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AVALIAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO DE CELULOSE BRANQUEADA COM BASE NOS PRINCÍPIOS DA ACV - AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA MATHEUS ROBERTO MANARA (FAJ) [email protected] Daniel Luis Garrido Monaro (FAJ) [email protected] Thiago Silva Machado (FAJ) [email protected] Renato Luis Garrido Monaro (FAJ) [email protected] A busca da sustentabilidade pelos processos produtivos aumentou nas últimas décadas, resultado da necessidade de se desenvolver meios adequados, sob o ponto de vista ambiental e econômico, voltados à gestão de sua produção, uso e descarte. Tal fato foi motivado por alguns fatores como o aumento no consumo dos produtos, visando bem estar e conforto da população o que causou uma evolução no consumo dos recursos naturais, agravado pela diminuição do ciclo de vida dos produtos. Deste modo, os mesmos passaram a ter durabilidade menor, assim como atrativos tecnológicos maiores em suas constituições. Nesse cenário, tem-se a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) que consiste em avaliar os impactos ambientais associados a um produto em todas as fases, “do berço ao túmulo”, ou “da concepção ao descarte”. Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo a identificação, por meio da aplicação de conceitos da ACV aliados as restrições ambientais definidas por legislação, de possíveis interferências no meio ambiente a partir do processo de produção da celulose branqueada. Foi possível constatar que o processo de produção possui diversas características que podem causar significativo impacto ambiental, o que permite concluir que o processo pode ter grande influência nas alterações ambientais ao seu redor se não for tomadas medidas preventivas visando não causar impactos ambientais negativos. Palavras-chave: Avaliação do Ciclo de Vida, Celulose branqueada, Sustentabilidade, ACV XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.

AVALIAÇÃO DO PROCESSO PRODUTIVO DE CELULOSE …abepro.org.br/biblioteca/TN_STO_214_266_27585.pdf · a partir do processo de produção da celulose branqueada. Foi possível constatar

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AVALIAÇÃO DO PROCESSO

PRODUTIVO DE CELULOSE

BRANQUEADA COM BASE NOS

PRINCÍPIOS DA ACV - AVALIAÇÃO DO

CICLO DE VIDA

MATHEUS ROBERTO MANARA (FAJ)

[email protected]

Daniel Luis Garrido Monaro (FAJ)

[email protected]

Thiago Silva Machado (FAJ)

[email protected]

Renato Luis Garrido Monaro (FAJ)

[email protected]

A busca da sustentabilidade pelos processos produtivos aumentou nas

últimas décadas, resultado da necessidade de se desenvolver meios

adequados, sob o ponto de vista ambiental e econômico, voltados à

gestão de sua produção, uso e descarte. Tal fato foi motivado por

alguns fatores como o aumento no consumo dos produtos, visando bem

estar e conforto da população o que causou uma evolução no consumo

dos recursos naturais, agravado pela diminuição do ciclo de vida dos

produtos. Deste modo, os mesmos passaram a ter durabilidade menor,

assim como atrativos tecnológicos maiores em suas constituições.

Nesse cenário, tem-se a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) que consiste

em avaliar os impactos ambientais associados a um produto em todas

as fases, “do berço ao túmulo”, ou “da concepção ao descarte”. Nesse

sentido, o presente estudo tem por objetivo a identificação, por meio da

aplicação de conceitos da ACV aliados as restrições ambientais

definidas por legislação, de possíveis interferências no meio ambiente

a partir do processo de produção da celulose branqueada. Foi possível

constatar que o processo de produção possui diversas características

que podem causar significativo impacto ambiental, o que permite

concluir que o processo pode ter grande influência nas alterações

ambientais ao seu redor se não for tomadas medidas preventivas

visando não causar impactos ambientais negativos.

