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A importân c ia do rádio no E s tado Novo 1 VIEIRA, Erika 2 Universidade Federal de Viçosa/MG R esumo: O presente trabalho tem por objetivo a análise, através de pesquisas bibliográficas, da utilização da propaganda e dos meios de comunicação durante o Estado Novo, bem como a atuação da censura sobre os mesmos. Foi dado maior enfoque ao rádio e sua importância para a época, uma vez que teve participação essencial na consolidação e manutenção da boa imagem e, consequentemente, do poder do líder político em questão, Getúlio Vargas. Também são apresentadas algumas semelhanças entre as técnicas adotadas por Vargas e aquelas adotadas pelos regimes ditatoriais na Europa. Além da introdução e conclusão, este artigo foi dividido em quatro tópicos: o primeiro dedicado a uma explicação breve do que foi o período conhecido como Estado Novo; o segundo refere-se às técnicas de propaganda e censura; o terceiro relaciona-se à radiodifusão e o último aborda a questão da utilização da música popular, com breve exposição de dois temas mais específicos o samba-malandro e o carnaval. Palavras-c hav e : Estado Novo. Rádio. Mídia. Propaganda. Introdu ç ão Este artigo analisa a importância dos meios de comunicação de massa, especialmente do rádio, para a propaganda governamental durante o Estado Novo. A análise se baseia na utilização dos meios de comunicação, formadores de opinião, para difusão da informação e a conseqüente manipulação da massa. Em um regime autoritário esta função torna-se indispensável para a legitimação e manutenção do poder, principalmente por se tratar de um meio sutil de manipulação, que dispensa a violência característica desses governos. Optei por primeiramente contextualizar o período que ficou conhecido como Estado Novo. Mais adiante, será apresentada com mais especificidade a questão da propaganda, focalizando o rádio, com algumas referências à mídia impressa, principais meios utilizados pelo regime. Além disso, farei uma breve exposição sobre o papel exercido pela música e as modificações sofridas pela mesma, muitas delas visíveis até mesmo na cultura musical da atualidade. 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Sonora, integrante do VIII Encontro Nacional de História da Mídia, 2010. 2 Graduanda em Comunicação Social/Jornalismo pela Universidade Federal de Viçosa‐MG. [email protected]

A Importancia Do Radio No Estado Novo

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a importancia do radio no estado novo

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  • A importncia do rdio no Estado Novo1

    VIEIRA, Erika2 Universidade Federal de Viosa/MG

    Resumo: O presente trabalho tem por objetivo a anlise, atravs de pesquisas bibliogrficas, da utilizao da propaganda e dos meios de comunicao durante o Estado Novo, bem como a atuao da censura sobre os mesmos. Foi dado maior enfoque ao rdio e sua importncia para a poca, uma vez que teve participao essencial na consolidao e manuteno da boa imagem e, consequentemente, do poder do lder poltico em questo, Getlio Vargas. Tambm so apresentadas algumas semelhanas entre as tcnicas adotadas por Vargas e aquelas adotadas pelos regimes ditatoriais na Europa. Alm da introduo e concluso, este artigo foi dividido em quatro tpicos: o primeiro dedicado a uma explicao breve do que foi o perodo conhecido como Estado Novo; o segundo refere-se s tcnicas de propaganda e censura; o terceiro relaciona-se radiodifuso e o ltimo aborda a questo da utilizao da msica popular, com breve exposio de dois temas mais especficos o samba-malandro e o carnaval. Palavras-chave: Estado Novo. Rdio. Mdia. Propaganda. Introduo

    Este artigo analisa a importncia dos meios de comunicao de massa,

    especialmente do rdio, para a propaganda governamental durante o Estado Novo. A

    anlise se baseia na utilizao dos meios de comunicao, formadores de opinio, para

    difuso da informao e a conseqente manipulao da massa. Em um regime

    autoritrio esta funo torna-se indispensvel para a legitimao e manuteno do

    poder, principalmente por se tratar de um meio sutil de manipulao, que dispensa a

    violncia caracterstica desses governos.

