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Maria José Costa Félix VIVER COM DOENÇAS SEM SER DOENTE SEJA DONO DA SUA SAÚDE Apoio de Dr. Nuno Gil e Prof. Mário Simões

Viver Com Doenças · MARIA JOSÉ COSTA FÉLIX 14 tudo nasce, morre mas pode renascer, qualquer forma de vida a acabar pode sempre ser para nós o início de outra que nos aproxime

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Maria José Costa Félix

VIVER COM DOENÇAS SEM SER DOENTE

SEJA DONO DA SUA SAÚDE

Apoio deDr. Nuno Gil e Prof. Mário Simões

Índice

Introdução ................................................................... 13Entre o Ter e o Ser ..................................................... 27A doença não é um acaso ............................................ 33

Uma nova forma de viver ............................................ 45NUNO GIL

A cura como obra de arte ........................................... 61MÁRIO SIMÕES

Podemos ser donos da nossa própria doença ............... 75ANA VICENTE

Esta doença faz parte da nossa história ....................... 95JOÃO MADUREIRA

Procurar o lado positivo da vida ................................ 111TESTEMUNHO ANÓNIMO

Ser saudável implica ter objetivos ............................. 123CRISTINA SEABRA

Tudo são formas de energia ....................................... 135FILIPA PINTO CARDOSO

Viver em harmonia na matéria ..................................153GEORGINA MENDES

Aceitação total do que não se pode mudar ...............169TESTEMUNHO ANÓNIMO

Mesmo doente continuou a ser o que era .................179MARIA JOSÉ NOGUEIRA PINTO

Uma lição de vida .....................................................185TESTEMUNHO ANÓNIMO

Morreu, mas o cancro não conseguiu matá-lo ...........187MANUEL FORJAZ

O que é que não quer ver na sua vida? .....................199RITA JARDIM

Movimento é vida .....................................................205SYLVIA LAKELAND

Saúde holística – equilíbrio, corpo, mente, espírito ..213SOFIA MORAES

A doença como linguagem da alma ...........................219Respeitar as leis do universo .....................................233O corpo não mente ...................................................247Porque é que adoecemos? .........................................253Às vezes acontecem milagres ....................................259Afastemo-nos do que nos fizer sentir mal .................265Sou mais do que o meu corpo físico .........................269Bibliografia consultada ou referida ............................275

Dedico este livroà minha filha Marta Moraes d’Oreypelo à vontade com que sempre enfrentou as tantas doenças que tem tidoe a disponibilidade que apesar delasnão deixa de ter para os outrosassim como a alegria e a esperançaque sempre espalha à sua volta

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Introdução

As doenças podem ser para nós uma experiência positiva. Ter a importante função de nos empurrar para a essência do que somos, convidando-nos a aproveitar ao máximo a vida que nos é dada, num qualquer estado de saúde.

Podem revelar-nos, até quando parecemos uma pes-soa frágil e sem luz, que existe uma força maior. Um espírito imortal capaz de nos iluminar mesmo quando a sombra, ao refletir os limites do nosso corpo, nos faz sentir que só por um tempo o temos.

Sombra essa que, no entanto, ao se misturar com a luz, também nos convida a aproveitar esse tempo para vislumbrar a essência da vida. O Amor verdadeiro, incon-dicional, que nos revela que podemos não ser doentes mesmo quando temos alguma doença.

São precisamente as doenças – as que nos afetam direta ou indiretamente – que, por vezes, nos levam a acreditar nesse poder milagroso do Amor. Elas revelam--nos que, fazendo nós parte de um todo maior em que

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tudo nasce, morre mas pode renascer, qualquer forma de vida a acabar pode sempre ser para nós o início de outra que nos aproxime do essencial.

Assim, o nosso verdadeiro estado de saúde depende não tanto das doenças que temos, mas sobretudo de como aceitamos o facto de podermos adoecer e de as doenças poderem vir ter connosco.

Poderá haver pessoas que, embora sem terem doen-ças, se sentem doentes e outras que, com uma doença grave, se sentem saudáveis apenas porque continuam ativas e interessadas pela vida.

