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Universidade de Lisboa O PROCESSO DE REALOJAMENTO DO BAIRRO DO CASAL VENTOSO POLÍTICAS DE HABITAÇÃO Curso: Serviço Social (Pós-Laboral) Docente : Prof. Aux. Albino Cunha Discentes : Ana Francisca Lopes Regêncio (211901) Célia Maria Costa Rodrigues (211773) Jorge Manuel Carapinha Maurício Fava (211786)

Trabalho politicas de habitação

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Page 1: Trabalho politicas de habitação

Universidade de Lisboa

O PROCESSO DE

REALOJAMENTO DO BAIRRO DO

CASAL VENTOSO

POLÍTICAS DE HABITAÇÃO

Curso: Serviço Social (Pós-Laboral)

Docente:

Prof. Aux. Albino Cunha

Discentes:

Ana Francisca Lopes Regêncio (211901)

Célia Maria Costa Rodrigues (211773)

Jorge Manuel Carapinha Maurício Fava (211786)

Maio 2014 | 2º Semestre | 3º Ano | Ano lectivo 2013 / 2014

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«Famílias inteiras privadas das refeições diárias

Das condições sanitárias

Em habitações precárias

Sem habilitações literárias

Para poder fugir às áreas

Onde a droga e a pobreza fazem execuções sumárias

Das minorias que representam as maiorias das classes mais operárias

Devido ao feudalismo, racismo e atrocidades várias

Medidas sociais são necessárias»

Chullage, «À Pala de Quem Não Come»

in Rapresálias – Sangue, Lágrimas, Suor, 2001.

RESUMO

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A ocupação do Casal Ventoso para finalidades de habitação deu-se nos finais do séc. XIX num

contexto de grande debilidade económica a par da inexistência de políticas públicas de

habitação o que contribui para a fixação da população em áreas do espaço urbano que a sua

situação financeira pôde suportar. Era “habitado por classes populares […] e […] marcado

pela degradação habitacional e ambiental, pelo uso de materiais provisórios na habitação e

por défices, quer infra-estruturais, quer de redes de abastecimento” (Chaves 2013: 31-32) . As

pessoas encaravam a sua passagem pelo Bairro como uma situação transitória. Com a

proliferação deste tipo de mercados habitacionais (submercados de habitação) começou a

surgir a preocupação em implementar políticas que tivessem em conta as carências

habitacionais e o planeamento urbano. Surge em, …, com o objectivo de realojar as pessoas do

Casal Ventoso. Esse processo ocorreu em… Como o Estado sempre adoptou uma postura

reactiva no que toca à questão habitacional, o realojamento tem impactos positivos e

negativos nas vidas das pessoas.

ÍNDICE GERAL

Page 4: Trabalho politicas de habitação

Introdução----------------------------------------------------------------------------------------5

Capítulo I – Enquadramento teórico--------------------------------------------------6

1.1 – O conceito de Bairro------------------------------------------------------------------6

1.2 – Evolução da habitação social em Portugal-------------------------------------6

1.3 – O direito à habitação condigna----------------------------------------------------8

1.4 – O realojamento-------------------------------------------------------------------------9

1.5 – O Plano Especial de Realojamento (PER)-------------------------------------10

Capítulo II – Contextualização do Bairro do Casal Ventoso--------------11

2.1 - Evolução histórica do Bairro do Casal Ventoso-------------------------------1

2.2 - Características do Bairro do Casal Ventoso e da sua população--------1

2.3 - A exclusão social-----------------------------------------------------------------------1

2.4 - O desmoronar do Bairro--------------------------------------------------------------1

Capítulo III – O realojamento na Quinta do Cabrinha------------------------1

3.1 – O Processo de realojamento-----------------------------------1

3.2 - A (Re)Construção de uma nova identidade e o apoio social no

processo de inclusão----------------------------------------------------------------------1

Capítulo IV – Metodologia e Apresentação de resultados-----------------1

4.1 - Objectivos e questões da investigação------------------------------------------1

4.2 - Seleção da amostra--------------------------------------------------------------------1

4.3 - Procedimentos de recolha da amostra------------------------------------------1

Capítulo VI – Conclusões-------------------------------------------------------------------1

Referências bibliográficas-----------------------------------------------------------------1

Anexos----------------------------------------------------------------------------------------------1

INTRODUÇÃO

O tema para o nosso trabalho de grupo surgiu de imediato e de forma consensual. No

âmbito da disciplina de Políticas de Habitação incitou-nos interesse perceber de que

forma foi elaborado e conduzido o processo de realojamento do bairro do Casal

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Ventoso, situado numa das encostas do Vale de Alcântara na freguesia de Campo de

Ourique, em Lisboa, muito conhecido essencialmente pela sua envolvência no tráfico e

consumo de drogas.

A Câmara Municipal de Lisboa através do “Plano Integrado de Reconversão”,

financiado pelo Programa URBAN da União Europeia, criou condições para que os

habitantes desta zona da cidade fossem realojados em novas habitações construídas

de raíz para o efeito, na Quinta do Cabrinha, Quinta do Loureiro e Ceuta Sul, junto à

Avenida de Ceuta.

Pretendemos de forma introdutória e num enquadramento teórico, contextualizar

historicamente o bairro do Casal Ventoso, nomeadamente a sua origem e

crescimento, bem como caracterizar a população nele existente quanto à sua cultura,

etnias, tradições, hábitos existentes e práticas quotidianas.

A metodologia a que recorreremos basear-se-á numa pesquisa e análise documental,

referente ao bairro do Casal Ventoso e ao Vale de Alcântara, com recurso à GEBALIS

e ao Projecto AlKantara, entre outras fontes, elaborando desta forma a fase inicial do

nosso trabalho.

Posteriormente, é nosso propósito empregar um método de carácter qualitativo

(inquérito ou entrevista), objetivando aferir dois aspetos que consideramos

fundamentais num processo como este. Ou seja, numa vertente humana pretendemos

saber se foram tidos em conta os interesses das pessoas, as culturas, e etnias, as

redes de vizinhança e hábitos de vida existentes nesta comunidade e as suas

perspetivas de comodidade. Numa vertente urbana e social, que tendo em conta a

nossa área de formação, nos desperta grande interesse, é nosso intuito conhecer o

que de bom e menos bom estes realojamentos trouxeram a esta pessoas.

