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As Teorias da Religião Primitiva Ensaio (autor anônimo) E. E. Evans-Pritchard Traduzido por Damnus Vobiscum

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As Teorias da Religião Primitiva

Ensaio (autor anônimo) E. E. Evans-Pritchard

Traduzido por Damnus Vobiscum

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Que sabia eu anteriormente a res-peito de E. E. Evans-Pritchard?

A imagem que flutuava em minha mente, mas não diante de meus olhos, era a de um fiscal de antropólogos. Ex-plico-me: no século XX, Evans-Pritchard era a voz que se erguia contra aquelas pessoas que escreviam e for-mulavam teorias e conclusões “...de suas poltronas, confortavelmente insta-ladas em seus gabinetes de trabalho...”.

Este chiste, pela alta proporção

de criticismo metodológico que encerra, mereceu minha atenção. O presente documento é uma pequena homena-gem à obra e a seu autor.

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Metodologia de Trabalho

A leitura detalhada da obra foi o

ponto de partida deste documento. To-dos aqueles aspectos que, de uma perspectiva subjetiva, são relevantes para o discurso antropológico do autor, são retomados e selecionados da forma mais didática possível e postos à dis-posição de especialistas e leigos.

A isto se acresceram as referên-

cias sobre autores complementares ao tema, artifícios que buscam como fina-lidade à compreensão e o estudo a cur-to e médio prazo do pensamento de Evans-Pritchard.

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Quem foi E. E. Evans-Pritchard?

Evans-Pritchard, E. E. (1902-1973)

Foi um antropólogo britânico, um

dos principais dirigentes da escola in-glesa de antropologia. Nasceu em Crowborough, Sussex, e estudou nas universidades de Oxford e Londres.

Antes da I Guerra Mundial deu

aula nas universidades de Londres e do Cairo, e dirigiu uma série de expedi-ções a povoados do Sudão. Em 1946 foi nomeado catedrático de Antropolo-gia social e membro do All Souls Colle-ge da Universidade de Oxford. Foi-lhe concedido o título de Sir em 1968.

Evans-Pritchard é o antropólogo

britânico mais proeminente do pós-guerra por seus numerosos escritos e pelo grande número de alunos que for-mou em Oxford, muitos dos quais se converteriam mais tarde em importan-

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tes antropólogos. Sua primeira grande obra, “Bruxaria, Oráculos e Magia Entre os Azande” (1937), que é uma investigação sobre a coerência nas formas de pensamento, contradiz impli-citamente muitas das idéias de Lucien Lévy-Bruhl sobre o modo de raciocínio ‘pré-lógico’ entre os homens ‘primitivos’. Demonstrava, de modo pormenorizado, que as crenças aparentemente irracio-nais sobre assuntos como a bruxaria e a adivinhação estão sistematicamente interrelacionadas. Uma vez aceitas as premissas deste tipo de sistemas, os mesmos podem resultar tão coerentes quanto à lógica como as crenças su-postamente mais racionais dos ociden-tais. Enquanto realizava seu trabalho de campo entre grupos do povo azan-de, organizou sua vida segundo os di-tos dos adivinhadores e, após um perí-odo inicial de adaptação, chegou à conclusão de que o procedimento de planificação de seus dias era perfeita-mente razoável.

Evans-Pritchard também alcançou

fama com sua trilogia sobre o povo nuer do Sudão. Até seu estudo, os nu-er eram considerados um grupo bastan-te anárquico, carente de estrutura soci-

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al significativa. Em ”Os Nuer: Descri-ção dos Costumes e Instituições Po-líticas de um Povo Nilótico” (1940), demostrou que estavam organizados de acordo com um sistema de agrupa-mento flexível, no qual os indivíduos se reuniam em grupos ou unidades mais hierarquizadas segundo a natureza do fato com o qual tiveram de lutar.

Seu ”Parentesco e Matrimônio

Entre os Nuer” (1951) é um estudo exaustivo sobre os procedimentos e práticas relacionados com o parentesco e a vida doméstica. Com ”A Religião dos Nuer” (1956), coleção de ensaios sobre diversos aspectos da cosmologia e o simbolismo deste povo, tentou de-monstrar que as crenças religiosas de um povo supostamente primitivo podem ser tão sutis, complexas e dignas de uma investigação detalhada quanto as de qualquer religião oficial litúrgica.

Evans-Pritchard não considerava

a antropologia como uma ciência inde-pendente, mas sim como um ramo das ciências humanas, e insistia no papel de ‘tradutor de culturas’ do antropólogo. Em contraposição ao enfoque não-histórico de seus predecessores imedi-

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atos, Bronislaw Malinowski e Radcliffe-Brown, ressaltou a estreita relação que existe entre antropologia e história, do que é bom exemplo sua etnografia his-tórica ”Os Sanusi de Cirenaica” (1949).

Escreveu também outras obras,

entre as quais podem ser citadas: ”An-tropologia Social” (1951), ”As Teori-as da Religião Primitiva” (1965) e ”Homens e Mulheres Entre os Azan-de” (1974).

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Introdução

O autor inicia a obra dizendo que as conferências transcritas tratam de oferecer um panorama sobre ‘a obra, vida e milagres...’ no que se refere a outros antropólogos – poder-se-ia considerar assim? – quanto à forma de entender as crenças e práticas reli-giosas dos povos primitivos e dar uma razão a elas.

A vida primitiva, refletida nos es-

critos, tem considerável relevância ten-do em vista a compreensão da vida so-cial em geral.

O fato religioso abarca temas co-

mo a bruxaria, a magia – tudo aquilo que pode ser englobado sob a expres-são mentalidade primitiva ou que seja irracional ou supersticioso.

Falar uma língua corretamente é

algo distinto de compreende-la. Estes especialistas começaram a trabalhar

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com fragmentos de informação que re-colhiam acidentalmente e de todo o mundo, e montavam com eles livros como, cita o autor, O Ramo Dourado, A Rosa Mística...

O método comparado dos primei-

ros autores-antropólogos, consistia em eleger dentre os informes de primeira mão sobre os povos primitivos, e, bem ou mal, de todo o mundo, e, tirando os fatos de seus próprios contextos, aten-tar somente ao estranho, sobrenatural, místico e supersticioso. Limitavam-se a pôr juntas as coisas que pareciam ter algo em comum.

Reunia-se um grande número de

exemplos misturados para ilustrar al-guma idéia geral e para apoiar a tese do autor sobre tal idéia. Não se intenta-va experimentar teorias mediante e-xemplos não escolhidos ad hoc.

Os primeiros autores sustentavam

que: I - As sociedades primitivas esta-

vam em um estado de temporário e progressivo desenvolvimento para a civilização, por atrasado que fosse.

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II – Que em outras épocas tive-

ram uma civilização mais evoluída e que estavam regredindo em relação a ela.

Se, por um lado, trata-se de com-preender as interpretações que fizeram da mentalidade primitiva, por outro há de se conhecer suas próprias mentali-dades, mais ou menos seus pontos de vista, para penetrar em sua forma de ver as coisas, vinculada a sua classe, sexo e época.

Nas religiões primitivas buscaram,

e encontraram, uma arma mortal, se-gundo pensavam, contra o cristianismo e, «por origem» não entendiam o pri-meiro no tempo senão como o mais simples em estrutura, e em sua argu-mentação ficava implícita a suposição de que o mais simples em estrutura ha-via de ser o que se produzia mediante evolução.

Qual a missão do antropólogo?

