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I
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
Fundada em 18 de fevereiro de 1808
Monografia
Tayne de Miranda Moreira
Salvador (Bahia) Maio, 2016
II
Universidade Federal da Bahia Sistema de Bibliotecas
Bibliotheca Gonçalo Moniz – Memória da Saúde Brasileira
M835 Moreira, Tayne de Miranda. Adesão terapêutica pós-transplante hepático: comparação dos níveis séricos
com o autorrelato pré-transplante / Tayne de Miranda Moreira. – 2016.
47 fl.
Orientador: Prof. Lucas de Castro Quarantini. Monografia (Graduação em Medicina) – Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Medicina da Bahia, Salvador, 2016.
1. Transplante de fígado. 2. Imunossupressão (fisiologia). I. Quarantini, Lucas de Castro. II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Medicina da Bahia. III. Título.
CDU: 612.35
III
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE MEDICINA DA BAHIA
Fundada em 18 de fevereiro de 1808
Monografia
Adesão Terapêutica Pós-transplante Hepático: comparação dos níveis séricos com o autorrelato pré-
transplante
Tayne de Miranda Moreira
Professor orientador: Lucas de Castro Quarantini
Monografia de Conclusão do Componente Curricular MED-B60, como pré-requisito obrigatório e parcial para conclusão do curso médico da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia, apresentada ao Colegiado do Curso de Graduação em Medicina.
Salvador (Bahia) Maio, 2016
IV
Monografia: Adesão Terapêutica Pós-transplante Hepático: comparação dos níveis séricos com o autorrelato pré-transplante, de Tayne de Miranda Moreira.
Professor orientador: Lucas de Castro Quarantini
COMISSÃO REVISORA: • Lucas de Castro Quarantini (Presidente, Professor orientador), Professor do
Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
• André Castro Lyra, Professor do Departamento de Medicina Interna e Apoio Diagnóstico da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
• Suzete Nascimento Farias da Guarda, Professora do Departamento de Neurociências e Saúde Mental da Universidade Federal da Bahia.
• Teresa Cristina Martins Vicente Robazzi, Professor do Departamento de Pediatria da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia.
TERMO DE REGISTRO ACADÊMICO: Monografia avaliada pela Comissão Revisora, e julgada apta à apresentação pública no X Seminário Estudantil de Pesquisa da Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA, com posterior homologação do conceito final pela coordenação do Núcleo de Formação Científica e de MED-B60 (Monografia IV). Salvador (Bahia), em ___ de _____________ de 2016. (dia e mês são manuscritos pela coordenação do Colegiado, quando do ato de homologação – portanto, não preencher essa data).
V
L'important n'est pas ce qu'on fait de nous, mais ce que nous faisons nous-mêmes de ce qu'on a fait de nous. (Jean-Paul Sartre em Saint Genet, comédien et martyr)
VII
EQUIPE • Tayne de Miranda Moreira, Faculdade de Medicina da Bahia/UFBA. Correio- e: [email protected]; • Professor orientador: Lucas de Castro Quarantini. Médico Psiquiatra do Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgar Santos (Com-HUPES), Professor do Departamento de Neurociência e Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. Correio-e: [email protected]; • Mychelle Morais de Jesus. Doutoranda do Curso de Doutorado do Programa de Pós graduação em Ciências da Saúde (PPgCS) da Faculdade de Medicina da Bahia da Universidade Federal da Bahia. correio-e: [email protected];
INSTITUIÇÕES PARTICIPANTES
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA Faculdade de Medicina da Bahia (FMB) Complexo Hospitalar Universitário Professor Edgar Santos (Com-HUPES HOSPITAL PORTUGUÊS Serviço de Gastroenterologia e Hepatologia
FONTES DE FINANCIAMENTO 1. Este projeto foi parcialmente financiado pelo Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq): [474869/2010-5]- Edital. MCT/CNPq 14/2010- Universal. Outra parte do financiamento (totalizando 100% com o financiamento acima) foi advindo de bolsas de estudo do Programa Institucional de Iniciação Científica da Universidade Federal da Bahia (PIBIC – UFBA).
VIII
AGRADECIMENTOS
♦ Ao meu professor orientador, Doutor Lucas de Castro Quarantini, pela
paciência, constante disponibilidade em me auxiliar e pelas substantivas
contribuições acadêmicas.
♦ Aos Doutores André Castro Lyra, Suzete Nascimento Farias da Guarda e
Teresa Cristina Martins Vicente Robazzi, membros da Comissão Revisora
desta Monografia, pelas criteriosas colaborações na revisão desta.
♦ A Mestranda Ana Paula Jesus-Nunes e a Doutoranda Mychelle Morais de
Jesus do Programa de Pós-graduação em Medicina e Saúde.
♦ A Maiara Santos Timbó, Saionara Maria Nunes Nascimento e Yanne
Rocha Ramos pela contribuição em etapas fundamentais para a conclusão deste
trabalho.
