76
  Campus de Botucatu Instituto de Biociências PG-BGA DETECÇÃO E ESTUDO SOBRE O EFEITO DA METANFETAMINA  E DO ECSTASY  NO DESENVOLVIMENTO  DE IMATUROS DE TRÊS ESPÉCIES DE C  HRYSOMYA (DIPTERA:  CALLIPHORIDAE)  DE IMPORTÂNCIA  FORENSE CAROLINA GONÇALVES PALANCH DE LIMA  Dissertação apresentada ao Instituto de Biociências, Campus de Botucatu, UNESP, para obtenção do título de Mestre no Programa de Pós-Graduação em Biologia Geral e Aplicada e Área de concentração em  Biologia de parasitas e microorganismos.  Dra. Patrícia Jacqueli ne Thyssen (orientadora )  BOTUCATU – SP. 2009

Bga Me 2009 Carolina Lima Copy

Embed Size (px)

DESCRIPTION

entomotoxicologia

Citation preview

  • Campus de Botucatu

    Instituto de Biocincias PG-BGA

    DETECO E ESTUDO SOBRE O EFEITO DA

    METANFETAMINA E DO ECSTASY NO

    DESENVOLVIMENTO DE IMATUROS DE TRS ESPCIES

    DE CHRYSOMYA (DIPTERA: CALLIPHORIDAE) DE

    IMPORTNCIA FORENSE

    CAROLINA GONALVES PALANCH DE LIMA

    Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias, Campus de Botucatu, UNESP, para obteno do ttulo de Mestre no Programa de Ps-Graduao em Biologia Geral e Aplicada e rea de concentrao em Biologia de parasitas e microorganismos.

    Dra. Patrcia Jacqueline Thyssen (orientadora)

    BOTUCATU SP.

    2009

  • 1

    Campus de Botucatu

    Instituto de Biocincias

    PG-BGA UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

    Jlio de Mesquita Filho INSTITUTO DE BIOCINCIAS DE BOTUCATU

    DETECO E ESTUDO SOBRE O EFEITO DA

    METANFETAMINA E DO ECSTASY NO

    DESENVOLVIMENTO DE IMATUROS DE TRS ESPCIES

    DE CHRYSOMYA (DIPTERA: CALLIPHORIDAE) DE

    IMPORTNCIA FORENSE

    CAROLINA GONALVES PALANCH DE LIMA

    Dissertao apresentada ao Instituto de Biocincias, Campus de Botucatu, UNESP, para obteno do ttulo de Mestre no Programa de Ps-Graduao em Biologia Geral e Aplicada e rea de concentrao em Biologia de parasitas e microorganismos.

    Dra. Patrcia Jacqueline Thyssen (orientadora)

    BOTUCATU SP.

    2009

  • i

    FICHA CATALOGRFICA ELABORADA PELA SEO TCNICA DE AQUISIO E TRATAMENTO DA INFORMAO DIVISO TCNICA DE BIBLIOTECA E DOCUMENTAO - CAMPUS DE BOTUCATU - UNESP

    Bibliotecria responsvel: Selma Maria de Jesus

    Lima, Carolina Gonalves Palanch de. Deteco e estudo sobre o efeito da metanfetamina e do ecstasy no desenvolvimento de imaturos de trs espcies de Chrysomya (Dptera: Calliphoridae) de importncia forense / Carolina Gonalves Palanch de Lima. Botucatu: [s.n.], 2009. Dissertao (mestrado) Universidade Estadual Paulista, Instituto de Biocincias, Botucatu, 2009.

    Orientadora: Patrcia Jacqueline Thyssen Assunto CAPES: 21303002 1. Entomologia forense - Ecologia 2. Inseto - Aspectos biolgicos CDD 595.74 Palavras chave: Biologia de necrfagos; Calliphoridae; Ecstasy; Entomologia Forense; Metanfetamina

  • ii

    A busca mais importante

    para o ser humano a tentativa de

    ter moral em nossas aes. Nosso

    equilbrio interior e, at, nossa

    prpria existncia depende disso.

    Somente a moralidade em nossas

    aes pode trazer beleza e

    dignidade para nossa vida.

    Albert Einstein (1879-1955)

  • iii

    Who saw him die? I, said the fly

    With my little eye, I saw him die.

  • iv

    AGRADECIMENTOS

    Aos meus pais, Marcio e Ins, por serem responsveis pela minha formao tica

    e moral e por sempre apoiarem as decises que tomei durante toda a minha vida.

    Ao meu marido, Wagner, com amor, pelo incentivo nos momentos em que o

    cansao apareceu e pela pacincia nos momentos em que me ausentei.

    minha orientadora Dra. Patrcia J. Thyssen que muito alm da orientao, me

    ofereceu sua amizade o que tornou esse trabalho muito mais fcil e prazeroso de ser

    realizado.

    Aos professores Dr. Wesley A. C. Godoy e Dr. Arcio Xavier Linhares por

    permitirem que meu trabalho fosse realizado em seus laboratrios na UNESP Botucatu

    e UNICAMP, respectivamente.

    Aos colegas de laboratrio da UNESP por estarem sempre dispostos a me ajudar,

    em especial Juliana Alves Neves que alm de me ajudar na realizao dos experimentos

    me acolheu de braos abertos em sua casa nos perodos em que fiquei em Botucatu;

    Juliana Zibordi Gio pela solicitude e por providenciar o padro de anfetamina necessrio

    para a realizao de parte dos meus experimentos e aos colegas Thiago de Carvalho

    Moretti, Carlos Chitos Alexandre Alves e Helton Borbs Otsuka por suas

    contribuies no campo da taxonomia de insetos.

    Ao meu colega de profisso e mestrado, o perito criminal Edmilson Martins, por

    conseguir, legalmente, ecstasy para realizao de parte dos meus experimentos, alm de

    me proporcionar diversas dicas sobre atendimentos de locais de crime e lies de vida.

    Aos meus colegas de laboratrio da UNICAMP por, alm de ajudar na realizao

    dos experimentos, me proporcionarem momentos de diverso no meio de tanto trabalho:

    Marcos Leguinho Jos Alves Jr. por me ensinar a tcnica de imunohistoqumica e me

    divertir com suas imitaes; Maicon Radical Diego Grella por passar sua experincia

    com a criao das larvas e pelos docinhos deliciosos que trazia de Rio Claro; Carina

    Rice Mara de Souza por me ajudar com os experimentos fizesse sol ou chuva, fosse

    final de semana ou precisasse trabalhar at a madrugada; Bianca Fadinha Cardoso e

    Fabio Frango Rezende por serem solcitos todas as vezes que, desesperadamente,

    precisei de ajuda.

  • v

    Aos professores Dr. Alessandro Francisco Talamini do Amarante, Dra. Luciene

    Maura Mascarini Serra e Dra. Carolina Reigada por suas contribuies construtivas no

    exame de qualificao.

    s minhas colegas de profisso, perita criminal Elosa Auler Bittencourt por me

    apresentar minha orientadora e por disponibilizar um espao no laboratrio de biologia

    do Instituto de Criminalstica de So Paulo caso fosse necessrio; s peritas criminais

    Maria de Ftima Pedroso e Camila Delanesi Guedes por quantificarem o MDMA

    existente nos comprimidos de ecstasy usados no experimento.

    Ao meu chefe e aos meus colegas peritos criminais da Equipe de Percias

    Criminalsticas Norte da Cidade de So Paulo do Instituto de Criminalstica pelas

    inmeras trocas de planto para que eu pudesse fazer as disciplinas e realizar meus

    experimentos.

    minha grande amiga Francine Vilalta Chilliato e sua famlia por me

    hospedarem com muito carinho em suas casas nos perodos que passei em Campinas.

  • vi

    SUMRIO

    Resumo .................................................................................................... 01

    Abstract .................................................................................................... 02

    1 - Introduo e Reviso Bibliogrfica ...................................................... 03

    1.1 - Entomotoxicologia ................................................................................... 08

    1.2 - Aplicaes da Entomotoxicologia ........................................................... 09

    1.2.1 - Deteco de substncias txicas em larvas de insetos necrfagos 10

    1.2.2 - Acumulao biolgica (bioacmulo) ........................................... 14

    1.2.3 - Atratividade na colonizao ......................................................... 16

    1.2.4 - Efeito das drogas sobre o desenvolvimento larval ....................... 16

    1.3 - Derivados anfetamnicos ......................................................................... 28

    1.3.1 Toxicocintica ............................................................................. 30

    1.3.2 Toxicodinmica ........................................................................... 30

    1.3.3 - Dependncia e tolerncia ............................................................. 31

    1.3.4 Metanfetamina ............................................................................. 31

    1.3.5 Ecstasy ......................................................................................... 33

    1.4 - Espcies de interesse forense deste estudo .............................................. 38

    2 - Objetivos Gerais .................................................................................... 40

    3 - Deteco e estudo do efeito da metanfetamina no desenvolvimento de imaturos de duas espcies de Chrysomya (Diptera: Calliphoridae) de interesse forense ......................................................

    41 3.1 - Introduo ................................................................................................ 41

    3.2 - Material e Mtodos .................................................................................. 43

    3.3 - Resultados e Discusso ............................................................................ 45

    4 - Estudo do efeito do ecstasy no desenvolvimento de imaturos de trs espcies de Chrysomya (Diptera: Calliphoridae) de interesse forense ..................................................................................................... 51

    4.1 - Introduo ................................................................................................ 51

    4.2 - Material e Mtodos .................................................................................. 52

    4.3 - Resultados e Discusso ............................................................................ 53

    5 - Concluses Gerais .................................................................................. 63

    6 - Referncias Bibliogrficas .................................................................... 64

  • 1

    RESUMO

    A Entomologia Forense utiliza dados de desenvolvimento e aspectos ecolgicos

    de insetos que se alimentam de corpos em decomposio com o objetivo de auxiliar a

    resoluo de casos na rea forense. Uma das principais aplicaes, entre outras, a

    estimativa do intervalo ps-morte (IPM) que pode ser baseada no ciclo biolgico de uma

    dada espcie. Porm, a falta de informao ou conhecimento sobre as variveis que

    interferem de forma direta ou indireta sobre a taxa de desenvolvimento de diferentes

    espcies pode gerar dados imprecisos em relao idade do inseto e, consequentemente,

    ao IPM. Recentemente, devido ao aumento no nmero de bitos relacionados ao abuso

    de drogas, anlises toxicolgicas tm sido direcionadas a insetos necrfagos, visando

    complementar informaes acerca da causa da morte, assim como garantir maior

    acurcia ao clculo do IPM, uma vez que certas substncias ingeridas antes do bito

    podem alterar a taxa de desenvolvimento de algumas espcies que se alimentam dos

    tecidos de cadveres. Esse ramo mais recente da entomologia forense conhecido como

    Entomotoxicologia. No presente estudo objetivou-se observar o efeito de diferentes

    concentraes de metanfetamina e ecstasy, derivados anfetamnicos que tiveram seu

    consumo aumentado nas ltimas dcadas no Brasil, na taxa de desenvolvimento de

    imaturos dos califordeos Chrysomya albiceps (Wiedemann), Chrysomya megacephala

    (Fabricius) e Chrysomya putoria (Wiedemann), quando acrescidos em dieta artificial

    apropriada. A anfetamina, metablito da metanfetamina, no afetou de forma

    significativa o desenvolvimento larval de C. megacephala, no entanto, aumentou o tempo

    de desenvolvimento de imaturos de C. putoria, em especial a fase de pupa. O MDMA,

    principal componente do ecstasy, no alterou a taxa de desenvolvimento larval de C.

    albiceps e C. putoria, mas acelerou consideravelmente a de C. megacephala. Atravs do

    mtodo de imunohistoqumica tentou-se fazer a deteco de anfetamina em larvas de C.

    megacephala e C. putoria, porm os resultados mostraram-se inconclusivos.