Um antropólogo, enquanto tal, não lhe concerne a verdade ou falsidade do pensamento religioso. As crenças são para ele fatos sociológicos, não teológi-

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cos, e a única coisa que lhe interessa é sua relação com cada uma das outras crenças e com os demais fatos socioló-gicos. A validade da crença pertence ao âmbito do que se pode chamar, grosso modo, filosofia da religião.

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As Teorias Psicológicas

Alguns autores do século XVIII

pensavam que a religião tinha sua ori-gem no fetichismo. Esta tese teve uma grande vigência no tempo. Por exem-plo, Comte dizia que o fetichismo era o culto que prestavam os negros da costa da África ocidental a coisas inanimadas ou a animais, evoluía até o politeísmo, e este, até o monoteísmo.

Estas teorias e outras parecidas diziam que o homem primitivo é essen-cialmente racional, ainda que seus in-tentos para explicar os fenômenos des-concertantes sejam toscos e ilógicos.

A Escola do mito natural, escola alemã, dava a entender que os deuses da Antigüidade, e por implicação os deuses de qualquer lugar e época, não eram mais que fenômenos da natureza personificados: o sol, a lua, as estrelas,

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a aurora, a renovação primaveril, os ri-os violentos, etc.

Todo conhecimento humano, refe-rido a estas ocasiões ao homem primi-tivo, chega através dos sentidos. Só se podia pensar no infinito uma vez surgi-da a idéia do mesmo mediante metáfo-ras e símbolos.

Spencer e Tylor, o último forte-mente apoiado neste ponto por seu dis-cípulo Andrew Lang, foram contrários às teorias do mito natural, e tiveram êxi-to quando propuseram outros critérios. Herbert Spencer(1) dizia que a origem da religião deve ser buscada mais na crença nos espectros que na crença nas almas.

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(1) Spencer, Herbert (1820-1903), teórico social inglês, considerado o pai da filosofia evolucionista. Spencer destacou-se por suas investigações sobre a mudança social a partir da perspectiva evolucionista. Spencer nasceu em Derby (Reino Unido) e sua formação foi autodidata. As teorias de Lamarck influíram profundamente na obra de Spencer.

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A idéia dos espectros evolui inevi-tavelmente para a dos deuses, espec-tros dos antepassados remotos ou de pessoas notáveis que se divinizam.

A teoria de Tylor sobre o ani-mismo, procede de Comte e é pareci-da à de Spencer, ainda que ressalte mais a idéia de alma que a de espectro (animismo).

________________________________ Em 1851, Spencer publicou sua obra “A Está-tica Social”, na qual destacava a necessidade da liberdade individual e a suprema importân-cia da ciência. Em “Princípios de Psicologia” (1855) sustentava que toda matéria orgânica tem sua origem em um estado unificado e que as características individuais se desenvolvem de forma gradual por evolução. Quase ao mesmo tempo ideou um sistema filosófico ba-seado em sua teoria da evolução que abarca-ria e integraria todas as áreas existentes do conhecimento, e ao qual denominou “Filosofia Sintética”.

“Primeiros Princípios” foi publicado em 1862; na seqüência apareceram “Princípios de Bio-logia” (2 volumes, 1864-1867), uma edição ampliada de “Princípios de Psicologia” (1870-1872), “Princípios de Sociologia” (3 volumes, 1876-1896) e “Princípios de Ética” (2 volumes,

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A teoria consiste em duas teses principais, das quais a primeira da ra-zão de sua origem, e a segunda, de seu desenvolvimento. As reflexões so-bre o homem primitivo o levam à con-clusão de que para explicar tudo isto é preciso postular a presença ou ausên-cia de certa entidade imaterial: a alma.

A alma, ao poder se separar da-

quilo em que se aloja, pode ser consi-derada independente de sua morada material. Com tudo isso se atribuiu ao homem primitivo uma sistematização lógica fabricada pelo especialista e se pôs esta como explicação das crenças daquele.

Ao tratar a magia, à qual distingue da religião mais por convivência exposi-tiva que por razões de etiologia ou vali-dez, também destaca o elemento racio-nal do que chamou «...essa cobertura de absurdos». ________________________________ 1892-1893). Outra obra importante de Spen-cer é “Ensaios Científicos, Políticos e Especu-lativos” (3 volumes, 1891), onde estudou o impacto geral da teoria da evolução sobre o pensamento científico, político e filosófico.

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Sir James Frazer(2) escreveu

“The Golden Bough” (O Ramo Doura-do). Segundo ele, o gênero humano em conjunto passa, antes ou depois, por três estados de desenvolvimento inte-lectual: da magia à religião e da religião à ciência, esquema que pode proceder das fases de Comte (a teológica, a me-tafísica e a positiva).

________________________________

(2) Frazer, James George (1854-1941), an-tropólogo britânico, nascido em Glasgow, Es-cócia, e formado nas universidades de Glas-gow e Cambridge. Foi nomeado fellow do Tri-nity College, Cambridge, em 1879, e professor de antropologia social pela Universidade de Liverpool em 1907. A obra de Frazer abarca um campo muito amplo da investigação antro-pológica, mas ele se mostrou especialmente interessado no estudo dos mitos e da religião. Seu livro mais famoso é “O Ramo Dourado” (1890), um estudo de antigos cultos, ritos e mitos e seu paralelismo com o cristianismo primitivo. Esta obra, que cimentou a fama de Frazer como acadêmico distinguido, se ampli-ou a 13 volumes em 1915. Escreveu muitas outras obras, entre elas “Totemismo e Exo-gamia” (1910), “As Origens Mágicas da Rea-leza” (1920), “Mitos Sobre a Origem do Fogo” (1930), “O Temor à Morte nas Religiões Primi-tivas” (1933-1936).

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Diz Frazer que as inteligências

mais agudas acabaram por descobrir, provavelmente, que a magia não con-seguia de fato seus fins, mas, como e-ram incapazes de salvar suas dificulda-des por meios empíricos e de enfrentar a sua crise mediante uma filosofia refi-nada, caíam em outra ilusão: a de que existiam seres espirituais que podiam ajuda-los.

Em conseqüência, enquanto os

praticantes da magia e o científico rea-lizam suas operações com total confi-ança, o sacerdote as realiza com receio e temor.

Este autor também proporcionou alguns termos classificatórios, como os de similaridade e contato, a magia ho- ________________________________

Apesar de Frazer não ter logrado criar uma escola, seu ambicioso intento de sistematizar todo o conhecimento dentro do marco da ci-ência moderna, e especialmente em termos da evolução, o fez merecedor de figurar entre os principais pensadores de finais do século XIX.

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meopática ou imitativa e a magia por contágio.

Estas teorias intelectualistas não podem ser refutadas e tampouco po-dem ser defendidas, pela única razão de que não existe testemunho algum sobre a origem das crenças religiosas.

O grande progresso que conhe-ceu a etnografia nas últimas décadas do século XIX e princípios do XX tem seu exemplo, entre outros, em Wilhelm Schmidt, que pensou que devia existir um estágio prévio ao animismo, um es-tágio de mana em que a idéia de sorte, do fado e do nefasto, fosse o único in-grediente do que ele chamou o supre-mo.

Andrew Lang assinalou que o conceito de deus criador, moral, pater-nal, onipotente e onisciente se encontra entre os povos mais primitivos do glo-bo, provavelmente devido ao que con-vinha chamar-se o argumento do de-sígnio, vale dizer como conclusão ra-cional, por parte do homem primitivo, de que o mundo ao redor deve ser obra de algum ser superior.