1
SUMÁRIO ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS 2 I. RESUMO 3 II. OBJETIVOS 4
II.1. Objetivo primário 4 II.2. Objetivos secundários 4
III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA 5
III.1.Adesão terapêutica nos transplantes 6 III.2.Adesão terapêutica nos transplantes hepáticos 8
IV. METODOLOGIA 10
IV.1. Desenho 10 IV.2 População 10 IV.3. Critérios de inclusão 10 IV.4. Critérios de exclusão 10 IV.5. Definição de variáveis 11 IV.6. Instrumentos utilizados 11 IV.7. Fluxograma para a coleta de dados 11 IV.8. Plano de análise 11 IV.9. Aspectos éticos 12
V. RESULTADOS 13
VI. DISCUSSÃO 21 VII. CONCLUSÕES 24 VIII. SUMMARY 25 IX. REFERÊNCIAS 26 X. ANEXOS 30
Anexo I – Termo de consentimento livre e esclarecido 30 Anexo II – Pareceres do Comitê de Ética 31
2
ÍNDICE DE FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E
TABELAS FIGURA
FIGURA 1. Fluxograma de composição da amostra do estudo 13
TABELAS TABELA 1. Características Sociodemográficas dos pacientes na lista de espera para transplante hepático na Bahia, entre 2010 e 2014
14
TABELA 2. Adesão autorreferida pré-transplante nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
15
TABELA 3. Não-Adesão à Imunossupressão aferida pelos níveis séricos de tacrolímus (FK-506) nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
16
TABELA 4. Frequência de adesão aferida pelos níveis séricos nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014: relação com variáveis sócio-demográficas
16
TABELA 5. Comorbidades psiquiátricas e impulsividade nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
17
TABELA 6. Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
17
TABELA 7. Comparação da adesão aferida pelo nível sérico e autorrelatada nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
18
TABELA 8. Comparação da adesão aferida pelo nível sérico e relatada pela frequência de uso nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
18
TABELA 9. Frequência de adesão aferida pelos níveis séricos nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
19
TABELA 10. Versão Brasileira do Questionário de Qualidade de Vida – SF-36 nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia analisados no estudo, entre 2010 e 2014
20
3
I. RESUMO
ADESÃO TERAPÊUTICA PÓS-TRANSPLANTE HEPÁTICO:
COMPARAÇÃO DOS NÍVEIS SÉRICOS COM O AUTORRELATO PRÉ-
TRANSPLANTE. Adesão traduz o comportamento de uma pessoa em tomar as
medicações, seguir uma dieta e/ou realizar mudanças no estilo de vida corresponde ao
que foi pactuado com os prestadores de cuidado em saúde. Nos transplantes, a não
adesão terapêutica é um dos principais fatores de risco para piores resultados, como
rejeição, perda do enxerto e mortalidade. Objetivo: Correlacionar as informações
autorreferidas pelo paciente durante a entrevista clínica com os níveis séricos das
drogas imunossupressoras; estabelecer fatores de risco e a prevalência cumulativa da
não adesão. Métodos: Estudo de coorte envolvendo todos os pacientes em lista de
espera para transplante de fígado. 73 pacientes transplantados e submetidos a regimes
de imunossupressão com tacrolímus (FK506) foram analisados. Adesão terapêutica
aferida pelos níveis séricos foi calculada considerando a média do desvio padrão (DP),
descartando os valores dos três primeiros meses de imunossupressão. O número médio
de aferições foi 11 por paciente. Não adesão foi definida como valores de DP >
3,2484µg/L. Resultados: A não adesão foi de 39,7% medida através dos níveis séricos.
8,8% através do autorrelato mediante pergunta direta e 30,8% quando a pergunta se
referia a frequência de uso. Não observamos diferenças estatisticamente significante
entre as informações do nível sérico, do autorrelato (p=0,075) e da frequência de uso
(p=0,808). Discussão: Apesar da discordância em termos de prevalência cumulativa
de não adesão entre o autorrelato e os níveis séricos, não houve discordância
estatisticamente significante. A análise comparativa das características
comportamentais, dos dados epidemiológicos, informação sobre adesão pré-transplante
e da adesão aferida por meios objetivos mostram que não é possível estabelecer um
protótipo do paciente não-aderente partindo das suas características no pré-transplante.
Conclusão: O questionamento pré-transplante sobre adesão realizado de forma direta
mostra pouca correlação com os dados objetivos pós-transplante de adesão, sendo
pouco útil para indicar ou contraindicar o procedimento.
Palavras-chave: 1. Transplante de Fígado; 2. Adesão; 3. Imunossupressão
4
II. OBJETIVOS
II.1. GERAL
Avaliar a correlação entre a informação autorreferida do paciente acerca do uso
da terapêutica imunossupressora com os níveis séricos de drogas
imunossupressoras no pós-transplante hepático
II.2.ESPECÍFICOS
1- Determinar a prevalência cumulativa da não adesão;
2- Identificar fatores de risco comportamentais e sociodemográficos para não
adesão no pós-transplante hepático;
3- Testar o valor preditivo do questionamento no pré-transplante acerca de se o
indivíduo se considera aderente a medidas terapêuticas propostas em geral.
5
III. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Adesão (adhrence) é definida como a medida em que o comportamento de uma
pessoa – tomar as medicações, seguir uma dieta e/ou realizar mudanças no estilo de vida,
corresponde com as recomendações pactuadas com o prestador de cuidado em saúde.
Difere da observância terapêutica (compliance) pela necessidade da concordância do
paciente às recomendações a partir da compreensão deste sobre sua doença e do sentido,
a partir daí, atribuído ao tratamento prescrito1.
Como outros comportamentos humanos, a adesão é um comportamento dinâmico,
que pode ser alterado ao longo do seguimento do tratamento. Além disso a adesão é um
continuum – os pacientes podem apresentar diferentes níveis de não-adesão e diferentes
tipos de comportamentos não aderentes; portanto, o problema vai além da separação
dicotômica entre aderentes e não aderentes, sendo que o limite que separa os dois grupos
diverge grandemente na literatura, o que concorre para a observação de taxas de não
adesão muito distintas entre os estudos1.
Seu contraponto, a não adesão, é um problema mundial de grande magnitude; ela
pode levar a problemas de saúde desnecessários aos pacientes, e tratamentos adicionais
evitáveis. Em termos econômicos, estima-se um gasto de 3 bilhões de dólares, somente
nos Estados Unidos da América, relacionado a consequências da não adesão. Dessa
forma, o estudo das variáveis que influenciam a não adesão é um campo fértil e um grande
número delas é hipotetizado1,2. Estas podem ser agrupadas em cinco grupos: fatores
socioeconômicos (ex.: idade, gênero, viver sozinho, nível educacional), fatores
relacionados com o paciente (ex.: seus conhecimentos, crenças, expectativas frente ao
tratamento), fatores relacionados com doenças (ex.: depressão, dependência de nicotina
ou de drogas ilícitas), fatores relacionados a terapia ou tratamento (ex.: tempo de
tratamento da doença que levou ao transplante) e fatores relacionados com o sistema de
saúde e com os profissionais de saúde1.
Outra forma de dividir a adesão terapêutica em dois grupos identificada na
literatura especializada é a não intencional e intencional. Motivações distintas estão
subjacentes aos dois grupos: no não intencional, barreiras práticas, como recursos
financeiros e o contexto de vida do paciente impossibilitam o cumprimento da estratégia
terapêutica pactuada. Quando se trata da não adesão intencional a motivação do paciente,
6
o julgamento pessoal acerca da necessidade do tratamento e preocupações sobre possíveis
efeitos adversos são os empecilhos. No grupo dos não aderentes intencionais, observa-se
que os pacientes possuem mais dúvidas sobre sua necessidade da medicação, sobre tomá-
la ou não e sobre os potenciais efeitos adversos. Não aderentes não intencionais e
aderentes, no entanto, não têm significativas diferenças quanto à sua crença sobre a
medicação.3,4,5,6.