Face a um ciclo universal de renascimento contínuo, cada um terá de ir despertando para esta realidade: tal como não há luz sem sombra, alegria sem tristeza, vida sem morte, adoecermos nem sempre significa que não tenhamos saúde.

A história de cada um de nós é feita de uma sucessão de situações e acontecimentos cujo sentido só a pouco e pouco podemos ir descobrindo.

E debruçarmo-nos sobre as circunstâncias da nossa vida na altura em que surgem sintomas de uma deter-minada doença pode ajudar-nos a localizar a raiz do que nos fez adoecer – e por isso ajudar-nos a nos curarmos. Ou, então, a aceitar que essa situação de doença pode resultar de um desequilíbrio que impercetivelmente nos foi enfraquecendo o sistema imunitário.

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Qualquer forma de vida em nós acaba sempre por prevalecer sobre a morte. Mas é através de experiências, ora de início ora de fim, que podemos tomar cons-ciência de um caminho cujo espírito se vai gradual-mente despojando da matéria que, sendo-lhe necessária, o aprisiona.

E à medida que mergulhamos neste ciclo torna-se claro que são precisamente as reações do nosso orga-nismo aos diferentes apelos do que o transcende que nos revelam a mistura de luz e de sombra que nos faz ser aquilo que cada um de nós é.

A partir daí podemos descobrir que, quer esteja-mos com saúde ou doentes, o mais importante é haver Amor na nossa vida. A liberdade para assumirmos o que somos também quando forças contrárias nos empur-ram no sentido de algo que nos obriga a um esforço demasiado.

Nesta perspetiva, poderá dizer-se existir sempre uma razão escondida, muitas vezes antiga, inconsciente, para as doenças que temos. E não surgirão por acaso numa certa altura do nosso percurso de vida e sob uma deter-minada forma.

Sem o choque, a perturbação, mas também o estí-mulo que nos provocam, há uma força, um poder – ao nível do essencial do que somos – a que possivelmente não atenderíamos.

De outra forma talvez não tivéssemos despertado a consciência de que a verdadeira cura não consiste apenas

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em eliminar um sintoma de doença, mas também, e sobretudo, em encará-lo como algo que nos incita à fide-lidade a nós próprios.

Nem tivéssemos descoberto qual a alteração nos nossos hábitos que poderia reforçar-nos o sistema imu-nitário.

Mas, acima de tudo, talvez não tivéssemos a noção de como o corpo regista toda a nossa história passada e presente – nem sequer percebido que o caminho para a verdadeira cura começa sempre por procurarmos escutá--lo. E, afinal, o corpo dá-nos regularmente muitos sinais – através de pedidos, lamentações, angústias, bloqueios, gritos… Porém, como geralmente estamos mais voltados para fora do que para dentro de nós mesmos, podemos não prestar a devida atenção às suas mensagens.

Acontece que tudo aquilo com que, direta ou indire-tamente, agredimos o nosso corpo fica em nós registado. E, quer as recordemos mental e emocionalmente, quer tenham ficado perdidas no inconsciente, as agressões são sempre uma fonte de doença. Assim, mais tarde ou mais cedo, têm mesmo de ser reparadas. E, embora a cabeça possa ajudar-nos nesse trabalho, é sempre o corpo a saber quando é chegada a hora apropriada para o fazer e relativamente a que órgão ou função do organismo terá de ser feito.

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Aprender a escutar o que o corpo nos diz – con-dição indispensável para se regenerar – implica confiar na capacidade que a Natureza tem para nos curar. Dar--lhe tempo para que no nosso organismo tudo volte a estar novamente no seu lugar. E acreditar que toda a doença tem este lado positivo é o primeiro passo para o encontrar.

Faz, no entanto, parte da nossa cultura começarmos por reagir à doença encarando-a como algo de negativo sem qualquer outro significado possível – sendo neces-sário eliminá-la seja de que forma for.

Além disso, na correria do dia a dia, andamos de um lado para o outro ao sabor de acontecimentos e cir-cunstâncias exteriores sem sequer pararmos para respirar fundo. Comemos à pressa, de qualquer maneira, no meio do barulho, sem consciência de que não basta comer para alimentar o organismo de forma a ele enfrentar o que o agride sem adoecer.

