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Coletivo de Educação do MAB CADERNO PEDAGÓGICO m e a n t d o n u e f o d r e p b a a t e e d x t o e s T

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Coletivo de Educação do MAB

CADERNO PEDAGÓGICO

mea ntd on u ef o dr ep ba a te ed

xtoe sTCom esse caderno o educador e educando

e expressar seus valores e convicções.

propor alternativas, produzir conhecimento

provocados a compartilharem suas idéias,

a diferentes questões, sentindo-se

serão desafiados a se colocar frente

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Textosde aprofundamento e debate

ANABJunho de 2008

Coletivo de Educação do MABCADERNO PEDAGÓGICO

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Produção:Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Coletivo de educação

Organização:Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Equipe de Elaboração:Robson Fórmica

Liciane Maria AndrioliAlice Akemi YamasakiGisele Antunes Rocha

Colaboração:Ana Rita de Lima Ferreira

Leila Aparecida Mendonça Lima

Fotos:Arquivo MABJoão Zinclar

Arquivo Jornal Brasil de Fato

Edição:Junho de 2008

Projeto Gráfico:MDA Comunicação Integrada

Movimento dos Atingidos por BarragensAvenida Central Bloco 555 Casa 06

Núcleo Bandeirante/DFCEP 71710-012, Fone/Fax: (061) 3386 1938

Home-page: [email protected]

[email protected]

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As mãos constroem

Estas mãos _____________________________________________________________________15

O teatro das mãos ________________________________________________________________16

Carranca_______________________________________________________________________17

“Tem muita gente angustiada e doente por causa da barragem”, diz atingido por barragem _______18

Luta por moradia - Despejo da maior ocupação vertical da América Latina é iminente __________20

A cultura popular - Modos de vida

O som dos tambores: ecos de resistência e luta do povo negro ______________________________23

A cultura, a consciência e a mística __________________________________________________24

Refletindo um pouco sobre a história da música _________________________________________34

Violar é preciso __________________________________________________________________36

A infância e seu processo formativo

Infância, Formação e Conscientização: O que é a nossa Ciranda? ___________________________41

Jornada dos Sem Terrinha _________________________________________________________42

Brinquedos _____________________________________________________________________43

Sem Terrinha aprendem e ensinam na Escola Paulo Freire _________________________________44

A terra é o sentido da vida para os Guarani - Fotógrafo mostra a força da cultura indígenana luta contra a expansão do agronegócio no MS _______________________________________45

Carta da terra - Conferência mundial dos povos indígenas sobre Território,meio ambiente e desenvolvimento - rio-92 _____________________________________________47

Violência e destruição na prisão dos atingidosUma criança de sete anos é levada presa com o pai _____________________________________49

Educação emancipadora, educação popular, Educação do campo!

Educação: Exercício de viver _______________________________________________________53

Educação popular: alguns apontamentos ______________________________________________54

Os atingidos por barragens construindo a luta e valores coletivos ___________________________56

O MAB e a Educação do Campo ____________________________________________________57

Sumário

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Na luta por um mundo socialista!

Em Tucuruí, atingidos por barragens ocupam obra de eclusa novamente ______________________61

Legado de Exclusão Social _________________________________________________________61

Mobilização é reprimida com violência na Colômbia _____________________________________63

Ato em memória de Galdino lembra lideranças que morreram na luta pela terra ________________64

Modelo energético soberano-popular

Para que construir usinas hidrelétricas? _______________________________________________69

A falácia do risco da falta de energia - Especialista e movimentos sociais rebatem alarmismoda mídia corporativa, governos e investidores de que faltará energia _________________________70

“Antes de produzir energia, as hidrelétricas produzem excluídos”, diz Dom Orlando Dotti _________72

Ditadura na barranca dos rios brasileiros: perseguição e criminalizaçãode militantes da luta contra as barragens ______________________________________________73

Hidrelétricas e violações de Direitos Humanos __________________________________________75

MAB denuncia violação dos direitos humanos - Comissões visitam regiões mais afetadas ________76

Usinas hidrelétricas do Rio Madeira e a cobiça internacional - O que está por trás da construçãode Jirau e Santo Antônio? Rapinagem das riquezas amazônicas pela hidrovia, fortalecimentoda indústria da barragem, energia barata para as indústrias eletrointensivas e uma fábricade dinheiro com a venda da energia para o povo brasileiro ________________________________79Os donos de nossos rios. Até quando? ________________________________________________81

Como funciona a exploração nas tarifas de energia elétrica - “O modelo de energia elétrica no Brasilestá a serviço dos banqueiros e das grandes empresas multinacionais” _______________________82

Água, patrimônio da humanidade

Declaração universal dos direitos da água _____________________________________________93

Legislação sobre a água ___________________________________________________________94

Privatização da água _____________________________________________________________96

O Nordeste é Viável sem Transposição e com Ética na Política _____________________________97

Ao São Francisco ________________________________________________________________99

A Reforma Hídrica _______________________________________________________________100

Exploração da força de trabalho

Por trabalho, eles perdem a saúde - Expostos a tarefas extremamente prejudiciais e degradantes,crianças, adultos e idosos enfrentam jornadas de semi-escravidão __________________________105

Por que morrem os cortadores de cana? ______________________________________________106

Trabalho escravo no Brasil de hoje __________________________________________________111

Dados parciais de conflitos no campo em 200742,5% de conflitos pela água ocorreram nos estados banhados pelo Rio São Francisco _________113

Dossiê trabalho escravo - Como alguém se torna escravo ________________________________115

Trabalhadoras rurais - Quebradeiras de coco reescrevem a históriaNo Maranhão, mulheres lutam contra derrubada das palmeiras de babaçu e conquistamacesso livre ao coco _____________________________________________________________116

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Soberania alimentar

Agrocombustíveis e produção de alimentos ____________________________________________121

Fome e direitos humanos __________________________________________________________122

Colapso do agronegócio e a agricultura do futuro _______________________________________124

Fome: alimentos como negócio _____________________________________________________125

Transnacionais de alimentos lucram com aumento da fome _______________________________126

Algumas paisagens de nosso país

Cerrado _______________________________________________________________________131

Muitas histórias e tantas paisagens sobre a destruição e a resistência no cerradoUm dos ecossistemas mais ricos do país, fonte de águas de muitos rios, a região,no coração do Brasil, é oferecida em holocausto ao agronegócio; ela e os brasileirosque a povoam vêm sofrendo contínua devastação e violência. _____________________________131

O Semi-Árido é belo e constrói conhecimentos _________________________________________133

A natureza não é muda ___________________________________________________________133

Mudanças climáticas _____________________________________________________________135

Amsterdã, Holanda - Novo relatório do Greenpeace mostra o papel da agriculturanas mudanças climáticas e o que se pode fazer para reduzir suas emissões de CO2 ____________135

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o longo dos últimos anos o MAB vem desenvolvendo várias experiências no âmbito da educa-ção, principalmente com Jovens e Adultos, e a partir disso tem se consolidado como um impor-tante sujeito político nesta área.

Mediante o desenvolvimento destas experiências surgem desafios os quais nos exigem refletir eorganizar o que ao longo desta caminhada viemos construindo. Dentre os desafios colocados está anecessidade de produzirmos materiais pedagógicos que tenham vínculo e relação direta com a realidadedas populações atingidas por barragens e com o conjunto das organizações que trabalham na perspec-tiva atual da educação do campo.

Nesse sentido o MAB vem a elaborar e produzir três cadernos pedagógicos:

1) Imagens em Movimento;

2) Imagens em Movimento: Textos de aprofundamento e debate;

3) Imagens em Movimento: Sugestões de Atividades de Letramento e Etnomatemática.

Estes cadernos pedagógicos desempenham o papel de subsidiar o planejamento e a realização depráticas educativas realizadas na educação do campo, nas turmas de Alfabetização de Jovens e Adultos.Outro aspecto é que este material servirá também para que educadores e educandos conheçam váriasculturas e realidades do Brasil, possibilitando, assim, que se pense em outras maneiras de expressar,conhecer e interpretar o mundo em que vive. Assim haverá conhecimento, descoberta, compreensão etolerância para com o diferente: outras pessoas, outras sociedades, outras épocas, outros costumes.

Desta forma esperamos contribuir para a qualificação e aprimoramento das atividades de-senvolvidas nas comunidades, já que este material busca estabelecer um diálogo direto e profundocom a história, a memória, os costumes, as culturas, as formas de produzir, as relações estabeleci-das com a natureza, com os empreendimentos hidrelétricos e com os problemas e desafios que arealidade do campo nos apresenta.

Assim conhecemos a seguir o objetivo geral de cada caderno pedagógico:

No primeiro caderno pedagógico “Imagens em Movimento” consta imagens seguidas de pequenostextos que buscam auxiliar os educadores na reflexão com os educandos buscando interpretar a realida-de a partir das sensações e pontos de vista de quem as observa, do que elas nos representam e nostransmitem a partir de suas expressões.

O objetivo é provocar nos educadores e educandos o interesse por uma forma de linguagemque distrai, ilustra, espanta, inova, renova, perturba e faz pensar. A imagem e a palavra remetempara o fato de que ver, pensar, lembrar e sentir estão sempre juntos. E tudo isso são formas deconhecimento e de questionamento sobre as coisas que os rodeia. A imagem retira novidade egrandeza do cotidiano. Ela as registra e tira-as de seu contexto habitual e faz com que as pessoasvejam suas próprias vidas com outros olhos.

Apresentação

AA

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No segundo caderno, além das imagens, serão apresentados textos que ajudam na reflexão dostemas refletidos sobre as imagens. Com esse caderno o educador e educando serão desafiados a secolocar frente a diferentes questões. Sentindo-se provocados a compartilharem suas idéias, propor alter-nativas, produzir conhecimento e expressar seus valores e convicções.

No terceiro caderno constam sugestões e dicas de atividades que poderão ser desempenhadasem aula, buscando sempre relação e vínculo direto com a vida dos educandos, com a intenção decontribuir com a formação humana integral, de sujeitos participativos do processo histórico e darealidade na qual se encontram. São atividades relacionadas com o tema de cada imagem que con-templam a oralidade, escrita e leitura.

De acordo com a especificidade de cada turma, alguns temas e atividades serão mais interessan-tes para uns do que para outros, e a estrutura do Caderno propicia uma liberdade na utilização domaterial. A seqüência das dicas e sugestões de atividades tem um caráter organizativo e não significaque deva ser seguida com rigorosidade em seqüência das páginas do caderno.

O conjunto dos três cadernos pedagógicos propõe ações educativas que levem os educadorese educandos:

a) Desenvolver novas habilidades e adquirir conhecimentos para tomar decisões apoiadas emuma consciência solidária e tolerante.

b) Aprender a ler a realidade e obter conhecimentos para interpretá-la criticamente e buscarsoluções para as situações limites que vivenciam.

c) Ter acesso a bens culturais que apóiem e fortaleçam a conquista e a garantia de direitos ecidadania.

Em suma, com este material pretendemos dar um importante passo no sentido de qualificar epotencializar o processo educativo do MAB, o qual pretende formar sujeitos na sua totalidade, comcapacidade de compreender de forma critica a realidade e em condições de intervir de maneira direta etransformadora na mesma contribuindo no processo da educação do campo.

Movimento dos Atingidos por BarragensColetivo de educação

São Paulo, junho de 2008.

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Introdução

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lexandra, Judite, Ivanei, Nivia, Suerda,Rosana. Olha para estas mãos, de mu-lher roceira, esforçadas, mãos cavoca-

deiras. Sonia, Flávia, Claudia, Raquel, Tânia,mãos trabalhadeiras.

Edson, Claret, Rogério, Marcos, Océlio, Yuri,Diego, Aildo. Olha para estas mãos: pesadas, semtrato, sem carinho....

Mãos de ribeirinhos, camponeses,quilombolas, indígenas, pescadores, de trabalha-dores. Dos quatro cantos do país, mãos dos atin-gidos por grandes construções de represas. Ossu-das e grosseiras. Mãos que varreram e cozinha-ram. Lavaram e estenderam roupas nos varais.Pouparam e remendaram. Mãos domésticas eremendonas. Íntimas da economia, do arroz e dofeijão, da casa, do tacho de cobre, da panela debarro, da cinza na fornalha. E faziam sabão.

Minhas mãos roceiras, fecundas, ásperasde lavrar a terra. Semear e cuidadosamente cui-dar e ter a certeza da colheita. Mãos pensativasque sabem que organizados podem transformaro mundo, mãos de lideranças que carregam aindignação e fazem cotidianamente algo paratransformar.

Mãos guerreiras que não se deixam calar.

Jamais ociosas. Mãos doceiras. Imensas eocupadas. Mãos laboriosas. Abertas sempre paradar, ajudar, unir e abençoar. Mãos tenazes eabsoletas, feridas na remoção de pedras e tropeços.

Convidadas a contar um pouco de sua sa-bedoria, um pouco de suas vivências, suas expe-riências de organização, suas vitórias, seus me-dos, suas dificuldades, suas convicções para cons-truir dias melhores para as futuras gerações, que-brando as arestas da vida gerando libertação.

Mãos que se dedicam a escrever, a proporum projeto energético alternativo, a decidir sobreos próximos passos da organização, mãos que tra-zem a simbologia da mística, dos cantos e perfu-mes, dos relatórios de intensos estudos, de pautasde negociação.

Mãos que não se aquietarão até que algu-ma injustiça ainda esteja sendo cometida contraqualquer pessoa em qualquer lugar.

Mãos que se reúnem para cuidar e pre-servar tudo que a natureza gerou, mãos que conhecem a importância da água, da terra, dassementes, da vida.

Mãos como reflexo de todas as mulheres. Amulher que traz no seu interior a humanidade, oideal de justiça, a fraternidade, a igualdade comodireito de todos.

O amor como princípio. O carinho da mãe.O desejo de ser feliz. O trabalho por paixão. Aintuição e uma sensualidade, capaz de convertero mais irreverente dos homens, num amante davida, num homem livre.

O que pode ser o começo da transfor-mação, do reencontro da humanidade com omelhor de si.

Mãos que lutam incansavelmente. Já sãotantas. Milhares. Milhões. Uma verdadeira ramaflorescendo.

São mãos se agrupando, se organizando,construindo acampamento, enfrentando a opres-são, hasteando bandeira, buscando lenha, fazen-do estudo, exigindo verdades.

Tudo isso porque reconhece que é tempopropício de gerar igualdade. A esperança que épartilhada quando se reúnem, quando conversame vêem que os problemas são os mesmos e as sa-ídas devem ser buscadas em conjunto.

Uma organização com muitos sonhos emuito a superar, ainda vão mais homens pranegociação, ainda há mulheres escondidas nasombra masculina, dependente do pai, domarido, ainda te apresentas como filha oumulher do fulano.

Na verdade por trás de um grande ho-mem, esconde qualidades de que esteve na fren-te uma grande mulher. Há libertação há de che-gar por luta.

AA

Estas mãos1

Daiane dos Santos Carlos2

1 Texto elaborado a partir de um trabalho pedagógico feito com militantes educadores, inspirado através do poema “Estasmãos” da autora Cora Coralina.

2 Daiane é militante do Movimento dos Atingidos por Barragens.

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Estas mãos sabem que precisamos avan-çar e por isso toda a direção está se propondo aestudar, construir novas relações entre homens emulheres. E a formação há de ajudar.

Mãos não importa a origem, seja do campoou cidade, não depende de cor nem idade. O sen-timento é de transformar numa nova sociedade.Falamos muito no novo homem e na nova mulher.Mãos que escalam montanhas, descem baixadas,passam sede e fome, em busca de seus ideais elasdeixam famílias, perdem dias, noites de sono.

Nesse caminho o que nunca podem perderé o amor pela igualdade, pela liberdade, a felici-

dade dos povos, a mística do sorriso no rosto deuma criança de quem já conheceu a liberdade, afelicidade de quem luta.

Mas quando nos perguntamos onde estáesse novo homem e essa nova mulher, digamos:eles estão dentro de nós.

Mãos de militantes, dirigentes, de trabalha-dores e trabalhadoras que não se cansam até odia em que juntos homens e mulheres, todos etodas, em todas as comunidades, grupos de base,em todas as cidades, campos e construções, pos-sam edificar o poder popular. Mãos alavancas naescava de construções inconclusas.

ricô e crochê, torno mecânico, carpinta-ria, jardinagem, culinária, rabiscos dis-traídos que fazemos quando conversa-

mos... O trabalho manual concentra, cria sensa-ção de paz, e traz alguma felicidade.