Palavras-chave: Avaliação do Ciclo de Vida, Celulose branqueada,

Sustentabilidade, ACV

XXXV ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Perspectivas Globais para a Engenharia de Produção Fortaleza, CE, Brasil, 13 a 16 de outubro de 2015.

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1. Introdução

Com o passar dos anos, a relação entre o ser humano e a utilização dos recursos naturais foi se

acentuando, fato este marcado pela necessidade e aprimoramentos tecnológicos que

resultaram em buscas constantes visando o bem estar e conforto para a vivência em sociedade.

O crescimento no desenvolvimento de produtos e serviços visando o bem estar e conforto

social teve grande influência com a primeira revolução industrial tanto em relação ao volume

de produção como em relação à variedade de produtos que entram no mercado.

Após a segunda revolução industrial e, consequentemente, a segunda guerra mundial, o

modelo de desenvolvimento econômico se estruturou de vez na busca por um sistema de

produção intensivo que elevou a degradação do meio ambiente por meio da extração, em

constante evolução, dos recursos naturais, além do aumento na geração de resíduos e lixo

urbano por parte da relação empresa e sociedade.

Com o aumento na geração dos aspectos ambientais, assim como, nos impactos ambientais

oriundos dos sistemas de produção, tem-se um aumento na preocupação com o esgotamento

dos recursos naturais, de uma maneira geral, além das formas de se mitigar os impactos

ambientais gerados. Na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, com o

aumento da população, da prosperidade e urbanização, um dos principais desafios para os

municípios é coletar, reciclar, tratar e dispor de quantidades crescentes de resíduos sólidos e

de águas residuais (CHERUBINI et al., 2009).

Assim, tem-se o desenvolvimento de várias ferramentas na busca da sustentabilidade dos

sistemas de produção, das quais se destaca a Avaliação do Ciclo de Vida (ACV) de produtos.

Segundo CHEHEBE (1998) e GALDIANO (2006), a avaliação do Ciclo de Vida (ACV) é

uma técnica para avaliação dos aspectos ambientais e dos impactos ambientais associados a

um produto, compreendendo etapas que vão desde a retirada da matéria-prima elementar que

entram no sistema produtivo (berço) à disposição do produto final (túmulo).

De acordo com CURRAN (1999), a ACV avalia os efeitos ambientais de qualquer atividade

desde a extração dos recursos materiais da terra (petróleo, minérios, etc.) até o momento em

que todos esses materiais retornam a terra.

Deste modo, tem-se que a ACV é uma ferramenta de gestão ambiental capaz de identificar

todos os recursos naturais e materiais tanto quantos os recursos que são gerados e enviados ao

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meio ambiente (água, solo, atmosfera) ao longo de todo um processo de fabricação de um

produto ou serviços específicos.

A ACV é um instrumento de gestão ambiental que permite às organizações entenderem as

incidências ambientais dos materiais, dos processos e dos produtos, podendo a informação

obtida conduzir ao desenvolvimento de novos produtos e à detecção de melhorias a serem

aplicadas, além de formular estratégias comerciais específicas (CHEHEBE, 1997).

Atualmente, as indústrias encaram rigorosos controles ambientais devido a vários fatores

externos que vem acontecendo na natureza, este fato se agrava com a conscientização da

sociedade que se torna cada vez mais exigente no quesito ambiental. Em virtude dessas

cobranças, as empresas têm encontrado certas dificuldades para a manutenção de certa

estabilidade no mercado, tal que se faz necessária uma busca por soluções visando diminuir o

uso de recursos naturais, assim como a geração de resíduos, que aliem um sistema de

produção baseado nas premissas ambientais que consiga diminuir os custos relacionados ao

CV do produto.