Entretanto, é fácil esquecermo-nos do que seria necessário para cuidarmos do todo que somos. Da nossa saúde holística.

E então, perante doenças consideradas fardos pesa-dos, revoltamo-nos: Não é justo! Porquê eu? Até procuro ter uma vida saudável, cuidado com o que como, bebo, faço... Como resposta útil a dúvidas deste tipo, pode-mos apenas admitir questionar: se não existe nada na Natureza sem uma função, será que esta doença estú-pida, absurda, inexplicável, injusta, pode ser um mero

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capricho do destino? Não poderá ela ter uma mensagem a transmitir-nos…?

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Em geral, não estamos habituados a olhar para a doença desta forma nem a acolher, atender e aplicar este tipo de mensagens. Até porque, possivelmente, isso implicaria termos de mudar alguma coisa na nossa forma de viver…

Uma doença representa sempre uma chamada de atenção à realidade da nossa condição e do mundo em que vivemos. Recorda-nos que esta vida tem um fim e que, para a irmos aproveitando, é preciso, de vez em quando, alterar alguma coisa na forma como a gerimos.

Mas, por vezes, apanha-nos no momento menos oportuno: no meio da viagem que há tanto tempo sonhá-vamos, e para a qual finalmente tínhamos conseguido arranjar disponibilidade, ou no meio de um período cheio de trabalhos inadiáveis…

E, ao irromper pela nossa vida como uma visita que não temos consciência de ter convidado, mas que se ins-tala e passa a comandar-nos, muita coisa perde a impor-tância que tinha e muita outra se torna mais decisiva do que antes era.

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Se encararmos a doença como um sinal de alerta de que algo importante tem de ser alterado no nosso

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rumo, muitos serão os males maiores de que algumas delas, aparentemente injustas ou inexplicáveis, podem afastar-nos ou proteger-nos.

O mal-estar e a dor, ao obrigar-nos a sentir um limite, avisam-nos de que começa a estar em perigo a integri-dade de uma parte do nosso organismo ou do seu todo.

E as doenças agudas podem, especialmente, ser úteis porque ao recordarem-nos da nossa fragilidade obrigam--nos a parar e a cuidar de nós mesmos, e talvez assim a preservarem-nos de outras mais graves.

É, em grande parte, através das doenças que temos – a nível físico, mental, emocional – que o espírito que somos vai podendo esclarecer-nos acerca da nossa ver-dadeira identidade e do caminho que nos compete per-correr enquanto por cá andarmos.

E, é por isso que, para nos sentirmos bem connosco próprios, convém escutar a mensagem do nosso corpo, aceitá-lo e amá-lo tal como ele em cada momento se nos apresenta.

Isto implica fazer o que estiver nas nossas mãos para que se mantenha saudável. Mas também acolher os sinais que, precisamente sob a forma de doenças, nos confrontam com fragilidades que, existindo em nós sem disso termos consciência, podem desequilibrar-nos a um qualquer nível.

E, ao longo de toda a nossa vida, trata-se de uma aprendizagem que nem sempre é fácil e é quase sempre muito difícil quando uma doença grave ou prolongada

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nos apaga do horizonte qualquer esperança de melhoras a que possamos agarrar-nos.

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Sem dúvida que quando adoecemos se abre em nós um espaço de vazio que inicialmente não temos força nem ânimo para preencher.

Ao mesmo tempo, podemos ir aprendendo que, no fundo, aquilo que perdemos só até certa altura nos faz falta. Além de que acabaríamos sempre por um dia dei-xar de o ter…

E se ousarmos olhar para o polo oposto desse vazio descobrimos que afinal é aí que se encontra a plenitude da vida, vamo-nos apercebendo de que não só não ficá-mos sem nada ao nível do essencial, mas também que se abre em nós um espaço de maior disponibilidade para nos libertarmos de tudo o que seja acessório.