Uma das atividades que mais me preen-chem é a de trabalhos manuais. Gosto de dese-nhar, de dedilhar um violão, de costurar um bo-tão de camisa, de lavar folhas, uma a uma soba torneira, de descascar batatas... Entregar-se,pertencer às próprias mãos, traz um sentimentoreconfortante.

Tive uma blusa de renda todabordada por mim, quando eu eraadolescente. Sobre cada flor eu pre-gava cinco contas brancas em cír-culo e, nas folhas, mais cinco, em fi-leiras reviradas. Não terminei o tra-balho, e a blusa ficou perdida numade minhas mudanças. Mudei-meconstantemente, durante toda a mi-nha vida mudei de casa, ou cidade.Talvez tenha me esquecido de umacasa onde morei. Mas a blusa jamais saiu deminhas recordações mais nítidas.

Tenho diversos cadernos de desenho pre-enchidos. Até hoje desenho, rabisco, minuciosostraços e coloridos vão delineando meus seres ima-ginários: um gato de asas, uma sereia com chi-fres, bailarinas ou hermafroditas, um peito abertopor uma fenda de onde nasce uma flor, uma mu-lher-árvore com as mãos enterradas como se fos-sem raízes, ou um corpo de mulher composto devários rostos, coisas assim.

Costumo fazer para as crianças aqueleteatro de sombras com as mãos juntas; tam-bém, medir as coisas com os dedos estendi-

dos, a contar quantos palmos. Di-zem alguns cientistas que somos de-senvolvidos tecnologicamente ape-nas porque temos nosso polegar,que nos permite a preensão.

Quando me entrego ao traba-lho manual, parece que esqueço osproblemas, me transporto para ou-tros recantos do mundo, outras es-feras muito mais bucólicas, puras,prazerosas, próximas às minhas ori-

gens ligadas à natureza, à memória animal. Écomo se me recordasse dos primeiros gestos

O teatro das mãos3

Ana Miranda4

TT

3 Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br4 Ana Miranda é escritora, autora de Boca do Inferno, Desmundo, Amrik, Dias & Dias e colunista da revista mensal Caros Amigos.

O trabalhomanual

concentra,cria sensaçãode paz, e traz

felicidade

O trabalhomanual

concentra,cria sensaçãode paz, e traz

felicidade

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humanos. Os gestos mais naturais são os ma-nuais. Os mais sofisticados e civilizados sãoos olhares com significados específicos.

Segundo certas teorias antropológicas,talvez o primeiro gesto tenha sido, com umpequenino impulso lírico, o côncavo da mãopara colher uma fruta; ou a concha, para be-ber água. A manuelage, como os franceses cha-mam a linguagem das mãos, é universal emilenar. Tem a idade do ser humano. Ninguémprecisa aprendê-la.

Nascemos providos dos gestos, desde osprimeiros impulsos obstinados de procurar oseio materno para sugar o leite, a mão fecha-da que revela o instinto de posse, o gestoradicular e profundo de pôr a mão sobre algopara se afirmar possuidor, a nossa obstinaçãoem levar tudo à boca antes de ser capazes deescolher o que podemos comer... Parece que

todos os demais gestos derivam dessa caudaloriginal e autêntica.

O gesto nos revela, e, embora seja comuma todos, nos torna diferenciados e únicos. O ges-to do qual resulta alguma coisa é, quase sem-pre, uma espécie de realização de nosso mun-do inconsciente.

Todas as pessoas deveriam realizar traba-lhos manuais, mesmo aquelas que não possuemo dom. Essas tarefas aperfeiçoam os gestos comoexpressão insubstituível da mente, como, porexemplo, tricô e crochê, torno mecânico, borda-dos, escultura em argila, carpintaria, pintura, jar-dinagem, culinária, miniaturas, caligrafia, ou mes-mo um manuscrito garranchoso, ou aqueles ra-biscos distraídos que fazemos quando conversa-mos ao telefone. O trabalho manual nos ensinaa nos concentrar, cria em nós uma sensação depaz, e traz alguma felicidade.

ocê já ouviu ou fez a seguinte pergunta:por que está tão carrancudo? A pessoaque é assim interrogada supostamente

deve estar em um dia de mau humor, quando nãohá simpatia ou sorrisos.

VV

Carranca

Segundo a reportagem do site www.ambiente.brasil.com.br,a carranca serve,

[...] “para espantar o mau olhado, espírito presepeiro, mal-as-sombro e pescaria ruim: caretas.

[...] Na proa, esculpidas em madeira, um rosto assustador,são monstros temíveis cuja função é botar pra correr osmitos originários e residentes no São Francisco, como aMãe-d’água e o Minhocão. De sobra, no passado, sustotambém para os indesejáveis jacarés, hoje extintos. Emalgumas partes, as figuras de proa eram chamadas tam-bém de cara de pau ou leão de barca. Os personagensNegro d’Água, que sai das águas para pedir fumo, e a Mãed’Água, amiga das lavadeiras, que adora presentes, já fa-zem parte da cultura local”.

Assim também são as caras das carrancastalhadas na madeira, o lábio não se abre para osorriso, mas da boca escancaram-se dentes. Osartesãos e as artesãs parecem respeitar o ditadopopular que diz: “Quanto mais feia melhor!”.

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ernardo Cruz Souza é maranhense, mashá 18 anos mora em Minas Gerais. De-pois que foi atingido pela barragem de

Candonga ficou desempregado e hoje mora de fa-vor em uma casa no município de Rio Doce.Bernardo ajuda na organização do Movimentodos Atingidos por Barragens (MAB) na sua re-gião e conta que por esse motivo sofre ameaças.Em entrevista ao Setor de Comunicação do MAB,ele relatou a angústia ao ver sua casa sendo des-truída, sua situação de vida e suas esperanças.Hoje, 30 de agosto, a barragem está sendo inau-gurada pelas empresas e pelo governador doestado, mas a população local não se cala, re-pudia o ato e se mobiliza dizendo que já bastade ditadura aos atingidos.

Setor de Comunicação: Qual seu sen-timento quando você vai ao lago dabarragem?

Bernardo Cruz Souza: Antes era tudo bonito,agora eu não me conformo e infelizmente te-nho que olhar e dizer: eu morava ali naquelelocal onde agora é o lago. Sempre que vemgente visitar eu digo: você quer ver onde anós morava? A empresa chegou oferecendomil maravilhas, dizendo que nós teria umavida melhor, que os filhos iriam para a esco-la... Só que hoje o pessoal está passandofome, tem famílias que estão pensando emvender a casa, querendo comprar um peda-cinho de terra e ir para a roça. Na Velha So-berbo era um lugarzinho feio, mas todo mui-to gostava. Até mesmo eu que cheguei de-pois fui acostumando com as pessoas.

Setor de Comunicação: Qual era abase da economia na região?

Bernardo: Muitos garimpeiros moravam ali mes-mo, tiravam ouro e pedras preciosas. Tinhabastante gente que vivia da extração, mas tam-

bém tinha os que plantavam para a sobrevi-vência. Não faltava alimentação para nin-guém, hoje a maioria das pessoas atingidasestá desempregada, em torno de 95%. Eupasso uma grande necessidade e posso falarque nem no nordeste, que foi a região que eunasci, não passei tanta necessidade comoestou passando nesse local, pois agora eu es-tou desempregado. Fazem 20 anos que eu tra-balho no garimpo e graças a Deus, sempretinha alguma coisa pra mim me manter.

Setor de Comunicação: O que os fun-cionários da empresa diziam quan-do foram para Minas construirCandonga?

Bernardo: Quando eles vieram para Minas, di-ziam que eram psicólogos, mas na verdadeeram negociadores. Mostravam um docu-mento pra gente dizendo que todo mundo iareceber moradia, eu lembro muito bem. Háoito anos atrás, quando eles andaram fazen-do as primeiras visitas, fazendo os levanta-mentos, eles mostravam esse documento,não pra todo mundo, mas pra gente que pro-curava. Nos tiraram e botaram até em outromunicípio. E nos diziam: espera ali ou vaipra justiça. E quem vai se meter com a justi-ça? Ela só vale para alguns... E como eu es-tava falando antes, essa necessidade, essafalta de alimentação, eu vim passar em Mi-nas Gerais por causa da barragem. Nuncatinha me acontecido e já tenho 44 anos.

Setor de Comunicação: No dia 3 demaio de 2007 a polícia destruiu opovoado onde vocês moravam. Nosconte como foi aquela situação.

Bernardo: Na verdade a gente já estava commedo uma semana antes do dia 3. A gen-te tinha medo que eles poderiam nos ata-

“Tem muita gente angustiadae doente por causa da barragem”,diz atingido por barragem5

BB

5 Texto disponível em http://www.consciencia.net/agencia/2005/3108-mabmg.html

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car à noite, então fizemos várias barrica-das, botamos madeira e fogo na estrada.Naquela semana o comandante foi na co-munidade e disse que era melhor a gentesair, pois, segundo ele, aquelas terras jáeram da empresa. Os policiais ficavam 24horas por dia lá, vigiando cada passo quenós dava.

Então naquele dia 3, às 5 e meia da manhãeles vieram, tinham várias viaturas, cami-nhões de bombeiros, cães farejadores...Também vieram autoridades, juízes, promo-tores. Isso pra nos tirar, mas quando foi pararesolver os problemas, eles não voltaram.Algumas famílias já haviam saído, pois fi-caram com muito medo. E os que restaramnão queriam ficar, mas ficaram, pois nãotinham pra onde ir.

Setor de Comunicação: E o sentimen-to de ver as casas sendo destruídaspelas máquinas?

Bernardo: Isso foi horroroso. Seis meses de-pois daquilo eu não conseguia comer, nemdormir bem. Às vezes eu vou lá e pareceque vejo tudo de novo começando. Masquem sofreu foram as pessoas mais idosasque viram a última construção ser destruí-da, a igreja católica. E se não fosse chegaruma pessoa na hora, tinham destruído aigreja com todas as imagens dentro. Foiuma imensa falta de respeito, isso por vol-ta das nove horas da noite.

Quando destruíam as casas, várias pesso-as passaram mal, teve uma senhora queficou com o braço machucado por um po-licial, pois quando começaram a destruira casa da mãe dela, ela ficou muito nervo-sa. Eu mesmo, que sou forte, nessa horafui fraco e não consegui ficar olhando. Numdia destruíram tudo e no local ainda mo-ravam 14 famílias.

Setor de Comunicação: E agora?

Bernardo: Agora já encheu o lago e o pes-soal está com a mão na cabeça, comodiz o ditado. Não sabemos o que fazer.Isso sem falar que algumas famílias que

receberam casas, tem que se mudar, poisas casas já estão caindo, outras estãoescoradas com ferragem e paus pra nãocair. E mais, há 15 dias atrás teve umareunião numa cidade vizinha e falaramsobre proteção ao meio ambiente. Naverdade a gente já escutava falar que nãoteremos mais acesso ao lago, nem parapescar. Garimpar nunca mais.

Setor de Comunicação: Qual sua mai-or esperança?

Bernardo: A minha maior esperança é quetodos tenham consciência que em qual-quer região que forem construídas, asbarragens só trarão problemas. Porexemplo, lá onde eu moro, só 5% dosgarimpeiros foram reconhecidos. Fomoscomparados com plantadores de maco-nha, diziam que nós tínhamos um traba-lho ilegal. E os meeiros receberam umaproposta miserável e se não quisessemaquilo, teriam que entrar na justiça ousenão ficar sem nada.

Mas o que eu mais quero é que um dia agente tenha um espaço para viver, uma mo-radia e terra pra trabalhar, porque todasas pessoas que agora estão em Nova So-berbo estão sem terra.

Setor de Comunicação: O que signi-fica o MAB em Candonga e o quevocê diria para quem construiu abarragem?

Bernardo: No início, quando o MAB chegou, foirejeitado pelas pessoas, pois ainda não co-nheciam o Movimento. Mas foi rejeitado sópor aquelas poucas famílias que estavam sen-do indenizados. Eu sei que nós só consegui-remos as coisas se estivermos organizados noMAB. E para a Novelis e Alcan, eu diria queeles não tem nada de humanidade. Eles es-tão matando o povo.

Tem muita gente angustiada e doente por cau-sa da barragem. Eu não concordo com asbarragens, nem que eles pagassem todo mun-do direitinho, porque você perde todos os es-paços para viver.

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roprietários venceram causa na Justiçae desocupação de edifício na Av. Pres-tes Maia, no centro de São Paulo, deve

ocorrer até 4 de março, a menos que Prefeiturafaça uma ‘intervenção política’. 1630 pessoas fi-carão sem moradia.

SÃO PAULO – A maior ocupação verti-cal da América Latina está sob risco iminentede despejo. O edifício, localizado na avenidaPrestes Maia, no centro de São Paulo, tem 22andares e há dois anos abriga 468 famílias, quereúnem 1630 pessoas.

A reintegração de posse, movida na Justiçapelo ex-candidato a vereador Jorge Hamuche(PHS), um dos proprietários do prédio, será exe-cutada até o dia 4 de março. “Em termos jurídi-cos não há mais nada a fazer”, lamenta o advo-gado dos sem-teto, Manoel Del Rio. Ele crê emsomente uma solução para o problema: a inter-venção política da prefeitura junto ao juiz queacompanha o caso.

Desde segunda-feira (5), 300 sem-teto mon-taram um acampamento diante do prédio da Pre-feitura, e prometem sair apenas quando for apre-sentada uma solução para as famílias que habi-tam o prédio da Prestes Maia. O secretário mu-nicipal de Habitação, Orlando de Almeida Filho,não deu sinais de que receberá qualquer comis-são dos acampados.

Ivonete Araújo, coordenadora do Movi-mento dos Sem-Teto do Centro (MSTC), recla-ma da omissão do poder público. “Faz doisanos que a prefeitura nos diz que não tem in-teresse em permitir que as famílias do PrestesMaia fiquem na rua. E agora eles deixam queo despejo aconteça, que todos nós sejamosjogados fora”, reclama.

Poucas saídasDel Rio diz que o edifício está avaliado pela

Caixa Econômica Federal em R$ 7 milhões, e queos proprietários – Jorge Hamuche e EduardoAmorim – têm uma dívida de R$ 5,8 milhões acu-mulada com o município, devido ao não-pagamentode IPTU (Imposto Predial Territorial Urbano).

Em 2003, a gestão petista na Prefeitura,encabeçada por Marta Suplicy (PT-SP), se dispôsa pagar a diferença (R$ 1,2 milhão) para desa-propriar o edifício. “Então se iniciou o processode compra do prédio da ocupação”, lembra o ad-vogado. Segundo o jornal Brasil de Fato, a Justiçaexigiu que o valor da propriedade - R$ 7 milhões- fosse depositado integralmente pela prefeiturapara que fosse feita a desapropriação. Como opoder público não pôde pagar, nada foi feito.

“A prefeitura não dá sinais de que inter-virá a favor dos moradores do Prestes Maia. Gil-berto Kassab entregou o caso para a Justiça”,reclama Del Rio. O MSTC entrou em contatocom o Ministério das Cidades para pedir apoiopolítico, mas o governo federal pode fazer pou-co, neste caso. O advogado sugere que a Pre-feitura poderia propor um projeto de lei na Câ-mara dos Vereadores para desapropriar o edi-fício, ou então retomar o acordo iniciado du-rante a gestão petista.

Osmar Silva Borges, coordenador da Fren-te de Luta por Moradia (FLM), informa que naquinta-feira (08) haverá uma reunião com o co-mando da Polícia Militar, para discutir sobre comoserá feita a reintegração. “A prefeitura tem quenos atender e dar um destino para as famílias”,diz ele. A FLM integra o acampamento erguidopara pressionar o poder público a atender os mo-radores da ocupação Prestes Maia.

PP

Luta por moradia

Despejo da maior ocupação verticalda América Latina é iminente6

Rafael Sampaio

6 Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br

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á tempos os tambores são utilizadoscomo forma de expressão dos negrosno Brasil. O som vibrante eram escu-

tados nos terreiros das fazendas, quando o povoafricano desapropriado de suas origens se reuniapara festejar, louvar os ancestrais e reafirmar osideais de resistência e luta.

