadas na fonte, em separado dos demais rendimen-tos recebidos no mês, como antecipação do imposto devido na declaração de rendimentos da pessoa físi-ca, competindo à pessoa jurídica a responsabilidade pela retenção e pelo recolhimento do imposto. (grifo nosso)

Desta feita, o legislador não se mostrou suficientemen-

te sensível para captar ou acolher os anseios dos trabalha-

dores, no sentido de isentar de tributação a participação

Page 43: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 43

nos lucros ou resultados da empresa.

Não é fácil conceber em que fundamentos, em que

princípios, o legislador fez incidir imposto de renda sobre

os parcos lucros atribuídos aos trabalhadores, que notoria-

mente dispõem de menor capacidade contributiva, e, ao

arrepio dos mais sagrados princípios tributários, isentou

os, quase sempre, galhardos lucros atribuídos aos sócios

que, via de regra, detém uma maior capacidade contri-

butiva.

ademais, embora não se possa questionar a constitu-

cionalidade da Lei nº 9.249/95, sob seu aspecto formal,

não parece aceitável que esse mesmo instituto torne os lu-

cros isentos de tributação, com fundamento no que se se-

gue: traíram-se os critérios preconizados no inciso i, § 2º,

do artigo 153 da Constituição de 88, o qual alude que o

imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza

“será informado pelos critérios da generalidade, da univer-

salidade e da progressividade na forma da lei”.

menosprezaram-se, ainda, os artigos 43 a 45 do Códi-

go tributário Nacional uma vez que o imposto de renda

incide sobre a renda e proventos de qualquer natureza e

tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade eco-

nômica ou jurídica de renda.

O lucro é um produto ou fruto do capital, represen-

tando para quem o aufere, a aquisição de uma disponibi-

lidade econômica, uma renda. enquadra-se, portanto, na

hipótese de incidência do artigo 43 de Código tributário

Nacional. e, se por algum fundamento, os lucros devem

ser isentos de imposto de renda quando distribuídos aos

sócios, em regra, detentores de uma maior capacidade

contributiva, com maior justiça, deveriam ser isentos do

mesmo imposto de renda ao serem pagos aos emprega-

dos a título de participação nos lucros ou resultados da

empresa.

1.3 Paradoxo 3: Renúncias Tributárias em Favor da

Renda do Capital

aludiu-se nos paradoxos anteriores que se vem taxan-

do, mais significativamente, a renda dos trabalhadores

assalariados e as classes de menor poder aquisitivo, via

tributação sobre o consumo, ao longo dos últimos anos.

além disso, pode-se afirmar que o estado brasileiro vem

abrindo mão de receitas tributárias importantes em favor

da renda de capital.

Uma dessas renúncias fiscais é a dedução dos juros so-

bre o capital próprio das empresas do lucro tributável do

imposto de renda – ir e da Contribuição social sobre o

Lucro Líquido – CsLL. esse entendimento encontra fun-

damento na Lei nº 9.249/95, em seu artigo 9º.

assim, desde 1996, passou-se a permitir às pessoas

jurídicas tributadas pelo lucro real, que remuneraram as

pessoas físicas ou jurídicas, a título de juros sobre o capital

próprio, a considerar tais valores como despesas para fins

de apuração do irPJ e da CsLL. trata-se, na verdade, de

uma despesa fictícia.

À luz do exposto, observa-se que a remuneração paga

aos acionistas, a título de juros sobre o capital próprio, é

considerada despesa. e, sendo contabilizados como des-

pesa, os juros sobre o capital próprio, por óbvio, reduzem

o lucro. O mesmo montante dos juros sobre o capital pró-

prio distribuído aos acionistas redundará, em igual mon-

tante, em redução do lucro da sociedade. Ora, reduzido

o lucro, reduzida será a tributação a titulo do irPJ e da

CsLL.

O artigo 9º, da Lei 9.249/95, beneficia as sociedades

mais lucrativas, possibilitando que, ao remunerarem seus

acionistas com juros sobre o capital próprio, reduzam, no

mesmo quantitativo, os lucros que seriam apurados.

em termos práticos, a fim de elucidar esse dispositivo,

constata-se o seguinte: o art. 9º da Lei 9.249/95 permite

que as grandes sociedades, as mais lucrativas, deixem de

recolher aos cofres públicos 25% (15% + 10% de adicio-

nal) a título de irPJ e 9% a título de CsLL. É verdade

que os juros sobre o capital próprio são tributados na pes-

soa do beneficiário, porém, à alíquota exclusiva de 15%.

Observa-se que, para os mais aquinhoados, o governo re-

nuncia, abre mão de arrecadar 34% para contentar-se com

apenas 15%.

De acordo com dados da Unafisco sindical, somente

em 2005, a distribuição de juros sobre capital próprio

Page 44: Tributação em Revista 59

44 triBUtaÇÃO em revista

implicou uma renúncia tributária de r$ 3,7 bilhões. esse

mecanismo permitiu, por exemplo, que os cinco maiores

bancos do sistema financeiro nacional – que apresentaram

um lucro histórico em 2005 - distribuíssem a título de ju-

ros sobre capital próprio aos seus acionistas um montante

de r$ 6 bilhões.8

assim, o valor distribuído de Juros sobre Capital Pró-

prio proporcionou uma redução nas despesas com en-

cargos tributários desses bancos no montante de r$ 2,1

bilhões, implicando uma renúncia tributária do estado a

favor dos bancos no total de r$ 1,2 bilhão.9

entre os privilégios tributários concedidos ao grande

capital, especialmente os bancos, está a isenção de impos-

to de renda da remessa de lucros e dividendos ao exterior

(art. 10, Lei 9.249/1995).

De acordo com o UNaFisCO siNDiCaL10, atualmente

siNDiFisCO NaCiONaL, dados do Banco Central reve-

lam que as remessas líquidas de lucros e dividendos de

multinacionais bateram recorde em 2005, atingindo Us$

12,7 bilhões, maior montante desde 1947. essa situação

só é possível em função da alta rentabilidade com os juros

reais, o câmbio apreciado e a isenção de imposto de renda

sobre remessas para o exterior e a isenção de lucros e divi-

dendos distribuídos11.

Convertendo o valor de Us$ 12,7 bilhões à taxa de

câmbio de r$ 2,34 (30/12/2005), chega-se ao montante

de r$ 29,7 bilhões, que se fossem tributados com uma

alíquota de 15% (que vigorou até 1996) possibilitaria uma

arrecadação tributária de r$ 4,5 bilhões.

Não bastasse recentemente o governo editou a medida

Provisória - mP nº 281, de15/02/2006, convertida pelo

Congresso Nacional na Lei n. 11.312, de 27/06/2006, re-

duzindo a zero as alíquotas de ir e de CPmF12 para inves-

tidores estrangeiros no Brasil. as operações beneficiadas

pela mP são cotas de fundos de investimentos exclusivos

para investidores não-residentes, que possuam, no míni-

mo, 98% de títulos públicos federais.

Osiris Lopes Filho que secretariou a receita Federal

nos anos de 1993 e 1994, em entrevista concedida aos

jornalistas tina evaristo e Hugo studart da revista “isto

é” – Dinheiro, disponível na internet,13 à pergunta: “até

que ponto é verdade a tese de que rico não paga muito

imposto?” respondeu: também acho isso. Quando fui secretário da receita, mandei começar a fiscalização pelos ricos. era uma ação de marketing efetiva e eficiente. Os fiscais fica-ram todos assustados, já que não tinham o hábito de incomodar as elites. Peguei quem tinha iate e avião. alguns mostraram as notas fiscais orgulhosos. então fomos checar se tinham renda pessoal declarada para comprar o iate. Daí batemos em suas residências para verificar se o motorista e a empregada estavam registrados como funcionários das empresas. e o alu-guel? Novo rico não tem casa própria, mora tudo de aluguel em nome da empresa. essa foi uma peque-na amostra do sistema injusto no Brasil, no qual os empregados da classe média são os que mais pagam impostos. as megaempresas costumam ter esquemas para não serem efetivamente fiscalizadas. as peque-nas estão na informalidade. são as médias que estão pagando o pato.

Na mesma entrevista, perguntado se “Os grandes lu-

cros dos bancos têm alguma relação com o sistema tribu-

tário?” manifestou:

sim, no Brasil você tem um paraíso para o rendimen-to do capital. Na minha opinião, ainda é um resquí-cio da sociedade escravocrata do século XiX, como se o trabalho devesse ser explorado. Há um claro privilégio para os rendimentos obtidos do capital. a cada bilhão de lucro, o banco paga r$ 150 milhões, quando deveria pagar r$ 250 milhões.

8- UNaFisCO siNDiCaL. arrecadação de Janeiro/2006: renúncia tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index.htm>. acesso em: 20 jul. 2007.

9- UNaFisCO siNDiCaL. arrecadação de Janeiro/2006: renúncia tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index.htm>. acesso em: 20 jul. 2007.

10- UNaFisCO siNDiCaL. arrecadação de Janeiro/2006: renúncia tributária favorece grande Capital. Disponível em: <http://www.unafisco.org.br/estudos_tecnicos/index.htm>. acesso em: 20 jul. 2007.

11- Desde janeiro de 1996, a distribuição de lucros e dividendos é isenta de ir (art. 10, Lei 9.249/1995).

12- a cobrança da CPmF (Contribuição Provisória sobre movimentação Financeira), instituída pela eC nº. 12/96 (art. 74 do aDCt), não foi prorrogada pelo Congresso Nacional, tendo sido extinta em 31/12/2007.

13- LOPes, Osiris Filho. a honestidade é inviável no Brasil. Disponível em: www.blindagemfiscal.com.br/artigos/osiris_lopes_filho.htm. acesso em: 13 out. 2007

Page 45: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 45

verifica-se, portanto, que os brasileiros, notadamente

a classe média trabalhadora, além de suportar uma das

maiores cargas tributárias, vêem o Poder Público renun-

ciar ou amenizar a tributação dos capitalistas pátrios ou

para atrair os capitais especulativos estrangeiros, numa

prática mais refinada que a dos mais atraentes paraísos

fiscais.

segundo evilásio salvador,14 a atual legislação tributá-

ria trata de forma benevolente a renda do capital, compa-

rativamente a dos trabalhadores, ferindo a isonomia tri-

butária dentre as diferentes espécies de renda, conforme

disciplina a Constituição de 88. a legislação atual não sub-

mete à tabela progressiva do ir os rendimentos de capital,

que são tributados com alíquotas inferiores aos demais

rendimentos.