É para lá desse vazio de poder que então apalpamos a força maior que em nós existe – a do Amor incon-dicional que, para mim, é Deus, mas há quem lhe dê outros nomes.

E é essa Força que nos leva a aceitar que, inde-pendentemente das limitações que tivermos, podemos sempre decidir aproveitar a nossa vida ao máximo.

Quando um estado de doença nos impede de fazer aquilo que até aí sempre conseguíramos, pode ser que nessa altura do nosso percurso já tenhamos aprendido

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que afinal nada perdemos ao nível do essencial… Já sai-bamos que o essencial do que somos se encontra num lugar secreto onde o que prevalece não é a matéria. E que, embora ainda precisemos de a ela nos agarrar, já temos consciência de como essa necessidade de segu-rança é ilusória.

Há quem saiba, por experiência própria, o que é apalpar esse essencial. Alimentar-se cada vez mais dele e não tanto de coisas que, parecendo fundamentais, afinal nos são dispensáveis.

Há quem, através de uma atitude interior em que ora damos ora recebemos sem que o coração bloqueie esse fluir contínuo, tenha já tido ocasião de constatar que, como o Amor continua a circular na sua vida, ela só aparentemente se esvaziou.

Mesmo para quem não tenha amigos continua a ser possível cruzar-se com alguém que, por exemplo, possa ajudar a atravessar a rua, fazer uma compra ou conversar um pouco em dia de sol num jardim público ou numa sala de espera de hospital…

* * *

Como face a qualquer outro desafio da vida, pode-mos impedir que as doenças, se não forem encaradas como catástrofes ou dramas a que não conseguimos fugir, nos transformem em vítimas.

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Se valorizarmos mais a saúde ou outros bens que eventualmente tenhamos e provas de amor que rece-bamos, tudo o que são fragilidades, limitações, dores… ficam relativizadas.

E então, perante a luz que continua a existir den-tro e fora de nós – também quando, devido ao espaço ocupado pela sombra, não a sentimos –, podemos con-tinuar a ser donos da nossa própria vida e a olhar para a doença como uma experiência que nos empurra para o seu verdadeiro sentido.

O objetivo deste livro é apresentar essa possibilidade. Mais do que reflexões feitas a partir de circunstâncias de uma vida já longa e movimentada como a minha e a de pessoas que me são próximas, procurei testemunhos de quem, precisamente por nunca ter encarado a doença como um drama, não passou a ser doente quando ela lhe bateu à porta, e simplesmente foi aprendendo a viver com uma determinada doença.

Assim como testemunhos de pessoas que, confron-tadas com uma doença que aceitaram, quiseram conhe-cer as técnicas através das quais tinham sido tratadas e, ao se tornarem elas próprias terapeutas, partilham não apenas os seus conhecimentos, mas também aquilo que aprenderam por tudo o que viveram.

Apoiei-me sobretudo em médicos que, acreditando na validade e importância deste projeto, aceitaram super-visionar-me enquanto o fui estruturando.

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Mas também não deixei de ouvir terapeutas de áreas complementares da Medicina dita clássica cuja experiên-cia conheço e por cuja seriedade respondo.

Maria José Costa Félix abril de 2015

Quando pensamos numa doença, tendemos a atri-buir-lhe uma causa física, apenas por ser nesse plano que ela se manifesta e através dele que a sentimos. A maior parte dos desequilíbrios têm, porém, origem em padrões psicoemocionais não detetáveis por uma mente focada nos pormenores do quotidiano. E a simples compreensão da sua origem pode, só por si, desbloquear o processo de cura que existe dentro de nós, levar-nos a uma vida equi-librada, portanto saudável. […] A Medicina do futuro aponta precisamente para estimular essa nossa capaci-dade de autocura…

Deepak Chopra

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Entre o Ter e o Ser

Vivemos divididos entre dois mundos: o limitado do corpo que temos e o ilimitado do espírito que somos. São duas realidades diferentes, cada uma com as suas leis e os seus valores. Portanto, existe em nós uma divisão que nos afasta da unidade. Da plenitude da vida a que aspiramos e para onde tudo nos encaminha.