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As duas correntes do pensamento

religioso (animismo e monoteísmo) chegaram a unir-se finalmente, uma a-través das fontes hebréias e outra atra-vés das helenísticas, no cristianismo.

Marett expressava que no ho-mem primitivo não são as idéias que fazem surgir a ação, mas sim a ação que faz surgir as idéias. Os povos pri-mitivos têm a sensação de que existe um poder oculto em determinadas pes-soas e coisas, e de que a presença ou ausência desta sensação é o que sepa-ra o sagrado do profano, o mundo do portentoso do mundo de cada dia.

Em sua obra “Cultura Primitiva” (1871) Tylor definiu o animismo como a crença geral em seres espirituais e o considerou “uma mínima definição de religião”. Afirmava que todas as religi-ões, desde as mais simples às mais complexas, entranham alguma forma de animismo. De acordo com Tylor, os povos primitivos, ou seja, aqueles sem tradições escritas, crêem que os espíri-tos ou almas são a causa da vida nos seres humanos; representam as almas como fantasmas, com forma de vapo-

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res ou sombras, as quais podem trans-migrar de uma pessoa para outra, dos mortos para os vivos, e inclusive das plantas, animais e objetos inanimados até outros indivíduos de sua espécie. Ao formular sua teoria, Tylor assumia que a filosofia animística se de-senvolvia em um intento de explicar as causas dos sonhos, os transes e a mor-te, a diferença entre um corpo vivente e um morto, assim como a natureza das imagens que alguém distingue em so-nhos e transes.

As teorias de Tylor foram critica-das pelo antropólogo britânico Robert R. Marett, que afirmava que estes po-vos primitivos não podiam ter sido tão intelectuais e que a religião devia ter uma origem mais emocional e intuitiva. Rechaçava a teoria de Tylor a respeito, de que todo objeto era considerado como ser vivo. Marett pensava que es-tes grupos primitivos deviam ter consi-derado alguns objetos dentro de sua teoria como inertes e que provavelmen-te consideraram só aqueles objetos que tinham qualidades inusuais ou que se comportavam de forma imprevisível ou misteriosa durante sua vida. Sustenta-va, além disso, que o antigo conceito

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de vitalidade não estava bastante ela-borado para incluir a noção de uma al-ma ou espírito inerente ao objeto. Os povos primitivos tratavam os objetos que consideravam animados como se tivessem vida, sentimento e vontade própria, mas não distinguiam entre o corpo de um objeto e uma alma que pudesse entrar nele ou abandona-lo.

Marett denominou este ponto de vista “animatismo” ou “pré-animismo”, e afirmou que o animismo devia surgir do animatismo, o qual podia inclusive conviver junto a crenças animísticas mais evoluídas.

Para Marett, a magia é uma ativi-dade suplementar naquelas situações em que faltam meios práticos para con-seguir um fim; sua função é catártica ou estimulante e dá ao homem valor, con-solo, esperança, tenacidade. Estas ati-vidades suplementares passam a ser substitutivas, a ser auxiliares da ação empírica sem perder sua forma miméti-ca, ainda que na realidade sejam re-percussões em vez de imitações.

Como tampouco basta, ainda que o dito seja divertido e tenha algo de

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verdade, afirmar (oralmente) que para compreender a mentalidade primitiva não fazia falta ir viver com os selva-gens, porque bastava a experiência de uma sala de estar em um colégio de Oxford.

Ernest Crawley, um diretor de escola, afirmava que o conceito de es-pírito surge da alma que, em um está-gio cultural posterior, passa a ser o de deus; mas está em desacordo com ele quanto à gênese da idéia de alma. A religião é, portanto, ilusão. Em sua obra “The Mystic Rose”, sustenta que:

Toda a constituição mental do homem primitivo é religiosa ou supers-ticiosa, e por isso a magia não deve separar-se da religião.

Em sua teoria, a religião primiti-va eqüivale praticamente ao tabu, pro-duto do medo; os espíritos em que crê-em os povos primitivos não são senão conceitualizações do perigo e do temor. Esta religião é essencialmente um pro-duto mais do medo do homem primitivo, de sua desconfiança, falta de iniciativa, ignorância e inexperiência. Com maio-res perigos há mais religião, e por isso

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os estágios de cultura mais primitivos são mais religiosos que os posteriores, e as mulheres, mais religiosas que os homens, e também Deus seria produto de certos processos psicobiológicos.

O antropólogo estadunidense Robert Henry Lowie foi o primeiro que intentou definir a noção de etnia ao es-tudar as diversas tribos ameríndias dos Estados Unidos de forma monográfica. A unidade de base da etnologia no es-tudo exclusivo de determinadas etnias foi habitual entre alguns antropólogos, que criaram assim relações privilegia-das com os habitantes de uma determi-nada região ou território. Pode-se afir-mar que:

– Bronislaw Malinowski é o espe-cialista dos povos das ilhas Trobriand

– Franz Boas o dos kwakiutl – Evans-Pritchard o dos nuer e

azande.

A religião primitiva, segundo Lo-wie, se caracteriza por «...um sentido do Extraordinário, o Misterioso e o Sobrenatural», que a resposta religio-

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sa é «...de espanto e temor, e sua fonte é o Sobrenatural, Extraordiná-rio, Extraterrestre, Sagrado, Santo, Divino».

Para Malinowski, a magia difere da religião, onde os ritos religiosos não têm um objetivo ulterior, pois sua finali-dade é alcançada nos próprios ritos, tais como nas cerimônias de nascimen-to, puberdade e morte. Psicologicamen-te são semelhantes, porque a função de ambas é catártica.

Os homens não sabem o bastante para superar por meios empíricos as dificuldades que os acossam, e por isso recorrem à magia, atividade viária, dando escape a essa tensão entre a impotência e o desejo que põe em peri-go o êxito de suas empresas.

Carveth Read considera que a magia e o animismo são «crenças da imaginação», em contraposição às «crenças da percepção», sendo estas as do sentido comum e a ciência, que estão sujeitas à percepção sensorial e derivam dela.

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Segundo Freud, o indivíduo pas-sa por três fases libidinosas: narcisis-mo, dependência dos pais e madureza. Estas três fases correspondem psicolo-gicamente às três fases do desenvolvi-mento intelectual do homem: a animis-ta, a religiosa e a científica.

A magia é uma satisfação de de-sejos mediante a qual o homem se vê gratificado graças à alucinação motriz e a religião é, da mesma forma, ilusória. As crianças amam e odeiam ao mesmo tempo seus pais: o filho, no fundo de seu inconsciente, deseja matar o pai e possuir a mãe (complexo de Édipo), e a filha em seu interior deseja matar a mãe e ser possuída pelo pai (comple-xo de Electra).

A religião é, portanto, uma ilusão, e Freud intitulou seu livro sobre o tema de “O Porvir de Uma Ilusão”.

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As Teorias Sociológicas

O autor comenta que as teorias

de Malinowski bem poderiam extrair-se das idéias de William James: a reli-gião é válida e inclusive verdadeira no sentido pragmático de verdade, se ser-ve à finalidade de dar consolo e sensa-ção de segurança, ânimo, alívio e rea-firmação; ou seja, se procedem dela conseqüências úteis para a vida.

A religião é válida pelo que traz à coesão e à continuidade sociais e está, pelo geral, acomodada a sua forma de viver.

Max Müller diz que o henoteís-mo surge nos períodos que precedem à formação de nações em tribos inde-pendentes e é uma forma de religião comunal, por contraposição com a im-perial.