Pretendemos saber o que sentem e como se sentem nos novos bairros; que

alterações surgiram no seu quotidiano; que mudanças estruturais aconteceram nas

suas vidas, sejam de idosos, crianças ou pessoas em idade ativa que, com a mudança

de casa foram obrigados também a mudar os seus hábitos de vida devido à quebra de

relações familiares e de vizinhança de vários anos; de que forma foi alterada ou não a

imagem que tinham de si próprios, estereotipada socialmente durante tantos anos; etc.

Perceber também se o realojamento facilitou ou contribuiu de alguma forma para

favorecer a criação/ manutenção de redes sociais e a inserção profissional da

população ativa e se foi ou não assegurado um equilíbrio na sua envolvente,

nomeadamente na criação de condições que potenciem a integração e coesão social,

nomeadamente a existência de redes de vizinhança e serviços de proximidade

(escolas, centro de saúde, empregos, transportes, serviços para a ocupação dos

tempos livres dos jovens e dos idosos; etc).

Page 6: Trabalho politicas de habitação

Depois de analisados os resultados obtidos apresentaremos as nossas conclusões,

perspetivas e reflexões sobre este processo.

Capítulo I – Enquadramento teórico

1.1 – O conceito de Bairro

Primeiramente, parece-nos oportuno definirmos o que se entende por Bairro. Pela

dificuldade em encontrar uma definição universal, citamos algumas fontes. Lefebvre,

citado por Bezerra (2011: 22) define-o como “…uma unidade natural da vida social

devido à ideologia comunitária inserida na sua base”. Ainda segundo o autor, o

conceito é identificado como “…uma simples divisão territorial de uma cidade”.

Tal como referido por Bezerra (2004: 23), no vocabulário organizado por Corona e

Lemos (1972) Bairro é analisado “…como uma das partes principais em que se

localiza a população de uma cidade ou mesmo uma porção do território de uma

povoação, mais ou menos separada e a semelhança com um arrabalde ou subúrbio”.

Para Ferreira (2004: 252), referido também por Bezerra, Bairro significa “…cada uma

das partes em que se costuma dividir uma cidade ou vila, para mais precisa orientação

das pessoas e mais fácil controle administrativo dos serviços públicos”.

Vemos nestas definições, unicamente a delimitação de um espaço físico por questões

administrativas, mas importa referir também que outros aspetos são importantes na

sua definição, como seja o aspeto cultural e de identidade dos indivíduos a uma

unidade espacial, conforme abordado no decorrer deste capítulo.

1.2 – Evolução da habitação social em Portugal

Para o desenvolvimento do presente trabalho, sentimos necessidade de recuar alguns

anos para perceber, muito sucintamente, como evoluiu a habitação social em Portugal

e o que origina o realojamento.

Os movimentos migratórios da população do interior para as grandes cidades,

sobretudo Lisboa, em busca de melhores condições de vida, resultaram na fixação

destas populações em bairros de barracas nos anos 60, 70 e 80, contribuindo assim

para a formação de habitações degradadas e com poucas condições de

habitabilidade, normalmente em locais com terrenos acidentados e de difícil acesso,

como é o caso do Bairro do Casal Ventoso. Eram locais onde não se pagava renda,

pese embora a falta de condições mínimas de habitabilidade e conforto. Esta transição

demográfica, fruto dos movimentos migratórios no nosso país, levou a um aumento

Page 7: Trabalho politicas de habitação

populacional nas grandes cidades e veio gerar alguns problemas sociais e um deles

foi precisamente a questão do alojamento. Neste contexto surgem nas grandes

cidades os primeiros bairros habitados pelas classes sociais mais desfavorecidas e de

baixos recursos económicos, que deram origem mais tarde aos ditos bairros sociais. A

periferia das cidades foi-se destacando por aglomerados habitacionais

desorganizados, na grande maioria clandestina (Bracons 2012).

Ainda durante o Estado Novo, a Política Social passou a ser provida diretamente pelo

Estado, nomeadamente pela publicação em 1933, do Decreto-Lei nº 23052, de 23 de

Setembro de 1933, sobre o Programa das Casas Económicas que surge da

instauração da noção de família, entendida como célula essencial do Estado Social e

Corporativo. E é o Estado em parceria com as Autarquias, que vai promover e

financiar a construção das referidas Casas Económicas, embora em dificuldades

financeiras e produtivas em que se encontrava. Este programa foi questão central da

política de habitação do Estado Novo, embora dele beneficiassem também populações

de estratos sociais com capacidade para adquirir habitações alternativas no mercado.

Desta forma quem mais beneficiou não foram os mais necessitados, mas sim quem

vivia acima da média nacional, deixando aos mais pobres, apenas o acesso a

programas marginais de realojamento ou deixados por conta de instituições de

caridade, pois eram vistos como elementos externos ao próprio sistema, com

necessidades de reeducação social e só depois então é que estariam aptos a usufruir

das conquistas do Estado Novo, nomeadamente das Casas Económicas (Bracons

2012).

Entretanto após o 25 de Abril de 1974, é criado o SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório

Local), que veio desenvolver projetos de habitação social e a sua construção para os

residentes em barracas nas zonas de Lisboa, Setubal e Porto. Mas foi já durante os

anos 80, que surge um dos mais importantes programas de realojamento, o PIMP

(Projeto de Intervenção a Medio Prazo), possibilitando à Câmara de Lisboa realizar

operações de realojamento. Durante a 2ª metade da década de 80, forma-se o

IGAPHE (Instituto de Gestão e Alienação do Património Habitacional do Estado), com

competência para com as autarquias estabelecerem acordos com a finalidade de se

construirem respostas sociais de habitação condigna em regime de arrendamento,

para os residentes em barracas. (Em 2002 este Instituto foi fundido no INH (Instituto

Nacional de Habitação)). E é também durante esse período da década de 80 que em

Portugal, sob influência da adesão à CEE, que nas políticas sociais e de realojamento

se sente a influência de programas europeus de luta contra a pobreza com a

promoção da cidadania ativa, envolvendo as populações nos programas em curso.

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Esta prática acentuou-se com os (PNAI’s) Planos Nacionais de Acção para a Inclusão

(Rodrigues 2012).

Em 1993, devido à insuficiência do PIMP, foi criado o PER (Programa Especial de

Realojamento, de que falaremos mais à frente, como medida para erradicar as

barracas e realojar os seus ocupantes em habitações condignas em regime de

arrendamento (Bracons 2012).