Ainda hoje, várias danças e manifestaçõesculturais são embaladas pelo som dos tambores efica difícil permanecer imóvel em meio à energiaque eles transmitem. Na reportagem do jornal Bra-sil de Fato intitulada “A riqueza multicultural de SãoPaulo”7, a cena descrita oferece uma idéia do cor-po embalado pelo ritmo da batucada:

Entre os grupos de dança, apresentações defolias de reis, congadas, moçambiques, catira efolias do divino. Muita cor, muita música e muitadescontração contagiavam a platéia, que procu-rava seguir os passos dos grupos e acompanhavacom palmas o ritmo caipira.

Para entender um pouco mais sobre as diver-sas manifestações culturais do nosso país, destaca-mos a seguir um Pequeno Dicionário Cultural, comofoi nomeado pela equipe de reportagem do jornal:

Congada paulista

Congado é sinônimo de encontro ritual devários grupos de Congos, Moçambiques eAssemelhados. Cortejos de forte raiz africa-na, existem nos mais diversos pontos dopaís, em festas religiosas, principalmentenas dedicadas à Nossa Senhora do Rosá-rio e a São Benedito.

Reisado

Folias de Reis são grupos que, em forma deranchos, recontam a lendária viagem dosTrês Reis Magos do Oriente para adorar oDeus Menino.

Jongo

Dança de origem banto, do mesmo troncodo batuque, ambos ancestrais do samba e

O som dos tambores:ecos de resistência e luta do povo negro

do pagode, que resiste em alguns pontos doVale do Paraíba. Nela, são homenageadosSão Benedito e antepassados negros.

Fandango de Tamancos

Fandango, no interior Sul e litoral Sul, con-tinua a designar os bailes de sítio, asfolganças que animam ocasiões especiais(casamentos e aniversários). Neles, sapa-teados e palmas se alternam com valsadose danças de sapateado forte (fandango detamancos e fandango de chilenas).

Samba de Bumbo e Samba de Lenço

Duas variantes do samba tradicional emSão Paulo, consideradas como os ancestraisdo samba cosmopolita. Guardam traços queos aproximam do jongo e do batuque. O deBumbo é característico da festa do Bom Je-sus, em Pirapora. O de Lenço é em devo-ção a São Benedito.

Catira

Outra dança de palmeados e sapateados,acompanhados, sempre, por duplas devioleiros, que alternam as modas com a atu-ação dos catireiros. De tradição masculi-na, muitos grupos já admitem a participa-ção de mulheres.

Coco

Dança típica das regiões praieiras, e co-mum no Norte e Nordeste. O coco vemdo canto dos tiradores de coco. Tem umacoreografia básica: os participantes for-mam filas, ou rodas, sapateiam, respon-dem o coco, trocam umbigadas e batempalmas marcando o ritmo. A dança teminfluência dos bailados indígenas Tupis edos negros, os batuques africanos. Os ins-trumentos mais utilizados de percussão:ganzá, bombos, zabumbas, caracaxás,pandeiros e cuícas.

HH

7 Jornal Brasil de Fato de 25 de setembro a 1º de outubro de 2003. Cultura (pág. 16)

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O pesquisador Paulo Dias8 utiliza a ex-pressão “Comunidades do Tambor” ao se re-ferir aos diferentes estilos regionais das dan-ças-músicas negras (como os batuques, ascongadas, os candomblés e o samba urbano).E destaca: [...] um certo repertório de padrõesrítmicos que se reproduz, em diferentes con-

juntos instrumentais, através do imenso terri-tório do Brasil e das Américas negras, criandolaços simbólicos de parentesco com a Áfricadistante. Linhagens rítmicas que, mais resis-tentes ao tempo que qualquer palavra ou can-to, atualizam-se a todo instante pelas mãos quetocam e pelos pés que dançam.

rês elementos se combinam na for-mação do sujeito histórico Sem Terra:a cultura a consciência e a mística.

Um ser humano independentemente dascircunstâncias de que é gerado, nasce pelo em-penho e esforço de outros que se relacionam.Os hábitos do cuidado para que este ser se de-senvolva são recolhidos dos ensinamentos pas-sados pelas gerações que fizeram sua experiên-cia e descobriram que determinadas ervas setransformam em remédios, frutas e cereais setransformam em alimentos etc.

Ao rebentar, o ser humano indefeso, dei-xa de ser apenas rebento e passa fazer partede uma sociedade determinada, por isso tor-na-se ser social.

Encontra, portanto uma estrutura socialmontada que lhes facilita a vida e ao mesmo tem-po impõe limites estabelecidos por dois poderes:temporal e espiritual. O Estado cuida da estruturadas leis, e a religião da moralidade.

Aprende a manejar as coisas a partir dosensinamentos produzidos pela experiência de seusgenitores e se produz a si próprio a partir das ini-ciativas e determinações estabelecidas.

Tem como obrigação nesta escala da for-mação humana, primeiro aprender o nome dosobjetos que usará para se comunicar e produ-zir a própria existência; segundo: seguindo atradição, educar-se em uma escola, freqüentar

A cultura, a consciência e a mística9

Ademar Bogo

a igreja assumindo uma religião, assimilar va-lores e pô-los em prática, e terceiro, dedicar-seao trabalho para daí extrair os alimentos, bus-car meios para edificar sua moradia, comprarutensílios, roupas, calçados, portanto lidar como mercado etc. Se os pais são camponeses epossuem terra, aprenderá cedo o ofício da agri-cultura executando tarefas determinadas e per-ceberá que o alimento vem da terra cultivada.Se os pais forem operários, aprenderá que oalimento vem do salário. Quem não tem salá-rio não tem alimentos. Essa é a ordem de co-mando do capital.

Acompanha esta trajetória, preceitos mo-rais, ou seja, normas que se baseiam em valoresmorais que objetivam formar costumes. É issoque diz a palavra “moral” no latim significa mo-res, ou seja, costumes. Estes ao serem assimila-dos, seguem os passos da obediência pacífica.No caso de dúvidas ou desrespeitos, apela-separa a ética que refletirá o modo de ser e retifi-cará os desvios de caráter.

Os costumes padronizam o comporta-mento, de grupos ou de toda a sociedade quepodem ser alterados de tempos em tempos.Em sociedades igualitárias as normas sãomais duradouras. Em sociedades desiguais,as normas e os valores são ultrapassadosconstantemente pelos interesses do capital,que busca atingir através da “massificaçãoda cultura” (cultura de massas) o caráter das

TT

8 Trabalho publicado (ver site do Min. das Relações exteriores http://www.dc.mre.gov.br) Foi escrito originalmente paraapresentar a exposição multimídia “Comunidades do Tambor”, montada no SESC Vila Mariana, em São Paulo, durante oevento “Percussões do Brasil”, em 1999.

9 Estudo feito com o setor de cultura do MST em Ibirité em 19 e 20 de maio de 2001.

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pessoas, para que se submetam à ordem dosinteresses político ideológicos da classe do-minante. Os grupos e as sociedades nãoconsumistas se defendem através da “culturapopular” repassando os conhecimentos pelaafetividade existente na relação comunitáriaque a seqüência de gerações estabelece.

Isso acontece em ambas as condições eé possível, porque os seres humanos não nas-cem prontos e acabados. Há es-paço na consciência social e po-lítica para acrescentar elementosque dão identidade ao caráter, ecom isso, os seres humanos ad-quirem características próprias, apartir de seu próprio esforço e in-teresse, ou pela manipulação ealienação de instituições criadaspara este fim.

A cultura representandotudo o que fazemos, parte delaconduzida pela superestrutura dasociedade, e parte dela pelo sen-so comum, condiciona o ser hu-mano a executar gestos que re-force a harmonia social, obrigando-se a ce-der em pontos particulares quando estes es-tão fora de seu alcance ou ferem os direitosdos outros. Mas por outro lado, aprende naprodução da existência a ter direitos como:propriedade (terra, casa, objetos de uso) com-prar e vender, passear, amar etc.

As mudanças tecnológicas mudam rapi-damente hábitos e quando não bem assimila-das, tornam as pessoas vítimas do próprio de-

senvolvimento. Estabelecem mudanças nas re-lações sociais e deixam à margem da socieda-de uma quantidade significativa de seres soci-ais que, não podendo reproduzir os hábitos an-teriores, nem podendo assimilar os hábitos no-vos na totalidade, se colocam entre duas alter-nativas: misturar o possível entre o velho queresta e o novo emergente, modificando a práti-ca e deformando o caráter, ou resistir para não

deixar-se excluir e assimilar o pos-sível conscientemente da evolução.

Mas tornam-se cultura tam-bém os aspectos negativos em umasociedade desigual. Isso ocorrequando as pessoas aceitam as con-dições e reproduzem os interessesalheios sem reagir. Aceitam ver gen-te desempregada, sem terra, anal-fabeta, faminta, prisõessuperlotadas, transporte ruim etc.como aspectos naturais de uma so-ciedade “desenvolvida”.

As reações espontâneasnão resistem à dominação cultu-ral, elas devem se propor a dar

identidade aos gestos que simbolicamente setransformam em referência de resistência per-manente. Nasce assim, a ideologia da resis-tência como novo conteúdo da cultura que semanifesta no fazer acontecer possibilidades atéentão desapercebidas.

Esta trajetória histórica e seus limites é quedemonstraremos na existência feita pelo MST eas possibilidades de mudanças que descobriu pelosimples fato de pensar e fazer diferente.

O conhecimento sociológico e históricopode explicar as transformações econômicas esociais que ocorreram no campo brasileiro nosúltimos 50 anos, onde passamos, de sociedadeagrária, para sociedade urbana industrializada.Mas é o caipira que faz a cidade e fica fora dela.

Esta transferência de cultura de um lu-gar para outro nos deixa quatro elementos paraanalisar a desconstrução e os pilares da recons-trução cultural.

1ºIronia Caipira

O êxodo rural transferiu dentro de sacari-as atadas com cordões de couro e cipós, embaús de madeira feitos á machadinha, a rique-za cultural de alguns séculos de existência pro-duzida ás margens das trilhas de terra que leva-vam e traziam o progresso, mas os ventos daindustrialização e das invenções tecnológicas,

Da cultura produzida para a produção da cultura

As mudançastecnológicas

mudamrapidamente

hábitos e,quando não bem

assimiladas,tornam as

pessoas vítimasdo próprio

desenvolvimento.

As mudançastecnológicas

mudamrapidamente

hábitos e,quando não bem

assimiladas,tornam as

pessoas vítimasdo próprio

desenvolvimento.

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um dia sopraram os últimos ciscos humanospara os centros urbanos onde o capital engoliuo espaço e tudo ficou apertado. Ali a consciên-cia e a mística se misturam para dar forma aesta nova maneira de produzir a existência. As-sim o caipira conta sua história de quando che-ga na cidade através da Música de Tião Carreiro“Cochilou o Cachimbo Cai”

“Quando cheguei em São PauloDava pena dava dó

Minha mala era um sacoO cadeado era um nó”

2ºMudança de Natureza

Esta mudança de lugar social, e de separa-ção do ser de sua categoria de origem para for-mar uma nova categoria do dia para noite semespecialização, explica-se como sendo o desman-che de um modo de vida social, para no simplesdescarregar das mudanças, formar outro, commais luzes mas com menos claridade para ilumi-nar os passos futuros. Muda o lugar social muda-se a base da formação da consciência.

3ºIncerteza e Dúvida

Os que teimam ficar na agricultura, agarra-ram-se aos próprios suspiros. Pesarosos, olhandopara quem parte sem saber se estão certos em dei-xar a roda da história seguir sem eles. Mesmo semterra para trabalhar, resistem. Alimentam a tradi-ção de serem posseiros, meeiros, arrendatários oupeões de fazendas. Os filhos dos pequenos pro-prietários saem da adolescência, recebem o avisoque devem se quiserem casar e constituir uma fa-mília, procurar outro galho para fazerem o ninho,pois aquele no qual vivem com os pais, já nãoresiste a muito mais peso. O sentimento da resis-tência é o caminho para a reconstrução do serhumano, misturando consciência e mística paraproduzir um tempo novo.

Ao mesmo tempo que alimentam a catego-ria aprendem coisas novas, que vão fazendo mu-danças no comportamento e na forma de pensar.Coisas boas que enraízam ainda mais a culturamas também coisas ruis que ficaram como cica-trizes para serem apagadas no futuro.

4ºA construção da identidade

Esta condição de ser sem-terra se transfor-ma em consciência, onde a mesma condição so-cial serve para dar nome a um Movimento em queseu desenvolvimento confere a mesma identidadeàs pessoas, mudando sua cultura, a consciênciae a mística tornando-se condição social. Por isso,mesmo conquistando a terra, os homens, as mu-lheres e as crianças, ficaram marcadas por estesinal de ser Sem Terra.

Na produção da existência com umanova consciência alimentada pela mística,aparece o processo da formação da nova cul-tura, o sem-terra (condição social) de ontem,se torna no Sem Terra (sujeito histórico) dehoje, conviveu e convive com três formaçõesculturais combinadas.

a) A cultura imposta

Enquanto categoria sem-terra vivendo noscampos e nas periferias das, ficando cada vez maisà margem da modernização tecnológica, anormatização da sociedade organizada e os pre-ceitos morais difundidos pelas religiões e pelamídia, são mediadoras em submeter a massadeserdada e desinformada dos próprios direitos,aos caprichos e interesses da classe dominanteque acumulou sem piedade a terra, a renda, a ri-queza, o poder e os conhecimentos.

Com isso, dia-a-dia as pessoas foram ven-do seus conhecimentos históricos, hábitos de con-vivência, valores e costumes sendo arrancados daprópria consciência a golpes e a empurrões, e emseu lugar, plantados pela propaganda massiva,viram nascer o interesse pelo consumismo, a com-petição, o desrespeito pela vida e a aceitação pas-siva da destruição da própria identidade.

A ideologia dominante, na busca de escon-der a verdade, encarregou-se de justificar, atra-vés da mídia o mal estar e o abandono dos caipi-ras agora na cidade. Como uma árvore adultatransplantada, mantém-se abatida, murcha, massobrevive por algum tempo.

A semelhança entre os hábitos, levam os jo-vens do uso do cigarro ao consumo de drogas maisperversas. A linguagem ganha novos vocábulos ea ingenuidade caipira cede lugar à gíria. O mo-dismo condiciona os interesses e ocupa o espaçoda consciência social com nomes, marcas, cores.

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A mídia, sábia, vai até o campo atravésda arte buscar pedaços de raízes decepadas, eas traz para a cidade, para consolar, ao mesmotempo que faz consumir os desconsolados. Atra-vés da música adaptada, demonstra que se podeter em casa em forma de som, o que já não setinha mais na vida.

A mística através de um de seus elementosprincipais, a arte, cumpre o papel de preencheros vazios na consciência estética e no sentimentodos pobres desenraizados.

Quem se adapta e se dá bem na cidade,passa a integrar o mundo urbano dos incluídos,vivendo como àqueles que ali nasceram em con-dições favoráveis. Mas para àqueles que nadaconseguem a não ser a marginalidade do desen-volvimento, a saída é raciocinar e vivenciar misti-camente as fantasias.

Perdem-se com as batidas nas barrancasda história, pedaços da cultura produzida e ali-mentada por diversas gerações. Ficam para trásdespedaçados os valores, utensílios domésticosrejeitados ou impedidos de serem usados, co-nhecimentos no trato com os animais, nomesde plantas e de sementes, as superstições, a re-ligião, fantasias, contos e estórias de caçado-res, viajantes, boiadeiros etc. Estes vazios dei-xados pelos pedaços de vida perdidos, são ago-ra substituídos pela pomposidade dos interes-ses dominantes. Vem a desmotivação a dor e odesespero. Quem está dominado perde a con-dição de expressar com liberdade o que sente.

b) A contestação da cultura

Estes elementos positivos e negativos, pre-sentes e passados acompanham os Sem Terraantes e depois de se tornarem categoria social,que em determinado momento ajuda alinhar ospassos para o lado certo.

É um período de transição entre a imposi-ção e a contestação da cultura, mas que, pela in-segurança e desconhecimento, muitas coisas ain-da são impostas.

Tudo inicia com a assimilação do pensa-mento; “A terra é para quem nela trabalha”. Deuma frase confusa, se origina a filosofia da con-testação cultural e a formação do MST. Confu-sa porque não específica “quem nela trabalha”e nem a quantidade de terra necessária paratrabalhar. Mas por outro lado dá a entender que

ninguém pode ter terra se não trabalha nela, eninguém pode ficar sem terra, se ela existe emquantidade. Sendo assim os que tem terra per-dem o direito de arrendá-la ou de mantê-la comoreserva de valor.