    Palavras-chave: metanfetamina; ecstasy; Calliphoridae; biologia de necrfagos; IPM;

    Entomologia Forense; Entomotoxicologia.

  • 2

    ABSTRACT

    Forensic Entomology uses data about development and ecology of insects that

    feed on corpses aiming to assist to solve forensic cases. One of its main aplication,

    among others, is to estimate the pos-mortem interval (PMI) that can be based on the life

    cycle of a specific species. However, the lack of information or knowledge about the

    variables that can change directly or indirectly the development rate of different species

    can lead to inaccurate data about the age of the insect and, consequently, the PMI.

    Recently, due to the increasing number of death related to drug abuse, toxicological

    analyses have been directed to necrophagous insects intending to provide complementary

    information about the cause of death, as well as to asure a more acurate estimate of PMI,

    once some substances ingested before death can modify the development rate of some

    species that feed on cadaver tissues. This new branch of Forensic Entomology is known

    as Entomotoxicology. The aim of the present study was to observe the effect of different

    concentrations of methamphetamine and ecstasy, two amphetamine-like drugs which

    abuse rose among Brazilians in the last decades, on the development rate of immature of

    Calliphoridae Chrysomya albiceps (Wiedemann), Chrysomya megacephala (Fabricius)

    and Chrysomya putoria (Wiedemann), when added to artificial diet proper for them to

    complete their development. Amphetamine, methamphetamines metabolite, did not

    affect significantly the larval development of C. megacephala, although it increased the

    time of development of C. putoria maggots, specially the pupa stage. MDMA, the main

    compound of ecstasy, did not alter the larval development rate of C. albiceps nor C.

    putoria but it accelerated, considerably, the development rate of C. megacephala.

    Through immunohistochemical analyses it was tried to detect amphetamine in larvae of

    C. megacephala and C. putoria, but the results were inconclusive.

    Key words: methamphetamine; ecstasy; Calliphoridae; necrophagous biology; PMI;

    Forensic Entomology; Entomotoxicology.

  • 3

    1 INTRODUO E REVISO BIBLIOGRFICA

    Os artrpodes constituem um grande grupo de animais dos quais o nmero de

    espcies descritas trs vezes maior do que a quantidade de espcies de todas as outras

    espcies animais (Barnes & Rupert, 1993). Dentro do filo Artrpoda, o subfilo Hexapoda

    compreende a classe Insecta e outros trs grupos de animais sem asas, Collembola,

    Protura e Diplura, todos essencialmente terrestres, mas com a existncia de grupos que

    invadiram secundariamente ambientes aquticos (Brusca & Brusca, 2007).

    O sucesso dos insetos marcado pelo grande nmero de espcies e indivduos e por

    possurem a mais espetacular irradiao evolutiva dos Hexapoda, ou seja, habitam quase

    todos os habitats no meio terrestre e na gua doce e, ainda, a superfcie dos oceanos e

    regies litorneas marinhas (Barnes & Rupert, 1993; Brusca & Brusca, 2007).

    Alm disso, corpos de animais em decomposio atraem uma grande variedade de

    organismos, dos quais os artrpodes constituem fauna dominante, utilizando este micro

    habitat temporrio para se alimentar, viver e procriar (Von Zuben, 2001).

    A rea de estudo que aplica o conhecimento sobre o desenvolvimento e aspectos

    ecolgicos de insetos e outros artrpodes no auxlio de investigaes, tanto criminais

    como cveis, denominada Entomologia Forense (Catts & Goff, 1992; Hall, 2001).

    Um dos primeiros casos documentados sobre entomologia forense est relatado no

    livro The washing away of wrongs, de autoria de Sung Tsu, um advogado e investigador

    chins do sculo 13, onde descrito um caso de assassinato prximo a uma lavoura de

    arroz na China. Ao perceber que os ferimentos da vtima poderiam ter sido causados pela

    ferramenta de trabalho utilizada por agricultores na lavoura, policiais solicitaram que

    fossem colocadas suas foices no cho e notou-se assim que, em somente uma delas, havia

    presena de moscas varejeiras que teriam sido atradas pela presena no visvel de

    sangue. Quando confrontado, o dono da foice admitiu o crime (Benecke, 2001).

    Em 1855, o mdico francs Bergeret reportou o primeiro caso de entomologia

    forense na era moderna estimando o intervalo ps-morte (IPM) com base nas mudas de

    larvas e pupas de moscas varejeiras encontradas no local (Benecke, 2001; Greenberg,

    1991). Mas o grande mrito na fundao desta cincia coube a Mgnin (1894) em sua

    obra denominada La faune des cadavres: application de lentomologie a la medecine

  • 4

    legale descreve oito estgios de decomposio e a cada estgio associou uma onda de

    insetos que o colonizam e os quais ele deu o nome de trabalhadores da morte

    (Travailleurs de la mort).

    A primeira onda formada pelas moscas (Diptera), dando como exemplo os

    gneros Musca e Calliphora que chegam fase de decomposio denominada fresca (do

    francs frais) e permanecem at a fase seguinte. Com o incio da liberao do odor (fase

    gasosa) surge a segunda onda que tambm ocupada por moscas, pertencentes aos

    gneros Lucilia e Sarcophaga. A terceira onda, cuja decomposio cadavrica

    caracterizada pela formao de cidos graxos (adipocera) e que ocorre cerca de trs a seis

    meses (em pases temperados) aps a morte tem-se a chegada de espcies das famlias

    Coleoptera e Lepidoptera (Mgnin, 1894).

    Na fase de fermentao d-se incio a quarta onda onde as moscas predominantes

    so dos gneros Piophila e Anthomyia. Na fase de decomposio denominada liquefao,

    inicia a quinta onda formada por dpteros acaliptrados e colepteros da famlia Silphidae.

    A sexta onda composta por caros que iro absorver os lquidos remanescentes das

    demais fases. Quando os restos esto quase que todos secos (esqueletizados), tem-se a

    stima onda que composta por insetos da ordem Coleptera. A oitava e ltima onda

    composta por duas espcies, uma do gnero Tenebrio e uma do gnero Plinus que

    finalizaro a decomposio (Mgnin, 1894).

    No caso do Brasil, essa sucesso pode ser um pouco diferente pelo fato de ser um

    pas de regio tropical e clima mais quente o que acelera o processo de decomposio.

    Wolff et al. (2001) realizaram um trabalho de sucesso ecolgica em Medelim, na

    Colmbia, no qual identificaram cinco estgios de decomposio e fizeram consideraes

    sobre as famlias que podem ser indicadores de perodos de decomposio sucessivos.

    Para a fase de decomposio fresca os indicadores seriam adultos de Muscidae e

    Sarcophagidae; para a fase de inchao ovos e larvas de Calliphoridae e adultos de

    Vespidae; para a fase denominada de ativa seriam larvas de Sarcophagidae; para o

    estgio avanado seriam as larvas de Piophilidae e para a fase seca seriam as larvas de

    Histeridae e Scarabaeidae (Wolff et al., 2001).

    Segundo Lord e Stevenson (1986) a Entomologia Forense est subdividida em

    trs principais reas:

  • 5

    - Entomologia urbana: estudos relacionados a problemas, tais como

    litgios e aes civis, envolvendo artrpodes em imveis ou como pestes

    em casas ou jardins. Como exemplo podemos citar infestaes de cupins

    (trmitas), baratas entre outros que podem depreciar o valor de mercado

    de imveis ou causar danos que comprometam a segurana. Tambm

    esto inclusos nesta rea processos legais relacionados com o mau uso de

    pesticidas;

    - Entomologia de produtos armazenados/estocados: est relacionado com

    infestao ou contaminao de produtos comerciais em grande escala

    como, por exemplo, presena de insetos, ou parte deles, em barras de

    doce, moscas em ketchup ou aranhas em papel de banheiro. Geralmente

    esses casos tambm envolvem litgios;

    - Entomologia mdico-legal/mdico-criminal: est relacionado com o

    envolvimento de artrpodes em eventos criminais, geralmente de cunho

    violento como assassinato, suicdio e estupro, porm tambm esto

    inclusas nesta rea outras violaes como abuso fsico e

    trfico/contrabando.

    Dentre as razes para utilizao de insetos nas investigaes criminais podemos

    citar o fato dos insetos serem geralmente os primeiros a encontrar o corpo em

    decomposio; alm do fato da fauna de artrpodes no corpo e ao redor dele mudar numa

    seqncia sucessional previsvel conforme progride a decomposio, fato denominado

    sucesso ecolgica; e porque atualmente, a fauna do cadver ignorada como vestgio do

    crime quando os investigadores processam o local da morte (Catts & Goff, 1992).

    Na rea da Entomologia Mdico-legal, uma anlise cuidadosa da comunidade de

    insetos encontrada num corpo em decomposio, associada ao conhecimento da biologia

    e ecologia do inseto e s condies ambientais do local, pode fornecer indicaes

    forenses valiosas que incluem a estimativa do IPM, movimentao do cadver aps a

    morte, associao de suspeitos com a cena do crime, indicao de ferimentos prvios

    morte e a presena de drogas ou toxinas no corpo em decomposio, o que at poderia a

    ajudar na determinao da causa da morte (Catts & Goff, 1992; Goff & Lord, 2001).

  • 6

    Nuorteva (1974) mostra como os insetos puderam ser teis na resoluo de dois

    assassinatos em Helsinki, Finlndia. No quarto da casa onde havia ocorrido um dos

    crimes, havia quantidade considervel de sangue seco e diversas moscas, dentre elas

    Muscina stabulans (Diptera: Muscidae), espcie tambm encontrada em uma camiseta

    manchada de sangue contida dentro de um saco plstico em um lixo prximo ao local. As

    larvas coletadas da camiseta foram criadas em laboratrio e foi notado que as de M.

    stabulans apresentaram duas ondas de emergncia. Quando da coleta, assumiu-se que a

    oviposio tivesse ocorrido no dia em que a camiseta havia sido encontrada

    correspondendo, com base no tempo de desenvolvimento desta espcie, a segunda onda

    de emergncia. Ao calcular a data da possvel oviposio da primeira onda de emergncia

    foi percebido que a data coincidia com o dia em que ocorreu o esfaqueamento, ligando a

    camiseta encontrada ao local do crime.

    Existem ainda reportados estudos onde foi possvel determinar negligncia aos

    cuidados de pessoas incapacitadas, como crianas ou idosos, resultando em morte das

    vtimas. O auxlio entomolgico, nesses casos, possibilitou imputar dolo aos responsveis

    pelo cuidado de tais pessoas (Benecke & Lessig, 2001; Benecke et al., 2003).

