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  M a r xi s m o e Aut og e stã o, Ano 0 1, Nu m . 0 2 , j ul . / d ez. 2 0 1 4  6 A Luta Operária e os Limites do Autonomismo Karl J e ns en A luta operária se desenvolve em três estágios diferentes e o movimento revolucionário deve agir no sentido de que ela chegue ao seu terceiro estágio, que é o da luta verdadeiramente revolucionária. Esta é a tese que desenvolveremos aqui. Os três estágios da luta operária são: a) o das lutas espontâneas ; b) o das lutas autônomas ; c) o das lutas autogestionárias . Faremos uma breve discussão sobre estes estágios da luta  proletária e depois v eremos sua relação com o mov imento revolucionário. O Desenvolvimento da Luta Operária As lutas espontâneas ocorrem no interior do capitalismo na vida cotidiana dos trabalhadores. Quando um operário realiza vagarosamente o seu trabalho (a chamada “operação-tartaruga”), quando quebra, rouba utensílios e objetos da fábrica, quando demora no banheiro, quando “mata” serviço, etc., realiza uma ação contestatária, uma recusa das relações de trabalho, enfim, uma recusa do capital. Trata-se de uma ação que aparentemente não tem nada de crítica, contestatória, ou, como diria um leninista- vanguardista, é apenas demonstração de sua falta de consciência socialista. O que falta nas lutas espontâneas é um discurso, é a consciência da ação. Em outras palavras, falta a manifestação da consciên cia da ação em um discurso. O discurso se realiza através de códigos verbais que revelam significados. Uma ação, por sua vez, também tem seu código, ou seja, também carrega em si significados. O problema é a forma que assume cada expressão d e significados. A forma discursiva é verbal, realiza a reconstituição consciente do que existe através dos signos linguísticos. A forma prática é ativa, é direta, não utiliza signos embora manifeste significados. Assim, é possível realizar uma transcodificação da ação em discurso, através não dos signos mas dos significados. Se um operário não vai ao trabalho uma vez a cada dois meses, isto não é

A Luta Operária e os Limites do Autonomismo

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Karl Jensen demonstra os limites do autonomismo, que limita a luta operária ao autonomismo, sendo que é necessária ultrapassar as lutas espontâneas e autônomias no sentido de gerar lutas autogestionárias.

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  • Marxismo e Autogesto, Ano 01, Num. 02, jul./dez. 2014

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    A Luta Operria e os Limites do Autonomismo Karl Jensen

    A luta operria se desenvolve em trs estgios diferentes e o movimento

    revolucionrio deve agir no sentido de que ela chegue ao seu terceiro estgio, que o da

    luta verdadeiramente revolucionria. Esta a tese que desenvolveremos aqui. Os trs

    estgios da luta operria so: a) o das lutas espontneas; b) o das lutas autnomas; c) o

    das lutas autogestionrias. Faremos uma breve discusso sobre estes estgios da luta

    proletria e depois veremos sua relao com o movimento revolucionrio.

    O Desenvolvimento da Luta Operria

    As lutas espontneas ocorrem no interior do capitalismo na vida cotidiana dos

    trabalhadores. Quando um operrio realiza vagarosamente o seu trabalho (a chamada

    operao-tartaruga), quando quebra, rouba utenslios e objetos da fbrica, quando

    demora no banheiro, quando mata servio, etc., realiza uma ao contestatria, uma

    recusa das relaes de trabalho, enfim, uma recusa do capital. Trata-se de uma ao que

    aparentemente no tem nada de crtica, contestatria, ou, como diria um leninista-

    vanguardista, apenas demonstrao de sua falta de conscincia socialista.

    O que falta nas lutas espontneas um discurso, a conscincia da ao. Em

    outras palavras, falta a manifestao da conscincia da ao em um discurso. O discurso

    se realiza atravs de cdigos verbais que revelam significados. Uma ao, por sua vez,

    tambm tem seu cdigo, ou seja, tambm carrega em si significados. O problema a

    forma que assume cada expresso de significados. A forma discursiva verbal, realiza a

    reconstituio consciente do que existe atravs dos signos lingusticos. A forma prtica

    ativa, direta, no utiliza signos embora manifeste significados. Assim, possvel

    realizar uma transcodificao da ao em discurso, atravs no dos signos mas dos

    significados. Se um operrio no vai ao trabalho uma vez a cada dois meses, isto no

  • Marxismo e Autogesto, Ano 01, Num. 02, jul./dez. 2014

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    nenhuma manifestao discursiva, de signos. No entanto, a ao de no ir ao trabalho

    (dentro de um contexto especfico, claro, ou seja, desde que no seja por doena, etc.)

    possui um significado: este operrio contesta o seu trabalho, est insatisfeito com ele,

    no se realiza nele e no quer realiz-lo, o faz apenas para ganhar dinheiro e sobreviver,

    um meio que ele se submete por coao. Desta forma, a transcodificao da ao em

    discurso demonstra a recusa das relaes de trabalho, a recusa do capital.