Novamente, os grandes beneficiados pela benevolência

tributária do Brasil são os capitalistas, os mais aquinho-

ados, os que detêm uma maior capacidade contributiva

e os especuladores estrangeiros. Novamente, macula-se o

princípio da capacidade contributiva.

Conclui-se, assim, que o Brasil é um verdadeiro paraí-

so fiscal para o rendimento do capital.

2 Conclusão

ao discorrerem sobre o princípio da capacidade con-

tributiva, os doutrinadores realçam veementemente que

o princípio de que se trata deve preservar, eximindo de

tributação, a riqueza mínima necessária à sobrevivência

digna do ser humano, sob pena de, em não sendo assim, a

tributação constituir-se numa violência à liberdade, valor

maior da natureza humana, tutelada no estado de Direito.

Nesse sentido, José marcos Domingues de Oliveira

constrói o entendimento de que “essa riqueza só poderá

referir-se ao que exceder o mínimo necessário à sobrevi-

vência digna, pois até este nível o contribuinte age ou atua

para manter a si e aos seus dependentes, ou à unidade

produtora daquela riqueza”.15

O instituto Brasileiro de Planejamento tributário

(iBPt), organização privada, em recente pesquisa divul-

gada no Caderno de economia do Jornal do Comércio,

de 06/06/2007, noticiou que a “carga tributária pesa mais

para a classe média”.16 segundo o iBPt, a carga tributária

brasileira é uma das mais altas do mundo e, pelos serviços

públicos prestados ao cidadão, é também uma das mais

injustas.

a pesquisa aponta que a classe média é que suporta

a maior carga tributária, é lógico concluir-se que os mais

ricos suportam uma carga relativamente menor. Por con-

seguinte, pode-se também concluir que o princípio da ca-

pacidade contributiva está sendo maculado e que o seu

subprincípio da progressividade não foi adequadamente

manejado.

em nosso cotidiano prático-profissional, no âmbito da

contabilidade, deparamo-nos com diversos paradoxos que

adiante detalharemos. em nosso entendimento, esses pa-

radoxos negam a efetividade do princípio da capacidade

contributiva.

Desde já esclareça-se que os paradoxos que adiante

serão apresentados não ferem o princípio da capacidade

contributiva, necessariamente, por prescreverem uma tri-

butação excessiva, proibitiva ou confiscatória. ressalte-se,

ainda que não ferem o referido princípio por tributarem,

necessariamente, a riqueza mínima necessária à sobrevi-

vência digna do ser humano.

referimo-nos, sim, aos paradoxos que aquinhoam,

que abonam, que infundadamente discriminam, que

concedem isenções, quase sempre, aos mais abastados,

maculando a capacidade contributiva e os subprincípios

(proporcionalidade, progressividade, personalidade e se-

letividade)

14- saLvaDOr, evilásio. a Distribuição da Carga tributária: Quem Paga a Conta? Disponível em: www.rls.org.br/publique/media/evilasio_salvador.pdf. acesso em: 12 out. 2007.

15- OLiveira, José marcos Domingues. Direito tributário: capacidade contributiva: conteúdo e eficácia do princípio. 2ª ed. rev. e atual. rio de Janeiro: renovar, 1998, p.

16- eDitOriaL. Carga tributária pesa mais para a classe média. Jornal do Comércio, recife, 06 de junho de 2007. Caderno de economia, pág.3.

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Page 47: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 47

a RTIGO

Legitimidade do Planejamento Tributário: critérios

dele nada além do que a lei lhe outorga.

mas, a realidade fática não encerra tamanha simplici-

dade.

ao contribuinte assiste o direito de minimizar seus

custos tributários, não obstante deva reconhecer que a

arrecadação de impostos é o único meio do estado pro-

ver seus serviços na medida das exigências e necessidades

da sociedade. a figura do planejamento tributário surge

como forma de dispor os negócios do contribuinte visan-

do a economia de tributos, respeitando-se os limites da lei.

atualmente, constata-se uma ampla disseminação de

sofisticados esquemas de planejamento tributário. são

inúmeras as consultorias que oferecem como “produto”

operações habilmente estruturadas, cuja finalidade prin-

1- auditor-Fiscal da receita Federal do Brasil graduado em Ciências Contábeis (1985) e Direito (2006). especialista em Direito internacional Fiscal e integração econômica pela Fundação Getúlio vargas. Professor de Direito tributário internacional no curso de Pós-Graduação em Direito tributário da esaF. Presidente da segunda Câmara da Primeira seção de Julgamento do Conselho administrativo de recursos Fiscais – CarF

Claudemir rodrigues malaquias1

1 Introdução

Pagar impostos nunca foi algo desejado pelos contri-

buintes. ao longo da história, estes sempre resistiram às

investidas do estado em direção ao seu patrimônio parti-

cular. No cenário tributário, coabitam em clima não amis-

toso, a obrigação de pagar impostos e as manobras evasi-

vas para escapar com astúcia das mãos do fisco.

Diferentemente do que ocorria na história antiga, no

estado de Direito a relação jurídico tributária com o con-

tribuinte se estabelece sempre com base na lei. em tese,

ambos, estado e contribuinte estão na mesma posição,

pois submetem igualmente suas condutas ao previsto no

ordenamento jurídico. O contribuinte, de sua parte, deve

pagar o imposto previsto na lei, e o Fisco não pode exigir

Page 48: Tributação em Revista 59

48 triBUtaÇÃO em revista

cipal é reduzir o pagamento de impostos sem despertar a

atenção do Fisco.

em consequência, as administrações tributárias re-

gistram uma sensível perda de arrecadação. a erosão das

bases tributárias em diversos países é um fato incontrover-

so. a par da ampla utilização de planejamentos tributários

pelos contribuintes pessoas físicas e jurídicas, constata-se

a reação dos estados verificada com maior ou menor in-

tensidade, segundo a peculiaridade de seu ordenamento.

No centro desta relação conflituosa entre Fisco e con-

tribuinte, está o confronto entre a liberdade do indivíduo

em organizar seus negócios e a necessidade cada vez mais

intensa do estado arrecadar impostos. O planejamento tri-

butário possui sua origem neste confronto.

Não se vislumbra uma solução simples e imediata para

a questão. a divergência entre juristas, doutrinadores e

aplicadores do direito, as dificuldades de se estabelecer

uma linha jurisprudencial uniforme, definida com base

em critérios jurídicos objetivos e a reação, às vezes enérgi-

ca das autoridades administrativas frente ao planejamento

tributário, colocam a questão na agenda permanente de

seminários, congressos nacionais e internacionais. apesar

dos esforços despendidos, não há um ponto de conver-

gência na doutrina e na jurisprudência administrativa e

judicial, em torno do qual estejam pacificados os crité-

rios necessários para aferir a legitimidade da conduta tida

como elisiva do planejamento tributário.

apesar de inúmeros estudos a respeito do tema, ainda

há nítida indefinição acerca dos critérios jurídicos que con-

figuram o caráter legítimo ou ilegítimo ao planejamento

tributário. Qual o referencial jurídico que deve ser adota-

do conjuntamente pelos contribuintes e pelas autoridades

fiscais? Quais os elementos que distinguem a economia

legítima de tributos daquela contrária ao ordenamento

jurídico? No plano da instrução probatória, questiona-se

também quais os critérios para a produção de provas que

irão revelar o caráter abusivo do planejamento tributário?

este singelo trabalho propõe alguns lineamentos acer-

ca destas questões. são considerados os critérios básicos

e necessários para a fixação de uma linha divisória entre

as condutas tidas como legítimas e aquelas consideradas

contrárias ao ordenamento, embora revestidas da forma

prescrita em lei.

Longe de ser a última palavra sobre o assunto, as con-

clusões desta análise almejam contribuir humildemente

para o debate.

2 Evasão e Elisão Fiscal

De início, faz-se necessário discorrer sobre a tipolo-

gia das condutas perpetradas pelos contribuintes quando

estes buscam fugir do cumprimento de suas obrigações

tributárias.

a doutrina formulou os conceitos de evasão e elisão

fiscal. a terminologia adotada pela maioria dos autores

permite distinguir, no plano teórico, os elementos e as

características dos comportamentos dos contribuintes,

quando estes buscam esquivar-se do ônus da obrigação

tributária.

em sentido amplo, pode-se considerar evasão fiscal

toda e qualquer ação ou omissão do contribuinte tendente

a elidir, reduzir ou retardar o cumprimento de uma obri-

gação tributária, utilizando-se de meios lícitos ou ilícitos.

a expressão “evasão tributária” é empregada para designar

a fuga ao dever de pagar tributos. em seu sentido lato,

abrange as condutas lícitas e ilícitas. a evasão tida como

lícita abrigaria as condutas de fuga ao dever de tributar

sem que se verifique violação da lei.2

a evasão ilícita ou fraude fiscal implica em todos os

casos a presença de intenção dolosa de fugir ao pagamen-

to do imposto devido. a palavra evasão possui o sentido

de fuga a um dever ou obrigação fiscal de forma ardilosa,

dissimulada, sinuosa furtiva e, portanto, ilícita. Contudo,

a expressão evasão não dever ser utilizada com os adjeti-

vos legal ou lícito, por implicar uma contradição. Para a

evasão considerada lícita, o termo mais adequado é elisão.

a elisão fiscal, por sua vez, é a expressão utilizada para

designar a maneira legítima de evitar, retardar ou reduzir

o pagamento de um tributo, antes da ocorrência de seu

2- DÓria, antônio roberto sampaio. elisão e evasão Fiscal. são Paulo: Bushatsky, 2ª ed. 1977, p. 21.

Page 49: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 49

fato gerador. Na elisão, o agente visa atuar sem violação

da lei, no sentido de impedir o nascimento da obrigação

tributária. Busca evitar, de modo legítimo, a ocorrência da

situação definida em lei como necessária e suficiente para

o surgimento da obrigação tributária. Na elisão3, os meios

e instrumentos jurídicos utilizados são caracterizados por

sua legalidade ou, ao menos, são revestidos de forma líci-

ta, enquanto que na evasão, estão presentes meios ilícitos

e fraudulentos.

