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Discute a inserção tecnológica e econômica do software livre através de uma ótica marxista na sociedade da informação. A partir da definição dos conceitos utilizados, faz um resgate teórico que justifica a utilização da teoria marxista para uma análise da atual sociedade com foco nas dinâmicas informacionais, e procura identificar os conceitos de propriedade, trabalho, produção e valor segundo os paradigmas colocados pelo modelo aberto de desenvolvimento de software. O estudo busca fazer uma análise das contradições presentes no modelo de mercado da propriedade intelectual, e como ele tem aos poucos utilizado a flexibilidade e capacidade inovativa do software livre para atingir suas demandas capitalistas.
Citation preview
Vinicius Massuchetto
Representacoes da Teoria Marxista no Software Livre
Curitiba
2012
Vinicius Massuchetto
Representacoes da Teoria Marxista no Software Livre
Trabalho de Graduacao apresentado no cursode Bacharelado em Ciencia da Computacao daUniversidade Federal do Parana como requisitoparcial para obtencao do tıtulo de Bacharel emCiencia da Computacao.
Orientador: Luis Allan Kunzle
Curitiba
2012
Trabalho de Graduacao do curso de Bacharelado em Ciencia da Computacao da
Universidade Federal do Parana sob o tıtulo de Representacoes da Teoria Marxista no Software
Livre, defendido por Vinicius Massuchetto e aprovada pela banca examinadora constituıda por:
Prof. Dr. Luis Allan KunzleOrientador
Universidade Federal do Parana
Prof. Dr. Alexandre Ibrahim DireneUniversidade Federal do Parana
Prof. Dr. Andre Luiz Pires GuedesUniversidade Federal do Parana
Resumo
MASSUCHETTO, Vinicius. Representacoes da Teoria Marxista no Software Livre.2012. 74 f. Trabalho de Graduacao (Bacharelado em Ciencia da Computacao) – Departamentode Informatica, Universidade Federal do Parana. Curitiba, 2012.
Discute a insercao tecnologica e economica do software livre atraves de uma oticamarxista na sociedade da informacao. A partir da definicao dos conceitos utilizados, fazum resgate teorico que justifica a utilizacao da teoria marxista para uma analise da atualsociedade com foco nas dinamicas informacionais, e procura identificar os conceitos depropriedade, trabalho, producao e valor segundo os paradigmas colocados pelo modelo abertode desenvolvimento de software. O estudo busca fazer uma analise das contradicoes presentesno modelo de mercado da propriedade intelectual, e como ele tem aos poucos utilizado aflexibilidade e capacidade inovativa do software livre para atingir suas demandas capitalistas.
Palavras-chave: software livre, marxismo, sociedade da informacao
Abstract
MASSUCHETTO, Vinicius. Representations of Marxist Theory in Free Software.2012. 74 p. Undergraduate paper (BSc. Computer Science) – Information Department, FederalUniversity of Parana. Curitiba, Brazil, 2012.
Discuss the technological and economical appliances of free software through theMarxist perspective in information society. Starting from some basic concepts, aims to justifythe use of the Marxism critique to analyse our current society, and tries to identify the conceptsof property, labour, production and value in the free software paradigm. The study aims to bean analysis of intellectual property contradictions, and how this model uses the flexibility andinnovation capacity of free software to reach capitalist goals.
Keywords: free software, marxism, information society
Lista de Figuras
Figura 2.1 Mapa historico-generativo de termos e ideias do software livre . . . . . . . . . . . . 5
Figura 3.1 Marx na Internet: “Eu avisei que estava certo sobre o capitalismo” . . . . . . . . . 21
Figura 4.1 As profecias de Marx se concretizam . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Figura 4.2 As quatro restricoes do capital sobre o indivıduo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Figura 4.3 A regulacao exercida pela GPL . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Figura 4.4 Programar software livre e uma pratica comunista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
Figura 4.5 Propaganda anti-Linux da Microsoft . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 60
Figura 4.6 O paradigma de inovacao segundo o modelo aberto . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 64
Lista de Tabelas
Tabela 4.1 Porque os membros da comunidade contribuem com o Fedora Linux . . . . . . 55
Tabela 4.2 Criterios de escolha de software livre pelas empresas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59
Sumario
1 Introducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 1
2 Conceitos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 3
2.1 Software livre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 3
2.2 Sociedade da informacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 6
2.3 Marxismo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 10
3 Marxismo como modelo teorico . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 13
3.1 Uma alternativa de analise . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 13
3.2 O marxismo na era da informacao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 17
4 Relacoes dos conceitos marxistas com o software livre. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 23
4.1 Propriedade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 23
4.2 Producao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 32
4.3 Trabalho . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 39
4.4 Valor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 51
5 Conclusao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 66
Referencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . p. 70
1
1 Introducao
Introduzir um tema cruzado que envolve o marxismo e a sustentacao de seus conceitos
no mundo da computacao nao e uma tarefa facil. Alem do acumulo teorico necessario, e preciso
lidar com os estigmas e interpretacoes antagonicas que inevitavelmente surgem no decorrer das
discussoes.
Analises sociais nao sao o foco dos cursos de Ciencia da Computacao, e embora neste
contexto existam algumas dificuldades no desenvolvimento teorico de um trabalho cientıfico
com um foco social, entende-se que um olhar diferenciado nas particularidades do mercado da
informatica sejam de grande relevancia para a compreensao de nosso momento historico.
Os conceitos e metodos utilizados para as interpretacoes aqui presentes nao sao
unanimes, e introduzem visoes que tambem podem nao ser as mais adequadas para outras
construcoes teoricas. Entende-se que este e um processo intrınseco da producao academica,
e acaba sendo, no final das contas, o grande impulsor do seu desenvolvimento.
O trabalho tambem deve ser compreendido dentro de suas limitacoes como um trabalho
de graduacao, e que se propoe a ser um estudo mais breve e pontual. As analises aqui presentes
sao adaptacoes para uma nova realidade historica, e constituem uma recente vertente de estudos
socialistas que tem como foco toda a sociedade atual. A cobertura abrangente do tema e o
devido tratamento de suas minucias requer outros ambitos academicos.
O Marxismo nao e uma religiao e nao pode explicar tudo, mas pode, no entanto,
oferecer uma diretriz de analise razoavel e que leve a investigacoes que afastam o determinismo
tecnologico tao presente no trabalho fortemente tecnico do desenvolvimento de software. Antes
de mais nada, este trabalho trata-se de uma tentativa de desmembramento das questoes de nossa
sociedade segundo um ferramental teorico que de enfase as dinamicas economicas colocadas
pelo software livre.
O software da maneira como o conhecemos e um bem bastante peculiar na sociedade
atual, pois ao contrario de outros produtos que sao comercializados ha centenas de anos
seguindo a mesma metodologia de troca, o conjunto de informacoes contidas em um programa
2
nao obedece as regras tradicionais do mercado. A comercializacao do software – ou da
informacao, quando tratamos o software de uma maneira mais ampla – levou a criacao de novos
mecanismos regulatorios respaldados pelo estado e suas instituicoes.
Neste contexto surge o software livre de uma maneira mais informal para atender
demandas academicas, e foi aos poucos integrando-se ao mercado e hoje mostra-se como
uma alternativa viavel as mais diversas aplicacoes. Possui como aspecto central a garantia de
distribuicao das informacoes que o compoem atraves de uma licenca livre, ou licenca copyleft,
e que impede que pessoas ou organizacoes possam apropriar-se dele de maneira exclusiva.
Se para garantir que o software fosse inserido nas condicoes tradicionais de mercado
se fez necessaria a criacao de mecanismos legais, o que pode-se fazer quando estes mesmos
mecanismos sao utilizados para proteger o livre acesso a informacao?
Neste contexto, o aspecto central que torna o software livre especial e exatamente a sua
capacidade de modificar e redistribuir as relacoes economicas ate entao existentes em outros
mercados. O paradigma de comercializacao de software deixa de ser somente fundamentado
por premissas que se aplicavam ate entao a produtos materiais.
Com base nisso, o trabalho busca em um primeiro momento, conceituar sua tematica,
e logo depois subsidiar a escolha dos parametros marxistas utilizados para analise, introduzindo
tambem autores que ocupam-se da mesma perspectiva para com o que chamaremos de
‘sociedade da informacao’.
Embora a apropriacao do metodo em questao seja difıcil atraves da divisao modular
de seus conceitos, uma separacao foi feita para fins metodologicos do que se entende por
propriedade, producao, trabalho e valor. A construcao das relacoes sobre estes conceitos
tem por finalidade uma familiarizacao das dinamicas de producao de software com o sistema
capitalista, e busca discutir suas enfases e impactos na sociedade atraves da exposicao de suas
contradicoes.
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2 Conceitos
2.1 Software livre
Dentre as subdivisoes dos componentes de um computador, o termo software e
constantemente dissociado em conceitos menores e que sao usados pelos autores para atender
seus respectivos contextos. Para este trabalho, no entanto, uma definicao convencional e:
[. . . ] todos os componentes funcionais nao fısicos de um computador, eportanto, nao somente os programas em si, mas tambem os dados a seremprocessados por eles. (ENGELHARDT, 2008, p. 1, traducao e grifo nosso).
Esta definicao e especialmente util para fazer a diferenciacao entre software livre e
proprietario. A Fundacao do Software Livre – uma das principais entidade em defesa da
liberdade digital, definiu as quatro liberdades do software livre (STALLMAN, 2007).
• Liberdade 0: A liberdade de executar um programa para qualquer que seja a finalidade e
em qualquer condicao;
• Liberdade 1: A liberdade de estudar um programa e de modifica-lo como for desejado –
ter acesso ao codigo-fonte e uma condicao para esta liberdade;
• Liberdade 2: A liberdade de redistribuir copias de um programa, e assim ajudar outras
pessoas a ter acesso a este programa;
• Liberdade 3: A liberdade de melhorar um programa e de distribuir novas versoes para o
publico, e assim beneficiar toda a comunidade.
Tambem e necessario fazer a distincao entre software livre e gratuito, ja que a
traducao em ingles para ambas as palavras e free, e isso acaba gerando bastante confusao no
entendimento do conceito. Embora a maior parte dos softwares livres sejam gratuitos, temos
que boa parte dos softwares gratuitos nao sao livres segundo as quatro liberdades enunciadas
acima. Nestes softwares – os chamados freewares, existe uma liberdade muitas vezes restrita
4
para executar o programa, mas nao podemos ver seu codigo fonte e muito menos modificar e
redistribuir copias personalizadas dele.
Muitas pessoas nao familiarizadas com o conceito e suas interacoes de mercado
perguntam-se qual a vantagem de se desenvolver produtos em software livre ja que nao se pode
vende-los. Esta visao – que sera detalhada mais a frente – e a propria interpretacao do sistema
em que vivemos sobre os conjuntos de conhecimento gerados pela humanidade. Embora
o produto de software possa ser distribuıdo gratuitamente, o que esta sendo comprado na
maioria das vezes e o conhecimento tecnico atraves do trabalho humano em instalar, modificar,
melhorar, configurar e promover treinamento sobre um determinado produto.
Neste sentido, como o trabalho e colaborativo e transparente para os desenvolvedores,
o custo e distribuıdo entre as empresas interessadas em utilizar estes softwares. Novas
funcionalidades sao introduzidas a medida que demandas sao criadas e escolhidas para
implementacao, e versoes personalizadas de um produto principal podem ser criadas para
atender requisitos especıficos.
Porem, nao somente por estas questoes e que existe a preferencia pelo software
livre. Para o mercado de software de uma maneira mais especıfica, vemos a expressao destas
vantagens sendo frequentemente enunciadas pelos autores da area. Kaminsky (2009) lista uma
serie delas, sendo as principais:
• uma maior participacao de desenvolvedores pelo mundo todo, o que resulta em um
software mais revisado e seguro, ja que mais pessoas tem acesso ao codigo-fonte e sao
capazes de identificar suas vulnerabilidades;
• o aumento da dificuldade para formacao de monopolios de prestacao de servicos, pois as
solucoes estao disponıveis tambem para outras empresas que podem a qualquer momento
obter uma copia do produto em questao e prestar os mesmos servicos em relacao a ele;
• e possıvel que os recrutadores tenham um melhor conhecimento das habilidades dos
desenvolvedores ao seleciona-los para um determinado cargo, ja e possıvel tambem ter
acesso as contribuicoes dadas por eles aos projetos de software livre.
A fim de facilitar a compreensao das dinamicas da cultura livre, Shaver (2008) propoe
um diagrama de termos e ideias que, a partir do software livre deriva outras definicoes presentes
no mercado, resultando na enfase de algumas de suas qualidades.
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Figura 2.1: Mapa historico-generativo de termos e ideias do software livre
Fonte: Shaver (2008)
Para este trabalho, no entanto, o valor fornecido pelo software livre a ser mais utilizado
e elementar, e tem a ver com a ideia de liberdade tao presente na atividade de desenvolvimento
de software. Trata-se da propriedade intelectual, ou ainda de forma mais detalhada, dos direitos
sobre os diferentes tipos de usufruto das invencoes em todos os domınios da atividade humana.
Um modo interessante de definir estes usufrutos e pela analise da definicao das proprias
liberdades do software livre. Para qualquer invencao ou conhecimento que exista, podemos
identificar quem legalmente pode utiliza-la, redistribuı-la – com e sem objetivos comerciais – ou
modifica-la. No modelo proprietario do uso de bens, estas responsabilidades geralmente caem
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sobre atores diferentes, cada qual com seu exercıcios sobre direitos formalmente adquiridos.
Para entender este conceito de liberdade, e preciso expandir a aplicacao do significado
e nao focar somente nos meios de acesso a bens materiais. E justamente este aprisionamento
que tem levado o conceito de software livre a ser ainda muito ligado a justificativas que no final
das contas sempre levam a argumentos de cunho financeiro.
O termo “software livre” e suscetıvel a muitas interpretacoes erroneas: aum argumento nao intencional como “software que pode ser adquirido semcusto” se encaixa tao bem quanto “software que da certas liberdades aousuario”. Resolvemos este problema publicando a definicao de softwarelivre, e por dizer “pense em ‘liberdade de expressao’, nao em ‘cervejagratis”’. Esta nao e a solucao perfeita e nao vai eliminar o problema. Umatermo correto e sem ambiguidade seria melhor, se tambem nao tivesse outrosproblemas... Toda substituicao proposta para o termo “software livre” temalgum tipo de problema semantico – e isso inclui o “software de codigoaberto”. (STALLMAN, 2007, traducao nossa).
Sem deslegitimar a importancia da viabilidade economica da implantacao de software
livre nas organizacoes, as secoes seguintes procuram discutir os programas de computador
em outros nıveis de abstracao, e consequentemente requerem o abandono de impressoes
exclusivamente estigmatizadas nao so em relacao ao software livre, mas tambem em relacao
aos modelos teoricos a serem tratados.
2.2 Sociedade da informacao
E evidente que nossa sociedade passa por uma profunda transformacao ditada pelo
desenvolvimento tecnologico, e que isto traz um impacto substancial no modo de vida que
temos. Embora nao seja consensual entre os estudiosos da area de que ja ultrapassamos um
marco que torna possıvel a definicao de um novo modelo de sociedade, e necessario para os
objetivos deste trabalho adotar um termo de tratamento a permeacao da tecnologia na sociedade.
Segundo Castells (1999), as diversas revolucoes tecnologicas ocorridas ao longo da
historia sao marcadas, basicamente, por sua penetrabilidade em todos os domınios da atividade
humana. Em outras palavras, define-se uma nova era quando as inovacoes tecnologicas induzem
uma profunda modificacao nas relacoes entre as pessoas, o que envolve inclusive as relacoes de
poder e producao em uma sistematica economica. Para Masuda (1980), a magnitude destas
transformacoes e equiparavel a outros marcos singulares da historia.
Na historia documentada, existem tres impulsos de mudanca fortes o suficientepara alterar o homem em sua essencia. A introducao da agricultura [. . . ] a
7
revolucao industrial [. . . ] [e] a revolucao tecnologica de processamento dainformacao [ou revolucao da informacao]. (MASUDA, 1980, grifo nosso).
Ao longo deste trabalho, os termos sociedade da informacao ou era da informacao
sao frequentemente usados, e por tratar-se de um termo bastante recente – alvo dos estudos
antropologicos que tomam por base o impacto da tecnologia na sociedade, nao existe uma
definicao universalmente aceita e muito menos um perıodo consensualmente estabelecido
para apontar marcos e eventos determinantes em termos de contextualizacao historica
(KARVALICS, 2007).
Assim, o uso do termo e colocado de modo a remeter ao novo paradigma de sociedade
em que atualmente nos encontramos, no qual a dinamica dada a informacao e seus sistemas nao
define somente o modo de funcionamento dos mercados, mas tambem orienta transformacoes
sociais, economicas e culturais.
Ha ainda, dentre os estudos sobre o impacto da tecnologia na sociedade, o surgimento
de outro termo e conceito chamado de sociedade do conhecimento. As interpretacoes
apresentadas sao variaveis, tais como:
• uma forma mais progressista de se referir a sociedade da informacao;
• uma forma mais abrangente de se referir a sociedade da informacao, sendo esta um dos
componentes da sociedade do conhecimento;
• Uma forma mais atual e que sera vez cada mais utilizada, com a gradativa substituicao de
sociedade da informacao por sociedade do conhecimento.
A partir desta confusao de atribuicoes, Karvalics (2007) defende uma separacao
artificial a fim de facilitar o estudo, evitar ambiguidades e favorecer os aprofundamentos das
pesquisas em tecnologia e sociedade. Esta separacao nos e especialmente util, visto que ambas
as terminologias – informacao e conhecimento – sao frequentemente usadas no estudo do
desenvolvimento livre de software, e que podem ser apropriadamente distinguidas. Para isso,
nos pautamos em tres principais topicos.
• Os processos de producao da informacao se dao na mente dos indivıduos, nao em
ambientes naturais ou artificialmente controlados, por mais que sua expressao possa
ocorrer em meio material.
• Os sistemas de tecnologia da informacao operam com a informacao convertida em
sımbolos, pois computadores processam nada mais do que sımbolos. Mentes e intelectos,
por sua vez, processam informacao.
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• Conhecimento pode ser definido como informacao organizada, transformada e
contextualizada. Desse modo, ao falar sobre conhecimento e informacao, falamos de
dois componentes indivisıveis de um unico universo cognitivo.
Dentre as diversas definicoes nos campos social, economico, cultural, filosofico,
tecnico e educacional, existe aquela impressao popular com um tom predominantemente liberal
e progressista em relacao a aplicacao da tecnologia na sociedade, apresentando basicamente
um instrumento de melhoria da qualidade de vida, e que esta disponıvel principalmente
para oferecer agilidade, comodidade, melhores condicoes de trabalho e mais opcoes de
entretenimento.
Esta visao e, de fato, como a maior parte da populacao brasileira tem enxergado a
evolucao tecnologica. Em 2010, cerca de 95% das pessoas acreditava que o impacto que a
tecnologia causa na sociedade possui benefıcios consideravelmente maiores do que os possıveis
malefıcios, ou ao menos o mesmo grau entre benefıcio e malefıcio (TECNOLOGIA, 2010).
Uma crescente esperanca de que estas mudancas irao cada vez mais trazer melhorias
para o nosso modo de vida podem ser notadas atraves dos mesmos dados obtidos em 2006,
quando 28% das pessoas acreditava que a tecnologia trazia somente benefıcios. Em 2010,
temos que 38,9% das pessoas possuıam esta mesma opiniao (TECNOLOGIA, 2010).
Por outro lado, uma visao cientıfica um tanto menos romantica – para nao dizer
pessimista, apresenta a sociedade do conhecimento como uma reestruturacao do sistema
capitalista que teve por finalidade principal a ampliacao do poderio economico dos proprietarios
dos meios de producao, e que muito pouco tem a ver com os interesses das massas populacionais
no que se refere a melhoria da qualidade de vida (SODERBERG, 2002).