    As lutas operrias espontneas possuem este significado: uma recusa prtica do

    capital. No entanto, por ser uma recusa prtica, no-discursiva, ela uma ao

    contestatria sem conscincia revolucionria. Por isso ela ocorre no cotidiano da

    fbrica, no processo de trabalho, sem produzir uma ao coletiva e consciente, ou seja,

    uma conscincia revolucionria.

    O segundo estgio da luta operria o das lutas autnomas. Aqui o discurso

    nasce, ainda fragmentado, ainda incompleto, ainda incipiente, tal com as lutas travadas.

    Aqui a ao torna-se coletiva: as reunies, os panfletos, a greve, o piquete, entre outras

    formas. Aqui se recusa o capital mas no s ele, como um produto derivado dele: a

    burocracia. Aqui as lutas operrias j significam algo mais, significam a recusa dos

    representantes, dos partidos reformistas e leninistas. A conscincia de classe, apesar de

    suas contradies, j sabe que sua ao uma recusa e a associao operria se forma.

    Devido a isto, as lutas operrias autnomas significam uma prtica coletiva e

    contestadora que assume um nvel de radicalidade elevado. Da a reao burguesa e

    burocrtica, bem como o conflito e luta encarniada, ou seja, a radicalizao da luta de

    classes. A vitria burguesa ou burocrtica significa a volta normalidade capitalista. A

    vitria proletria significa a passagem para as lutas operrias autogestionrias. Assim,

    as lutas autnomas no ocorrem cotidianamente, mas em determinados momentos

    histricos, quando h um processo de radicalizao do movimento operrio. Este

    processo marca o nascimento de uma ao revolucionria sem conscincia

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    revolucionria. Somente quando passa para a prxima fase da luta, a das lutas

    autogestionrias, que se desenvolve a conscincia revolucionria.

    O ltimo estgio o das lutas operrias autogestionrias. Aqui se revela uma luta

    que garante a recusa do capital e da burocracia e a afirmao da autogesto. O

    proletariado no s recusa o domnio do capital e da burocracia, mas tambm assume a

    direo revolucionria da fbrica e da sociedade. Aqui no s se realiza uma ao

    revolucionria como tambm se manifesta uma conscincia revolucionria. Esta

    conscincia significa no somente a compreenso do processo de explorao capitalista,

    da burocracia enquanto forma de dominao, mas tambm da necessidade de

    constituio de uma nova sociedade, autogerida. A recusa do capital e da burocracia

    vem acompanhada pela associao coletiva que passa a autogerir as relaes de trabalho

    e o conjunto das relaes sociais. O combate ao capital e ao estado acompanhado da

    conscincia de que eles devem ser destrudos e que em seu lugar somente a autogesto

    pode garantir novas relaes sociais, igualitrias. Nasce a conscincia de um objetivo: a

    revoluo social, o que pressupe uma viso da totalidade das relaes sociais e da

    articulao do movimento operrio no sentido de generalizar o processo

    autogestionrio. imprescindvel a percepo disto, pois o comunismo, tal como

    colocou Marx, no surge da mesma forma que o capitalismo, atravs do

    desenvolvimento da propriedade, e sim do domnio consciente dos seres humanos sobre

    sua vida social, ou seja, sem conscincia revolucionria no possvel uma sociedade

    autogerida.

    Assim, a luta operria passa por trs estgios: espontneo, autnomo e

    autogestionrio. Esta a tendncia do movimento operrio. Historicamente, este o seu

    desenvolvimento natural. Porm, toda tendncia, numa sociedade de classes,

    contrabalanada por contratendncias, isto , a luta operria segue uma linha no sentido

    de passar da luta espontnea, para a autnoma at chegar autogestionria, mas a ao

    das outras classes sociais dificultam este desenvolvimento e por isso h retrocessos

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    histricos, e em muitos casos a luta autogestionria ao no concretizar a revoluo,

    marca um retorno s lutas espontneas e o mesmo ocorre com as lutas autnomas. Marx

    afirmou que a conscincia de classe do proletariado, sua conscincia revolucionria,

    surge atravs das lutas de classes. E isto foi confirmado pela experincia do movimento

    operrio. Mas tal experincia tambm deixou claro que no s a burguesia que serve

    de obstculo ao desenvolvimento da conscincia revolucionria, mas tambm o

    movimento dito socialista socialdemocracia e bolchevismo tambm servem para

    bloquear tal desenvolvimento.