Percebe-se então, que se por um lado, a não-adesão terapêutica desperdiça
recursos, provoca perda de produtividade e causa morbidade e mortalidade
potencialmente preveníveis, por outro, representa uma escolha racional com a qual os
pacientes tentam manter sua identidade, atingir seus objetivos e preservar sua qualidade
de vida2.
Assim, os achados referentes a adesão têm grandes implicações na prática clínica
e podem auxiliar a redução da não-adesão.
III.1.ADESÃO TERAPÊUTICA NOS TRANSPLANTES
Receptores de transplantes pertencem a categoria de pacientes cronicamente doentes
que dependem de tratamento médico ao longo da vida para alcançarem resultados
positivos. A não adesão a imunossupressão, apesar de se tratar de um importante fator de
risco para piores desfechos clínicos e impactar negativamente sobre os custos do cuidado
à saúde, é um problema difícil de ser detectado precisamente na prática clínica7,8. Além
disso, a habilidade dos médicos para lidar com comportamentos não aderentes é muitas
vezes limitada e mal estruturada e é por isso, provavelmente, que as medidas tomadas
para melhorar a adesão nem sempre têm o efeito desejado8.
Quanto ao aumento dos custos relacionados ao transplante e cuidados posteriores
gerados pela não adesão, Pinsky et al. relata que a baixa adesão terapêutica esteve
associada com um aumento de aproximadamente US$ 12.840,00 nos custos de saúde
individuais em 3 anos, em sujeitos com transplantes renais9.
Não adesão está associada a piores desfechos clínicos, contribuindo para 20% dos
episódios de rejeição aguda e 16% das perdas de enxerto em transplantes renais10. Dessa
forma, apesar da introdução de esquemas de imunossupressão poderosos e da diminuição
progressiva dos casos de rejeição aguda nas últimas décadas, a sobrevivência a longo
prazo dos aloenxertos renais foi parcamente melhorada, aumentando em 5 meses entre
1988 e 199510. Além disso, a sobrevida total permaneceu no mesmo nível entre 1995 e
7
200010. Embora a não adesão seja considerada uma das principais causas de falência renal
crônica do enxerto, pouca atenção é conferida a ela quando se discute a etiologia da perda
do enxerto.
Ainda no contexto de transplantes renais, observou-se que as medidas de adesão
empregadas usualmente na prática clínica não apresentavam um bom desempenho
quando comparadas com o monitoramento eletrônico, sendo que o auto relato durante a
entrevista clínica mostrou-se mais preciso que a aferição dos níveis séricos quando
comparado com o monitoramento eletrônico. A imprecisão no caso da medição dos níveis
séricos pode ser atribuída a ocorrência de uma melhor adesão a terapêutica somente no
período que antecede as consultas7.
Denhaerynck et al., em uma revisão de literatura encontrou uma prevalência média de
27,7% de não adesão na imunossupressão em transplantes renais aferida por auto relato.
Os fatores de risco para não adesão encontrados foram menor idade, isolamento social e
questões cognitivas (percepções acerca da saúde e da eficácia do tratamento, por
exemplo). Apresenta ainda que a prevalência de não adesão varia largamente (de 2 a
67%), a depender do método de medição empregado10.
No contexto de transplante de pulmão, não adesão aferida por monitoramento
eletrônico (Medication Event Monitoring System) foi de apenas 7,7%. Fatores de risco
relatados para não adesão foram ser jovem e ter menor capacidade de autocuidado11.
Dobbels et al. seguiu por 5 anos pacientes que realizaram transplantes cardíacos
através de monitoramento eletrônico (Medication Event Monitoring System) e avaliou as
consequências da não adesão terapêutica tardia (após mais de 1 ano da realização do
transplante)12. Nesse estudo, os não aderentes tinham mais doença arterial coronária no
enxerto (53,3% versus 40,9%), uma taxa maior de rejeição aguda tardia (11,8% versus
2,4% dos aderentes) e retransplante (13,3% versus 2,5% dos aderentes), apesar da
diferença nas duas últimas categorias não ser estatisticamente significante12.
Dew et al., em uma revisão sistemática com metanálise incluindo estudos com
transplantados de rim, coração, fígado, pâncreas/rim-pâncreas, ou pulmão/coração-
pulmão, encontrou não adesão de 19 a 25 casos por 100 pacientes por ano para
imunossupressão, dieta, exercícios e outras demandas de saúde. As taxas variaram
significativamente por tipo de transplante em duas áreas: não adesão a imunossupressão
foi maior em transplantados de rim (36 casos por 100 pacientes por ano versus 7 a 15
casos em outros transplantados) e falha na prática de exercícios físicos foi maior no
8
transplante cardíaco (34 casos por 100 pacientes por ano versus 9 a 22 casos em outros
transplantes)13.
Compreender a dimensão comportamental do manejo dos pacientes tendo em vista
a prevalência, consequências e determinantes da não adesão a imunossupressão é pré-
requisito para se dirigir a não adesão como um fator de risco modificável para desfechos
negativos10.
III.2.ADESÃO TERAPÊUTICA NOS TRANSPLANTES HEPÁTICOS
Em 2013, segundo dados da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos,
1723 transplantes de fígado foram realizados no Brasil, sendo 64 na Bahia, número muito
aquém da necessidade estimada de 350 transplantes14. O custo médio do transplante
hepático foi de US$ 20.605,01 em um hospital universitário do Ceará, variando entre
US$11.384,30 a US$54.698,3415. Considerando as dificuldades locais em termos de
disponibilidade de órgãos para transplante e o impacto financeiro para o sistema de saúde
desse procedimento, as questões referentes a não adesão e suas implicações pós-
transplante assumem um papel ainda mais importante, para qualificação da alocação de
órgãos e cuidados pós-transplante.