Distinção importante diz respeito ao aspecto cronoló-

gico do ato, sob o enfoque do momento da ocorrência do

fato gerador. Na elisão, o contribuinte, com a finalidade

de esquivar-se do pagamento do tributo, age ou omite-

-se antes da ocorrência da situação definida na lei como

hipótese de incidência do tributo. se a conduta do con-

tribuinte, omissiva ou comissiva, verifica-se no instante

ou após a ocorrência do fato gerador, dá-se a evasão ou a

fraude fiscal.

as figuras da evasão e elisão possuem o objetivo co-

mum de escapar do alcance da norma tributária. Para fugir

do campo de incidência da norma tributária, o contribuin-

te pode escolher entre desviar-se da norma impositiva, se

posicionando fora do seu alcance, ou, já sujeito a sua in-

cidência, utilizar-se de meios ilícitos para impedir, reduzir

ou retardar o recolhimento do imposto devido, pela desca-

racterização do fato gerador ou pela redução indevida da

base de cálculo do tributo.

a compreensão do conteúdo jurídico dos institutos da

evasão e da elisão fiscal é pressuposto para a análise da

legitimidade do planejamento tributário.

O vocábulo “planejamento” é empregado para de-

signar a ação de organizar ou projetar cenários futuros

com certa antecedência e sob certas premissas técnicas.

a expressão “planejamento tributário”, sob o aspecto se-

mântico, implica a idéia de ação preventiva, de algo que

é cuidadosamente engendrado com o objetivo de atingir

determinado resultado, que neste caso é a economia de

imposto. a expressão “planejamento tributário” é também

empregada como sinônimo de liberdade de ação e a rea-

lização de uma escolha entre duas ou mais possibilidades

igualmente válidas. trata-se da seleção de uma entre várias

alternativas oferecidas pelo ordenamento jurídico no que

diz respeito a distintas hipóteses de incidência tributária.

Para Heleno tôrres, esta expressão deve ser utiliza-

da para designar “a técnica de organização preventiva de

negócios, visando a uma legítima economia de tributos,

independentemente de qualquer referência aos atos ulte-

riormente praticados.” segundo o autor, é a conduta do

contribuinte representada por

atitudes lícitas na estruturação ou reorganização de seus negócios tendo como finalidade a economia de tributos, seja evitando a incidência destes, seja redu-zindo ou diferindo o respectivo impacto fiscal sobre as operações; corresponde à noção de “legítima eco-nomia de tributos.4

Neste mesmo sentido, afirmando a idéia de licitude

contida na expressão “planejamento tributário”, rodrí-

guez santos ensina que

“la planificación surge cuando existen diferentes al-ternativas igualmente legales para el tratamiento de un supuesto de hecho y siempre que dichas alterna-tivas sean tratadas de forma diversa por los sistemas fiscales relevantes en cada caso. La planificación fis-cal consiste, precisamente, en determinar entre ellas, la alternativa más eficiente fiscalmente, en otras pa-labras se trata de encontrar la alternativa que permita minimizar la carga tributaria mediante la elección de la vía de acción más eficiente entre todas las alterna-tivas legales posibles.”5

O “planejamento tributário”, cuja finalidade é a eco-

nomia de tributos, deve representar condutas inteira-

mente lícitas, caso contrário, não pode ser designado

com esta expressão. O planejamento tributário não tem

a finalidade de promover a evasão fiscal, tampouco visa

fraudar ou simular atos jurídicos, porquanto a fraude

e a simulação constituem alternativas contrárias à lei,

3- HUCK, Hermes marcelo. evasão e elisão: rotas Nacionais e internacionais do Planejamento tributário. são Paulo: saraiva.1977, p. 27.

4- tÔrres, Heleno taveira. Direito tributário internacional: Planejamento tributário e Operações transnacionais. são Paulo: revista dos tribunais, 2001, p. 37.

5- rODrÍGUeZ saNtOs, F. Javier. Planificación Fiscal internacional. in: COrDÓN esQUerrO, teodoro. manual de Fiscalidad internacional. madrid: intituto de estudios Fiscales, 2001, p. 403.

Page 50: Tributação em Revista 59

50 triBUtaÇÃO em revista

ilícitas em sua essência.

No entanto, a expressão planejamento tributário

pode também ser utilizada para designar práticas con-

sideradas contrárias à lei. Neste caso, trata-se do pla-

nejamento tributário abusivo ou agressivo, conforme

denomina alguns autores.

Os contornos jurídicos acerca da abusividade do

planejamento tributário tem sido amplamente debati-

dos na doutrina, não chegando a transpor para o campo

prático uma definição que seja plenamente funcional.

isto porque não são nítidos os elementos que os distin-

guem, o que inevitavelmente representa uma dificulda-

de para os operadores do direito tributário.

Os contribuintes, sob a égide dos princípios da le-

galidade e da tipicidade estrita do direito tributário,

possuem o direito de organizar seus negócios da forma

tributariamente mais econômica. Não há lei que estabe-

leça que, diante de várias alternativas, o sujeito passivo

deva optar pela que proporciona maior arrecadação de

impostos. Ora, é certo que a elisão não constitui, por si

só, fraude à lei. Para o contribuinte é livre a eleição da

forma jurídica ou meio pelo qual são realizados os atos

e negócios jurídicos, desde que o faça dentro dos limi-

tes legais. Uma vez ultrapassados estes limites, a con-

duta deixaria o campo lícito e adentraria o da ilicitude.

existem, portanto, limites ao planejamento tributá-

rio, de modo que não são todos os planejamentos con-

siderados lícitos. Há os planejamentos que transpõem

estes limites, cujos negócios jurídicos necessitam ser

requalificados para fins tributários. No Brasil, corrobo-

rando a existência de limites ao planejamento tributá-

rio, marco aurélio Greco6 sustenta que a Constituição

Federal (art. 145, § 1º), ao estabelecer o princípio da

capacidade contributiva ou econômica, impõe um cer-

co à criatividade dos agentes econômicos. trata-se de

um postulado intimamente ligado ao princípio demo-

crático da solidariedade social, um instrumento que

compatibiliza e torna possível a vida em sociedade. se,

com igual capacidade contributiva, um contribuinte,

pela manipulação das formas jurídicas, pelo abuso de

direito, pela simulação ou qualquer outro subterfúgio,

puder fugir do imposto, estará sendo comprometido

também o princípio da igualdade. se o planejamento

tributário, mediante um processo elisivo, com abuso de

formas e simulação, vem a inibir a eficácia da norma

tributária, está a um só tempo inibindo a plenitude dos

princípios constitucionais da capacidade contributiva e

da isonomia.

Deve-se reconhecer a dificuldade na prática em se

fixar uma linha divisória entre as figuras da elisão e da

evasão tributária, tendo em vista a linha tênue que dis-

tingue as condutas bem como a complexidade das ope-

rações normalmente envolvidas no planejamento.

a doutrina não logrou êxito em oferecer critérios

nítidos para distinguir as formas que podem envolver

o planejamento tributário. De forma latente, subsiste o

problema da requalificação dos fatos, negócios e opera-

ções relacionadas aos planejamentos tributários.

3 Legitimidade do Planejamento Tributário

Na discussão sobre a legitimidade do planejamen-

to tributário estão as questões ligadas à prevalência da

substância sobre a forma. O Código Civil7 brasileiro ad-

mite, de forma expressa, que há diferença entre a subs-

tância e a forma de um negócio jurídico. O enunciado

do “caput” do art. 167 dispõe:

art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.

O ordenamento pátrio admite a possibilidade de

ocorrer que a substância dos atos e negócios jurídicos

não sejam correspondentes com a forma exteriorizada.

isso ocorre nas hipóteses em que os atos e negócios ju-

rídicos são realizados com o emprego de astúcia das

partes, por meio de práticas fraudulentas ou por sim-

6- GreCO, marco aurélio. Planejamento tributário. são Paulo: Dialética, 2004, 281ss.

7- BrasiL. Lei nº 10.406, 10.02.2002. institui o Código Civil. Diário Oficial da União. Brasília-DF, 11.01.2002. (Código Civil)

Page 51: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 51

ples erro, ou ainda, quando influenciado por alterações

no estado anímico dos contraentes ou sob circunstân-

cias que interferem na vontade interior ou na vontade

declarada.8

analisar a legitimidade da elisão fiscal materializada

no planejamento elaborado pelo contribuinte implica

em validar a relação existente entre forma e substância,

delineando as condições jurídicas acerca da existência,

validade e eficácia dos atos e negócios jurídicos. Quan-

do, diante de um caso concreto, o aplicador ou intér-

prete conclui que a forma deve ceder à substância de

determinado negócio jurídico, está a dizer que, neste

caso específico, a intenção das partes não corresponde

ao que está declarado por elas. a forma, materializada

pelos documentos escritos, estaria a mascarar (dissimu-

lar) um outro negócio diferente daquele que está es-

tampado na forma.9

Dado o caráter conservador do direito tributário

brasileiro, estão cristalizados os princípios da tipicida-

de e da legalidade, insculpidos no art. 150, inciso i,

da Constituição Federal.10 apesar da força destes princí-

pios, é possível afirmar que o disposto nos artigos 112

e 113 do Código Civil11, fundamentam um critério apli-

cável à qualificação dos fatos e condutas nos planeja-

mentos tributários, e permitem valorar adequadamente

a substância e a forma de seus atos e negócios jurídicos.

a norma civil procura afastar os extremos de se adotar

unicamente a declaração, ou, de outro modo, apenas a

vontade como forma de interpretação. Como na inter-

pretação o que se busca é a fixação da vontade, e como

esta exprime-se por forma exterior, deve-se ter por base

a declaração, e, a partir dela é que será investigada a

vontade real do manifestante. O intérprete ou aplicador

do direito não pode simplesmente abandonar a decla-

ração de vontade e partir livremente para investigar a

vontade interna das partes ao celebrar o negócio.12

Partindo destas premissas, para se aferir a legitimi-

dade do planejamento tributário, deve-se verificar a

coerência entre a declaração de vontade (conteúdo –

previsão legal) e a causa objetiva do negócio jurídico

(finalidade econômico social – materialização do con-

teúdo.

seguindo de perto a lição de marco aurélico Greco,

que buscou fixar os limites de validade do planejamen-

to tributário, a análise deve ser feita a partir dos cha-

mados limites positivos interno ao negócio jurídico: o

motivo e a finalidade de natureza predominantemente

extratributária, os quais devem ser congruentes entre si.