1.3 – O direito à habitação condigna

A questão da habitação social tem vindo a representar um aspeto fulcral da

providência do Estado. “O direito à habitação, constante da maior parte das

Constituições nacionais, força o Estado a uma intervenção em nome dos cidadãos

menos favorecidos em termos habitacionais, tentando deste modo reduzir a sua

situação de exclusão…” (Augusto 2000), reforçando o exercício de cidadania, a

inserção dos menos desfavorecidos e potenciando os laços sociais (Augusto 2000).

De acordo com o artigo “O Direito à Habitação”, apresentado no site (Associates,

2014), todos os cidadãos têm direito a um nível de vida condigno e neste sentido, a

habitação é fundamental para alcançar e suprir algumas das necessidades de caráter

físico, como o direito a um abrigo, a um espaço pessoal e privado e a um espaço

comum para uma família, “… que representa a unidade base da sociedade…”. Este é

um direito que assiste a todos em sociedade e está reconhecido como um direito

humano na Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), no artigo 25º,

conforme se transcreve:

Artigo 25.º (DUDH)1. “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à

sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou noutros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade.”

Em termos de habitabilidade e conforme o mesmo site, “…uma habitação condigna

deve ser habitável em termos de proporcionar aos seus ocupantes, espaço adequado,

segurança, prover do frio, da humidade, do calor, da chuva, do vento e outros perigos

para a saúde, dos riscos devido a problemas estruturais e vetores de doença.”

Mas, seguindo as ideias apresentadas nesse mesmo site, em todo o mundo continuam

a existir indivíduos sem-abrigo e pessoas a viver em habitações indignas e esta

situação espelha claramente a enorme dificuldade dos Estados garantirem este tão

importante direito de qualquer ser humano e leva-nos a questionar até que ponto são

os governos os únicos responsáveis em atribuir a todos de igual modo “… terra, quatro

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paredes e um telhado” (Associates 2014). Sobre este aspeto, a questão essencial é

precisamente o que é que o Estado deverá fazer para que sejam os próprios

indivíduos a exercerem os seus direitos e dessa forma obterem a sua habitação,

nomeadamente, aumentar o acesso à educação e ao mercado de trabalho, pois estes

são fatores que geralmente facilitam e potenciam o acesso à habitação. Claro está que

devem ser consideradas as exceções como incapacidades físicas, emocionais,

sociais, etc e nestes casos, o acesso à habitação deve ser provido pelo Estado de

forma a que todos os cidadãos sem distinção possam atingir a plena satisfação dos

seus direitos.

1.4 – O realojamentoIniciando este ponto pela definição do conceito de realojamento e procurando

novamente no Dicionário Priberam da língua portuguesa, percebemos que este

vocábulo não existe. Existe o termo realojar que significa voltar a alojar ou a alojar-se

noutro local. Tanto quanto entendemos, trata-se obviamente de um processo e nas

palavras de Cardoso, 1993, citadas por Carapinha, 2010, “apresenta-se como um

processo de reestruturação da vida quotidiana e de um conjunto de práticas ligadas ao

meio de residência dos indivíduos, […] às quais está subjacente a passagem para um

novo quadro de vida e uma adaptação a esse novo quadro.” O realojamento é um

processo de “urbanização à força”, conforme mencionado (Bairro do Cabrinha/ Casal

Ventoso – processo de Realojamento)

A vivência de um processo como este, leva muitas vezes à rotura de vínculos dos

indivíduos, com todo o seu ambiente físico e social, provocando um desequilíbrio

emocional que importa não descurar requerendo algum cuidado no processo de

transição e readaptação destas pessoas. Essa readaptação só poderá ser bem

sucedida e eficaz, se forem contempladas todas as identidades socioculturais de cada

um, as redes de relações anteriormente construídas, os laços sociais criados assim

como os projetos e estratégias de vida pessoais (Rodrigues 1989 citado por Cardoso

& Perista 1994 mencionado por Carapinha 2010).

Um processo de realojamento tem como principal objetivo, resolver os problemas

relacionados com habitações degradadas e de indigna habitabilidade, mas tem sido

um processo ineficiente no que diz respeito ao combate à pobreza e exclusão social,

acentuando até, as desigualdades sociais, referido por Carapinha, 2010.

Na construção de bairros para realojamento, os modelos urbanísticos de habitação,

têm sido alvo de muitas críticas, conforme expõe Carapinha, 2010, (citando Ferreira

1994 citado por Freitas 1995), nomeadamente pela

Page 10: Trabalho politicas de habitação

“…aridez e uniformidade da arquitetura; uso de materiais desvalorizados;

escassez ou ausência de espaços públicos e de equipamentos; ausência de

arranjo dos espaços exteriores; ocupação sem conclusão das infra-estruturas;

ausência ou deficiências de transportes públicos; localização em zonas

periféricas, estigmatizadas e segregadas do restante tecido urbano.”

Na nossa opinião e fundamentados pelas palavras de Carapinha, 2010, referindo

Guerra, 1994, os programas de realojamento que têm vindo a ser realizados, não têm

tido o sucesso que se desejaria, não só mas também por via de se ter em conta

apenas os aspetos financeiros e urbanísticos, descorando o papel ativo das

comunidades, das suas histórias e vivências anteriores, como se as pessoas fossem

objetos que se transportam de um lado e se depositam noutro.

1.5 – O Plano Especial de Realojamento (PER)De acordo com o Portal da habitação, o Programa PER, foi criado pelo Decreto-Lei nº

163/93, de 7 de Maio (última alteração através do Decreto-Lei nº 271/2003, de 28 de

Outubro, com o objetivo de proporcionar às áreas metropolitanas de Lisboa e Porto,

condições para que estes dessem início à erradicação das barracas (que proliferaram

com os movimentos migratórios em Portugal), nos seus concelhos e realojassem estas

comunidades em habitações de custos controlados. Desta forma, eram concedidos

apoios financeiros para que se construíssem, adquirissem ou arrendassem fogos

destinados a realojar os agregados familiares, vindos de bairros de barracas.