    De qualquer forma, a estimativa do IPM uma das aplicaes mais amplamente

    acessadas dentro da entomologia mdico-legal utilizando-se, principalmente, do

    conhecimento da biologia de moscas varejeiras (Diptera: Calliphoridae), por serem estas

    as primeiras a colonizarem os cadveres (Amendt et al., 2004).

    Para a estimativa de um IPM mais preciso necessrio levar em considerao:

    a. A identificao correta dos exemplares de insetos, pois a estimativa baseada

    no tempo de desenvolvimento da espcie e uma identificao errnea pode

    acarretar erros graves neste clculo (Catts & Goff, 1992);

    b. A sucesso de insetos que colonizam cadveres, uma vez que cada estgio da

    decomposio atrai diferentes espcies de insetos e varivel em relao

    localizao geogrfica ou sazonalidade (Carvalho et al., 2004);

    c. A disperso larval ps-alimentar na qual deve se considerar pupas localizadas a

    distncias variveis do cadver para no deixar de considerar as larvas mais

    velhas que o abandonaram (Von Zuben, 2001);

  • 7

    d. A anlise toxicolgica (rea de estudo denominada entomotoxicologia) que

    pode, em alguns casos, alterar a taxa de desenvolvimento larval e, novamente,

    levar a estimativas errneas (Bourel et al., 1999).

    Os insetos mais freqentemente envolvidos na estimativa de IPM so os dpteros

    sendo este, tambm, o txon mais utilizado para anlises toxicolgicas. As espcies

    predominantes pertencem s famlias Calliphoridae (varejeiras), Sarcophagidae (moscas

    da carne) e Muscidae (moscas domsticas). As moscas pertencentes a estas famlias so

    altamente mveis, resistentes ao vo e tipicamente os primeiros insetos a chegarem num

    corpo em decomposio. Calliphoridae e Sarcophagidae podem chegar minutos aps a

    morte, principalmente em climas tropicais e estudos de comunidades de carcaas tem

    demonstrado que muscides geralmente atrasam a colonizao at o perodo final do

    estgio de decomposio fresco ou at o incio do estgio inchado (Goff & Lord, 1994).

    Quando uma fonte apropriada localizada, as moscas adultas comeam a ovipor

    ou a se alimentar da fonte protica para mais tarde ovipor. Em cadveres sem feridas, os

    stios preferenciais de oviposio sero, geralmente, os orifcios naturais do corpo (olhos,

    orelhas, nariz, boca e quando expostos nus e genitlias). Os ferimentos ou sangue

    podero fornecer stios preferenciais de oviposio, embora essa atrao seja varivel

    conforme espcies de moscas envolvidas e grau de ferimento (Goff & Lord, 1994).

    Os ovos das moscas varejeiras so pequenos (2-3 mm), alongados e de cor

    branco-amarelada. So tipicamente depositados em grandes aglomerados, podendo

    preencher os orifcios naturais ou locais de ferimentos. O estgio de ovos para as moscas

    varejeiras dura entre um a trs dias quando eclodem larvas alongadas que possui na

    extremidade anterior um par de ganchos orais que so usados para alimentao e

    locomoo. A parte posterior possui um par de espirculos pelo qual as larvas respiram.

    Elas crescem rapidamente passando por trs estdios ou instares antes de alcanar o

    tamanho mximo (Goff & Lord, 1994; Greenberg & Kunich, 2002).

    O primeiro estdio dura cerca de um dia quando ocorre a muda para o segundo

    estdio que, por sua vez, pode durar um ou dois dias quando muda para o terceiro estdio

    que dura por cinco ou seis dias quando param de se alimentar e entram e fase de pr-pupa

    (Erzinlioglu, 2003).

  • 8

    Os ovos colocados num corpo eclodiro sincronizadamente resultando em uma

    massa de larvas que se movimentam sobre o corpo e se alimentam como um grupo. Esse

    comportamento resulta na disseminao de bactrias e produo de enzimas digestivas

    que possibilitam s larvas consumir maior parte do tecido mole de maneira altamente

    eficiente. O tamanho mximo das larvas atingido num perodo que varia de dias at

    semanas, dependendo da espcie envolvida, nmero de larvas presente e condies

    ambientais. Aps atingirem o tamanho mximo, as larvas sofrem uma mudana

    dramtica no comportamento, param a alimentao e comeam a migrar para fora da

    fonte alimentar. Essa migrao , geralmente, para uma rea seca onde as larvas se

    enterram no substrato e comeam a pupariar (Goff & Lord, 1994; Erzinlioglu, 2003).

    A pupariao em moscas um processo complexo e seqencial que transforma a

    cutcula branca e mole da larva num puprio escuro e rgido. Nesse puprio, a larva sofre

    uma reorganizao celular onde ocorre o encurtamento e expanso dela, retrao

    irreversvel dos trs segmentos anteriores e contrao e estabilizao da cutcula. O

    perodo requerido para essa transformao varia conforme a espcie da mosca e as

    condies ambientais, principalmente temperatura. O puprio pode permanecer intacto

    por anos ao redor do corpo em decomposio podendo fornecer informaes valiosas at

    muito tempo depois de o corpo ter sido totalmente decomposto (Greenberg, 1991; Goff &

    Lord, 1994).

    O ciclo de vida dos sarcofagdeos similar ao das moscas varejeiras exceto pelo

    fato de que eles no ovipositam, mas depositam larvas de primeiro estdio no substrato

    escolhido como fonte. Esse processo exige que a larva em desenvolvimento seja mantida

    por mais tempo no corpo da fmea do que um ovo. No entanto, o nmero de

    descendentes produzidos por fmea menor para essa famlia do que para califordeos e

    muscdeos (Goff & Lord, 1994).

    1.1 Entomotoxicologia

    A Entomotoxicologia um campo relativamente recente dentro da Entomologia

    Forense e que consiste na deteco e anlise da interferncia de substncias txicas sobre

    a biologia de insetos que se alimentam de carcaas para auxiliar na identificao de

  • 9

    drogas e toxinas presentes em tecidos de corpos que tenham vindo a bito por overdose

    (Goff & Lord, 1994; Introna et al., 2001). Isto especialmente til quando no possvel

    coletar amostras de tecidos, sangue ou urina de cadveres por estarem esqueletizados ou

    em estado avanado de putrefao, servindo os insetos como alternativa segura para tais

    anlises (Pien et al., 2004).

    As larvas so relativamente fceis de serem coletadas e mantidas em laboratrio e

    tambm podem apresentar menos contaminantes que alguns tecidos comumente usados

    para anlise toxicolgica (Carvalho et al., 2001; Gangliano-Candela & Aventaggiato,

    2001).

    No entanto, a utilizao de insetos para anlise toxicolgica quantitativa pode no

    ser uma ferramenta confivel, pois existe uma srie de fatores que influenciam na

    concentrao da substncia tais como, a redistribuio ps-morte das drogas no corpo

    humano, a estabilidade das drogas nos restos humanos, especialmente de onde as larvas

    so retiradas e a farmacocintica de cada substncia a ser considerada nos imaturos

    (Campobasso et al., 2004; Tracqui et al., 2004). Por outro lado, a no deteco de uma

    substncia em larvas que se alimentam da carcaa no implica, necessariamente, na

    ausncia da mesma na fonte alimentar (Campobasso et al., 2004).

    Muitos estudos recentes tm detectado toxinas e substncias controladas tanto no

    inseto como nos restos quitinizados recolhidos de vtimas em estgio avanado de

    decomposio (Goff & Lord, 2001). Nesses casos, os insetos tm sido homogeneizados e

    processados de maneira similar realizada nos tecidos ou fluidos mais tradicionalmente

    analisados por diversos mtodos, tais como imuno-radio ensaio (RIA), cromatografia

    gasosa (GC), cromatografia gasosa associada espectrometria de massa (GC/MS),

    cromatografia de camada delgada (TLC), cromatografia lquida de alta perfomance

    associada espectrometria de massa (HPLC/MS) e imunohistoqumica (IHQ) (Bourel et

    al., 2001; Goff & Lord, 2001; Introna et al, 2001).

    1.2 - Aplicaes da Entomotoxicologia

  • 10

    1.2.1 - Deteco de Substncias Txicas em Larvas de insetos necrfagos

    O uso abusivo de frmacos prescritos para tratamento mdico de constante

    interesse no mbito forense, pois pode determinar a tipificao da morte a esclarecer, ou

    seja, diferenciar se um caso de homicdio ou suicdio.

    Beyer et al. em 1980 sugeriram o emprego de insetos como fonte alternativa para

    deteco de drogas quando tiveram um caso no qual o corpo de uma mulher, de 22 anos,

    foi encontrado 14 dias aps seu desaparecimento e o seu estado de decomposio era de

    quase completa esqueletizao no havendo tecido humano suficiente para o exame

    toxicolgico. No local havia um frasco vazio com capacidade para 100 comprimidos

    conforme indicado no rtulo que informava se tratar de fenobarbital (uma substncia da

    classe dos barbitricos utilizada terapeuticamente como anticonvulsivante) e cuja

    fabricao datava de dois dias antes da data do desaparecimento. Alm disso, essa moa

    j apresentava histrico de doena mental e de diversas tentativas de suicdio. No local

    foram coletadas larvas da mosca Cochliomyia macelaria (F.) (Diptera: Calliphoridae) que

    foram utilizadas com sucesso como amostra para deteco de fenobarbital por

    cromatografia gasosa e confirmao por cromatografia de camada delgada.

    Num caso de um homem de 49 anos, morto h 67 dias, em estado de completa

    putrefao, Kintz et al. (1990a), visando verificar a validade do emprego de insetos como

    fonte alternativa para exames toxicolgicos, conseguiram detectar, por cromatografia

    lquida de alta presso, nos tecidos do cadver e em larvas de califordeos coletados do

    cadver a presena de cinco drogas: triazolam e oxazepam (pertencentes classe dos

    benzodiazepnicos que esto entre os frmacos mais prescritos e tm ao anti-ansioltica,

    anticonvulsivante, relaxante muscular e hipntico), fenobarbital (um barbitrico prescrito

    para tratamento de ataques de convulso), alimemazine (um frmaco derivado das

    fenotiazinas com ao anti-prurido alm de ao sedativa e anti-nuseas) e clomipramine

    (uma droga classificada como psicoativa de ao antidepressiva e anti-ansioltica).

    Tambm observaram que os picos endgenos nos cromatogramas obtidos da extrao dos

    imaturos eram menores que aqueles dos tecidos humanos.

    Kintz et al. (1990b), num outro estudo de caso no qual um homem de 65 anos,

    desaparecido por seis meses foi encontrado morto e dele foram coletados insetos

    sarcosaprfagos da espcie Piophila casei (Piophilidae), detectaram, por HPLC,

  • 11

    bromazepam (um diazepnico) e levomepromazina (uma fenotiazina de poder sedativo).

    Neste caso no conseguiram estabelecer relao entre a concentrao da droga presente

    no tecido humano e a existente nas larvas.