O motivo, a finalidade e a congruência se resumiriam

no conceito de causa do negócio jurídico. Desta forma,

o critério jurídico válido para aferir a legitimidade da

elisão ou, em outros termos, o parâmetro para se deter-

minar validade do planejamento tributário é a causa do

negócio jurídico investigada objetivamente.

4 Critérios para Qualificação dos Fatos no Plane-

jamento Tributário

O conceito de planejamento tributário traz a idéia

de uma escolha, entre alternativas igualmente válidas,

de situações fáticas ou jurídicas que objetivam a econo-

mia de tributos, nos limites da ordem jurídica. Dentro

destes limites, o planejamento recebe a tutela do or-

denamento, porquanto está no âmbito da liberdade de

busca do menor custo tributário, sob a legítima prote-

ção dos princípios constitucionais.

apesar dos esforços da doutrina, estabelecer os limi-

tes de validade do planejamento tributário não é tarefa

simples. Definir se a conduta do contribuinte é abusiva

8- aNDraDe FiLHO, edmar Oliveira. imposto de renda das empresas. 7ª ed. são Paulo. atlas, 2010, p. 767.

9- ibidem.

10- “art. 150. sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios:i - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça; (...)” Constituição Federal de 1988.

11- “art. 112. Nas declarações de vontade se atenderá mais à intenção nelas consubstanciada do que ao sentido literal da linguagem. art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.” (Lei nº 10.406, 10.02.2002. institui o Código Civil. DOU. 11.01.2002 – Código Civil)

12- veNOsa, silvio de salvo. Direito Civil: Parte Geral. 3ª ed. são Paulo. atlas, 2003, p. 419.

Page 52: Tributação em Revista 59

52 triBUtaÇÃO em revista

(ilícita) ou não, é questão tormentosa, cuja resposta não

é possível sem uma elaborada construção jurídica. Por

isso, neste aspecto ainda há muitas incertezas quanto à

qualificação do planejamento tributário.

Há a necessidade de se estabelecer critérios jurídi-

cos válidos e suficientes para solucionar o problema da

qualificação do planejamento tributário. Na linha dos

autores que embasaram esta análise, o planejamento

tributário deve ser visto sob o enfoque da causa objeti-

va do negócio jurídico. O propósito negocial, entendi-

do como o motivo do negócio jurídico ou a sua causa,

constitui o limite à liberdade do contribuinte em orga-

nizar seus negócios como bem entender.

O planejamento tributário, considerado em princí-

pio como uma construção elisiva, porém sem qualquer

finalidade negocial evidente senão a da economia fiscal,

pode ser considerado como uma forma de abuso de di-

reito.13 Na hipótese do planejamento tributário envolver

atos ou negócios jurídicos sem justificativas negociais,

distantes das práticas usuais e carente de qualquer ou-

tra causa ou motivo justo que não seja a finalidade de

eliminar ou reduzir o pagamento de tributos, devem es-

tes atos serem desconsiderados para fins fiscais.

trata-se de fixar um limite à liberdade do contri-

buinte organizar seus negócios. mesmo que em obser-

vância os ditames legais, os atos e negócios jurídicos

não serão opostos ao Fisco se tais operações se caracte-

rizarem por um contorcionismo jurídico pelo emprego

de formas não usuais ou pela completa ausência de um

motivo negocial plausível.

Para marco aurélio Greco14, a aplicação dos limi-

tes positivos permitiria se chegar a critérios objetivos

para se determinar a validade do planejamento tribu-

tário. trata-se de buscar uma justificação objetiva que

redundaria na causa do negócio jurídico. Para o autor,

o negócio jurídico apresenta limites positivos internos,

quais sejam: “o motivo e a finalidade que fosse de uma

natureza predominantemente extratributária, os quais

devem ser congruentes entre si. O motivo, a finalidade

e a congruência se resumiriam ao conceito de causa ou

base do negócio jurídico.”

Neste mesmo sentido, rodrigo de Freitas15, apoian-

do-se na lição de antônio Junqueira de azevedo16,

acrescenta que em um primeiro teste de validade do

planejamento tributário, deve-se analisar o negócio ju-

rídico a partir do plano da existência, pois esta análise é

determinante para a qualificação jurídica dos fatos pra-

ticados pelo contribuinte. Ou seja, para se identificar a

natureza do negócio jurídico, deve-se partir da análise

dos seus elementos constitutivos previstos em lei. es-

tes elementos seriam aqueles considerados gerais, per-

tencentes a todos os negócios jurídicos; os categoriais,

aqueles que distinguem os diversos tipos negociais pre-

vistos no ordenamento e, por fim, os particulares, que

fazem parte de um determinado negócio jurídico, no

caso concreto.

Os elementos gerais a serem analisados no plano da

existência do negócio jurídico podem ser intrínsecos

(circunstâncias negociais, forma e objeto) e extrínsecos

(tempo, lugar e agentes). Com efeito, o Fisco, ao tentar

requalificar o negócio jurídico, além de verificar a for-

ma e o seu objeto, deve empenhar-se em uma pesqui-

sa criteriosa acerca das circunstâncias negociais. estas

constituem os elementos objetivos que permitem com-

preender o negócio jurídico, pois revelam sua essência.

embora elas não determinam a natureza do negócio

jurídico, consubstanciada pela forma e pelo objeto, as

circunstâncias negociais permitem analisar o âmago do

negócio jurídico e confrontá-los com o modelo abstrato

previsto na norma positivada.

13- Neste sentido, HUCK, Hermes marcelo. evasão e elisão: rotas Nacionais e internacionais do Planejamento tributário. são Paulo. saraiva.1977, p. 149.

14- GreCO, marco aurélio. Planejamento tribuário: nem tanto ao mar, nem tanto à terra. in: rOCHa, valdir de Oliveira (coord.), Grandes Questões atuais do Direito tributário, 10º vol., são Paulo: Dialética, 2006, p. 236.

15- ibidem. p. 467.

16- aZeveDO, antônio Junqueira de. Negócio Jurídico – existência, validade e eficácia. são Paulo: saraiva, 2002.

Page 53: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 53

a análise dos elementos tempo, lugar e agentes

também é necessária para a qualificação jurídica. O

exame do fator tempo decorrido entre determinados

negócios jurídicos pode ensejar a falta de motivação

ou causa objetiva. Da mesma forma, conhecer as par-

tes envolvidas assume relevância nos casos em que os

negócios são realizados entre pessoas de alguma forma

vinculadas. Determinados vínculos societários podem

esmaecer as manifestações da vontade.

em seguida, ainda no plano da existência, o pro-

cesso de qualificação jurídica deve contemplar a aná-

lise dos elementos categoriais, os quais determinam

a natureza de cada negócio. estes elementos podem

ser derrogáveis, aqueles que podem ser afastados pela

vontade das partes sem alterar a natureza do tipo; e

os inderrogáveis, sobre os quais o aplicador deve con-

centrar seus esforços, pois determinam qual a cate-

goria o negócio se subsume. Determinados tipos de

negócios possuem a forma prescrita em lei, sendo o

elemento categorial inderrogável de caráter formal, em

outros negócios este elemento é objetivo. Os primei-

ros, são denominados negócios abstratos, cuja causa

é irrelevante para a produção dos efeitos jurídicos. Os

segundos, são os negócios causais, presentes na maior

parte dos casos de planejamento tributário. Nesses

negócios, o elemento categorial inderrogável objetivo

(objeto típico) é que irá definir sua natureza jurídica.17

Com efeito, esta definição é fundamental para correta

qualificação jurídica pra fins de incidência da norma

tributária.

Contudo, destaca rodrigo de Freitas18, a simples

análise destes elementos no plano de existência do ne-

gócio jurídico não é suficiente para se determinar a

incidência tributária, fazendo-se necessária também a

sua análise no plano da validade.

Para realizar esta análise, torna-se fundamental

aplicar o conceito de causa objetiva. Como esclarece

o autor, o negócio jurídico pode ser visto no plano

abstrato, com base nos elementos categoriais inderro-

gáveis, ou no plano concreto, sob o enfoque da causa

objetiva. Para tanto, cumpre identificar a diferença en-

tre conteúdo (objeto) do negócio jurídico e a sua cau-

sa. enquanto o conteúdo é a descrição hipotética do

evento, a causa é o próprio evento, a realidade fática

que se realiza pela ação do homem. O conteúdo per-

tence ao mundo do “dever-ser”, enquanto que a causa

reside no mundo do “ser”.

esta concepção é relevante para definir qual o tra-

tamento que será dado à declaração de vontade no

processo de qualificação jurídica do planejamento

tributário. No plano da existência, o negócio jurídico

é revelado pela vontade declarada. todavia, no plano

da validade, deve-se confrontar a vontade declarada,

que não se confunde com a vontade psicológica. Ou

seja, a vontade declara é confrontada com a sua rea-

lização no mundo fático: a causa objetiva do negócio

jurídico. Conforme assinala o jurista, “o conteúdo do

negócio jurídico (previsão objetiva – vontade declara-

da), plasmado em forma de linguagem, serve de pa-

râmetro, de referência para a determinação do regime

jurídico. Contudo, é na análise da causa objetiva que

o intérprete irá apurar se o regime jurídico é adequado

à norma tributária ou não.”19

Com efeito, para a requalificação jurídica do pla-

nejamento tributário, por parte da autoridade fiscal,

o conteúdo formal do negócio jurídico, materializa-

do pela declaração de vontade (plano da existência),

ocupa lugar secundário. Para determinar a incidência

da norma tributária no caso concreto, imprescindível

o exame da causa objetiva com o intuito de buscar a

17- antônio Junqueira de azevedo apud Freitas, rodrigo de. É legítimo economizar tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e análise das Decisões do antigo Conselho de Cotribuintes. in: sCHOUeri, Luís eduardo. (coord.); Freitas, rodrigo de. (org.). Planejamento tributário e o “Propósito Negocial”: mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuintes de 2002 a 2008. são Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 470.

18- Freitas, rodrigo de. É legítimo economizar tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e análise das Decisões do antigo Conselho de Cotribuintes. in: sCHOUeri, Luís eduardo. (coord.); Freitas, rodrigo de. (org.). Planejamento tributário e o “Propósito Negocial”: mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuin-tes de 2002 a 2008. são Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 473.