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Fustel de Coulanges, em sua obra “A Cidade Antiga”, diz que a so-ciedade clássica antiga estava centrada na família, no sentido mais amplo do termo (família ou linhagem combina-das), e que o que manteve este grupo de agnados juntos enquanto corpora-ção e o que lhe deu permanência foi o culto ao antepassados, no qual o cabe-ça da família exercia a função de sa-cerdote. Quando as cidades-estado e-voluíram, responderam aos mesmos padrões estruturais que haviam sido configurados pela religião nestas condi-ções sociais primitivas. Sociologica-mente falando, o deus era o próprio clã, idealizado e divinizado.

Evans-Pritchard continua fazen-do história e comenta que no suposto básico de todos os antropólogos vitori-anos, o mais primitivo era o pensamen-to e os usos devem ser uma antítese do seu próprio, sendo o seu próprio neste caso certo tipo de espiritualidade indivi-dualista.

Os ritos, é certo, estavam vincu-lados aos mitos, mas os mitos, para nós, não explicam os ritos; antes os ri-tos explicam os mitos.

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Fundamentalmente, Fustel de

Coulanges e Robertson Smith propu-seram o que poderia chamar-se uma teoria estrutural da gênese da religião, segundo a qual esta surge da própria natureza da sociedade primitiva.

Para Durkheim, a religião é um

fato social, objetivo... O animismo, em suas formas mais típicas e evoluídas, não se encontra nas sociedades primi-tivas senão em algumas relativamente avançadas. Pelo contrário, no tote-mismo, o que se diviniza não é em ab-soluto, em sua maior parte, algo im-pressionante, mas sim precisamente humildes criaturas pequenas, tais como patos, coelhos, rãs e vermes, cujas qualidades intrínsecas dificilmente po-dem ter dado origem aos sentimentos religiosos que inspiram.

Com todas estas teorias, um ho-mem não tem mais opção além de acei-tar aquilo a que todos dão sua aprova-ção, porque não tem eleição, como não a tem quanto à língua que fala.

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A linguagem é tradicional, geral e obrigatória. É um fenômeno coletivo, autônomo e objetivo.

A região é um fato social. Surge à margem da natureza da própria vida social, e nas sociedades mais simples está unida a outros fatos sociais, o di-reito, a economia, a arte, etc., que pos-teriormente se separam dela e levam suas próprias existências independen-tes.

Durkheim dispõe quatro idéias cardinais:

I - A religião primitiva é um culto do clã.

II - O culto é totêmico. III - O deus do clã é o próprio clã

divinizado. IV - O totemismo é a forma de re-

ligião mais elemental e primitiva.

Durkheim, pois, concorda com aqueles que vêem no totemismo a ori-gem da religião. A religião é sempre

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assunto de grupo, coletivo; não há reli-gião sem Igreja.

«Uma religião é um sistema unificado de crenças e práticas que se referem a coisas sagradas, ou seja, coisas postas aparte e proibidas – as crenças e práticas que unem, em uma única comunidade moral chamada igreja, todos os que a elas se aderem».

A religião é, pois, um sistema de idéias pelo qual os indivíduos represen-tam a sociedade à qual pertencem e suas relações com ela.

O totemismo é uma espécie de deus impessoal imanente no mundo e difundido por uma inumerável multidão de coisas, que correspondem ao mana e a outras idéias similares existentes nos povos primitivos.

O totem, «...que é a forma mate-rial sob a qual a imaginação repre-senta esta substância imaterial...». É ao mesmo tempo o símbolo do deus, o princípio vital, e o da sociedade, porque deus e sociedade são a mesma coisa.

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Alguma vez paramos para pen-sar de onde procede a palavra To-tem? Totem (do algonquino totem), significa animal, planta ou fenômeno natural, objeto de culto e veneração por alguns povos primitivos.

O psicanalista Sigmund Freud define este conceito em sua obra ”To-tem e tabu” (1913) como: “...animal comestível, ora inofensivo, ora peri-goso e temido, e mais raramente uma planta ou uma força natural (chuva, água) que se acham em uma relação particular com a totalidade do grupo...”.

Também comenta que “O totem é, em primeiro lugar, o antepassado do clã, e em segundo, seu espírito protetor e seu benfeitor, que envia oráculos a seus filhos e os conhece e protege ainda naqueles casos nos quais há perigo”.

Do totem deriva o nome de um sib, grupo de parentesco baseado na descendência comum e tradicional, no qual seus membros compartilham inte-resses comuns e manifestam atitudes especiais. O totem é o antepassado

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do clã, seu espírito protetor e seu benfeitor (protege seus filhos). Aque-les que possuem um mesmo totem es-tão obrigados a respeitar sua vida, abs-ter-se de comer sua carne (quando são animais) ou aproveitar-se dele.

Os povos indígenas norte-

americanos da região costeira ocidental do Pacífico, como os tsimshian, salish, haida e nootka, fabricaram numerosos totens de madeira que serviam como emblemas familiares e, em ocasiões especiais, representavam diferentes hierarquias.

A isto se une a idéia da alma, que não é mais que o princípio totêmico, mana, encarnado em cada indivíduo, sociedade individualizada. É a socieda-de em cada um de seus membros, sua ordem social e cultural, o que faz de um homem uma pessoa, um ser social em lugar de um simples animal.

O homem é um animal racional e moral, mas sua parte racional e moral é a que a sociedade acrescentou à sua parte orgânica. É composto de duas partes distintas, que se opõem entre si, como o sagrado se opõe ao profano.

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Para que uma sociedade chegue

a fazer-se consciente de si mesma e manter seus sentimentos com o grau de intensidade necessário, deve reunir-se e concentrar-se periodicamente.

O significado dos ritos é:

– Em primeiro lugar, unir os membros do clã.

– Em segundo, que a representa-

ção coletiva dos ritos, nesses momen-tos de concentração, renove neles um sentimento de solidariedade.

Os ritos geram uma efervescência na qual se perde todo sentido de indivi-dualidade e as pessoas sentem-se co-mo uma coletividade nas coisas sagra-das e através delas.

Para Freud, Deus é o pai; para Durkheim é a sociedade.

Durkheim soube advertir um dos fundamentos da religião: a eliminação de si mesmo, a negação da individu-alidade, desprovida de sentido ou

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inclusive de existência salvo en-quanto parte de algo superior ao eu e distinto dele. Este autor decidiu a-poiar sua tese da religião na instituição do totemismo e, quase exclusivamente, no totemismo australiano. Afirmar que o totemismo australiano reveste a forma originária do totemismo é uma arbitrari-edade, baseada na suposição de que a forma menos evoluída de religião cor-responde necessariamente aos povos de cultura e organização social mais precárias.

A afirmação durkeheimiana de

que a organização social dos australia-nos repousa sobre os clãs se acha con-tradita pelos dados etnográficos, o que basta para pôr em risco toda a teoria.

Ás vezes é o caso de pensar por que Tylor, Marett, Durkheim, todos os demais não pensaram em passar al-gumas semanas vivendo com os povos dos quais falavam tão desembaraça-damente.

Durkheim(3) enfraquece suas

próprias regras de metodologia socioló-gica, pois basicamente constitui uma explicação psicológica de fatos sociais.

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É óbvio que a emoção é produzida, como afirmava o próprio Durkheim, pe-los ritos e crenças que dão lugar a ela, de modo que mal podem ter-se os ritos e crenças por fruto da emoção. Os ritos dão lugar à exaltação, que dá lugar às crenças, que dão lugar a que se prati-quem os ritos.