Todas as nossas doenças têm origem no desequilíbrio daí resultante. Ao mesmo tempo, porém, desafiam-nos a aproveitarmos a nossa passagem por este mundo finito, precisamente, para descobrir o que em nós há de infinito.

E, à medida que vamos tomando consciência do que existe para lá da matéria de que somos feitos, aperce-bemo-nos de que o nosso verdadeiro nome não é apenas aquele que temos.

Feitos de matéria efémera a que, para sobreviver, começamos naturalmente por nos agarrar, a partir do momento do nascimento identificamo-nos com o lugar que ocupamos no mundo do Ter – durante um tempo, contudo, sem consciência da efemeridade daquilo que,

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por ser consumível, continuamente se vai desgastando e, por isso, perdemos.

Nesse mundo em que sentimos o apelo ao eterno, mas em que, nas várias áreas da nossa vida, a luz se mis-tura continuamente com a sombra, o que tem começo tem sempre um fim. Nascemos e crescemos, há coisas que ganhamos, outras que perdemos, ora temos saúde, ora adoecemos… Depois, um dia, ao morrermos para tudo aquilo que em nós existe a nível físico, podemos vislumbrar que o fim desta nossa vida é simultaneamente o começo de outra ainda desconhecida.

Esse vislumbre será tanto mais possível quanto mais cedo e mais profundamente mergulharmos em nós de forma a nos apercebermos daquilo que, fazendo parte do que somos, não nos pertence e apenas nos compete gerir. Desse espírito eterno que, ao se sujeitar às leis do tempo e do espaço, fez nascer o nosso corpo, mas que, volta não volta, nos convida a olhar para o dia em que essas leis deixarão de o aprisionar.

Daí que, através de circunstâncias da nossa vida, o nosso espírito nos vá agitando, desafiando, fazendo tropeçar, cair, se necessário adoecer. Para nos consciencializarmos de que esta vida, em que os dias ora são radiosos e tran-quilos, ora tristes e perturbados, não é a verdadeira vida.

Quanto mais conscientes estivermos de que o impor-tante é sermos fiéis à nossa essência, mais esclarecidos

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estaremos sobre o verdadeiro significado de tudo o que nos acontece – e, por isso, mais inteiros em tudo o que fazemos. A certa altura, se algo se vai do que tínhamos, é porque já não nos é necessário.

Só que, como nada disto é controlado por nós, no decorrer de todo esse processo de crescimento não pode-mos saber antecipadamente qual o tipo de desafios a que, por ainda nos serem necessários em termos de evolução, teremos de responder nem as circunstâncias através das quais seremos empurrados.

A única coisa que podemos – e devemos – fazer é ir sempre acompanhando o desenrolar do processo em que, a partir do momento em que lhe deu vida, o espí-rito invisível que somos se vai estruturando no corpo que temos.

Enquanto por cá andarmos, a eternidade acena-nos, revelando-nos que existe, só que ainda lá não chegámos.

Já durante este nosso tempo, com maior ou menor frequência, o espírito que somos não nos permite pro-priamente vê-la – e muito menos agarrá-la –, mas apenas vislumbrá-la. Como que a antecipar a plenitude e assim acreditar que, apesar de por enquanto ainda não poder-mos conhecê-lo, há um Para Sempre.

Porém, como só a partir desse momento final nos libertamos completamente do que em nós há de material, até lá e no caminho por onde é suposto irmos avançando, de vez em quando teremos de ser despertos por prova-ções, desafios, testes, doenças...

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Qualquer doença pode, por isso, ser por nós vivida como uma experiência que, mesmo se desagradável, nos convida a um crescimento espiritual. A uma maior aber-tura do coração aos outros e a tudo o que nos rodeia. À descoberta de recursos de que talvez não nos tenha-mos apercebido.

Daí que, qualquer que seja a sua gravidade e por muito que nos custe suportá-la, podemos sempre vivê-la como uma bênção.

Na medida em que é a partir do lugar e do espaço que ocupamos na família a que pertencemos que cons-truímos o nome que nos identifica, há experiências de doença vividas por familiares – que nos antecederam e cujas raízes herdamos – que podem estar registadas no nosso corpo.