    Optei por primeiramente contextualizar o perodo que ficou conhecido como

    Estado Novo. Mais adiante, ser apresentada com mais especificidade a questo da

    propaganda, focalizando o rdio, com algumas referncias mdia impressa, principais

    meios utilizados pelo regime. Alm disso, farei uma breve exposio sobre o papel

    exercido pela msica e as modificaes sofridas pela mesma, muitas delas visveis at

    mesmo na cultura musical da atualidade. 1TrabalhoapresentadonoGTdeHistriadaMdiaSonora,integrantedoVIIIEncontroNacionaldeHistriadaMdia,2010.2GraduandaemComunicaoSocial/[email protected]

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    1. O Estado Novo (1937 1945)

    Durante a Primeira Repblica, perodo que antecedeu o governo de Getlio

    Vargas, o controle poltico e econmico do pas era concentrado na mo dos grandes

    fazendeiros, que priorizavam suas atividades agrcolas apesar do crescimento das

    atividades industriais. Com a crise de 1929, a ecloso de revoltas e movimentos

    militares e os conflitos polticos entre as prprias oligarquias, a aristocracia rural no

    tinha mais as condies necessrias para manter uma ordem social que favorecesse seus

    interesses, nem poder suficiente para ir de encontro s reivindicaes das classes

    industriais urbanas emergentes. O presidente era Washington Lus, que apesar dos

    esforos no conseguiu conter a crise. O partido de oposio, a Aliana Liberal, era

    liderado pelo ento governador do Rio Grande do Sul, Getlio Vargas. Nas eleies de

    1930, a Aliana Liberal perdeu para o candidato republicano Jlio Prestes. Utilizando

    como argumento a morte de Joo Pessoa por um simpatizante de Washington Lus,

    Getlio e seus partidrios organizaram um golpe que tirou Washington Lus do poder,

    episdio que ficou conhecido como a Revoluo de 1930. No dia 3 de novembro do ano

    da revoluo, Getlio assumiu a pose do governo.

    As mudanas econmicas aceleraram o processo de industrializao do pas,

    atravs da interveno estatal na rea produtiva e nas relaes de trabalho, fortalecendo

    o Estado e sua influncia. Alm disso, o surgimento de levantes comunistas por todo o

    pas foi utilizado como justificativa para a utilizao de mtodos repressivos e

    controladores por parte do governo. Esses e outros fatores contriburam para o

    surgimento do perodo que ficou conhecido como Estado Novo (1937 1945).

    Apesar da represso, o perodo caracteriza-se tambm por uma srie de

    mudanas decorrentes das medidas adotadas pelo governo. O pas, at ento

    agroexportador, comeou a apresentar sinais de industrializao. Para isso, o Estado

    passou a intervir em vrias esferas da vida social e voltou-se para o desenvolvimento da

    indstria de base, tornando-se o principal promotor da modernizao da economia.

    Reduziu a autonomia dos estados, incentivou o trabalho e criou leis trabalhistas atravs

    da adoo de uma Ideologia do Trabalhismo. Restringiu a imigrao e buscou

    desenvolver um forte sentimento nacionalista, investindo na educao e na cultura.

    Criou tambm o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), rgo responsvel pela

  • 2

    censura e pela promoo da imagem de Getlio Vargas. importante ressaltar que a

    mdia foi participante direta desse processo de industrializao e na difuso da ideologia

    trabalhista, em funo das propagandas e msicas, principalmente atravs do rdio,

    assunto que ser discutido mais adiante.

    No plano internacional, a Europa vivia experincias semelhantes, que muito

    influenciaram o Estado Novo, principalmente no caso da propaganda: Hitler assumira o

    poder na Alemanha, Mussolini na Itlia, Salazar em Portugal e Franco na Espanha.

    Neste artigo procuro destacar a importncia do papel que a mdia exerceu

    durante o Estado Novo, especialmente em relao ao rdio, msica e propaganda,

    alm de discorrer sobre a censura qual foram submetidos e as influncias que

    perduram at os dias atuais.