Charles Babbage, contemporaneo de Marx e considerado o pai da computacao –
inventor da maquina analıtica, um sistema mecanico que mais tarde viria a basear a construcao
dos primeiros computadores – produz trabalhos em economia polıtica sobre o ‘gerenciamento
cientıfico’ dos processos industriais – ou a busca da producao por meios exclusivamente
mecanicos (DYER-WITHEFORD, 1999). Marx (1939) identifica varias de suas constatacoes
nestes trabalhos, pois nao enxerga ali somente o proprio carater tecnocratico do capitalismo,
mas tambem um estudo estrategico para a lutas de classes. Uma crıtica a respeito dos discursos
vangloriantes da tecnologia e colocada nas anotacoes finais de O Capital – os Grundrisse,
mostrando de maneira bem clara a sua visao sobre o progresso da humanidade nos diferentes
campos do conhecimento:
‘O progresso contınuo de sabedoria e experiencia’, diz Babbage, ‘e o nosso
9
grande poder’. Esta progressao, este progresso social pertence e e exploradopelo capital. Todas as formas anteriores de propriedade condenam grandeparte da humanidade, os escravos, a serem puros instrumentos de trabalho.O desenvolvimento historico, polıtico, artıstico, cientıfico, etc. acontece emprivilegiados cırculos sobre suas cabecas. Mas somente o capital subjugouo progresso historico em detrimento do seu enriquecimento. (MARX, 1939,traducao nossa).
A visao popular, logicamente, e bastante diferente. Ela reflete, antes de mais nada, a
falta de formacao e questionamento em relacao a promocao das mudancas tecnologicas, e sequer
coloca os interesses dos seus principais promotores sob suspeita. Parece existir uma aceitacao
facil, generalizada e sem resistencias do discurso daqueles que propagandeiam a tecnologia
como fornecedora de solucoes presentes e amplamente disponıveis, como se a configuracao
do desenvolvimento cientıfico atual nao estivesse longe de ser voltado ao desenvolvimento
economico das minorias sociais.
Buscando descrever as peculiaridades da sociedade da informacao, alguns autores
introduziram desde a decada de 90 o conceito de ciberespaco na teoria da comunicacao. Este
conceito possui origem na ficcao cientıfica das fantasticas novelas que se passam em mundos
e circunstancias futurısticas – literatura que ficou famosa a partir da decada de 30 e que mais
tarde deu origem a cultura cyberpunk (STALLABRAS, 1996), cujo tom lırico e poetico sao
marcantes na propria literatura academica.
Assim como se diz “tem areia”, “tem agua” se diz “tem textos”,“tem mensagens” pois eles se tornam materias como se fossem fluxosjustamente porque o suporte deles nao e fixo, porque no seio do espacocibernetico qualquer elemento tem a possibilidade de interacao com qualqueroutro elemento presente. Entao, isso nao e uma utopia daqueles queexperimentaram, conhecem e participam da Internet. E como se todos os textosfizessem parte de um texto, so que e o hipertexto, um autor coletivo e que estaem transformacao permanente. E como se todas as musicas passassem a fazerparte de uma mesma polifonia virtual e potencial, como se todas as musicasfizessem parte de uma so musica, tambem ela virtual e potencial. (LEVY,1994, p. 3).
Levy (1998) define ainda de forma bastante conveniente – assim como outros autores, o
ciberespaco em um nıvel computacional como o “espaco de interconexao entre os computadores
e as memorias dos computadores”, uma rede vasta, complexa e estruturada de comunicacao.
Em relacao a contextualizacao historica do conceito de sociedade da informacao,
embora alguns autores utilizem-se dos acontecimentos ao redor das polıticas de propriedade
intelectual a partir da decada de 1950, Castells (1999) atribui esta reestruturacao da sociedade
a um momento um pouco mais tardio, e introduz o assunto da seguinte maneira:
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A revolucao da tecnologia da informacao foi essencial para a implementacaode um importante processo de reestruturacao do sistema capitalista a partirda decada de 1980. No processo, o desenvolvimento e as manifestacoesdessa revolucao tecnologica foram moldados pelas logicas e interesses docapitalismo avancado, sem se limitarem as expressoes desses interesses.
Masuda (1980) esquematiza ainda, uma tabela comparativa entre a revolucao industrial
e a revolucao da informacao, e que demonstra como se deu a transformacao dos padroes de
desenvolvimento de uma revolucao para a outra. Os itens a seguir apresentam as principais
caracterısticas destes padroes para a sociedade industrial e da informacao, respectivamente.
• Inovacoes tecnologicas: Motor a vapor, amplificacao do trabalho manual; Computadores,
amplificacao do trabalho mental (conhecimento);
• Estrutura socio-economica: Produtos e servicos, industria da manufatura, fabrica como
o centro da producao; Informacao, tecnologia, industria intelectual, distribuicao da
informacao;
• Estrutura economica: Divisao do trabalho, divisao da producao; Sinergia, processos de
producao integrados;
• Valores sociais: Materiais, direitos humanos e libertacao; Eficiencia, contribuicao social
e globalismo.
Os estudos sobre tecnologia e sociedade estendem-se a uma diversidade de campos
cujos acompanhamentos nao nos cabem aprofundar neste momento, ja que esta secao visa
atender somente a uma necessidade de introducao da complexidade que e a discussao sobre
o termo sociedade da informacao, e esclarecer como se deu o processo historico de formacao
do contexto tecnologico atual. Em todo este contexto, uma definicao bastante razoavel e dada
por Matos (2002), e que e o suficiente para a tomarmos por base e evitar anacronismos quando
o termo for encontrado ao longo deste trabalho.
A sociedade da informacao e uma expressao comumente usada para designaruma forma de organizacao social, economica e cultural que tem como base,tanto material como simbolica, a informacao. Esta sociedade assim organizadaseria aquela em que vivemos. [. . . ] (MATOS, 2002, p. 12, grifo nosso).
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2.3 Marxismo
Variantes do termo marxismo tem aparecido com frequencia para designar as diferentes
vertentes ideologicas que surgiram em torno dos conceitos centrais deixados pelos estudos de
Karl Marx, e acabam por causar divergencias entre os diferentes grupos que se dizem socialistas.
Por marxismo entende-se o conjunto de teorias filosoficas, economicas,sociologicas e politicas, elaboradas por Karl Marx com a colaboracao deFriedrich Engels e desenvolvidas por seus adeptos, em parte ortodoxos e empartes dissidentes. Como as tres fontes principais do marxismo indicam-se:a filosofia idealista alema (Hegel), o materialismo filosofico frances doseculo XVIII, e na economia politica inglesa do comeco do seculo XIX(INTERNACIONAL, 1993).
O metodo Marxista foi concebido atraves da necessidade de analise de uma sociedade
que difere substancialmente daquela em que vivemos. Aplicar este mesmo metodo novamente
requer uma aproximacao cautelosa e pragmatica dos conceitos ja estabelecidos, e que tenha
como objetivo preservar as linhas cientıficas que levaram a sua renomada consolidacao. A
definicao pelo que se conhece por marxismo ortodoxo e dada por Lukacs (1919) – um dos
precursores do conceito – em um artigo classico sobre o assunto.
Marxismo ortodoxo, no entanto, nao implica na aceitacao estatica e semcrıticas das investigacoes de Marx. Nao e a ‘crenca’ nesta ou naquelatese, nem a exegese de um ‘livro sagrado’. Ao contrario, ortodoxiase refere exclusivamente a metodo. E a conviccao cientıfica de que omaterialismo dialetico e a estrada para a verdade e que seus metodos podem serdesenvolvidos, expandidos e aprofundados somente atraves das linhas tracadaspor seus fundadores. E a conviccao, ainda, de que todas as tentativas deultrapassar ou ‘melhorar’ estas metodologias levaram e devem levar sempre auma maior simplicidade, trivialidade e ecleticismo. (LUKACS, 1919, traducaonossa).
Desta forma, uma analise que se proponha a um metodo ortodoxo sobre qualquer
estrutura social deve ter como alicerce o conceito central de materialismo dialetico, observando
sempre as transformacoes dos modos de producao com o entendimento de que elas acarretam
novas mudancas tambem nas relacoes sociais.
Em uma tentativa de entender melhor as crescentes e intensas transformacoes sociais
vivenciadas pela humanidade desde a epoca de Marx, e como forma de adaptacao e suprimento
de deficiencias da teoria inicial a novas analises, diversas vertentes marxistas foram iniciadas,
cada qual atendendo sua demanda e concepcao.
Uma destas vertentes resulta de estudos realizados no seculo XX denominado de
neo-marxismo, e que buscam combinar elementos de outras linhagens intelectuais com aquelas
12
solidificadas no marxismo ortodoxo, introduzindo conceitos do existencialismo e gerando novas
metodologias como o marxismo analıtico e o marxismo estrutural, e tambem influenciando
novos movimentos sociais, como a nova esquerda, o movimento hippie e o estudantil.
O neo-marxismo pode ser considerado como uma resposta dos estudiosos as estrategias
de globalizacao do capitalismo, ja que muitos deles descrevem teorias de economia global e
buscam explicar os processos de monopolizacao dos mercados e concentracao das riquezas,
frequentemente inserindo novos termos e conceitos.
Porem, existem pertinentes discussoes acerca da preservacao do marxismo
convencional nestes estudos, e o quao eles estariam empregando os metodos ortodoxos
adequadamente. Neste sentido, sua eficacia no subsıdio das revolucoes tambem acabam sendo
questionadas.
A tematica marxista para o tratamento do software livre – ou em outras palavras, o
proposito de aplicacao deste modelo teorico em um processo mais especıfico da sociedade da
informacao – e tratado a seguir por uma serie de secoes que buscam justificar a escolha deste
modelo.
13
3 Marxismo como modelo teorico
3.1 Uma alternativa de analise
Ja antes dos primeiros computadores, com a vertente iluminista da filosofia da
liberdade no seculo 18, este tema em concepcoes mais modernas ja era centro de debates em
busca da compreensao da complexidade humana (BRISTOW, 2010).
Em tempos em que as monarquias possuıam alto sigilo sobre o progresso tecnologico,
suas polıticas e informacoes (DORIGO, 2005), o inıcio do pensamento sobre o que de fato seria
a liberdade do homem toma grande importancia no questionamento das logicas protecionistas.
Friedrich Schiller, por exemplo, cita entre sua colecao de cartas a seguinte passagem:
A cultura, longe de nos dar liberdade, somente desenvolve novas necessidadesao longo do tempo. As correntes do mundo fısico nos apertam cada vezmais de modo que o medo da perda extingue ate o mais ardente impulso emdirecao a inovacao, enquanto a obediencia passiva e mantida como a maior dassabedorias da vida. (SCHILLER, 1909, traducao nossa).
Inumeros filosofos, matematicos e outros cientistas – dentre eles os precursores da
revolucao francesa – viriam a trabalhar sobre as primeiras perspectivas do que se conhece sobre
direitos humanos. Os trabalhos feitos por eles foram importantes para a insercao do uso da
razao em tematicas relacionadas a livre religiao, anti-escravismo, anti-colonialismo e liberdade
de expressao. Formava-se uma nova concepcao do que se entendia pelo papel de cada indivıduo
na sociedade, e quebrava-se a logica medieval do pensar (VERHOEVEN, 2011).
E evidente que dentre essa movimentacao ideologica estava presente uma intensa
preocupacao intelectual com o que se entende pela liberdade do homem, e como ela se expressa
e e tratada pela sociedade juntamente com os demais aspectos culturais (BRISTOW, 2010).
Estas concepcoes diferenciadas culminaram em mobilizacoes populares bastante
expressivas politicamente e que vieram a moldar todo o pensar ocidental ate os dias de hoje.
Tem-se que o trabalho destas pessoas e atualmente o ponto de partida implicitamente presente
em qualquer analise da sociedade que se queira realizar (BRISTOW, 2010).
14
O amadurecimento das ideias iluministas possibilitou a expansao da aplicacao de
conceitos filosoficos liberais a praticamente todas as areas de interacao social existentes na
epoca. Dentre os estudos resultantes esta a importante obra de Georg Hegel, e embora sua
integracao formal a vertente iluminista nao seja um consenso entre os estudiosos da area,
existem fortes relacoes entre os conceitos por ele colocados e a heranca dos pensadores
iluministas (LESSA, 2007).
Apesar das crıticas posteriores ao seu trabalho por outros filosofos que ganharam
notoriedade por suas ideias, um aspecto a ser relevado da obra de Hegel sao as suas
relacoes entre indivıduo e mundo, ate porque mais tarde surgiriam interpretacoes de sentido
revolucionario destas relacoes, e que levariam a questionamentos fundamentais no campo
polıtico quanto a percepcao do estado, do trabalho e da producao de bens (LESSA, 2007).
Independentemente, o que ocorreu foi que, com justificativas humanistas a mao, o
modelo vigente de exploracao dos trabalhadores viria a ser questionado pelos pensadores, e que
estes acabariam por iniciar a formulacao de toda uma nova gama de interpretacoes voltadas
especificadamente as relacoes de mercado e de trabalho.
Neste contexto historico, Karl Marx elaborou trabalhos a partir de uma abordagem
metodologica que, quando tem seus conceitos colocados pela dialetica, possuem boa aceitacao
em relacao ao esclarecimento das logicas de mercado do sistema capitalista e acabam por nao so
subsidiar ideologicamente as organizacoes sociais segundo um metodo cientıfico, mas tambem
por sugerir uma agenda polıtica para a implantacao de sistemas de poder diferenciados que
venham a dividir de maneira justa os bens produzidos por uma sociedade (GIANNOTTI, 1996).
Dada a linha cronologica, e especialmente importante afirmar que Marx nao e so
herdeiro da filosofia de Hegel e dos socialistas utopicos que o antecederam, mas sim de toda a
tradicao humanista e racionalista do seculo XVIII (NETTO, 2002).
Em vida, Marx foi muito mais conhecido como militante do que como filosofo. Sua
obra foi citada por estudiosos e influenciou movimentos operarios de maneira substancial
somente a partir de sua morte. Embora existam argumentacoes que afirmam nao ser mais
possıvel fazer interpretacoes de fatos atuais atraves dos conceitos de sua obra – ja que
a sociedade passou por numerosas e intensas mudancas desde sua epoca, nao e difıcil
identificar as correspondencias do mundo de hoje com os conceitos centrais deixados por Marx
(MEKSENAS, 2008).
Muito discute-se sobre a crise da teoria marxista. Diversos governos que atribuıram
os nomes “marxismo” e “comunismo” as suas polıticas mostraram de diferentes formas e por
15
diferentes razoes – assim como os governos capitalistas – uma profunda incompatibilidade a
manutencao de uma ordem social prospera. Encaixam-se aı a falencia da Uniao Sovietica, a
abertura economica de forma liberal pela China, os governos comunistas da Asia e da Africa
(GIANNOTTI, 2011), e ate Cuba – cujo embargo economico projetado pelos Estados Unidos e
sistematicamente ignorado ao direcionar crıticas as suas fragilidades economicas.
Giannotti (2011) justifica ainda, como situar a validade deste tipo de estudo em
contextos atuais, apresentando a ideia de que uma teoria nao se invalida a partir dos fracassos
historicos daqueles que se utilizaram de seu nome ou de seus conceitos – muito embora por
vezes possa ter sido somente o nome.
O colapso [dos paıses socialistas] evidenciaram que a luta contra as miserias,instaladas pelo sistema capitalista, nao implica qualquer compromisso compartidos comunistas de cunho leninista. Esse colapso reduz a po a vulgatamarxista, mas nao impede que se continue a estudar as representacoes eas relacoes sociais da otica do metabolismo que o homem mantem com anatureza, em suma, daquela que ve as relacoes sociais de producao imbricadascom o desenvolvimento das forcas produtivas. [. . . ] a obra escrita ilumina-se apartir de certas perspectivas historicas, de certos vieses que alimentam modosde pensar e de ver, inscritos em nosso cotidiano. (GIANNOTTI, 2011, p. 17,grifo nosso).
Meszaros (2010) tambem discorre sobre a adaptabilidade da teoria base para com
novos conceitos:
[. . . ] a transformacao social prevista pela visao marxista deve ser capazde avaliar as dificuldades inerentes a propria magnitude das tarefas a seremrealizadas, como tambem enfrentar as contingencias socio-historicas mutaveise inevitaveis, reexaminando as proposicoes basicas da teoria original e, senecessario, adaptando as novas circunstancias. (MESZAROS, 2010, grifonosso).
Nao so pela validade da elucidacao teorica se justifica uma analise marxista. Embora
o sistema capitalista tenha se reformulado, se globalizado e adquirido novas dinamicas de
exercıcio de poder devido ao avanco tecnologico e a sociedade da informacao, temos os
mesmos elementos conceituais mantendo os mesmos padroes: o trabalhador explorado, a forte
orientacao a propriedade, a centralizacao do lucro privado, a mais-valia e a grande desigualdade
nas relacoes de producao (MEKSENAS, 2008).
O grande valor de Marx, no entanto, vem com seu metodo. As constatacoes por
ele deixadas podem vir a mostrar interpretacoes uteis no entendimento das mudancas sociais
promovidas pela era da informacao a partir do momento que a manutencao do sistema capitalista
encontra-se ainda sobre as mesmas relacoes de poder que ele identificou.
16
[. . . ] Marx foi capaz de apreender as tendencias estruturais da ordem burguesa[. . . ] porque encontrou a perspectiva teorico-metodologica capaz de lhepermitir a apreensao do movimento deste objeto [. . . ] (NETTO, 2002, grifonosso)
A principal suspeita a respeito da aplicabilidade de seu metodo na atualidade da-se pela
percepcao do imaginario coletivo de que os sistemas de informacao aos poucos substituirao
os trabalhadores, e que tao logo nao havera campo para aplicacao de uma analise marxista.
Uma interpretacao desta natureza peca em essencia por deixar de analisar um pouco mais
profundamente sobre o que e de fato a informacao, e quais suas demandas de poder, producao
e consumo em relacao a sociedade (SODERBERG, 2002).
Uma crıtica ironica e feita por Dyer-Witheford (1999) em relacao a este tipo de
posicionamento. O autor dedica todo um capıtulo para responder argumentos que negam a
compatibilidade da teoria marxista com a sociedade contemporanea:
[. . . ] se o marxismo e tido como obsoleto pela era da informacao, esomente pela luz de um certo desenvolvimento ‘informacional’ – globalizacao,pre eminencia da mıdia, tele-trabalho – e que podemos ver a completaimportancia de alguns temas presentes nos textos de Marx – por exemplo,a enfase [dos que pregam o fim do marxismo] na internacionalizacao eautomacao da producao. [. . . ] o marxismo sempre manifestara umacontınua “espectrabilidade”, uma estranha negacao em morrer e ser enterrado,e que esta profundamente conectada a natureza “espectral” e “imaterial”do tecnocapitalismo contemporaneo. (DYER-WITHEFORD, 1999, p. 8,traducao e grifo nosso).
Soderberg (2002), por sua vez, e ainda mais incisivo na tematica do software livre,
sendo um dos primeiros autores a produzir conteudo dedicado e significativo na relacao da
liberdade de software com o marxismo:
O marxismo oferece um bom modelo teorico para analise das contradicoesinerentes do regime de propriedade intelectual. O sucesso do software livreem trabalhar fora do sistema comercial de software e uma amostra do quefoi descrito por Marx ha mais de 150 anos sob as formalizacoes de forcaprodutiva e de intelecto geral. [. . . ] a historia nao se resume ao levante dasforcas produtivas que foram convenientemente mapeadas pelos exemplos domaterialismo historico, mas sao conflitos protagonizados por atores sociais,dentre eles o movimento do software livre e sua caracterıstica especialde desafiar a dominacao do capital sobre o desenvolvimento tecnologico.(SODERBERG, 2002, traducao e grifo nosso).
Para Marx, a realidade nada mais e do que um sistema de relacoes de modo que as
instancias que compoem a sociedade sao sempre complexas e constituem uma totalidade de
totalidades articuladas, estas por sua vez formadas de categorias e relacoes simples que devem
ser descortinadas para uma reconstituicao abstrata do todo (CARVALHO, 2007).
17
A categoria de totalidade significa (...), de um lado, que a realidade objetivae um todo coerente em que cada elemento esta, de uma maneira ou de outra,em relacao com cada elemento e, de outro lado, que essas relacoes formam, napropria realidade objetiva, correlacoes concretas, conjuntos, unidades, ligadosentre si de maneiras completamente diversas, mas sempre determinadas(LUKaCS, 1967, p. 240).
O estudo da sociedade da informacao atraves da otica marxista busca, acima de tudo, a
identificacao, especificacao e analise destas articulacoes. Obviamente, nao e possıvel para este
estudo abranger toda uma analise desta natureza, ja que o momento de nossa sociedade abrange
relacoes suficientemente complexas de totalidades, e que nao sao passıveis de um estudo breve.
Se quer, somente, identificar algumas particularidades das articulacoes destas totalidades sem
desconsiderar uma implicacao completa e mais abrangente.