Podem ainda, ao abrigo deste programa, ser concedidos apoios financeiros para a

reabilitação, ou aquisição de fogos ou prédios devolutos e pagamento dos custos com

obras de recuperação, desde que estes edifícios se destinem ao mesmo fim

anteriormente referido, ou seja, o realojamento de famílias recenseadas no PER. Este

programa tem incidência especificamente nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto,

embora possam também os restantes municípios do país, proceder a ações de

realojamento em habitações sociais construídas ou adquiridas com o apoio da

Administração Central e instituições bancárias, com financiamentos bonificados. No

âmbito do PER, têm acesso a financiamento “…os municípios aderentes e as

respetivas empresas municipais, as Instituições Particulares de Solidariedade Social,

as pessoas coletivas de utilidade pública administrativa que prossigam fins

assistenciais, as cooperativas de habitação e construção, e os agregados familiares

registados no levantamento efetuado pelos Municípios”. Também as famílias

abrangidas pelo Programa PER e com vista a acelerar o processo de erradicação das

barracas, podem beneficiar do Programa PER-FAMÍLIAS, que lhes permite comprar

casa para habitação permanente, segundo a dimensão do seu agregado familiar, em

Page 11: Trabalho politicas de habitação

local à sua escolha, assim como efetuar obras de reabilitação destinada à sua

habitação permanente. Também e desde que se destinem ao realojamento, as

instituições Particulares de Solidariedade Social, podem aderir ao PER, sendo que as

demolições das barracas em questão fiquem a encargo destes. As Instituições

Particulares de Solidariedade Social têm igualmente acesso aos meios de

financiamento previstos da mesmas forma que os Municípios. Complementarmente os

municípios ou as Instituições Particulares de Solidariedade Social podem celebrar

acordos ao PER, no âmbito do Programa Nacional da Luta contra a Pobreza. São

acordos que visam a inserção social dos agregados familiares a realojar, em que os

todos os encargos são comparticipados até um máximo de 80% a fundo perdido, pelo

Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (Portal da Habitação).

Conforme referido por Carapinha, 2010, segundo Cachaço, 2009 este plano visava

fundamentalmente, a erradicação das barracas, a envolvência vincada dos municípios

nos processos e potenciar uma mudança no estilo de vida característico dos bairros

degradados.

Capítulo II – Contextualização do Bairro do Casal Ventoso

2.1 – O Casal Ventoso

O Bairro do Casal Ventoso correspondia a uma área residencial do concelho de Lisboa

que se estendia “ao longo da zona mais baixa e íngreme” de “uma das encostas do

Vale de Alcântara, ocupando cerca de 10 ha” e inseria-se na freguesia do Santo

Condestável (criada em 7 de Fevereiro de 1959). Era “habitado por classes populares

[…] e […] marcado pela degradação habitacional e ambiental, pelo uso de materiais

provisórios na habitação e por défices, quer infra-estruturais, quer de redes de

abastecimento” (Chaves 2013: 31-32).

Inicialmente era designado por Castelo Ventoso (referência de 1837 num mapa de

Lisboa). “A existirem [vestígios de habitações] não passariam, porventura, de barracas

onde se armazenavam alguns utensílios e produtos agrícolas sem finalidades de

alojamento.” (Chaves 2013: 44).

Chaves refere que as edificações do Bairro eram de baixo custo tecnológico,

transformadas gradualmente de barracas em casas e, em alguns casos, estavam

sobrepostas e interligadas. O universo habitacional constituía-se fechado e

Page 12: Trabalho politicas de habitação

autocontido. Segundo o autor, a estimativa mais credível relativamente ao universo

populacional indicava 3653 habitantes em alojamentos (Chaves 2013: 34).

O Bairro não consistia “num lugar de trânsito, nem para peões, nem para automóveis”

não sendo habitual a entrada de forasteiros existindo “no seu interior, escassas,

degradadas e imbrincadas vias pedonais” (Chaves 2013: 33).

2.3 – A fixação no Casal Ventoso e as suas características habitacionais

Chaves (2013: 45) refere que as alterações no quadro ecológico do Vale de Alcântara

e das áreas circundantes (por exemplo a linha do comboio e as alterações nas redes

de acesso), registadas a partir da década de 1880, tiveram impacto no tecido

habitacional do Bairro do Casal Ventoso que se torna “atractivo” pelos acessos viários

que circundam a sua localização geográfica dando-se começo a “um processo

imparável de reconstrução dos solos”.

A população que se fixa no Bairro oriunda dos movimentos migratórios de finais do

século XIX com o objectivo primeiro de fugir à “miséria dos campos”, apresenta “uma

grande dispersão dos locais de proveniência geográfica” que para além de outras

áreas de Lisboa são “os distritos de Viseu, Castelo Branco e Guarda os principais

responsáveis por estes surtos” (Chaves 2013: 39, 54).

Os primeiros anos do século XX corresponderam à fase inicial de construção do

Bairro (Chaves 2013: 46). A instalação no Bairro não constitui um processo linear,

tendo sido antecedida por “outras tentativas para se obter alojamento no espaço

urbano” sendo que o alojamento no Casal Ventoso significava “descer ao mais baixo

patamar da hierarquia residencial”. O “contexto de grande debilidade económica [tanto

para os arrendatários como para os construtores-senhorios-p.49] com repercussões

legíveis na própria forma de habitar” é a característica comum aos diferentes

processos de fixação no Bairro. Pela dificuldade em conseguirem por si próprias

suportar o valor da renda da habitação, ainda que mais baixa comparativamente a

outras zonas da cidade, “as famílias envolviam-se, muitas vezes, em processos de

coabitação, de coaluguer ou de sublocação”. Segundo Chaves, algumas famílias

alojaram-se no Bairro devido a processos de despromoção social que se traduziam

assim em percursos de despromoção espacial (Chaves 2013: 54-56).

Para além da impossibilidade financeira de habitar noutras zonas da cidade, a

proximidade dos locais de trabalho pela reduzida mobilidade espacial da altura era

também motivo de fixação no Bairro. Assim, a permanência no Bairro passava por

uma questão de sobrevivência “numa situação extrema de privação, próxima, em

alguns casos, dos limites da subsistência física”. As condições habitacionais daqueles

indivíduos “favoreciam o incremento de surtos epidémicos” (Chaves 2013: 57).

Page 13: Trabalho politicas de habitação

Chaves refere que foram “responsáveis pela densificação da área residencial e por

uma maior resistência do tecido habitacional contra as intempéries” a prática de

estratégias de melhoria da condições habitacionais como o alargamento das casas e a

transformação das barracas em casas “através do emprego de materiais mais sólidos”

(Chaves 2013: 56).

É, aproximadamente, por volta de 1910 que se estabelece o “limiar da construção do

Casal Ventoso enquanto «processo legal». A partir desse momento, a situação

começará a ser caracterizada, maioritariamente ou totalmente, pela clandestinidade”

(Chaves 2013: 47).