No contexto dos transplantes hepáticos, vários fatores de risco para não adesão
são sugeridos pela literatura, como o alto custo da medicação, ser jovem (idade < 40
anos), transtornos psiquiátricos, a crença de que a medicação é prejudicial e os efeitos
colaterais. Nas crianças e adolescentes outros fatores de risco são sugeridos como
sofrimento psíquico, a ocupação laboral dos seus pais e o impacto dos efeitos adversos da
imunossupressão em sua aparência8.
As características pré-transplante dos pacientes e o autorrelato de não adesão antes
do transplante foram preditores independentes de não adesão e também preditores de
rejeição aguda tardia, sendo que esta ocorre quatro vezes mais em pacientes não
aderentes16.
Burra et al. relatam uma prevalência de não adesão em pacientes que receberam
transplante hepático variando entre 15 a 40% para as drogas imunossupressoras e de 3 a
47% para os conselhos clínicos. Aponta ainda que a não adesão parece ser 4 vezes mais
alta em pacientes pediátricos e adolescente frente aos adultos transplantados8. Quando
aferida pelos níveis séricos do imunossupressor, considerando não adesão níveis abaixo
do desejado, os valores desta variaram entre 15% e 16%8.
9
Uma análise descritiva de 152 receptores adultos de transplante de fígado mostrou
que a taxa de adesão diferia dramaticamente entre os registros médicos e os relatos dos
pacientes. Menos de 3% dos pacientes relataram ter esquecido ou desmarcado ao menos
uma consulta ou um exame laboratorial, mas os registros médicos mostravam que 47% já
o tinham feito17.
Percebemos que apesar do grande número de estudos tratando sobre adesão a
imunossupressores, a ausência de uma definição padronizada, o uso de diferentes
métodos para a avaliar e o número pequeno de pacientes nas amostras fazem com que as
conclusões oferecidas pelos mesmos variem muito e a comparação dos dados seja muito
difícil8.
Um dos maiores desafios para o sucesso dos transplantes é assegurar o uso regular
das drogas imunossupressoras, sendo a não-adesão a imunossupressão um importante
fator de risco para piores resultados clínicos (rejeição aguda e crônica, perda do enxerto
e mortalidade) que pode, no entanto, ser modificado a partir de intervenções para
aumentar a adesão. Dessa forma, o presente estudo objetiva compreender quanto a
informação fornecida pelo paciente pode nortear a abordagem da equipe envolvida com
o cuidado destes e conhecer as variáveis que predispõem ao comportamento não-aderente
em nossa população.
10
IV. METODOLOGIA
V.1. Desenho do estudo
Estudo de coorte
V.2. População
Todos os pacientes em lista de espera para transplante de fígado no período
compreendido entre 2010 e 2014, estimados em 202 indivíduos, independentemente da
causa de doença hepática, acompanhados nos ambulatórios do Complexo Hospitalar
Universitário Professor Edgard Santos (Com-HUPES) – Universidade Federal da Bahia
(UFBA), divididos em autorreferidos como bons aderentes (não expostos) versus
autorreferidos maus aderentes (expostos).
V.3. Critérios de Inclusão
Todos os indivíduos maiores de 18 anos na lista de espera para transplante
hepático que concordarem em participar do estudo e assinarem o Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).
Os indivíduos devem:
Terem sido submetidos à entrevista no pré-transplante;
Terem realizado o transplante;
Estarem em uso do tacrolímus (FK506).
V.4. Critérios de Exclusão
Pacientes com registros clínicos dos níveis séricos insuficientes;
Pacientes submetidos a esquemas de imunossupressão com ciclosporina A (CsA).
11
V.5. Definição de variáveis
1. Variáveis
Dicotômicas Categóricas Quantitativas Sexo
Depressão
Ansiedade
Impulsividade
Estado civil
Religiosidade
Idade
Frequência relatada de desuso da
medicação
Nível sanguíneo de tacrolímus
V.6. Instrumentos utilizados
Questionário sócio demográfico e clínico; Foi utilizado o Mini International
Neuropsychiatric Interview Brasilian Version 5.0.0 (M.I.N.I. PLUS)18 para o diagnóstico
psiquiátrico; Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HADS)- escala de autorrelato
que afere a intensidade de sintomas de ansiedade e depressão19 e a Escala de
Impulsividade de Barratt20,21 para impulsividade, todas traduzidas e validadas para o
português brasileiro.
V.7. Fluxograma para a coleta de dados
Todos os indivíduos que atenderem aos critérios de elegibilidade para inclusão no
estudo foram convidados a participar voluntariamente e assinaram o termo de
consentimento livre e esclarecido. A coleta dos dados somente foi iniciada após a devida
aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa e formalização, por escrito, da participação
dos voluntários. A coleta de dados consistiu na aplicação no período pré-transplante
hepático de questionários, demandando em torno de 60 minutos para sua conclusão. No
período após o transplante, um questionário de seguimento foi preenchido. A adesão foi
medida em todos os sujeitos através do auto relato na entrevista clínica e através da
medição dos níveis séricos das drogas imunossupressoras.
V.8. Plano de Análise
Após o término da coleta e construção do banco de dados, iniciaramos a sua
análise, utilizando medidas de associação epidemiológica a razão de prevalência (RP),
proporções para variáveis qualitativas e médias para variáveis quantitativas, além das
análises gráficas para determinação dos tipos de parâmetros alcançados na amostra.
Posteriormente, as variáveis contínuas foram comparadas através do teste t de Student,
ou pelo teste de Mann-Whitney, dependendo de a confirmação dos dados seguir padrão
12
compatível com a distribuição normal. As variáveis categóricas foram comparadas
através do teste do qui-quadrado e teste exato de Fisher (quando necessário) e foram
avaliadas as forças de associação entre as variáveis independentes e os desfechos
estudados. Todos os cálculos foram realizados com auxílio do Software SPSS (Statistical
Package for Social Sciences), versão 21.0, sendo considerados como estatisticamente
significantes valores bicaudais com p < 0,05. Adesão terapêutica aferida pelos níveis
séricos foi calculada considerando a média do desvio padrão dos valores do nível sérico,
descartando os valores dos três primeiros meses de imunossupressão, tendo em vista que
o relato na literatura que durante esse período as doses podem alterar devido efeitos
colaterais e os níveis estão sujeitos a variabilidade do pós-operatório. O número médio
de aferições de níveis séricos foi 11 por paciente. Não adesão foi definida como valores
de DP > 3,2484µg/L.