    2. A propaganda e a censura no Estado Novo

    As tcnicas de propaganda utilizadas pelo Estado Novo foram inspiradas nas

    experincias nazifascistas. Os nazistas acreditavam no poder da utilizao dos meios e

    mtodos de comunicao de massa para difuso de suas ideologias. A propaganda do

    regime tinha por caracterstica a utilizao de insinuaes indiretas, simplificao do

    discurso para atingir com eficincia at as camadas mais populares, apelo emocional,

    promessas de benefcios para o povo, etc. O objetivo principal era despertar paixes nos

    indivduos que a assistissem, porque os sentimentos eram tidos como algo mais

    duradouro e permanente. Para isso, Hitler utilizou panfletos, cartazes, jornais, alto-

    falantes, entre outros, para popularizar sua imagem e as ideias do regime.

    No varguismo, essas tcnicas foram adaptadas realidade brasileira. Os

    responsveis pela propaganda do regime utilizaram as mensagens polticas para

    envolver as multides, provocar empolgao. O objetivo era, principalmente, conseguir

    o apoio necessrio para a legitimao do poder, que teve origem no golpe de novembro

    de 1937. Os discursos eram muito bem elaborados e a utilizao de slogans, frases de

    efeito, palavras-chave e repeties eram convincentes e serviram para reforar a

    imagem do lder.

  • 3

    Apesar da necessidade de apoio, o contato direto com as massas no foi

    estabelecido logo de incio, devido ao carter autoritrio da mudana de regime. Esse

    quadro s se modificou aps alguns anos. A proposta era aproximar-se das massas para

    ganhar seu apoio. Para isso, a imprensa foi transformada em rgo de consulta da

    opinio pblica, principalmente em relao aos desejos da populao.

    Ainda, com a criao de novos direitos dos trabalhadores, outorgados pelo

    prprio Estado ao invs de conquistados atravs de lutas e revolues, tornou-se

    necessria a divulgao dos mesmos, devido desinformao dos prprios

    trabalhadores em relao aos benefcios que lhes haviam sido conferidos. Foi atravs

    dessa poltica de troca de favores que, aos poucos, Vargas conseguiu o apoio que

    precisava e, apesar desse contato direto ter grande participao nessa conquista,

    importante destacar que a propaganda continuou exercendo seu papel ao longo de todo

    o regime, por ser a responsvel por intermediar a comunicao entre o governo e a

    populao.

    A imprensa e o rdio foram os principais veculos da propaganda estado-novista.

    A imprensa tornou-se rgo de utilizao do Estado e veculo oficial da ideologia

    governamental. A censura prvia foi legalizada na Constituio de 1937 e rgos de

    controle e represso foram criados. O principal deles foi o Departamento de Imprensa e

    Propaganda (DIP), composto pelos setores de divulgao, imprensa, radiodifuso,

    turismo, teatro e cinema. Alm da censura, era responsvel tambm pela promoo e

    organizao de atos comemorativos oficiais e festas cvicas.

    As empresas jornalsticas precisavam de um registro obrigatrio concedido pelo

    DIP para se estabelecerem. Cerca de 30% dos jornais e revistas brasileiros no

    conseguiram tal registro, saindo de circulao. Os autorizados eram submetidos ao

    cuidadoso controle e todas as matrias precisavam ser autorizadas pelos censores antes

    de serem publicadas:

    Os peridicos acabaram sendo obrigados a reproduzir os discursos oficiais, a dar ampla divulgao s inauguraes, a enfatizar as notcias dos atos do governo, a publicar fotos de Vargas: 60% das matrias publicadas eram fornecidas pela Agncia Nacional. Havia ntima relao entre censura e propaganda. As atividades de controle, ao mesmo tempo que impediam a divulgao de determinados assuntos, impunham a difuso de outros na forma adequada aos interesses do Estado. (CAPELATO, 1999, p. 175)

  • 4

    A imprensa teve que desempenhar as atividades que lhe foram impostas sem

    nenhuma independncia. Os jornais que se recusavam a realizar tais atividades foram

    fortemente reprimidos e silenciados. Um exemplo foi o jornal O Estado de So Paulo,

    que por tentar contrariar o governo foi expropriado e transformado em rgo oficioso,

    tornando-se um dos principais rgos de propaganda do regime, assim como o jornal O

    Dia, no Rio de Janeiro.