________________________________ (3) Durkheim, Émile (1858-1917), teórico so-cial francês e um dos pioneiros no desenvol-vimento da sociologia moderna. Durkheim nasceu em Épinal (França) no seio de uma família judia. Graduou-se na Ècole Normale Supérieure de Paris em 1882 e em seguida trabalhou como professor de direito e filosofia. Em 1887 começou a ensinar sociologia, pri-meiro na Universidade de Bordéus e depois na de Paris. Durkheim pensava que os métodos científicos deviam aplicar-se ao estudo da sociedade, e acreditava que os grupos sociais apresenta-vam características que iam além ou que eram diferentes da soma das características ou condutas dos indivíduos. Também estudou a base da estabilidade social, ou seja, os valo-res compartilhados por uma sociedade, como

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Marcel Mauss(4), sobrinho de Durkheim, pôs em pé a teoria do dom. Isto se pode constatar em sua obra «Ensaio sobre o Dom», no qual recompila um grande número de dados etnográficos contidos e apresentados por Boas e Morgan, mas tratando de analisar os aspectos morais conti-dos na economia. Este aspecto é sus-tentado por um sistema de dons e con-tradons.

________________________________ a moralidade e a religião. Em sua opinião, es-tes valores (que conformavam a consciência coletiva) são os vínculos de coesão que man-têm a ordem social. A desaparição destes va-lores conduz a uma perda de estabilidade so-cial ou anomia (do grego anomia, 'sem lei') e a sentimentos de ansiedade e insatisfação nos indivíduos. Explicou o fenômeno do suicídio como resultado de uma falta de integração do indivíduo na sociedade. Durkheim analisou esta correlação em sua obra “O Suicídio: Um Estudo Sociológico” (1897). Para explicar suas teorias em seus escritos utilizou algum materi-al antropológico, especialmente de sociedades aborígenes. Outros de seus livros são “A Divi-são do Trabalho Social” (1893), “As Regras do Método Sociológico” (1895) e “As Formas E-lementares da Vida Religiosa” (1912).

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Marcel Mauss incorpora um con-

ceito interessante, no qual o controle da redistribuição efetuado pelos che-fes responde a um componente de tipo moral e não a um interesse eco-nomicista onde melhor se trataria de obter um benefício. Aí a importância gira em torno de uma obrigação moral, dita obrigação “obrigada” a dar, rece-ber e devolver, dentro do sistema que o autor denomina “sistema total”. ________________________________

(4) Mauss, Marcel (1872-1950), antropólogo e sociólogo francês, nascido em Épinal. Estudou na Universidade de Bordéus e na École Prati-que des Hautes Études de Paris, onde mais tarde seria professor de religiões primitivas em 1901. Foi co-fundador do Instituto de Etnolo-gia em 1925, e seis anos depois se elegeu para ocupar a cátedra de sociologia no Colé-gio de França. Mauss foi uma figura central no círculo da L'Année Sociologique, revista fundada por seu tio, Émile Durkheim, para propagar suas idéias e métodos sociológicos. Com a morte de seu tio, assumiu a direção do grupo e a edição da revista. Colaborou muito de perto com outros membros do grupo e aplicou as teorias e os

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Mauss, como Durkheim, susten-tava que cabe formular uma lei base-ando-se num único experimento levado atentamente mas o que formula não é uma lei mas sim uma hipótese.

Os deuses são representações

das comunidades, são sociedades pen-sadas ideal e imaginativamente; por is-so, as renúncias efetuadas nos sacrifí-cios alimentam as forças sociais, as energias morais e mentais.

________________________________ métodos abstratos de Durkheim ao campo antropológico, relacionando as concepções culturais de um povo com sua estrutura social, nos ensaios: “Ensaio Sobre a Natureza e a Função do Sacrifício” (1899) e “Sobre Algu-mas Formas Primitivas de Classificação” (1901).

Sua obra mais conhecida, “Ensaio Sobre o Dom” (1925), trata sobre as obrigações que sustentam as formas de intercâmbio e o modo como estes intercâmbios, que atuam como ‘fatos sociais totais’, ajudam a estruturar todos os aspectos chave da sociedade no processo de fortalecimento dos laços sociais entre seus membros.

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Os deuses são representações das comunidades, são sociedades pen-sadas ideal e imaginativamente; por is-so, as renúncias efetuadas nos sacrifí-cios alimentam as forças sociais, as energias morais e mentais.

O sacrifício é um ato de abnega-ção mediante o qual o indivíduo mani-festa reconhecer a sociedade; faz com que as consciências das pessoas re-cordem a presença das forças coletivas de seus deuses.

O indivíduo tira proveito do mes-mo porquanto nele lhe é outorgada toda a fortaleza da sociedade e porquanto contribui para restabelecer o equilíbrio previamente alterado.

A religião compreende dois ele-mentos indissociáveis:

– O ritual, isto é, o costume, a a-ção coletiva

– O mito ou teologia, representa-

ção do estado afetivo da coletividade, da consciência coletiva.

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Quanto à religião, as almas e os deuses de qualquer tipo são simples representações de uma estrutura onde se encontra a natureza, o pensamento, a mentalidade...

A alma é a alma coletiva do gru-po; é a própria sociedade, que se acha tanto fora quanto dentro de cada um de seus membros e por isso é imortal, e ainda que estes membros faleçam, a sociedade nunca morre.

O principal representante da in-terpretação sociológica da religião pri-mitiva é A. R. Radcliffe-Brown(5). Este autor diz que o totemismo não é senão uma forma particular da lei geral ________________________________

(5) Radcliffe-Brown, Alfred Reginald (1881-1955), antropólogo social inglês, considerou que a vida de uma sociedade devia ser obser-vada como um sistema funcional. Seu primeiro livro, “Os Ilhéus das Ilhas Andaman”, foi publi-cado em 1922 e recolhe as investigações an-tropológicas, em forma de descrições de longa duração, sobre os costumes dos habitantes das ilhas Andaman, região que visitou no ano de 1906. Posteriormente estudou os sistemas de parentesco das sociedades aborígenes da Austrália, descrevendo suas próprias

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segundo a qual todo objeto ou aconte-cimento que afete intensamente o bem-estar material ou espiritual de uma so-ciedade tende a tornar-se objeto de ati-tudes rituais. Afirma também que a reli-gião constitui, em toda parte, expressão de um sentimento de dependência a respeito de um poder espiritual ou mo-ral superior a nós.

________________________________

conclusões, que comparou com as de outros investigadores em sua famosa obra: “A Orga-nização Social das Tribos Australianas” (1931).

Radcliffe-Brown foi conferencista e catedrático de antropologia social nas universidades da Cidade do Cabo (1920-1925), onde fundou a Escola de Línguas e Costumes Africanos; também deu aulas nas universidades de Sid-ney (1926-1931), Chicago (1930) e Yenching (China, 1931-1937), antes de converter-se no primeiro catedrático de antropologia social da Universidade de Oxford, de 1937 a 1946. De-pois de dois anos destinados ao Brasil durante a guerra, continuará ocupando cátedras de-pois de jubilar-se nas universidades de Ale-xandria (1947-1949), Manchester e Londres. Radcliffe-Brown presidiu o Real Instituto de Antropologia e a Associação de Antropólogos Sociais da Grã-Bretanha.