Deste modo, a ferramenta ACV vem demonstrando pode ser destacada e comprovada pela sua

rápida ampliação na indústria em diversos setores, devido a sua aplicabilidade. A utilização da

metodologia da ACV como uma ferramenta é importante para a tomada de decisão quanto à

escolha de sistemas de gestão de resíduos, ou das estratégias relativas à prioridade na

utilização dos recursos naturais, ou ainda para se reduzir os impactos oriundos da cadeia de

produção dos produtos eletrônicos. A ACV é capaz de fornecer uma visão geral dos aspectos

ambientais de diferentes estratégias de gestão de resíduos, e torna possível comparar seus

potenciais impactos ambientais (CHERUBINI et al., 2009).

Dentro deste contexto, a ABNT (1997) apresenta uma estrutura em que uma ACV deve ser

estabelecida, conforme apresentado na Figura 1.

Figura 1 – Fases de uma ACV.

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Definição do Objetivo

e Escopo

ESTRUTURA DA AVALIAÇÃO DO CICLO DE VIDA

Análise de Inventário

Avaliação de Impacto

Interpretação

Interpretações Diretas:

- Desenvolvimento e melhoria do produto- Planejamento estratégico- Elaboração de políticas públicas- Marketing- Outras

Fonte: ABNT (1997).

Assim, tem-se, segundo as normas ABNT (1997), ABNT (2006) e ILCD (2012), como

principais etapas da ACV:

Definição do Objetivo e Escopo: devem ser consistentes com a aplicação pretendida

e definidos, identificando o contexto das decisões, assim como os resultados

pretendidos.

Análise de Inventário: envolve a coleta e o processamento dos dados, visando

identificar as entradas e saídas do sistema de produção, podendo incluir os aspectos

ambientais que sejam alterados pelo sistema.

Avaliação do Impacto: esta fase é dirigida para a significância dos impactos

ambientais potenciais, usando como resultados os inventários.

Interpretação do ciclo de vida: é a fase na qual as constatações das fases anteriores

são combinadas, relacionando-as com o objetivo e o escopo do estudo.

A avaliação de impactos ambientais é um importante tema na atualidade, sobretudo na

indústria. Há uma crescente preocupação da sociedade em relação aos impactos ambientais

gerados pela indústria trazendo um reflexo para o mercado consumidor que procuram

produtos que foram feitos ambientalmente correto. O setor de celulose e papel sofre ainda

mais críticas quando se trata de aspecto e impacto ambiental que ele gera.

Além de usar intensivamente os recursos florestais, o processo de fabricação da celulose

branqueada demanda alto consumo de água e gera elevadas quantidades de efluentes líquidos,

resíduos sólidos e emissões atmosféricas. Assim, a avaliação do ciclo de vida é uma

ferramenta que tem por objetivo avaliar as inter-relações entre os sistemas de produção,

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produtos e o meio ambiente, identificando, avaliando e quantificando os fluxos do sistema

(entrada – saída),

Deste modo, o presente artigo tem como objetivo identificar e apontar os aspectos ambientais,

assim como os impactos ambientais, oriundos do processo de produção da celulose

branqueada com base nos princípios da ACV, com foco, de maneira qualitativa, dos recursos

que entram no processo, e os resíduos gerados pelo mesmo.

2. Fases da ACV

2.1 Definição de Objetivo e Escopo da ACV

A definição do objetivo da ACV é a primeira etapa que visa situar a aplicação, a área

pretendida e a razão para a execução do estudo. Após essa fase, é se faz necessária a obtenção

dos dados, quanto mais precisos melhor para responder questões necessárias para a tomada de

decisão. A qualidade dos dados é de suma importância para a eficiência do estudo.

É declarado também no objetivo o público-alvo, ou seja, aquele a quem deseja apresentar e

comunicar a conclusão do estudo e se existe o interesse de ser divulgado publicamente para

futuras conclusões comparativas em uma análise de mercado.

Segundo a ABNT (2009), convém que o escopo seja suficientemente bem definido para

assegurar que a abrangência, profundidade e detalhamento do estudo sejam compatíveis e

suficientes para atender ao objetivo declarado.