Esta contestação terá dois sustentáculosque outrora serviram exclusivamente para domi-nar os excluídos: A Constituição Federal e a Bí-blia. Ou seja, do poder temporal vem a lei, dopoder espiritual vem o direito. Associando os doispoderes, quebra-se as barreiras da proibição egera-se um “terceiro poder”: o poder popular, quefaz perder o medo de buscar através da luta oque pertence a cada um.

Neste lutar, definem-se os amigos e os alia-dos. Na esfera política surgem os políticos contrá-rios que se articulam para reprimir, e também osaliados que buscam através dos Sem Terra, auto-afirmar-se como políticos profissionais.

O conhecimento das classes sociais pelavia prática, traz, para a consciência dos luta-dores pela conquista da terra um elemento novo,que é o de perceber como se exerce o poder po-lítico no país. A diferenciação dos três poderes,aprende-se na prática e descobre-se que o judi-ciário é o poder que está mais próximo, justa-mente para garantir o direito de propriedade aoshomens influentes da região. O legislativo é mais“liso” e oportunista, e o executivo é lento e me-lindroso. Mas a força da consciência os decifrafacilmente para enfrentá-los.

A ação direta tem o poder de colocar emcirculação os que até então eram desconsideradosna da superestrutrutura da sociedade e isso leva amexer com os poderes: local, regional, nacional eposteriormente internacional. As organizaçõessociais e políticas como sindicatos e partidos,buscam articular formas de defesa jurídica, soli-dariedade e propaganda da ação.

A imprensa se manifesta a favor e contra,procurando divulgar o fato para ajudar a resolvero conflito pela via da negociação ou pelo desgas-te político de quem luta, para que a repressão atuecom maior tranqüilidade.

As igrejas, através de seus representantes,com as devidas precauções, também se manifes-tam para intermediar, podendo ajudar o fazendeirocomo os trabalhadores.

Essas intervenções deixam marcas, comocicatrizes na face, que serão reconhecidas no

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futuro, e assim como podem atrair aliados, po-dem afastá-los, pois a cultura tem este poder deao fazer a existência, provocar o aumento dadominação, como também incentivar o nasci-mento da autonomia.

Esta reação ativa e coletiva, contrária daanterior provocada pelo êxodo rural passiva e in-dividualizada, exige o surgimento de uma organi-zação, nasce então a cultura do movimento.

Ninguém sabe o que significa e nem as con-seqüências que terá, fazendo parte de um movi-mento, mas as circunstâncias naturalmente em-purram as pessoas para este caminho que lhesdará de imediato tarefas para cumprir. Cooperarexige trabalho e emprego de mais esforço.

A cultura do movimento ganha conteú-do. E aos poucos se estende e avança para for-mar um movimento social, como instrumentode defesa e resistência frente às injustiças. Oque vem antes, portanto, é a injustiça compre-endida pela consciência.

Em nosso país não é difícil perceber isso,pois já a décadas, a injustiça se transformouem exclusão, e a exclusão em indigência. Nãohá para onde fugir, pois o espaço está todo to-mado, embora não ocupado como é o caso daagricultura. Temos no Brasil 850 milhões dehectares de terras e apenas 34 milhões de há,são utilizados com lavouras. Isso demonstra quea cabeça de nossos governantes está no primei-ro mundo, mas os pés estão presos nas capita-nias hereditárias.

c) A construção da nova cultura

A nova cultura tem seu germe na reuniãode base onde se toma a decisão de ocupar, acam-par ou pressionar o governo de alguma forma paraque distribua a terra.

Renasce nas pessoas o espírito adorme-cido de liderança e começa aparecer os no-mes de quem se envolvem. O nome está ligadoà responsabilidade e ao poder de resolver osproblemas. Quanto mais se envolve mais com-prometido fica.

É hora da consciência perfumar com a mís-tica a existência que está sendo produzida.

O resgate do velho, mas útil compõe o car-regamento da mudança que leva este velho serpara uma nova terra, para na solidariedade for-mar-se nova gente.

Agora é o momento que ganha importân-cia as velhas panelas, os velhos colchões e cober-tores, as ferramentas inativas, os facões cujo tem-po lhes roubou o direito de cortar e todos os co-nhecimentos adormecidos despertam para ajudarna viajem que construirá a nova existência.

Mas, por outro lado o MST consegue uti-lizar outros elementos um pouco esquecidos,mas que dão condição às pessoas de firma-rem os passos na direção da libertação. Veja-mos alguns deles.

1ºA autonomia

O surgimento dos movimentos sociais trou-xe consigo esta característica de desde o inícioquerer ser autônomos. Isto não significa isola-mento e desarticulação. O fato de buscar definiros critérios de participação, elaborar o própriométodo, definir datas, horários etc. é a demons-tração prática de que o sujeito da história so-mente o é quando tem liberdade de pensar e de-cidir sobre si próprio.

Os movimentos sociais forjaram a liberda-de de se constituírem sem manuais. Por isso nas-ce com eles uma nova consciência e um novo jei-to de ser sujeito histórico.

Ninguém pode querer medir a velocidadedos passos de quem quer correr para chegar maiscedo. É a marcha da história que se choca com aburocracia do Estado. Os limites superam-se com-binando força e inteligência.

2ºA noite

Utiliza-se a velha noite. Ela é a referênciaprimeira para se fazer uma ação. A escuridãorepresenta medo, mas neste caso dá segurançapara quem precisa mover-se. É nessa via con-traditória entre esta contradição de sono e re-beldia da busca apaixonada do encontro da ter-ra com os seres humanos, como se ambos ti-vessem vergonha de nascer do latifúndio duranteo dia, precisam dos braços da noite para reali-zar o grande nascimento.

As reuniões são feitas à noite quando osSem Terra, ainda operários voltam do trabalho,onde deixaram toda a força de trabalho mas nãoo ânimo de buscar sua própria terra.

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Por isso também temos o preto comouma das cores de nossa bandeira. Represen-ta mais que o luto pelos companheiros mor-tos, que certamente gostam de ser homenage-ados pela cor vermelha, mas a noite comosimbologia do sofrimento que pretendemos eli-minar indo ao rumo do dia. A existência doMST começa pela noite, ao contrário de ou-tras organizações que esperam pelo horáriocomercial para abrir suas portas.

A noite não é só dos seresteiros, mas de to-dos os apaixonados que buscam na relação hu-mana coletiva e solidária fazer nascer das fanta-sias um mundo de verdade.

3ºA família

A velha família criada pela divisão socialdo trabalho e utilizada como espaço de domina-ção entre àqueles que se amam, ganha novo sig-nificado na luta dos Sem Terra.

Recorre-se à família como força de re-ferência para aumentar o número de pesso-as na ocupação, mas também como formade respeitar o princípio de que a terra per-tence somente àqueles que por ela lutam enela querem viver.

A família, embora se estruture de formaautoritária e nela se reproduza a dominaçãoentre entes-queridos, é o espaço do cultivo doamor e das paixões, envolve as pessoas tor-nando-as “uma só carne e um só espírito” eatravés dela, resgata-se a identidade, os valo-res e o companheirismo entre os lutadores.Além do mais ela mantém as pessoas unidas.Pode-se deixar para trás pedaços de lonas, masnunca pedaços da família.

O destino de uns está ligado ao desti-no dos outros. Por isso é difícil desmobilizaruma ocupação, mesmo com violência nosdespejos, as pessoas permanecem organiza-das, pois não tem como voltar para casa.Tanto a casa quanto a mudança estão juntocom os lutadores.

Os utensílios mantém as pessoas agru-padas ao redor deles. Como estamos em umestágio de lutas de massas este fator é impor-tante pois as formas de luta não exigem mui-ta mobilidade.

4ºOs símbolos

Tudo passa ter significado próprio. Discosvelhos de arado servem de sino para expressarem códigos através de batidas, quando é assem-bléia ou emergência. Alguns resgatados da tradi-ção como a cruz e a bandeira. Estes objetos alémde ganharem significado próprio, alimentam a ide-ologia e a utopia daqueles que lutam.

As ferramentas de trabalho ganham impor-tância como a simbologia do trabalho, mas tam-bém como instrumento de defesa.

As ferramentas simples são essenciais,usadas desde a construção do barraco, reve-lam a defesa de um modelo de agricultura quenão excluí a mão de obra pela tecnificação.Pena que isso nem sempre se sustente e a se-dução das máquinas levam a encostá-los, sub-metendo a agricultura familiar aos inventos dagrande empresa.

Máquinas também fazem parte dos instru-mentos de trabalho e demonstram o desejo decooperar e produzir em grande escala de formacooperativada. A tecnologia que ajuda no desen-volvimento econômico social e humano deve es-tar sempre ao alcance das mãos daqueles quesabem quem estão com os pés firmes no chão.

5ºAs tarefas

Surgem da noite para o dia as comissões,e àquele que mal aprendeu viajar precisa em-barcar em um avião para ir até a capital negoci-ar com o governador, que nunca o viu nem se-quer sabe qual é sua opinião sobre a reformaagrária. A consciência e a mística se misturamnesta nova relação é preciso arranjar uma rou-pa melhor, um calçado adequado é o resgate daauto-estima que começa a nascer a partir doscuidados com o corpo.

Os que ficam ansiosos por notícias sãotransformados em soldados da guarda popular,armados de paus e foices para garantir a integri-dade física daquela comunidade. Há os que sededicam à saúde, à educação e a outros servi-ços voluntários.

Na medida em que o conflito vai se re-solvendo e a terra está prestes a passar para

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as mãos de quem lutou por ela, começa haveruma certa acomodação, justamente porqueagora a idéia não é organizar para o conflitomas para a passividade.

Não é a disposição que enfraquece, masa consciência que ganha novos elementos e amística nasce por outras frestas abertas nestaconstrução do sonho familiar. A consciência pas-sa a receber novas informações e símbolos queos interesses pessoais desenham sobre ela commuita rapidez. O pequeno aviário feito de va-ras, a arapuca para pegar passarinhos, o anzolarmado na margem do rio é a velha cultura des-pertando em uma nova consciência através dehábitos simples.

Dependendo da incapacidade de esta-belecer objetivos coletivos, os interesses re-velam as marcas nas consciências como: pro-priedade privada dos lotes, moradia indivi-dual para ficar distante dos vizinhos, aquisi-ção de máquinas individualmente para nãocoletivizar, uso do fogo em demasia, de adu-bos químicos, herbicidas e inseticidas. Esteselementos definem a produção da existênciadas pessoas depois da terra conquistada, quegeram novas tarefas.

A reflexão e a prática da cooperação aospoucos demonstra que a libertação dos fracos estána unificação das forças dispersas.

6ºA Escola

Muitas famílias se reúnem e lutam se pri-meiro tiver escola para os filhos. A educaçãopara a grande maioria é tão importante como oalimento. Ninguém quer que os filhos cresçamsem ter o direito de estudar. Por isso uma dasprimeiras coisas a fazer após instalar-se na ocu-pação da terra é a escola, onde alguém é solici-

tado a iniciar as aulas enquanto uma comissãoluta pelo reconhecimento na secretaria de edu-cação no município.

Na preocupação com a busca do conheci-mento escolar, está a mística de que os filhos se-jam “diferentes” dos pais que não tiveram estaoportunidade de estudar. Há nisso um valor ,mastambém um preconceito. O valor é que a preocu-pação em conhecer sempre, mais liberta o ser hu-mano da ignorância. O preconceito é de que oser humano que não tem escolaridade é inferior enunca será “alguém na vida”.

7ºA Alegria

Muitas músicas são cantadas para animaras reuniões e as assembléias antes e depois daocupação. Festas são organizadas e fogueiras sãoacesas como elemento de unidade e confraterni-zação. A luz e o barulho espantam o medo e evi-tam o isolamento.

Cerimônias religiosas, refletem os senti-mentos mas também trazem bem-estar e cons-ciência dos atos que devem ser assumidos portodos. Estes e outros elementos e objetos utili-zados se agregam-se à consciência das pessoase se transformam em aprendizado na produçãodeste pedaço de existência.

Posteriormente as festas de comemoraçãodas colheitas, das conquistas e de datas significa-tivas fazem da memória histórica elementos de re-flexão, onde o prazer de Ter feito se mistura aoprazer de dizer que fez. Por isso a mística é ummistério que não acaba nunca.

Dezenas de outros aspectos se misturamnesta reconstrução da história, por isso o resgatedaquilo que em um ambiente desgastado pelasdeformações ajuda a forjar uma nova estruturacom coisas simples.

A formação da consciência e a mística

A consciência está ligada ao conhecimen-to. As coisas passam para a esfera do conheci-mento e se tornam consciência. Isto acontece sem-pre que uma nova informação aparece, a igno-rância sede lugar ao conhecimento.

Enquanto não conhecemos a existênciae a causa dos fenômenos, somos escravos de-les. Quando tomamos conhecimento de suaexistência, aprendemos a dominá-los ou a con-viver com eles.

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Há por sua vez, formas distintas de conhe-cer, ligadas à necessidade humana. A emoção dedescobrir somente sente àquele que procura.

É na busca de satisfazer as necessidadesbásicas, que os seres humanos aprendem a do-minar a natureza e a lidar com ela. No convíviocom a natureza e com a sociedade, vamos apren-dendo coisas que possibilitam defender a vida, edesenvolvemos capacidades de produzir objetosque se conformam na cultura de um determina-do grupo social.

Esta consciência social, formada pela con-vivência social tem maior ou menor nível de co-nhecimentos a partir do esforço empregado e osinteresses que tem os próprios indivíduos.

Há culturas de grupos sociais altamentedesenvolvidas pelo fato de terem desenvolvido oconhecimento e aprenderam a dominar a reali-dade, transformando a natureza e alcançando umalto nível de desenvolvimento. Há necessidadesque encontram meios favoráveis na realidade efavorecem as descobertas tecnológicas.

Existem povos na história da humani-dade que desenvolveram, antes mesmo do de-senvolvimento da ciência, conhecimentos al-tamente importantes para seu crescimento. Porisso, a consciência na formação dessa novaexistência é:

IdentidadeEla é o conhecimento das coisas e ao mes-

mo tempo o conhecimento de quem conhece, atra-vés das capacidades desenvolvidas. Quanto maisse conhece, mais nítida se torna a identidade pes-soal e de um povo.

Consciência confusa, forma identidadesconfusas e confuso também fica o caráter daspessoas. Ao mesmo tempo que afirmam, negampela prática deformada dos valores.

MemóriaMemória são saberes retidos evitando que

se percam, disponíveis para serem usados sem-pre que os interesses pessoais exigirem. Por isso éque a consciência além de conhecimento é senti-mento, emoções, vontade e imaginação.

O saber são experiências desenvolvidaspor seres sociais que a seu modo conseguiram

criar em cada momento histórico soluções paraas contradições que se formaram, produzindomais contradições.

MísticaA mística é mais do que alimento nesta pro-

dução da existência, é o fator que provoca a fomede querer mais e melhor.

A mística no MST tem três vertentes funda-mentais:

1ª) A contemplação

O camponês é condicionado a pensaratravés do ciclo do desenvolvimento das coi-sas. No preparo do solo ele espera a chuvapara semear. Ao semear espera a planta nas-cer para limpar a roça e cuidar dos insetos.Depois espera as flores, os frutos verdes e ma-duros. Aí vem a colheita e a repartição da sa-fra em três partes na seguinte ordem: semen-tes, comer e mercado.

Com os animais é a mesma coisa. O perío-do de gestação de uma fêmea é acompanhado decuidados e admiração. É o ciclo da vida que ensi-na no silêncio a ser contemplativos.

2ª) A espiritualidade

O camponês vive para alguém. Tem a sen-sação de que está sendo vigiado por alguém su-perior a ele, por isso recorre a ele sempre quetem dificuldades na doença das pessoas e dosanimais, quando falta chuva ou quando quer al-cançar algum objetivo.

A religião através de seus ritos transforma ocamponês também num ser místico, ligando amatéria ao transcendente.

3ª) A música

Não é apenas o canto da natureza, as vo-zes dos zunidos dos insetos, das asas das abe-lhas que faz o camponês um ser místico, senão oseu próprio canto. Canta-se a vida com todas asfantasias e dores.

Estas três vertentes se ligam no momentoda organização da luta dos Sem Terra. O gos-to pela beleza, a capacidade de esperar mesese anos embaixo de lonas pretas, a alegria das

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noites ao redor das fogueiras, a motivação departicipar das marchas etc. Por isso compre-ende-se porque os camponeses querem ver re-sultado concretos nas mobilizações, pois pre-cisam visualizar para poder contemplar seuspróprios passos.