    Estes estgios da luta operria se reproduzem em todas as classes e grupos

    oprimidos da sociedade capitalista. As mulheres, os jovens, os estudantes, os negros, os

    imigrantes, etc., tambm realizam lutas espontneas, que podem se desenvolver e se

    tornar lutas autnomas e autogestionrias. Uma mulher que se nega a prestar servio

    sexual ao marido ou um estudante que mata aula manifestam a recusa da opresso

    feminina e estudantil. A transcodificao desta ao em discurso pode ser feita da

    seguinte maneira: a ao da mulher significa o questionamento de uma relao de

    coero sexual legitimada por esta sociedade e que expressa a opresso feminina e a

    ao do estudante significa a recusa de um processo de escolarizao coercitivo

    expresso na sala de aula. Estas lutas espontneas e cotidianas se transformam em lutas

    autnomas quando inicia-se a tomada de conscincia, se esboa a ao coletiva e se

    rompe com as organizaes burocrticas que tentam dirigir a luta, seja o das

    organizaes estudantis ou feministas, geralmente ligadas a partidos polticos. As lutas

    autogestionrias ocorrem quando se passa a ter uma viso da totalidade, o que pressupe

    reconhecer a unidade das lutas femininas e estudantis com a luta operria e se coloca

    um objetivo revolucionrio ao movimento.

    O Movimento Revolucionrio e os Limites do Autonomismo

    Pois bem, at aqui colocamos os estgios da luta operria. Agora devemos

    relacionar o desenvolvimento da luta operria com o movimento revolucionrio. O

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    problema do espontanesmo e do autonomismo se encontra justamente na

    incompreenso da passagem das lutas espontneas e/ou autnomas para as lutas

    autogestionrias. Ao fazer o elogio das lutas espontneas, o espontanesmo reconhece a

    importncia e o significado destas lutas, mas no compreende que preciso desenvolv-

    las, no sentido de constituir lutas autogestionrias. Ao se fazer a apologia do

    espontanesmo, os espontanestas podem assumir duas posies: a primeira o

    imobilismo, pois as lutas espontneas bastam a si mesmas, no devemos interferir nelas.

    Claro que por detrs disso pode estar toda uma concepo filosfica ou economicista,

    tal como uma filosofia do impulso vital ou a tese da crise final e inevitvel do

    capitalismo. No interessa aqui os fundamentos desta concepo e sim suas

    consequncias polticas. O espontanesmo enquanto concepo e ao poltica apenas

    reproduz as lutas espontneas do proletariado, o que significa ficar nos limites da

    sociedade capitalista e da resistncia cotidiana sem perspectiva de desenvolver uma luta

    revolucionria. Os limites de tal concepo so por demais evidentes para termos que

    aprofundar em sua crtica.

    Outro equvoco se encontra no autonomismo (no me refiro aqui s diversas

    correntes autonomistas que surgiram historicamente, tal como o autonomismo italiano e

    portugus, que variam muito a sua concepo, alguns at aceitando a formao de um

    partido, tal como ocorreu infelizmente com o Il Manifesto, e outros conseguem cair no

    equvoco que aqui denominamos autonomismo entre aspas, para distinguir do

    movimento autonomista). O autonomismo faz o elogio das lutas autnomas do

    proletariado. Trata-se, pois, do elogio de uma ao revolucionria sem conscincia

    revolucionria. Esta posio atua no sentido de ultrapassar as lutas espontneas e atingir

    a autonomia operria. Significa apoiar a luta operria contra o capital e a burocracia sem

    buscar desenvolver a conscincia revolucionria, ou seja, transformam os limites da luta

    operria em virtude e os reproduzem... Tal concepo/ao poltica reproduzida por

    alguns anarquistas, autonomistas, e outras correntes polticas que atuam no movimento

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    operrio. Assim, contribuem com a formao da classe operria como presa fcil do

    reformismo ou bolchevismo, pois uma ao revolucionria sem conscincia

    revolucionria pode se tornar uma ao contrarrevolucionria... Ficar nos limites da

    ao revolucionria sem desenvolver a conscincia revolucionria um problema que

    deve ser superado pelo movimento operrio e cabe ao movimento revolucionrio

    contribuir com tal superao e no com sua perpetuao. Esta superao significa

    desenvolvimento e no abandono.