Ao se definirem os objetivos e o escopo deve-se levar em conta, os propósitos esperados e os

aspectos considerados relevantes para o direcionamento das ações a serem realizadas. Porém,

observa-se que na prática, não se deve gastar muito tempo com a formulação do escopo, pois,

com o desenvolvimento do trabalho pode ser necessário reformular a definição desses

objetivos e o ajustamento do escopo do estudo. (MIELI, 2007).

Conforme a norma ABNT (2009), o escopo deve conter:

O sistema e o produto a serem estudados;

As funções do sistema do sistema de produto ou, no caso de estudos comparativos, dos

sistemas;

A fronteira do sistema;

Categorias de impacto selecionadas e metodologia para avaliação de impactos bem

como a interpretação subsequente a ser utilizada;

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Requisitos de dados;

Pressupostos;

Limitações;

2.2 Análise de inventário da ACV

O Inventário do Ciclo de Vida de um produto é a fase em que os dados, sejam eles coletados,

medidos, calculados ou estimados, servem para quantificar as entradas e saídas de um

processo, servindo como base para a avaliação de impacto do ciclo de vida do produto

(ABNT, 2009).

Assim, segundo o CONMETRO (2010) um Inventário de Ciclo de Vida – ICV contém

fundamentalmente quatro conjuntos de informações sobre cada processo industrial no escopo

de um estudo de ACV:

Consumos e liberações de energia e substâncias químicas de e para os compartimentos

aquático, terrestre e atmosférico da biosfera (chamados de intervenções);

Saídas e entradas de subprodutos utilizados por cada processo da cadeia produtiva do

produto ou serviço, formando uma rede de interdependências entre processos,

compondo os fluxos intermediários;

Informações complementares de natureza técnica sobre o processo, como métodos

empregados na realização da modelagem, atributos e características diversas do

processo modelado, abstrações físico-químicas empregadas na representação

informacional do processo; além de

Informações de natureza administrativa, sobre a autoria, proprietários das informações

e usos permissíveis destas informações.

Tal que a etapa da Análise do Inventário do ciclo de vida envolve um conjunto de

informações e procedimentos para quantificar a entrada (energéticas e materiais), e também as

saídas (emissões atmosféricas, efluentes líquidos e resíduos sólidos), fundamentais para a

realização de estudos de impactos ambientais, utilizados ao longo de toda a cadeia do produto,

processo ou serviço, e quanto desse material foi descartado no meio ambiente.

Segundo a ABNT (2009) e ILCD (2010), a condução de uma análise de inventário é um

processo iterativo. À medida que dados são coletados e se amplia o conhecimento sobre o

sistema, novos requisitos ou limitações dos dados podem ser identificados, requerendo

mudança nos procedimentos de coleta de dados, de modo que os objetivos do estudo possam

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ainda ser satisfeitos. Às vezes, podem ser identificadas condições que requeiram revisões do

objetivo ou do escopo do estudo.

Deste modo, fica evidente que a realização de uma ACV é muito complexa, apresentando

diversas dificuldades, das quais se pode destacar a coleta de dados, por ser um processo que

demanda muitos recursos, pois essas informações são as principais para a composição do

Inventário do Ciclo de Vida, de modo que caso estejam limitados e restritos estes dados de

coletas devem ser documentados e relatados no estudo, conforme escopo e objetivo.

2.3 Avaliação do Impacto da ACV

O impacto ambiental consiste na interferência, no meio natural, que um determinado produto

ou resíduo de origem antrópica pode causar, sendo ele benéfico ou maléfico para o meio

ambiente e sociedade ao entorno. Deste modo, tem-se que avaliação de impacto do ciclo de

vida define a intensidade que os aspectos ambientais atingem o meio ambiente durante o ciclo

de vida do produto, ou seja, são as consequências provindas do fluxo de entrada e saída do

sistema (NIGRI et. al, 2009).