Isto quer dizer – em carater essencial para a analise marxista – que e importante
considerar que a totalidade em que o software livre esta inserido nao pode ser tomado com
o mesmo peso das outras totalidades que compoem as relacoes da sociedade.
Assim, entende-se que as perspectivas marxistas sao de razoavel utilidade para a
analise da estrutura economica e social proposta pelo software livre, e que a correlacao
desta teoria com a pratica podem vir a mostrar visoes esclarecedoras sobre o que se entende
pela liberdade de conhecimento, e quais as mudancas possıveis na sociedade a partir da
implementacao de polıticas que valorizem iniciativas relacionadas a cultura da livre informacao.
3.2 O marxismo na era da informacao
Quando adentramos em discussoes sobre tecnologia e sociedade, e comum
depararmo-nos com discussoes que decretam a decadencia do valor teorico deixado por Karl
Marx perante a vitoria do capitalismo com sua nova estrutura tecnologica. Nos dizem que a alta
tecnologia esta levando o planeta a um novo estagio civilizatorio caracterizado pela onipresenca
de computadores e sistemas de comunicacao em uma economia baseada em conhecimento e
suportada pela crescente inovacao cientıfica. Em meio a tudo isso, os socialistas sao tidos
como ultrapassados, ingenuos e utopistas, e esta e de fato a impressao geral que se constroi no
imaginario coletivo quando tenta-se introduzir conceitos como mais-valia em meio a maquinas
inteligentes, superestrutura quando boa parte do que se e construıdo e trabalhado encontra-se
somente em estado simbolico, ou mesmo em uma ditadura do proletariado sobre todo o mercado
de mıdia eletronica que nunca cessa seu crescimento (DYER-WITHEFORD, 2004).
Estas caracterısticas em relacao aos socialistas nao sao casuais. Os devidos
18
comunicadores encarregaram-se de formar esta imagem, encontrando na historia os elementos
apropriados que demonstrassem a falencia socialista e o sucesso capitalista. Assistimos os
Estados Unidos da America, Japao e Europa tornarem-se grandes potencias mundiais enquanto
defendiam seu sistema economico aberto e ‘democratico’. Por outro lado, ‘ditaduras’ socialistas
como Russia e Cuba, ao mesmo tempo que bradavam o marxismo como o modelo teorico
de governo, tambem sucumbiam a falencia economica e a miseria. Esta ideia por si so ja
estabelece o ‘preconceito social’ sobre a ideia do comunismo, socialismo e marxismo, muitas
vezes rechacado sistematicamente e de forma organizada por governos neoliberais. O que se
acaba tendo, de uma maneira geral, e o impedimento da popularizacao de conceitos economicos
antagonicos aos que estao impostos em favor da alienacao e do consumo (GIANNOTTI, 2011),
distanciando cada vez mais um horizonte que quer afastar esta especie de realidade o maximo
possıvel.
[. . . ] e preciso continuar ressaltando que [as teses de Marx] nao foramdivulgados pelos canais que nossa Ciencia ou nossa Filosofia empregamnormalmente: de um lado, as universidades, os institutos de pesquisa e aspublicacoes especializadas, de outro, a mıdia e a moda. (GIANNOTTI, 2011,p. 15, grifo nosso).
O pos-guerra sem grandes crises economicas dos anos 60 e 70 apresentaram os
primeiros estudiosos de maneira especıfica da tecnologia na sociedade, e que acabaram por
prever um progresso pacıfico e sem precedentes de uma nova tendencia do mundo em ser
cada vez mais baseado em conhecimento. A linhagem destes autores e tida basicamente
como autonomista, e por vezes expressa uma oposicao explıcita ao marxismo, ignorando
completamente a tese de insustentabilidade do sistema capitalista – por tantas vezes comprovada
nas crises financeiras (DYER-WITHEFORD, 2004).
O “espectro que paira sobre o capitalismo” foi poeticamente descrito por Marx como a
propriedade autodestrutiva e conflituosa deste sistema economico que paradoxalmente passa
a comprometer sua propria estrutura de distribuicao de produtos e servicos, tendo no livre
mercado os ingredientes motivadores para que nao exista retrocedencia de endividamento
(MARX, 1887), seja ele economico, ambiental ou social.
A configuracao neoliberal de um sistema socioeconomico facilita os processos de
apropriacao das instituicoes reguladoras do estado pela iniciativa privada, caracterizando uma
sistematica de apropriacao de recursos que poderiam ser utilizados de maneira mais ampla
frente a sociedade. Tem-se um contınuo processo de externalizacao de financiamentos e custeios
que, invariavelmente, contribuem para a fragilizacao do estado e geracao de crises economicas
quando as possibilidade de socorro aos diferentes setores produtivos estao esgotadas, resultando
19
em um comprometimento dos demais setores em uma cascata interminavel de falencias.
Em um dos exemplares mais recentes deste fenomeno temos as deficiencias
regulatorios do mercado imobiliario nos Estados Unidos. O grande numero de investidores com
aplicacoes irresponsaveis para com o paıs gerou uma grande bolha especulativa que tornou-se
insustentavel a partir do momento que atores importantes deste cenario deixaram de aplicar
seus recursos nas bolsas de valores (WOLFF, 2008), sendo uma especie de estopim inicial para
a crise economica que ja se arrasta ha alguns anos pelos Estados Unidos e pela Europa.
Interpretacoes marxistas tendem a ser mais amplas na interpretacao das crises a ponto
de considerar um estopim de crise o mero resultado do sistema em que ele opera. Assume-se que
o capitalismo esta sempre em um estado estrutural extremamente tensionado economicamente,
o que tende tambem a agravar outras areas que comprometem a saude economica da sociedade,
tal como a ecologia e os direitos humanos (MESZAROS, 2010).
A dramatica crise financeira que experimentamos nos ultimos tres anos eapenas um aspecto da trifurcada destrutibilidade do sistema de capital. Emprimeiro lugar na esfera militar, com as interminaveis guerras do capitaldesde o comeco do imperialismo monopolista nas decadas finais do seculoXIX, e suas mais devastadoras armas de destruicao em massa nos ultimos 60anos; em segundo na intensificacao, pelo obvio impacto destrutivo do capitalna ecologia, afetando diretamente e ja colocando em risco o fundamentonatural elementar da propria existencia humana; e, em terceiro, no domınioda producao material e do desperdıcio cada vez maior, devido ao avanco da“producao destrutiva”, em lugar da outrora louvada “destruicao criativa” ou“produtiva”. Esses sao os graves problemas sistemicos de nossa crise que sopodem ser solucionados por uma completa mudanca estrutural. (MESZAROS,2010).
Apesar de algumas crises, os anos 60 ate os anos 2000 foram uma especie de
consolidacao estavel do capitalismo com sua nova sistematica globalizada de poder e processos
fordistas. Muitos autores chegaram a acreditar que sua estrondosa magnitude representava
tambem sua forma definitiva (DUPAS, 2001), ja que sua configuracao acabou por provar-se
extremamente eficaz.
Em um momento passageiro, quando eclodiu a inesperada crise do petroleo
na decada de 70, houve animo para a formulacao de mais interpretacoes antagonicas
aquelas futuristicamente tecnocraticas que estavam postas, e ajudaram a reforcar impressoes
diferenciadas em relacao ao desenvolvimento tecnologico. Porem, seguida a estabilizacao
economica, pareceu existir uma dificuldade do encontro de evidencias de que haveria mais
cedo ou mais tarde uma completa derrocada deste sistema, o que acabou por reforcar as
teses de autores autonomistas e pos-industrialistas que vieram a estabelecer novamente,
20
com o dobro de intensidade, descricoes de uma futura sociedade tecnocratica bem sucedida
(DYER-WITHEFORD, 2004).
Embora producoes academicas importantes de linhagem marxista tenham ocorrido
desde a decada de 60, as analises mais ‘pessimistas’ reduziam-se somente a premonicoes
e mapeamentos de tendencias em relacao as grandes economias. O vigor do capitalismo
respaldava tambem um sentimento de remota possibilidade de que crises capazes de afetar
o nucleo economico do mundo ocorreriam, tornando baixo o interesse em teorias acerca
disso. Dupas (2001), por exemplo, discorre em tom incerto por todo um capıtulo a respeito
da tecnologia da informacao e a hegemonia dos Estados Unidos, sem ainda que houvessem
indicativos claros de uma grave crise economica naquele paıs:
Estamos diante do mais longo ciclo de crescimento economico dos EstadosUnidos, [. . . ] a questao sobre quando vira o declınio persegue o mundo todoe exige novas explicacoes. [. . . ] Ainda que varias opinioes apontem paraum ajuste futuro por conta dos desequilıbrios da chamada “nova economia”,a consolidacao da hegemonia e tao impressionante que permite a metaforade um enorme e competente polvo, com seus tentaculos fortemente agarradosna tecnologia da informacao, a alimentar-se dos mercados globais. (DUPAS,2001, p. 45, grifo nosso).
E e neste contexto de tensao e questionamentos que uma forte crise eclode em
2007, e que mais tarde acomete diferentes paıses da Europa sucessivamente. Novamente
estava colocada a evidencia da visao marxista sobre a economia, e de como se comportava
a insustentabilidade do capitalismo (WOLFF, 2008), iconizando a figura de Marx mais do que
nunca nos tempos modernos.
21
Figura 3.1: Marx na Internet: “Eu avisei que estava certo sobre o capitalismo”
Ilustracao do artista plastico Azlan McLennan proliferada pela Internet satirizando as
representacoes do personagem estadunidense Tio Sam, em favor da legitimidade da teoria
marxista que teria sido reforcada e trazida a pauta pela entao recente crise dos Estados Unidos
em 2007. O reaquecimento das discussoes sobre as teorias Marxistas influenciaram tanto a
producao de material academico quanto artıstico.
Fonte: McLennan (2009, traducao nossa)
Analisadas estas perspectivas, e tambem observando o reforco das discussoes causadas
por estas ultimas crises, e interessante observar a sazonalidade historica com que o discurso
marxista se intensifica nos debates sobre economia polıtica. E nesta logica a teoria marxista
parece ter-se renovado e amadurecido aos altos e baixos desde a decada de 60, revisando
concepcoes a cada nova crise economica, e obtendo a colaboracao de diversas vertentes
e interpretacoes polıticas a medida que o debate tornava-se mais relevante e aumentava a
necessidade de entendimento dos diferentes aspectos da nova sociedade (DYER-WITHEFORD,
2004).
Todas as correntes de estudos que se formaram acerca deste tema construıram
divergencias significativas entre si, especialmente quando adentramos no campo da
tecnologia. No discurso, uma pauta relevante e o distanciamento dos aspectos ortodoxos
22
da teoria para a construcao de novos conceitos, e este fato talvez seja uma das mais
enriquecedoras contribuicoes para o amadurecimento das discussoes e o desenvolvimento de
uma adaptabilidade dos conceitos classicos a nossa nova sociedade.
Dentre toda essa discussao desenvolveu-se o intenso discurso autonomista, ou ainda o
chamado marxismo autonomista. Esta linhagem de pensamento sobre o homem remete a sua
autonomia enquanto ser e agir, e apesar das lutas de classes continuarem a ser um elemento
central, o foco nao e mais sobre o avanco das forcas produtivas, mas sim no conflito entre
aqueles que criam e aqueles que se apropriam. As organizacoes e programas revolucionarios
tornam-se cada vez mais distantes do estado e dos partidos polıticos, e passam a ser focadas na
mudanca que a propria classe operaria e capaz de promover de maneira independente e incisiva.
O autonomismo tambem veio em resposta as novas formas de lutas em que, por
seus integrantes nao possuırem raızes e vivencias operarias, possuıam uma deficiencia – ou
resistencia – no entendimento pleno de uma postura anti-capitalista. Estariam amparados aı
os movimentos feministas, anti-racistas, ambientalistas e grupos reivindicantes de polıticas
publicas urbanas. Trata-se, em outros termos, de uma busca pelo sujeito revolucionario de
nosso tempo (GURGEL; MENDES, 2010) atraves de uma analise dentre os movimentos que
demonstram uma profunda insatisfacao com a atual estrutura da sociedade, mas que tambem
muitas vezes nao estao inseridos no sistema produtivo sob a plena condicao de explorados.
Embora a visao autonomista possa ser caracterizada pelo abandono de alguns
fortes conceitos da estrutura do raciocınio marxista (DYER-WITHEFORD, 2004), ela acaba
construindo subsıdios interessantes para analisar a estrutura da comunidade do software livre.
As visoes autonomistas trabalham, por exemplo, sobre fenomenos em que um processo de
aprendizado coletivo torna-se uma entidade produtiva por si propria (SODERBERG, 2002),
e esta e exatamente uma das caracterısticas mais fortes do software livre. Entende-se que
ignorar completamente a importancia que a informacao obteve na sociedade de hoje nao e algo
prudente a ser feito para uma analise que busca abranger as mudancas nas relacoes sociais
em um contexto atualizado. Por este motivo, este trabalho tenta relacionar alguns aspectos do
movimento autonomista com as situacoes criadas pela sociedade da informacao.
23
4 Relacoes dos conceitos marxistas com o software livre
4.1 Propriedade
A definicao de ciberespaco1 vem a ser conveniente no estudo da propriedade na
sociedade da informacao, pois a Internet e o mundo da tecnologia dinamizaram a comunicacao
de tal forma a tornar a presencialidade algo subjetivo e ate mesmo desnecessario. Isto afeta
profundamente o universo do trabalho e a maneira como a propriedade pode ser exercida.
O ciberespaco na sociedade da informacao mescla-se com as dinamicas economicas,
sendo uma expressao constante de sua propria determinacao. Interpretacoes deste fenomeno
e sua permeabilidade cultural sao comumente feitas com um sentido positivo, humanizador,
ou mesmo democratizante. A tecnologia muitas vezes e justificada por si mesma na
necessidade popular sem muitos questionamentos acerca de possıveis deterioramentos dos
proprios benefıcios que os defensores de seu desenvolvimento promovem.
Embora, de fato, tenha de ser reconhecido e aproveitado o poder humanizador
e inclusivo do desenvolvimento tecnologico, nao podemos simplesmente tomar iniciativas
democratizantes como uma licenca moral para isentar praticas para a acumulacao centralizada
de riquezas, e faz-se necessario trazer a tona um discurso de combate a estas visoes meramente
tecnocraticas. Neste contexto, Stallabras (1996) introduz uma nova perspectiva sobre o
ciberespaco e define a informacao como economia em sua essencia. De acordo com esta
definicao, ao contrario do que e transmitido para as opinioes populares, a intensa permeacao do
ciberespaco na sociedade nao trata-se de um processo inclusivo, tampouco de uma substituicao
geral das demais formas de mıdias produtivas. O que vemos em curso e uma mistificada
onipresenca tecnologica em nossas vidas em detrimento do pleno acumulo capitalista.
Um outro aspecto interessante colocado por Stallabras (1996) e a de que a completa
transcendencia das limitacoes de presencialidade humana nao acontece plenamente no
ciberespaco, e que e impossıvel para as comunidades virtuais se consolidarem produtivamente
1Conforme introduzido na definicao de ‘Sociedade da Informacao’ na pagina 9.
24
sem ao menos um mınimo de contato presencial.
De qualquer forma, o proposito tecnicista do ciberespaco e realizar a abstracao do real
e a solidificacao do abstrato. A evolucao dos sistemas computacionais sempre pautou-se na
navegabilidade e compreensibilidade da apresentacao dos dados. Ha um constante esforco para
o aperfeicoamento de simulacoes e imitacoes das perspectivas e ambientes reais – desde a linha
de comando ate as interfaces graficas mais avancadas. Esta natureza reflexiva e fonte de diversas
especulacoes metafısicas.
Stallabras (1996) vai ainda alem neste contexto e propoe um breve exercıcio teorico
para definicao do hegelianismo tecnologico, que procura definir o ciberespaco como uma
expressao hegeliana do homem enquanto promotor da tecnologia. Neste raciocınio, se
para Hegel o real e o ideal, no ciberespaco temos que o real e reproduzido de forma
virtualmente ideal, uma vez que as realidades sao tecnicamente viabilizadas atraves de
diferentes implementacoes computacionais. Este vies teorico define o ciberespaco mais como
um foro unico da propria consciencia humana do que uma simples interface de mentes entre o
material e o abstrato.
Um exercıcio do conceito hegeliano neste sentido nos permite analisar como esta rede
estruturada de informacoes esta intrinsecamente ligada a determinacao basica do homem – o
de ser. Tambem nos mostra como e possıvel assimilar um fluxo de consciencia que reflete
a realidade de uma sociedade e de sua organizacao, adaptando dinamicas a um estado de
consciencia seja ele qual for – o que inclui assumir interpretacoes de propriedade e trabalho
em um fluxo virtual.
Nos Grundrisse, Marx discute como a revolucao dos modos de producao industrial e
agrıcola forcaram uma outra revolucao paralela nos processos sociais de producao, tal como foi
a forte reestruturacao das dinamicas de comunicacao e transporte. Esta e a introducao para o
que ele chama de “aniquilacao do espaco pelo tempo”, e que remete a natureza pouco neutra
do capitalismo em relacao as questoes geograficas (HARVEY, 2010), e que acaba sendo um
princıpio bastante promissor para o entendimento de formacao da ‘sociedade da informacao’ e
sua base imaterial.
O mais avancado desenvolvimento do capital – ou quando o capital faz-seassumir o modo de producao correspondente – ocorre nao somente quandoas relacoes de trabalho tomam a forma economica de capital fixo, mas quandotambem sao suspensas em sua forma imediata, e o capital fixo aparece comouma maquina no processo de producao [. . . ], que por sua vez nao parece sersubmedido pelas habilidades diretas de um trabalhador, mas sim como umaaplicacao tecnologica da ciencia. (MARX, 1939, grifo nosso).
25
A capacidade do capitalismo em criar processos produtivos baseados em informacao
nada mais e do que uma expressao de sua excelencia cientıfica, e que e passıvel de geracao
de uma altıssima interdependencia entre os diferentes setores produtivos. No estudo desta
caracterıstica, conclusoes especialmente notorias sao deixadas em um longo paragrafo das
paginas finais do Grundrisse, e mostram a perspicacia de Marx com relacao a compreensao
das dinamicas economicas e produtivas do capitalismo. O ‘automato’ projetado para agir
propositadamente e descrito em termos da apropriacao de conhecimento:
A acumulacao de conhecimento e habilidades das forcas produtivas gerais docerebro social, e assim absorvida pelo capital como uma oposicao ao trabalho,e portanto aparece como um atributo do capital, e mais especificadamente, docapital fixo, a medida que adentra o processo de producao na propria forma demeio de producao. (MARX, 1939).
Em tom profetico Marx coloca que o capitalismo se subverteria atraves de sua propria
evolucao tecnologica. A excelencia tecnocientıfica geraria uma tamanha interdependencia das
formas de cooperacao para producao que tal configuracao exacerbaria os parametros ate entao
conhecidos sobre a propriedade (DYER-WITHEFORD, 1999).
E possıvel apontar que esta ‘metamorfose’ do mundo economico para meios e esferas
diametralmente diferentes e esperado atraves do entendimento do capitalismo em seu contexto
cientıfico e de sua incessante busca pela modificacao dos aspectos espaciais e temporais dos
processos de producao. O cenario previsto por Marx se confirma com nosso testemunho sobre
as tecnologias contemporaneas e o modo como elas ditam a regulacao do trabalho, os meios de
producao e a geracao de valor.
26
Figura 4.1: As profecias de Marx se concretizam
Satira do cartunista Carlos Latuff sobre a assertividade de Marx em relacao as observacoes
feitas em 1867 na tematica do uso da tecnologia e do mecanismo de credito pelo capital. A
recente crise dos Estados Unidos vem a reforcar a atualidade de Marx, colocando-o novamente
em forte pauta nas analises do mundo economico.
Fonte: Latuff (2009)
O ciberespaco assume-se como um meio de producao propriamente dito, e torna
possıvel a geracao de valor a partir da informacao que assimila e veicula. Os alicerces da
economia tradicional sao afetados e perdem boa parte da importancia que tinham antes a medida
que outras dinamicas entram em cena. Isto traz, em essencia, uma problematica central para as
praticas capitalistas: os metodos de controle que precisam ser empregados sob propriedade de
natureza imaterial.