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E os marxistas? Para eles, a re-

ligião é uma forma de «superestrutura» social, é un «espelho» ou «reflexo» das relações sociais, as quais por sua vez se apoiam na estrutura econômica bá-sica da sociedade. As noções de «espí-rito», «alma», etc. procedem de uma época em que existiam chefes de clã, patriarcas, «entre outros termos». A re-ligião principia a veneração dos ante-passados, dos maiores do clã... e, a-demais, propende sempre a adotar a forma da estrutura político–econômica da sociedade, se bem que tal ajuste possa levar algum tempo a se produzir.

Marx dizia que não é a consciên-cia dos homens que determina seu ser, mas sim seu ser social que determina sua consciência. ________________________________ Sua obra “Estrutura e Função nas Sociedades Primitivas” (1952) constituiu uma exposição geral de suas teorias estrutural-funcionalistas, e seu “Método de Antropologia Social” (1958) defendeu que a elaboração desta ciência se baseava em uma analogia entre os organis-mos biológicos e os sistemas sociais.

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Lévy-Bruhl

Lévy-Bruhl, Lucien (1857-1939), antropólogo e filósofo francês, nascido em Paris, onde estudou filosofia. Foi professor de Filosofia Moderna na Uni-versidade de Sorbonne em 1908, membro da Academia de Ciências Mo-rais e Políticas em 1917 e co-fundador do Instituto de Etnologia em 1925.

Ficou famoso por seus escritos sobre a natureza dos ‘homens primiti-vos’. Em “As Funções Mentais nas So-ciedades Inferiores” (1910), “A Mentali-dade Primitiva” (1922) e “A Alma Primi-tiva” (1927) afirmava que os seres hu-manos primitivos raciocinam de um modo ‘pré-lógico’, isto é, influenciados por idéias do tipo místico seguem uma ‘lei de participação’ pela qual as coisas podem ser entendidas simultaneamente como o que são em si mesmas e como algo diferente. Na obra “Carnets” (1949), publicada postumamente, se retratava de alguns pontos de vista e

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reconhecia a unidade psíquica da hu-manidade, ou seja, que todos os seres humanos pensam fundamentalmente do mesmo modo.

Ainda que a obra de Lévy-Bruhl tenha sido muito criticada durante sua vida, teve grande importância porque fez com que os antropólogos levassem em consideração a natureza do pen-samento e os diferentes caminhos que este adota nas diversas sociedades.

Evans-Pritchard diz que não se pode levar em conta satisfatoriamente as teorias sobre a religião primitiva sem estudar a obra de Lévy–Bruhl e as pá-ginas dedicadas à «mentalidade primiti-va», expressão que procede do título de um de seus livros.

Como em Durkheim, fica patente

também na escola inglesa que se pro-cura explicar os fatos sociais partindo de processos de pensamento individu-al.

De qualquer modo, é inútil querer interpretar as mentes primitivas nos termos da psicologia das representa-ções coletivas de sua sociedade, que

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para ele são obrigatórias, e estas re-presentações são função das institui-ções. Na medida em que variarem as estruturas sociais variarão as represen-tações e, com elas, o pensamento do indivíduo.

Lévy–Bruhl não era senão um teorizador de poltrona que, feito todos os seus colegas franceses, jamais tinha visto em sua vida um primitivo nem muito menos falado com um deles.

O filósofo francês Lucien Lévy-Bruhl desenvolveu posteriormente a noção de mentalidade pré-lógica como uma explicação do mito. Lévy-Bruhl sustentava que as pessoas das culturas arcaicas experimentavam o mundo sem a vantagem das categorias lógicas, que elas alcançavam seu conhecimento do mundo através da participação mística da realidade, e que este conhecimento é expresso em mitos.

Lévy–Bruhl chama «pré-lógicos» tais modos de pensamento (pensa-mento mágico-religioso, pois não distinguia magia e religião) que resul-tam tão verdadeiros ao homem primiti-vo e tão absurdo ao europeu.

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Pré-lógico, aplicado à mentalida-

de primitiva, significa simplesmente que não tem a mania de fazer um rodeio para evitar as contradições, como fa-zemos. Apenas subentende algo acien-tífico ou acrítico, que o homem primitivo é racional mas acientífico ou acrítico. A «mente primitiva» é pré-lógica, irreme-diavelmente acrítica, não se refere à capacidade ou incapacidade de racioci-nar de um indivíduo, mas sim às cate-gorias com as quais raciocina.

Adotando nisto a mesma postura de Durkheim, manifesta que se trata de fatos sociais, não psicológicos, e, enquanto tais, gerais, tradicionais e o-brigatórios. Toda sociedade tem suas representações coletivas. As nossas são críticas e científicas; as dos povos primitivos, místicas. Creio que Lévy–Bruhl estaria de acordo que, para a maior parte das pessoas, tanto as pri-meiras quanto as segundas se baseiam na fé.

Para compreender melhor este autor, as crenças surgem comparati-vamente tarde no desenvolvimento do pensamento humano, uma vez que se

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separaram da percepção e da repre-sentação. Os interesses do homem são os agentes de sua seleção, e em gran-de medida vêm determinados social-mente. As representações coletivas re-gem a percepção e ao mesmo tempo estão fundidas a ela.

O princípio lógico destas repre-sentações místicas é o que Lévy–Bruhl chama lei da participação mís-tica. No pensamento primitivo, as coi-sas estão de tal modo vinculadas entre si que se acredita que o que afeta a uma afeta também a outras, não objeti-vamente, mas sim mediante uma ação mística.

Para Tylor(6) e Frazer o homem primitivo crê na magia porque raciocina erroneamente a partir do que observa. Para Lévy–Bruhl, raciocina erronea-mente porque seu raciocínio é determi-nado pelas representações místicas de sua sociedade. ________________________________

(6) Tylor, Edward Burnett (1832-1917), an-tropólogo inglês, junto com Lewis Henry

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As idéias primitivas se tornam significativas quando se vê nelas partes de sistemas de idéias e comportamen-tos, partes das quais cada uma conta com uma relação inteligível em respeito às outras. O pensamento primitivo em geral difere no todo, qualitativa e não só quantitativamente. Os objetos não sus-citam necessariamente representações místicas quando ou se estão sendo u-sados para efeitos rituais, que os obje-tos, por assim dizer, não as evocam i-nevitavelmente. Uma representação social é inaceitável quando é incompa-tível com a experiência individual, salvo que esta incompatibilidade possa ser entendida em termos da própria repre-sentação ou de alguma outra maneira. ________________________________ Morgan é um dos dois principais fundadores da antropologia. Nascido em Camberwell, In-glaterra, realizou seus estudos com os qua-kers. Tylor começou a interessar-se pela an-tropologia durante uma de suas convalescên-cias no Caribe, na ilha de Cuba, já que não gozava de boa saúde. Lá conheceu o etnógra-fo aficionado, e também quaker inglês, Henry Christy, que em1856 pediu-lhe que o acompa-

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Com tudo isso, e tomando a obra do autor como referência, não se trata de contrapor a mentalidade primitiva à civilizada mas sim da relação que os dois tipos de pensamentos guardam entre si em qualquer sociedade, seja civilizada ou primitiva, de um problema de níveis de pensamento e experiência. ________________________________ nhasse em uma expedição científica ao Méxi-co. A conseqüência desta viagem foi seu pri-meiro livro, “Anahuac” (Anahuac of Mexico and the Mexicans, Ancient and Modern, Lon-dres 1861), no qual reúne valiosas observa-ções sobre os antigos mexicanos. Tylor foi o primeiro titular de uma cátedra de antropologia, cargo que desempenhou na U-niversidade de Oxford de 1896 até 1909. Seus estudos sobre animismo e sua definição de cultura (“conjunto complexo que inclui o co-nhecimento, as crenças, a arte, a moral, o di-reito, os costumes e quaisquer outras produ-ções e modos de vida surgidos no homem que vive em sociedade”) constituem as primeiras contribuições importantes ao campo da antro-pologia. O animismo representa para Tylor a primeira fase da religião, que mais tarde se prolonga no fetichismo, o culto à natureza, o politeísmo e, por último, o monoteísmo. Sua teoria foi muito criticada por James George Frazer e por Marcel Mauss.