“[…] O Bairro enquanto edificação sustentada sobre princípios de ilegalidade”

apresenta dois períodos diferentes. Um que vai desde a ascensão das primeiras

edificações clandestinas até à década de 30, no qual o Estado ainda não tinha

desenvolvido mecanismos para dar respostas a uma problemática recente. Neste

período, “esbate-se o problema da ilegalidade da ocupação [pela existência de

processos iniciais de loteamento], ficando por resolver a questão da ilegalidade da

construção”. No segundo período, desde a década de 30 até 1945, “a tolerância

relativa que o Estado demonstrara para com a construção clandestina diminui”. Estes

dois períodos distinguem-se pelo “controlo exercido sobre a clandestino”. A construção

clandestina distingue-se assim por duas valências: (1) “a construção […] antecedida

pela aquisição dos respectivos lotes não urbanizados” e (2) a “apropriação ensaiada

directamente sobre terrenos abandonados, onde a construção parecia impossível”

(Chaves 2013: 49-50).

O período entre 1919 e 1945 “é sobretudo caracterizado pela autoconstrução” que

resultou de duas formas distintas: (1) o “alargamento das construções já existentes,

promovida pelos locatários e pelos senhorios” e (2) a “construção clandestina,

concebida de raiz pelo morador” (Chaves 2013: 49).

Embora o Bairro fosse inatractivo para investimentos habitacionais, as “formas

embrionárias de construção clandestina traduziam as potencialidades económicas e

as próprias aspirações à habitação deste tipo de populações” numa altura “em que se

verificava uma ausência de programas de habitação social” (Chaves 2013: 50).

No final da década de 40, o Casal Ventoso apresentava-se próximo da sua forma

final constituído por três “Casais”: Casal Ventoso de Cima, Casa Ventoso de Baixo e

Viúva Teles (Chaves 2013: 51).

Desde a edificação do Bairro até ao princípio da década de 50, “[…] não existiam,

de forma generalizada […] ocupações ilegais, mas sim algumas práticas ilegais” como

furto de produtos alimentares (Chaves 2013: 61, 63).

Page 14: Trabalho politicas de habitação

Na segunda metade da década de 50, “a construção em altura, a construção de

anexos e o prolongamento das casas foram, fundamentalmente, orientados para o

alojamento de descendentes” e verificou-se a “redução das zonas onde a edificação

era ainda possível” devido às profundas alterações no Vale de Alcântara (construção

da ponte 25 de Abril e da Avenida de Ceuta) que provocou o desmantelamento de

algumas barracas. Assim, verificaram-se “processos de realojamento que foram

dirigidos essencialmente para as zonas de Musgueira e Chelas” (Chaves 2013: 64).

Por esta altura, a “transformação das redes viárias decorreu em paralelo com […] o

declínio industrial do Vale de Alcântara” que gerou despedimentos e o “aumento da

dificuldade de obtenção de emprego nessa área” afectando assim a população do

Bairro que se traduziu num número significativo de desempregados de longa duração.

Nesta época, “a qualificação e a especialização laboral converteram-se em elementos

bastante mais decisivos para a obtenção de trabalho” (Chaves 2013: 64-65).

Neste período (segunda metade da década de 50 a inícios da década de 70) ,

associa-se a prostituição e o proxenetismo às práticas ilegais que parte das pessoas

desenvolviam “em simultâneo com ocupações legais” que lhes facultava “rendimentos

indispensáveis à sobrevivência fisiológica”. Chaves refere que se constituía “uma

espécie de triângulo da sobrevivência cujos vértices correspondiam às várias

possibilidades de obtenção de rendimentos num contexto de marginalidade

económica: trabalho legalmente reconhecido; actividades ilegais; penhora,

mendicidade e fiado” (Chaves 2013: 67).

Desde o início da década de 70 ao início da década de 80, verificou-se “uma

melhoria na generalidade da área edificada que correspondeu à construção de vários

anexos. Esse facto conduziu, em simultâneo com o fornecimento de electricidade,

serviço de esgotos e água canalizada, a um melhoramento das condições

habitacionais de muitos habitantes, o que não significa, contudo, que uma parte

significativa dos alojamentos não tivesse prosseguido um processo de degradação

acelerado” (Chaves 2013: 71).

Se“De facto, se, no início do processo de edificação, o Casal Ventoso foi

temporariamente encarado pela edibilidade camarária como uma solução urbanística

para o alojamento de um determinado tipo de populações migrantes particularmente

desprovidas de recursos económicos, algum tempo depois ele emergia já como o

exemplo extremado de um «bairro difícil», depreendendo-se isso mesmo dos diversos

planos de melhoramento ou dos planos para a construção de um bairro novo de que

temos notícia: em finais da década de 40, finais da década de 60 e ainda

imediatamente a seguir ao 25 de Abril de 1974. Ao procurar intervir neste tipo de

bairros enquanto localidades onde diversos «problemas» da sociedade global

Page 15: Trabalho politicas de habitação

adquirem uma expressão espacial”, o Estado apresentou alternativas como o

alojamento da população noutras zonas da cidade ou a melhoria das condições de

habitabilidade (Chaves 2013: 76-77).

Apesar das propostas apresentadas, a intervenção do Estado é praticamente

inexistente no Casal Ventoso desde a sua génese até ao início da década de 80. As

transformações ocorridas no Bairro como a construção de infra-estuturas viárias

decorrem das modificações da zona de Alcântara na década de 50 e acentuam-se no

pós-25 de Abril com a criação de um balneário público e o abastecimento de água, luz

e serviço de esgotos à maior parte da população (Chaves 2013: 78-79).

2.4 – A exclusão social

Chaves recorre ao “conceito de estigma para caracterizar as representações

largamente maioritárias que a sociedade global produz acerca de uma dada região do

espaço urbano” (2013: 71). Relativamente ao Casal Ventoso o autor realça três

aspectos (2013: 71-72):

a) “dizer que uma região é estigmatizada é o mesmo que afirmar que, para todo o

observador exterior […] a diversidade e a complexidade internas dessa região são

reduzidas […] a uma única característica [socialmente construída e concebida como

problema social] valorizada de forma negativa”;

b) “a região que transporta esse estigma não é apenas portadora do problema, mas

é também concebida enquanto símbolo desse problema”;

c) cada indivíduo associado ao Bairro transporta o estigma individualmente, ou seja,

“o seu portador possui virtualmente o «problema» que se atribui à região por

inteiro”.