Embora tenham orientacao claramente neoliberal e defendam a ‘mao invisıvel do
mercado’ como um regulador economico ideal para a sociedade, DeLong e Froomkin (1997)
pontuam de maneira bastante conveniente os ‘pre-requisitos tecnologicos da economia de
mercado’, e que estariam sob abalo com o surgimento de uma nova ‘economia da informacao’.
• transparencia: a habilidade dos compradores em entenderem o que eles precisam e o que
esta a venda, e com isso saber o que realmente eles desejam comprar
• excludibilidade: o direito de uso de determinada mercadoria pode ser regulado, tal como
ocorre com a compra ou o aluguel
27
• rivalidade: que o uso de determinada mercadoria por um indivıduo faz com que outro nao
possa utiliza-la simultaneamente
Devido a alta complexidade tecnologica dos produtos, os autores afirmam que a
transparencia das interacoes de mercado estariam sofrendo uma gradativa distorcao porque
compradores nao entendem a tecnologia perfeitamente. Este ponto e considerado bastante
sensıvel e passıvel de muita especulacao, e portanto nao sera aproveitado aqui, pois entende-se
que diversos outros fatores como a persuasao do mercado, custo, concorrencia, e a ampla
quantidade de informacoes disponıveis aos compradores torna sua defesa complicada.
No modelo industrial ha uma dependencia de materiais e recursos para a fabricacao
de produtos, e sua circulacao depende de uma complexa infraestrutura de transportes. Ja a
natureza da informacao e substancialmente diferente, sua geracao e independente do consumo
de recursos materiais e combustıveis, sua replicacao e perfeita, instantanea e automatica, seu
‘consumo’ – ou execucao – nao a deprecia e e passıvel de ser feito por inumeros indivıduos
simultaneamente sem que um venha a onerar outro por isso, e sua distribuicao e infinitamente
facilitada atraves de uma infraestrutura neural e de custo muito mais do que as que sao
necessarios para transportar outros produtos importantes de nossa economia.
E natural e esperado que frente a introducao de realidades distintas o capital passe
a aplicar sobre elas as mesmas operacoes que desenvolveu para outras que ja possuem uma
natureza estavel sob o sentido de seu controle. Frente a imaterialidade da informacao, um
dos grandes objetivos do capital recente foi criar mecanismos limitadores e controladores que
atribuam certo carater material e que venham a satisfazer a ideia de propriedade privada ao
conhecimento e a informacao.
Lessig (2006) sintetiza como sendo em quatro as restricoes de controle que o capital
emprega para que consiga formatar as dinamicas de tratamento da informacao conforme os seus
objetivos:
28
Figura 4.2: As quatro restricoes do capital sobre o indivıduo
Lawrence Lessig estabelece quatro restricoes basicas da liberdade que o capitalismo deve
exercer sobre um ‘ponto patetico’ para que se torne possıvel a sua expressao no ciberespaco. O
ponto em questao representa um indivıduo subjugado.
Fonte: Lessig (2006)
• leis: regulam o comportamento no ciberespaco atraves de recursos como copyright, leis
de difamacao e classificacao etaria.
• normas sociais: assim como as leis, regulam os diferentes ambientes virtuais – tais como
os foruns, as listas de discussao e redes sociais, atraves do que e socialmente aceito pela
comunidade que os formam; contam aı os aspectos culturais e os valores morais – ou
moralistas – dos grupos sociais
• mercado: basicamente a estrutura de precos para utilizacao da informacao, tal como os
recursos paywall para acesso a notıcias em jornais, compra de filmes, musicas e livros;
admitem tambem as remuneracoes de publicidade e demais servicos
• arquitetura: codigo; o hardware e o software que constituem o ciberespaco e que definem
o nıvel de acesso dos indivıduos as informacoes, tal como barreiras de login e criptografia
29
Estas quatro variantes se relacionam de maneira complexa e independente, podendo
apoiar umas as outras ou nao. Como exemplo temos o fato de que a tecnologia
(arquitetura) pode prevalecer-se frente as normas e leis, ou podem tambem trabalhar em
seu servico (LESSIG, 2006). O importante a definir e que estas restricoes podem trabalhar
independentemente, com efeitos distintos, embora a resultante de suas forcas sempre sejam
exercidas em conjunto no contexto final de subjugacao.
A partir desta analise nos e possıvel fazer um paralelo com as experiencias do
ciberespaco. Sabemos que o capital atraves de sua forte interferencia nos governos tem, ao
menos em um primeiro momento na historia, se utilizado amplamente dos sistemas jurıdicos
para a criacao de mecanismos regulatorios da informacao que se pautam sobre o conceito de
propriedade intelectual, e que eficientemente tratam de punir aqueles que se atrevem a violar
suas premissas.
Juntamente com artifıcios jurıdicos, temos tambem a forte introducao da cultura da
propriedade intelectual na sociedade. Ha todo um esforco indireto para perpetuacao da logica
de propriedade do conhecimento enquanto o ensino formal garante o supervisionamento e a
forca tecnica para manutencao do modelo.
No entanto, e interessante observar como o mercado e a arquitetura tecnologica
mesclam-se na defesa desta logica de propriedade intelectual. Um grande efetivo na producao
de software e relacionado estritamente com a adequacao da ‘arquitetura’ a praticas que possam
ser utilizadas para infringir leis de direitos autorais. Falamos aı de rotinas de seguranca
anti-copia, de diferentes tecnologias de autenticacao e uma infinidade de ‘segredos’ que
impedem a livre copia e distribuicao da informacao.
Os esforcos de desenvolvimento destes mecanismos sao subsidiados pelo proprio
mercado que os entende como necessarios para o prevalecimento de seus objetivos de
protecao da informacao – ou o de impedir com que as pessoas possam disseminar livremente
uma determinada informacao. Pode-se notadamente acompanhar a evolucao das mıdias de
armazenamento de informacao com a finalidade de impedir a copia de seu conteudo. Fitas
analogicas, por exemplo, podiam ser copiadas facilmente quando foram substituıdas por CDs
e DVDs – artefatos de tecnologia digital cuja flexibilidade para implementacao de rotinas de
protecao e infinitamente maior.
Porem, por maior que seja, a efetividade destas rotinas e breve. A venda dos
equipamentos de copia e o expertise de integrantes da comunidade ‘cracker’ – especialistas
na decifragem destes metodos de seguranca – logo propunham centenas de formas de se
copiar e reproduzir com sucesso qualquer tipo de informacao que pudesse ser comercializada.
30
A resposta imediata do sistema foi a de tornar cada vez mais severa a punicao para quem
desenvolvesse estes mecanismos e tambem para quem os utilizasse.
Hoje nao somos somente passıveis de multa quando copiamos um jogo eletronico que
tem sua propriedade intelectual protegida para da-lo de presente a um amigo, mas tambem
temos o impedimento tecnologico ao ter de reproduzir corretamente uma determinada sequencia
de dados e procedimentos cuja chave e armazenada na mıdias eletronica deste jogo – a qual
inclusive somos novamente impedidos legalmente de sequer tentar analisar.
O codigo e demais estruturas tecnologicas – a chamada ‘arquitetura‘ de Lessig (2006)
– passam entao a possuir um papel central na logica da propriedade intelectual do ciberespaco.
Embora a cultura ‘cracker’ tenha especializado-se muito bem em desenvolver softwares de
engenharia reversa, a crescente interdependencia dos sistemas de informacao dificultam cada
vez mais – e em alguns casos ate eliminam o sentido – do emprego de tecnicas de quebra de
seguranca.
Neste sentido, com o codigo tomando cada vez mais o poder regulatorio da propriedade
intelectual, a autonomia para implementacao de mecanismos pelos agentes capitalistas no
ciberespaco e tambem cada vez maior, fazendo com que o capitalismo tenha no contexto atual
a ideia de propriedade intelectual mais protegida do que nunca na historia dos processos de
acumulacao (LESSIG, 2006).
O ponto crucial pelo qual constroi-se toda esta analise reside na compreensao da
constituicao do software livre, que ao utilizar os mesmos mecanismos que originalmente
visavam a propriedade de conhecimento, conseguiu constituir-se livre e perpetuar uma cultura
de desenvolvimento antagonica, aberta e distribuıda.
Ao contrario de muitas percepcoes, software livre nao e domınio publico. Muito
pelo contrario, a sua grande base e, antes de mais nada, o mesmo protecionismo jurıdico
desenvolvido para o favorecimento da propriedade intelectual. As quatro liberdades2
cuidadosamente colocadas em um formato tecnico levaram a elaboracao de licencas permissivas
com termos generalistas, porem bastante eficientes e consistentes em objetivo, impedindo que
forcas contrarias a sua proposta tenham a possibilidade de capturar ou intervir no funcionamento
esperado de sua comunidade e de suas politicas de tratamento sobre as informacoes que protege.
A natureza recursiva do software livre – em que trabalhos derivados tambem devem
ser disponibilizados, possibilita um tipo bastante peculiar de cooperacao. A regulacao exercida
pela GPL em sua comunidade e demonstrada por Pedersen (2010) atraves da ilustracao:
2Ver as quatro liberdades do software livre na pagina 3.
31
Figura 4.3: A regulacao exercida pela GPL
A GPL usa o sistema de diretos autorais para fazer prevalecer a logica do livre conhecimento.
As bases sao a cooperacao entre os indivıduos, as decisoes que possuem valores comuns
dentre os integrantes das comunidades, e que produzem recursos – ou codigos – passıveis de
serem utilizados livremente e ilimitadamente.
Fonte: Pedersen (2010)
O uso do copyright para constituicao do copyleft da-se principalmente na subversao
dos poderes dos indivıduos e pequenas comunidades atraves da propria autoridade criada para
controla-los, e com isso abre privilegios de utilizacao e de decisao para toda a comunidade.
Pelas palavras do proprio Pedersen (2010):
Estruturalmente falando – com relacao as organizacoes sociais – a “unica”diferenca entre propriedade privada e a ideia de propriedade da GPLe a mudanca de foco entre a exclusao e interesses individuais para ocompartilhamento e cooperacao comunitaria. Ambas estas relacoes dao-seentre coisas e pessoas, e sao estruturadas por protocolos normativos.
O objetivo das proxima secao e discutir como se da esta distribuicao de atribuicoes em
um contexto de producao e desenvolvimento de software.
32
4.2 Producao
Os conceitos de producao dados por Marx sao fortes o bastante para a interpretacao
do que conhecemos por processo de desenvolvimento de software, principalmente porque a
concepcao da tecnologia como produto ja e algo bastante consolidado na sociedade atual,
assim como sao os produtos livres, resultantes de um processo colaborativo entre diversos
desenvolvedores. A necessidade desta analise da-se pela crescente importancia que a
informacao tem tido em nossa sociedade, o que esta modificando as formas de producao que ja
conhecemos.
Em todas as formas de sociedade ha um tipo especıfico de producao quepredomina sobre o as demais, e cujas relacoes atribuem influencia nas demais.E uma iluminacao geral que banha todas as outras cores e modifica suasparticularidades. E um eter particular que determina uma gravidade especıficapara cada ser que nele se materializa. (MARX, 1939, traducao nossa).
Nao cabe a esta secao definir se ja ultrapassamos ou nao um marco historico que
define a informacao como o principal agente de producao de nossa sociedade, mas sim de
discutir seu estado atual em relacao ao software livre. Para isso, nos baseamos no capıtulo
sobre ‘propriedade’ de Harnecker (1973) no estudo do materialismo historico, que define o
conceito de direito de propriedade como:
• o direito de usar um bem
• o direito de gozar de seus frutos
• o direito de destina-lo a qualquer fim
A completude de direitos sobre um bem – o que envolve todos os direitos acima,
e a propriedade sobre ele. No entanto, nao somente esta propriedade e necessaria para
garantir a funcao de um determinado meio de producao. Uma pessoa pode ser dona de uma
fabrica e de seus equipamentos, mas essa posse de nada adianta se nao houverem operarios
contratados e todo o conjunto de aparatos que possibilita o trabalho deles, tal como treinamento
e gerenciamento da producao. A esta capacidade de colocar os meios de producao em
funcionamento e dado o nome de propriedade efetiva.
Assim, chamamos de propriedade real sobre um meio de producao quando, alem de
possuir o direito de propriedade, ha tambem a posse efetiva. Isto e, uma organizacao ou um
indivıduo so tem propriedade real sobre um meio de producao atraves de duas condicionantes:
33
quando possui direitos de propriedade amparados juridicamente ou socialmente convencionados
sobre ele, e quando e capaz de coloca-lo em funcionamento a fim de cumprir os seus objetivos
de producao.
Este conceito e o que proporciona aos proprietarios dos meios de producao a condicao
de exploradores da forca de trabalho dos nao proprietarios, pois o usufruto e disposicao dos
meios de producao da-se de acordo com os seus interesses.
No contexto classico do materialismo historico, os trabalhadores nao dispoem de
recursos suficientes para colocar o processo produtivo em funcionamento. Estes recursos
podem variar desde o conhecimento necessario que envolve o processo produtivo – dada
a intensificacao da manufatura e subdivisao das tarefas, o que torna necessario que cada
trabalhador conheca somente uma pequena parte de todo o processo – ate a propria estrutura
fabril e materia prima. Assim, um trabalhador e forcado a vender a sua forca de trabalho aos
proprietarios dos meios de producao a fim de obter um salario para subsistencia (MARX, 1887).
Desta forma, e evidente que o conceito de posse efetiva e o mais forte e expressivo
dentre estas classificacoes de propriedade, ja que trata-se do instrumento principal que
possibilita a exploracao da mao de obra e geracao de capital, e que envolve o conjunto de
todas as outras definicoes de propriedade.
Os meios de producao, quando considerados no contexto do software livre, podem ser
sustentados por uma diversidade de atividades baseadas nas suas quatro liberdades3. Observa-se
antes de mais nada, que se uma liberdade infere na negacao de outra, nao se pode considerar
um produto como sendo livre.
Logo, ao poder executar, distribuir ou adaptar um software, um indivıduo faz usufruto
do trabalho de uma determinada comunidade, e detem o direito de propriedade sobre o produto,
ja que pode usar e dispor da sua copia do software para qualquer fim. Se pela definicao de
software livre qualquer indivıduo ou organizacao pode faze-lo, entao podemos considerar que o
direito de propriedade de um software livre encontra-se ‘diluıdo’ na sociedade atraves de todos
os seus integrantes.
Este aspecto de ‘diluicao na sociedade’ e que caracteriza a propriedade sobre a
producao de um software. Ao contrario dos softwares proprietarios cuja propriedade e garantida
de acordo com o poderio economico de uma pessoa ou organizacao, a obtencao de propriedade
de um software livre e substancialmente diferente. O desenvolvimento neste caso e feito por
um conjunto de desenvolvedores e empresas em um contexto aberto. Todos possuem igual
3Ver as quatro liberdades do software livre na pagina 3.
34
acesso a todas as informacoes e participam do processo produtivo ao inserir cada um as suas
modificacoes no produto final.
A propriedade sobre este meio de producao consistiria no poder de definicao das
futuras modificacoes e no usufruto dos benefıcios que elas acarretariam. Ambos estes aspectos
sao constituıdos pela participacao da comunidade – seja ela corporativa ou nao, pois e ela quem
requere a demanda por modificacoes, e e tambem ela quem usufrui do produto posteriormente.
Raymond (1998) sintetiza que e possıvel adquirir propriedade sobre o sistema de
producao de um software livre das seguintes formas:
• fundando um projeto
• assumindo a propriedade
• tendo a propriedade transferida ou integrada
Fundar um projeto e algo simples e garante a propriedade automatica sobre ele. Ate
que o projeto cresca e gere divergencias de implementacao, e improvavel que exista disputa
sobre sua propriedade.
Assumir a propriedade de um software livre e quando ele encontra-se abandonado e
inativo, e quer-se aproveitar e melhorar os seus recursos. Diversos softwares sao ‘revividos’
depois de algum perıodo de latencia e passam a ser mantidos por outro grupo ou pessoa.
Por outro lado, ter a propriedade transferida ou integrada pode ser algo muito mais
restrito. A ‘transferencia’ de propriedade e quando um desenvolvedor ‘passa o bastao’ para
outro quando nao tem mais o interesse em desenvolver um produto, o que pode ser proximo ao
abandono deste software conforme colocado no item anterior.
Ser ‘integrado’ a propriedade de producao de um software livre significa fazer parte de
um nucleo ‘oficial’ de desenvolvimento e ter mao de obra admitida por um grupo autonomo ou
uma empresa responsavel por sua manutencao. Trata-se de um processo seletivo em si, e como
tal requere comprovacao de capacidade tecnica, analise de experiencias profissionais e projetos
executados anteriormente.
Este ultimo item e o que mais distancia o desenvolvimento de software livre como
sendo uma atividade voluntaria, e e de fato sob esta forma que os softwares livres mais
robustos sao desenvolvidos. Seus desenvolvedores podem ter toda a conviccao ideologica
do software livre e optar por trabalhar nele em detrimento disto, mas se relacionam com as
comunidades muito mais por aspectos profissionais. Embora neste modelo as informacoes
35
estejam publicamente disponıveis como em qualquer outro projeto de software livre, o controle
da producao e a escolha de novos desenvolvedores e centralizado e nao necessariamente reflete
o desejo da maioria de seus usuarios.
No contexto industrial classico – fortemente presente nas fabricas de hoje, a producao
e uma linha com agentes bem definidos e que agem sobre determinado processo de maneira
pontual, com o devido distanciamento entre trabalho operacional e intelectual, e com facil
identificacao dos proprietarios e do meio de producao.
Este cenario nao e confirmado na producao do software livre, onde ha uma interseccao
que torna praticamente impossıvel diferenciar agentes responsaveis por trabalho intelectual e
operacional, e muito menos definir sequer um proprietario majoritario do meio de producao.
Existem exemplos de softwares livres que, ao passarem por situacoes de tensao entre
seus desenvolvedores, geraram movimentacoes que levaram a constituicao de novos produtos.
Estes conflitos muitas vezes iniciaram-se justamente por discordancias entre desenvolvedores
independentes e grandes corporacoes no que diz respeito ao futuro de determinado produto. O
chamado fork de um projeto – quando um projeto e derivado de outro – normalmente envolve
planejamento e organizacao, e seu sucesso depende bastante do respaldo de sua comunidade.
Ha uma pressao social muito forte contra o fork de projetos, e que normalmentenao ocorre sem que haja uma fundamentacao que demonstre a plenanecessidade em faze-lo, com muitas justificativas publicas e a atribuicao deum novo nome ao novo projeto. (RAYMOND, 1998, traducao nossa).
Ao contrario do que seria no meio material, possibilidades como esta sao consideradas
beneficas no processo de desenvolvimento do software livre – salvo em situacoes em que a
duplicacao do trabalho de desenvolvimento nao se interprete de forma justificavel. A natureza
abstrata do software nao causa oneracao em relacao ao produto a nenhuma das partes envolvidas
no ato da fusao ou divisao de comunidades (RAYMOND, 2000), reforcando a ideia de que existe
uma propriedade uniformemente distribuıda neste meio de producao.
Obviamente, o grupo de desenvolvedores e capaz de movimentar a producao para
constantemente renovar certo produto de software livre, mas e preciso notar o aspecto central
que torna este fato possıvel. Se um indivıduo ou organizacao possui o intuito de produzir certo
produto, e e livre para obter as ferramentas necessarias para tal, sera tambem necessario possuir
o conhecimento tecnologico para faze-lo.
O conhecimento que expressa as liberdades do software livre - executar, modificar
e redistribuir - em relacao a determinado produto, encontra-se disseminado entre todos os
integrantes de sua comunidade, pois cada um deles possui o domınio sobre determinadas secoes
36
de codigo que os demais nao tiveram responsabilidade direta de criar.
Um exemplo conveniente e o Kernel do Linux, que possui secoes de codigo
independentes chamadas de modulo, e que servem para estender as funcionalidades do
nucleo do sistema. Dentre eles encontram-se os modulos do tipo driver de dispositivo, que
possibilitam ao sistema reconhecer o hardware conectado ao sistema (SALZMAN; BURIAN;
POMERANTZ, 2005).
Como sabemos, existem milhares de variantes de tipo, marca e versao de dispositivos
para serem conectados a um computador. Para funcionarem no Linux, eles usarao estes drivers
de dispositivo, e que consequentemente devem ser codificados especificadamente para cada tipo
– ou ao menos, para uma categoria especıfica – de dispositivo.
E comum tambem novos drivers serem baseados em drivers antigos, em que os
desenvolvedores usam o trabalho que outros ja fizeram para implementar a compatibilidade
a uma nova placa de som, camera, impressora e outros componentes.