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Pareto dizia que o pensamento lógico depende dos fatos, não os fatos dele, enquanto que o alógico se aceita a priori e dita a experiência. Uma ação é lógica ou alógica segundo seu propó-sito subjetivo concorde ou não com seus resultados objetivos, segundo os meios se adaptem ou não objetivamen-te aos fins, e o único juízo que cabe neste ponto é a ciência moderna, o co-nhecimento factício que possuímos em qualquer momento dado.

O sentimento se expressa, pois,

tanto na ação quanto na racionalização desta, porque os homens não só ne-cessitam da ação como também preci-sam intelectualiza-la, a fim de justifica-rem o fato de ter de recorrer a ela, in-dependentemente de seus argumentos serem sólidos ou absurdos. ________________________________ Suas obras principais são: “Investigações So-bre a História Primitiva da Humanidade e So-bre o Desenvolvimento da Civilização” (1865), “Cultura Primitiva” (2 volumes, 1871) e “Antro-pologia” (1881), um resumo dos conhecimen-tos de sua época. Em 1891 Tylor presidiu a Sociedade de Antropologia.

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Segundo as palavras de Herbert Spencer, o que rege o mundo não são as idéias, mas sim os sentimentos. Em cada sociedade os homens o expres-sam na linguagem próprio de sua cultu-ra. As interpretações «adotam as for-mas que predominam nas épocas em que se dão».

Pode resumir-se a conclusão de Pareto(7) na afirmação «...a natureza humana não muda» ou, em suas pala-vras, «...as derivações variam, o resí-duo permanece». O autor está, portan-to, de acordo com quem sustenta que no princípio era a ação. ________________________________

(7) Pareto, Vilfredo (1848-1923), eco-nomista e sociólogo italiano, intentou estabe-lecer uma teoria dos sistemas sociais que permitisse explicar sua estabilidade. Nascido em Paris, Vilfredo Samaso, marquês de Pare-to, era filho de um aristocrata italiano e mãe francesa. Estudou matemáticas e física na Universidade de Turim e em 1869 se doutorou e começou a trabalhar como engenheiro as-sessor nas ferrovias italianas. Posteriormente, passou a dirigir um importante grupo de minas de ferro, propriedade de um dos grandes ban-cos italianos. Neste novo cargo se viu envolvi-do nas polêmicas sobre a economia de livre

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Nesse capítulo, Evans-Pritchard

contrapõe e/ou complementa Lévy-Bruhl e Pareto da seguinte maneira:

a) Lévy–Bruhl diz que os primiti-vos são pré-lógicos, e nós, lógicos. Pa-reto diz que nós somos alógicos e boa parte dos resíduos são abstrações que partem de elementos relacionais co-muns a todas as sociedades.

b) Todo acontecimento se inter-preta imediatamente, segundo Lévy–Bruhl, em termos de representações coletivas e, segundo Pareto, em termos de derivações.

________________________________

comércio e o protecionismo, defendendo o livre mercado. Foi nesta época que começou a escrever sobre economia e a estudar política e filosofia. Em 1893 aceitou a cátedra de eco-nomia política da Universidade de Lausanne (Suiça), onde substituiu o francês Léon Wal-ras, e na qual permaneceu até seu retiro. Pareto foi um dos economistas que mais se sobressaíram em sua geração e dedicou boa parte de seu tempo ao ensino. Em seu primei-ro trabalho, “Curso de Economia Política” (1896-1897), desenvolve as teses de Walras

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c) Os sentimentos se situam aci-

ma da mera observação e do mero ex-perimento e determinam o papel destes na vida cotidiana.

d) Lévy–Bruhl considerava soci-

almente determinados o pensamento e a conduta místicos, enquanto que Pare-to os considerava determinados psico-logicamente; Lévy–Bruhl propendia a conceber a conduta como produto do pensamento, das representações, e Pa-reto julgava o pensamento, as deriva-ções, secundários e carentes de impor-tância; na opinião de Pareto, os senti-mentos básicos são constantes e não variam, não ao menos consideravel-mente, com os distintos tipos de estru-tura social. ________________________________

sobre o equilíbrio dos sistemas econômicos e uma lei de distribuição de renda que causou uma enorme polêmica, ao querer demonstrar, de forma matemática, que a relação entre rendas e riqueza é deliberada e não fortuita. Nos últimos anos de sua vida se interessou pela sociologia, ao considerar que a economia precisava desta disciplina para estudar aque-les elementos não lógicos nem científicos

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e) Lévy–Bruhl nos deixa com a

impressão de que os primitivos estão quase continuamente dedicados aos ritos e dominados por crenças místicas, enquanto Pareto nos transmite que os europeus passaram toda sua história a mercê dos sentimentos, sentimentos expressos na variada gama das con-cepções e ações que ele julga absur-das. ________________________________ contidos nos sistemas de pensamento. Em 1916 escreveu seu livro mais conhecido, “Tra-tado de Sociologia Geral”, no qual estuda a natureza das relações entre a ação individual e a coletiva. Ficou famoso por sua teoria, mui-to controvertida, sobre a circulação das elites no câmbio social e sua relação com as mas-sas. Sua obra foi associada, não com demasiada justiça, ao desenvolvimento do fascismo na Itália. Desiludido pela ineficácia e a corrupção dos liberais, e depois do triunfo de Mussolini em 1922, Pareto colaborou nesse ano com o ditador; contudo, pouco antes de sua morte se inimizou com o regime pela falta de liberda-des. Vilfredo Pareto morreu na cidade suíça de Genebra.

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Conclusão

Evans-Pritchard diz que “...a maior parte destas teorias são hoje letra morta ao menos para os antro-pólogos, e só têm interesse enquan-to mostras do pensamento da época em que surgiram. Alguns dos livros comentados – por exemplo os de T-ylor, Frazer e Durkheim- seguirão sem dúvida sendo lidos a título de clássicos, mas já estimularão escas-samente o estudo. Outros – os de Lang, King, Crawley e Marte, por e-xemplo – estão mais ou menos es-quecidos”.

A religião deixou de ocupar o

pensamento do homem do modo como o fazia em fins do século passado e princípios deste. Culpa da focalização que teve o papel desempenhado pelos antropólogos nesta luta.

A antropologia estava se conver-tendo em matéria experimental e, a

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medida em que aumentava em quali-dade e quantidade o trabalho de campo realizado, se passava por alto tudo quanto parecia mais com especulação filosófica realizada por professores que nunca tinham visto um povo primitivo. Raras vezes podiam fragmentar-se em problemas solúveis mediante observa-ção, de forma que não poderia mostrar-se que fossem verdadeiras ou falsas.

A Evans-Pritchard assombra que a alguém valha a pena especular sobre a possível origem de um costume ou crença se não há absolutamente ne-nhum meio de averiguar qual seja essa origem, por faltar toda documentação histórica.