E a razão para isso acontecer poderá revelar algo de importante sobre uma missão específica a ser desempe-nhada por membros dessa família.

Talvez, por isso, haja casos em que uma determinada doença é muito frequente em algumas famílias.

E outros em que nem todos os membros de uma mesma família têm uma determinada doença, dita gené-tica.

* * *

Eles apenas balearam o meu corpo,mas não podem atingir os meus sonhos

Malala, 17 anos, a mais jovem Prémio Nobel da Paz

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A doença não é um acaso

Em geral achamos que ter uma doença grave é uma fatalidade. Há, porém, quem decida encará-la antes de mais como uma experiência de vida que nos obriga a evoluir.

Através do relato do seu processo de cura num livro com um título talvez estranho – Está Doente, Para- béns (Gráfica Comercial) –, Isabelle Legaut-Tavares incita-nos a encarar a doença como uma oportunidade para reaprendermos a viver, apresentando-nos uma visão otimista de um acontecimento, por vezes, dramático, que pode ocorrer na vida de qualquer um de nós.

Já lá vão uns anos, tinha ela 40, quando lhe foi detetado um cancro no intestino com metástases no fígado. Começou por sentir «um brutal murro no estô-mago». Mas a certa altura, a pouco e pouco, por entre períodos de esperança e outros de natural abatimento, foi acreditando que aquilo que lhe tinha caído em cima poderia ser o começo de uma nova vida – eventualmente mais plena.

«Fui sentindo uma serenidade inexplicável, como se tivesse estado sempre à espera desse desafio e visse nele uma espécie de resposta para “uma procura existencial”

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iniciada dois anos antes, quando começara a interrogar- -me acerca de tudo: o sentido da vida, os valores morais, a minha identidade, o meu casamento…

Sentia que a minha identidade não se resumia a ser a esposa de, a mãe de, a filha de, e que precisava de fazer algo concreto por mim própria: recomeçar a estudar, tirar um curso de psicologia clínica, especializar-me em cuidados paliativos…»

No dia em que ficou a saber da gravidade da situa-ção, acabara de ler um livro cuja mensagem apresentava a doença como sendo uma experiência que, conduzindo a uma aprendizagem espiritual, nos pode dar um verda-deiro sentido à vida. E considera que esse dia foi para ela «o começo de uma nova vida».

Posteriormente, resolveu transmitir a outros a pos-sibilidade de terem uma atitude positiva face a qualquer doença que surja, vivendo-a como um caminho. Então, quando os médicos a deram por curada, decidiu escrever um livro que, através do relato do desenrolar de todo o seu processo de doença e cura, testemunhasse como «a pior das notícias se pôde transformar na experiência mais importante» da sua vida.

Nele relataria as dúvidas e os medos que a assalta-ram, os avanços e momentos de alegria interrompidos por retrocessos e outros de dor, as várias terapias a que recorreu, as inúmeras leituras úteis a que teve acesso.

Acreditou tão profundamente que esse livro poderia ser de grande ajuda para quem se encontre a braços com alguma doença grave, e para os seus familiares e médicos que os acompanhem, que – com a ideia de estimular

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aqueles a quem a doença bate à porta a convidarem-na a entrar e a deixarem de se lamentar –, o publicou numa edição de autor. E em que nos sugere, por exemplo, o seguinte:

«Aceite este desafio que a vida lhe oferece e acredite na força para se curar que em si existe. Não há doenças incuráveis, só doentes que não acreditam ser capazes de se curar. Nós somos os principais responsáveis pelo trabalho interior que permite a cura.

Para compreender uma doença, temos de ir ao seu encontro e aceitar a forma como ela se desenrola. E há coincidências que, parecendo frutos do acaso, surgem no caminho de quem está atento e recetivo a sinais e mensagens que lhe chegam.»