De acordo com Chehebe (1997) é onde se realiza a identificação das categorias e indicadores

levando-se em conta a preocupação ambiental, o conhecimento científico dos processos e os

mecanismos ambientais. Deste modo, tem-se que esta é uma etapa de grande importância na

utilização da ACV, pois correlaciona o escopo do estudo com o sistema de produção levando

em consideração as características ambientais do meio em que o mesmo está inserido.

2.4. Interpretação da ACV

Nesta fase são diretamente correlacionadas todas as informações coletadas, visando identificar

possíveis fontes poluidoras, áreas em que se pode buscar uma melhor eficiência do processo,

ou seja, onde se correlaciona o ciclo de vida do produto com o meio ambiente em que o

mesmo está inserido, estando de acordo com o objetivo estipulado no início da análise.

Deste modo, segundo a ABNT (2009), esta fase consiste de três etapas:

Identificação das questões ambientais mais significativas de acordo com os resultados

de ICV e AICV da análise;

Avaliação do estudo realizado, que pode incluir elementos como comparação entre

produtos, verificação da integridade, sensibilidade e consistência; e

Conclusões, recomendações, limitações do estudo, além de apresentar relatório sobre

as questões mais significativas.

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3. Metodologia

O objeto que norteou o desenvolvimento da presente pesquisa foi a identificação, por meio da

aplicação de conceitos da ACV aliados as restrições ambientais definidas por legislação, de

possíveis interferências no meio ambiente a partir do processo de produção da celulose

branqueada. Para isso, utilizou-se de um estudo de caso de uma empresa de grande porte do

setor de celulose e papel que está engajada em manter os bioindicadores exigidos pela norma

ISO 14001.

O ciclo de vida da celulose branqueada consiste em uma sequência de estágios, que vão desde

o cultivo da muda de eucalipto até a celulose branqueada, envolvendo várias etapas do

processo que estão diretamente ligadas às interferências com o meio ambiente. Visando

identificar os principais aspectos ambientais da produção de celulose branqueada, a mesma

será classificada em algumas etapas que envolvem os estágios de produção da muda de

eucalipto, extração de celulose da madeira, cozimento da madeira, deslignificação e

branqueamento da polpa de celulose.

Assim, utilizando a ACV como ferramenta de gestão, buscou-se analisar o sistema de gestão

ambiental proposto por Carreiras et al. (2007) que correlacionou a ACV com o intuito de criar

um paralelismo entre o Sistema de Gestão Ambiental (SGA) com as fases da ACV, visando

identificar aspectos e impactos ambientais inerentes ao processo para facilitar a tomada de

decisão.

A Figura 2 apresenta, com base nessa estrutura, a área de abrangência do presente estudo,

destacando que o mesmo busca fazer um apontamento qualitativo para a tomada de decisão,

apontando os possíveis pontos de geração de aspectos ambientais e impactos ambientais

potenciais.

Figura 2 – Fluxograma do processo analisado no presente estudo.

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Sistema de Gestão

Ambiental

Política Ambiental

Planejamento

Levantamento dos Aspectos Ambientais

Identificação das Atividades

Definição dos Indicadores Ambientais

Identificação dos Impactos Ambientais

Definição do Objetivo e

Âmbito

Análise de Inventário

Avaliação dos Impactos

Avaliação do Ciclo de Vida

Fonte: Adaptado de Carreiras et al (2007)

Como observado na figura, o presente estudo usou as premissas da ACV para identificar os

processos chaves na produção da celulose branqueada, assim como as entradas do processo, e

os aspectos ambientais gerados pelo mesmo, para se identificar os impactos ambientais

potenciais do sistema de produção para posterior quantificação na tomada de decisão na

empresa. Dessa forma, pode-se apresentar o objeto de estudo nas fronteiras do sistema

indicadas na Figura 3, a partir de uma visão macro do sistema de produção.