A Alienação

Há, porém um processo contrário a esteque leva a alienação e a dominação, onde oser humano se deixa dominar pela sua própriaobra criada.

Isto ocorre porque, na vontade de explicaro desconhecido, os seres humanos formulam ex-plicações e se tornam escravas da própria igno-rância. Ao imaginar algo com características pró-prias, se submetem a ele como se existisse de fatoesta realidade, e se acomodam esquecendo-se queé sua própria criação que os domina.

Após a criação desta obra os seres huma-nos se separam dela e não se reconhecem na obracriada, sendo esta independente e superior a for-ça humana.

Sendo assim os seres sociais fazem a socie-dade e perdem o controle sobre ela, tornando-sevítimas da própria criação, e aceitam pacificamen-te seu funcionamento.

Os seres humanos criaram a propriedadeprivada e tornaram-se vítimas dela, por não po-der limitar a quantidade de seu uso. Elegem osgovernantes e tornam-se vítimas deles. Criam ins-tituições de todos os tipos com leis, normas e va-lores e tornam-se vítimas delas. Mas lhes dão legi-timidade por acreditar na sua superioridade e as-sim se tornam obedientes.

Na filosofia materialista aparece clara estadivisão: divisão sexual e social do trabalho, divi-são social das riquezas, divisão, divisão social dastrocas, divisão social do poder econômico, políti-co, militar e religioso. Também haverá a divisãosocial do saber. Surge portanto as classes soci-ais, onde uma tem mais poder que as outras.

Ocorre então a alienação de uma par-te da sociedade pois não compreende comofunciona a sociedade que ela ajuda a man-ter e acaba se submetendo as normas esta-belecidas porque o poder temporal lhes opri-me no presente, e o poder espiritual prometelhes punir no futuro.

Segundo M. Chauí existem três tipos de ali-enação. Social, econômica e intelectual.

A alienação social acontece quando os sereshumanos não se reconhecem como produtores dasinstituições e se comportam dubiamente: ou acei-tam passivamente tudo o que existe por ser naturalou divino, ou se rebelam individualmente julgandoque podem mais que a própria realidade.

A alienação econômica acontece quan-do os produtores não se reconhecem como tal,nem como condição nem pelos objetos produ-zidos. Justamente porque da forma como serelacionam com a produção os trabalhadoressão uma mercadoria que produz outra merca-doria de outro gênero com preço diferente queninguém se preocupa pela sua origem. Os tra-balhadores percebem que produzem coisas,mas sentem que estas não lhes pertence pelalógica do sistema de produção.

A alienação intelectual ocorre pela sepa-ração entre trabalho material e trabalho intelec-tual. Muitos intelectuais passam a acreditar queo trabalho prático não depende de conhecimen-to, as idéias e o conhecimento é tarefa de quemestuda. Não percebem que as idéias são reflexosdas coisas e das relações existentes na socieda-de em que vivem e que devem ser usadas paraexplicar esta mesma realidade, com o intuito detransformá-la. As idéias não criam a realidade,ao contrário, são criadas por ela, por isso quemtransforma a realidade transforma também a ig-norância em conhecimento. Não pode haver se-paração entre pensar e fazer.

Na relação da formação da consciênciaatravés da organização dos Sem Terra, há que en-tender que a espontaneidade não pode elevar onível de consciência, apenas pode levar a um sen-timento de revolta, mas sem condições de estabe-lecer uma clara relação entre as causas e os efei-tos dos problemas.

É preciso planejar a formação da consci-ência a partir de diretrizes e métodos corretosque invertam as formas de alienação para nãoincorrer no risco da alienação, agora com iden-tidade popular.

Na medida em que a alienação econômi-ca deve ser rejeitada é preciso buscar formas decompreender as contradições da matriz produti-va, que está na consciência social das pessoas.Este aprendizado vem a partir da convivênciacom os objetos.

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Há por exemplo uma preocupação muitogrande com a propriedade privada da terra e pre-cisamos respeitar conscientemente esta vontade.Há no imaginário familiar que a organizaçãofundiária é a grande fazenda ou o pequeno sítio.O capitalismo não desenvolveu ainda grandespropriedades cooperadas. Os trabalhadores as-salariados na grande maioria das atividades sãosazonais e se diferenciam dos operários porquepodem ser substituídos a qualquer momento. Porisso que a primeira coisa após a liberação da ter-ra é dividi-la em lotes. Soma-se a isso a visão douso da mão de obra familiar.

O problema não está nestesaspectos da propriedade, do tra-balho e da moradia, mas sim nacompreensão de que é preciso or-ganizar a convivência social apartir desta realidade que ajudano melhoramento das condiçõesde vida, na elevação do nível deconsciência e no fortalecimentoda mística. Tudo o que utilizamospara produzir vai sendo relacio-nado pela consciência, que se or-ganiza em forma de memória e serevelará toda vez que o ser porta-dor deste conhecimento acumulado sentir ne-cessidade dele. Por isso, não basta teorizar so-bre a destruição da natureza, pelas derruba-das e queimadas, ou fazer longos discursossobre envenenamento da terra, dos rios e daspessoas, se lentamente não for colocado parasubstituir na consciência social os elementosque possuam a equivalência, mas com valoresdiferentes.

O capitalismo e o imperialismo agem dessaforma quando querem deformar a consciência ea cultura. Se apropriam primeiro do que já existee transformam com uma nova tintura, mais per-versa, com conteúdo diferente, que visa alienar enão conscientizar. Por isso é que de um dia paraoutro aparece uma nova dança, onde seus con-sumidores não sabem de onde vem, nemtampouco como foi produzida e porque, comoqualquer mercadoria, mas a influência da modaleva grandes massas a participar para não correro risco de ser classificados de atrasados, conser-vadores. Assim as mulheres são chamadas de “ca-chorras” e levam como elogio.

Na parte social, as formas organizativas po-dem alienar as massas como as estruturas sociais

alienam. A estrutura social deve estar a serviçoda sociedade, mas para que isso aconteça deveser apropriada por ela. A delegação de poderes éo primeiro sintoma de que uma grande maioriaparticipará menos. As estruturas não podem serestáticas. Quando isso acontece se burocratizam.A delegação de poderes possibilita a diferencia-ção entre os membros da mesma organização.Hierarquiza-se para eu alguns possam ter maispoder que outros. Não se pode querer, porém quese tenha uma organização anárquica, sem instân-cias e coordenações, mas é preciso saber comoparticipam àqueles que ficam fora dessas esferas?

Que discussões fazem e que deci-sões tomam?

A produção da organizaçãoé também a produção de seuorganizador. Um não cresce semo outro. Quando uma organizaçãoforma poucos quadros, é sinal queestá se burocratizando e que a es-trutura e a teoria dessa organiza-ção está sendo assimilada por pou-ca gente. Mesmo sendo um movi-mento de massas, a grande maio-ria está alienada da organização,participa dela, mas não sabe como

se compõe nem o que pretende alcançar. Como tempo vem o cansaço acomodação e a desis-tência. A mística foi embora.

Na parte intelectual referimo-nos à produ-ção do pensamento da organização. O pensamen-to evolui na medida em que a prática evolui. Asnecessidades provocam os conhecimentos paraque se transforme em idéias e práticas.

Elabora-se mais quando as condições decrescimento são favoráveis. Em muitos casos asidéias não vingam porque a prática está deficiente.

Enfim a consciência para se firmar preci-sa passar a barreira da revolta e alcançar a linhada indignação consciente. Há pessoas que par-ticipam das lutas por influência de alguma coi-sa, com o tempo a abandonam. Neste caso oque havia era apenas ideologia, mas esta nãochegou a se transformar em consciência. Assimque surgiram outras idéias, substituíram as quehaviam e passaram a conduzir este ser socialpara outros objetivos.

A imposição de algo criado é tão perversoquanto o descontrole sobre o que é criado, porisso que muitas coisas se transformam em mito.

As pessoas, como tempo, podemrejeitar aspectos

impostos apartir do

nascimento ebuscar sua

própria forma deexistência.

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Há dezenas de aspectos impostos a partirdo nascimento de uma pessoa, desde a religiãoaté as idéias de transformação da sociedade. Aspessoas, com o tempo, podem rejeitar tudo e bus-car sua própria forma de existência.

Com a religião vemos muitas pessoas aban-donarem a igreja depois que conquistam a terra.Ás vezes é por desleixo, mas às vezes é conscien-temente. Porque lhes deram de presente um Deusjá pronto que se confunde com aquele divulgadopela Igreja. Mas há lugares e quem muitos religio-sos são contra a ocupação e o raciocínio concluí

que: como pode alguém que quer levá-lo para océu não quer levá-lo para terra que é mais perto?

Na luta política também podemos che-gar à mesma coisa: como podemos levar al-guém ao socialismo se não aceitamos a liber-dade de escolha de alguém quem quer produ-zir sua própria existência.

A conclusão, portanto é de que o dogmatis-mo e o sectarismo nunca construirão a liberdadeporque se agarram ao velho como algo estático.Tudo aquilo que pensamos ser estático é apenasum nome a mais que se dá à decadência.

OOSer Humano possui em sua vida sete “di-mensões”: Física, Espiritual, Intelectual,Social, Profissional, Afetiva e Familiar.

De todas as realizações do Homem, a Arte é aque mais intrinsecamente permeia todas essasdimensões da existência humana. E de todas asArtes, a mais antiga é a Música.

A música é nossa mais antiga forma de ex-pressão, possivelmente até mais antiga que a lin-guagem. De fato, a música é o Homem, muitomais que as palavras, pois estas são símbolosabstratos. A música toca nossos sentimentos maisprofundamente que a maioria das palavras e nosfaz responder com todo nosso ser.

Muito antes de o ser humano aprender apintar, esculpir, escrever ou projetar algo, já sabiaa produzir e apreciar os sons. Obviamente essessons seriam hoje considerados apenas ruídos, masconsiderando que “música é a arte de manipularos sons”, o que o Homem primitivo produzia eramúsica, ou um “embrião” musical.

O “instrumento” musical mais antigo queexiste é a voz humana, Com ela, o homem apren-deu a produzir os mais diversos sons, e a agrupar

esses sons, formando as primeiras linhas melódi-cas. Depois inventou os instrumentos musicais,que se multiplicaram e evoluíram ao longo da His-tória, muitos destes desapareceram, e a Músicamudou muito em todo este tempo, mas o gosto doser humano pela música permanece intacto.

A música sempre foi uma parte importanteda vida cotidiana e da cultura geral do homem.Hoje vê a Música sendo transformada em meroproduto pela “Indústria do Entretenimento”, e domercado. Muitas vezes ela se torna um simples or-namento que permite preencher noites vazias comidas a consertos ou shows, organizar festividadespúblicas, etc... As pessoas ouvem, atualmente,muito mais música do que antes, mas esta repre-senta, na prática, bem pouco, e possuí muitas ve-zes, não mais que uma mera função decorativa.

Mas em todo o Mundo ela ainda mantém vivoseu caráter social, de transmitir sentimentos, de servirde elo com a Divindade, de perpetuar a História, alíngua, a cultura e as tradições de cada povo. A músi-ca é a mais sublime das Artes, a arte que homens eanjos compartilham, deve ser ensinada como umalíngua, e não como mera técnica e prática, sem vida.

10 Trechos extraídos do trabalho de conclusão do curso Realidade Brasileira. A música como instrumento político e ideológicono processo de formação. Chapecó, 2007. Pág, 4 e 8.

Refletindo um pouco sobrea história da música10

Jadir Bonacina

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Música, este é um tema que parece serfácil ou mesmo óbvio, afinal, em nosso dia-a-dia convivemos com música, e não temos mui-ta dificuldade em saber do que se trata, liga-mos o rádio para ouvir um pouco de músicaenquanto dirigimos, cantamos no chuveiro,dançamos ao som de música, nas rodas dechimarrão.

As manifestações musicais são extrema-mente diversificadas, um grupo de rock, de rap,de pagode, um grupo de ciranda, de maracatu,de reisado, o coral da igreja, o canto na pro-cissão, a roda de amigos que can-ta na mesa de bar, ao redor dafogueira, o violão na varanda dacasa, a música de viola caipira,são manifestações musicais dife-renciadas, produções populares,ou da indústria cultural - todassão músicas. Mas suas caracterís-ticas, conteúdos, Ideologias, sãopoliticamente diferentes.

Nesse processo de formaçãode novos seres humanos, de sujei-tos de uma nova história se temmuitos desafios travados na forma-ção da consciência do novo homemda nova mulher, que faz a luta pelosseus direitos, e que também buscaa sua dignidade, corre em busca deseus sonhos e de uma vida melhor,e mais humana.

Esses seres humanos que travam uma lutade classes, ideológica, contra o modelo capi-talista implantado, que faz do ser humano umamáquina para trabalhar a mando de alguns quese utilizam do estado para repreender, e ata-car as organizações e aqueles que querem cons-truir um mundo diferente, sem exclusão, commais dignidade.

Uma das questões que é um desafio paraos movimentos e também para toda a sociedadeé a Música para ser usada como instrumento po-lítico, que forma os sujeitos. Uma música cultu-

ralmente reúne melodia, poesias, as coisas danossa gente, do nosso dia-a-dia, que representaas culturas do nosso povo.

O capitalismo se apossou da música comoato de preencher um vazio que ele não conse-gue preencher na vida dos seres humanos, ca-sado com isso vem as drogas, bebidas, cigarro,maconha, dizendo que isso é fazer festa e di-versão. As músicas desculturadas, sem conteú-do, fazem com que os jovens ficam alienados acomprar roupas de marcas, ficam atrelados aempresas que só vendem marketing, acabam sa-

indo por ai usando chapéu decowboy escutando cowtry ameri-cano, e dizendo que é música ser-taneja popular.

Nós devemos entender amúsica como parte fundamentalpara a nossa vida, pois contribui,e muito, na nossa formação.

A música está vinculada in-teiramente no nosso dia-a-dia,pois dificilmente lemos um livro,mas escutamos cinco músicaspor dia. Essa música que escu-tamos quase sempre vem preen-cher um tempo que nos sobrapara descanso, neste momentoo capitalismo, a indústria musi-cal se aproveita para entrar nas

nossas mentes através da música introduzin-do a sua ideologia com valores do individua-lismo, da desvalorização da mulher e do ho-mem também, em especial desprezando osCamponeses, e o seu modo de vida.

No entanto a música não deve ser conside-rada algo apenas para preencher nosso tempo,mas sim para divulgar a nossa utopia, construir epassar a mensagem e a realidade da classe traba-lhadora. Nesse ponto de vista finalizo esse traba-lho reafirmando a música como um forte instru-mento político-ideológico que deve ser mais bempotencializado em nossos movimentos sociais eorganizações populares.

A músicacomo instrumento político

na formação da consciência nos movimentos sociais

A músicanão deve serconsiderada

algo apenas parapreencher nossotempo, mas simpara divulgar

a nossa utopia,construir e passar

a mensageme a realidade

da classetrabalhadora.

A músicanão deve serconsiderada

algo apenas parapreencher nossotempo, mas simpara divulgar

a nossa utopia,construir e passar

a mensageme a realidade

da classetrabalhadora.

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centenária figueira, símbolo do SítioPau D´Alho, em Ribeirão Preto, in-terior paulista, serviu de inspiração

há quatro anos, quando abrigava mais umaroda de viola, para a idealização de um en-contro de violeiros. Mas deveria ser um encon-tro diferente. Um espaço onde violeiros evioleiras pudessem tocar e trocar experiênciase conhecimento, sem competição ou cachê.Não seria um festival, mas um encontro entreamigos e amigas, que se reconhecem na artede tocar viola e de levar adiante a cultura cai-pira brasileira. Estava definido o formato doEncontro Nacional de Violeiros.

No ano seguinte, em 2003, aconteceu a pri-meira versão do encontro, com cerca de trintaapresentações em apenas um dia de festa. Em2004, na segunda edição, mais artistas. Um diafoi pouco para tantas apresentações, o que fez comque a organização optasse por dois dias de festana terceira edição, em 2005.

Este ano, confirmando as expectativas,mais de 100 violeiros, violeiras, duplas, orques-tras e grupos de folias de reis passaram pelopalco montado em frente à grande figueira.Apesar da chuva no primeiro dia, o IV Encon-tro Nacional de Violeiros foi prestigiado porcerca de 15 mil pessoas, entre militantes doMST e apreciadores de boa música de todosos cantos do Brasil.