O estigma associado ao Casal Ventoso é praticamente tão antigo quanto o próprio

Bairro não incidindo sempre nas mesmas construções sociais. “O Casal Ventoso

transportou vários estigmas, ou seja, foi símbolo de vários problemas que se

sucederam no tempo” (Chaves 2013: 73). “De um estigma baseado na «miséria»

transita-se progressivamente para um estigma baseado na «delinquência».” (Chaves

2013: 75). “À semelhança da estigmatização produzida pelos lisboetas, o Estado

central e a autarquia passam progressivamente a conceber o Bairro como um grave

«problema urbano e urbanístico».” (Chaves 2013: 76).

A “conjuntura de crise do sistema produtivo da primeira metade da década de 80”

gerou “um agravamento das taxas de desemprego a nível nacional” e o aumento da

precariedade laboral que penalizaram a população do Bairro pelos baixos níveis de

qualificação e especialização. Devido a estes processos, registou-se “uma maior

desvinculação relativamente a mercado de trabalho legal” sendo que, “a partir da

Page 16: Trabalho politicas de habitação

década de 90, quer aqueles que ficaram desempregados, quer aqueles que pura e

simplesmente prescindiram da sua inserção no mercado legal, encontraram fontes de

rendimento numa nova actividade ilegal disponível”, o tráfico de drogas que permite “a

obtenção de rendimentos muito superiores aos que se podem auferir das ocupações

legais disponíveis” (Chaves 2013: 93-95).

O Bairro do Casal Ventoso “constitui até à década de 80 um paradigma de uma área

com um «panorama de problemas multifacetado», a partir da década de 90 este foi

enriquecido com mais um: o do narcotráfico. A sobreposição de «problemas» numa

mesma área […] elevaram-no [o Bairro], nas representações colectivas, a uma espécie

de fonte endémica geradora de problemas para a cidade” deixando de “consistir um

mero exemplo para se converter progressivamente num símbolo do «problema da

droga», ou mesmo numa grande parte do «problema em si»” (Chaves 2013: 101-102).

Assim, “um processo de estigmatização que incida sobre o espaço do Bairro incide

também sobre cada um dos seus moradores individualmente a não ser que cada um

deles oculte, quando tal se afigura possível, a sua zona de residência” (Chaves 2013:

105).

Nas palavras de Augusto (2000):

“Os bairros sociais acabam por reconstruir espaços de aglomerados de

pobreza urbana, concentrando no seu interior os principais grupos de risco e

contribuindo para uma interiorização da exclusão, com consequências

previsíveis, inclusivamente, na socialização para o desvio. Não estranha,

portanto, a associação que mecanicamente as populações urbanas

estabelecerem entre bairro social e desvio, criminalidade ou delinquência.”

2.3 – O desmoronar do bairro

Pela convergência de diferentes problemáticas que tornaram a realidade do Bairro

“num emblema de degradação física e humana, […] a sua reabilitação e o

realojamento dos seus residentes” tornaram-se prioridade (Sampaio citado por Soares

2010: 16). “A construção da Avenida de Ceuta levou à maior exposição de toda a

encosta onde se localizava o bairro, pondo em evidência os seus problemas

urbanísticos e sociais que faziam […] com que esta zona fosse fortemente

estigmatizada e excluída da cidade.” O Bairro foi então demolido, sendo os seus

habitantes realojados entre 1999 a 2002 no âmbito do Programa Especial de

Realojamnento (PER) financiado pelo Programa de Iniciativa Comunitária (PIC)

URBAN I (1994-2001) (Soares 2010: 16).

Page 17: Trabalho politicas de habitação

Capítulo III – O realojamento na Quinta do Cabrinha

3.1 – O Processo de Realojamento

No Quadro Comunitário de Apoio II (QCA II) caracterizava no Plano Estratégico de

Lisboa (PEL) da Câmara Municipal de Lisboa (CML), a zona do Bairro do Casal

Ventoso como “uma zona de intervenção prioritária devido à degradação física das

habitações e do espaço urbano envolvente, acompanhada de uma forte degradação

social.”

Ainda de acordo com a caracterização inicial da zona de intervenção do QCA II a CML

realizou um levantamento das infraestruturas básicas e condições de habitabilidade

em 1992 tendo detetado “cerca de 39% das habitações das habitações não

dispunham de água canalizada, 27% não estavam ligadas à rede de saneamento

básico e 9% não dispunham de luz eléctrica. E cerca de 42% não estavam equipadas

com cozinha, e só cerca de 48% dispunham de casas de banhos.” Houve necessidade

de realizar um inquérito local específico, entre 1992/93 que veio a confirmar a

estabilidade da população residente dos dados de 1982. Cerca de 4300 pessoas.

A CML apresentou então uma candidatura ao Programa de Intervenção Comunitária

(PIC) URBAN II, programa comunitário que tinha como objetivos:

“1) promover a melhoria da qualidade de vida das populações de centros urbanos ou

de subúrbios em crise das grandes cidades, pela formulação e a aplicação de

estratégias inovadoras de revitalização sócio-económica sustentável;

2) fomentar o desenvolvimento e o intercâmbio de conhecimentos sobre a

revitalização e o desenvolvimento urbano sustentável.”

Além desta candidatura apresentou também uma candidatura no âmbito do Plano

Especial de Realojamento (P.E.R.). O Programa Especial de Realojamento visava

proporcionar aos municípios condições para proceder à erradicação das barracas

existentes e ao, consequente, realojamento dos seus ocupantes em habitações de

custos controlados. O PER para as áreas metropolitanas de Lisboa e Porto foi criado

pelo Decreto-Lei nº.163/93 de 7 de Maio, tendo a sua última alteração através do

Decreto-Lei n.º 271/2003, de 28 de Outubro, e visava proporcionar, aos municípios

daquelas áreas, condições para proceder à erradicação das barracas existentes,

concedendo apoios financeiros para a construção, aquisição, ou arrendamento de

fogos destinados ao realojamento de agregados familiares residentes nessas barracas

e habitantes similares.

Page 18: Trabalho politicas de habitação

Devido à ligação destes projetos de reconversão e realojamento do bairro do casal

ventoso e de vários apoios, foi necessário criar o “Gabinete de Reconversão do Casal

Ventoso”. Este foi criado através do decreto-lei nº 262/95 de 4 de outubro (Anexo I)

com o intuito de realizar o enquadramento institucional do projecto e fazer a ligação

entre Estado e C.M.L.