Como o Kernel do Linux funciona em diversos tipos de computador, nao e difıcil
concluir que e praticamente impossıvel – para nao dizer pouco util – um unico desenvolvedor
conhecer toda a sistematica de compatibilidade do sistema com uma variedade infindavel de
dispositivos. Ao inves disso, cada desenvolvedor conhece aquela fracao que lhe interessa para
seus objetivos especıficos, mas ainda assim nao deixa de utilizar o todo de funcionalidades que
foi desenvolvido e implementado anteriormente por outros grupos de desenvolvedores.
Temos desta forma, que o conhecimento necessario para implementar as rotinas de
suporte do Linux para a variedade de dispositivos disponıveis nao e tida por uma so pessoa, tao
pouco nos e possıvel afirmar que uma so empresa o tenha. Ao inves disso, cada desenvolvedor
possui uma pequena fracao deste conhecimento e que foi informatizado atraves de uma
contribuicao de codigo.
Na verdade, uma analogia pode ser estendida a qualquer outro componente de
software, sistema de hardware, ao conhecimento cientıfico ou qualquer outra construcao de
ideias, ja que nenhuma conhecimento e criado a partir do nada, e necessariamente precisa
apoiar-se em premissas ja previamente constituıdas (LEVY, 1998).
Voltando ao questionamento sobre a propriedade dos meios de producao4, temos que
a posse efetiva sobre a sistematica de producao de um software livre da-se atraves do exercıcio
do conhecimento de sua comunidade.
De uma maneira mais especıfica, a partir do momento que os conhecimentos estao4Introduzido na pagina 33.
37
publicamente disponıveis, e que qualquer pessoa em potencial pode fazer parte de qualquer
comunidade de desenvolvimento, esta propriedade da producao e distribuıda em primeira
instancia a todos os seus integrantes, e de maneira mais ampla, a toda a sociedade.
Embora esta interpretacao possa ser feita diretamente, discutir a pluralidade do
software livre tambem pode ser arriscado. Raymond (2000) formalizou os diferentes modelos
de desenvolvimento sob o tıtulo de ‘A Catedral e o Bazar’, em que o modelo aberto e disponıvel
e remetido pelo ‘bazar’, e o modelo tradicional e fechado pelo ‘catedral’. Esta analise que
tornou-se popular no estudo do software livre coloca algumas vantagens do modelo ‘bazar’, e
discute, por exemplo, a sua maior eficiencia de liberacao de versoes. Alem de permitir que
mais desenvolvedores trabalhem sobre determinado produto, o ciclo de identificacao de erros,
correcoes e liberacao das versoes e muito mais rapido para o ‘bazar’ do que o ‘catedral’. Em
um exemplo mais especıfico, as versoes de testes no software livre normalmente sao liberadas
para milhares de usuarios, o que resulta em um sistema muito mais otimizado de reporte de
erros que nao e possıvel de se atingir no modelo proprietario.
Crıticos como Bezroukov (1999) apontam uma simplicidade desta analise – e
Soderberg (2002) apresenta alguns dados – ao expor que o desenvolvimento livre nao e tao
plural, e sim muito mais dependente dos princıpios organizacionais de suas comunidades, ja
que o destino do que acontece com um software livre acaba, na maioria das vezes, por ser muito
mais influenciado pelas decisoes particulares de seus lıderes do que pela comunidade de modo
geral. Isso sem contar que torna-se cada vez mais comum que grandes corporacoes invistam
pesado em software livre, buscando atender seu proprio conjunto de necessidades ao contribuir
para determinado projeto. Neste aspecto, a caracterıstica anarquica muitas vezes atribuıda ao
modelo livre fica comprometida, e a conclusao de que trata-se de uma ‘revolucao socialista’ no
meio digital fica cada vez mais distante.
Tem-se que na pratica os proprietarios de um projeto sao aqueles que possuem o direito
exclusivo reconhecido pela maioria da comunidade em redistribuir as versoes modificadas.
De acordo com as licencas comuns do software livre, todos os indivıduos saoiguais no decorrer das atividades. Mas na pratica ha uma distincao muitobem reconhecida entre os patches ‘oficiais’ que sao aprovados e integradosna evolucao do software pelos mantenedores publicamente reconhecidos,e patches independentes feitos por outros grupos e pessoas. Patchesindependentes sao incomuns e raramente confiaveis. (RAYMOND, 1998,traducao e grifo nosso).
Ohlweiler (1985) cita que a apropriacao dos fatores produtivos que permite unir o
trabalho e os meios de producao com vista a movimentar a atividade produtiva, pode ser
38
competencia tanto da sociedade como um todo, ou pode tambem concentrar-se a maneira do
monopolio de um grupo social destacado. Esta circunstancia e prevista na teoria base como
um programa a ser seguido para a instauracao de uma ordem social igualitaria, e embora na
sociedade atual os termos e complexidades sejam muito maiores quando falamos do software
livre, podemos afirmar que existem tracos desta realidade, uma vez que houve a apropriacao da
capacidade produtiva de um modo coletivo.
O proprio Bezroukov (1999), que nega explicitamente qualquer correspondencia do
movimento do software livre com o marxismo, acaba por identificar algumas semelhancas e
reconhece que, ao menos as visoes sao analogas. Ao tocar em uma questao mais consensual – a
de que o desenvolvimento aberto e uma excelente alternativa para a erradicacao da desigualdade
social em ambientes digitais – ele tambem cita uma outra interpretacao interessante:
Sem nenhum contato com o mundo digital, [as criancas no Mexico] naopossuem nenhuma chance na economia global de hoje. Gracas ao GNOME,um sistema desktop aberto para o Linux, o governo mexicano esta deixandode destinar 124 milhoes de dolares para a Microsoft, e ao inves disso estausando este dinheiro para comprar computadores. Voce pode chamar issode comunismo, se quiser. Eu chamo de progresso. (BEZROUKOV, 1999,traducao e grifo nosso).
Por mais centralizado que seja o desenvolvimento de um software livre, isto nao e
argumento para descaracterizar as vantagens de termos a transparencia de codigo, e muito
menos de reconhecermos as vantagens socioeconomicas de manipulacao destes softwares. O
papel positivo a ser preenchido por este modelo vai muito alem dos laboratorios de informatica
em escolas pobres, e pode facilmente ser identificado em todas as areas do desenvolvimento
social e tecnologico.
Apesar da severa crıtica a posse efetiva da sociedade em relacao ao software livre,
Bezroukov (1999) nao explica, por exemplo, como foi possıvel que – mesmo em um processo
centralizado de desenvolvimento – poucas pessoas foram capazes de propor ideias muito mais
eficientes do que companhias multibilionarias. O potencial criativo que o aspecto livre da
informacao promove nao pode ser em nenhuma hipotese desvalorizado, e o estudo das situacoes
em que ela aflora pode nos mostrar que ha um intenso processo de apropriacao da capacidade
produtiva para a geracao de valor.
E claro que existem inumeras inconsistencias na retorica da liberdade do software livre.
A sua percepcao de mundo, ideologia e objetivos podem ser os melhores possıveis, mas o
universo de pessoas envolvidas e reduzido, uma vez que o acesso a tecnologia nao e algo que o
sistema capitalista oportuniza a todos, quanto menos a educacao para obtencao de conhecimento
na area de desenvolvimento de software.
39
Outro ponto e a indevida centralidade do software livre nos debates, uma vez que
as dinamicas de propriedade da informacao sao muito mais amplas e necessitem de analises
expandidas a diversos outros setores, tal como a producao cientıfica e a industria cultural.
4.3 Trabalho
A importancia do estudo das relacoes de trabalho na sociedade da-se nao somente pela
forca em que estas dinamicas sao tratadas na teoria marxista, mas sim pela propria centralidade
que elas possuem na identificacao das diferentes eras da sociedade.
A introducao de um sistema de producao em rede expressa-se como um dos grandes
resultados da revolucao burguesa que eclodiu do sistema feudal que tinha antes como base
a posse aristocratica da terra. Para Marx, o trabalho e, acima de tudo, uma mercadoria
necessariamente tratada pelo capitalista como todas as outras, mas com um diferencial: a
capacidade da geracao de valor atraves de seu uso (NETTO, 2002).
Hoje presenciamos tambem uma profunda reorganizacao das relacoes de trabalho, e a
compreensao de como isto define a vida dos homens e forma a ordem social e essencial para
uma analise sobre a sociedade da informacao.
Marx observou que existem duas formas de fazer com que a exploracao do trabalho
seja maximizada, que e atraves do aumento da producao de modo relativo ou absoluto para
com o trabalho. O modo absoluto consiste em maximizar o tempo em que o capital consome
a forca de trabalho, o que da-se, por exemplo, pelo aumento da jornada de trabalho e pelo
estabelecimento de varios turnos de producao.
De antemao ja podemos notar que este modo e eficiente somente de uma maneira
bruta, ja que existem limitacoes fısicas dos trabalhadores – que nao podem trabalhar
indeterminadamente, e do proprio espaco temporal em que vivemos – pois o dia e um espaco de
tempo limitado. Alem do fato de que simplesmente forcar o tempo de trabalho nao possibilita
um aumento maior do que o proporcional na producao, fazendo com que ele nao seja substancial
o suficiente em termos de desenvolvimento.
Para este caso enunciou-se o modo relativo, que consiste em desenvolver as tecnicas
de trabalho, producao e ate a criacao de agrupamentos sociais para fazer com que o trabalhador
renda o maximo possıvel por tempo de trabalho, o que acaba por inferir de maneira muito mais
estrutural na sociedade e suas dinamicas de producao (MARX, 1887).
Nos Grundrisse, Marx discute sobre a natureza tecnocientıfica do capitalismo, e
40
preve ate certo ponto que o domınio que o capital exerceria sobre o trabalho atraves de
maquinas dependeria cada vez menos da maximizacao relativa e absoluta do trabalho, e se
pautaria cada vez mais no desenvolvimento tecnologico. O fator principal dos sistemas de
producao se tornaria a capacidade de inovacao tecnocientıfica – o chamado “intelecto geral”
(DYER-WITHEFORD, 1999).
[. . . ] para o nıvel como a grande industria se desenvolve, a geracao de valorvem a depender menos do tempo de trabalho e da quantidade de trabalhadoresempregados do que do poder das agencias utilizado durante o tempo detrabalho, cuja ‘poderosa eficiencia’ esta fora de toda proporcao relacionada aotempo direto de trabalho empregado em sua producao, mas sim na condicaocientıfica e no progresso tecnologico, ou da aplicacao da ciencia na producao.(MARX, 1939 apud SODERBERG, 2002, traducao e grifo nosso).
Marx coloca ainda dois aspectos tecnologicos que seriam indicadores de vigor deste
novo modelo tecnocratico do capitalismo:
• Que a crescente automacao industrial viria a transformar significativamente o trabalho
no chao de fabrica, e passariam a ser necessarios somente trabalhadores com funcoes
indiretas, porem cruciais, para gerenciamento das fabricas, divididos em “trabalhadores
cientıficos” e outras “combinacoes sociais”.
• Que ocorreria a consolidacao mundial das economias para a formacao de um mercado
globalizado – o chamado “trabalho universal”.
Apesar de Marx ter indicado suas percepcoes em relacao ao futuro do trabalho, as
conclusoes e especulacoes acerca das relacoes de trabalho feitas pelos autores modernos na
era da informacao sao pouco consensuais. A configuracao que se da a venda da forca de
trabalho e substancialmente diferente a da epoca em que foi interpretada e descrita por Marx, e e
compreensıvel que ainda nao as tenhamos mapeado com a mesma precisao e aceitacao cientıfica
com que Marx fez em sua realidade.
Anteriormente era possıvel diferir categoricamente entre empregados e patroes,
exploradores e explorados, proprietarios e nao proprietarios dos meios de producao, trabalho
intelectual e operacional. Hoje todas estas relacoes parecem estar contorcidas em um grosso
caldo de atividades sociais, e sao tao variadas as interpretacoes que muitas delas colocam Marx
a prova e tentam decretar a sua falencia teorica:
A coerencia do discurso e das definicoes da economia polıtica – e dos seuscrıticos oitocentistas – se esvai. Os conceitos so sobrevivem, nesse caso, por
41
alargamento, o que implica necessariamente se desamarrarem uns dos outros.Valor de uso, producao, trabalho, reproducao do capital, etc, so sobrevivemno discurso economico ou sociologico por redimensionamento, sem o qualnao encontrariam caucao na realidade: a producao e o trabalho se desligam dovalor de uso, a reproducao do capital se desliga da producao e do trabalho.(LIBERATO, 2009, p. 7).
A interpretacao a que este trabalho se propoe, no entanto, e um pouco diferente. Ela
busca tracos autonomistas5 para retirada de conclusoes razoaveis em contexto teorico – pois
ve como inevitavel a discussao transcendente a teoria base, mas tambem procura manter-se
ortodoxa nos aspectos gerais para preservar conceitos importantes que vieram a estruturar e
estabelecer o estudo marxista da sociedade.
Quando tratamos do software livre logicamente nao excluımos o seu aspecto humano,
que envolve toda a analise e desenvolvimento que qualquer produto de software exige. A
interpretacao a que este trabalho se propoe – em seu vies de desenvolvimento social – tambem
requer uma observacao mais detalhada do principal motor do software livre, que e o exercıcio
do conhecimento existente em sua comunidade – ou em outras palavras, do trabalho executado
por ela atraves de seus profissionais.
Assim sendo, podemos partir em uma generalizacao do que e este tipo de trabalho.
Nao ha um limiar determinante a estabelecer, por exemplo, pelo que se conhece entre
“desenvolvimento de software” ou “desenvolvimento de software livre”. Naturalmente, as
especificidades e tecnicalidades relacionadas as tecnologias, sistematicas e culturas dentre os
profissionais da area se diversificam, mas o trabalho tecnico, o campo do conhecimento, o
estudo necessario, o campo de atuacao e – principalmente – a natureza das atividades sao
semelhantes o suficiente para que possamos considera-las um so ramo quando a colocamos
frente as demais atividades da sociedade. Podemos tambem considerar que o trabalho
empregado no desenvolvimento de software e somente mais uma das diversas atividades
que possuem a informacao como principal instrumento e finalidade. Esta e, alias, uma das
caracterizacoes mais fortes para o conceito de sociedade da informacao, em que a economia e
o viver baseiam-se cada vez mais no setor de servicos e no valor da informacao, e boa parte de
seus trabalhadores nao esta envolvido diretamente na manufatura dos produtos em um aspecto
operacional (BELL, 1976).
Em um primeiro momento da industrializacao capitalista – e ate hoje, quando as
circunstancias permitem – relacoes absurdas de trabalho se configuram, e jornadas de trabalho
extremamente longas sao utilizadas a fim de se atingir metas de producao. A intensificacao da
luta de classes foram decisivas para desenfrear – ao menos ate certo ponto – tal processo, e hoje5Conforme colocado em relacao a visao autonomista na pagina 22.
42
a liberdade para otimizar o modo de producao absoluto nao e mais algo tao plausıvel por aqueles
que compram a forca de trabalho. No entanto, nao parecem existir tantos condicionantes para
se orientar o modo de producao relativo.
Harvey (1989) para introduzir uma analise do fordismo, identifica em um contexto
historico como ocorreu a adaptacao dos empregadores em busca do balanceamento destas
formas de maximizacao da exploracao para os propositos de acumulacao, e as chama de controle
do trabalho. O resultado e um misto de repressao e cooperacao nao so nos locais de trabalho,
mas tambem na sociedade atraves da transferencia de valores para o senso comum utilizando
a educacao formal, treinamentos corporativos, persuasao – financeira, emocional, moral; e
tambem pela insercao de sentimentos comuns vangloriaveis como a etica no trabalho, lealdade
as marcas e instituicoes, patriotismo, regionalismo, identidade com a profissao, iniciativa,
humildade e solidariedade.
A expressao midiatica das grandes empresas sao os melhores exemplos de como
se da este processo. Organizacoes que poluem o meio ambiente, utilizam-se de trabalho
escravo e pagam menores salarios as mulheres possuem comerciais na TV que transparecem
uma responsabilidade social totalmente diferente. As multinacionais sempre cabe o discurso
de pleno respeito e compromisso ao paıs hospedeiro, aos grandes meios de comunicacao
financiados por forcas polıticas cabe a etica da ‘imparcialidade e princıpios jornalısticos’, e
aquelas que se utilizam do trabalho escravo chines para eletronicos cabe o senso de iniciativa e
criatividade em prol da melhoria da qualidade de vida de todos.
Os novos trabalhadores da era da informacao devem cumprir um determinado conjunto
de regras e horarios pre-estabelecidos com uma rigidez relativa, mas no contexto beneficiam-se
na relacao com o empregador quando recebe um salario que lhe permite a manutencao de um
padrao socio-cultural satisfatorio, alem de incentivos para o seu desenvolvimento profissional.
Isto e tao consolidado nos dias de hoje que a um bom empregador ja esta automaticamente
associada a imagem do bom salario e da oferta de subsıdios para o aperfeicoamento de seus
funcionarios.
Este trabalhador e o chamado trabalhador socializado na literatura dos novos marxistas
autonomistas, e remete aqueles que possuem tais favorecimentos como requisitos primordiais
para o trabalho, alem de mais um conjunto de peculiaridades ainda nao convenientemente
mapeadas pela tese base do materialismo historico. Esta nova definicao assume que estes
trabalhadores estariam aos poucos substituindo aqueles que conhecemos com perfil mais
operario, e que sao chamados de trabalhadores massificados. (NEGRI, 1991).
A segunda fase da militancia do trabalhador capitalista, que corresponde
43
ao desenvolvimento de regimes Fordistas e Tayloristas, foi definido pelafigura do trabalhador massificado. A militancia deste trabalhador combinoua sua propria autovalorizacao na forma de negacao do trabalho fabril e aextensao de seu poder sobre todos os mecanismos de reproducao social. Seuprograma foi criar uma alternativa real ao sistema de poder capitalista. Aorganizacao dos grandes sindicatos, a construcao de um estado social, e oreformismo social-democratico foram todos resultantes das relacoes de forcaque o trabalhador massificado definiu e a sobredeterminacao que ele impos aodesenvolvimento capitalista. A alternativa comunista agiu nesta fase como um‘contra-poder’ dentro do processo de desenvolvimento capitalista. (HARDT;NEGRI, 2000, p. 409, traducao nossa).
Ao contrario do trabalho operario massificado com atividades de cunho automatico
ou artesanal, o dinamismo dos ofıcios na sociedade da informacao faz com que o trabalhador
precise tornar-se cada vez mais especializado. Nao trata-se de uma especializacao de aspecto
unitario, como apertar o mesmo parafuso todos os dias, mas a especializacao analıtica e
interpretativa sobre uma determinada tecnologia. Mesmo o trabalhador que encontra-se
na posicao hierarquica mais baixa necessita de um treinamento razoavel para assim poder
aplicar certo conhecimento de modo satisfatorio em um domınio de situacoes. O trabalhador,
obviamente, beneficia-se neste contexto. A medida que ele especializa-se por causa do mercado,
sua forca de trabalho torna-se cada vez mais valiosa, e sua posicao profissional cada vez mais
disputada pelos meios de producao que necessitam de seus conhecimento para gerar valor. A
este processo de investimento do capital em treinamentos e habilidades atribuımos o nome de
valorizacao.
Ha uma relacao profunda entre o trabalhador socializado e os sistemas de informacao.
Pela produtividade deste trabalhador depender de uma complexa divisao do trabalho –
que envolve constantemente um misto de tarefas gerenciais e operacionais, ha tambem a
dependencia de uma rede extremamente estruturada de informacao. Sendo assim, esta rede por
si so e capaz de abstrair e digitalizar operacoes que tornam-se atividade intelectual produtiva
(NEGRI, 1991). Isto representa uma forte maximizacao do modo relativo da producao, pois a
produtividade dos trabalhadores e extremamente automatizada e onipresente, sendo cada vez
menos o resultado de um trabalhador individual.
Um indicador claro desta nova ordem social sao as interdependencias entre seus
integrantes. Se em uma sociedade pre-capitalista as manifestacoes de dependencia entre
os homens ocorria de acordo com a proximidade territorial e familiar, hoje temos uma
tamanha rede de interacoes para geracao de bens e servicos de tal forma que nunca fomos
tao dependentes um do outro. Ja por outro lado, tambem nunca tivemos tanta certeza de que
somos independentes (NETTO, 2002).