Construção

Uma forma diferente de construção doEncontro dos Violeiros foi colocada em práti-ca este ano. Militantes vindos de todas as regi-onais do MST no estado de São Paulo partici-param de oficinas com o objetivo de contri-buir em alguma área. A oficina de expressãocorporal preparou os participantes da místicade abertura, que contou com uma apresenta-ção de dança e percussão, comandada pelosparticipantes da oficina de tambor. A ornamen-tação ficou por conta da oficina de bonecos,

que construiu um modelo de São Francisco deAssis, homenageado na festa. Os instrumen-tos construídos pelos participantes da oficinade fabricação de viola ficaram expostos na ga-leria de arte, junto com os quadros de BlancoCastro, autor do desenho do cartaz do encon-tro. A oficina de comunicação ficou responsá-vel pela produção de fotos e vídeos, documen-tando as oficinas e as apresentações.

Apresentar as milhares de maneiras possí-veis de lidar com a viola sempre foi uma preocu-pação da organização do encontro. Cada violeirotem a sua mão e, claro, seu estilo. Tudo cabe naproposta do Encontro, desde as tradicionais du-plas, passando por violeiros e violeiras solo, or-questras e grupos modernos. Toda esta diversida-de prova que existe cada vez mais gente tocandoviola no Brasil. E como nem só de viola vive acultura caipira, o Encontro abriu espaço para ma-nifestações populares de música e dança, como aFolia de Reis e a Capina.

Apresentada por um grupo de senhoresvindos de Jequitibá, em Minas Gerais, a Capi-na chamou a atenção do público por usar en-xadas em sua dança e também pelo discursodo líder do grupo. Nelson Jacó afirmou que seugrupo é o último que ensaia e apresenta a dan-ça em sua região. Para ele, a dispersão das ma-nifestações culturais dos camponeses se dá peloavanço implacável do latifúndio, realidade emtodos os cantos do Brasil. “Se nós não dançar-mos, ninguém mais dança”.

Trincheira

Para Edvar Lavratti, da direção estadualdo Movimento em São Paulo, realizar o Encon-tro Nacional de Violeiros em Ribeirão Preto étambém um posicionamento político. Capital doagronegócio, a cidade e arredores estão toma-dos pelas grandes propriedades monocultorasde cana-de-açúcar. A cidade é também rotade passagem do gênero conhecido comocountry, com suas roupas de cowboy e músi-

A valorização da cultura caipirana construção de um projeto popular para o país11

AA

Violar é precisoNina Fideles

11 Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=2379

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cas pasteurizadas no estilo dos grandes rodei-os, como a festa do peão de Barretos. “Nadadisso é nosso”, defendeu Lavratti.

O violeiro e professor IvanVilella se diz preocupado quan-do afirma que antigamente, to-das as manifestações culturaisestrangeiras que chegavam aoBrasil não eram puramente as-similadas, mas se fundiam comnosso repertório. A diferença éque hoje está cada vez mais di-fícil que a mistura aconteça, poisessas referências nacionais es-tão se perdendo. A missão dequem procura preservar asraízes culturais brasileiras hojevai além de uma atitude puramente xenófoba,de negar o que vem de fora, mas sim garantirque não haja apenas assimilação, mas uma fu-são com nossos elementos.

Para Vilella, por mais que a cultura countryesteja presente na região, muita gente faz questãode ir ao encontro e assistir às apresentações, oque explica o grande público. O violeiro afirmaque apesar de ter sido trazida para o Brasil du-rante a colonização portuguesa, a viola é um ins-

trumento essencialmente brasileiro, já que foi emterras brasileiras que suas potencialidades foramampliadas e diversificadas.

João Ba, artista de 74anos e 53 de estrada, concor-da e defende que sua música éinspirada pelos pequenos ele-mentos da natureza, como otrabalho do bicho da seda, porexemplo. João, que não é pro-priamente violeiro (seu instru-mento é o violão) mas sim umcantador, participou do Encon-tro pela primeira vez, trazidopor parceiros que já conheci-am a festa.

Para o ano seguinte, fica a certeza de queo V Encontro Nacional dos Violeiros será aindamaior em 2007, com a presença de mais violeiros,ansiosos por apresentar sua arte em um espaçobonito e festivo. Fica também a certeza, de queapesar de não estar presente nos grandes meiosde comunicação, a arte da viola sobrevive na be-leza do trabalho de velhos e novos violeiros. Oque prova que a valorização da cultura popularestá estritamente ligada à construção de um pro-jeto popular para o Brasil.

Um encontro entreamigos e amigas,

que se reconhecemna arte de tocarviola e de levar

adiante a culturacaipira brasileira.Este é o perfil do

Encontro Nacionalde Violeiros.

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alvez a primeira lembrança que venhaem nossa mente ao falarmos em Ciran-da é da tradicional cantiga infantil que

assim cantávamos: “ciranda, cirandinha, vamostodos cirandar, vamos dar a meia-volta, volta emeia vamos dar [...]”.

Outra associação é a dança conhecidacomo Ciranda. Segundo o site http://www.fundaj.gov.br/notitia/servlet/newstorm.ns.p/resentation.NavigationServlet?publicationCode=16&pageCode=300&textCode=92 , a ciranda:

“É uma dança típica das prai-as que começou a aparecer no litoralnorte de Pernambuco. [...] É muitocomum no Brasil definir ciranda comouma brincadeira de roda infantil, po-rém na região Nordeste e, principal-mente, em Pernambuco ela é conhe-cida como uma dança de rodas deadultos. Os participantes podem serde várias faixas etárias, não haven-do impedimentos para a participaçãode crianças também.

Há várias interpretações paraa origem da palavra ciranda, massegundo o Padre Jaime Diniz, um dos pionei-ros a estudarem o assunto, vem do vocábuloespanhol zaranda, que significa instrumento depeneirar farinha e que seria uma evolução dapalavra árabe çarand.

A ciranda, assim como o coco em Pernam-buco, era mais dançada nas pontas-de-rua e nosterreiros de casas de trabalhadores rurais, par-tindo depois para praças, avenidas, ruas, resi-dências, clubes sociais, bares, restaurantes. Emalguns desses lugares passou a ser um produtode consumo para turistas.

É uma dança comunitária que não tem pre-conceito quanto ao sexo, cor, idade, condiçãosocial ou econômica dos participantes, assim comonão há limite para o número de pessoas que delapodem participar. Começa com uma roda peque-na que vai aumentando, a medida que as pessoaschegam para dançar, abrindo o círculo e seguran-

do nas mãos dos que já estão dançando. Tantona hora de entrar como na hora de sair, a pessoapode fazê-lo sem o menor problema. Quando a rodaatinge um tamanho que dificulta a movimentação,forma-se outra menor no interior da roda maior.

Os participantes são denominados decirandeiros e cirandeiras, havendo também omestre, o contra-mestre e os músicos, que ficamno centro da roda. Voltados para o centro daroda, os dançadores dão-se as mãos e balançamo corpo à medida que fazem o movimento de

translação em sentido anti-horário. Acoreografia é bastante simples: nocompasso da música, dá-se quatropassos para a direita, começando-secom o pé esquerdo, na batida fortedo bombo, balançando os ombros deleve no sentido da direção da roda.Há cirandeiros que acompanhamesse movimento elevando e baixan-do os braços de mãos dadas. Obombo ou zabumba, mineiro ouganzá, maracá, caracaxá (espécie dechocalho), a caixa ou tarol formam oinstrumental mais comum de uma ci-randa tradicional, podendo também

ser utilizados a cuíca, o pandeiro, a sanfona oualgum instrumento de sopro.

O mestre cirandeiro é o integrante mais im-portante da ciranda, cabendo a ele “tirar as can-tigas” (cirandas), improvisar versos, tocar o ganzáe presidir a brincadeira. Ele utiliza um apito pen-durado no pescoço para ajudá-lo nas suas fun-ções. O contra-mestre pode tocar tanto o bomboquanto a caixa e substitui o mestre quando ne-cessário. As músicas podem ser as já decoradas,improvisadas ou até canções comerciais de do-mínio público transformadas em ritmo de ciran-da. Pode-se destacar três passos mais conheci-dos dos cirandeiros: a onda, o sacudidinho e omachucadinho. Alguns dançarinos criam passose movimentos de corpo, mas sempre obedecen-do a marcação que lhes impõe o bombo. Não háfigurino próprio. Os participantes podem usarqualquer tipo de roupa e a ciranda é dançadadurante todo o ano.

Infância, Formação e Conscientização:O que é a nossa Ciranda?

Gisele Antunes Rocha

TT

Ciranda é aparticipação

ativa da criançareconhecê-lacomo sujeitohistórico queestá sendo

neste mundoem constanteconstrução.

Ciranda é aparticipação

ativa da criançareconhecê-lacomo sujeitohistórico queestá sendo

neste mundoem constanteconstrução.

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A partir da década de 70 as cirandas co-meçaram a ser dançadas em locais turísticos doRecife, como o Pátio de São Pedro e a Casa daCultura, modificando um pouco a dança que setornou mais um espetáculo. O mestre, contra-mes-tre e músicos saíram do cento da roda para me-lhor se adaptarem aos microfones e aparelhosde som, passando também a haver limite de tem-po para a brincadeira. Compositorespernambucanos como Chico Science e Lenineenriqueceram seus repertórios, utilizando a ciran-da nos seus trabalhos”.

Após conhecermos um pouco sobre outrossignificados encontrados para a palavra ciranda,retomemos a questão inicial apresentada neste tex-to: o que é a nossa Ciranda?

A origem da Ciranda no MAB foi para per-mitir a participação das mães e outros familia-res das crianças nos encontros. Assim, enquan-to os adultos participam das discussões e pen-sam as intervenções necessárias para um novoprojeto de sociedade, as crianças encontram nomundo lúdico um momento de descontração etambém de formação.

Ciranda é a participação ativa da criançareconhecê-la como sujeito histórico que está sen-do neste mundo em constante construção. Dife-rente do comum, quando à criança é atribuída aesperança do futuro, acreditamos que nossos me-ninos e nossas meninas já atuam política e cons-cientemente no presente. Seja através de brinca-

deiras, de jogos ou histórias, as crianças interagemcom o mundo, buscam entendê-lo e expressam assuas opiniões sobre ele. Desta forma, apresentama sua visão para aquilo que as rodeia e tambémas pistas das mudanças necessárias para alcan-çarem seus sonhos, anseios e desejos.

Relembrando o movimento que muitos denós fazíamos ao brincar da cantiga de roda “Ci-randa, Cirandinha” e também ao observar ou dan-çar a Ciranda, podemos associar tal movimentoque, intencionalmente, é desenvolvido nestes mo-mentos de formação da infância. As mãos dadasrepresentam à união, o entrelaçamento dos dedosé como o emaranhado de idéias que se juntampara fazer girar a história.

É nesse movimento incessante de ir e vir,viver, analisar e retomar a vivência, que está aspossibilidades de mudanças sociais. Tudo que énovo nunca é novo de fato, sempre guarda algodo velho, vem potencializado, renovado... Assimsão nossas crianças, carregam a história do seupovo e possuem condições de tecer contribuiçõespara que a vida vá em frente, mesmo que em al-guns momentos seja necessário dar “meia-volta evolta e meia vamos dar”.

A cada criança que chega para compor aciranda, o movimento vai sendo potencializadopelos novos membros e ao ritmo da formação paraa luta, nossos meninos e nossas meninas não sãosó o amanhã, mas reafirmam o seu compromissocom a transformação social desde o hoje.

ma das cenas mais bonitas que já vifoi uma “mística” realizada pelos SemTerrinha no centro de treinamento no

norte do Espírito Santo. Crianças vindas dosacampamentos e assentamentos, bem cuidadas,sendo educadas, aprendendo desde cedo a pen-sar em valores comunitários e solidários, muitoao contrário de nossa juventude tantas vezes ali-enada e egocêntrica.

Hoje, duzentos Sem Terrinha ocupavamuma praça aqui em Juazeiro, reivindicandoescola. Depois me disseram que jornada é na-cional. Fiquei pensando como me comporta-ria, como pai, vendo meus filhos debaixo dalona preta e tendo que participar de manifes-tações, desde a infância, para reivindicar odireito de estudar. É o que experimentamaqueles pais e crianças.

UU

12 Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4346. Reflexões feitas por Roberto Malvezzi (Gogo). Coor-denador nacional da CPT. 11/10/2007

Jornada dos Sem Terrinha12

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Um deles é o Vavá, que conheci ainda ado-lescente nas Comunidades Eclesiais de Base. Hojecasado, pai, liderança do movimento, estava cui-dando das crianças enquanto uma comissão delideranças e crianças era recebida pelo prefeito.Há muita gente digna nesse país.

O ódio de parcela da elite brasileira contra osSem Terra não se arrefece. Pelo contrário, pareceque cresce. Entretanto, abandonadas por todas asinstituições do Estado, aquelas crianças só tem al-guma esperança na vida porque existe um movi-mento que pensa nelas, que as organiza, que lhes dáuma esperança consistente, na terra e no estudo.

Um país que deixa suas crianças entre-gues à lona preta, quando não ao tráfico, não

rinquedos atendem à necessidade que te-mos de usar a imaginação como uma for-ma de dar vazão à fantasia, Moacyr Scliar.

Foi lançada no mercado brasileiro uma bo-neca absolutamente prodigiosa, capaz de falardezenas de frases e de mudar a expressão facialno diálogo com a sua pequena dona. A bonecacusta por volta de R$ 800 e, obviamente, será asensação das compras natalinas, dividindo a clas-se média em dois grupos, aqueles (poucos) quepodem comprá-la e aqueles que vão reclamar doabsurdo que representa uma oferta dessas. E aíemerge uma questão importante: o que é, mesmo,um brinquedo? O que significa um brinquedo parauma criança ou para um adulto?

Brinquedo é coisa antiga: na Europa sãonumerosos os museus que conservam bonecas eoutros objetos com os quais as crianças brinca-vam num passado não raro remoto. Brinquedos ehistórias atendem a necessidades infantis, e de ummodo similar: em ambos os casos trata-se de usara imaginação como uma forma de dar vazão àfantasia. E precisamos dar vazão às nossas fan-

13 Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br

pode ter futuro. O único futuro vem das entra-nhas de seus próprios corações. Marginalizados,agredidos, perseguidos, carregam o orgulho daconsciência esclarecida, conhecem a socieda-de em que vivem, combatem suas desigualda-des, propõem uma outra sociedade onde todospossam ter lugar...E escola.

O “povo” Sem Terra é “aquele que foi aoinferno e levou do demônio um tapa na cara”,costuma dizer João Pedro Stedile. Debaixo daslonas, nas praças, nas escolas, as criançasaprendem a percorrer os caminhos sofridos deseus pais. Porém, prosseguem com a cabeçaerguida, para desespero de quem preferiria quenão existissem.

tasias. Guardadas dentro de nós, elas nos preju-dicam, nos intoxicam. Quando uma menina re-preende sua boneca, está deixando de repreendera si própria, com óbvios benefícios.

O que a tecnologia está fazendo é preveresta interação, é fazer dos brinquedos entida-des cada vez mais autônomas. O videogame éum exemplo: ali está o bandido, armado, desa-fiando o jogador que depende de sua habilida-de para eliminá-lo. Mas e quando a tecnologianão dispunha de tais recursos? Como é que ascoisas funcionavam?

Penso na minha própria infância, uma in-fância pobre (ainda que não indigente: fome nãopassávamos) vivida no bairro do Bom Fim. Nãolembro, até certa fase de minha vida, de ter tidoum único brinquedo comprado em loja. Brin-quedos, a gente fazia. No meu caso, eu contavacom uma facilidade: a fábrica de móveis do meutio. Eu usava os pedaços de madeira que so-bravam para fazer os meus brinquedos. E quebrinquedos eram esses? Brinquedos de guerra,naturalmente, semelhantes àqueles que a gente

Brinquedos13

Crônica - Moacyr Scliar

BB

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via nos filmes. Uma pistola automática, por exem-plo. Ou um avião. Ou um destroyer. Cujos canhõeseram pregos. A corrida bélica naque-la época era resolvida com muita sim-plicidade: quanto mais pregos numnavio de madeira, maior o poder defogo. E pregos não eram muito caros.Os modernos traficantes de armas cer-tamente nos invejariam.