19- Freitas, rodrigo de. É legítimo economizar tributos? Propósito Negocial, Causa do Negócio Jurídico e análise das Decisões do antigo Conselho de Cotribuintes. in: sCHOUeri, Luís eduardo. (coord.); Freitas, rodrigo de. (org.). Planejamento tributário e o “Propósito Negocial”: mapeamento das Decisões do Conselho de Contribuin-tes de 2002 a 2008. são Paulo: Quartier Lantin, 2010, p. 475.

Page 54: Tributação em Revista 59

54 triBUtaÇÃO em revista

verdade substancial do evento. a simples declaração

da vontade, expressa pela linguagem, não permite afe-

rir a validade do planejamento tributário, pois a causa

objetiva do negócio jurídico é que definirá se incide

ou não a norma tributária.20

Neste sentido, a causa do negócio jurídico deve ser

entendida como a finalidade econômica objetiva pre-

tendida pelas partes. marco aurélio Greco21, com base

no ensinamento de Orlando Gomes, destaca a neces-

sidade de se analisar o negócio jurídico sob o enfoque

da causa. sob este ângulo, assume relevância o cha-

mado “propósito negocial”, cuja terminologia deve ser

empregada como propósito do negócio jurídico, dife-

rente, portanto da Business Purpose theory, oriunda

do direito norte-americano.

Na acepção do propósito do negócio jurídico, ha-

verá simulação quando determinado tipo de negócio

for utilizado para consecução de fim não correspon-

dente à sua causa. Um negócio jurídico com finalidade

econômica típica, determinada pelos elementos cate-

goriais inderrogáveis (conteúdo), deve ter essa finali-

dade econômico-social realizada na prática (causa ob-

jetiva). a discrepância entre o conteúdo e a causa do

negócio, verificada na análise do propósito negocial,

ou seja, a não conformidade entre o que se apresenta

objetivamente na realidade concreta (causa) e os ele-

mentos categoriais inderrogáveis (conteúdo) do negó-

cio, enfraquece a tese do contribuinte acerca do seu

planejamento e pode ensejar a requalificação jurídica

do seu planejamento.

a análise objetiva do planejamento tributário deve

se pautar na interpretação teleológica dos negócios ju-

rídicos, ou seja, na verificação do propósito negocial,

porém não de forma tão ampla que considere qualquer

motivação extratributária e sim, de forma restrita aos

elementos essenciais da categoria do negócio jurídico.

tal análise do propósito negocial consiste na verifica-

ção da correspondência entre a causa objetiva (fina-

lidade econômico-social) com a declaração de vonta-

de (conforme a previsão legal). Caso seja constatada

discrepância entre a causa e a declaração de vontade,

deve ser aplicado o regime jurídico pertinente, inclu-

sive com seus efeitos tributários.

No plano teórico, a construção pode se mostrar fa-

cilmente factível. Contudo, as dificuldades de aplica-

ção destes critérios emergirão no âmbito do processo

administrativo fiscal, mais especificamente na ativida-

de probatória. a etapa mais complexa do trabalho é a

de reunir os elementos necessários para formar a con-

vicção do julgador acerca da nova qualificação jurídica

do planejamento. aqui também, na coleta e produção

de provas, devem ser empregados critérios objetivos,

que eliminem ou, ao menos, atenuem a tendência na-

tural ao subjetivismo na atividade interpretativa.

Conforme assinala marco aurélio Greco22, a prova

no planejamento tributário apresenta peculiaridades e

algumas distinções quanto à prova dos demais fatos

relevantes para a aplicação da lei tributária. O foco

da prova neste campo não é determinado conceito ju-

rídico que expresse uma patologia do negócio. Não

se trata de focar a produção da prova do planejamen-

to tributário nas conhecidas patologias da simulação,

fraude à lei, ou o abuso, considerados em si mesmos.

Para se chegar à afirmação de que algo ocorreu, não

basta levantar os elementos objetivamente aferíveis,

mas é necessário um processo de elaboração subjetiva

dos elementos objetivos e que passa pela qualificação

jurídica de fatos e condutas.23

20- Neste mesmo sentido, Heleno torres firma que “não será a simples menção a uma forma própria o suficiente para tanto (vincular o Fisco), pois a atividade inquisitória da administração, na busca da verdade material, poderá identificar a ‘causa’ do negócio jurídico, que sempre deverá preponderar sobre a eleição da forma, no que concerne à qualifica do negócio jurídico.” (Direito tributário e Direito Privado: autonomia privada: simulação: elusão tributária. são Paulo: revista dos tribunais, 2003, p. 153)

21- GreCO, marco aurélio. Planejamento Fiscal e interpretação da lei tributária. são Paulo. Dialética. 1998, p. 243.

22- GreCO. marco aurélio. a prova no Planejamento tributário. in: a prova no Processo tributário. NeDer, marcos vinícius; saNti, eurico marcos Diniz de; Ferra-GUt, maria rita. (coords.) são Paulo: Dialética, 2010, p. 191.

23- ibidem, p. 193.

Page 55: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 55

De fato, a prova no planejamento tributário não

está diretamente dirigida para a ocorrência do fato

gerador, mas na ocorrência de determinado negócio

ou operação, cuja existência é considerada fato gera-

dor do tributo. “a prova por indícios se dá quando se

comprova a ocorrência de fatos (indícios) que não se

incluem na hipótese de incidência legal, mas cuja ca-

racterização assegura ao aplicador da lei que também

os fatos descritos hipoteticamente pelo legislador hão

de ter sido concretizados.”24 Nestes casos, a busca da

prova indireta do fato gerador deve ser o foco da ativi-

dade fiscal, de modo que todos os elementos fortes e

convergentes devem ser apresentados.

Nos casos de planejamento tributário, para a neces-

sária convicção do julgador não basta simplesmente

enumerar os elementos encontrados, mas ao contrário,

deve haver uma elaboração lógica e com fundamento

jurídico que possibilite admitir a ocorrência do fato

gerador. todo esforço deve ser dirigido no sentido de

demonstrar que a vontade declarada corresponde in-

tegralmente à causa objetiva dos negócios jurídicos,

assim compreendida a realização concreta do conteú-

do do negócio (elementos categoriais inderrogáveis).

a requalificação jurídica é o produto final de um

processo de interpretação e de aplicação do Direito e,

na medida em que resulta da consideração de textos e

condutas, é natural que possa existir mais de uma qua-

lificação jurídica extraída dos mesmos textos e con-

dutas.25 a autoridade fiscal deve empenhar-se no seu

trabalho e buscar, por meio de intimações claras e pre-

cisas, obter do contribuinte os elementos do contexto

do negócio jurídico. tarefa árdua, sim, não há dúvida.

mas dela não pode eximir-se. O contribuinte pode se

manter na defensiva e durante o procedimento omitir

estas informações que circundam o seu planejamento.

a autoridade fiscal, contudo, deve demonstrar que fo-

ram esgotados todos meios de se obter os elementos

que compõem a causa objetiva do negócio.

5 Conclusões

Os contribuintes, naturalmente, sempre resistiram às

investidas do Fisco contra seu patrimônio particular, pela

exigência de tributos.

Para fugir desta obrigação, o contribuinte pode esco-

lher entre desviar-se da norma impositiva, se posicionan-

do fora do seu alcance (elisão – economia lícita de impos-

tos), ou, já sujeito a sua incidência, utilizar-se de meios

ilícitos para impedir, reduzir ou retardar o recolhimento

do imposto devido, pela descaracterização do fato gerador

ou pela redução indevida da base de cálculo do tributo

(evasão - ilícito).

a economia lícita de impostos é representada pelo

Planejamento tributário. a finalidade do planejamento

tributário é sempre a redução dos impostos, mediante a

realização de atos ou negócios segundo os limites da lei.

analisar a legitimidade do planejamento elaborado

pelo contribuinte implica em validar a relação existente

entre forma e substância, delineando as condições jurí-

dicas acerca da existência, validade e eficácia dos atos e

negócios jurídicos. Quando, diante de um caso concreto,

o aplicador ou intérprete conclui que a forma deve ceder à

substância, está a dizer que, neste caso específico, a inten-

ção das partes não corresponde ao que está declarado por

elas. a forma, materializada pelos documentos escritos,

estaria a mascarar (dissimular) um outro negócio diferente

daquele que está estampado na forma

No entanto, os limites de validade do planejamento

tributário não são tão claros. saber se a conduta do contri-

buinte é ou não abusiva, é questão tormentosa, cuja res-

posta não é possível sem uma elaborada construção jurídi-

ca. a aplicabilidade dos limites positivos permite se chegar

a critérios mais objetivos para se determinar a validade do

planejamento tributário. trata-se de buscar uma justifica-

ção objetiva que redundaria na causa do negócio jurídico.

a análise da legitimidade do planejamento tributário

deve, portanto, se pautar na interpretação teleológica dos

negócios jurídicos, ou seja, na verificação do seu propósito

24- sCHOUeri, Luís eduardo. Presunções simples e indícios no Procedimento administrativo Fiscal. in: rOCHa, valdir de Oliveira (coord.) Processo administrativo Fiscal 2º volume. são Paulo: Dialética, 1977, p. 84.

25- GreCO. marco aurélio. a prova no Planejamento tributário. in: a prova no Processo tributário. NeDer, marcos vinícius; saNti, eurico marcos Diniz de; Ferra-GUt, maria rita. (coords.) são Paulo: Dialética, 2010, p. 197

Page 56: Tributação em Revista 59

56 triBUtaÇÃO em revista

negocial. O intérprete ou aplicador da lei deve verificar

a correspondência entre a causa objetiva (finalidade eco-

nômico-social) com a declaração de vontade (conforme a

previsão legal). Caso seja constatada discrepância entre a

causa e a declaração de vontade, configura-se um caso de

planejamento tributário abusivo, ao qual deve ser aplicado

o regime jurídico pertinente, inclusive com seus efeitos

tributários.

a autoridade fiscal deve ter em conta que a prova no

planejamento tributário não está diretamente dirigida para

a ocorrência do fato gerador, mas na ocorrência de deter-

minado negócio ou operação, cuja existência é considera-

da fato gerador do tributo. a busca da prova indireta do

fato gerador deve ser o foco da atividade fiscal, de modo

que todos os elementos fortes e convergentes devem ser

inseridos no processo administrativo.

aNDraDe FiLHO, edmar Oliveira. imposto de renda das empresas. 7.ed. são Paulo: atlas, 2010.

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Page 57: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 57

a RTIGO

Responsabilidade Tributária Objetiva?