V.9. Aspectos Éticos
Trata-se de pesquisa com seres humanos, portanto aplica-se a Resolução 466/12.
A participação foi voluntária e todos os indivíduos incluídos no estudo assinaram o termo
de consentimento livre e esclarecido (vide Anexos) aprovado pelo Comitê de Ética em
Pesquisa da Maternidade Climério de Oliveira – UFBA (vide Anexos) assegurando a
manutenção do anonimato e confidencialidade dos dados coletados em prontuários e
bases de dados, referentes aos pacientes atendidos no Hospital Português. Em termos
coletivos, a participação dos voluntários nos possibilitou melhor conhecimento acerca dos
fatores de risco para não adesão a terapia imunossupressora pós transplante hepático, além
de esclarecer acerca da confiabilidade da informação dada pelo paciente acerca da sua
adesão. Todos os participantes foram previamente informados sobre os procedimentos
realizados no estudo, bem como os possíveis riscos decorrentes dos testes realizados. A
qualquer momento os participantes poderiam se recusar a permanecer no estudo, sem
prejuízo algum ao tratamento ou acompanhamento clínico próprio.
13
V. RESULTADOS
Foram entrevistados no pré-transplante 202 pacientes. Destes, foi perdido o
seguimento de 21 pacientes, 16 permanecem ativos em lista, 13 foram suspensos por
melhora do quadro clínico, 13 foram suspensos da lista por piora do quadro clínico, 24
foram suspensos da lista por abandono do acompanhamento e 14 pacientes foram a óbito
sem realizar o transplante. Dessa forma, 101 pacientes foram transplantados e, por
conseguinte, submetidos a imunossupressão– destes, 24 vieram a óbito após o
procedimento. Três pacientes transplantados foram excluídos por estarem em uso de
ciclosporina no esquema de imunossupressão e 25 pacientes por insuficiência dos
registros clínicos. Assim, 73 pacientes perfizeram os critérios de inclusão e exclusão.
Figura 1. Fluxograma de composição da amostra do estudo
Dos pacientes na lista de espera para o transplante hepático houve prevalência do
sexo masculino, responsável por 158 casos (78,2%). 150 pacientes são casados ou
NÚMERO FINAL DA AMOSTRA (73)TRANSPLANTADOS (66) + ÓBITOS
PÓS-TRANSPLANTE (7)
NÚMERO TOTAL DE PACIENTES SUBMETIDOS A IMUNOSSUPRESSÃO
(101)
TRANSPLANTADOS (77) + ÓBITOS PÓS-TRANSPLANTE (24)
NÚMERO TOTAL DE PACIENTES ENTREVISTADOS NO PRÉ-
TRANSPLANTE (202)
EXCLUÍDOS:
PERDA DE SEGUIMENTO (21) ATIVOS EM LISTA (16)
SUSPENSOS POR MELHORA DO QUADRO CLÍNICO (13)
SUSPENSO POR PIORA DO QUADRO CLÍNICO (13)
SUSPENSO POR ABANDONO AO ACOMPANHAMENTO (24)
ÓBITO PRÉ-TRANSPLANTE (14)
EXCLUÍDOS:
PACIENTES EM USO DE CICLOSPORINA (3)
ÓBITOS PÓS TRANSPLANTE COM REGISTROS CLÍNICOS
INSUFICIENTES (17) PACIENTES TRANSPLANTADOS
COM REGISTROS CLÍNICOS INSUFICIENTES (8)
14
apresentam relacionamentos estáveis (74,3%). A idade dos pacientes variou de 20 a 69
anos; destes pacientes 91 (45,0%) tinham entre 51 e 60 anos de idade. Dos pacientes
transplantados analisados por esse estudo, 58 eram homens (79,5%), com idade variando
entre 20 a 68 anos. A faixa etária mais transplantada foi de 51 a 60 anos. (Tabela 1)
Tabela 1. Características Sociodemográficas dos pacientes na lista de espera para
transplante hepático na Bahia, entre 2010 e 2014
Variáveis Pacientes em
lista de espera
n(%)
n= 202
Pacientes
transplantados
n(%)
n=73
Sexo
Feminino
44 (21,8)
15 (20,5)
Masculino 158 (78,2) 58 (79,5)
Estado Civil
Solteiro
22 (10,9)
5 (6,8)
Casado/Relacionamento
estável
150 (74,3) 56 (74,0)
Divorciado 27 (11,4) 8 (12,3)
Viúvo
Ausente
5 (2,5)
2 (1,0)
2 (4,1)
2 (2,7)
Idade
18-20 anos
21-30 anos
31-40 anos
41-50 anos
51-60 anos
61-70 anos
3 (1,5)
14 (6,9)
14 (6,9)
40 (19,8)
91 (45,0)
40 (19,8)
1 (1,4)
6 (8,2)
4 (5,5)
15 (20,5)
29 (39,7)
18 (24,7)
Houve 66 pacientes que referiram aderir à terapêutica instituída quando
perguntados no pré-transplante (90,4%). Quando a pergunta sobre o cumprimento da
terapêutica é modificada para a frequência de desuso, no entanto, percebemos que um
número maior de pacientes declara o descumprimento da terapêutica (31,5%),
15
contingente mais próximo do aferido através dos níveis séricos. Fato semelhante ocorre
com comportamentos que são prescritos no conjunto de medidas terapêuticas– 28,8% dos
pacientes afirmam não os seguir. No grupo de pacientes transplantados, a não adesão
aferida através de um método direto, a aferição dos níveis séricos, mostra que 39,7% dos
pacientes são não aderentes. (Tabela 2 e 3)
Tabela 2. Adesão autorreferida pré-transplante nos pacientes que receberam transplante
hepático na Bahia entre 2010 e 2014
Variáveis n(%)
n=73
Adesão terapêutica autorreferida pré-
transplante
Sim
66 (90,4)
Não 1 (1,4)
Às vezes 5 (6,8)
Ausente 1 (1,4)
De quanto em quanto tempo você deixa de
tomar algum medicamento
Nunca 43 (58,9)
Raramente 15 (20,5)
Às vezes 10 (13,7)
Frequentemente 2 (2,7)
Ausente 3 (4,1)
Segue medidas dietéticas
Sim
55 (75,3)
Não 7 (9,6)
Às vezes 9 (12,3)
Ausente 2 (2,7)
16
Tabela 3. Não-Adesão à Imunossupressão aferida pelos níveis séricos de tacrolímus (FK-
506) nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014
Variáveis n(%)
n=73
Adesão 44 (60,3)
Não Adesão 29 (39,7)
Não encontramos diferenças estatisticamente significantes entre as variáveis
sócio-demográficas nos grupos adesão e não-adesão aferida através dos níveis séricos
(Tabela 4).