Convite semelhante faz-nos Vânia Castanheira nou-tro livro – O Cancro Foi a Minha Cura – recentemente publicado pela editora Matéria-Prima. Começa por se interrogar se seria possível a sua busca pela felicidade terminar aos 31 anos quando ela mais queria ter um bebé e a vida lhe trouxera um cancro… «Cancro da mama antes dos 35 anos e ainda sem ter filhos é muito raro, mas atingiu-me como um meteoro atinge a Terra.»

Os seus olhos passaram então a ver o mundo de outra perspetiva.

Os seus sentidos, a captar o meio ambiente de forma diferente.

«Ter recebido este diagnóstico nessa fase da minha vida não me fez menos feliz, sim mais viva, revelando-me

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como, não me matando, estas vicissitudes me tornaram mais forte. Pode parecer estranho sentir o cancro não como um problema, mas como uma oportunidade de mudar que me deu a capacidade e a coragem de ouvir o meu corpo, de me escutar por inteiro e de aproveitar plenamente a vida. […] Doer? Doeu! Sofrer? Sofri! Senti tudo em cada parte do meu corpo. Eu tinha, no entanto, de olhar para o que estava a acontecer comigo de outra perspetiva. Queria ser uma lutadora e não uma vítima… […] E, para evitar que o corpo desenvolva as doenças que a cabeça não quer resolver, importa repensar a forma como levamos a vida.»

Há quem tenha doenças que talvez pouco mais sejam do que somatizações de uma crise espiritual profunda e uma forma de confronto com perguntas que nos ator-mentam.

Quantas vezes não sofremos sem saber porquê e nos interrogamos se não se tratará de um qualquer castigo? Há quem pareça querer refugiar-se na doença para poder depender de alguém e assim fugir a um cansaço, um choque, uma frustração…

Quantas doenças existem que até não o são porque afinal não passam de uma mentira?

Uma doença pode levar-nos a nos tornarmos mais positivos, usando melhor o que temos e somos, relati-vizando problemas, percebendo melhor o que de facto

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vale a pena na vida. Assim como a constatar que, apesar de tudo, podemos sentir-nos muito mais perto da feli-cidade, valorizar mais os amigos e saber ao certo quem é que eles na verdade são.

Esta é a mensagem que o ator António Feio trans-mite, também, num livro publicado já depois da sua morte, Aproveitem a Vida (Livros d’Hoje). «Acho que a minha atitude positiva acaba por funcionar como um exemplo que pode ajudar outras pessoas face à dificul-dade que é encarar uma doença como este cancro que eu tenho…»

Diz-se muitas vezes que «não é justo», «não devia acontecer com aquela idade»… Só que a vida não é justa nem há uma idade certa para se ter determinadas doenças, como escreve Isabel Galriça Neto nesse livro de António Feio:

«A vida é feita de alegrias e tristezas, factos varia-dos entre os quais as doenças não são um castigo, uma fatalidade, nem surgem por injustiça. Há apenas coisas que estão para lá dos limites da nossa vontade e coragem simplesmente pelo facto de a nossa vida ter um princípio e inevitavelmente um fim.»

No entanto, não só temos a liberdade de poder pre-venir as doenças, como há escolhas que ao longo delas podemos ir fazendo.

E Isabel Neto não aceita de todo a ideia de que só são fortes os que se curam, nem a de que se é derrotado quando alguém não se cura e sobretudo quando acaba por morrer.

«Podemos não nos curar e morrer sem, contudo, ser-mos derrotados pelas doenças, porque somos muito mais

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do que as limitações que elas nos impõem. A morte é uma inevitabilidade, mas a forma como progressivamente nos vamos adaptando às perdas resultantes das doenças é que importa. Apesar das doenças e da morte, vencemos na vida se houver quem nos ame incondicionalmente.»

Desde os 25 anos, quando, ao mergulhar, teve um acidente e ficou tetraplégico, são muitos os meios de comunicação (conferências, entrevistas, livros) através dos quais Bento Amaral, campeão do mundo de vela adaptada na categoria de deficientes profundos, tem revelado como consegue ser feliz estando numa cadeira de rodas e sem nunca se ter revoltado.

O facto de ter perdido a mobilidade física não o impediu de procurar dar a volta por cima, aproveitando as oportunidades e os recursos que tem e mostrando assim que, apesar das dificuldades, pode ter uma vida normal.