44
O desenvolvimento da sociabilidade e a reducao da ponderacao dasdeterminacoes naturais e organicas por determinacoes cada vez mais sociais.Neste sentido, as dependencias ou as interdependencias nao tem manifestacaoempırica imediata. [. . . ] E proprio da sociedade capitalista constituir umarede de relacoes basicas na sociedade civil que nao aparecem como tais para oindivıduo [. . . ], assim como tornar o conjunto das relacoes humanas alienado.(NETTO, 2002, grifo nosso).
A medida de tempo da exploracao do trabalho deixou de ser a hora ou o dia util para
tornar-se simplesmente uma linha contınua de geracao permanente de valor. Embora com esta
concepcao tenhamos ido um pouco alem dos pressupostos de Marx, o metodo basico para a
geracao de valor continua sendo a exploracao do trabalho (NEGRI, 1991).
Este aspecto de desenvolvimento do trabalhador torna-se ainda mais interessante
quando analisamos o seu processo de construcao de uma autonomia propria que vai alem da
mera resistencia as dinamicas capitalistas e passa a ser um projeto de autoconstituicao atraves do
entendimento de sua forca de trabalho. Os primeiros autonomistas italianos que estabeleceram
este conceito deram a ele o nome de autovalorizzazione, a fim de remeter a autovalorizacao do
trabalhador em relacao ao seu poder produtivo.
Atraves de uma leitura detalhada dos Grundrisse, Negri (1991) diz que o conceito
de autovalorizacao esta implıcito nos conceitos desenvolvidos por Marx em relacao a classe
trabalhadora e seu programa revolucionario. A autovalorizacao do trabalhador seria um
condicionante a emergencia de um poder autonomo solidificado na maturidade organizacional
da classe trabalhadora, e seria o aspecto viabilizador para a instauracao de uma revolucao do
proletariado na sociedade da informacao.
Este conceito vem de encontro ao que Marx ja havia enunciado como o processo de
desvalorizacao do trabalhador atraves da intensificacao de tarefas mecanizadas e o interesse em
fazer com que o trabalhador massificado desconheca a totalidade do processo produtivo, e com
isso exerca uma so atividade com a finalidade de maximizacao do modo relativo de desempenho
da producao. O termo colocado em contextos autonomistas se refere a uma contraposicao a
autovalorizacao, em que o trabalhador nao somente tem o seu modo de trabalho degradado,
mas tambem todo o conjunto de ricas interconexoes e significados que as atividades produtivas
culturalmente acumulam nas comunidades (CLEAVER, 1992).
Em suma, esta releitura das dinamicas de poder e trabalho que busca identificar o
sujeito produtivo de nossa epoca enunciam um novo tipo de trabalhador que:
• depende da informacao em rede para trabalhar, tendo uma relacao muito mais ramificada
e expansiva para a geracao de mais-valia;
45
• possui alguma especializacao tecnico-cientıfica em algum domınio do conhecimento, de
modo que aqueles altamente especializados sao tambem altamente valorizados;
• esta sujeito a uma jornada fixa de trabalho e outro conjunto de deveres especificados –
mesmo que muitas vezes nao seja completamente favoravel a eles;
• em contrapartida da venda da sua forca de trabalho requer uma participacao maior nos
resultados de seu empregador, assim como o desenvolvimento profissional contınuo no
exercıcio de sua profissao – a ser providenciado pelo capitalista;
• e suscetıvel as correntes sociais autonomistas pautadas na sua autovalorizacao, tendo
a oportunidade de empregar o seu poder produtivo em projetos alternativos que nao
remetam diretamente aos interesses capitalistas.
Embora alguns pontos especıficos possam ser aproveitados da visao autonomista,
esta tese possui inumeros problemas e contradicoes por acabar introduzindo muitas questoes
nao mapeadas pelo marxismo tradicional – o que faz com que se abram precedentes para o
distanciamento de conceitos estruturais, e tambem por acabar sendo reducionista – deixando de
considerar um outro conjunto importante de realidades.
Em primeiro lugar, a exploracao globalizada do trabalho nao parece ser
apropriadamente considerada, ja que boa parte da producao dos paıses com altos padroes
de vida e externalizada em carater desumano para os trabalhadores em paıses mais pobres.
Denuncias destes excessos nao faltam, pois temos a China como principal realidade no suporte
a producao de inumeros artigos consumidos em massa pelo ocidente. O emprego de estrategias
para maximizacao relativa e absoluta do subemprego nao estao so presentes, mas como
tambem nao apresentam o menor traco de crise ou interrupcao dado o sucesso do modelo. E
realmente bastante suspeito estabelecer que os trabalhadores massificados serao gradativamente
substituıdos quando a base material da sociedade da informacao – os eletronicos – tem sua
producao pautada necessariamente no subemprego massificado.
Mas ainda assim – e seguindo o exemplo, admitindo que os eletronicos possam ser
produzidos sem nenhuma especie de exploracao desumana do trabalho, terıamos tambem
que considerar outros aspectos exploratorios e que respondem bem ao marxismo, tal como
as dinamicas de utilizacao dos recursos naturais dos paıses subdesenvolvidos, pois hoje
a producao capitalista e tambem baseada na sistematica importacao de materia prima e
exportacao de impactos ambientais. Chega a ser insistente citar que mesmo nos proprios paıses
desenvolvidos ha todo um setor de servicos baseado no subemprego, tal como os balconistas em
restaurantes fast-food, servicos de limpeza e digitadores de dados mal processados por leitores
46
computadorizados (DYER-WITHEFORD, 2004). A propria proposicao de uma nova classe
social aparenta ser uma generalizacao muito forte de atributos que estao presentes, na verdade,
somente em uma pequena parcela do reduzido nucleo de mercado das altas tecnologias do
capitalismo. Nucleo este que esta fortemente pautado em uma dinamica ‘tradicional’ – por
assim dizer – de exploracao da forca de trabalho.
Esta e uma perspectiva compartilhada por inumeros autores. Embora nao seja da
corrente que aqui tratamos, e curioso observar, por exemplo, como Castells (1999) discute
as tendencias da sociedade da informacao e dinamicas de poder e trabalho ao analisar
estatisticamente somente as maiores economias do mundo, sem parecer levar em conta o
processo exploratorio de exportacao de mao de obra destas economias para as demais, e que
acabam resultando em modificacoes na distribuicao do trabalho.
Em segundo lugar, e passada a ideia de que a adaptacao dos empregadores as
necessidades de maximizacao da producao capitalista acabou por atenuar as lutas de classes
ao exercer o controle do trabalho sobre as massas e, em tese satisfaze-las com a manipulacao
apropriada de valores, inclusive passando a estimular o trabalhador para o seu proprio
desenvolvimento e bonifica-lo por isso. Assim, nao se pode esquecer que essa bonificacao
e tambem em relacao ao seu salario, o que de um modo simplista e uma visao totalmente
antagonica a necessidade intrınseca do capital em invariavelmente buscar a reducao dos custos
de producao. As relacoes de trabalho na sociedade da informacao sao demasiadamente
complexas para nos permitir apontar que, mesmo com o surgimento de uma nova classe de
trabalhadores socializados, as lutas de classes seriam minimizadas (DYER-WITHEFORD,
2004).
Negri (1991) atribui ao trabalhador socializado algo que dispensaria a intervencao de
algo externo a ele, pela caracterıstica de seu trabalho e pelas redes que dele sao constituıdas.
Caracterısticas que fariam deste trabalhador um sujeito com ımpeto libertador, dado seu patamar
de liberdade criadora, desenvolvido no processo de producao (GURGEL; MENDES, 2010).
[A questao da visao autonomista e] problematica para nos, tendo emvista que a invencao intelectual ainda se apresenta, no capitalismo, comomaquina-ferramenta voltada para a demanda do capitalista. Demanda esta pormecanismos de aumento de acumulacao de seu capital. Em outras palavras,a tecnica criada, a partir de um engenheiro de computacao, por exemplo,constitui-se em meios de producao necessarios para o ciclo e processo dereproducao do capitalismo. A invencao, portanto, se apresenta neste contextocomo mais uma mercadoria e serve como motor para a criacao de novosmercados, na linha da flexibilizacao da producao, via palavras-acucar comoqualidade total. (GURGEL; MENDES, 2010, p. 35, grifo nosso).
Embora a visao colocada por Gurgel e Mendes (2010) seja absoluta demais,
47
compartilhamos com eles a interpretacao de que uma suposta nova classe de trabalhadores nao
pode ser definida, e que portanto esta tese nao e satisfatoria para o entendimento das novas
dinamicas do capital aplicadas a sociedade da informacao.
As inconsistencias das teses autonomistas prosseguem, e nao e interesse desta secao
dedicar-se exclusivamente a sua contraposicao. Ao contrario, em especial a proposta colocada
pela autovalorizacao oferece subsıdios uteis para verificar a relacao do software livre no
contexto do materialismo historico. Esta tese parte de um simples pressuposto que pode ser
aceito mais facilmente: que e impossıvel para o capital obter sucesso em utilizar toda a forca
produtiva disponıvel. Se ha espaco, tempo e energia para producoes alternativas ao projeto
capitalista, entao existem projetos autonomos, independentes e, possivelmente contrapostos aos
interesses do capital, e que por isso se caracterizam por promoverem a autovalorizacao. Nao
so o software livre pode se encaixar neste quadro produtivo, mas tambem projetos importantes
que acabam colocando-se contra a ordem hegemonica, que defendem a cultural livre, e ate
ferramentas de livre dispersao da informacao como o Pirate Bay e o WikiLeaks.
Nota-se um paradoxo do sistema capitalista em relacao as habilidades que ele
precisa do trabalhador. Se por um lado e necessario o enriquecimento profissional, cultural,
crıtico e economico de uma nova classe socializada, dinamica e interconectada atraves de
uma rede autonoma e produtiva, faz-se tambem necessaria a sua desvalorizacao sistematica,
planificando-a culturalmente e tornando-a menos diversa, criativa, e o mais suscetıvel possıvel
as variacoes mercadologicas que queira-se impor.
Lyon (1994) discute a relatividade do controle que o sistema capitalista possui sobre as
forcas produtivas na era da informacao, e afirma que se em um primeiro momento o desempenho
da producao e assegurado em um mundo fısico atraves da burocracia em protocolos, normas
tecnicas e leis trabalhistas – o que por si so ja garante um consideravel controle social,
e esperado que novas formas de relacoes de trabalho tenham uma vigilancia atraves do
ciberespaco em um aspecto bastante diferente.
Um novo contexto produtivo baseado em informacao vem a fragilizar e ate a invalidar
os metodos de controle tradicionais. O alcance legal, da forca policial e das barricadas e
subjetivo, e com isso abrem-se pressupostos para o emprego de uma vigilancia tecnologica
totalitaria a fim de garantir a manutencao do sistema. Preocupantemente, esta e a forma como
de fato as novas economias liberais tem exercido esta vigilancia, pois e claro para elas que
quem exerce o controle social e aquele que detem o controle da tecnologia (LYON, 1994), e e
preciso se assegurar que os devidos agentes possuam o controle pelo fortalecimento do sistema
economico.
48
Por outro lado, a explıcita dependencia da economia da informacao sobre a capacidade
comunicativa e cooperativa desta nova forca de trabalho retira parte do carater controlador da
producao dos agentes capitalistas (SODERBERG, 2002). Um indicativo minimalista sobre isto
esta nas implementacoes livres de software, em que a maior parte dos atributos presentes na
utilizacao e implementacao de um determinado software sequer esta sob o alcance decisorio
das instituicoes que dele retiram valor. Em meio a este paradigma, interpreta-se que e um papel
intrınseco para o sucesso das atividades do capital:
• o balanceamento otimizado das dinamicas de valorizacao e desvalorizacao do
trabalhador;
• a desconstrucao dos processos de autovalorizacao que tornem-se evidentes e possam, com
isso, configurar-se em potentes contraposicoes a manutencao do sistema.
Nos projetos de autovalorizacao, alem de encontrarmos a negacao ou o poder de
destruir a determinacao do capital, temos tambem uma recomposicao da classe trabalhadora
atraves da afirmacao criativa e do poder de constituicao de novas praticas, e que em muitos
casos estao construıdos sobre bases antigas, herdando e protegendo praticas culturais que
sobreviveram as tentativas de desvalorizacao feita pelo capital. Em outros casos, estes
projetos nascem de dentro do proprio capital atraves da modificacao essencial de elementos
especıficos que em algum momento ja pertenceram integralmente ao conjunto de praticas
para a acumulacao capitalista, sendo portanto, uma especie de conversao dos processos de
desvalorizacao (CLEAVER, 1992).
Embora nao seja obrigatoria, a relacao entre a negacao ao capital e a determinacao de se
afirmar atraves da autovalorizacao e bastante intrınseca. O poder deste tipo de desenvolvimento
do trabalho e o poder de preencher os espacos liberados pelo capitalismo com projetos
alternativos e autonomos, e isto muitas vezes requer a identificacao apropriada destes espacos
e de seus personagens, para entao contornar as adversidades colocadas pelo sistema que
fatalmente trabalharao contra este preenchimento.
O que torna este texto ainda mais simpatico a tese da autovalorizacao descrita por Negri
(1991), e que o conjunto de projetos que pautam-se sobre ela nao se qualificam como um projeto
social unificado e revolucionario, mas denotam uma pluralidade de instancias e possibilidades
que surgiram atraves da insatisfacao com a configuracao do sistema atual, e principalmente pelo
fato de que estes projetos autonomos nao necessariamente precisam combater o capitalismo,
mas podem tambem ser parte dele em um aspecto diferente daqueles ja existentes para a geracao
de valor.
49
Para Cleaver (1992), se aceitarmos a tese de autovalorizacao e a ideia de que o
capitalismo globalizado veio em um misto complexo de formas de agir, torna-se facil a aceitacao
de que, como indivıduos, nao podemos participar de um modo autentico de todas estas formas
para entao poder analisa-las e identificar os processos de autovalorizacao que nelas ocorrem. Se
queremos entender estas relacoes – defende o autor:
Ao contrario dos teoricos do capital que podem simplesmente projetar seusproprios conceitos sobre os outros como parte do projeto capitalista emsubverter todo mundo e qualquer estrutura social para si mesmo, as lutas contratodas as formas de dominacao requerem uma negacao de tal imperialismoteorico, e de forma muito mais aberta, realizar tentativas imaginativas paraentender as formas alternativas de ser em seus proprios termos. (CLEAVER,1992, p. 24, traducao nossa).
Em todo este contexto, o valor de Negri (1991) na analise do capital esta em enxergar
os recursos de comunicacao como uma crescente area de tensao. As recentes manifestacoes na
primavera arabe e na ocupacao em Wall Street, embora ainda parecam inexpressivas frente ao
poder de acumulacao do capital, demonstram que ha um estımulo a criatividade e autonomia
partindo desta rede digital. A tese, ao menos neste aspecto, materializa-se e causa uma friccao
pequena, porem incomoda a hegemonia do capital.
A maior importancia, no entanto, esta mesmo na sobrevivencia do marxismo atraves
das correntes autonomistas, e no seu esforco em medir o impacto da tecnologia em termos
de oportunidades – nao para a consolidacao do capitalismo, mas para a luta de classes
(DYER-WITHEFORD, 2004).
A relacao destes conceitos com o software livre e bastante relativa e dividida. Ao
mesmo tempo que pode ser considerado que o fruto de qualquer contribuicao a rede de
informacoes e simplesmente uma contribuicao ao motor de acumulacao do capital6, pode-se
tambem considera-la como uma contraposicao as praticas ja consolidadas que garantem a
hegemonia do sistema.
Na visao autonomista, podemos estabelecer que a profissao de desenvolvimento de
software e um fruto da necessidade de acumulacao do capitalismo atraves da otimizacao de
operacoes, e que se da por uma rede de informacoes autonoma. Este profissional operante
sobre esta rede, como ja e sabido, necessita de prontidao para com o raciocınio logico,
conhecer bem os algoritmos que possibilitam as operacoes nas estruturas de dados, dominar
praticas de gerenciamento de codigo, e tambem estar em atualizacao constante com as novas
solucoes e tecnologias criadas por outros desenvolvedores e apresentadas nesta mesma rede
6Verificar a visao ortodoxa exposta por Gurgel e Mendes (2010) na pagina 46.
50
de informacoes. Para ter este profissional a mao, o sistema regulariza suas instituicoes
educacionais para transmitir todo este conhecimento, estabelece uma faixa de remuneracao
razoavel para quem pode aplica-los, persuade a sociedade para que esta ocupacao seja encarada
com admiracao, e ate iconiza empresas heroicas que acabam por tornar-se referencia na area
para que as demais as tenham como um modelo de producao a ser seguido.
No exercıcio de seu trabalho, o desenvolvedor arquiteta a estrutura dos dados e
implementa as rotinas necessarias para que as tarefas possam ser automatizadas. Com isso
uma serie de conhecimentos sao transformados em sımbolos e armazenados sob o formato de
informacao atraves de servidores e cabos de fibra otica. Como este objeto consiste no aspecto
central desta economia localizada da sociedade da informacao, a posse em relacao ao uso e
disposicao deste recurso cabe a quem viabilizou a sua implementacao. No caso, a posse pertence
ao empregador deste profissional atraves de um conjunto proprio de mecanismos administrados
pelo estado, e introduzidos justamente para a manutencao desta forma de producao.
Como visto, a informacao colocada desta forma possui um carater nao rival7, e logo
nao se dissipa simplesmente apos a sua criacao e aquisicao. Ela pode ser copiada sem nenhuma
especie de oneracao e fica tambem preservada na mente de seus projetistas, e pode em tese ser
reproduzida por eles atraves da simples persuasao de sua forca de trabalho.
Em um contexto capitalista para a informacao comodificada, esta reproducao deve
ser controlada e distribuıda somente a quem tenha dado por ela um determinado valor
de troca considerado equivalente. Porem, se o mesmo projetista quiser reproduzir esta
informacao em um ambiente diferenciado, e no seu direito de propriedade atribuıdo pelo
proprio estado ele quiser defender que sua criacao pode ser copiada, modificada e redistribuıda
indeterminadamente por qualquer indivıduo, entao temos neste caso uma contradicao produtiva
em relacao a este recurso informacional, pois sua transferencia para novos proprietarios deixa
de ser uma atividade geradora de valor por si so, e passa a ser simplesmente uma transferencia
tecnologica.
As bases de sustentacao das primeiras adaptacoes do capitalismo a geracao de
informacao nao propunham a livre distribuicao, mas sim a distribuicao direcionada, e
devidamente cobrada. Introduzir uma nova dinamica de mercado que possibilita a livre
producao a partir da descentralizacao tecnologica era, a princıpio, impensavel, e continua sendo
vista pelo grande mercado como uma atividade antagonica e que deve ser combatida.
O ponto crucial a ser questionado neste momento e: Ate que ponto estas novas relacoes
se configuram em um modelo antagonico de desenvolvimento aquele que ja esta posto? Nao
7Ver a secao sobre informacao no contexto tecnologico na pagina 26.
51
estarıamos tratando somente de mais uma adaptacao do capitalismo a outros requisitos de
mercado?
Ha um numero de empresas que trabalham exclusivamente com software livre,
assim como tambem tem crescido o numero de empresas que adotam software livre para
suas aplicacoes. Por outro lado, as grandes companhias que promovem a propriedade
intelectual tambem tem departamentos inteiros destinados somente ao estudo e implementacao
de tecnologias livres em seus negocios. O tema da liberacao de produtos proprietarios que
utilizam em sua maior parte software livre tem sido alvo de muitas crıticas daqueles que
defendem o uso justo da tecnologia e do seu retorno para a sociedade.
Independente das visoes que aproximam o software livre do capitalismo, e apesar
de existirem interesses controversos por todas as partes, o que podemos afirmar e que estas
empresas nao possuem o poder pleno de subjugar as comunidades de desenvolvimento para
seus proprios interesses, e tambem nao podem definir os fins de utilizacao dos produtos livres,
que podem, inclusive, ser usados para diminuicao do poder hegemonico sobre a propriedade
intelectual.
Por mais que o software livre possa fazer parte de um projeto capitalista, ha um
favorecimento social bastante forte na planificacao de novas tecnologias e no fomento de
inovacao. Para Merten (2001), o software livre esta tanto dentro quanto fora do capitalismo,
e tem sua existencia em parte motivada pelas oportunidades de desenvolvimento de valores que
nao sao somente feitos para a compra e venda, mas tambem tem seus benefıcios retornados para
a diminuicao da concentracao tecnologica.