    No cinema, o DIP atuava atravs dos Cinejornais, pequenos documentrios com

    carter informativo exibidos antes de cada sesso, que exaltavam os atos do governo e

    demonstravam, atravs de imagens selecionadas, o apoio da populao ao regime, como

    por exemplo os aplausos unnimes nos discursos de Vargas. Foi criado, inclusive, o

    Cine Jornal Brasileiro, que tambm seguiu os modelos dos sistemas autoritrios

    europeus, tambm com influencias norte-americanas.

    Outro meio de controle foi o decreto sobre a iseno de taxas alfandegrias sobre

    a importao do papel utilizado pela imprensa, cuja aquisio dependia da autorizao

    do Ministro da Justia. Sampaio Mitke chefiou o servio de controle da imprensa e

    afirmou:

    O trabalho era limpo e eficiente. As sanes que aplicvamos eram muito mais eficazes do que as ameaas da polcia, porque eram de natureza econmica. Os jornais dependiam do governo para a importao do papel linhadgua.Astaxasaduaneiras eram elevadas e deveriam ser pagas em 24 horas (...). S se isentava de pagamento os jornais que colaboravam com o governo. Eu ou o Lourival [Fontes, diretor do DIP] ligvamos para a alfndega autorizando a retirada do papel. (GALVO, 1975 apud LUCA, 2010)

    A imprensa, porm, no foi controlada apenas atravs da censura, mas tambm

    atravs de presses polticas e econmicas, como por exemplo, o veto a notcias

    negativas para o governo, bem como aquelas relativas a problemas econmicos. Alm

    disso, vrios interesses estavam envolvidos: alguns setores da imprensa concordavam

    com a poltica do governo, uma vez que Getlio Vargas atendeu a algumas

    reivindicaes da classe para conseguir apoio (assim como fez com outras classes, como

    a dos trabalhadores ao criar as leis trabalhistas). Um exemplo foi a regulamentao

    profissional, que garantiu certos direitos aos jornalistas. Muitos jornais no se dobraram

    s presses do governo, mas estes foram raros. A maioria aceitou as verbas e favores

    que lhe foram concedidos.

  • 5

    Assim, no se pode dizer que somente o autoritarismo foi o responsvel pelo

    silncio dos jornais. A poltica de troca de favores de Vargas tambm teve sua

    participao no controle da imprensa. Vale lembrar que a propaganda e as prticas

    populistas foram to eficientes que Vargas seguiu como, entre outras denominaes, o

    paidospobreseathojelembradopormuitoscomotal.

    3. A radiodifuso

    O rdio teve grande importncia para a propaganda poltica durante o Estado

    Novo. Os idelogos nacionalistas da poca defendiam um projeto de radiodifuso

    educativa, visando construo de uma conscincia nacional, considerada indispensvel

    para a integrao nacional. Havia, na verdade, duas propostas: a utilizao do rdio para

    a propaganda do regime e a utilizao do mesmo como instrumento de educao e

    cultura. Destas duas propostas, surgiu um sistema misto.

    Nesta poca, o rdio conseguiu prestgio devido aos programas de auditrio, -

    humorsticos, musicais - ao radiojornalismo e s primeiras radionovelas, que,

    financiadas pela publicidade, logo ganharam audincia, principalmente por abordarem

    assuntos como os conflitos humanos de maneira sentimental, utilizando uma linguagem

    coloquial, despertando maior identificao por parte do pblico.

    interessante comentar que em pleno Estado Novo, a primeira radionovela

    transmitidafoiEmbuscadafelicidade,deorigemcubanaecomplementeapoltica. J

    o radioteatro era orientado pelo DIP a abordar fatos histricos, dando aos mesmos

    aspecto romntico. Alguns,inclusive,foramescritosparatransmissoduranteAHora

    doBrasil.