Dá para comparar aqueles brin-quedos com os de agora? Não, nãodá. Eram coisas simples, toscas mes-mo. Diferente era a nossa imaginação.Porque ela era muito mais mobiliza-da, muito mais exigida. Fico me per-guntando se estes brinquedos não ajudaram a queeu me tornasse um escritor. Acho que sim.

14 Matéria feita por Joana Tavares de Brasília (DF). 13/06/2007

Notem: não estou dizendo que antiga-mente era melhor, uma frase que, no meu

modo de ver, deveria ser abolida,porque, além de não ser verdadei-ra, não ajuda as pessoas emnada. Os brinquedos de hoje in-troduzem a criança à tecnologia,e tecnologia em nosso mundo épalavra-chave.

Mas a imaginação é maisimportante ainda. Imaginaçãomuda a nossa vida. Se a imagi-nação transforma um pedaço demadeira com pregos num naviopoderosamente armado, então,

seguramente estamos prontos para conquis-tar o mundo.

Sem Terrinha aprendem e ensinamna Escola Paulo Freire14

FF

“Brinquedosatendem à

necessidade quetemos de usar a

imaginaçãocomo uma

forma de darvazão à fantasia”

Moacyr Scliar

“Brinquedosatendem à

necessidade quetemos de usar a

imaginaçãocomo uma

forma de darvazão à fantasia”

Moacyr Scliar

lautas, cirandas, capoeira, argila, mú-sica, balangandãs, pernas de pau, cho-calhos. As brincadeiras da Escola

Itinerante Paulo Freire, montada para o 5º Con-gresso Nacional do MST, refletem a diversidadecultural e o afeto com as crianças, os mais de600 Sem Terrinha que são acolhidos por cercade 400 educadores e educadores de todos osestados brasileiros. A baiana Andreza Gonçal-ves dos Santos, de 10 anos, abre um sorrisoenorme quando se diz sem-terra. “Quando a gen-te mora na cidade, não consegue o que a gentequer. Agora, tudo o que eu quero ter eu estouconquistando”, afirma.

“Esperamos que a criança seja um sujeito,que tenha voz ativa na sociedade”, explicaCristina Vargas, do Setor de Educação Nacionaldo MST. Cícero da Silva Júnior, do Pernambuco,é um dos responsáveis pela brigada que cuida

das crianças de 09 e 10 anos. Na manhã de ter-ça-feira (dia 12), ele conversou com os educandossobre o nome da escola: “Paulo Freire foi umgrande revolucionário, que trabalhava a educa-ção com o intuito de libertar a classe operária”.No processo contínuo de ensinar-aprender,Júnior conta que aprendeu novas brincadeirasde diferentes cantos do país.

HistóriaEm 2007, são celebrados 10 anos de mor-

te de Paulo Freire. O ano marca ainda os 10anos de ciranda infantil dentro do MST. E em2006 foi a Escola Itinerante que fez seu déci-mo aniversário. “A proposta de EscolaItinerante foi idéia dos próprios Sem Terrinha,que reivindicaram seu direito de ter uma esco-la perto de casa, que acompanhasse a dinâmi-

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ca de suas famílias”, contextualiza Paola Pereira,do Distrito Federal. A primeira experiência de Es-cola Itinerante foi no Rio Grande do Sul e atual-mente ela é reconhecida em seis estados, manten-do sua concepção de educação ligada à realida-de das crianças.

Foi justamente essa concepção que encan-tou Eterilda da Silva Santos, da Bahia. Noveanos atrás, ela substituiu uma professora em umacampamento. A professora voltou, Etelvina nãosaiu mais e hoje coordena uma regional do seuEstado. “A educação do MST é muito diferenci-ada daquela feita nas cidades. Aqui a gente sededica, acompanha as crianças. Na cidademuitos professores dão aula só pelo dinheiro,no movimento a gente trabalha por amor”, diz.

Durante o Congresso, Eterilda se juntou acozinheiros e cozinheiras dos estados para contri-buir na cozinha da escola. Todos os dias, as crian-ças fazem um lanche pela manhã e outro pela tar-de. A Escola conta também com uma equipe desaúde, composta por médico, enfermeiras e auxili-ares, da Secretaria de Saúde do Distrito Federal.

Uma escola com princípiosEm maio deste ano, foi realizado um

seminário sobre a infância e uma oficina de

Fotógrafo mostra a força da cultura indígena na

luta contra a expansão do agronegócio no MS16

A terra é o sentido da vida para os Guarani

capacitação para 60 educadores e educado-ras. Nesta oficina, depois multiplicada nosestados, foi feito um planejamento diário dasatividades, dividido por faixa etária. São setebrigadas, que contemplam as crianças de 0a 11 anos de idade.

A proposta da Escola é trabalhar comas crianças os temas do 5º Congresso, comuma linguagem próxima e lúdica. Uma dasoficinas da Escola trabalha a reforma agrá-ria, a partir da concepção dos Sem Terrinha.“É uma forma de ajudar as pessoas que nãotêm onde morar e não têm o que comer”, dizum. “É uma luta que todos nós fazemos”, com-pleta outro. Krisleyde Travassas, do Pernam-buco, explica que a idéia é discutir temas ge-radores, como ocupação e reforma agrária.Estudante de pedagogia, ela começou a par-ticipar do setor há três anos e diz que mudousua percepção sobre a relação com as crian-ças pequenas. “A gente aprende a respeitarseu espaço, seu momento. Se tem uma pala-vra que aprendi nesses últimos nesses trêsanos é construção”. Mãe de uma Sem Terrinhade 3 meses, ela conta que se sente realizadacomo profissional e como mãe e que sua ex-periência no setor lhe mostrou outras formasde educar sua filha15.

PP

15 Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=369416 Matéria feita por João Roberto Ripper do Rio de Janeiro (RJ). Publicada no Jornal Brasil de Fato, de 28 de abril a 4 de maio

de 2005, pág 16.

ara o povo guarani, a terra é o senti-do da vida. É a mãe, a conexão como Criador, e o local sagrado. É nas

“casas de reza” que fazem seus rituais, man-têm a transferência da sabedoria milenar paraos mais jovens.

A terra não tem função de acúmulo. Não épara ser usada para monocultura, venda do exce-dente e ampliação para latifúndio. Quando tira-mos a terra dos Guarani, tiramos literalmente ochão dos pés deles. Ficam sem norte e sem reza.Perdem a noção do sentido de vida, se matam.

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Como não acumulam, não lutam e nãoguerreiam, diversas teses tentaram decifrar a“passividade” desse povo. Mas, no Mato Grossodo Sul, a década de 90 foi uma virada de re-cuperação cultural e de retorno àterra; lideranças indígenas partirampara o confronto. O resultado foi arecuperação de muitas áreas sagra-das, com vestígios de casa de reza,mas sobretudo o uso do argumentoirrefutável sobre a recuperação dealgo que, um dia, lhes pertenceu defato e permaneceu sendo espiritu-almente deles.

As crianças guarani do Mato Grosso do Sulmorrem semanalmente, por desnutrição, por faltade terras. É um trabalho de limpeza étnica.

Os rituais

Vejamos como são os rituaisdesse povo. No alto, as estrelas pa-recem astros leves e sensuais, exer-cendo a dança da solidariedade nocéu, voluntárias em manter o equi-líbrio, a beleza e a harmonia com alua, nas noites que iluminam as dan-ças e os cânticos das aldeiasKaiowá. Cá na terra os índios can-tam, dançam e brincam, até o ama-nhecer quando, então, se despedemdo espetáculo, como as estrelas,para que o sol seja novamente odono da festa.

Mas não foi sempre assim.Há mais de 20 anos essa naçãoindígena sofria com a freqüênciacom que seus jovens guerreiros emulheres se suicidavam. Desde1986, foram registrados 310 casos de suicí-dio, a maioria de moças e rapazes, sem hori-zontes ou perspectivas.

Mas o retorno dos indígenas às suas anti-gas terras vem reduzindo drasticamente os casos.

“Hoje, o Kaiowá ou luta ou morre. Ondeele conquista sua terra sagrada de volta, ele não

se mata”, resume o cacique e pajé Marcos Veron,68 anos, da Aldeia Takuára.

O Mato Grosso do Sul é o Estado quepossui a segunda maior população indígena do

Brasil: são cerca de 56 mil índiosdivididos entre várias etnias:Guarani Kaiowás e Nandeva,Guató, Terena, Kadiuei, Ofaié. Há200 anos, os Guarani chegaram aocupar 25% do Mato Grosso do Sul,possuindo cerca de 8,7 milhões dehectares. Atualmente, formam amaioria da população indígena,principalmente os Kaiowá, que se

distribuem por 28 pequenas áreas indígenasdemarcadas pelo governo.

O processo de criação das reservas indí-genas no Mato Grosso do Sul teve início no fi-nal da década de 20, quando os Guarani co-

meçaram a ser expulsos de suas ter-ras e a ser usados como escravosem fazendas de cultivo de erva-mate. O governo brasileiro, nas dé-cadas de 30 e 40, removeu os indí-genas para oito reservas demarca-das, de pequenos espaços – cercade 1,5 hectare por pessoa. Atual-mente os índios ocupam menos deum por cento das antigas terras.

Hoje, o Mato Grosso do Sul éo Estado com a maior concentraçãofundiária do Brasil. Segundo dadosdo Instituto Brasileiro de Geografiae Estatística (IBGE), 50 mil proprie-dades rurais detêm, pelo menos, 20milhões dos 35 milhões de hectares.

Segundo o Conselho Indige-nista Missionário (Cimi), existem

ainda cerca de quatro mil Guarani Kaiowádesaldeados nas periferias das cidades, às mar-gens de rodovias, sobrevivendo do artesanato esubempregados em fazendas. Entretanto, sãopovos que ainda mantêm a noção do seu terri-tório sagrado, que se estende ao norte, até osrios Apa e Dourados, e ao sul, até a Serra deMaracaju e afluentes do Rio Jejuí17.

17 Todos esses aspectos estão documentados nas fotos da pagina do Brasil de Fato desta matéria.

No alto,as estrelas

parecem astrosleves e sensuais,

exercendo adança da

solidariedadeno céu,

voluntáriasem manter

o equilíbrio,a beleza

e a harmoniacom a lua

No alto,as estrelas

parecem astrosleves e sensuais,

exercendo adança da

solidariedadeno céu,

voluntáriasem manter

o equilíbrio,a beleza

e a harmoniacom a lua

A terraé a mãe,

a conexãocom o Criador,

e o localsagrado

A terraé a mãe,

a conexãocom o Criador,

e o localsagrado

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HistóricoNossos antepassados sempre nos ensinaram

a sermos verdadeiros e corajosos, quando quere-mos vencer desafios e sermos respeitados. Por isso,quando a ONU decidiu realizar a RIO- 92, váriosindígenas componentes do Comitê Intertribal - 500Anos de Resistência, responsável pela articulaçãono Brasil, idealizaram e decidiram concretizar aConferência Mundial dos Povos Indígenas sobreTerritório, Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Não bastava apenas ajuntar nossos líderes,era preciso que a nossa voz fosse ouvida pelo ho-mem moderno, preocupado com seu futuro. As-sim, rebuscando a luta de outros líderes do passa-do e a iniciativa de 15 estudantes-índios que, em1980, desafiaram critérios pré-estabelecidos e cri-aram o primeiro movimento político no Brasil, aUNIND (União das Nações Indígenas), era preci-so também na ECO- 92 arriscar para que pudés-semos caminhar com nossas próprias pernas.

Então sete povos do Alto Xingu - MT e o povoTukano do Amazonas construíram a Kari-Oca, umtemplo para abrigar a sabedoria indígena e traduzirum verdadeiro parlamento para a Terra. Uma arqui-tetura e engenharia que não se aprende nas escolasurbanas, mas certamente numa longínqua aldeia naselva. Plantada como folclore, mas pra nós, um códi-go de vida jamais decifrado pelo homem branco.

Um criminoso incêndio, porém, acabou com aKari-Oca, mas não acabou com o sonho indígena determos a terra assegurada, de viver com dignidade ede contribuir com o bem estar da humanidade, quevive graves crises sociais e ambientais. Por isso, aDeclaração da Kari-Oca e a Carta da Terra são do-cumentos históricos que devem ser registrados comodocumentos oficiais pelos governos e pela sociedade.Nós consideramos assim, afinal foi inspirada na nos-sa magia de bem viver e na íntima relação espiritual,cultural e física com a natureza, um cotidiano quenos permitiu resistir às várias pressões de “integração”e “desenvolvimento consumista”.

Marcos Terena - Coordenador Geral

Declaração da Aldeia Kari-OcaNós, Povos Indígenas das Américas, Ásia,

África, Austrália, Europa e Pacífico, unidos em sóvoz na Aldeia Kari-Oca, expressamos a nossa gra-tidão coletiva aos povos indígenas do Brasil.

Inspirados por este encontro histórico, cele-bramos a unidade espiritual dos povos indígenascom a Terra e nossos antepassados.

Continuamos construindo e formulando nossocompromisso mútuo de salvar a nossa mãe Terra.

Nós, Povos Indígenas, apoiamos como nos-sa responsabilidade coletiva para que nossas men-tes e nossas vozes continuem no futuro, a seguinteDeclaração:

Nós, Povos Indígenas, caminhamos em di-reção ao futuro nas trilhas dos nossos antepassa-dos. Do maior ao menor ser vivente, das quatrodireções do ar, da água, da terra e das monta-nhas, o Criador colocou a nós, povos indígenas,em nossa terra, que é nossa mãe. As pegadas denossos antepassados estão permanentemente gra-vadas nas terras de nossos povos. Nós, Povos In-dígenas, mantemos nossos direitos inerentes àautodeterminação. Sempre tivemos o direito dedecidir as nossas próprias formas de governo, deusar nossas próprias leis, de criar e educar nossosfilhos, direito a nossa própria identidade culturalsem interferências. Continuamos mantendo nos-sos direitos inalienáveis as nossas terras e territó-rios, e a todos os nossos recursos do solo e dosubsolo, e das nossas águas.

Afirmamos nossa contínua responsabilidadede passar todos esses direitos às gerações futuras.

Não podemos ser desalojados de nossas ter-ras. Nós, Povos Indígenas, estamos unidos pelo cír-culo da vida em nossas terras e nosso meio ambi-ente. Nós, Povos Indígenas, caminhamos em dire-ção ao futuro, nas trilhas dos nossos antepassados!

(Assinado na Aldeia Kari-Oca, Brasil,em 30 de maio de 1992)

Carta da terra18

Conferência mundial dos povos indígenas sobreTerritório, meio ambiente e desenvolvimento - rio-92

ApoioPrograma das Nações Unidas para o Desenvolvimento

Comitê Intertribal - Memória e Ciência Indígena

18 Texto disponível em http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/et000018.pdf

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Carta da terra - Alguns destaques:[...]

15. Os governos não devem obrigar-nos a aceitarmudanças de localização de nossas populações.

16. Devemos manter nosso direito às formas tra-dicionais de nossas vidas.

[...]

18. Devemos manter nosso direito de não sermospressionados pelas multinacionais, sobre nos-sas vidas e nossas terras. Todas as incorpora-ções que violarem nossas terras nativas de-vem ser denunciadas às representações daONU a nível internacional.

[...]

31. Os Povos Indígenas foram colocados pelo Cri-ador na Mãe Terra. Nós pertencemos à Terra,não podemos ser separados de nossas terrase de nossos territórios.

32. Os nossos territórios sempre viveram total eem permanente relação vital, seres humanose natureza. Estar neles representa o desenvol-vimento de nossas culturas. Nossa proprieda-de territorial deve ser inalienável.

33. Os direitos inalienáveis dos Povos Indígenassobre a Terra e os recursos existentes reafir-mam a necessidade de termos assegurado suaposse e sua administração feitas por nós mes-mos, e isso deve ser respeitado.

34. Ratificamos nossos direitos à demarcação denossos territórios tradicionais. A definição de“território” deve incluir o espaço (o ar), a terrae as águas, como tradição especial indígena.

35. Onde os territórios indígenas tenham sido de-gradados deve-se facilitar recursos para restaurá-los. A recuperação desses territórios é um deverdos estados nacionais que não pode tardar.

Dentro deste processo de recuperação, a com-pensação da dívida histórica ecológica deve ser levadaem conta. Os estados nacionais devem revisar em pro-fundidade suas políticas agrárias, minerais e florestais.

[...]