    Em 1993, Goff et al. realizaram pesquisas experimentais com Parasarcophaga

    ruficornis, um sarcofagdeo muito freqente em corpos em decomposio no Hava,

    criando-os em tecidos de coelhos nos quais havia sido previamente injetados amitriptilina

    e nortriptilina, frmacos com fins antidepressivos e que esto entre os mais utilizados em

    casos de suicdio na regio de estudo considerada. A deteco feita por HPLC mostrou

    que o frmaco pode ser recuperado de forma eficiente ao se examinar amostras de todos

    os grupos tratados, confirmando que insetos so fontes alternativas confiveis para a

    realizao de exames toxicolgicos.

    Sadler et al. (1995) em estudos com larvas de Calliphora vicina criadas em

    tecidos humanos provenientes de trs casos de suicdio por overdose de medicamentos

    prescritos conseguiram detectar, por HPLC, trazodone (um componente psicoativo de

    propriedades sedativa, ansioltica e antidepressiva), trimipramine e amitriptilina

    (pertencentes classe dos antidepressivos tricclicos de propriedades sedativas e

    ansiolticas) e temazepam (um benzodiazepnico) nas larvas em concentraes menores

    das existentes nos tecidos e observou que a concentrao das drogas nas larvas diminuiu

    aps oito dias, perodo associado pupariao. Os nveis de drogas medidos devem

    indicar absoro nos tecidos larvais, pois uma droga ser detectada na larva, quando sua

    taxa de absoro for maior do que a de excreo, e a droga atinge um nvel na larva

    acima do limite de deteco do mtodo analtico. Tambm constataram que larvas de

    Calliphora vicina tm uma capacidade de eliminar essas drogas, fato observado quando

    foram transferidas para uma dieta livre de drogas e aps um curto perodo de tempo as

    drogas j tinham sido eliminadas.

    Outra preocupao o aumento do consumo de drogas de abuso, ou seja, aquelas

    que no so utilizadas com fins teraputicos, mas sim como forma de entretenimento

    como a cocana, a herona, a maconha, o ecstasy, a metanfetamina entre outros.

    Nolte e colaboradores, em 1992, ao coletarem larvas mortas de Calliphora vicina

    de um cadver pertencente a um usurio de cocana, de 29 anos, esqueletizado,

    conseguiram detectar nestes espcimes, por RIA e confirmado por GC/MS, a presena de

  • 12

    cocana o que ajudou na determinao da causa da morte, uma vez que nem no local nem

    durante a necropsia foram encontrados vestgios que pudessem indicar alguma forma de

    morte violenta.

    Goff et al. (1989; 1991) tambm observaram, atravs do mtodo de imuno-rdio

    ensaio, presena de cocana (uma droga alcalide estimulante) e herona (um derivado

    opiide com ao estimulante e analgsica), duas drogas com alta taxa de abuso nos

    EUA, em experimentos nos quais administraram essas drogas em coelhos e os tecidos

    destes foram servidos de substrato para desenvolvimento de larvas de Boettcherisca

    peregrina.

    Introna et al. (1990) coletaram 40 fgados de corpos cujo exame toxicolgico era

    positivo para opiceos, ou seja, derivados do pio com ao analgsica, e criaram, nestes

    tecidos, larvas de Calliphora vicina. As larvas de 3o estdio foram coletadas e analisadas

    por RIA e constataram que a concentrao detectada nas larvas correspondia s

    concentraes de cada fgado no qual haviam sido criadas. Pien et al. (2004) tambm

    relataram relao proporcional de concentrao de nordiazepam e/ou seu metablito

    oxazepam (benzodiazepnico de efeito sedativo e relaxante), detectado por LC-MS/MS,

    em larvas de Calliphora vicina com a concentrao da droga presente no substrato de

    alimentao, ou seja, conforme aumentou a concentrao da droga na dieta, aumentou a

    concentrao nas larvas.

    No entanto, Gunn et al. (2006) ao detectarem morfina (um opiide usado no

    tratamento sintomtico da dor e muitas vezes usado como droga de abuso), por HPLC,

    em larvas de Calliphora stygia, no constataram correlao entre as concentraes

    obtidas nos tecidos e a nas larvas, porm notaram que as concentraes de morfina

    obtidas nas larvas aumentavam conforme aumentava a concentrao da droga no

    substrato do qual se alimentavam. Por sua vez, Tracqui et al. (2004) ao detectarem

    benzodiazepnicos, barbitricos, antidepressivos, fenotiazinas, opiceos entre outras em

    larvas coletadas de cadveres e nos tecidos necropsiados, observaram que as

    concentraes de todas as larvas foram sempre menores que as dos tecidos, mas no

    conseguiram estabelecer correlao entre as concentraes nas larvas e nos tecidos

    humanos.

  • 13

    Goff et al. (1997), alm de detectarem em imaturos da mosca sarcofgide,

    Parasarcophaga ruficornis (F.), por LC/MS, 3,4-metilenodioximetanfetamina (MDMA),

    popularmente conhecido como ecstasy (uma droga alucingena e estimulante que teve

    seu uso e produo aumentados nas ltimas dcadas), reportaram uma concentrao

    maior nos puprios do que a detectada nos tecidos dos quais as larvas se alimentaram. O

    fato da deposio das toxinas na cutcula dos insetos como um mtodo de excreo

    sugere outro mecanismo potencial para o acmulo de material ingerido em tecidos mortos

    de insetos. No entanto, Goff e colaboradores (1992) no obtiveram um resultado positivo

    quando tentaram detectar metanfetamina e seu metablito anfetamina por RIA em larvas

    do sarcofagdeo Parasarcophaga ruficornis, obtendo uma reao fraca uniforme em

    todos os grupos, o que pode ser resultado de uma reao inespecfica para outra

    substncia que no a metanfetamina ou seu metablito. Por isso concluram que RIA no

    seria um bom mtodo para deteco de metanfetamina quando for utilizada dptera como

    fonte alternativa para evitar resultados falso-positivos.

    Bourel et al. (2001a) conseguiram detectar morfina, pelo mtodo da

    imunohistoqumica, em larvas de Calliphora vomitoria na qual cada espcime positivo

    mostrou colorao especfica da hemolinfa sob o tegumento enquanto os controles e as

    amostras negativas no apresentaram reao de colorao. A imunorreao mostrou-se

    mais forte no limite entre a exocutcula e a endocutcula, pois houve reteno da morfina

    devido natureza hidrofbica da epicutcula. Eles observaram que nas larvas de C.

    vomitoria morfina da hemolinfa excretada por clulas epidermais e depositada prxima

    aos poros dos canais na matriz cuticular. Dessa maneira a cutcula atua como uma forma

    de depsito, quando a cutcula larval do terceiro estdio esclerotizada para formar o

    puprio, a morfina depositada prximo aos poros dos canais incorporada ao puprio.

    Em 2001b, Bourel et al. tambm detectaram, por RIA, morfina em puprio e

    adultos de Lucilia sericata Meigen (Diptera: Calliphoridae) e em pupas ressecadas de

    Dermestes frischi Kugelmann (Coleoptera: Dermestidae). As concentraes obtidas

    foram maiores nos 2o e 3o estdio enquanto quase nenhuma morfina foi detectada nos

    estgios de pr-pupa ou em pupariao. Ainda, a concentrao detectada nos puprios

    foram maiores que nos adultos. Esses resultados confirmam que as larvas excretam a

  • 14

    droga no perodo ps-alimentao. No entanto, parece que enquanto a droga excretada

    em rgos larvais, uma quantidade de morfina includa na cutcula do puprio.

    Campobasso et al. (2004) usaram tecidos obtidos de 18 corpos necropsiados

    relacionados com abuso de drogas. Nos tecidos e nas larvas foram detectados os agentes

    narcticos mais comuns como opiceos e cocana, geralmente, associados com

    antidepressivos (cloripramine, amitriptilina, nortriptilina, levomepromazine e tioridazine)

    e benzodiazepnicos. Todas as drogas detectadas nos tecidos humanos foram detectadas

    nos imaturos de Lucilia sericata. Opiceos foram detectados em 14 e em oito deles

    tambm foi detectada cocana. Somente em um caso foi detectado fenobarbital associado

    aos opiceos e cocana.

    Neste trabalho, as concentraes de opiceos no tecido heptico foram maiores s

    observadas nas larvas que tambm foi inferior das obtidas no sangue o que consistente

    com a metabolizao e eliminao das drogas durante o desenvolvimento larval. Em

    quatro casos, as larvas que ainda estavam se alimentando dos tecidos apresentaram

    concentraes maiores do que as observadas no sangue, provavelmente devido ao

    armazenamento de alimento no papo que se expande muito durante o perodo de

    alimentao e esvazia rapidamente aps essa fase e o contedo estomacal rapidamente

    digerido. Exceto pelos antidepressivos, todos os nveis de drogas detectados nas larvas

    ps-alimentao foram menores que nas larvas em fase de alimentao (Campobasso et

    al., 2004).

    1.2.2 - Acumulao biolgica (Bioacmulo)

    A acumulao biolgica a concentrao progressiva de uma substncia ao longo

    de uma cadeia alimentar, de forma a apresentar nveis mais elevados nos tecidos de

    organismos de nveis trficos mais altos (ACIESP, 1997). O bioacmulo de uma

    substncia ocorre no organismo quando a absoro de tal substncia mais rpida do que

    sua excreo/eliminao.

    Dentre as aplicaes forenses podemos citar, alm de crime ambiental, deteco

    de envenenamento por substncia capaz de bioacumular e tambm a determinao de

    rea geogrfica de origem da vtima como no caso apresentado por Nuorteva (1977) onde

    moscas adultas coletadas de um corpo em decomposio de uma mulher no identificada

  • 15

    encontrada numa rea rural de Inkoo, na Finlndia e analisadas para contedo de

    mercrio foram usadas para determinar a regio geogrfica de origem da vtima. A baixa

    concentrao de mercrio nas moscas adultas indicou que aquela mulher era de uma rea

    relativamente livre de poluio por mercrio. Quando a vtima foi identificada, provou-se

    que ela era uma estudante de Turku, na Finlndia, uma cidade relativamente livre de

    poluio por mercrio comprovando os achados entomolgicos.

    Nuorteva & Nuorteva (1982) tambm recuperaram mercrio de larvas de vrias

    espcies de moscas varejeiras (Calliphoridae) criadas em tecidos de peixes contendo

    concentraes conhecidas do metal pesado mostrou bioacmulo nas larvas em

    desenvolvimento conforme se alimentavam do tecido contaminado e este acmulo

    parecia estar relacionado presena do mercrio na forma metilada. O mercrio ingerido

    foi retido at o estgio de pupa e detectvel nos adultos emergentes. No foram

    observados efeitos adversos do bioacmulo nem no adulto nem nas larvas, exceto por

    algumas vezes dificuldade em pupariao.

    Como extenso a este estudo, adultos de besouros estafilindeos, Creophilus

    maxillosus (Linnaeu) foram alimentados com larvas criadas em meio contendo mercrio,

    e pde-se observar acmulo secundrio nestes insetos sem efeitos adversos

    diferentemente do que ocorreu com besouros tenebriondeos, Tenebrio molitor (L.) que

    apresentaram irregularidades no controle motor quando alimentados de larvas

    contaminadas por mercrio. Alm disso, observaram que larvas criadas em peixes

    coletados de uma regio da Iugoslvia tinham um coeficiente de bioacmulo menor do

    que as criadas em peixes coletados na Finlndia, pois a porcentagem da forma metilada

    do mercrio menor na Iugoslvia do que na Finlndia (Nuorteva & Nuorteva, 1982).