    Sobre este programa, foi criado em 1931 e reestruturado em 1939, com a criao

    do DIP. Possua trs principais fins: informativo, cultural e cvico. Atravs dele foi

    iniciado o processo de utilizao poltica do rdio, pela divulgao dos discursos

    oficiais e atos do governo, bem como a exaltao do patriotismo e o estmulo ao gosto

    pela arte e cultura populares. Era, ainda, usado para estimular comportamentos, atitudes,

    hbitos e valores.

  • 6

    No interior, a programao era transmitida atravs de alto falantes. Objetivava-

    se a incluso do homem do interior coletividade atravs do rdio, levando-lhe

    informao e valores urbanos, educao e cultura. Mas no somente isso: no se pode

    esquecer que a obteno de apoio era tambm um objetivo do governo.

    Dentro do DIP existia a Diviso de Rdio-Difuso, responsvel pela concesso

    de registros de funcionamento para os servios pblicos de alto-falantes e som mvel, e

    pelo controle de toda a programao radiofnica, proibindo, assim como fez com a

    imprensa, todo e qualquer programa que fizesse oposio s ideias governamentais. As

    letras de msica tambm podiam ser censuradas por essa Diviso, como veremos

    adiante.

    A Rdio Tupi do Rio de Janeiro foi aprimeirardioAssociada,inauguradaem

    1935. No mesmo ano, foi inaugurada a Rdio Farroupilha, do Rio Grande do Sul, a

    rdio mais potente da Amrica Latina. Em 1937 essa potncia foi ultrapassada por Assis

    Chateaubriand, quando fundou a Rdio Tupi de So Paulo, que alcanava todo o pas e

    at o exterior. Foi assim o incio dos Dirios e Emissoras Associados, que abrangeu no

    s emissoras de rdio, mas tambm de TV, revistas, jornais, etc.

    Em 1940 surge a principal concorrente da Rdio Tupi a Rdio Nacional, que,

    apesar do controle estatal, seguiu a lgica de funcionamento privada, j que foi

    financiada pela publicidade de empresas privadas, que priorizavam o entretenimento.

    Foi ela, inclusive, que exibiu a primeira radionovela, j citada. Em contrapartida, a

    Rdio Tupi apresentou o primeiro jornal falado brasileiro o Grande Jornal Falado

    Tupi, em 1940. A concorrncia, porm, contava ainda com a Rdio Record, que

    transmitia o Reprter Esso, considerado o mais importante e tambm o mais popular e

    respeitado radiojornal.

    Alm de todo esse carter noticioso e formador de opinio, o rdio tambm foi

    muito utilizado para a divulgao de produtos de massa, sendo importante tambm para

    o desenvolvimento industrial e comercial do pas, j que o momento era o de

    consolidao do capitalismo.

    4. A questo da msica popular

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    Getlio Vargas sabia que a msica seria um importante instrumento de acesso s

    camadas populares e desempenharia significante papel na constituio da cultura

    nacional. Alm disso, serviria como meio de reduzir as tendncias transgressivas das

    camadas mais baixas da populao.

    A msica teve ainda participao na divulgao cultural e na construo da

    imagemdoBrasilnoexterior.EmBuenosAiresfoicriadooprogramaUmaHorado

    Brasil, produzido pela rdio ElMondo e pelo menos um programa de AHora do

    BrasilfoitransmitidonaAlemanha. Em relao aos Estados Unidos, o DIP firmou um

    acordo com a CBS, uma das maiores redes de TV e rdio do pas, que na poca possua

    120 estaes. Em todas elas foram transmitidos os programas brasileiros.

    Houve uma busca intensa pela sofisticao da msica popular brasileira. Para

    isso, a MPB recebeu influncia de estilos norte-americanos, principalmente o jazz.

    Radams Gnatalli foi um dos grandes responsveis pela transformao da msica

    brasileira:

    A partir dessas influncias, foi desenvolvida toda uma tcnica brasileira de orquestrao de sambas, sendo Radams Gnatalli, um dos responsveis pela Orquestra Brasileira, da Rdio Nacional, o nome de maior destaque nessa rea. Uma interessante inovao introduzida por Radams em seus arranjos foi a substituio de sesso rtmica tradicional do jazz (piano, baixo e bateria) por outra tipicamente brasileira com violo, violo 7 cordas, cavaquinho, pandeiro e ganz. (VICENTE, 2006, p. 12)

    Ao mesmo tempo em que Vargas adotou medidas favorveis aos msicos da

    poca, utilizou tambm a represso contra eles. O samba um exemplo de estilo que

    tornou-se alvo da censura. O samba-malandro e o carnaval, principalmente.