ção tributária independe da intenção do agente ou do res-

ponsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos

do ato.

a doutrina, à vista desse dispositivo, costuma dizer

que a responsabilidade por infrações tributárias é objetiva,

uma vez que não seria necessário pesquisar eventual pre-

sença do elemento subjetivo (dolo ou culpa)2.

Os tribunais pátrios, reiteradamente, também afirmam

que houve a adoção dessa modalidade de responsabilida-

de. a título de exemplo:

tributário – ação anulatória de débito fiscal – in-fração prevista no art. 526, ii e iii, do Decreto 91.030/85 – Guia de importação irregular. 1. O art. 136 do Código tributário Nacional consagra a res-ponsabilidade objetiva do agente ou do responsável,

1- advogado, sócio do escritório Forte advogados, Pós-Graduação - especialização em Direito tributário pelo iBeP/UCB, Pós-Graduação – especialização em Direito Civil e Processual Civil, pelo iePC/FesUrv, Conselheiro seccional da Ordem dos advogados do Brasil, seção Goiás – OaB/GO, triênio 2010/2012, Presidente da Comissão de Direito Constitucional e Legislação da Ordem dos advogados do Brasil, seção Goiás – OaB/GO, triênio 2010/2012, membro da Comissão Nacional de apoio ao advogado em início de Carreira do Conselho Federal da OaB, triênio 2010/2012, Conselheiro Deliberativo da OaB Prev GO-tO, biênio 2011/2013, vice-Presidente do instituto Goiano de Direito Constitucional – iGDC -, Procurador do tribunal de Justiça Desportiva do Futebol de Goiás, Professor de Processo Civil e Ética Profissional do Centro Universitário de Goiás - Uni-anhangüera, Professor de Processo Civil e Deontologia Jurídica da Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUC/GO, Professor da escola superior da advocacia de Goiás – esa/GO..

2- a título de exemplo: ricardo Lobo torres, Paulo de Barros Carvalho, sacha Calmon Navarro Coelho.

Otávio alves Forte1

1 Colocação do Tema

O propósito deste estudo é discutir a adoção ou não do

Código tributário Nacional da responsabilidade objetiva,

no que se refere à responsabilidade por infrações da legis-

lação tributária.

a localização legislativa da matéria em estudo está no

Código tributário Nacional (CtN, Lei n.º 5.172, de 25 de

outubro de 1966), Livro segundo, título segundo: “Obri-

gação tributária”, Capítulo v: “responsabilidade tributá-

ria”, seção iv: “responsabilidade por infrações”.

O ponto de partida da análise é o enunciado do caput

do art. 136 do CtN, que dispõe: salvo disposição de lei

em contrário, a responsabilidade por infrações da legisla-

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58 triBUtaÇÃO em revista

por infração à legislação tributária. 2. irrelevante a alegação de erro, ainda que de boa-fé, na utilização de guia de importação para desembaraço de merca-doria distinta da especificada. 3. recurso improvido. (trF, 1ª. região, 4ª. turma, aC 8748-90/mG, rel. Juiz Leite soares, DJU 10.12.1990, p. 29.994).3

ainda a título de exemplificação, cumpre trazer o ensi-

namento do respeitável tributarista sacha Calmon Navarro

Coêlho4, que coloca três objeções contra a consideração do

elemento subjetivo no ilícito fiscal:

em primeiro lugar, a subjetivação do ilícito fiscal le-varia à intransmissibilidade das multas que o punem. ainda, seria impossível apenar administrativamente as pessoas jurídicas, porquanto estas não possuem vontade, senão que são representadas por seus ór-gãos. e, por fim, em terceiro lugar, argumenta que a admissão do erro de direito extra-infracional levaria ao paradoxo de se considerar oponível à administra-ção o desconhecimento da própria legislação.

O objetivo desse trabalho é fazer a análise dos con-

ceitos de responsabilidade subjetiva, objetiva, ainda, das

definições de dolo e culpa e, posteriormente, demonstrar

que modalidade de responsabilidade foi adotada pelo ca-

put do art. 136 do CtN.

O trabalho abordará, também, a natureza da sanção

tributária e a aplicação dos princípios constitucionais refe-

rentes às sanções e, dentro desse contexto, a interpretação

do art. 136 do CtN.

2 Responsabilidade Subjetiva x Responsabilidade

Objetiva

antes de partir para as definições de responsabilidade

subjetiva e objetiva, preliminarmente, cumpre tecer breves

considerações sobre “culpa” e “dolo”.

em proposição simples, o dolo é a vontade dirigida a

um fim ilícito; é um comportamento consciente e voltado

à realização de um desiderato.

a culpa, por sua vez, pode empenhar ação ou omis-

são e revela-se por meio: da imprudência (comportamento

precipitado, apressado, exagerado ou excessivo); da negli-

gência (quando o agente se omite ou deixa de agir quando

deveria fazê-lo e deixa de observar regras subministradas

pelo bom senso, que recomendam cuidado, zelo); e da

imperícia (a atuação profissional sem o necessário conhe-

cimento técnico e científico que desqualifica o resultado e

conduz ao dano).

em sentido estrito, a culpa, em contraposição ao dolo,

traduz o comportamento equivocado da pessoa, despi-

do da intenção de lesar ou de violar direito, mas da qual

se poderia exigir comportamento diverso, visto que erro

inescusável ou sem justificativa plausível e evitável para o

homo medius.

O elemento culpa, conforme o fundamento que se dê à

responsabilidade será ou não considerado na obrigação de

reparar o dano. Já o elemento dolo sempre que presente

levará à obrigação de reparar o dano, mas ele poderá ou

não ser relevante para a existência da responsabilidade,

ou seja, em alguns casos poderá o legislador considerar

somente o elemento culpa ou não, como dito.

a chamada teoria da culpa, ou “subjetiva”, pressupõe a

culpa como fundamento da responsabilidade civil. Neste

sentido ensina Carlos roberto Gonçalves5, verbis:

Diz-se, pois, ser “subjetiva” a responsabilidade quan-do se esteia na idéia de culpa. a prova da culpa do agente passa a ser pressuposto necessário do dano indenizável. Dentro desta concepção, a responsabi-lidade do causador do dano somente se configura se agiu com dolo ou culpa.

em determinadas situações, entretanto, a lei impõe a

certas pessoas a reparação de um dano cometido sem cul-

pa. Quando isto acontece, diz-se que a responsabilidade

é “objetiva”, pois prescinde da culpa e se satisfaz apenas

com o dano e o nexo causal.

Nos casos de responsabilidade objetiva, nas palavras,

3- in: Freitas. vladimir Passos [coord.]. Código tributário Nacional comentado. 2 ed. rev., atual. e ampl., são Paulo: editora revista dos tribunais, 2004, p. 603.

4- COÊLHO. sacha Calmon Navarro. multas Fiscais. O art. 136 do CtN, a responsabilidade Objetiva e suas atenuações no sistema tributário Pátrio. revista Dialética de Direito tributário, n. 138, são Paulo: Dialética, 2007, p. 126-127.

5- GONÇaLves. Carlos alberto. responsabilidade Civil. 8 ed, são Paulo: saraiva, 2003, p. 21.

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triBUtaÇÃO em revista 59

ainda, de Carlos alberto Gonçalves, “não se exige prova de

culpa do agente para que seja obrigado a reparar o dano.

em outras palavras ela é presumida pela lei”6.

existe uma classificação da responsabilidade, ainda,

que considera a culpa presumida, tendo como conseqüên-

cia a inversão do ônus da prova. ela denomina-se objetiva

imprópria ou impura, e o já mencionado autor ensina7:

O autor da ação só precisa provar a ação ou omissão e o dano resultante da conduta do réu, porque sua culpa já é presumida. trata-se, portanto, de classifi-cação baseada no ônus da prova. É objetiva porque dispensa a vítima do referido ônus. mas, como se baseia em culpa presumida,denomina-se objetiva imprópria ou impura.

3 O Art. 136 e a Modalidade de Responsabilidade

Adotada

após tais considerações, podemos passar à análise do

art. 136 do CtN e verificar qual modalidade de respon-

sabilidade foi adotada pelo legislador. eis a redação do

artigo:

art. 136. salvo disposição de lei em contrário, a res-ponsabilidade por infrações da legislação tributária independe da intenção do agente ou do responsável e da efetividade, natureza e extensão dos efeitos do ato. (grifo nosso)

verifica-se que o artigo fala em “independe da intenção

do agente ou do responsável”. e, conforme os conceitos

expostos em linhas volvidas, a intenção é elemento do

dolo e não da culpa.

No dolo existe a intenção, o desígnio de praticar um

ilícito8. Já a culpa – como exposto suso – fundamenta-se

no comportamento do agente, sem relevância a sua inten-

ção.

assim, o artigo 136 diz que a responsabilidade não de-

pende da intenção, ou seja, do dolo e mantém-se silente

quanto à culpa.

Por conseguinte, não se pode interpretar o artigo como

se adotasse a chamada responsabilidade objetiva, pois essa

é a responsabilidade que não depende da existência de

culpa, e o dispositivo legal não afasta a culpa como ele-

mento da responsabilidade.

a título de exemplo legislativo que adota a responsabi-

lidade objetiva, ou seja, que afasta a culpa como elemento

da responsabilidade, pode-se citar o Código de Defesa do

Consumidor, que no art. 14 dispõe:

art. 14. O fornecedor de serviços responde, indepen-dentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relati-vos à prestação dos serviços, bem como por informa-ções insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (grifo nosso)

Percebe-se que o legislador, quando pretendeu aplicar

a responsabilidade objetiva afastou a “existência de cul-

pa” como elemento da responsabilidade e não a “intenção

do agente ou responsável”. No mesmo sentido, podem-se

citar as disposições do parágrafo único do art. 9279 e art.

93310, ambos do Código Civil.

Na esteira deste pensamento, é o entendimento de Lu-

ciano amaro11, verbis:

O preceito questionado diz, em verdade, que a res-ponsabilidade não depende da intenção, o que torna (em princípio) irrelevante a presença do dolo (vontade consciente de adotar a conduta ilícita), mas não afasta a discussão da culpa (em sentido estrito). se ficar evi-denciado que o indivíduo não quis descumprir a lei, e o eventual descumprimento se deveu a razões que escaparam a seu controle, a infração ficará descaracte-rizada, não cabendo, pois falar em responsabilidade.