Tabela 4. Frequência de adesão aferida pelos níveis séricos nos pacientes que receberam
transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014: relação com variáveis sócio-
demográficas
Variáveis Adesão (FK-506) Não adesão (FK-506) p
Gênero n(%) n(%) 0,538a
Feminino 8 (11,0) 7 (9,6)
Masculino 36 (49,3) 22 (30,1)
Idade Média (DP) Média (DP) 0,482b
52,59 (±11,81) 50,52 (±12,52)
aTeste de qui-quadrado de Pearson bTeste t Student
Houve 41 pacientes (56,2%) sem comorbidades psiquiátricas enquanto 32
pacientes apresentam ao menos uma comorbidade (43,8%). No que se refere a
impulsividade, aferida pela escala de Barratt, 58 pacientes (81,6%) mostram-se
impulsivos. (Tabela 5)
17
Tabela 5. Comorbidades psiquiátricas e impulsividade nos pacientes que receberam
transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014
Variáveis n(%)
n=73
Comorbidades Psiquiátricas
Não tem comorbidades psiquiátricas
Uma comorbidade psiquiátrica
Duas comorbidades psiquiátricas
41 (56,2)
20 (27,4)
9 (12,3)
Três Comorbidades Psiquiátricas 3 (4,1)
Barratt Total
Não-Impulsivo (52-71)
Impulsivo (≥72)
63 (86,3)
9 (12,3)
Ausente 1 (1,4)
Houve 3 pacientes que se mostraram ansiosos na Escala Hospitalar de Ansiedade e
Depressão e seis que se mostraram deprimidos. Registramos 2 perdas nos registros de
ansiedade e 1 nos registros de depressão. (Tabela 6)
Tabela 6. Escala Hospitalar de Ansiedade e Depressão (HAD) nos pacientes que
receberam transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014
Variáveis n(%)
n=73
Sem ansiedade 65 (890)
Ansiosos
Ausentes
6 (8,2)
2 (2,7)
Não deprimidos 67 (91,8)
Deprimidos 5 (6,8)
Ausentes 1 (1,4)
Ao analisarmos a comparação do autorrelato de adesão frente a adesão
demonstrada através dos níveis séricos do imunossupressor, não observamos diferenças
estatisticamente significantes entre as informações (p=0,075). Quando utilizamos como
fonte de informação sobre a adesão a frequência de desuso relatada pelos pacientes,
também não se demonstra diferença estatística (p=0,808). (Tabela 7 e 8)
18
Tabela 7. Comparação da adesão aferida pelo nível sérico e autorrelatada nos pacientes
que receberam transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014
Adesão
autorrelatada
n(%)
Não-adesão
autorrelatada
n(%)
Total* pa
Adesão
Nível sérico
37 (51,4) 6 (8,3) 43 (59,7)
Não Adesão
Nível sérico
29 (40,3)
0 (0)
29 (40,3)
Total* 66 (91,7) 6 (8,3) 72 (100,0) 0,075 aTeste exato de Fisher
*Um sujeito foi excluído por falta de autorrelato
Tabela 8. Comparação da adesão aferida pelo nível sérico e relatada pela frequência de
uso nos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014
Adesão –
frequência de uso
relatada n(%)
Não adesão –
frequência de uso
relatada
n(%)
Total* pa
Adesão 26 (37,2) 15 (21,4) 41 (58,6)
Não Adesão 17 (24,3) 12 (17,1) 29 (41,6)
Total* 43 (61,5) 27 (38,5) 70 (100) 0,804 aTeste de qui-quadrado de Pearson
*Três sujeitos foram excluídos por falta de relato de frequência de uso
Ao verificarmos associação entre a positividade a adesão terapêutica aferida
através dos níveis séricos e as comorbidades psiquiátricas e características da
personalidade dos pacientes que receberam transplante hepático na Bahia, não foi
demonstrada significância estatística em nenhuma das variáveis analisadas. (Tabela 8)
19
Tabela 9. Frequência de adesão aferida pelos níveis séricos nos pacientes que receberam
transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014, de acordo com o diagnóstico de
comorbidade psiquiátrica
Variáveis Adesão (FK-506)
n(%)
Não adesão (FK-506)
n(%)
pa
Impulsividade 0,470a
Não-impulsivo 39 (54,2) 24 (33,3)
Impulsivo 4 (5,6) 5 (6,9)
Depressão 0,071a
Não-deprimidos 43 (59,7) 24 (33,3)
Deprimidos 1 (1,4) 4 (5,6)
Ansiedade 1,000a
Não-ansiosos 40 (56,4) 25 (35,2)
Ansiosos 4 (5,6) 2 (2,8)
Comorbidades Psiquiátricas 0,958b
Não tem comorbidades
psiquiátricas
24 (32,9) 16 (21,9)
Tem comorbidades
psiquiátricas
20 (27,4) 13 (17,8)
aTeste exato de Fisher bTeste de qui-quadrado de Pearson
Ao verificarmos associação entre a adesão terapêutica aferida através dos níveis
séricos e as os componentes da qualidade de vida aferidos através da escala SF-36 dos
pacientes com que receberam transplante hepático na Bahia, não foi demonstrada
significância estatística em nenhuma das variáveis analisadas. (Tabela 10)
20
Tabela 10. Versão Brasileira do Questionário de Qualidade de Vida – SF-36 nos
pacientes que receberam transplante hepático na Bahia entre 2010 e 2014
Total
Média (±DP)
n=73
Aderentes
Média (±DP)
n=44
Não-
aderentes
Média (±DP)
n=29
p
Funcionamento Físico 72,12 (±24,92) 73,98 (±24,03) 69,31 (±26,38) 0,540b
Limitações de desempenho
consequentes a
problemas físicos
37,33 (±42,52) 39,77 (±42,22) 33,62 (±43,44) 0,410b
Dor no corpo 23,59 (±24,42) 21,46 (±19,82) 26,82 (±30,21) 0,798b
Percepção geral da saúde 65,00 (±14,65) 64,77 (±14,51) 65,34 (±15,11) 0,812b
Vitalidade 55,41 (±12,47) 54,20 (±10,11) 57,24 (±15,39) 0,220b
Funcionamento Social 49,31 (±16,26) 51,99 (±13,73) 45,26 (±19,02) 0,107a
Limitações de desempenho
consequentes a
problemas emocionais
84,48 (±29,96) 81,06 (±34,02) 89,66 (±22,00) 0,529b
Saúde Mental 58,30 (±9,21) 57,45 (±8,80) 59,59 (±9,81) 0,327b
aTeste t-student bTeste de Mann-Whitney
21
VI. DISCUSSÃO
Este estudo demonstrou que a maioria dos receptores de transplantes hepáticos
são do sexo masculino, de meia idade (média de 51,7 anos), casados ou em
relacionamentos estáveis. O perfil de paciente receptor identificado pelo nosso estudo
está em acordo com o encontrado na literatura23.