4.4 Valor
Marx abre as secoes iniciais do Capital discutindo a geracao de valor e a natureza dos
commodities, e define conceitos que tornam-se essenciais para a apropriacao de toda sua tese
sobre o capitalismo. Este e o motivo pelo qual a parte final da analise presente neste trabalho
tem esta tematica, pois entende-se que a essencia do que se conhece pelas dinamicas do software
livre reside na percepcao de valor que a sociedade possui sobre os sistemas de informacao.
Ja ha mais de um seculo desde as primeiras constatacoes de Marx sobre a revolucao
burguesa, vivemos ainda em um sistema pautado fortemente pela propriedade dos meios de
producao e pelas relacoes de trabalho. A descaracterizacao de uma analise marxista desta
sociedade seria somente viavel se nao fosse possıvel observar estes dois complexos atributos
relacionarem-se um com outro tendo por finalidade a geracao de valor.
52
Os esforcos conduzidos pelo capital para fazer com que o simples transito da
informacao seja capaz de gerar valor atraves de concessao e comercializacao tomou a atencao
de muitas analises sobre a sociedade da informacao e o seu principal produto, o que levou a
frequente utilizacao do termo ‘comodificacao da informacao’.
A utilizacao do termo commodity e bem anterior a Marx. Shakespeare a coloca
poeticamente frente a tangibilidade de comercializacao de magoas, sentimentos e doencas;
David Ricardo e Adam Smith tambem perseguem suas analises economicas atraves de conceitos
por eles apropriadamente definidos; e assim por diante ate as bolsas de valores atuais e o mais
recente sentido de comercializacao da informacao (NOAM, 2001).
Para fins de parametrizacao contextual, podemos tomar brevemente as observacoes de
Noam (2001) em suas tentativas de identificar os aspectos negativos do termo ‘comodificacao
da informacao’ nos diferentes significados por ele encontrados:
• massificacao da informacao: refere-se a imensa quantidade de informacao gerada pela
sociedade da informacao com o passar do tempo;
• homogeneizacao da informacao: definicao advinda de produtos unitariamente
indiferenciaveis e comercializados somente em grandes quantidades, e que se
reproduziriam na era da informacao atraves de veiculacao sobre quantidade, tal como
nos comerciais de TV;
• baixo custo da informacao: devido a competitividade do mercado e acelerada geracao de
informacao, ela tem se tornado cada vez mais barata;
• controle por grandes empresas: expansao relativa da nocao de propriedade intelectual e
que levaria a um oligopolio da geracao de informacao;
• comercializacao da informacao: momento em que a informacao torna-se um bem privado,
produzida e vendida de acordo com o lucro que estas atividades geram.
O interesse aqui – ja que estamos tratando de software – e discutir os dois ultimos
aspectos em especial, e que estao intimamente interligados na logica de oligopolio da producao
e venda de software.
Para Marx, um commodity e – dentre variantes – um produto ou um servico que
esta oferecido no mercado e que foi gerado por trabalho humano, e constitui o objeto base
para o desenvolvimento de sua teoria do valor-trabalho. E compulsorio para o capitalismo
atribuir propriedade a logica de se comodificar uma mercadoria, pois assim da-se sentido a sua
53
compra e venda pelo princıpio da excludibilidade e rivalidade, e torna possıvel sua alienacao
– a transferencia de seu direito de posse de modo defensavel por alguma legislacao – que seja
formal ou social.
O comum acordo que geralmente se faz neste ato de transferencia de propriedade e o
pagamento, e que necessita na maioria das vezes que o vendedor possua o direito de alienar
sua mercadoria – seja por mecanismos de protecionismo industrial, alvaras, registros de posse,
acordo social, entre outros.
May (2001) argumenta que existem tres principais fatores que sustentam a propriedade
intelectual e tornam esta operacao de transferencia socialmente aceita a partir do ponto em que
ha o reconhecimento de propriedade por uma das partes. Segundo ele, aceitamos que alguem e
dono de uma ideia porque:
• as pessoas buscam ser recompensadas por serem criativas;
• os autores possuem identificacao com suas obras;
• o mercado sempre busca um uso eficiente dos recursos.
Em uma percepcao social, o direito de propriedade ‘adquirido’ sobre um produto
recem-criado e, antes de mais nada, um direito moral em favorecimento de seu criador, ja
que aquele que o criou empreendeu certo tempo e esforco para faze-lo, e logo, tem tambem
o direito de usa-lo ou vende-lo para benefıcio proprio. Este e um aspecto central das discussoes
sobre direito de propriedade, em que muitas vezes assumem-se as patentes e a copyright como
um instrumento de estımulo a inovacao e esforco individual, e que os artistas, pesquisadores e
industriais irao perseguir a recompensa pelo desenvolvimento de novos produtos.
O segundo aspecto diz respeito ao carater pessoal do processo criativo, o que e
especialmente notavel no mundo artıstico – e tambem, mais recentemente no mercado da
tecnologia. Musicas, filmes e livros deixam transparecer com bastante facilidade as ideologias,
conviccoes e determinacoes de seus autores, assim como os mais novos aparelhos eletronicos
que, embora sejam o resultado do trabalho de centenas de pessoas, nao raramente possuem uma
figura humana mercadologicamente alocada a responsabilidade de sua criacao.
May (2001) explica esta relacao segundo a tese de Hegel de que o reconhecimento de
um indivıduo como ator social reside em sua propriedade, ja que e nela que ele deposita um
sentimento de protecao em relacao a forcas externas que interfiram em sua integridade social,
tal como como a coercao do estado e a ameaca de concorrentes. O estado, neste sentido, age
54
com o poder de barganha de garantir o direito a propriedade enquanto reivindica dos indivıduos
as devidas contribuicoes para manutencao de um determinado sistema economico.
Por ultimo, ha um argumento de tom mais economicista sobre o uso eficiente de
recursos. Em um contexto historico, a propriedade surgiu da necessidade que os indivıduos
perceberam em alocar recursos entre si de modo que os benefıcios e custos sobre esta posse
se tornasse modular – em outras palavras, que se pudesse atribuir fronteiras nas relacoes entre
indivıduos e recursos, e quem se beneficia e se onera com ele. O desenvolvimento sistematico
desta caracterıstica permitiu a formacao de mercados cada vez maiores, pois com a acumulacao
de benefıcios vinha tambem a influencia e o poder de negociacao a medida que o mercado
possuıa interesse em um recurso.
Com esta configuracao, se deu um sentido cada vez maior a logica de tentar
continuamente externalizar os custos que uma determinada posse acarreta. A ‘eficiencia’ de um
recurso acaba sendo, em grande parte, a quantidade de custos de sua propriedade que se pode
externalizar, mas tambem o interesse que a sociedade possui em sua obtencao. Este interesse
ocorre do ponto de visto economico quando um produto ou servico tem escassez – a existencia
de mais demanda do que oferta, e somente com esta caracterıstica e possıvel introduzir um
produto ou servico em um mercado.
Ao contrario de possuir qualquer relacao com a escassez, a informacao pode ser
multiplicada a ordens virtualmente infinitas ja que nao possui excludibilidade nem rivalidade.
Para dar a ela um preco e torna-la passıvel de comercializacao e necessario antes de mais
nada criar mecanismos que a tornem escassa, e e este o principal objetivo da estrutura
jurıdico-polıtica que assegura a propriedade de conhecimento. Como a escassez e uma variavel
importante para definicao dos precos e constituicao da eficiencia de um mercado, somente sendo
proprietaria e que ela pode ser compatıvel com as ‘leis’ e dinamicas capitalistas.
Culturas que nao possuem escassez de determinados recursos geralmente desenvolvem
formas de transacao que sao baseadas no valor de uso dos bens, e embora a reciprocidade exista
de diferentes formas, ela nao necessariamente esta presente em termos de benefıcios de mercado
entre as partes que comercializam. Este tipo de economia e a chamada economia do dom, e que
apresenta-se como contraria a economia de mercado.
A Internet e as dinamicas sociais que a envolvem sao tidas como a mais forte expressao
da ‘cultura do dom’ na atualidade, em que a informacao e trocada sem nenhuma expectativa
aparentemente imediata de reciprocidade. Isso ocorre em meios colaborativos como as redes
‘piratas’ de compartilhamento de arquivos, sites de comunidades para suporte tecnico e troca
gratuita de informacoes, projetos colaborativos como a Wikipedia, e nas comunidades de
55
desenvolvimento de software livre. Os participantes destas atividades nao necessariamente
buscam uma remuneracao material ou financeira, mas o fazem pelo prestıgio de participacao
e construcao de projetos, pelo dispendio e exercıcio da criatividade, pelo reconhecimento, pelo
senso de colaboratividade, dentre outros motivos.
Ao contrario das economias de mercado – em que a condicao de controle para usar e
realizar transacoes e um status social, Raymond (1998) argumenta que no caso do software
livre a reciprocidade reside em um conjunto de relacoes de sua comunidade que envolve
principalmente o reconhecimento e o prestıgio entre seus membros.
[. . . ] a sociedade de hackers do software livre e de fato uma cultura do dom.Dentro dela nao ha nenhuma restricao seria as ‘necessidades de sobrevivencia’– espaco em disco, banda de Internet, poder computacional. O software elivremente compartilhado. Esta abundancia cria uma situacao em que a unicamedida competitiva de sucesso e a reputacao de um indivıduo para com os seuspares. (RAYMOND, 1998, traducao e grifo nosso).
Em uma pesquisa sobre a comunidade de desenvolvimento da distribuicao Fedora
Linux, Harrelson (2011) procura saber o motivo pelo qual os membros desta comunidade
contribuem para o projeto. O resultado de sua pesquisa para a pergunta “O que lhe motiva
a dedicar tempo e habilidade tecnica ao Projeto Fedora?” e mostrado na tabela 4.1.
Tabela 4.1: Porque os membros da comunidade contribuem com o Fedora Linux
Motivacao Geral Muito Importante Importante
Aprender pelo prazer de aprender 42% 43%
Retornar a comunidade 41% 34%
Trabalhar colaborativamente com pessoas inteligentes 39% 36%
Tornar o mundo um lugar melhor 39% 20%
Paixao e felicidade pessoais 39% 44%
Ajudar os outros 37% 41%
Orgulho e realizacao 31% 38%
Ser respeitado e valorizado pelas contribuicoes 26% 30%
Benefıcios de carreira por capacitacao e experiencia 16% 39%
Formacao de uma rede de contatos pessoal e profissional 15% 29%
Resultado da pergunta “O que lhe motiva a dedicar tempo e habilidade tecnica ao Projeto
Fedora?”, feita com 103 desenvolvedores do Fedora Linux em uma pesquisa sobre
antropologia e a cultura do software livre.
Fonte: Harrelson (2011, traducao nossa)
56
Vemos que o crescimento profissional e a formacao de contatos sao aspectos
importantes para os desenvolvedores, mas ainda assim o senso de cooperacao e a ideologia
do software livre ultrapassam qualquer outro motivo que os leve a trabalhar em um projeto
comum. Uma outra pesquisa mais ampla feita na Alemanha com 2784 desenvolvedores
identifica o mesmo aspecto primario como motivo de contribuicao aos projetos, e observa
que embora os estudantes e desenvolvedores ‘independentes’ tenham um papel importante nas
comunidades, na maioria dos casos as questoes crucialmente tecnicas, o nucleo dos projetos e a
lideranca ficam a cargo de profissionais dedicados e que compoem a ‘elite’ de uma comunidade
(INFONOMICS, 2002).
Uma pesquisa de Ghosh e Prakash (2000) pode complementar estes resultados. Eles
concluıram que, em media, 72,3% da base de codigo dos projetos de software livre sao advindos
do trabalho de cerca de 10% de seus desenvolvedores, sendo que os 10 mais atuantes – que
compoem 0,08% do total, sao responsaveis por 19,8% das contribuicoes.
Sao varios os motivos pelos quais poucos desenvolvedores possuem uma carga
de trabalho maior: Trabalho de lideranca, centralizacao das atividades mais importantes –
como a selecao e aplicacao de patches, e acima de tudo, de uma ‘dedicacao exclusiva’
remunerada. Neste contexto, pode-se dizer que o software livre contem pouca contribuicao
espontaneamente voluntaria no sentido financeiro, ja que mesmo aqueles que nao possuem uma
remuneracao direta para com sua colaboracao possuem, em algum momento, uma repercussao
profissional no exercıcio da atividade. A maioria dos desenvolvedores do Kernel do Linux, por
exemplo, sao devidamente remunerados por esta atividade (CORBET; KROAH-HARTMAN;
MCPHERSON, 2012).
Percebemos, neste ponto, que quando se trata de conhecimento na comunidade do
software livre – codigo, estruturacao de procedimentos, bibliotecas – o que menos importa e
justamente o fator da propriedade – ou quem e o autor de determinada parte do codigo. Este tipo
de tratamento a um commodity e extremamente peculiar do ponto de vista da logica capitalista,
pois o que possibilita a definicao de valor de um bem ou servico e justamente sua essencia de
propriedade e a quem se destina as parcelas de comercializacao.
Em seus manuscritos sobre economia e filosofia de 1844, Marx discute por todo um
capıtulo sobre o comportamento esperado do comunismo em relacao a propriedade.
[. . . ] o comunismo e a expressao positiva da anulacao da propriedade privada –ou propriedade universal em um primeiro momento. [. . . ] seu formato basicotrata-se de uma generalizacao e consumacao [da propriedade privada]. [. . . ]A comunidade e somente uma comunidade de trabalho, e de igualdade deriquezas pagas pelo capital comum – pela comunidade como um capitalista
57
universal. Ambos os lados desta relacao podem ser levantados para umauniversalidade imaginada – o trabalho como uma categoria em que cadapessoa e colocada, e capital como uma reconhecida universalidade e poderda comunidade. (MARX, 1954, p. 42, traducao e grifo nosso).
Parafraseando Marx, o comunismo e uma possibilidade colocada pela propria situacao
da burguesia, cuja concentracao de recursos o proletariado deve subverter em seu proprio
favor para a fundacao de um novo modelo de sociedade. A partir do momento em que o
software livre subverte a logica capitalista para com a informacao e funda um novo sistema
de producao baseado na livre propriedade e na economia do dom, torna-se tentador – porem,
muito pouco prudente – fazer uma comparacao direta e afirmar que o software livre e uma
expressao comunista da sociedade da informacao.
Nao por acaso este contexto e explorado por alguns autores enquanto desperta a ira
de outros. (BARBROOK, 2000), em defesa da ideia do que ele batiza de ‘cibercomunismo’,
afirma atraves da traducao de termos e da comparacao de momentos historicos que a sociedade
estadunidense esta em um processo silencioso de caminhar para um comunismo tecnologico, o
qual todos participam, mas nao e a ninguem permitido refletir.
A maioria dos usuarios da Internet ja participam das relacoes produtivas docibercomunismo. Todos os dias, eles enviam e-mails, discutem em forunse listas de discussao, participam de conferencias online. Nao ha nenhumanecessidade em vender informacao como um commodity, ja que trabalhamespontaneamente juntos pela circulacao de valor. [. . . ] Ocupados emsuplantar o capitalismo, os estadunidenses estao construindo o futuro utopicono presente: o cibercomunismo.
Raymond (2001), por outro lado, diz que esta comparacao e absurda porque o
software livre, acima de tudo, nao forca as pessoas a compartilharem o resultado de seu
trabalho. O software livre permite que qualquer pessoa possa adaptar e melhorar um programa,
mas nao implica que suas modificacoes tenham de ser divulgadas, e nem as impede de
serem comercializadas – o que por si so implode um possıvel paralelo com as dinamicas de
propriedade em um regime comunista.
Houveram seguidas tentativas dos grandes grupos corporativos em condenar a
pratica colaborativa, afirmando que ela atrofia o potencial criativo, a producao cultural e o
desenvolvimento tecnologico por nao estimular artistas e pesquisadores a perseguirem a geracao
de conhecimento. Artistas famosos, porta-vozes e presidentes de grandes corporacoes foram a
publico defender claramente a logica de apropriacao do conhecimento atraves de mecanismos
coercitivos que caracterizam a colaboracao como ‘pirataria’, e que a enquadram em uma
categoria generalista de crime cibernetico ao qual poucos utilizadores da Internet estariam –
dadas as profundas dinamicas de colaboracao da atualidade – apropriadamente isentos.
58
No contexto da comparacao do software livre com o comunismo, esta retorica vem
de encontro ao que os governos capitalistas ocidentais sempre fizeram com as administracoes
socialistas na Europa Oriental, Asia e America Latina – acusando-as de ineficiencia social,
falencia do potencial produtivo, e de ‘demonizar’ sua essencia em um sentido moral.
Figura 4.4: Programar software livre e uma pratica comunista
“Quando voce programa software livre, esta programando comunismo – Um lembrete dos seus
amigos da Microsoft”.
Adaptacao de uma satira para o contexto do software livre e o comunismo. Esta arte tambem e
utilizada para ironizar a caracterizacao do modelo social de outros aspectos da cultura
colaborativa – tal como o compartilhamento de musicas e filmes na Internet.
Fonte: Erickson (2007, traducao nossa)
Porem, toda esta rotulacao do software livre parece ser de pouca utilidade em meio a
magnitude de conceitos que uma compreensao da sociedade da informacao exige. Ao subverter
a logica da propriedade e com isso ser capaz de mobilizar mao de obra para geracao de valor,
o software livre configura-se como uma expressao bastante diferenciada de economia, mas nao
isenta-se da pratica de acumulacao ‘convencional’ do sistema capitalista.
Internamente – nas dinamicas entre seus membros e comunidades – ha uma plena
59
resolucao de um modelo praticamente utopico e que demonstra um funcionamento cada vez
mais vigoroso. No entanto, as relacoes ‘externas’ que o software livre movimenta parece
obedecer a mesma logica capitalista que ele anteriormente subverteu.
Em pesquisas feitas com empresas de tecnologia da informacao que utilizam e
desenvolvem software livre, Skok et al. (2012) obteve os principais criterios considerados na
escolha delas por tecnologias livres, conforme mostrado na tabela 4.2 para as edicoes de 2009
a 2012 da coleta de dados.
Tabela 4.2: Criterios de escolha de software livre pelas empresas
2009 2010 2011 2012
Menores custos Menores custos Liberdade de
comercializacao
Liberdade de
comercializacao
Melhor seguranca Liberdade de
comercializacao
Menores custos Menores custos
Liberdade de
comercializacao
Ritmo de inovacao Flexibilidade Qualidade
Ordem dos criterios para escolha do software livre na implementacao de solucoes segundo
pesquisa feita com 740 empresas do ramo de tecnologia da informacao.
Fonte: Skok et al. (2012, traducao nossa)
Em muitos aspectos, uma vez prontos e empacotados os softwares livres acabam sendo
na pratica, equivalentes aos softwares proprietarios. Corporativamente, os criterios pelos quais
eles sao escolhidos para utilizacao sao os mesmos dos softwares proprietarios. Em outras
palavras e, segundo a pesquisa de Skok et al. (2012), se um software proprietario vir a oferecer
melhor custo e condicoes mais permissivas de comercializacao, e possıvel que tenha tambem
mais chances de ser escolhido no lugar de um software livre caso os demais quesitos sejam bem
avaliados.
O software livre – mais especificadamente o Linux, tem apresentado um contınuo
crescimento no mercado de tecnologia da informacao desde o seu lancamento em 1991. Embora
em 2012 a fatia de computadores pessoais seja ainda muito pequena – cerca de 1,5%, tem-se
que mais de 63% do mercado de servidores e mais de 92% do mercado de supercomputadores
e dominado pelo Linux (WIKIPEDIA, 2012).
Em um primeiro momento da observacao deste crescimento, empresas com negocios
fortemente pautados na propriedade intelectual como a Microsoft entenderam este avanco como
60
uma ameaca, e logo trataram de investir em campanhas de marketing que – com variantes de
intensidade – desqualificam o modelo aberto de desenvolvimento. Os argumentos giram em
torno da suposta maior suscetividade a falhas devido ao carater exposto de codigo, e maior
custo de implantacao devido ao treinamento e mao de obra especializada necessarias.
Figura 4.5: Propaganda anti-Linux da Microsoft
Propaganda do sistema operacional Windows 2000 que tem a chamada principal: “Um sistema
operacional aberto nao tem somente vantagens”, e descritivo: “Um sistema operacional aberto
sofre muitas mudancas. Com o Windows 2000 voce tem todos os servicos em uma so fonte.