«Numa situação de perda é que nós nos damos ver-dadeiramente conta dos nossos recursos.»

Diz mesmo que, apesar de sempre ter tido a neces-sidade de «procurar a essência e o sentido da vida», hoje em dia se sente «uma pessoa mais rica» na medida em que, ao «distinguir mais facilmente o acessório do essencial», se conhece melhor a si próprio.

«Estou numa cadeira de rodas, mas sinto-me mais livre do que muitas pessoas que têm liberdade de movi-mentos exterior, porque essa não é a mais importante.»

E, citando o exemplo de Nelson Mandela, afirma que nunca pediu a Deus a cura física, mas sim forças para

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responder ao desafio que lhe fora proposto. «Andamos às voltas dentro de nós a perguntar porquê a mim, quando o que importa é tentar viver o melhor possível…»

Numa entrevista à BBC, Sebastião Salgado, um dos maiores fotojornalistas do mundo, atribui o seu interesse por causas humanitárias – patente em tantos ensaios fotográficos que focam o sofrimento dos excluídos e dos deslocados – ao facto de ter um filho com a síndroma de Down.

Conta que a chegada do Rodrigo à sua vida foi «total-mente inesperada e muito dura. Ninguém está preparado para isso e, a partir desse momento, a minha vida mudou completamente.

Durante três semanas tentei de todas as maneiras justificar que ele não tinha essa doença. Aquando da confirmação clínica, tive uma crise de choro e ninguém me consolava. Às vezes, começava com um problema respiratório às quatro da tarde e às dez da noite está-vamos, eu e a minha mulher no hospital, ele com uma pneumonia.

Até que um dia vi que a única solução era entender que o Rodrigo era o nosso filho e tínhamos de amá-lo profundamente, viver com o problema sem solução e aceitá-lo. Levei dois anos para chegar a este nível de maturidade. Mas, a partir daí, a minha vida teve outro sentido. Comecei a conviver com o filho que eu amava profundamente e que já não comparava com as outras crianças.

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A ver que ele tinha capacidades incríveis que os outros ditos normais não possuíam. Tinha a sua norma-lidade. E em termos físicos também se acertou na vida.

Muita coisa que hoje faço próximo do social, de tantas organizações humanitárias, necessariamente foi o Rodrigo quem ma trouxe. Deu-me uma outra compreen-são da vida, outra maneira de ver a humanidade, de me situar, de encarar outras anomalias. Tivemos o direito a frequentar um outro universo que, se ele tivesse ficado no mundo dos normais, eu não conheceria. E isso para mim foi algo de muito rico.

Hoje, o Rodrigo é um homem de 23 anos que vive num mundo de silêncio em que há relativamente pouca comunicação, mas um amor muito profundo. Sinto que tivemos uma sorte imensa de existir um anjo que chegou a nossa casa. Engraçado como esta combinação de genes leva a uma doçura imensa do ser humano… Ele tem uma capacidade fenomenal de proteção.

Sabe que não é tão ágil como os outros, que o uni-verso dele é limitado às pessoas que o aceitam. E há uma série de amigos a quem tem uma absoluta fidelidade. O seu sentido de responsabilidade e a sua lógica são incrí-veis. É impressionante como as pessoas com síndroma de Down criam um universo de referências para si. O meu filho Rodrigo é uma das pessoas mais realizadas e integradas na vida que eu conheço.»

Segundo a médica Caroline Myss – que se tem dedi-cado sempre a aprender e compreender a relação entre

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o corpo, a mente e o espírito, desenvolvendo o assunto nomeadamente nos seus livros Anatomy of the Spirit e Why People Don´t Heal and How They Can (Ban-tam Books) –, a vida é essencialmente uma experiência. A doença, portanto, é uma experiência de vida.

«Passamos constantemente por fases de mudança, umas difíceis, outras fáceis. Em vez de lutar contra essas mutações, tentando impedi-las, importante é deixarmo--nos levar pela corrente. Todas as situações podem ser alteradas e, num instante, todas as doenças curadas.»

* * *