Figura 3 – Processo de produção da celulose branqueada (Visão macro do processo)

Pátio da Madeira

Recursos Naturais

Cozimento Lavagem Deslignificação BranqueamentoCelulose

Branqueada

Para a elaboração da Avaliação qualitativa do ciclo de vida da celulose branqueada, se buscou

conhecer em detalhes todo o processo de produção, assim como as entradas e saídas do

processo, visando identificar todos os recursos naturais que entram e saem do processo,

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respeitando a correlação básica de um sistema de produção Input – Transformação – Output,

conforme mostrado na Figura 4.

Figura 4 – Representação básica de um sistema de produção.

EntradasProcesso de

TransformaçãoSaídas

Ambiente

Ambiente Fonte: Adaptado de Slack (2009)

4. Resultados e Discussões

4.1 Descrição do processo de produção

Para melhor entender os aspectos e impactos gerados no processo de produção, se faz

necessário apresentar e discutir as fases do processo de produção da celulose branqueada,

assim como as características de cada processo. Para isso as etapas serão descritas a seguir.

4.1.1 Processo de picagem

No processo, são recebidas as toras de madeira com tamanhos padrões. Na sequência do

processo, a preparação de cavacos deve garantir um cavaco dentro das especificações de

espessura, comprimento e baixo percentual de resíduos, visando o sucesso da etapa de

cozimento nos digestores e sua transformação em polpa.

Para que isso seja possível, todos os resíduos gerados na colheita, manuseio e picagem do

eucalipto devem ser rigorosamente controlados. Assim, antes do processo de picagem, a

madeira é submetida à retirada dos resíduos, caracterizada pela remoção da casca (biomassa)

por atrito nos tambores descascadores e da lavagem propriamente dita.

No descascamento, a casca da madeira é separada e enviada diretamente para picagem de

biomassa e os toretes que foram lipos por atrito no tambor vão direto para o picador de

celulose, assim que a madeira for picada ela vai por uma esteira na pilha de cavaco, para

posteriormente alimentar a próxima etapa do processo que é o cozimento.

4.1.2 Processo de cozimento

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O objetivo do cozimento é separar as fibras da madeira e dissolver a maior parte da lignina

contida nas paredes das fibras. A separação das fibras é conseguida pela dissolução da lignina

contida na lamela média que mantêm as fibras juntas (unidas).

O álcali (NaOH) também penetra nas paredes das fibras e dissolve a lignina lá contida. Neste

processo, ocorre a maior “perda” ou dissolução de hemicelulose e celulose, influenciando no

rendimento, ou seja, celulose e hemicelulose reagem com soda cáustica (NaOH) durante o

cozimento. Estas reações são indesejáveis, uma vez que a dissolução da celulose e

hemicelulose diminuem o rendimento.

Outra função do cozimento é a extração do licor preto após o processo, ou seja, trata-se de um

processo de lavagem da polpa, onde o licor extraído com concentração de sólidos é

substituído pelo licor vindo do primeiro filtrado da lavagem, no fundo do digestor. Portanto,

ocorre uma lavagem por extração e diluição no fundo do digestor. Caso não houvesse a

extração do digestor, o licor preto na descarga do digestor seria muito concentrado,

necessitando assim, de mais filtros lavadores na lavagem.

4.1.3 Processo de lavagem

A Lavagem com água quente da celulose tem a finalidade de retirar os resíduos de licor preto,

recuperando o máximo possível da soda usada no cozimento e a parcela de madeira que se

transformou em líquido. Esta lavagem da celulose facilitará o próximo estágio do processo

que é o branqueamento, reduzindo o consumo de alvejantes e produtos químicos e,

principalmente, tornando o efluente mais limpo.

4.1.4 Processo de deslignificação

Vários processos químicos podem ser aplicados na remoção da lignina e, consequentemente,

no branqueamento da polpa, como cozimento, deslignificação com oxigênio, com ozônio,

branqueamento com cloro, dióxido de cloro, peróxido de hidrogênio, entre outros. Entretanto,

qualquer processo aplicado para esse fim, traz modificações em várias propriedades da polpa

como número KAPPA, Alvura e Viscosidade.