6- idem, ibidem.

7- idem. ibidem.

8- in: aCQUaviva. marcus Cláudio. Dicionário Jurídico Brasileiro acquaviva.11 ed. ampl., rev. e atual., são Paulo: editora Jurídica Brasileira, 2000, p. 536.

9- art. 927. (...) Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (grifo)

10- art. 933. as pessoas indicadas nos incisos i a v do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.

11- amarO. Luciano. Direito tributário brasileiro. 12 ed., são Paulo: saraiva, 2006, p. 444-445.

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60 triBUtaÇÃO em revista

e, continua o premiado autor:

O art. 136 pretende, em regra geral, evitar que o acusado alegue que ignorava a lei, ou desconhecia a exata qualificação jurídica dos fatos, e, portanto, teria praticado a infração de “boa-fé”, sem intenção de lesar o interesse do Fisco. O preceito supõe que os indivíduos, em suas atividades negociais, conhe-cem a lei tributária, e, se não a cumprem, é porque ou realmente não quiseram cumprir (o que não está presumido pelo dispositivo) ou não diligenciaram para conhecê-lo e aplicá-lo corretamente em relação aos seus bens, negócios ou atividades, ou elegeram prepostos negligentes ou imperitos. enfim, subjaz à responsabilidade tributária a noção de culpa, pelo menos stricto sensu, pois, ainda que o indivíduo não atue com consciência e vontade do resultado, este pode decorrer da falta de diligência (portanto, de ne-gligência) sua ou de seus prepostos, no trato de seus negócios (pondo-se, aí, portanto, também a culpa in eligendo ou in vigilando). sendo, na prática, de difícil comprovação o dolo do indivíduo (salvo em situações em que os vestígios materiais sejam eviden-tes), o que preceitua o Código tributário Nacional é que a responsabilidade por infração tributária não requer prova, pelo Fisco, de que o indivíduo agiu com conhecimento de que sua ação ou omissão era contrária à lei, e de que ele quis descumprir a lei.12

Destarte, dizer que o art. 136 do CtN adota a respon-

sabilidade objetiva é falar o que não foi dito pelo legisla-

dor, ou, na melhor das hipóteses, interpretar extensiva-

mente o dispositivo, o que é impedido pelo princípio da

reserva legal e pelos princípios interpretativos previstos no

CtN, art. 11213.

entrementes, é certo que não cabe ao Fisco fazer prova

da existência da culpa nas infrações tributárias, até por-

que, como bem dito pelo professor Luciano amaro, do

simples não cumprimento da obrigação pelo sujeito passi-

vo, presume-se que este agiu com negligência (omissão).

Portanto, pode-se concluir que o art. 136 é verdadei-

ra adoção da teoria da culpa presumida, que tem como

conseqüência a inversão do ônus da prova. Ou seja, em

termos práticos: ocorrido o descumprimento da legislação

tributária, presume-se que o agente ou responsável agiu

com culpa, não cabendo ao Fisco fazer a prova dessa. mas

pode o agente ou responsável alegar e provar a “escusabi-

lidade do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a

ausência de culpa”14 para levar à exclusão de penalidade.

Neste sentido, já era o entendimento defendido por

rui Barbosa Nogueira15, litteris:

O que o disposto no art. 136 veio estatuir como regra geral é que nem sempre é preciso ocorrer dolo ou intenção do agente ou responsável para ser caracteri-zada infração à legislação tributária.Na generalidade, para ocorrência da infração fiscal, basta o grau de culpa, seja por negligência, impru-dência ou imperícia. O requisito dolo ou intenção para tipificação de infrações fiscais é somente para certos casos mais graves, especificadamente configu-rados na lei como dolosos, como é o exemplo do crime de sonegação fiscal, pois este somente pode ocorrer se integrado pelo dolo. Não se configura como crime de sonegação a evasão apenas culposa, mas somente dolosa.Portanto, o que o art. 136, em combinação com o item iii do art. 112, deixa claro é que para a matéria de autoria, imputabilidade ou punibilidade, somente é exigida a intenção ou dolo para os casos de infra-ções fiscais mais graves e para as quais o texto da lei tenha exigido esse requisito.

4 Natureza da Sanção Tributária e a Interpretação

do Art. 136

Ponto assaz importante no debate sobre a responsabi-

lidade por infrações tributárias é a natureza jurídica das

sanções tributárias. a adoção de determinada definição

será fundamental na interpretação do art. 136 em estudo.

a cada obrigação estatuída pelo Direito, em suas nor-

mas primárias, há de haver uma sanção correlata, para o

caso de seu desrespeito, em uma norma secundária. as-

sim, a infração ou ilícito tem uma única raiz: o descum-

primento, por ação ou omissão, de uma hipótese legal

12- idem, p. 445.

13- art. 112. a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: i – à capitulação legal do fato; ii – à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; iii – à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; iv – à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.

14- amarO. Luciano. Ob. cit., p. 446.

15- NOGUeira. ruy Barbosa. Curso de Direito tributário. 14 ed., são Paulo: saraiva, 1995, p. 106-107.

Page 61: Tributação em Revista 59

triBUtaÇÃO em revista 61

prevista. Por conseguinte, nos dizeres de edmar Oliveira

andrade Filho: “uma sanção representa sempre uma res-

posta do ordenamento jurídico para violações de normas

que estabelecem um dever-ser”16.

a sanção, pois, pode ser considerada como a conse-

qüência que irá surgir em caso de descumprimento da

norma, ou seja, do preceito por ela estabelecido.

Geraldo ataliba defende que: “a norma tributária é

absolutamente igual, em sua estrutura, às demais normas

jurídicas. Nada há que a distinga de qualquer outra norma

jurídica”17. Da mesma forma, Becker preceitua, em sua te-

oria geral do direito tributário, que “as leis tributárias são

regras jurídicas com estrutura lógica e atuação dinâmica

idênticas às das demais regras jurídicas”18.

verifica-se que, ontologicamente, não há diferença en-

tre o ilícito civil, administrativo, tributário e o ilícito penal

ou criminal. O que pode é: ser a sanção classificada de

muitas maneiras, considerando-se os diferentes sistemas

de referência ou pontos de vista, sem, contudo, modificar

sua natureza.

ao concluir-se desta forma, a conseqüência é a indu-

bitável aplicação de princípios constitucionais, referentes

às penas (sanções), nas infrações tributárias. O que, por

certo, também afastará a possibilidade de adoção da res-

ponsabilidade objetiva pelo art. 136 do CtN.

exatamente porque não existe diferença ontológica entre crime e infração administrativa ou entre sanção penal e sanção administrativa é que irrefutavelmen-te temos que concluir: todas as garantias do Direito Penal devem valer para as infrações administrativas. Princípios como os da legalidade, tipicidade, proi-bição da retroatividade, da analogia, do ‘ne bis in idem’, da proporcionalidade, da culpabilidade etc. valem integralmente inclusive no âmbito adminis-trativo.19

alguns autores, como o respeitável penalista Luiz Flá-

vio Gomes20, chegam a defender que o art. 136 do CtN

não foi recepcionado pela Constituição da república de

1988:

a responsabilidade ‘objetiva’ tampouco deve en-contrar espaço dentro do chamado ‘direito adminis-trativo tributário’. Pensamos que é absolutamente inconstitucional (tecnicamente: não foi recepciona-do) o art. 136 do CtN exatamente porque viola o princípio da responsabilidade – qualquer que seja – subjetiva. referido artigo destoa das legislações mo-dernas (Lei das infrações administrativas alemã, art. 10; italiana, art. 3º.; espanhola, art. 77 etc.) – e, por isso mesmo, contribui para a corrosão dos pilares do estado Democrático de Direito.

após a demonstração da unidade ontológica das san-

ções, edmar Oliveira andrade Filho concluiu no mesmo

sentido:

em face do exposto, é imperioso considerar que o mandamento do caput do art. 136 do CtN não reúne condições de validade. De fato, ele permite a edição de leis sem critérios individualizadores da pena quando o texto constitucional veda. ele não foi recebido pelo texto constitucional de 1988, ou seja, foi revogado quando do advento daquele diploma normativo.

Com a devida vênia aos ilustres autores, tal conclusão

é, por demais, extremista.

O que deve ser considerado e realizado é a interpre-

tação de tal dispositivo conforme a Constituição21, e, para

isso, é necessário o abandono da tese da responsabilida-

de objetiva, pois essa ofende os princípios constitucionais

que dispõem sobre as sanções (culpabilidade, presunção

de inocência etc.).

Para ilustrar, interessante observar ensinamento do

próprio edmar Oliveira andrade22, em obra anterior à

16- aNDraDe FiLHO. edmar Oliveira. Limites Constitucionais da responsabilidade Objetiva por infrações tributárias. revista Dialética de Direito tributário, n. 77, são Paulo: Dialética, 2002, p. 18.

17- ataLiBa. Geraldo. Hipótese de incidência tributária. 6 ed., são Paulo: malheiros, 1999, p. 24.

18- BeCKer. augusto alfredo. teoria Geral do Direito tributário. 3 ed., são Paulo: Lejus, 1998, p. 89.

19- in: rOCHa. valdir de Oliveira [coord.]. Direito Penal empresarial. são Paulo: Dialética, 1995, p. 95-96.

20- idem, ibidem.

21- “esta espécie de interpretação é utilizada nos casos em que, não se mostrando evidente a inconstitucionalidade da norma, entre as várias interpretações possíveis, adota-se o critério de interpretação que se conforme à Constituição.” (in: CassONe. vittorio. interpretação no Direito tributário teoria e prática. são Paulo: altas s.a., 2004, p. 90)

22- aNDraDe FiLHO. edmar Oliveira. infrações e sanções tributárias. são Paulo: Dialética, 2003, p. 116-117

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62 triBUtaÇÃO em revista

mencionada alhures, que possibilita a interpretação do

dispositivo em debate conforme a Constituição, verbis:

a responsabilidade sem culpa vulnera o princípio constitucional que consagra a ‘presunção de inocên-cia’ que tem sede no inciso Lvii, do art. 5º. da Cons-tituição Federal, pelo qual ‘ninguém será conside-rado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória’. esse mandamento está conec-tado com o princípio da boa-fé, isto é, presume-se que as pessoas em geral agem de boa-fé, salvo prova em contrário.(...)É possível, todavia, extrair outras interpretações do texto do art. 136 do CtN que possam afastar a refe-rida suspeita de invalidade em face do texto consti-tucional.(...)Uma forma de atualização do sentido dos enuncia-dos prescritivos do art. 136 do CtN é afirmar que ele não exclui – ao contrário, exige – o elemento sub-jetivo para validar a sanção por infração a normas tributárias. assim, a responsabilidade poderia ser objetivamente imputada, mas o ‘tipo’ deveria conter elementos subjetivos.