    Sohal & Lamb (1977; 1979) tambm demonstraram o acmulo de vrios metais

    (entre eles cobre, ferro e zinco) e clcio em tecidos de adultos de mosca domstica,

    Musca domestica (L.) e nenhum efeito negativo foi associado ao bioacmulo desses

    metais.

    No entanto, Sadler et al. (1997) no conseguiram observar bioacmulo de

    barbitricos em larvas de moscas varejeiras, Calliphora vicina, criadas em dieta artificial.

    Alm disso, observaram que at compostos quimicamente semelhantes pareceram ser

    processados diferentemente pelas larvas. Tambm preveniram quanto interpretao

  • 16

    quantitativa dos achados entomotoxicolgicos dado ao conhecimento limitado da maneira

    como drogas e toxinas so absorvidas pelos insetos imaturos.

    1.2.3 - Atratividade na colonizao

    A atratividade de colonizao um fator importante a ser considerado na

    Entomologia Forense principalmente nos casos envolvendo morte relacionada a

    envenenamento, pois este fator pode levar a concluses errneas quando estimado o IPM

    baseado no desenvolvimento larval.

    Gunatilake & Goff (1989), por exemplo, detectaram o inseticida organofosforado

    Malathion em larvas de moscas de duas espcies de Calliphoridae, Chrysomya

    megacephala (Fabricius) e C. rufifacies (Macquart) coletadas dos restos de um cadver.

    significativo que as larvas das duas espcies de Chrysomya indicavam um intervalo ps-

    morte de cinco dias enquanto a vtima tinha sido vista viva pela ltima vez oito dias antes

    de ser encontrado o corpo, o que pode indicar que a presena de Malathion teria atrasado

    a oviposio por um perodo de dias. Alm disso, esperada uma fauna maior de moscas

    varejeiras e besouros predadores nesse espao de tempo (entre cinco e oito dias) numa

    rea aberta no Hava, o que sustenta a noo de que a ingesto de Malathion teve uma

    influncia negativa na colonizao do cadver por insetos.

    Diferentemente do observado com o malathion, Borges & Melo (1999), ao

    trabalhar com carcaas de ratos injetados com ivermectina antes de serem sacrificados e

    colocados em campo, observaram que no havia diferena significativa na atratividade

    das carcaas entre o grupo controle e o experimental, que se apresentaram semelhantes

    tanto quantitativamente quanto qualitativamente.

    1.2.4 - Efeito das drogas sobre o desenvolvimento larval

    Ao fornecer uma estimativa de IPM, especialmente entre as primeiras duas e

    quatro semanas de decomposio, assume-se que o inseto desenvolver em taxas

    previsveis, dadas certas condies ambientais, sendo necessrio considerar o efeito das

    drogas no desenvolvimento destes insetos (Goff & Lord, 2001).

    Estudos sobre a influncia das drogas no desenvolvimento dos insetos podem ser

    feitos atravs de dietas artificiais, acrescendo concentraes conhecidas de droga ou

  • 17

    toxina ou, ainda, serem administradas oralmente ou por infuso num modelo animal vivo,

    sendo os tecidos de tal vertebrado utilizados como fonte de alimento para as larvas de

    insetos, permitindo que tais drogas ou toxinas sejam metabolizadas pelo vertebrado antes

    da ingesto pelo inseto (Goff & Lord, 2001).

    Goff et al. (1989) em seus estudos sobre o efeito da cocana no desenvolvimento

    de larvas do sarcofagdeo Boettcherisca peregrina (Rodineau-Desvoidy) em fgados de

    coelhos previamente tratados com doses conhecidas da droga, observaram dois padres

    de desenvolvimento: as colnias controle e dose subletal (1/2xDL) tiveram

    aproximadamente a mesma taxa de desenvolvimento enquanto as colnias de dose letal

    (1xDL) e duas vezes a dose letal (2xDL) desenvolveram-se mais rpido, ocorrendo

    pupariao primeiro nestes dois grupos.

    Carvalho (2004) tambm estudou o efeito da cocana no desenvolvimento larval

    de Chrysomya albiceps e C. putoria, duas espcies de interesse forense no Brasil, onde

    observou que na 6 e 18 hora de observao e pesagem, as larvas controle de C. albiceps

    se desenvolveram mais rpido que as expostas droga e o inverso ocorreu com as larvas

    de C. putoria. s 24 horas de experimento, o desenvolvimento de C. albiceps do grupo

    controle foi maior do que as expostas cocana, e nenhuma diferena significativa foi

    observada para C. putoria. Na pesagem de 30 e 42 horas, verificou-se que no houve

    diferena significativa no desenvolvimento de C. albiceps, mas as larvas de C. putoria

    expostas droga se desenvolveram significativamente mais rpido em relao ao

    controle. Tambm foi constatado que as larvas expostas ao fgado contendo cocana

    iniciaram e terminaram o processo de pupariao antes que as do controle, com uma

    diferena entre eles do incio ao fim deste processo de aproximadamente 13 h. As

    diferenas entre o tempo de emergncia dos adultos foram significativas para ambas as

    espcies expostas droga, sendo de aproximadamente 60 h em relao ao controle.

    Um caso interessante relacionado ao efeito da cocana no desenvolvimento de

    imaturos relatado por Lord (1990) onde o corpo de uma mulher branca, de

    aproximadamente 20 anos, foi descoberto prximo a uma regio de pinheiros em

    Spokane, Washington EUA. O cadver estava em fase inicial do estgio inchado e

    apresentava uma grande populao de larvas localizadas no rosto e parte superior do

    tronco. As larvas foram coletadas, criadas at adultos, identificadas e classificadas em

  • 18

    trs classes, de acordo com o tamanho: entre seis e nove mm de comprimento que seria

    correspondente a um IPM de cerca de sete dias; menores que seis mm que poderia indicar

    que moscas teriam oviposto em diferentes tempos na carcaa e uma nica larva de 17,7

    mm recuperada da regio naso-farngea o que indicaria um perodo de IPM de

    aproximadamente trs semanas o que no era possvel conforme outros dados existentes

    sobre o caso. Foi suposto que a larva poderia ter migrado de outro cadver, porm no foi

    encontrado nenhum outro corpo na regio. Uma explicao alternativa foi a de que o

    crescimento da larva foi aumentado, pois estava localizado numa regio nasal que

    continha alguma concentrao de cocana. Uma investigao subseqente revelou que a

    vtima era usuria de cocana e tinha sido vista utilizando a droga antes de morrer.

    Goff et al. (1991), trabalhando com Boettcherisca peregrina, investigaram o

    efeito da herona, um opiide de uso recreativo muito freqente nos EUA, no seu

    desenvolvimento larval e os resultados apontaram para um desenvolvimento mais rpido

    dos grupos experimentais do que os grupos controles alm da produo de larvas maiores

    em todos os grupos tratados. O tempo de pupa durou mais para todas as colnias

    experimentais e pareceu ser proporcional quantidade de droga administrada. O estudo

    demonstrou que um erro de at 29 h ocorre quando a estimativa de IPM baseada no

    desenvolvimento larval cujo substrato contenha herona e entre 18 e 38 h se baseado na

    durao do estgio de pupa.

    Do mesmo modo, Karbouche et al. (2008), usando fgados de porcos tratados com

    soluo contendo concentraes conhecidas de codena, verificaram que larvas de Lucilia

    sericata desenvolviam mais rpido nos grupos tratados do que no controle e que

    diferena significativa no peso corporal larval tambm foi verificada entre os grupos

    experimentais (mais pesados) e o grupo controle. Em termos quantitativos no foi

    encontrada relao entre as concentraes existentes nos fgados e as obtidas nas larvas.

    Diferentemente do observado por Bourel et al. (1999) que utilizaram coelhos

    infundidos com hidrocloridrato de morfina, um derivado opiide de poder analgsico, em

    trs concentraes diferentes e observaram diferena no comprimento das larvas de

    Lucilia sericata criadas em tecidos experimentais em relao ao controle nos tempos de

    41 h e 69 h e, depois, nos tempos de 91, 116 e 140 h, no entanto, no foram observadas

    diferenas entre os grupos controle e de 25 mg/kg no tempo de 69 h, nem entre as larvas

  • 19

    dos grupos 12,5 mg/kg e 50 mg/kg nos tempos 69, 116 e 140 h. O incio do estgio de pr-pupa ocorreu mais tardiamente no grupo 12,5 mg/kg. Quanto ao peso houve um

    aumento at o estgio pr-pupa quando iniciou decrscimo at estabilizar na fase de pupa.

    Observaram ainda que a taxa de desenvolvimento do grupo experimental de maior

    concentrao foi mais devagar que a dos demais grupos.

    No entanto, Grella & Thyssen (2008), em trabalho com larvas do califordeo

    Chrysomya megacephala, criadas em dieta artificial acrescidas de Cloridrato de

    oxycodone, um opiide analgsico semi-sinttico similar morfina, muito prescrito para

    tratamento de dores moderadas a dores intensas, no observaram diferenas significativas

    no desenvolvimento entre os grupos controle e os grupos experimentais, sugerindo a no

    metabolizao dessas drogas pelas larvas nem seu bioacmulo. Alm disso, a no

    influncia da droga se confirmou com uma alta taxa de viabilidade de adultos para todos

    os grupos.

    Goff et al. (1993), testaram o antidepressivo amitriptilina em P. ruficornis e no

    observaram diferena significativa na taxa de desenvolvimento em relao s

    concentraes administradas. A durao do perodo ps-alimentao foi maior nos

    grupos tratados assim como a mortalidade larval. O perodo de estgio de pupa tambm

    foi maior nos grupos tratados com concentraes maiores que uma dose letal.

    Goff e colaboradores (1994) pesquisaram o efeito da fenciclidina, uma droga de

    abuso comum nos EUA (denominada PCP) e tambm utilizada como tranqilizante

    veterinrio, no desenvolvimento de imaturos do sarcofagdeo P. ruficornis e no

    observaram diferenas significativas na taxa de desenvolvimento total dos insetos, porm

    observaram uma diferena na durao do perodo ps-alimentar quando as larvas dos

    grupos experimentais desenvolveram mais rapidamente que as do controle resultando

    num intervalo entre trs e 17 h menor para os tratados.

    Em estudos com metanfetamina (um derivado anfetamnico utilizado como agente

    aneroxgeno ou tambm como droga recreativa na forma de cristais denominada ice)

    realizados por Goff et al. (1992) houve aumento da taxa de desenvolvimento do

    sarcofagdeo Parasarcophaga ruficornis para as colnias alimentadas com tecidos

    contendo uma dose letal (1xDL) e duas vezes a dose letal (2xDL) quando comparadas aos

  • 20

    grupos com meia dose letal (1/2xDL) e controle, que desenvolveram na mesma taxa. A

    mortalidade de pupas foi maior nas colnias 1/2xDL e 1xDL.