    O samba-malandro

    O samba-malandro resultado de anos de modificaes no contexto histrico

    brasileiro.Duranteaescravidoosnegrosviamnamsicaanicaformadefugada

    realidade brutal que viviam. Com a abolio e o xodo rural provocado pela

    industrializao, os ex-escravos foram em direo s cidades, em busca de trabalho nas

    fbricas, passando a viver nas periferias. Vendo-se diante de uma rotina de trabalho

    fabril semelhante que viviam enquanto escravos e em meio desqualificao oriunda

    do passado escravocrata, deviam decidir entre a explorao e a ociosidade, optando,

  • 8

    portanto, pela ltima. O malandro passa, ento, a ser visto como uma espcie de heri,

    smbolo de resistncia e transgresso. Da a exaltao do mesmo nas msicas.

    Muitos crticos afirmavam que as msicas eram pobres e s se preocupavam

    comoamoreavidafcil, no levavam intelectualidade e cultura a quem as ouvisse.

    Tais crticas remetem-nos s de TheodorAdornoeMaxHorkheimernoartigosobreA

    Indstria Cultural, onde discorrem sobre a transformao de instrumentos culturais,

    inclusive a msica, em produto comercial.

    Apesar das crticas, eles sabiam que no seria tarefa fcil eliminar esses gneros

    populares, porque j se encontravam arraigados. Para control-los, ao menos, passaram

    a utilizar a censura e a unio com os sambistas. Cerca de 370 msicas foram censuradas.

    Em relao aos msicos, comearam a se moldar s exigncias do governo. Ary Barroso

    um exemplo de sambista que sesofisticou. A msicaAquareladoBrasil,desua

    autoria, foi marco inicial do chamado samba-exaltao. Ary, contudo, no o

    reconheceu como um gnero especfico, mas como uma fase do samba tradicional, que

    surgiu de modo natural.

    As letras originais passaram a ser modificadas, segundo exigncias do governo.

    Um exemplo a famosa composio Bonde de So Janurio3, de Ataulfo Alves e

    Wilson Batista. A verso original dizia O Bonde de So Janurio / Leva mais um

    otrio / S eu no vou trabalhar.Apsmodificao, a letra dizia OBonde de So

    Janurio/Levamaisumoperrio/Soueuquevoutrabalhar.Visivelmente,ainteno

    difundir a ideologia trabalhista do regime.

    Aps essas modificaes na letra e na estrutura o samba passou a ser

    consumido tambm pelas camadas mais cultas da sociedade. Perdeu seu carter

    regional, de periferia. O pblico deixou de ser o limitado grupo social dos bairros. Dizer

    que perdeu o carter regional significa dizer que as grias e caractersticas exclusivas de

    determinados grupos deixaram de participar das composies, demonstrando a

    preocupao em integrar todas as regies do pas e alcanar uma unidade nacional. No

    se pode dizer, porm, que perdeu totalmente as caractersticas do samba-malandro. As

    msicas ainda apresentavam resqucios da rusticidade e ambigidades referentes

    cultura popular e at mesmo o ritmo exerce seu efeito sobre a mensagem da letra. por

    3http://www.sambachoro.com.br/sc/tribuna/sambachoro.0205/0543.html

  • 9

    isso que no se pode afirmar, tambm, que o samba-exaltao desempenhou seu papel

    de contribuio com a difuso da ideologia do Estado Novo com total eficincia.