Os valores de não adesão aferidos através da medição dos níveis séricos foram
significativamente mais elevados do que o encontrado em outros estudos o que pode ser
atribuído a diferenças de método: O’Carroll et al.24 encontrou aproximadamente 15% de
não-adesão considerando a mesma como valores séricos abaixo do esperado pelo teste de
referência, o que poderia ignorar pacientes não-aderentes que excedem o uso da
medicação prescrita próximo a realização do exame com o propósito de forjar adesão e
assim, apresentariam níveis séricos acima do valor de referência esperado7.
Nossa frequência de não adesão aferida através dos níveis séricos (39,7%) é
ligeiramente mais elevada se comparada a população estudada por Serper et al.23 onde a
não adesão medida através dos níveis séricos foi de 32%, o que mais uma vez pode ser
atribuído a diferenças metodológicas, tendo em vista o maior tempo de seguimento do
nosso estudo, o que o torna mais sensível para captar variações ao longo do curso do
tratamento. Ainda assim, a taxa de não adesão que encontramos encontra-se dentro dos
valores de não adesão à imunossupressão aferidos por diversos métodos descritos na
literatura, que variam de 15-40%8.
A adesão autorrelatada, no entanto, apresentou valores semelhantes, 8% de não
adesão a imunossupressão naquele estudo, contra 8,2% no nosso estudo. Observamos que
os pacientes tendem a declarar mais facilmente sobre a sua não-adesão quando
perguntados de forma indireta, o que pode revelar a percepção deste de que a não tomada
da medicação em algum momento, ou sua breve interrupção não se configura como não
adesão ao invés de um deliberado desejo de omitir a não-adesão ao profissional da saúde.
Assumir esquecer-se frequentemente de tomar a medicação foi um fato raro, tendo
somente dois pacientes transplantados afirmado o mesmo, achado condizente com outros
relatos da literatura24.
Observamos que apesar da discordância em termos de prevalência cumulativa de
não adesão entre o autorrelato e os níveis séricos, não houve discordância estatisticamente
22
significante entre o relato pré-transplante e medidas objetivas pós-transplante hepático
referentes a adesão terapêutica (p=0,075). Percebemos grande concordância entre as
informações verbais e os níveis séricos quando o marcador utilizado como critério de não
adesão é a frequência relatada de desuso (p=0,804), fato que deve servir de incentivo aos
profissionais de saúde para buscar diferentes vias de acessar essa informação,
questionando o paciente de múltiplas formas.
No que diz respeito à qualidade de vida, os componentes “funcionamento físico”,
“percepção geral da saúde” apresentam grande concordância com os valores encontrados
em outros trabalhos, sugerindo que a experiência de fatores relacionados ao
comprometimento físico causado pelas doenças que demandam transplante hepático não
altera significativamente entre culturas25,26.
Merece destaque a pequena pontuação dos pacientes na categoria “dor no corpo”
[23,59 (±24,42)], que não encontra correspondência em outros trabalhos avaliando
populações em condições semelhantes, sugerindo que devemos atentar cuidadosamente
às queixas de dor dos nossos pacientes. Adicionalmente, é significativo o achado de as
pontuações baixas de “funcionamento social” apresentadas pela nossa população25,26. Por
fim, destaca-se ainda a elevada pontuação da nossa população na categoria “limitações
de desempenho consequentes a problemas emocionais”, compatível com os valores
apresentados pela população geral, quando, usualmente, paciente cronicamente doentes
apresentam valores baixos nessa categoria27. Vale ressaltar, que os escores de qualidade
de vida mensurados pela SF-36 não são normatizados para a população brasileira e valem,
principalmente para comparação entre grupos específicos.
As comorbidades psiquiátricas são comumente especuladas na literatura como
uma variável associada a não-adesão, apesar do parco suporte científico que sustente a
hipótese, com artigos de metodologia pouco precisa na aferição da adesão8. Encontramos
uma alta prevalência de comorbidades psiquiátricas, não obstante, nossas análises
demonstraram que essa variável não está associada a pior adesão pós-transplante,
sugerindo que devemos repensar o corrente consenso em torno da contraindicação de
transplante para pacientes com transtornos mentais – esta, por sua vez, baseada
grandemente na presunção da não-adesão desses sujeitos29. Certamente, quadros graves
desestabilizados ou sem suporte social adequado, precisam ser relativizados quanto a
viabilidade do procedimento cirúrgico. Cabe, portanto, ao Estado e provedores de saúde
um adequado suporte para que pessoas que podem potencialmente se beneficiar do
transplante sejam excluídas desse direito indiscriminadamente. Consequentemente, a
23
oferta de adequado suporte de assistência social, psicológica e psiquiátrica são
fundamentais para a igualdade de direitos a um cuidado de saúde integral.
Assim como a população estudada por Banihashemi et al., nossos pacientes
apresentam prevalência mais elevada de casos prováveis de ansiedade que de depressão30.
No pré-operatório, transtornos de ajustamento, de ansiedade, depressão, e outros
transtornos do Eixo I são altamente prevalentes em candidatos a transplante. Mais uma
vez, é corriqueira a especulação na literatura que transtornos psiquiátricos como a
ansiedade e depressão estejam atrelados a comprometimento do autocuidado e
consequente desfecho negativo pós-transplante, associação que nosso estudo não
endossa29.