    At concepes filosficas foram desenvolvidas para sustentar o autonomismo.

    Foucault o idelogo do autonomismo par excellence. Ao lado dele, aparece a figura

    de Deleuze. Eles revelam que o poder totalizador e que a ao revolucionria no...

    O intelectual deve se aliar ao proletariado e este sabe tudo, ou seja, a questo apenas

    de aliana... Os prisioneiros, mulheres, etc., tambm sabem tudo e cabe ao movimento

    revolucionrio se aliar a eles... O engajamento possvel, mas do tipo esprito de

    rebanho, isto , j que o rebanho revolucionrio por si s (...) ento s nos resta

    segui-lo... Se ele caminha para o abismo... Aqui a recusa do vanguardismo, legtima e

    revolucionria, se torna reformismo inconsequente. Confunde-se negao do

    vanguardismo com reboquismo, ou seja, aqui o movimento socialista vai reboque das

    massas. Se as massas desenvolvem apenas lutas espontneas, devemos ficar neste nvel

    tambm... Se se elevam ao nvel das lutas autnomas, sigamos elas... Se a classe

    operria quer fazer uma greve para pedir aumento salarial e melhores condies de

    trabalho, ento vamos apoi-la! Mas no devemos dizer para ela que isto no basta, que

    preciso fazer greve de ocupao ativa e autogerir a fbrica, acabar com a propriedade

    e com o estado que vai aparecer em sua defesa. Se ela quer salrio maior, ento vamos

    cobrar isto do capital... Se os desalojados querem casa, ento devemos apoi-los! Mas

    no devemos dizer para eles que isto no basta, que necessrio romper com a

    mercantilizao do solo e com as relaes de propriedade e com o estado que as

    sustenta e vir defend-la. Se eles querem moradia, ento isto basta... Nada de

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    conscincia revolucionria...

    Estes so os limites do autonomismo. Se o espontanesmo no ultrapassa os

    limites das lutas espontneas, o autonomismo no ultrapassa os limites das lutas

    autnomas. So um exemplo de como grupos polticos se constituem como meros

    reflexos das lutas operrias, sem conseguir ultrapass-las, sem ter viso do processo

    histrico e se limitam a percepo do que enxergam de imediato. Transformam

    romanticamente as lutas operrias em modelos de ao, sem perceber que a luta operria

    realmente revolucionria ocorrem nos perodos revolucionrios, e so as lutas

    autogestionrias.

    Para Alm do Autonomismo

    Desta forma, resta-nos superar o autonomismo e defender uma concepo

    revolucionria, que tem como base a luta operria autogestionria. Isto fundamental

    para recolocarmos a questo da relao entre os grupos polticos revolucionrios e o

    proletariado e demais classes/grupos que so exploradas/oprimidos.

    A superao do autonomismo tem trs elementos bsicos: a) reconhecimento de

    que sem conscincia revolucionria no h movimento operrio revolucionrio, e, por

    conseguinte, preciso efetivar uma luta cultural no interior da sociedade burguesa; b)

    que sem o ponto de vista proletrio e da totalidade no existe teoria revolucionria, e,

    consequentemente, grupos revolucionrios; c) sem uma articulao nacional e

    internacional no possvel haver revoluo proletria.

    O problema da conscincia revolucionria j foi colocado quando tratamos da luta

    operria autogestionria. A questo que o movimento operrio caminha para a

    conscincia revolucionria espontaneamente, mas a ao contrarrevolucionria da

    burguesia e da burocracia bloqueia tal desenvolvimento. por isso que somente nas

    lutas de classes, quando h o seu processo de radicalizao, que ocorre a passagem para

    a conscincia revolucionria. Mas isto pode ocorrer antes de tal radicalizao e pode

    facilitar tal processo. Por isso um dos papis mais importantes dos grupos

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    revolucionrios a luta cultural. O grande reformista Gramsci revelou a fora da

    hegemonia burguesa e a necessidade de uma contra-hegemonia. A ao pode ser

    reprimida pelo capital e pelo estado mas a conscincia ntima de um trabalhador no...