    O samba foi importante at para a insero do negro no mercado de trabalho,

    ainda que modestamente:

    Alm de a msica constituir-se na matria-prima da empresa radiofnica, o agente cultural produtor dessa msica julga encontrar nas atividades radiofnicas uma das raras tcnicas de infiltrao na estrutura global. (...) medida que a estrutura socioeconmica da empresa vai criando condies de profissionalizao ao redor da comercializao da msica, os negros vo por sua vez, encontrando oportunidades favorveis de trabalho oportunidade alm da rea que a tradio consagrava at os dias atuais como trabalho de negro (servios domsticos e atividades domsticas em geral). (CARVALHO, 1980 apud BISPO, 2009)

    Como o alcance do rdio brasileiro estendeu-se a outros pases, pode-se dizer

    que o samba tambm foi produto de consumo internacional. Portanto, teve que se

    adequar tambm s exigncias do mercado global, sem perder sua essncia brasileira.

    Os compositores brasileiros passaram a receber ainda mais influncia das produes

    musicais norte-americanas com a chegada do cinema sonoro ao pas, na dcada de 30.

    Carnaval

    O carnaval tambm era visto como sinnimo de desordem e transgresso aos

    costumes. Por isso, foi submetido a uma disciplinarizao e seus samba-enredos tiveram

    de voltar-se para personagens histricos e para a exaltao de temas nacionais. O

    Estado, contudo, comeou a interferir na organizao do evento desde 1930, antes do

    golpe que levou Vargas ao poder. Em 1932 os desfiles foram regulamentados. S em

    1935 as escolas tiveram que adaptar seus enredos s exigncias governamentais. Neste

    ano, o carnaval foi transformado em uma espcie de concurso.

    O local dos desfiles foi determinado e somente as escolas filiadas Unio Geral

    das Escolas de Samba (UGES) podiam participar. Apesar de haver alguma resistncia

    em relao ao controle estatal do carnaval, aos poucos a nova tendncia nacionalista dos

    enredos foi se enraizando. Em 1939, pela primeira vez, uma escola foi desclassificada

    do concurso por adotar um tema internacional para seu enredo.

    As modificaes feitas no carnaval durante o Estado Novo perduraram por

    bastante tempo. O carter ufanista dos enredos prevaleceu at o fim da ditadura e a

  • 10

    organizao das alas das escolas durante os desfiles tambm apresentam at hoje, em

    parte, caractersticas da poca.

    Concluso

    Assim sendo, podemos afirmar que o rdio merece destaque ao discorrermos

    sobre a influncia que os meios de comunicao exerceram sobre a opinio pblica

    durante o Estado Novo. Acredito que, devido simplicidade de seu discurso e ao seu

    amplo alcance, participou do processo de popularizao de Getlio Vargas, bem como

    na criao de sua boa imagem entre o povo, garantindo o suporte necessrio para

    sustentao de seu poder ao atingir tambm as camadas rurais, no s as urbanas.

    Outra boa justificativa para se destacar a importncia do rdio a sua utilizao

    na Alemanha nazista, onde Hitler teve resultados satisfatrios. Como Vargas seguiu o

    exemplo dos vrios regimes ditatoriais existentes na poca ao redor do mundo, no seria

    diferente em relao utilizao da mdia radiofnica, que tambm teve participao na

    diminuio da violncia como meio de controle.

    Mesmo com o fim do Estado Novo, a eficincia da propaganda da poca pode

    ser percebida at mesmo na sociedade atual. A imagem do governante foi to

    consolidadaqueathojeVargaslembradocomoopaidospobres,mesmodianteda

    caracterstica autoritria e repressora de seu governo. Alm disso, a msica popular

    tambm apresenta resqucios das influncias recebidas durante o perodo e se

    mantiveram em gneros posteriores, como a Bossa Nova e o Tropicalismo. O ufanismo

    continua sendo tema de msicas e at a organizao de algumas escolas de samba

    permanecem de acordo com as tendncias da poca.

    Referncias Bibliogrficas

    ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. A Indstria Cultural: O esclarecimento como mistificao das massas. In: A Dialtica do Esclarecimento Fragmentos Filosficos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor. 1985.

  • 11

    BISPO, Cristiano Pinto de Moraes. Samba e carnaval: a malandragem no Estado Novo. Histria e-histria. Disponvel em: Acessado em 23 jun. 2010.

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