Impulsividade não é um dado usualmente avaliado nas populações transplantadas,
apesar da relação desta com comportamentos de risco que concorrem para a exposição
aos fatores etiológicos que levaram a doença hepática tratada com transplante. Segundo
a literatura, aproximadamente metade da população que recebe transplante hepático, o faz
por causa de Hepatite C ou cirrose alcóolica, adquirida através de abuso de substância ou
outros comportamentos de risco17. Encontramos uma prevalência de impulsividade de
12,3%, com escores totais na BIS de 58,67±10,20, valor inferior ao encontrado entre os
pacientes portadores de HCV no estudo de Fábregas et al. (64.6±9.8)31.
A análise comparativa das características comportamentais, dos dados
epidemiológicos, informação sobre adesão pré-transplante e da adesão aferida por meios
objetivos mostram, assim, que não é possível estabelecer um protótipo do paciente não-
aderente, a partir dos resultados da presente investigação.
24
VII. CONCLUSÕES
1. O questionamento pré-transplante sobre adesão realizado de forma direta mostra
pouca correlação com os dados objetivos pós-transplante de adesão, sendo pouco útil
para indicar ou contraindicar o procedimento. O questionamento sobre a frequência
de desuso, por outro lado, mostra boa correlação com os dados objetivos, sugerindo
que o questionamento nas entrevistas clínicas deva ser sobre a frequência de desuso.
A formulação da pergunta presumindo a não-adesão do paciente pode sugerir uma
maior flexibilidade e abertura ao dialogo por parte do médico e outros profissionais
de saúde quanto a não-adesão, levando os pacientes a relatarem abertamente sobre
descontinuações no uso.
2. Foi encontrada uma taxa de não-adesão de 39,7%, maior do que a maioria dos relatos
da literatura, o que pode ser atribuído ao maior número de medições de níveis
sanguíneos e maior tempo de seguimento dos pacientes. A avaliação por trabalhos
posteriores sobre uma possível alteração do comportamento aderente ao longo do
tempo pode contribuir para compreendermos mais sobre o complexo processo de
adesão ao tratamento.
3. Não é possível estabelecer um protótipo do paciente não-aderente partindo das suas
características no pré-transplante ou de suas características
comportamentais/psiquiátricas. O estereótipo e o receio comumente atribuídos ao
paciente com comorbidades psiquiátricas mostram-se infundados, com esta não
interferindo do tratamento medicamentoso pós-transplante.
25
VIII. SUMMARY
THERAPEUTIC ADHESION POST LIVER TRANSPLANTATION:
COMPARISON OF SERUM LEVELS WITH SELF-REPORT
PRETRANSPLANTATION. Adherence is the extent to which a person's behavior –
taking the medications, following a diet and/or making changes in lifestyle –
corresponds to what was agreed with the health care providers. In transplants,
therapeutic non-adherence is one of the main risk factors for worse clinical outcomes,
such as acute and chronic rejection, graft loss and mortality. Objective: Correlating the
information self-reported by the patients during the clinical interview with the serum
levels of immunosuppressant drugs; to establish risk factors and the cumulative
prevalence of non-adherence. Methods: Cohort study involving all patients on the
waiting list for liver transplantation. Seventy-three transplanted patients and submitted
to immunosuppressant regimens with tacrolimus (FK506) were analyzed. Therapeutic
adherence measured on serum was calculated using the mean standard deviation (SD),
discarding the first three months of immunosuppression. The average number of
measurements was 11 per patient. Non-adherence was defined as SD values>
3,2484μg/L. Results: Non-adherence was 39.7% measured through serum levels. The
self-reported pretransplant nonadherence was affirmative in 8.8% patients and in
30.8% patients when the question referred to frequency of use. There was not
statistically significant differences between the information of the serum, the self-
report (p = 0.075) and frequency of use (p = 0.808). Discussion: Despite the
disagreement in terms of cumulative prevalence of nonadherence between self-report
and serum levels, there was no statistical significance. The comparative analysis of
behavioral characteristics, epidemiological data, information pretransplant and
accession measured by objective means demonstrate that it is not possible to establish
a prototype of non-adherent patients starting their characteristics in the pre-transplant.
Conclusion: The pretransplantation questioning about adherence carried out few
correlations with the posttransplantation objective data. It is not very useful to indicate
or contraindicate the procedure.
Key-words: 1. Liver transplantation; 2. Adherence; 3. Immunosuppression
26
IX. REFERÊNCIAS
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X. ANEXOS
Anexo I – Termo de consentimento livre e esclarecido
Termo de consentimento livre e esclarecido Projeto: Aspectos comportamentais de hepatopatias
Você está sendo convidado (a) para participar voluntariamente de um estudo que investiga sintomas como fadiga, depressão e alterações de qualidade de vida, relacionados às diferentes hepatopatias. Antes de concordar em participar desta pesquisa é importante que você leia este documento.
Estas avaliações consistem somente de questionários, que têm duração
aproximada de 60 minutos. Algumas exigências para participar deste estudo são: • Você deve ter idade maior que 18 anos. • Deve ser portador de hepatopatias.
Você estará ajudando no estudo e compreensão de doenças do fígado, seja você
transplantado ou não, permitindo benefícios futuros para si próprio e para outras pessoas. Você poderá sair desse estudo a qualquer momento, caso decida. Os investigadores não são remunerados para a realização dessa pesquisa, assim como os pacientes voluntários não receberão benefícios financeiros para sua participação no mesmo.
Dúvidas poderão ser esclarecidas com Dr. Lucas Quarantini, no Hospital Universitário Edgard Santos, terceiro andar, Serviço de Psiquiatria Tel - 32838076. Você pode ainda contatar o Comitê de Ética em Pesquisa no endereço Rua Augusto Viana, s/nº, 1º andar – Canela, Hospital Universitário Professor Edgard Santos, Salvador- Bahia, que é membro de um grupo independente que analisou este estudo.
Suas informações clínicas são totalmente confidenciais. Para participar deste estudo, você precisa assinar esta página. Nome do indivíduo _______________________________________
_______________________ Assinatura do indivíduo Data _______________________________________
_______________________ Assinatura do investigador Data