Ainda nos anos 1980, cabe também referir o Plano de Intervenção a Médio Prazo

(pimp), que projetava o realojamento de famílias residentes em habitações precárias.

Legislado em 1987 (Decreto-Lei n.º 226/87 de 06-06-1987), deu origem à construção

de 9698 fogos até 1993 (Farina, 2001, p. 57)

O Programa PIMP - Plano de Intervenção a Médio Prazo

O Enquadramento legal do PIMP remete para os Decreto-Lei 110/85 de 17 de Abril,

366/85 de 11 de Setembro e 226/87 de 6 de Junho. O Programa surge no âmbito de

um quadro de investimentos sujeitos ao regime de coordenação e cooperação entre

Estado e Autarquias, definindo as linhas de colaboração em matéria de investimento e

promoção de habitação social. A promoção de habitação social para erradicação de

barracas implicava o realojamento das famílias mediante um planeamento a médio

prazo e baseava-se no levantamento prévio exaustivo das situações existentes de real

carência habitacional. Previa a comparticipação de 50% a fundo perdido pelo IGAPHE

e o recurso ao financiamento do INH para os restantes 50%. Foi o primeiro dos

Programas de Realojamento do Município de Lisboa que visava de forma planeada e

sustentada a erradicação das cerca de 20.000 barracas da cidade de Lisboa.

A CML no seu Relatório Final do programa de Realojamento do PER e PIMP define os

critérios de realojamento (ANEXO II) e o mapa de recenseamento inicial do PER onde

constavam 338 famílias (ANEXO III) em condições de serem realojadas.

Entre 1998 e 2002 foram construídas no âmbito do programa URBAN e PER 972

fogos, tendo a construção da Quinta do Cabrinha com 248 fogos ficado concluída em

1998.

No seu “Relatório Final dos Programas de Realojamento do PER e PIMP” o Pelouro

da Habitação da CML descreve o processo da seguinte forma:

“O realojamento de 248 famílias na Quinta do Cabrinha foi o primeiro do

processo de reconversão do Casal Ventoso.”

“PROGRAMA DE CONSTRUÇÃO – 1.ª Fase: Programa Especial de Realojamento

(PER) para construção de 10 edifícios (248 fogos) na Quinta do Cabrinha, concluída

em 1998; 2.ª Fase: PER para construção de 8 edifícios (205 fogos) na Av. de Ceuta

Sul, concluída em 2001; 3.ª Fase: PER para construção de 18 edifícios (395 fogos) na

Av. de Ceuta Norte, concluída em 2002, 4 edifícios (64 fogos) na Rua Maria Pia,

concluída em de 2002; 6 edifícios (100 fogos) no Casal Evaristo (só foram concluídos

Page 19: Trabalho politicas de habitação

3 edifícios – 60 fogos) em 2002. O realojamento do Casal Ventoso foi ainda efectuado

no âmbito no Programa URBAN II.

REALOJAMENTO – 1.ª Fase: Famílias realojadas em 1999, oriundas do Casal

Ventoso de Baixo; 2.ª Fase: famílias realojadas em 2001, oriundas do Casal Ventoso

de Cima e de Vilas existentes na zona da Maria Pia e da Meia-Laranja; 3.ª Fase:

realojamento local, em 2002, de famílias maioritariamente residentes no Casal

Ventoso de Cima.

INÍCIO GESTÃO DA GEBALIS – De 1 de Julho de 2002 a 30 Dezembro de 2003, em

gestão mista com a CML; gestão global desde 1 de Janeiro de 2004

Nº DE HABITANTES – 3.916

Nº DE LOTES – 71

Nº DE FOGOS EXISTENTES – 1.152

Nº DE FOGOS GERIDOS GEBALIS – 1.022

EQUIPAMENTOS LÚDICOS/DESPORTIVOS – Piscinas Municipais e Ringue; Parque

Infantil”.

3.2 – A (Re)Construção de uma nova identidade e o apoio social no processo de

inclusão.

Para Amartya Sen pobreza é “a habilitação, que permite o acesso de que os

indivíduos podem dispor, e a capacidade para que estes possam funcionar e tentar

encontrar as condições ideais que desejam.” Sen, (1999) citado em Perista, (2010).

De uma forma mais simples podemos concluir que pobreza como a carência de

recursos.

Carmo (1996) refere-se à pobreza como “nível mínimo de subsistência, isto é, estimar

o montante mínimo de rendimento que o indivíduo necessita para ter acesso às coisas

essenciais à vida.”

Pobreza e exclusão social não são a mesma coisa, sendo que a pobreza é uma forma

de exclusão social.

Como exclusão social podemos definir como “um fenómeno que provoca

desigualdades no que refere ao acesso ao mercado de trabalho, a uma pensão de

reforma, que permita a subsistência de quem a aufere, a um rendimento suficiente

para cobrir todas as despesas essenciais, a uma habitação condigna e com o mínimo

considerável de condições.” Carmo (1996).

A Plataforma Europeia contra a Pobreza e a Exclusão Social é uma das iniciativas

emblemáticas da estratégia Europa 2020 para um crescimento inteligente, sustentável

e inclusivo. in http://ec.europa.eu/social/main.jsp?catId=961&langId=pt

Page 20: Trabalho politicas de habitação

Segundo o site do Instituto de Gestão do Fundo Social Europeu (IGFSE) “a inclusão

social visa a integração social e profissional dos mais vulneráveis, na sociedade e no

mercado de trabalho, através de respostas sociais adequadas que conduzam ao

apetrechamento destas pessoas em maior risco de exclusão, com as competências

necessárias ao exercício de uma cidadania ativa (isto é, através da aquisição de

aptidões sociais e profissionais relevantes que facilitem a plena integração dos mais

desfavorecidos) ”.

A partir da visão do que é a exclusão social podemos indicar cinco fatores de

exclusão: Habitação, Família, Educação, Saúde, Emprego e Desemprego.

Habitação - Poderemos considerar que as condições de habitabilidade das pessoas

são muitas vezes fatores de exclusão social. Como vimos anteriormente a carência de

recursos leva a que as pessoas sem condições financeiras para arrendar ou comprar

uma casa escolhessem (por exclusão de partes) viver em casas ou barracas sem

aquilo que se considera ser o mínimo adequado à vida humana.

Família – A transmissão de valores de pobreza é uma forma continuada deste

fenómeno. A forma como as famílias vivem o estado de pobreza, determina muitas

vezes o futuro das crianças nascidas no seio destas famílias, quer através da ausência

de recursos disponíveis, quer através de aspectos sociais e culturais que determinam

os modos de vida em situação de pobreza.