    Marx j dizia que quando a teoria se apodera das massas ela se converte em fora

    material e isto uma colocao revolucionria e fundamental. No basta estar junto dos

    operrios, dos estudantes, dos negros, dos imigrantes, das mulheres, preciso

    apresentar-lhes o que a teoria nos legou, seno no h sentido para a luta revolucionria.

    Uma tarefa fundamental para os grupos revolucionrios lutar contra a hegemonia

    burguesa.

    Mas aqui no se trata de retomar a tese leninista de quem sem teoria

    revolucionria no h movimento revolucionrio, pois no estamos tratando apenas de

    teoria. A posio leninista , como em tudo mais, burocrtica. Para ele, o problema est

    na teoria cientfica elaborada pela intelligentsia, o que acaba justificando o partido de

    vanguarda. Para ns, trata-se da conscincia revolucionria, que pode se manifestar na

    forma de uma teoria ou em outras formas menos complexas. Neste caso, o velho e bom

    Marx j havia dado a resposta: os revolucionrios no formam um partido parte do

    proletariado, no possuem interesses prprios, no pretendem modelar o movimento

    operrio. Seu papel fazer prevalecer os interesses comuns do proletariado, acima das

    divises nacionais, e representar os interesses do movimento em seu conjunto. Os

    revolucionrios constituem a frao mais resoluta do movimento revolucionrio e tem

    sobre o proletariado a vantagem da compreenso dos meios e fins do movimento

    geral do proletariado. O objetivo dos revolucionrios, ainda segundo Marx, a

    superao da supremacia burguesa (abolio do capitalismo) e instaurao do

    comunismo (diramos hoje, autogesto).

    Aqui entramos no outro ponto. A teoria revolucionria uma forma de

    manifestao da conscincia revolucionria do proletariado. Os proletrios, devido suas

    condies de vida concreta, possuem dificuldades de ter acesso ao saber terico, seja o

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    das cincias burguesas, seja o do prprio marxismo. Alguns conseguem, apesar desta

    situao desfavorvel, ter acesso e no s isso como tambm desenvolver teorias. Mas

    para se produzir uma teoria revolucionria preciso partir do ponto de vista proletrio,

    que significa aqui o ponto de vista da classe proletria em sua fase de luta

    revolucionria e no de indivduos desta classe. A partir da teoria revolucionria se

    articula uma viso clara dos objetivos do movimento operrio e da totalidade. Se para os

    operrios sua prpria condio de classe os predispe a desenvolverem uma ao e

    conscincia revolucionrias, o mesmo no ocorre para os indivduos no proletrios.

    Estes, mais do que os proletrios, precisam da teoria revolucionria. Somente assim

    podero ser teis ao movimento revolucionrio. S assim podero efetivar uma luta

    cultural contra a hegemonia burguesa num sentido verdadeiramente revolucionrio.

    Aqui entramos em outra questo. A questo da totalidade das relaes sociais e da

    sua compreenso nos remete a mais uma crtica ao autonomismo, seja foucaultiano ou

    qualquer outro. A teoria deve partir da totalidade e realizar uma sntese totalizadora, ao

    contrrio do que pensa os autonomistas com suas teorias regionais. Isto se reflete na

    estratgia revolucionria, pois ao compreender, como bem coloca o prprio Foucault,

    que o poder totalizador, o contrapoder, se quiser ultrapassar o estgio das lutas

    autnomas, ou seja, se quiser realizar a revoluo proletria, deve tambm ser

    totalizador. Porm, o que diferencia o poder burgus e o contrapoder proletrio no

    o seu carter totalizador e sim a forma que ele assume: o poder burgus centralizador,

    burocrtico, repressivo. O contrapoder proletrio descentralizado, antiburocrtico,

    libertrio. Se o poder burgus possui uma hierarquia, um centro, uma camada dirigente,

    o contrapoder proletrio se fundamenta na organizao no-hierrquica, sem centro,

    sem camada dirigente, mas articulada, seja no que se refere aos grupos

    revolucionrios ou ao movimento operrio ou, ainda, ao conjunto dos opositores do

    sistema capitalista.

    A recusa da organizao revolucionria significa ficar nos limites das lutas

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    espontneas e/ou autnomas, enquanto que o movimento revolucionrio, se quiser ser

    realmente revolucionrio, deve ficar ao nvel das lutas autogestionrias, que pressupe

    se aglutinar em uma organizao autogerida. Somente assim superaremos os limites do

    autonomismo e contribuiremos realmente para a libertao proletria, a libertao

    humana.