Nesta esteira de pensamento, como defendido no tó-

pico anterior, considerando a culpabilidade requisito es-

sencial à incidência de toda norma repressiva, conclui-se,

pelos argumentos ora expostos, que o art. 136 não adotou

– nem poderia – a responsabilidade objetiva, mas sim a

presunção relativa de culpa do infrator, invertendo-se o

ônus da prova.

esse ponto de vista é defendido, também, por Hugo

de Brito machado, que afirma: “o art. 136 do CtN não

estabelece responsabilidade objetiva em matéria de pena-

lidades tributárias, mas a responsabilidade por culpa pre-

sumida”23.

5 Conclusões

Por todo o exposto, pode-se concluir:

a responsabilidade por infrações à legislação tributá-

ria, prevista no art. 136 do CtN, não adotou a modalidade

objetiva. tal conclusão extrai-se da redação do artigo em

confronto com os conceitos de dolo e culpa e, por con-

seguinte, das classificações da responsabilidade. Ou seja,

quando o artigo diz “independe da intenção do agente ou

do responsável”, afasta o dolo do elemento da responsabi-

lidade e não a culpa. Não cabe ao intérprete dizer mais do

que foi dito pelo legislador, sob pena de ofensa ao princí-

pio da legalidade e, ainda, das regras interpretativas pre-

vistas no art. 112 e incisos e art. 108, ambos do CtN.

ainda, ao verificar-se que ontologicamente a natureza

de sanção é a mesma, isto é, que não há diferença entre

o ilícito civil, administrativo, tributário e o ilícito penal

ou criminal, mas o que se pode ter é a classificação da

sanção de muitas maneiras, conclui-se pela aplicação de

princípios constitucionais referentes às penas (sanções) às

infrações tributárias.

isso leva a interpretar o art. 136 do CtN conforme a

Constituição da república e, por conseguinte, ao aban-

dono da tese da responsabilidade objetiva, sob pena de

ofensa aos princípios constitucionais que dispõem sobre

as sanções (culpabilidade, presunção de inocência etc.).

Portanto, pode-se concluir que o art. 136 é verdadei-

ra adoção da teoria da culpa presumida, que tem como

conseqüência a inversão do ônus da prova. Ou seja, em

termos práticos: ocorrido o descumprimento da legislação

tributária, presume-se que o agente ou responsável agiu

com culpa, não cabendo ao Fisco fazer a prova desta. mas

pode o agente ou responsável alegar e provar a “escusabi-

lidade do erro, a inevitabilidade da conduta infratora, a

ausência de culpa”24 para levar à exclusão de penalidade.

tal conclusão é retirada da própria redação do artigo

em estudo – repete-se – e da certeza de que não cabe ao

Fisco fazer prova da existência da culpa nas infrações tri-

butárias, até porque, demonstrado o simples não cumpri-

mento da obrigação pelo sujeito passivo, presume-se que

este agiu com falta de diligência.

23- maCHaDO. Hugo de Brito. Curso de Direito tributário. 25 ed., são Paulo: malheiros, 2004, p. 165.

24- amarO. Luciano. Ob. cit., p. 446.

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64 triBUtaÇÃO em revista

STF reafirma possibilidade de tributação progressiva do IPTU paulistano

qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO

Natureza: Recurso Extraordinário com repercussão geral reconhecida

Órgão julgador Plenário

Nº do Processo RE 586.693/SP

Relator Ministro Marco Aurélio de Melo

Matéria Progressividade do IPTU

Recorrente Município de São Paulo

Recorrida/Interessado Edison Maluf

Data de Publicação 22/06/2011

Ementa NULIDADE – JULGAMENTO DE FUNDO – ARTIGO 249, § 2º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. Quando for possível decidir a causa em favor da parte a quem beneficiaria a declaração de nulidade, cumpre fazê-lo, em atenção ao disposto no artigo 249, § 2º, do Código de Processo Civil, homenageando-se a economia e a celeridade processuais, ou seja, alcançar-se o máximo de eficácia da lei com o mínimo de atividade judicante, sobrepondo-se à forma a realidade.

IMPOSTO PREDIAL E TERRITORIAL URBANO – PROGRESSIVIDADE – FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE – EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 29/2000 – LEI POSTERIOR. Surge legítima, sob o ângulo constitucional, lei a prever alíquotas diversas, presentes imóveis residenciais e comerciais, uma vez editada após a Emenda Constitucional nº. 29/2000.

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triBUtaÇÃO em revista 65

qUESTÕES POLÊMICAS EM DIREITO TRIBUTÁRIO

O presente artigo visa esposar sinteticamente as ra-

zões que sustentam a reafirmação da possibilidade de

tributação progressiva do imposto Predial e territorial

Urbano – iPtU questionada no recurso extraordinário

nº. 586.693/sP perante o supremo tribunal Federal.

O aludido recurso foi interposto contra a Lei pau-

listana nº. 13.250/2001, sustentando sua incompatibi-

lidade com a Constituição Federal, bem como a incons-

titucionalidade da progressividade instituída no texto

Federativo pela emenda Constitucional nº. 29/2000.

a Constituição Federal determinou que a tributação

deve obedecer a parâmetros principiológicos gerais que

se coadunam aos preceitos encabeçadores dos objetivos

fundamentais da república Federativa do Brasil, quais

sejam: construir uma sociedade livre, justa e solidária;

garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobre-

za e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais

e regionais; promover o bem de todos, sem preconcei-

tos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras

formas de discriminação.1

Para o alcance dos objetivos fundamentais supra-

mencionados, foi estabelecido que a tributação brasilei-

ra deve garantir a aplicação, dentre outros, dos princí-

pios da pessoalidade e da capacidade contributiva.

O caráter pessoal significa que contribuinte seja tri-

butado em conformidade com suas características pes-

soais (capacidade contributiva)2.

sacha Calmon3 define que a capacidade contributi-

va é a possibilidade econômica de pagar tributos, que

pode ser subjetiva ou objetiva. será subjetiva quando

levar em conta a pessoa, ou seja, sua capacidade econô-

mica real. será objetiva quando considerar manifesta-

ção objetiva das pessoas, como, por exemplo, ter carro,

ter casa etc. trata-se, portanto, de materialização do

princípio da igualdade.

a capacidade contributiva pode ser alcançada por

meio da aplicação de quatro princípios distintos: pro-

gressividade, proporcionalidade, personalização e sele-

tividade.

Para efetivar a cobrança do iPtU de acordo com a

capacidade contributiva, a Constituição Federal, após a

edição da emenda Constitucional nº. 29/2000, permi-

tiu que este imposto fosse cobrado de forma progressiva

em razão do valor do imóvel e com alíquotas diferentes

de acordo com a localização e o uso, sem prejuízo da

progressividade no tempo prevista no art. 182, § 4º,

inciso ii, da Carta magna.

a Lei municipal nº. 13.250/2001 alterou a Lei mu-

nicipal nº. 6.989/1966 para compatibilizar a cobrança

do iPtU no município de são Paulo com os ditames

constitucionais, garantindo a concretização da política

tributária e social almejada pelo constituinte. assim, o

iPtU do município de são Paulo será calculado pro-

gressivamente levando-se em consideração o valor ve-

nal do imóvel e a sua destinação (se residencial ou não).

Quando da análise do re, o stF decidiu que a

mencionada emenda Constitucional regulamentou

pontualmente previsão já contida no texto primário da

Constituição Federal, sem que isso implicasse, de forma

alguma, em inovação a afastar algo que pudesse ser tido

como integrado a patrimônio4, afastando a alegação de

que a instituição do iPtU progressivo afrontava direito

ou garantia individual.

ainda, o stF refutou a alegação de que a progressi-

vidade não seria aplicável aos tributos de natureza real

sustentando que, na tributação dos impostos de natu-

reza real, como é o caso do iPtU, a capacidade contri-

butiva se revela quando da análise do valor venal do

imóvel e sua destinação, sendo plenamente possível sua

tributação progressiva cumulada com a aplicação dos

1- BrasiL, Constituição da república Federativa do Brasil, 1988. artigo 3º.

2- COÊLHO, sacha Calmon Navarro. Curso de Direito tributário Brasileiro. 11 ed. – rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 71

3- ibidem

4- trecho do voto do min. marco aurélio p. 133

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princípios da pessoalidade e da capacidade econômica.

igualmente, há de se considerar que a progressivi-

dade do iPtU prevista na legislação paulistana, além de

realizar uma tributação justa, permite também o alcance

da finalidade extrafiscal na cobrança do aludido tribu-

to, qual seja, obrigar aos proprietários darem a correta

destinação aos seus imóveis urbanos, em atendimento à

função social da sociedade.

No caso do iPtU, pode-se dizer que a sua utilização

extrafiscal permite a melhor ordenação da cidade, im-

põe ao proprietário a utilização mais adequada de seu

imóvel em vista das necessidades da cidade, impede a

especulação imobiliária, evita o espraiamento aleatório

da cidade, que é nocivo è eficiência e racionalidade dos

serviços públicos etc5.

O legislador constitucional buscou consolidar a fun-

ção social da propriedade por meio da tributação pro-

gressiva do iPtU, almejando realizar ações essenciais à

construção de uma sociedade que conglobe os objetivos

fundamentais da república Federativa do Brasil.

Na senda destas razões, o stF reafirmou a possibili-

dade de tributação progressiva do iPtU, pois a Consti-

tuição Federal prevê a progressividade em conformida-

de com os princípios da pessoalidade e da capacidade

contributiva (interpretação sistemática dos artigos 145

e 156, da Constituição Federal), além progressividade

prevista no artigo 182, § 4º, do texto Federativo, o que

torna irrefutável a legalidade e constitucionalidade da

cobrança instituída pela Lei paulistana, a qual objetivou

uma tributação justa para colaborar com a construção

de uma sociedade com menos desigualdades.

renata machado de araujo machado

Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional

Áryna martins Dias rangel

Departamento de estudos técnicos do sindifisco Nacional

5- ibidem p. 225

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