    Carvalho (2004) estudou o efeito de outro derivado anfetamnico muito utilizado

    como inibidor de apetite no Brasil, a anfepramona, em larvas de Chrysomya albiceps e C.

    putoria onde verificou que esta droga no exerce efeitos significativos no

    desenvolvimento de imaturo de C. albiceps. No entanto, a partir de 24 horas de contato

    com a anfepramona, houve uma diferena significativa no desenvolvimento das larvas de

    C. putoria em relao ao controle, sendo que no fim das 54 horas, o seu peso era quase o

    dobro do controle. Tambm verificou que para C. putoria, as diferenas no tempo de

    pupariao foram significativas, com as larvas dos grupos experimentais empupando

    mais rapidamente que as controle. Foi observado que o tempo de emergncia dos adultos

    das duas espcies cujas larvas estiveram em contato com a anfepramona foi menor que o

    grupo controle, embora a diferena no tenha sido significativa para C. albiceps,

    enquanto que para C. putoria foi altamente significativo, com uma diferena de 48 horas

    entre o grupo experimental e o controle.

    Goff et al. (1997), em trabalho sobre o efeito de outro derivado anfetamnico, o

    MDMA (principal componente do ecstasy), sobre o desenvolvimento de imaturos de

    Parasarcophaga ruficornis tambm observaram que entre as horas 24 e 114 de

    desenvolvimento, os grupos controle e 2xDL desenvolveram mais rpido que os demais

    grupos e que a mortalidade larval e de pupa foi maior nas colnias controle e 1/2xDL de

    MDMA e menor nas colnias 2xDL. E quando considerado o tempo de desenvolvimento

    total (larva-adulto) o do grupo 2xDL foi menor.

    Num trabalho com ivermectina, Borges & Melo (1999) observaram que o

    desenvolvimento das larvas foi retardado e um nmero menor de larvas conseguiu

    completar o desenvolvimento na carcaa tratada com o frmaco.

    Em trabalho usando como animais modelo o coelho, Carvalho et al. (2001),

    estudou o efeito do diazepam (um benzodiazepnico muito prescrito por mdicos) no

    desenvolvimento de larvas de Chrysomya albiceps e C. putoria, e constatou que larvas do

    grupo controle se desenvolveram mais devagar que os grupos experimentais, alm das

    larvas dos grupos experimentais pesarem mais que as do controle. Pien et al. (2004)

    tambm constataram que as larvas de Calliphora vicina (Diptera: Calliphoridae) dos

  • 21

    grupos experimentais eram mais pesadas que o dos grupos controle quando realizaram

    experimentos utilizando trs concentraes de nordiazepam (um benzodiazepnico de

    efeito sedativo e relaxante e o principal metablito do diazepam) em larvas e puprios de

    Calliphora vicina. Observaes dirias de larvas em estgio ps-alimentar, e a deteco

    do metablito do nordiazepam, o oxazepam, aps o segundo dia de experimento, sugerem

    que houve metabolizao e acmulo do frmaco estudado. Porm, no geral, todos os

    grupos (experimentais e controle) desenvolveram na mesma taxa.

    Musvasva et al. (2001) num trabalho com larvas de Sarcophaga tibialis (Diptera:

    Sarcophagidae) criadas em substrato contendo sdio-metohexital (barbitrico e depressor

    metablico) ou hidrocortisona (esteride comumente usado para tratamento de

    inflamaes e estimulante metablico) em diferentes concentraes perceberam que a

    presena de sdio-metohexital ou seus metablitos retardou significantemente o

    desenvolvimento larval de S. tibialis, principalmente quando em pequenas doses bem

    como a hidrocortisona e seus produtos de quebra, onde tambm foi observado atraso

    significante no desenvolvimento larval. Nos dois casos o estgio de pupa pareceu ter uma

    tendncia oposta ao do estgio larval.

    OBrien & Turner (2004) verificaram que larvas de Calliphora vicina criadas em

    substrato contendo paracetamol acelera suavemente o desenvolvimento larval durante os

    dias dois e quatro, o que pode resultar numa diferena de, aproximadamente, 12 h na

    estimativa do IPM neste intervalo. Porm, de forma geral, nenhuma diferena

    significativa foi observada no desenvolvimento larval entre os grupos experimentais e o

    grupo controle.

    Ferrari et al. (2008) verificaram, ao trabalhar com larvas de Chrysomya albiceps

    criadas em dieta artificial acrescida do hormnio testosterona, que as larvas do grupo

    experimental apresentaram mdia do peso corporal cinco vezes maior do que a mdia de

    peso corporal das larvas do grupo controle (6,0 mg e 1,2 mg por larva, respectivamente) e

    que a diferena verificada no tamanho era bastante ntida.

    Grella et al. (2007) trabalharam com dietas artificiais acrescidas de escopolamina,

    uma droga muito usada como analgsico (princpio ativo do Buscopam), onde criaram

    imaturos de Chrysomya putoria, e puderam observar que os grupos controle e tratamento

    0,25xDL, tinham peso corporal maior do que os demais grupos experimentais e que o

  • 22

    grupo 1xDL teve seu tempo de desenvolvimento larval aumentado em relao aos demais

    grupos. Alm disso, o grupo tratado com 2xDL teve 100% de mortalidade no 2o estdio

    larval, ou seja, no completou seu desenvolvimento. A sobrevivncia observada mostrou-

    se menor conforme o aumento de concentrao da droga na dieta.

    Similarmente, Oliveira et al. (2009) trabalharam com buscopam, cujo princpio

    ativo o brometo de butilescopolamina, acrescido em dieta artificial que foi usado como

    fonte de alimento para imaturos de C. megacephala, onde observaram uma diferena

    significativa no tempo de desenvolvimento larval na diferentes concentraes formando

    um gradiente de diminuio de peso conforme aumentava a concentrao da droga na

    dieta. O tamanho larval tambm foi diferente sendo que quanto maior a concentrao da

    droga menor era a larva. Tambm observaram que quanto maior a concentrao da droga

    maior era a mortalidade principalmente nos estgios larvais. Alm disso, a concentrao

    de uma dose letal de rato no substrato utilizado como fonte de alimento para as larvas

    ocasionou um atraso de 54 h no desenvolvimento larval, o que poderia alterar a

    estimativa de IPM num caso envolvendo o uso dessa droga prvio morte.

    Um resumo dos trabalhos relacionados entomotoxicologia pode ser observado

    na Tabela 1.

  • 23

    Tabela 1. Resumo dos trabalhos sobre entomotoxicologia Classe do Agente Txico estudado Agente txico Espcie

    Mtodo de deteco Efeitos observados

    Autores do Trabalho

    Cochliomyia macelaria (Diptera: Calliphoridae)

    GC/MS e TLC

    Beyer et al.,1980 Fenobarbital

    Calliphoridae (Diptera) HPLC Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos Kintz et al., 1990a

    Calliphoridae (Diptera) GC/MS ou LC/MS

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos e nenhuma relao entre

    concentraes nas larvas com a nos tecidos

    Tracqui et al., 2004

    Amobarbital, Fenobarbital,

    Tiopental, Barbital

    Calliphora vicina (Diptera: Calliphoridae) HPLC No observou bioacmulo Sadler et al., 1997

    Barbitricos

    Sdio-metohexital

    Sarcophaga tibialis (Diptera: Sarcophagidae) Retardo significativo do desenvolvimento larval

    Musvasva et al., 2001

    triazolam e oxazepam Calliphoridae (Diptera)

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos Kintz et al., 1990a

    bromazepam Piophila casei (Piophilidae) Nenhuma relao entre concentraes nas larvas

    com a nos tecidos Kintz et al., 1990b

    temazepam Calliphora vicina (Diptera: Calliphoridae)

    HPLC

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos Sadler et al., 1995

    Nordiazepam Calliphora vicina (Diptera: Calliphoridae) LC-

    MS/MS

    Relao proporcional entre concentrao nas larvas e nos tecidos humanos; larvas mais

    pesadas que as do controle Pien et al., 2004

    Calliphoridae (Diptera) GC/MS ou LC/MS

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos e nenhuma relao entre concentraes nas larvas e nos tecidos

    Tracqui et al., 2004

    Lucilia sericata (Diptera: Calliphoridae) GC/MS

    Nveis de drogas detectados nas larvas ps-alimentao menores que nas em alimentao

    Campobasso et al., 2004

    Chrysomya albiceps (Diptera: Calliphoridae)

    Benzodiazepnicos

    Diazepam Chrysomya putoria (Diptera: Calliphoridae)

    GC/MS Acelerao do desenvolvimento larval; larvas mais pesadas que as do controle Carvalho et al.,

    2001

  • 24

    Tabela 1. Continuao Classe do Agente Txico estudado Agente txico Espcie

    Mtodo de deteco Efeitos observados

    Autores do Trabalho

    Alimemazine Calliphoridae (Diptera) Concentrao da droga nas larvas menor do que

    a dos tecidos Kintz et al., 1990a

    levomepromazina Piophila casei (Diptera: Piophilidae)

    HPLC Nenhuma relao entre concentraes nas larvas e nos tecidos Kintz et al., 1990b

    Calliphoridae (Diptera) GC/MS ou

    LC/MS

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos e nenhuma relao entre concentraes nas larvas e nos tecidos

    Tracqui et al., 2004

    Fenotiazina

    levomepromazine e tioridazine

    Lucilia sericata (Diptera:

    Calliphoridae) GC/MS Nveis de drogas detectados nas larvas ps-alimentao menores que nas em alimentao

    Campobasso et al., 2004

    clomipramine Calliphoridae (Diptera) Concentrao da droga nas larvas menor do que

    a dos tecidos Kintz et al., 1990a

    amitriptilina e nortriptilina

    Parasarcophaga ruficornis (Diptera:

    Sarcophagidae)

    Nenhuma diferena significativa foi observada na taxa de desenvolvimento; a durao do

    perodo ps-alimentao e pupa maior assim como a mortalidade larval

    Goff et al., 1993

    trazodone, trimipramine e amitriptilina

    Calliphora vicina (Diptera:

    Calliphoridae)

    HPLC

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos Sadler et al., 1995

    Calliphoridae (Diptera) GC/MS ou

    LC/MS

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos e nenhuma relao entre concentraes nas larvas e nos tecidos

    Tracqui et al., 2004

    Antidepressivo

    Cloripramine, amitriptilina, nortriptilina

    Lucilia sericata (Diptera:

    Calliphoridae) GC/MS Nveis de drogas detectados nas larvas ps-alimentao menores que nas em alimentao

    Campobasso et al., 2004

  • 25

    Tabela 1. Continuao Classe do Agente Txico estudado Agente txico Espcie

    Mtodo de deteco Efeitos observados

    Autores do Trabalho

    Paracetamol Calliphora vicina

    (Diptera: Calliphoridae)

    Acelerao do desenvolvimento larval durante os dias 2 4 resultando em diferena de,

    aproximadamente, 12 h

    OBrien & Turner, 2004

    Escopolamina Chrysomya putoria

    (Diptera: Calliphoridae)

    Retardo do desenvolvimento de grupos com maior concentrao. Grella et al., 2007 Analgsico

    Buscopam

    Chrysomya megacephala

    (Diptera: Calliphoridae)

    Retardo do desenvolvimento de grupos com maior concentrao.