Os estudiosos alemães que se agrupam sob o nome de «Kulturkreis-lehre», diziam que são os povos «etno-logicamente mais antigos» os que pertencem à cultura primitiva, que logo se desenvolveu segundo três correntes independentes e paralelas:

– A matrilinear e agrícola – A patrilinear e totêmica

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– A patriarcal e nômade... ...cada uma delas com hábitos mentais e concepção do mundo próprios.

O intelectualista Lang havia con-jeturado também que o homem alcança a fé em Deus mediante o desejo de a-char no universo uma causa lógica e, respondendo assim esta resposta a um estímulo externo, unido a sua tendência às personificações, dá-se essa idéia de uma pessoa divina, de um ser supremo.

Schmidt, por seu lado, desejava desacreditar os etnólogos evolucionis-tas, segundo cujos esquemas de de-senvolvimento estes mesmos povos deveriam estar no grau mais baixo do fetichismo, a crença na magia, o ani-mismo, o totemismo, etc.

As pessoas podem recorrer a um fetiche para certos fins, e a Deus em outras situações; e uma religião pode ser ao mesmo tempo monoteísta e po-liteísta, segundo se pense o Espírito enquanto unidade ou enquanto plurali-dade.

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Em certas teorias dos séculos XVIII e XIX, tinha-se por fato dois ex-tremos radicalmente opostos na evolu-ção. Dado que os primitivos possuíam um nível técnico comparativamente baixo, seu pensamento e seus costu-mes tinham de constituir, em todos os aspectos, a antítese dos nossos. Nós somos racionais, os povos primitivos são pré-lógicos e vivem em um mundo de sonhos e ficção, de mistério e terror; somos capitalistas, eles são comunis-tas; somos monógamos, eles promís-cuos; sobreanimistas ou o que se quei-ra; etc.

Se apresentava o homem primiti-vo como infantil, rude, pródigo, compa-rável aos animais e aos imbecis. Mas, então, a idéia de que quanto menos pa-tentes fossem a técnica e a estrutura social, mais degradadas tinham de ser as concepções religiosas e outras, constituíam praticamente um axioma.

As principais debilidades das in-terpretações das religiões primitivas, segundo Evans-Pritchard, eram:

– O primeiro erro consistia em remete-las a supostos evolutivos que

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nem se baseavam nem podiam basear-se em dados.

– O segundo erro em que, antes de formar teorias sobre origens crono-lógicas, formavam teorias sobre origens psicológicas.

“O que esperar”, segue dizendo, “dos antropólogos de poltrona, pes-soas cuja experiência não ia além de sua cultura e sua sociedade?” Estes explicavam a religião primitiva por in-trospecção.

Investigações contemporâneas indicam que o conceito de mana trata da eficácia (que traz aparelhado o sen-tido de «verdade») própria do poder espiritual procedente dos deuses ou espíritos, e que se manifesta através de seres humanos, em particular dos che-fes: a graça ou virtude mediante a qual as pessoas logram levar a bom termo as empresas terrenas, idéia, pois, que corresponde a muitas outras similares de muitas partes do mundo.

Os espíritos do homem primitivo, “criados” nas distintas religiões, têm poder sobre seus descendentes e se

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manifestam entre eles para sancionar sua conduta, cuidando que cumpram com suas obrigações e castigando-os se não cumprem. Os ritos religiosos têm lugar em ocasiões cerimoniais nas quais o «status» relativo dos indivíduos ou grupos se afirma ou confirma, tais como o nascimento, a iniciação, o ma-trimônio e a morte. Uma vez mais para entender o papel da religião em tais ca-sos é necessário conhecer a estrutura social.

Das investigações em territórios

civilizadamente distantes do Ocidente, se depreende a seguinte questão: qual é a parte que toca desempenhar à religião, e em geral ao que pode chamar-se pensamento não científi-co, na vida social?

Bergson, por exemplo, diz que a sociedade e a cultura humanas servem a um objetivo biológico, e ambos os ti-pos de funções mentais servem a este objetivo de formas diferentes e com-plementares. Estas sociedades sobre-vivem porque existe entre seus mem-bros o sentimento de um vínculo moral.

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Assim, pois, a religião não é, co-mo alguns supuseram, fruto do medo, mas sim um modo de afirmação e um seguro contra o medo. Em última ins-tância, é fruto de um salto dos instintos, de um impulso vital que, unido à inteli-gência, garante a sobrevivência do ho-mem e que este ascenda evolutivamen-te para cimos cada vez mais altos.

Evans-Pritchard, ao longo da o-bra, quis demonstrar que o «instinto» de Bergson(8) corresponde aos «resí-duos não-lógicos/experimentais» de Pareto e ao «pré-lógico» de Lévy–Bruhl, e sua «inteligência», ao «lógi-co/experimental» de Pareto e ao «lógi-co» de Lévy–Bruhl, e que os problemas que perceberam Pareto e Bergson, mas não, segundo acredito, Lévy–Bruhl, e-ram muito similares... Se bem que os três falam muito da natureza do irracio-nal, nada dizem do racional.

________________________________

(8) Bergson, Henri (1859-1941), filóso-fo francês e prêmio Nobel, elaborou uma teo-ria da evolução baseada na dimensão espiri-tual da vida humana que teve uma grande

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O ‘historiador da sociedade’ ale-mã Max Weber, contrapõe o «racional» ao «tradicional» e «carismático». Diz também que a religião contribui para a coesão social, dá confiança aos ho-mens em si mesmos, etc. Para ele, o mais importante é como as crenças e práticas religiosas afetam em qualquer sociedade o espírito, os sentimentos, as vidas e as relações mútuas dos membros da mesma.

Para concluir, é necessário dizer que a religião faz parte da vida social, mas para o crente tem também outra dimensão.

Como dizia Schmidt: «Se a reli-

gião é no essencial coisa da vida interior, segue-se que só pode ser captada com sinceridade interna.

________________________________ influência em múltiplas disciplinas. Nascido em Paris, a 18 de outubro de 1859, estudou na École Normale Supérieure e na Universi-dade de Paris. Ensinou em várias escolas de 1881 a 1898, ano em que aceitou trabalhar como professor na École Normale Supérieure. Dois anos depois foi nomeado para a cátedra de filosofia ocidental no Collège de France.

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Mas, sem dúvida alguma, os que me-lhor poderão logra-lo serão aqueles cuja consciência interna desempe-nhe um papel na experiência religio-sa. Existe demasiado perigo de que o outro (o descrente) fale da religião como um cego falaria das cores ou um surdo completo de uma bela composição musical».

Depois das críticas vertidas na obra, as duas últimas linhas escritas por E. E. Evans-Pritchard dizem:

“Não teríamos alcançado tais co-

nhecimentos, não fosse pelos pioneiros cujas obras submetemos a exame”.

________________________________ Às vezes associado com a escola intuitiva de filosofia, o bergsonianismo é demasiado origi-nal e eclético para ser assim conceituado. Bergson, contudo, subjugou a importância da intuição sobre o intelecto, ao dar impulso à idéia de duas correntes opostas: a matéria inerte em conflito com a vida orgânica, de mo-do semelhante a como o impulso vital se es-força para conseguir a ação livre criadora.

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Bibliografia

– E. E. EVANS-PRITCHARD: As Teori-as da Religião Primitiva.

– ÉMILE DURKHEIM: As Formas Ele-mentares da Vida Religiosa.

– JAMES G. FRAZER: O Ramo Doura-do.

– SIGMUND FREUD: Totem e Tabu.

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