Educação – No seio da população pobre é possivel encontrar fracos níveis de

escolaridade, o que constitui uma enorme para a integração no mercado de trabalho.

Existe uma relação entre educação e pobreza que pode ser vista de uma forma de

certo modo como se de um ciclo vicioso se tratasse. As pessoas são pobres porque

não investiram em si próprias na sua educação. Por outro lado os pobres possuem

escassez de recursos que possam aplicar na sua formação. Assim, podemos afirmar

que os baixos níveis de escolaridade intensificam a vulnerabilidade da pessoa face à

pobreza e à exclusão social.

Saúde – Sendo pobres e existindo uma escassez de recursos, este leva a uma

alimentação deficiente e a uma quase ausência cuidados de saúde primária que os

pobres geralmente apresentam. É consensual que os pobres estão mais expostos à

doença porque apresentam uma maior exposição e vulnerabilidade face ao risco de

contraírem doenças. Verificamos então que o estado de saúde influencia directamente

o nível de rendimento das pessoas e das famílias através da apresentação de uma

fraca produtividade e de um aumento de gastos efectuados com os cuidados médicos.

Emprego e Desemprego – Nem sempre podemos considerar que uma pessoa por ter

um emprego não se pode encontrar em risco de exclusão social. Os empregos

precários com baixos salários e más condições, aliados à baixa escolaridade e levam

Page 21: Trabalho politicas de habitação

consequentemente ao barramento de profissões onde poderiam auferir de mais

rendimentos. Observa-se que entre os pobres ganhar um salário não chega muitas

vezes para cobrir as despesas para que possam ter uma vida condigna. Da mesma

forma o desemprego tem que ser visto como uma forma de exclusão social pela

ausência de recursos. Por entre este tipo de população o desemprego de longa

duração tende a ser maior que a média.

Quando falamos de construção ou reconstrução de uma nova identidade no

realojamento dos habitantes do Bairro do Casal Ventoso para a Quinta do Cabrinha

queremos referenciar que tanto pessoas como as famílias do Casal Ventoso deverão

passar a ter outro tipo de condições além duma nova habitação. É por isso uma

oportunidade de realizarem mudanças positivas nas suas vidas. A reabilitação urbana

sem reabilitação social não faz sentido.

Desta forma o programa PIC-URBAN II prevê mais alguns eixos de intervenção que

promovam a inclusão social: “a)Promover a reconversão gradual do bairro de origem

espontânea pertencente à 1ª geração de bairros clandestinos surgidos em Lisboa, em

simultâneo com a sua integração no tecido urbano envolvente revitalizando o carácter

urbano da zona - esta prioridade inclui um conjunto de operações de renovação

urbana de espaços públicos, destinados a elevar a qualidade do espaço público na

zona. b) Reforçar os equipamentos colectivos através da promoção de actividades

sociais, culturais e desportivas. Sendo que os projectos neste âmbito centram-se na

criação de condições básicas para que os agentes locais actuem como promotores

sociais da cidadania, da integração social e da solidariedade entre os grupos menos

favorecidos. c) Combater a exclusão social e as causas de marginalização e

insegurança do bairro através da erradicação do tráfico, do consumo de droga e

desenvolvimento de programas para a criação de emprego, formação profissional e

apoio às instituições que levem à integração social e qualificação profissional - as

medidas neste âmbito visam a elevação das qualificações profissionais da população

local, a promoção do trabalho por conta própria, a constituição de microempresas e a

prevenção e o tratamento de casos de toxicodependência na população local.”

Relatório Final de Execução - PIC URBAN II. (2009).

A estruturação do espaço público, a criação de infraestruturas e de um novo ambiente

urbano, a criação de espaços para novas actividades económicas, o apoio ao auto-

emprego e empreendedorismo e a criação de estruturas lúdicas como Piscinas

Municipais e Ringue e Parque Infantil levam a que se encontrem criadas condições na

Quinta do Cabrinha que promovam a inclusão social.

A C.M.L. através da GEBALIS (gestora dos bairros sociais) promove a ocupação por

parte de entidades e parceiros sociais que desenvolvam projetos de apoio social

Page 22: Trabalho politicas de habitação

através da cedência a rendas muito baixas das lojas dos edifícios tal como o “projeto

Alkantara”; Gabinete de Inserção Profissional ‐ Delegação Regional de Lisboa e Vale

do Tejo; Crescer na Maior - Associação de Intervenção Comunitária; Associação de

Lares Familiares p/ Crianças e Jovens “Novo Futuro”; A ARIA - Associação de

Reabilitação e Integração Ajuda; Banco de Bens Doados; Entreajuda; Associação

Desportiva “Aguias Recreativo Clube”; Programa BIP-ZIP (CML)

Capítulo IV – Análise Empírica

4.1 – Objectivos e questões da investigação

4.2 – Seleção da amostra

4.3 – Procedimentos de recolha da amostra

Capítulo VI – Conclusões

6.1 – aaa

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 23: Trabalho politicas de habitação

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portuguesa – conceitos, dinâmicas e desafios para a acção”, Forum Sociológico [Online],

consultado no dia 14 Maio 2014. URL : http://sociologico.revues.org/165 ; DOI :

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Page 24: Trabalho politicas de habitação

Programa de Iniciativa Comunitária URBAN II Lisboa: Vale de Alcântara (2008) Relatório de execussão 2007 - FEDER

Relatório Final de Execução - PIC URBAN II. 2009 em http://www.ccdr-lvt.pt/uploader/index.php?action=download&field=http://www.ccdr-lvt.pt/files/a6e7c1e83795b6f91a887d56dfbf603d.pdf&fileDesc=Relatorio_Execucao_Final_PIC_URBANII-2009, acedido em 24 de abril de 2014

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ANEXOS

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ANEXO I

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ANEXO II

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ANEXO III

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ANEXO IV

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Gráfico 1 Gráfico 2

Gráfico 3 Gráfico 4

Gráfico 5 Gráfico 6

Gráfico 7 Gráfico 8

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Gráfico 9 Gráfico 10 10100001

Gráfico 11Gráfico 12

Gráfico 13 Gráfico 14

Gráfico 15 Gráfico 16

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Gráfico 17

Gráfico 18

Gráfico 19

Gráfico 20 Gráfico 21

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Gráfico 22 Gráfico 23