    Oliveira et al., 2009

    Hidrocortisona Sarcophaga tibialis

    (Diptera: Sarcophagidae)

    Retardo significativamente o desenvolvimento larval

    Musvasva et al., 2001

    Hormnio

    Testosterona Chrysomya albiceps

    (Diptera: Calliphoridae)

    Mdia do peso corporal cinco vezes maior do

    que a do grupo controle Ferrari et al., 2008

    Boettcherisca peregrine RIA

    Acelerao do desenvolvimento larval quando em alta concentrao Goff et al., 1989

    Chrysomya albiceps (Diptera:

    Calliphoridae) Estimulante Cocana

    Chrysomya putoria (Diptera:

    Calliphoridae)

    Acelerao do perodo de pupariao resultando em diferena de, aproximadamente, 13 h Carvalho, 2004

  • 26

    Classe do Agente Txico estudado Agente txico Espcie

    Mtodo de deteco Efeitos observados

    Autores do Trabalho

    Herona Boettcherisca peregrina RIA Acelerao do desenvolvimento e larvas

    maiores que a do grupo controle Goff et al., 1991

    Calliphora vicina (Diptera:

    Calliphoridae) RIA Concentrao nas larvas correspondente concentrao nos tecidos

    Introna et al., 1990

    Calliphoridae (Diptera)

    GC/MS ou LC/MS

    Concentrao da droga nas larvas menor do que a dos tecidos e nenhuma relao entre concentraes nas larvas e nos tecidos

    Tracqui et al., 2004

    Lucilia sericata (Diptera:

    Calliphoridae) GC/MS Concentraes no tecido maiores que a das larvas

    Campobasso et al., 2004

    Calliphora stygia (Diptera:

    Calliphoridae) HPLC Relao de proporcionalidade entre a concentrao das larvas com a dos tecidos Gunn et al., 2006

    Calliphora vomitoria (Diptera:

    Calliphoridae) IHQ Deposio da droga na cutcula Bourel et al., 2001a

    Bourel et al., 1999 Lucilia sericata (Diptera: Calliphoridae)

    Deposio da droga na cutcula, retardo na taxa de desenvolvimento larval do grupo experimental de maior concentrao

    Morfina

    Dermestes frischi (Coleoptera: Dermestidae)

    RIA

    Deposio da droga na cutcula Bourel et al.,

    2001b

    Codena Lucilia sericata

    (Diptera: Calliphoridae)

    Acelerao do desenvolvimento e larvas maiores que a do grupo controle Karbouche et al.,

    2008

    Opiide

    Cloridrato de oxycodone

    Chrysomya megacephala

    (Diptera: Calliphoridae)

    Nenhuma diferena significativa foi observada quanto taxa de desenvolvimento larval Grella & Thyssen,

    2008

  • 27

    Tabela 1. Continuao Classe do Agente Txico estudado Agente txico Espcie

    Mtodo de deteco Efeitos observados

    Autores do Trabalho

    MDMA (ecstasy) LC/MS

    Concentrao maior detectada em puprios; Acelerao do desenvolvimento no grupo com

    maior concentrao Goff et al., 1997

    Metanfetamina (ice) RIA

    Acelerao do desenvolvimento larval; RIA ineficiente para deteco desta droga em larvas Goff et al., 1992

    Alucingenos

    Fenciclidina (PCP)

    Parasarcophaga ruficornis (Diptera:

    Sarcophagidae)

    GC/MS Acelerao de 3-17 h na fase ps-alimentar Goff et al., 1994

    Chrysomya albiceps (Diptera: Calliphoridae) No houve diferena significativa Derivado

    anfetamnico

    Anfepramona Chrysomya putoria (Diptera: Calliphoridae)

    GC/MS Acelerao do desenvolvimento, de aproximadamente, 48 h

    Carvalho, 2004

    Chrysomya megacephala (Diptera:

    Calliphoridae) Inseticidas Malathion

    Chrysomya rufifacies

    (Diptera: Calliphoridae)

    GC Influncia negativa na colonizao do cadver por insetos Gunatilake e Goff,

    1989

    Vermfugo Ivermectina Artrpodes sarcosaprfagos Sem efeito na colonizao do cadver por

    insetos; Retardo do desenvolvimento das larvas e menos larvas completaram o desenvolvimento

    Borges & Melo, 1999

    Calliphoridae (Diptera) Bioacmulo nas larvas relacionado presena

    do mercrio na forma metilada; sem efeitos adversos

    Creophilus maxillosus (Coleoptera:

    Staphilinidae) Bioacmulo secundrio e sem efeitos adversos

    Mercrio

    Tenebrio molitor (Coleoptera:

    Tenebrionidae)

    Bioacmulo secundrio; apresentaram irregularidades no controle motor

    Nuorteva & Nuorteva, 1982 Metais pesados

    cobre, ferro e zinco

    Musca domestica (Diptera: Muscidae) Bioacmulo e sem efeitos adversos

    Sohal & Lamb, 1977; 1979

  • 28

    1.3 - Derivados Anfetamnicos

    O termo anfetamnicos refere-se s substncias compostas pela anfetamina e

    seus derivados que, quimicamente, apresentam o esqueleto bsico da -fenetilamina e

    atuam como aminas simpatomimticas. As drogas derivadas da anfetamina foram

    criadas por laboratrios a partir de diversas substituies na estrutura bsica da

    anfetamina conforme mostra a Figura 1 (Chasin & Salvadori, 1996; Passagli &

    Carvalho, 2007).

    A primeira anfetamina foi sintetizada em 1887, sendo usada com fins

    teraputicos a partir da dcada de 1920 quando foram descobertas suas propriedades

    estimulantes centrais e supressoras de apetite sendo assim utilizadas para o tratamento

    de obesidade, narcolepsia, hipotenso e sndrome da hiperatividade. J na Segunda

    Guerra Mundial foram usadas pelos militares com o intuito de retardar o aparecimento

    de fadiga nos soldados. Atualmente, estudantes e motoristas de caminho utilizam, o

    popularmente denominado como rebite, como recurso para se manter acordados e

    alertas por maiores perodos de tempo e como forma de aumentar a capacidade de

    concentrao e raciocnio (Chasin & Salvadori, 1996; Passagli & Carvalho, 2007).

    Dentre os estimulantes, o abuso de anfetamnicos constitui um srio problema

    na escala mundial uma vez que por pertencerem a uma classe de compostos no

    catecolamnicos que produz uma acentuada ao estimulante no sistema nervoso central

    (SNC), mais persistente do que a cocana, os tornam mais atrativos como frmacos de

    abuso. Por aumentar o estado de alerta fsico e mental, os anfetamnicos so muito

    populares entre os indivduos que necessitam de prolongada viglia (Chasin &

    Salvadori, 1996).

    No Brasil, a anfetamina e seus derivados, utilizados como anorexgenos ou nos

    distrbios de hiperatividade em crianas, tm sua comercializao sujeita s exigncias

    das portarias 27 e 28 de 1986 da Diviso Nacional de Vigilncia Sanitria de

    Medicamentos (DIMED), enquanto os utilizados em formulaes como

    descongestionantes nasais como a nazafolina, efedrina e fenilefrina so de venda livre.

    Os anfetamnicos com propriedades alucingenas so de uso proscrito em nosso pas

    (Chasin & Salvadori, 1996). Segundo relatrios do International Narcotic Control

    Board (INCB), o Brasil est entre os quatro pases com maior consumo de inibidores de

  • 29

    apetite do mundo. Parte desse uso pode ser explicada pelo grande apelo social

    utilizao desses frmacos para o controle da obesidade.

    Silva & Yonamine (2004) fizeram um levantamento no Brasil onde constataram

    que usurios de anfetamina foram encontrados nas regies nordeste, centro-oeste e

    sudeste e que 50% das amostras de urina coletadas eram de companhias de transportes

    rodovirios o que poderia explicar os resultados positivos encontrados neste estudo

    devido ao uso do femproporex para manter o estado de alerta por mais tempo.

    Devido s propriedades estimulantes da atividade motora, os anfetamnicos

    eram muito utilizados em competies esportivas, como agentes de dopagem, visando

    melhorar o desempenho em questes de minutos e, por isso, muito utilizados nas

    dcadas de 60 e 70. Atualmente, devido s metodologias mais sensveis para deteco

    dessas substancias no controle da dopagem houve uma substancial diminuio no abuso

    desses agentes nos esportes (Chasin & Salvadori, 1996).

    Figura 1. Estruturas de compostos anlogos anfetamina: METH = metanfetamina, AMPH = d-anfetamina e MDMA = ecstasy (Barr et al., 2006).

  • 30

    Os anfetamnicos disponveis no mercado ilcito, freqentemente, so

    comercializados em pequenas cpsulas de gelatinas ou comprimidos. Em alguns pases

    esses derivados encontram-se como bases livres em veculo oleoso. Praticamente todas

    as misturas ilcitas contm os anfetamnicos na forma de cloridrato, sulfato ou fosfato e

    se encontram como ps, comprimidos ou cpsulas (Chasin & Salvadori, 1996).

    Segundo o Relatrio Mundial sobre Drogas de 2008 (World Drug Report WDR), a

    apreenso de derivados anfetamnicos em 2006 voltou a crescer sendo similar ao pico

    de apreenses realizadas em 2000, sendo que a apreenso de metanfetamina

    correspondeu a 33,1% do total e ecstasy a 9,4%.

    1.3.1 - Toxicocintica

    A anfetamina rapidamente absorvida pelo trato gastrointestinal. Aps

    administrao de 10 a 15 mg, o pico de concentrao plasmtica ocorre entre uma e 2

    horas, e a absoro geralmente se completa entre quatro e 6 horas. Os anfetamnicos

    so amplamente distribudos e as altas concentraes cerebrais parecem estar

    relacionadas a transportes especiais de penetrao na barreira hematenceflica, que

    ocorrem concomitantemente difuso passiva, o que explica a rpida velocidade de

    penetrao da anfetamina no crebro (Chasin & Salvadori, 1996).

    Os compostos anfetamnicos so biotransformados, primordialmente no fgado,

    tendo como vias principais a hidroxilao aromtica, a -hidroxilao na cadeia lateral,

    desaminao oxidativa e N-desalquilao (Chasin & Salvadori, 1996). Os derivados

    inativos so excretados pela urina, pequena parte convertida em norefedrina e outra

    parte (cerca de 30%) excretada pelos rins sem alteraes em 24 horas (Chasin &

    Salvadori, 1996; Passagli & Carvalho, 2007).

    1.3.2 - Toxicodinmica

    Muitos autores creditam as aes dos anfetamnicos similaridade estrutural

    com a dopamina e norepinefrina podendo, assim, funcionar como falsos

    neurotransmissores. O mecanismo de ao mais provvel a liberao direta dos

    neurotransmissores das vesculas sinpticas, bem como a inibio da recaptao dos

    mesmos, com conseqente aumento na concentrao sinptica, alm de serem

  • 31

    inibidores da MAO, enzima responsvel pela oxidao da norepinefrina e serotonina

    (Chasin & Salvadori, 1996).

    1.3.3 - Dependncia e Tolerncia

    Os anfetamnicos, em particular a anfetamina e a metanfetamina, apresentam

    um alto potencial de abuso e conseqentemente propiciam o desenvolvimento de

    farmacodependncia (Chasin & Salvadori, 1996).