A viscosidade dita a qualidade do produto nas máquinas de papel. Ganho de alvura e redução

de KAPPA com a menor perda de viscosidade possível é o objetivo de qualquer processo de

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polpação, sendo ditados pela seletividade do processo, ou seja, a habilidade de degradar a

lignina e manter as fibras intactas. Assim, o objetivo consiste em dar continuidade ao

processo de deslignificação iniciado no cozimento, reduzindo o número KAPPA sem

degradar excessivamente a fibra de celulose.

4.1.5 Processo de branqueamento

O processo de branqueamento busca deixar a polpa de celulose com as características

necessárias para o corte do papel. Tendo como principais compostos o dióxido de cloro,

peróxido de hidrogênio e oxigênio. Isto tornou, em função do tempo, o processo de

branqueamento de celulose muito mais amigável ambientalmente. A redução de compostos de

cloro no branqueamento é um objetivo mundialmente procurado, na fabricação de celulose

com isenção de cloro. Essa busca acabou gerando o selo ECF "Elemental Chlorine Free" que

indica a não utilização de cloro elementar no branqueamento da celulose.

Essa redução de compostos clorados no branqueamento se reflete nos indicadores mas não na

qualidade final do papel de maneira direta. O uso de cloro para eliminar a lignina é

muitíssimo danoso, pois do processo são emitidas substâncias nocivas à vida, conhecidas por

dioxinas, que consistem em compostos altamente cancerígenos, além de afetarem o sistema

neurológico. A celulose produzida no processo ECF possui características que a fazem

extremamente versátil, podendo ser utilizada na produção de diversos tipos de papel.

4.2 Entradas e saídas do processo

As entradas e saídas do processo são apresentadas na Tabela 1.

Tabela 1 – Entradas e saídas do processo.

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Entradas Processo Saídas

Energia Elétrica

Pátio da Madeira

Cavaco Picado Tratado

+

Casca

Madeira Bruta

Soda Cáustica

Condensado

Reaproveitado

Cavaco Picado Tratado

Cozimento

Massa Marrom Cozida

+

Licor Preto

Vapores (53, 132 e 180 LBS)

Licor branco

Rejeito da Depuração

Licor Preto

Energia Elétrica

Massa Marrom Cozida

Lavagem Massa Marrom Lavada

Energia Elétrica

Filtrado do Decker

Filtrado da Lavagem

Água (Fresca e Morna)

Anti-Espumante

Massa Marrom Lavada

Deslignificação

Massa Marrom

+

Deslignificada

Energia Elétrica

Filtrado do Open Washer

Vapor de 53 Lbs

Oxigênio Industrial

Soda Cáustica / Licor Branco

Água (Fresca e Morna)

Filtrado da Deslignificação

Anti-Espumante

Talco

Massa Marrom Deslignificada

Branquamento Massa de Celulose Branqueada

Energia Elétrica

Água (quente, morna e fresca)

Filtrado do Open Washer

Vapor (53 e 180 Lbs)

Oxigênio Industrial

Dióxido de Cloro

Soda Cáustica

Filtrados (Dual D, EOP e Prensa D)

Peróxido de Hidrogênio

Água Branca

A Tabela 1 apresenta a grande diversidade de recursos que entram no processo de produção

da celulose branqueada, o que despertou o interesse de abordar, inicialmente, os aspectos e

impactos ambientais potenciais oriundos do processo base para a produção do papel nas

diversas características que são conhecidas.

A Tabela 2 apresenta os aspectos ambientais gerados pelos processos, assim como os

impactos ambientais potenciais.

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Tabela 2 – Aspectos ambientais e impactos ambientais potenciais do processo de produção analisado.