Assim voce economiza tempo e dinheiro.”
Fonte: Sixgun (2009, traducao nossa)
Embora no passado a Microsoft tenha se utilizado de secoes de codigo de varios
projetos licenciados sob a BSD, e curioso como hoje ela preocupa-se em combater o Linux.
O motivo vem principalmente da natureza do copyleft, pois o Linux encontra-se liberado sob
a GPL – uma licenca ‘verdadeiramente livre’, ou ‘nao corrompıvel’. Ao contrario da BSD,
que permite a liberacao de codigo em formato proprietario, a GPL condiciona que sistemas
derivados, se distribuıdos, devem tambem estar sob os mesmos termos, e acaba assim por
favorecer a distribuicao do conhecimento quando se trata da comercializacao deste codigo.
Este combate dicotomizado entre livre e proprietario que a industria da informacao
admite para a questao do software acaba levando a uma serie de contradicoes de ambas as
partes. Ao mesmo tempo que a sobrevivencia do software livre depende em grande parte de sua
capacidade competitiva e de comercializacao para com os softwares proprietarios, empresas
61
como a Microsoft e Apple – dentre outras que comercializam sistemas operacionais, por
exemplo – incorporaram fracoes de codigo originalmente livres em suas plataformas.
Mais recentemente, estas mesmas empresas – tradicionalmente conhecidas por um
posicionamento sistematicamente contra o software livre – tem cada vez mais reconhecido
o potencial de benefıcios do software livre e se aproximado das comunidades, direcionando
recursos de seus departamentos a pesquisa, incorporacao e contribuicao de conhecimento livre.
No relatorio do desenvolvimento do Kernel do Linux de 2012, feito anualmente pela Linux
Foundation, a Microsoft pela primeira vez apareceu entre as 20 empresas que mais contribuıram
para o projeto, com 688 modificacoes aceitas – cerca de 2.000 linhas de codigo (CORBET;
KROAH-HARTMAN; MCPHERSON, 2012) – ironicamente, mais contribuicoes do que a
Canonical, empresa que promove o Ubuntu, a distribuicao Linux mais utilizada no mundo.
[. . . ] a empresa que uma vez chamou o Linux de um “cancer”, hoje estatrabalhando dentro do modelo de desenvolvimento colaborativo para oferecerseus esforcos de virtualizacao aos seus clientes. Devido ao Linux ter alcancadoum estado de ubiquidade, em que tanto os mercados de computadorescorporativos e moveis estao confiando no sistema operacional, a Microsoftesta claramente trabalhando para se adaptar (FOUNDATION, 2012, grifo etraducao nossa).
Ja a Red Hat, a principal distribuicao Linux comercial, e a principal empresa que
contribui para o desenvolvimento do Kernel (CORBET; KROAH-HARTMAN; MCPHERSON,
2012), e realiza estas contribuicoes em um ambito totalmente diferente ao vender servicos,
suporte tecnico e acesso a uma rede de atualizacoes de seguranca automatizada. Como nao
se pode tornar um trabalho derivado do Linux proprietario, a Red Hat persuade seus clientes
a ‘comprarem’ um software que eles poderiam ter de graca ao vender, acima de tudo, uma
percepcao de seguranca em relacao ao produto e sua manutencao. Este e, de fato, o modo como
boa parte do software livre e ‘comercializado’.
Embora os softwares livres sejam capazes de dedicar parte de seu sucesso e recursos
para a viabilizacao de projetos que procuram combater os efeitos do capitalismo – tal
como a democratizacao do acesso a informacao, inclusao digital e expansao do conceito de
propriedade a outras realidades – eles acabam sendo, sobretudo, uma incorporacao das logicas
de propriedade atraves de outros nıveis relacionais do mercado da informacao.
O surgimento de novas plataformas digitais acaba intensificando ainda mais esta
complexidade. O Google, assim como as grandes redes sociais – Twitter e Facebook, somente
existem porque investiram fortemente no desenvolvimento de tecnologias livres ja previamente
existentes, mas acabaram nao retornando – ou retornaram muito pouco – estas melhorias para o
cırculo de colaboracao da qual as retiraram primeiramente.
62
De maneira analoga e um tanto quanto mais integradas a cultura do software livre,
empresas menores assumem a lideranca no desenvolvimento de projetos livres que sustentam
seus negocios, instituindo uma especie de cırculo proprio de monopolio cujos principais
esforcos, muitas vezes, nao remete a vontade da maioria dos utilizadores daquele software,
mais sim a prestacao de seus servicos, mesmo que para isso acabem utilizando contribuicoes
externas a estrutura de profissionais que controla e remunera diretamente.
No entanto, uma das mais novas e bem sucedidas formas de utilizacao de tecnologias
livres da-se no mercado de aparelhos moveis. A Google lidera este segmento com o Android,
um sistema operacional baseado no Linux e cuidadosamente liberado de forma modular e sob
licencas livres. Muito embora o nucleo deste sistema deva sempre ser mantido em GPL –
devido a sua derivacao do kernel do Linux, existem muitos aplicativos proprietarios integrados,
e a maioria do codigo livre nele presente esta sob as licencas Apache, BSD ou MIT, e serve
para que basicamente os fabricantes dos aparelhos e desenvolvedores de aplicativos possam
modifica-lo e gerar produtos proprietarios (STALLMAN, 2011).
Este modelo torna-se bastante interessante para a Google, ja que ela passa a ter
assistencia da comunidade para desenvolvimento do Android ao mesmo tempo que encoraja o
desenvolvimento de aplicativos proprietarios e reforca a utilizacao de outros produtos e servicos
que presta na Internet. Um modelo ‘totalmente aberto’, com ampla utilizacao da GPL, seria
ilogico dentre os objetivos que a Google possui com o Android. Mueller (2011) afirma que
ao ‘capturar’ fragmentos de codigo livre e incorpora-lo no Android, a Google infringe uma
seria violacao da GPL e da propriedade intelectual, e supoe como seria uma suposta ‘liberacao
completa’ do Android:
O Android iria diretamente de encontro as estrategias da Google. Todosseriam livres para usar, modificar e redistribuir todo o software afetado. Comoresultado, nao haveria oportunidade de rendimento para os desenvolvedoresdas aplicacoes, e os fabricantes de aparelhos baseados em Android naopoderiam mais diferenciar seus produtos dos add-ons proprietarios. Qualquersoftware que eles publicassem se tornaria automaticamente disponıvel atravesdos termos da GPL. Os precos e margens [de lucro] cairiam inevitavelmente.(MUELLER, 2011, grifo e traducao nossa).
Desse modo, como e perfeitamente possıvel a uma organizacao qualquer utilizar-se
do software livre para tornar sua expressao economica cada vez mais relevante no proposito
capitalista, tem-se que ela precisa, acima de outras acoes, subjugar o trabalho de uma
comunidade de desenvolvimento – por mais que isto torne-se moralmente justificavel atraves de
uma igual contribuicao ao projeto. Empresas que operam agressivamente neste sentido tendem
a gerar algumas controversias e que acabam na mobilizacao da comunidade para contraposicao
63
e, em alguns casos, a geracao de forks.
Apos a aquisicao da Sun Microsystems pela Oracle, movidos pela incerteza da nova
corporacao em manter o aspecto livre do sistema de banco de dados MySQL, foi criado o projeto
MariaDB com o objetivo de manter ıntegro o licenciamento GPL da base de codigo. A Oracle
e acusada pela comunidade de ter abandonado o projeto e de nao mais contribuir com o seu
desenvolvimento, e que teria com isso interesses proprios ao favorecer os seus sistemas de banco
de dados proprietarios (WILLIAMS, 2012). Casos como este repetem-se de maneira similar,
tal como o provedor de acesso remoto OpenSSH – criado quando seu antecessor tornou-se
proprietario, as ferramentas de escritorio LibreOffice – que especialmente no Brasil enfrentou
diversas batalhas judiciais devido a marcas registradas, a distribuicao Linux Mageia – criada
tambem pela falta de confianca de seus desenvolvedores no aspecto livre e seguro do Mandriva
Linux, e por fim o Android – que gerou o Replicant, uma versao independente e totalmente
livre desenvolvida frente as limitacoes colocadas pela Google para com o software livre neste
projeto.
E verdade que muitos softwares livres deixam de ser desenvolvidos por falta de
interesse, mas mesmo assim parece existir um limite abstrato que as empresas devem obedecer
em relacao a inferencia estrategica e jurıdica que podem ter sobre um software livre a fim de
serem ‘aceitas’ nas respectivas comunidades de desenvolvimento. Softwares livres que possuem
valor agregado no mercado da tecnologia raramente sao tomados em benefıcio proprio por uma
empresa sem que uma comunidade independente demonstre tambem que e capaz de manter
versoes alternativas e de alocar recursos a parte de uma apropriacao considerada abusiva.
Em casos mais polarizados, dado um monopolio de mercado colocado por uma
grande empresa desenvolvedora de software, os concorrentes podem buscar outra especie de
monopolio atraves do software livre ao ofertarem servicos e atualizacoes especıficas, o que
pode ser encarado como uma forma de adaptacao e maximizacao de lucros frente a uma
corrente hegemonica. Em um outro caso e que vem sendo cada vez mais recorrente, e o
de que empresas utilizam-se do trabalho feito nas comunidades e apropriam-se de recursos
livres, embora estejam completamente de acordo com os termos legais das licencas copyleft
envolvidas, a empregam com uma otica proprietaria para a geracao de novos produtos e servicos.
A busca por um novo modelo de desenvolvimento e pautada na percepcao de diversos
aspectos que no final das contas acabam convergindo em uma natureza economica e de melhor
competitividade. O software livre permite uma forte externalizacao de custos, facilita a criacao
de correntes de inovacao e pulveriza os recursos em forma de conhecimento que sao necessarios
para a producao. Chesbrough, Vanhaverbeke e West (2006) representam este novo paradigma
64
de inovacao atraves da figura 4.4
Figura 4.6: O paradigma de inovacao segundo o modelo aberto
A producao de bens e servicos e representado atraves de um funil em cuja base esta toda a base
tecnologica aplicavel a um mercado seletivo que esta na outra ponta. O modelo aberto
caracteriza-se pela diversidade de formas pelas quais uma determinada tecnologia pode vir a
ser empregada no mercado atraves da insercao de novos mercados e fontes de recursos.
Fonte: Chesbrough, Vanhaverbeke e West (2006)
Nesta nova realidade bem mais diversa e dinamica, os conflitos que regem o mercado
e o direcionamento do valor nele gerado parecem estar fortemente presentes no domınio sobre
o fluxo dos recursos e na propria detencao da informacao em si, cada contexto tratando com
pesos diferentes estas duas variantes.
Em primeiro momento, e ate o modo como este estudo interpreta a forma como ainda
ocorre a maior parte das dinamicas economicas no contexto da sociedade da informacao, ha a
disputa pela propria posse do imaterial, seja ele como um mero commodity ou como informacao
estrategica de producao. Neste sentido foram desenvolvidas formas de regulacao que viessem
a possibilitar a adequada comercializacao da informacao, e acaba constituindo uma dinamica
presente em varias realidades, seja ela da producao cultural ou tecnologica.
Sobre esta primeira logica os mercados baseados em tecnologias livres se
65
desenvolveram e acabaram em um segundo momento dependendo muito mais de como os
recursos sao alocados para giro de inovacao e producao, e para isso moldam os aspectos
jurıdicos, sociais e culturais em busca do domınio sobre a canalizacao do valor gerado nesta
movimentacao. Esta moldagem e por si so geradora de uma serie de conflitos e contradicoes,
em que empresas e comunidades introduzem questoes legais e eticas acerca do domınio
tecnologico, e empreeendem grande esforco de producao em diferentes vertentes a fim de
garantir a geracao de produtos considerados adequados segundo suas perspectivas de mercado,
sejam elas eticas ou financeiras.
Contradicoes nao faltam as dinamicas economicas que envolvem os projetos de codigo
livre, e nao e o objetivo deste estudo avaliar os princıpios eticos destas relacoes. Exemplificar
algumas destas incoerencias, no entanto, serve para demonstrar a dificuldade necessaria de
identificacao de conflitos na totalidade social que e a producao de software livre e a sua
inferencia nos processos de acumulacao capitalista, cuja analise detalhada talvez venha a
envolver mais algumas totalidades que possuem cada qual sua propria dinamica diferenciada
de disputas.
66
5 Conclusao
A liberdade em suas diferentes formas para com a sociedade e uma longa tematica
trazida por varias correntes de pensadores atraves da historia. O Iluminismo foi uma expressao
mais moderna e humanizadora neste sentido, e trouxe aos autores posteriores uma posicao mais
focada na expressao do homem com o mundo e seus pares. Teve nos direitos humanos boa
parte de sua incorporacao, e a medida que quebravam a logica medieval do pensar, tambem
investigavam as praticas economicas que estavam em curso, mostrando que a propriedade e
as relacoes de trabalho eram eficientes respostas para perguntas emancipadoras e de carater
libertario.
Como heranca de toda esta tradicao humanista e racionalista, o metodo marxista surge
como uma forma bem aceita de analise da logica de producao burguesa, e ainda propunha
formas de contraposicao atraves da organizacao. Dado o impressionante crescimento das
economias baseadas em informacao desde a decada de 80, alguns autores consideraram esta
percepcao de analise ampla o suficiente para ser passıvel de utilizacao em nossa sociedade atual.
Com a consolidacao dos monopolios informacionais e uma primeira evidencia do software livre
durante a decada de 90, iniciaram-se os estudos a respeito da cultura colaborativa, do monopolio
da informacao e dos modelos de inovacao tecnologica, e logo vieram as primeiras interpretacoes
de cunho revolucionario do software livre.
A partir desta necessidade de entender as dinamicas reguladas pela informacao, ha
uma contradicao evidente na literatura que aponta o alargamento excessivo que as correntes
‘neomarxistas’ teriam dado aos conceitos basicos. Ao realizar os exercıcios teoricos de uma
nova sociedade, autores teriam identificado novos conceitos, novas entidades e com isso teriam
se afastado demais da teoria base. No entanto, entende-se que a extrapolacao circundante e
ponderada e necessaria, e pode vir a trazer reflexoes esclarecedoras para o entendimento de
nossa sociedade, e assim procurou explorar as relacoes entre alguns conceitos pontuais: a nocao
de propriedade, meios de producao, trabalho e geracao de valor, e com isso construir uma
analise da inferencia do software livre dentro da realidade de producao de software na sociedade
da informacao.
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O aspecto que torna a economia da sociedade da informacao mais peculiar reside no
seu carater imaterial, e no paradigma de ausencia de custo e tempo para copia e reproducao
de uma mercadoria. Esta caracterıstica traz uma serie de dinamicas ainda mais aceleradas e
complexas para a sociedade, modificando profundamente as relacoes de trabalho e propriedade.
Os meios de producao, antes dependentes da propriedade da terra, localizacao geografica e de
uma estrutura industrial, passam a ser baseados cada vez mais em simplorias vias de veiculacao
da informacao regidas por software. A producao independe do tempo em si, e pode ser gerada
e absorvida com um grau pequeno de presencialidade, digitalizando a atividade intelectual e
tornando-a produtiva.
Estas nova economia fez com que o mercado se adaptasse em diferentes direcoes
para fazer valer a informacao as suas tecnicas tradicionais de comercializacao – a chamada
‘comodificacao da informacao’. Mas a producao de software e tambem a producao cultural
depararam-se com uma completa falencia de tentativas em instituir um completo regime de
copyright, e impedir que qualquer informacao legalmente protegida fosse redistribuıda. Os
artifıcios tecnologicos empregados em pouco foram pareos para as redes de compartilhamento
de arquivos e para a perspicacia tecnica de engenharia reversa dos crackers, condenacoes legais
mostraram-se insuficientes, e o discurso de culpabilizacao moral para que os consumidores
fossem justos com os artistas e produtoras nao pareceu repercutir em favor da propriedade
intelectual.
Dentro das proprias condicionantes que a copyright coloca, o exito do software livre
esta justamente em sua capacidade de subverte-la e utilizar seus proprios termos para objetivos
antagonicos, e assim garantir que softwares derivados de licencas livres devam tambem ter seu
codigo publicado de forma aberta. A principal contradicao colocada pelo software livre reside
nesta caracterıstica, que e a de eliminar os artifıcios reguladores sobre a informacao, tornando-a
amplamente disponıvel e retirando-a de qualquer economia que venha a condicionar a escassez
de commodities.
A producao destes softwares livres organiza-se de forma bastante peculiar e complexa
atraves da rede de computadores e suas comunidades. Extingue-se a figura do proprietario legal,
ganhador de royalties e detentor das decisoes. As comunidades de desenvolvimento passam
a exercer este papel atraves de seu conhecimento e esforco intelectual, e definem quais os
rumos de determinado software atraves de seus proprios criterios e organizacao, atribuindo a
seus membros diferentes nıveis de gerencia e grau influencia nas decisoes. Com naturalidade
estas comunidades formam-se, dividem-se, criam comunidades menores e dependentes, e
dissolvem-se na descontinuacao de projetos, sem perder a alta flexibilidade e capacidade
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inovativa.
As escolhas possıveis para o mercado corporativo em relacao ao software livre parecem
ser o combate direto a sua ideologia – frente que parece perder forca com a intensificacao
da cultura colaborativa, ou o uso deste modelo segundo estrategias de distribuicao de codigo
– pratica que tem sido cada vez mais recorrente. As novas adaptacoes para tornar a
distributividade de codigo rentavel por si so normalmente equilibram-se em um limiar entre
o livre e o proprietario, entre o permissivo e o proibido, entre o copyright e o copyleft.
Toda e qualquer retorica revolucionaria que ja foi anteriormente atribuıda ao software livre
parece esvair-se com a adaptacao capitalista a sua realidade. Embora a popularizacao de
uma tecnologia e seu crescimento sejam pautados nos modelos livres, as praticas economicas
tradicionais sempre permanecem de uma maneira ou outra com a informacao encapsulada em
uma fracao comodificada.
Os conflitos tornam-se evidentes quando existem tentativas de proteger o aspecto
verdadeiramente livre dos softwares ao manter as condicoes de livre redistribuicao – uma
iniciativa geralmente tomada pelas comunidades atraves do entendimento de que o monopolio
sobre um projeto de software livre e prejudicial porque acaba tendendo no atendimento
de demandas comerciais centradas no negocio do monopolista, e deixam de atender um
interesse mais amplo e que poderia melhor estimular a inovacao e popularizacao. Neste
contexto, governos e entidades sem fins lucrativos – como as fundacoes e cooperativas de
desenvolvimento, acabam atuando como importantes reguladores na viabilizacao de interesses
mais coletivos.
O software livre opera tanto ‘dentro quanto fora’ do capitalismo, e e capaz de mover
diferentes formas mais criativas e dinamicas de acumulacao, como tambem pode promover
meios libertadores da insercao tecnologica na sociedade. Ao assistir as grandes corporacoes
apropriando-se de seus ideais e construindo verdadeiros imperios economicos, nao podemos
simplesmente ignorar e nem deixar de fomentar o potencial revolucionario de um unico
desenvolvedor autonomo, empregando sozinho sua capacidade intelectual em busca de uma
alternativa, pois foi nestas mesmas condicoes que boa parte dos mais importantes softwares
livres surgiram.
A tentativa de buscar tracos marxistas na totalidade da tecnologia da informacao nao
exclui nenhuma outra condicao presente nas demais complexidades do sistema capitalista. Para
que um computador de ultima geracao possa executar um aplicativo segundo todas as premissas
da liberdade de conhecimento, e provavel que diversas praticas desumanas tenham sido
empregadas durante a fabricacao deste dispositivo, tal como a geracao de impactos ambientais
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irresponsaveis e a utilizacao de trabalho escravo; sempre obedecendo a logica monopolista e
globalizada que permite uma maximizacao da acumulacao de valor. O materialismo historico
percorre inumeros escopos e sao de incrıvel diversidade, e acaba revelando no software livre
somente uma parcela de um senso de igualdade social.
Embora o software livre nao garanta uma economia da informacao igualitaria que
pluralize o acesso a tecnologia e que ofereca a todos as mesmas condicoes, uma sociedade
que verdadeiramente incorpore estas caracterısticas nao somente utilizara codigos livres com
exclusividade, mas tambem nao vera sentido na propriedade do conhecimento em toda a
extensao da atividade humana.
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