    Assim como ocorre com a cocana, os mecanismos envolvidos nas propriedades

    de reforo dos anfetamnicos parecem se relacionar com o aumento extracelular de

    dopamina no ncleo acumens (rea lmbica) e ncleo caudado (rea subcortical motora)

    (Chasin & Salvadori, 1996).

    Embora esteja comprovada a dependncia dos anfetamnicos, h controvrsias

    quanto ao desenvolvimento ou no da neuroadaptao. A sndrome que ocorre aps a

    retirada do frmaco, aps uso crnico, caracterizada por fadiga, hiperfagia, apatia,

    letargia, ansiedade, distrbios do sono e depresso, que pode ser profunda e de longa

    durao (Chasin & Salvadori, 1996).

    A tolerncia aos efeitos subjetivos e anorexgenos dos anfetamnicos rpida e

    h taquifilaxia. Doses normalmente utilizadas, seja nas prescries mdicas ou na auto-

    administrao, esto entre 20-40 mg, via oral, diariamente e freqentemente

    aumentada a valores situados entre 50-150 mg por essa via (Chasin & Salvadori, 1996).

    Com a inteno de obter ou prolongar as sensaes prazerosas, obtidas aps a

    injeo de frmacos de abuso, usurios crnicos utilizam doses repetidas de anfetamina

    ou metanfetamina que atingem 1 g por episodio ou 5-15 g por dia, sendo que a DL50 da

    anfetamina de 20-25 mg/kg e estudos com animais sugerem que doses de 5 mg/kg

    podem causar a morte, sendo que a menor dose letal relatada de 1,5 mg/kg (Chasin &

    Salvadori, 1996).

    1.3.4 - Metanfetamina

    A metanfetamina um frmaco mais potente que a d-anfetamina e facilmente

    sintetizada em laboratrios clandestinos atravs de reagentes qumicos facilmente

    obtidos. Como droga de abuso, a metanfetamina tambm conhecida pelos nomes de

  • 32

    speed, cristal, crank, meth, go e ice (Figura 2). O cloridrato de metanfetamina usado

    por via oral, por injeo intravenosa e por via intranasal (Yonamine, 2004). A

    metanfetamina, utilizada com fins recreacionais e com alto potencial de abuso,

    motivo de preocupao devido ao seu consumo via respiratria na sua forma bsica,

    denominada popularmente como ice, apresentar maior ao e ter os efeitos mais

    prolongados (Chasin & Salvadori, 1996; Passagli & Carvalho, 2007).

    Figura 2. Diversas formas de metanfetamina: em comprimidos (rebite) para serem ingeridos oralmente, em cristais (crystal, ice) e em pasta para serem usados por via

    respiratria.

    Muitos indivduos abusam simultaneamente do emprego de barbitricos,

    ansiolticos e lcool, alm dos prprios estimulantes, tanto para combater a insnia

    como a agitao que experimentam. Os barbitricos, de modo particular, so utilizados

    em combinao com os anfetamnicos para aumentar os efeitos subjetivos dos

    estimulantes (Chasin & Salvadori, 1996).

    Segundo dados do Drug Enforcemente Administration (DEA), na dcada de

    1960, nos EUA, os produtos farmacuticos de metanfetamina estavam disponveis e

    eram altamente abusados. Com a mudana na dcada de 1970 para o quadro de

    substncias controladas houve uma reduo no abuso dessa droga. Porm nos anos

    1980 o abuso da metanfetamina ressurgiu e hoje considerada uma droga de alto

    potencial de abuso, ficando atrs somente de lcool e maconha nos estados do oeste e

    meio-oeste.

    De acordo com o Levantamento Nacional sobre Droga e Sade (National Survey

    on Drug Use and Health) de 2004, aproximadamente 11,7 milhes de americanos

    maiores de 12 anos j tinham experimentado metanfetamina pelo menos uma vez na

    vida, o que representa 4,9% da populao dessa faixa etria. Aproximadamente 1,4

  • 33

    milhes (0,6%) reportaram usar metanfetamina no ltimo ano prvio pesquisa e

    583.000 (0,2%) reportaram uso no ltimo ms prvio pesquisa. A UNODC (Unit

    Nation Office on Drugs and Crime) acredita que no mundo existam entre 15 e 16

    milhes de usurios de metanfetamina e o Brasil est enquadrado como o pas com a

    maior taxa de abuso na Amrica do Sul segundo o WDR 2008 (Figura 3), que tambm

    reportou que na Amrica do Sul houve um aumento no nmero de usurios de

    anfetamnicos que entram nos pases, em sua maior parte, de forma legal como

    substncia prescrita.

    Em 2006, segundo o WDR 2008, a quantidade de metanfetamina apreendida no

    mundo diminuiu em relao a 2000, porm um nmero maior de pases reportou tal

    apreenso (de 15 pases em 2000 para 30 em 2006), indicando uma expanso em

    termos geogrficos.

    Figura 3. Padro de usurios de anfetaminas no mundo (WDR, 2008).

    1.3.5 - Ecstasy

    O MDMA foi sintetizado e patenteado pelo laboratrio Merck, na Alemanha,

    em 1912, sem uma definio de sua finalidade teraputica (Almeida & Silva, 2003).

  • 34

    Nos ltimos 20 anos, anfetaminas modificadas tm sido sintetizadas em laboratrios

    clandestinos para serem utilizadas com fins no-mdicos, com o objetivo de intensificar

    as experincias sociais. Dentre elas, a mais conhecida no Brasil o 3,4-

    metilenodioximetanfetamina (MDMA, ecstasy), que uma anfetamina modificada com

    potentes efeitos estimulantes do sistema nervoso central e tem seu uso associado aos

    clubbers e suas festas denominadas raves (Ribeiro & Marques, 2002; Moro et al, 2006;

    Quinton & Yamamoto, 2006), sendo, por esse motivo, conhecida como Club drug

    (Almeida & Silva, 2003; Moro et al, 2006).

    O ecstasy habitualmente comercializado e consumido em comprimidos, de

    diversas cores e tamanhos, contendo cerca de 120 mg de MDMA e seus efeitos duram

    entre quatro e 8 horas (Ribeiro & Marques, 2002; Almeida & Silva, 2003) (Figura 4).

    Figura 4. Comprimidos de Ecstasy de diversas formas, cores e smbolos.

    De forma aguda, o MDMA tem diversos efeitos, perifrico e central, levando

    ativao psicomotora, euforia, diminuio do apetite e hipertermia (Ribeiro & Marques,

    2002; Quinton & Yamamoto, 2006). Devido s suas fortes propriedades eufricas, o

    MDMA tem uma taxa de abuso alta e o uso crnico pode levar a comportamentos

    psicticos e violentos (Quinton & Yamamoto, 2006).

    O abuso dessas drogas um problema crescente nos EUA onde, de acordo com

    a Pesquisa Nacional sobre Uso de droga e Sade de 2003 (NSDUH), 2,1 milhes de

    americanos maiores de 12 anos j experimentaram ecstasy. Alm disso, a

    Administrao e Servios sobre Substncia de abuso e Doena mental (SAMSHA)

  • 35

    reportou um aumento de 54%, entre 1995 e 2002, nos atendimentos relacionados ao uso

    de anfetaminas dos prontos socorros (Quinton & Yamamoto, 2006).

    No Brasil, segundo um levantamento nacional sobre o uso de agentes

    psicoativos, aproximadamente 0,6% dos entrevistados, maiores de 12 anos, relataram

    ter consumido ecstasy ou outros agentes alucingenos pelo menos uma vez durante a

    vida (Moro et al., 2006). Evidncias como uma maior visibilidade na imprensa

    brasileira, aumento no nmero de apreenses de comprimidos e a descoberta do

    primeiro laboratrio clandestino de produo em So Paulo podem ser indicativo de

    que o nmero de usurios de ecstasy aumenta a cada ano (Almeida & Silva, 2003). O

    padro de usurios de ecstasy no mundo pode ser observado na Figura 5.

    Figura 5. Padro de usurios de ecstasy no mundo (WDR, 2008)

    Embora MDMA seja considerada uma droga segura, ou seja, que no representa

    um perigo fsico, existe relatos de reaes adversas e mortes relacionadas ao seu

    consumo (Almeida & Silva, 2003). Muitas variveis, incluindo dose, via de

  • 36

    administrao e regime, determinam a extenso pela qual o efeito txico e

    neuromodulatrio sero observados. Alm disso, diferenas na sensibilidade tm sido

    observadas entre diferentes linhagens de uma espcie e entre gneros, indicando que

    indivduos mais susceptveis mostraro sinais de toxicidade com doses menores que

    indivduos menos suscetveis (Aerts, 1997).

    Tambm se deve levar em considerao que existe uma alta freqncia de uso

    do ecstasy em associao com outras drogas psicoativas o que aumenta o risco de

    reaes txicas (Almeida & Silva, 2003). Na Finlndia, Vuori et al. (2002) reportaram

    quatro casos de morte relacionada ao uso de MDMA associado moclobemide, um

    inibidor da MAO.

    Estudos pr-clnicos revelaram que o MDMA produz um dano, a longo prazo,

    nos terminais dopaminrgicos e serotoninrgicos em mltiplas reas do crebro

    (Quinton & Yamamoto, 2006), pois estimulam a liberao de neurotransmissores

    monoamnicos como serotonina, noradrenalina e em menor extenso dopamina (Inman

    & Greene, 2003).

    Reaes severas, por vezes com resultados fatais, tm ocorrido aps a ingesto

    de doses normais, o que parece indicar que em humanos este efeito no seja dose-

    relacionado. As principais complicaes que podem ser fatais na overdose por

    anfetaminas so a hipertermia (que pode ser fulminante), a hipertenso, ataques

    convulsivos, colapso cardiovascular, traumas e falncia renal aguda (Aerts, 1997;

    Ribeiro & Marques, 2002).

    Alguns autores atribuem a hipertermia (temperatura corporal de at 42o C)

    liberao de grande quantidade de serotonina a partir de terminais serotoninrgicos

    induzida pelo MDMA (Moro et al., 2006). Essa resposta hipertrmica tem mostrado ter

    um papel importante no desenvolvimento de toxicidade dos terminais 5-HT e DA a um

    longo prazo (Quinton & Yamamoto, 2006), uma vez que depois de repetidas injees

    com alta dose de MDMA pode refletir em perda de terminais nervosos de serotonina

    (Aerts, 1997). Por isso, o controle da temperatura corprea o meio mais importante

    na preveno de reaes severas ao MDMA, o que indicado ser feito com isotnico

    ao invs de gua pura (Aerts, 1997).

  • 37

    Os casos de convulso geralmente tm sua causa atribuda hiponatremia e ao

    edema enceflico por provvel intoxicao hdrica resultante da ingesto abusiva de

    gua em indivduos com sudorese intensa provocada pela elevao da temperatura

    corporal induzida pelo MDMA e agravada pela intensa atividade fsica durante as festas

    (Moro et al., 2006).

    Arritmia cardaca , geralmente, notada em pronto-socorros e , provavelmente,

    outra maneira de levar morte, especialmente naqueles que tem predisposio para ter

    anormalidades cardacas. O aumento da presso cardaca e aumento da taxa cardaca

    causada pelo MDMA podem ser deletrios em pessoas com problemas cardacos

    (Aerts, 1997).

    MDMA pode causar danos no fgado, result