Processo Aspectos Ambientais Impactos Ambientais

Pátio da Madeira

Ruído Incomodo à população

Uso da água Escassez hídrica

Geração de resíduos químicos Poluição do solo

Cozimento

Emissão de partículas no ar

Poluição do ar Condensado proveniente do vapor

Emissão de vapor

Geração de efluentes líquidos Poluição da água

Geração de efluentes orgânicos

Consumo de água Escassez hídrica

Geração de resíduos sólidos Poluição do solo

Geração de calor Incomodo à população Gerenciamento de riscos

Lavagem

Emissão de partículas no ar Poluição do ar

Emissão de vapor

Geração de efluentes líquidos Poluição da água

Consumo de água Escassez hídrica

Geração de calor Incomodo à população

Gerenciamento de riscos

Emissão de substâncias odoríferas Poluição do ar / Incomodo à

população

Deslignificação

Emissão de vapor Poluição do ar

Geração de efluentes líquidos Poluição da água

Geração de efluentes orgânicos

Consumo de água Escassez hídrica

Ruído

Incomodo à população Geração de calor

Gerenciamento de riscos

Emissão de substâncias odoríferas Poluição do ar / Incomodo à

população

Branqueamento

Evaporação de produtos químicos

Poluição do ar Emissão de partículas na atmosfera

Emissão de vapor

Geração de efluentes líquidos Poluição da água

Geração de efluentes orgânicos

Consumo de água Escassez hídrica

Geração de resíduos sólidos Poluição do solo

Ruído

Incomodo à população Geração de calor

Gerenciamento de riscos

Fonte: Próprio autor

É possível observar que o processo de produção da celulose branqueada apresenta muitos

impactos ambientais potenciais, a partir de diversos aspectos gerados no sistema de produção.

Para cada impacto gerado, se faz necessário um plano de ação visando sua minimização, por

meio de ações locais / pontuais que venham a contribuir com o conforto e bem estar social.

Dos impactos potenciais observados, tem-se os relacionados aos resíduos líquidos com certo

destaque local, devido as alterações no ciclo da água local e a dificuldade de se iniciar

processos de tratamento desses recursos na própria planta, pois, além do alto custo no

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tratamento, são passíveis de impactarem, localmente, uma grande área se forem mal

manuseados.

Assim, tem-se que apesar de a empresa apresentar implementada a ISO 1400, além de

participar de auditorias visando a manutenção do sistema de produção em acordo com a

norma, a mesma possui diversos pontos que podem causar significativo impacto ambiental,

tanto em termos locais como globais, devido a complexidade do processo e a diversidade de

recursos necessários para a produção da celulose branqueada.

5. Conclusão

O presente estudo objetivou a análise dos requisitos organizacionais para a aplicação da

ferramenta da ACV, com base na norma ISO 14040, e sua aplicabilidade nos processos de

produção da celulose branqueada. A ferramenta da ACV tem grande importância no

desenvolvimento da gestão ambiental nas empresas, entretanto sua aplicação ainda não é bem

difundida no âmbito empresarial.

Assim, observaram-se na identificação das características ambientais do estudo de caso que a

mesma apresenta diversos pontos que são passíveis de causar impacto ambiental significativo

que não são monitorados pela gestão ambiental da corporação, devido ao fato de não

ocorrerem ações preventivas no sentido de minimizar os impactos do ciclo de vida da celulose

branqueada.

Assim, esta pesquisa indicou que a empresa necessita de um aprimoramento em relação ao

ciclo de vida da celulose branqueada, assim como estratégias para a mitigação dos diversos

impactos ambientais causados pelo processo de produção. Por fim, visando a implantação da

ACV, são necessárias adequações nos processos e estratégias organizacionais, visando

estabelecer um planejamento estratégico preventivo em relação aos aspectos ambientais

gerados pelo processo, assim como um plano corretivo em relação aos impactos ambientais

potencias.

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