38. Se um governo não indígena, indivíduos oucorporações obrigarem o uso de nossas ter-ras, deve ser estabelecido um acordo formal eas condições. Nós, os Povos Indígenas, deve-mos ter a segurança de uso de nossas terraspara o bem comum e a compensação paranossas populações.

39. As fronteiras tradicionais de nossos territóri-os, incluindo as águas, devem ser respeitadas.

[...]

42. Os povos indígenas não devem ser expulsos desuas terras para dá-las aos colonizadores oupara outras formas de atividade econômica.

[...]

58. As florestas têm sido destruídas em nome do“desenvolvimento econômico”, ocasionando adestruição do equilíbrio ecológico. Essas ativi-dades não beneficiam o ser humano, os ani-mais do campo, das águas e do mar. Recomen-damos que as concessões e os incentivos àsmadeireiras, mineradores e garimpeiros sejamevitados pois nossa experiência prevê agressãoao meio ambiente e aos recursos naturais.

[...]

61. Os povos indígenas devem ser consultadospara quaisquer trabalhos e projetos em seusterritórios. Antes do consentimento ser obtido,as pessoas indígenas devem estar totalmenteenvolvidas nas decisões. A eles devem ser da-das todas as informações a respeito do proje-to e seus efeitos. Do contrário, será considera-do um crime contra os Povos Indígenas. A pes-soa ou as pessoas que violarem isto devemser julgadas em um tribunal mundial com ocontrole das pessoas indígenas designadaspara esse propósito, que pode ser similar aosjulgamentos feitos depois da Segunda GuerraMundial contra crimes à humanidade.

[...]

64. Qualquer estratégia de desenvolvimento devepriorizar a eliminação da pobreza, a garantia re-lativa ao clima, a administração sustentável dosrecursos naturais, a continuidade das sociedadesdemocráticas e o respeito às diferenças culturais.

[...]

67. Reconhecendo a relação harmônica que exis-te entre os povos indígenas e a natureza, osmodelos de desenvolvimento ambiental e va-lores culturais devem ser respeitados como dis-tintas e vitais fontes de sabedoria.

[...]

78. Há diferentes formas de desenvolvimento,como a construção de estradas, comunica-ções, eletricidade, que facilitam acesso às ter-ras dos Povos Indígenas. Essa industrializaçãotem efeitos destrutivos sobre nossos povos.

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Violência e destruição na prisão de atingidosUma criança de sete anosé levada presa com o pai19

AA prisão de cinco agricultores atingidospor barragem foi marcada por violên-cia e destruição. A prisão ilegal ocorreu

no sábado dia 12-03 por volta das 08:00 horas.Nenhum dos agricultores foi informado do moti-vo de sua prisão.

A polícia militar de Santa Catarina mon-tou verdadeira operação de guerra, com 10 via-turas e policiais fortemente armados para pren-der os cinco agricultores, desarmados, que esta-vam em suas casas com a mulher e filhos, e al-guns até na lavoura.

Edio Grasse, de Celso Ramos, encontra-va-se na lavoura com seu filho de 07 anosquando o batalhão chegou. Teve sua casa re-vistada e seu carro foi apreendido sob a acu-sação de que com ele seriam transportadosagricultores para as mobilizações do MAB. Acriança de sete anos foi levada presa juntocom seu pai até a delegacia de Campos No-vos. O carro, que foi quebrado pelos policiaisdurante o deslocamento, foi abandonadonuma estrada do interior. A família de Edioficou isolada porque o carro era o único meiode transporte e moram numa localidade dis-tante, onde não há ônibus.

Leodato Vicente, 70 anos, de CamposNovos, estava saindo com seu caminhãoboiadeiro para buscar uma vaca, quando obatalhão chegou e revistou sua casa, causan-do desordem e estragos, arrombando portase objetos. Os policiais perguntaram se ele iatransportar gente do MAB nas mobilizaçõesde 14 março e o levaram preso depois deaprender o caminhão. Sua mulher Maria deLurdes presenciou tudo.

Aurélio Dutra, de Anita Garibaldi, que apoucos dias acertou sua indenização com aENERCAN sob a promessa de que não seriamais incomodado pela empresa também foi pre-so. Não bastasse a seca que penaliza os agri-cultores Aurélio poderá ficar sem crédito paraplantar a próxima safra pois necessitava ir noBanco do Brasil amanhã (15/03) para solicitaruma vistoria do PRONAF.

Carlos da Silva, trabalhador rural em Cam-pos Novos foi preso no sítio Pinheiro Seco e alge-mado. Quando perguntou qual seria o motivo daprisão foi agredido com socos no estômago. Ospoliciais aprenderam paus que são usados na lidacom o gado e perguntavam “Vão se manifestaragora vagabundedo?”. Carlos pediu para trocarde roupa e foi novamente agredido com socos nacabeça e empurrado para dentro de uma Kombi,tendo ficado só com a roupa de corpo e um parde chinelo de dedos.

Dorneles Vicente, de Anita Garibaldi, foipreso em sua casa, enquanto sua filha ainda es-tava dormindo.

A Policia também recolheu o ônibus que fazo transporte escolar no município de Abdon Ba-tista, sob a justificativa que seria usado para trans-portar agricultores que iriam na mobilização. Nodia de hoje as crianças não puderam ir a escolapor falta do ônibus.

Os presos foram transferidos para o presí-dio de Joaçaba, a 120 Km de Anita Garibaldi,onde seus familiares não têm condições de ir visitá-los e nem lhes levar roupas. Além dos presos, háuma lista de mais 05 companheiros agricultorescom mandato de prisão, são eles: (Otacílio daRosa, João Vilmar, Joldemir De Nez, Gilberto dosSantos e Danilo Olterbak).

19 Texto disponível em http://www.movimientos.org/cloc/show_text.php3?key=4246

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ste título pode parecer simplório, masvejamos se realmente é. A nossa basede reflexão está no ícone acima: dois

meninos em uma sala de aula com papel e lápis.Olhares de expectativa ante a câmera fotográfi-ca, aguardando o clique que dá por encerrado otrabalho do fotógrafo.

Sala de aula, momento do viver, aprendiza-gem do ler e escrever. Exercício psicomotor dedesenhar letras, sílabas, palavras, frases e textos.Textos, início, meio e fim do processo pedagógi-co. Todos nós interagimos através da ininterruptaprodução de textos: orais e escritos. São eles quedinamizam a vida, a engrenagem insubstituível naatribuição de sentidos nos processos interlocutivos.

Aquele que fala quer ser ouvido, sobretudocompreendido. Todo o seu esforço na formulaçãodas frases e textos concentra-se no desejo de fa-zer o melhor possível para o outro. E o outro: vice-versa. A vida acontecendo, de fato.

As condições de produção dos textos, emfunção dos contextos sócio-políticos específicos,determinam/orientam o trabalho dos sujeitos coma linguagem na produção dos discursos. Dessaforma, o ato de ler e escrever, em uma escolaalternativa, ganha outro contorno. Ler e escreverjá não são só para ter acesso ao saber universal,mas para saber fazer. Saber fazer implica conhe-cer as condições de produção dos textos, as con-dições de vida de uma comunidade e as condi-ções que queremos viver.

Nesse sentido, ler e escrever são ações queultrapassam os limites do conceito tradicional dealfabetização. Ler e escrever se caracterizamcomo ações integradoras – de integridade - etransformadoras. A primeira, responsável pelaformação mais integral do homem e a segunda,responsável pela ativação articulada da açãotransformadora avaliada como necessária parao bem viver de todos.

Parece estar aí a importante distinção en-tre a escola do sistema formal/oficial de ensinoe a escola alternativa: aquela domestica e estaemancipa. Domesticar significa entender o al-fabetizar para ter acesso ao saber universal, en-quanto emancipar significa entender o alfabeti-zar para além do saber universal, significa en-tender o indivíduo como sujeito histórico, sujei-to do saber fazer. Saber fazer o possível paracriar as condições para uma vida mais bonitapara todos. Instrumentalizado o sujeito para oenfrentamento digno contra as adversidades, econtra eventuais grupos humanos que entendema vida de forma banalizada/banalizadora.

Educação: exercício de viver. A palavraexercício inscreve-se no campo semântico deação, ação ininterrupta até a morte: final do vi-ver. Portanto, educação, na perspectiva aqui sin-teticamente esboçada, é uma ação integradora– de integridade - e transformadora que só seinterrompe no indivíduo na hora de sua morte.Reafirmação da vida.

Educação:exercício de viver

Aroldo Magno de Oliveira20

EE

20 Docente da Universidade Federal Fluminense do Rio de Janeiro e pesquisador em Linguagem, Educação, Ideologia e Mídia.

O ícone na foto dos dois meninos – vejam osseus olhos - é este momento mágico que nospersegue, que entra sem pedir licença em nos-sa trilha, movendo a nossa curiosidade e a nos-sa ousadia de querer exercitar a vida. Esse exer-cício que faz do homem companheiro do ho-mem, que nutre a utopia de um tempo emque o homem solidário seja, pelos menos, me-nos só, e que a terra, a água, o ar e toda aenergia da mãe-natureza sejam para o bem detodos nós, revertendo o processo histórico deapropriação ilegal daquilo que é para a dignasobrevivência de todos os seres humanos.

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screver sobre a Educação Popular nosleva a refletir sobre as práticas educati-vas e políticas, enquanto sujeitos, en-

quanto classe social, movimento organizado, in-telectuais orgânicos.

A Educação Popular é um processo de for-mação e capacitação na perspectiva do compro-misso com as classes populares. Este processocontínuo, sistemático e intencional de formação,implica em momentos de reflexão e estudo sobrea prática sistematizada, com elementos de inter-pretação e informação que permitem levar a no-vos níveis de compreensão da prática social. Im-plica também na ação transformadora, do con-texto e dos sujeitos nele envolvidos.

Para Brandão (2002), a que damos o nomede educação popular, é o processo do gesto peda-gógico, de escolha de falar com eles, entre eles e arespeito deles. De dirigir a eles de uma maneirapreferencial a fala de um ofício.

“A educação popular não é tanto umateoria ou um método restrito de traba-lho pedagógico atrelado a uma tendên-cia ideológica única a respeito da pes-soa humana, da sociedade, da educa-ção. Ela é o imaginário e a vocaçãomúltipla de uma ou de algumas voca-ções de escolhas. Escolhas de sujeitos,de modos de interação, de sentidos ede significados dados a destinos huma-nos através do saber. Escolhas, queuma vez estabelecidas, podem ser pen-sadas dentro de mais de uma teoria epodem ser realizadas por meio de maisdo que um único método”. (Brandão,2002, p. 41)

A educação popular lida com “rostos quetornam o seu rosto, entre tantos outros, popular”.A educação popular constitui-se num estilo deeducação, com compromisso de teor político rea-lizado através de um trabalho cultural com sujei-tos, compreendidos como protagonistas emergen-

tes de um processo. Ao escolher ir aos que fica-ram à margem, ao convocá-los ao circulo do diá-logo o educador aprende a viver a sua realidade(Brandão, 2002).

O processo educativo popular busca, atra-vés de uma metodologia dialética, articular con-teúdo e forma, com a finalidade de gerar açõestransformadoras. A metodologia da EducaçãoPopular nos permite ter como ponto de partida oque o grupo faz, vive e sente. Neste processo, aprática educativa precisa estar baseada numa re-lação dialógica, que respeite a compreensão demundo, a cultura do povo, seu saber de experi-ência feito, como nos diz o grande mestre da Pe-dagogia do Oprimido.

“Como educador preciso ir ‘lendo’ cadavez melhor a leitura do mundo que osgrupos populares com quem trabalhofazem de seu contexto imediato e domaior de que o seu é parte. O que querodizer é o seguinte: não posso de maneiraalguma, nas minhas relações político-pe-dagógicas com os grupos populares ,desconsiderar seu saber de experiênciafeito. Sua explicação do mundo de quefaz parte a compreensão de sua própriapresença no mundo. E isso tudo vemexplicitado ou sugerido ou escondido noque chamo ‘leitura do mundo’ que pre-cede a ‘leitura da palavra’.

Se, de um lado, não posso me adaptarou me ‘converter’ ao saber ingênuo dosgrupos populares, de outro, não posso,se realmente progressista, impor-lhes ar-rogantemente o meu saber como verda-deiro. O diálogo em que se vai desafian-do o grupo popular a pensar sua históriasocial como experiência igualmente so-cial de seus membros vai revelando a ne-cessidade de superar certos saberes que,desnudados, vão mostrando sua ‘incom-petência’ para explicar os fatos” (Freire,1996, p. 90-1).

21 Pedagoga e professora do Departamento de Planejamento e Administração Escolar da Universidade Federal do Paraná. Mestre emExtensão Rural. Desenvolve atividades de Pesquisa e Extensão junto aos Movimentos Sociais. Atuou na coordenação e naassessoria do Projeto de Educação de Jovens e Adultos nos Assentamentos de Reforma Agrária na região Sul do Paraná: alfabetização,escolarização e capacitação, vinculado ao Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - Pronera. Coordenou a Educação doCampo na Secretaria de Estado da Educação do Paraná e o Curso de Especialização em Educação do Campo pela UFPR.

Educação popular: alguns apontamentosSônia Fátima Schwendler21

EE

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Na pratica educativa da Educação Popu-lar, tomar como refêrencia de uma reflexão maissistemática o saber de experiência feito, implicaem situar o cotidiano, o imediato, o individual eparcial dentro do social, do histórico e estrutural,na perspectiva de uma visão totalizadora da rea-lidade. Este processo dialético, que busca enten-der cada acontecimento em sua articulação coma totalidade social em um momento histórico con-creto, se completa com o regresso da prática paratransformá-la. O regresso à prática se constituinum novo ponto de partida.

Freire (1987), compreende que somentena unidade dialética entre ação e reflexão, prá-tica-teoria-prãtica, é que se pode superar o ca-ráter alienador das práticas sociais. Os oprimi-dos, no ‘contexto concreto’, imersos na sua ex-periência cotidiana, tomam consciência de suacondição de oprimidos, mas não, da razão deser de sua própria condição de opressão. Esta éuma das tarefas centrais da reflexão teórica,onde tomando distância do concreto vivido, pro-blematizando-o, torna-se possível superar o sen-so comum, pelo senso crítico, compreendendoa razão de ser dos fatos. Contudo, estedesvelamento da realidade, somente tem senti-do, se estiver orientado numa ação política so-bre a mesma, no sentido de modificá-la, sem aqual os homens e mulheres nela inseridos nãopodem alcançar a sua humanização.

Neste sentido, se coloca como fundamentalum projeto de formação humana que articule di-ferentes praticas educativas em torno de um pro-jeto educativo que radicalize a formação de sujei-tos para a práxis revolucionária. No processo daEducação Popular o fundamental não é compre-ender como podemos educar, conscientizar ehumanizar os oprimidos, mas sim entender comoeles se educam, se humanizam, aprendem, se for-mam como sujeitos políticos, sociais, culturais,cognitivos na situação desumanizadora, bemcomo na luta pela humanização.

Neste processo, na ação cultural para alibertação, numa opção revolucionária, o diá-logo com o povo não pode ser uma formalida-de, mas sim uma condição indispensável ao atode conhecer, ao ato de transformar, ao proces-so de conscientização. Freire destaca que adialetização da denúncia e do anúncio requerum compromisso, uma coerência teórico-práti-co das lideranças revolucionárias que, segundoele, não podem:

“a) denunciar a realidade sem conhecê-la.

b) anunciar a nova realidade sem ter um pré-projeto que, emergindo na denúncia, somentese viabiliza na prática.

c) conhecer a realidade distante dos fatos con-cretos, fontes de seu conhecimento.

d) denunciar e anunciar sozinha.

e) não confiar nas massas populares, renunciandoà sua comunhão com elas.” (Freire, 1982, p.78).

Nesta perspectiva, a Educação popular devepossibilitar por um lado, uma prática autônoma, oque implica que as organizações populares fomen-tem, organizem, propiciem para si novas formasde educação, articuladas as suas lutas específicase promovidas pelos seus intelectuais orgânicos e,por outro, contribuir para a elaboração de um sa-ber social que emane das próprias classes, a partirda prática política, organizativa e produtiva, sejasignificativo para elas, capacitando-as para o exer-cício da tarefa organizativa e dirigente.

Segundo Freire (1991), a educação enquan-to diretiva e política deve sempre “possibilitar nasclasses populares o desenvolvimento de sua lingua-gem, jamais pelo blábláblá autoritário e sectáriodos ‘educadores’, de sua linguagem, que emergin-do da e voltando-se sobre sua realidade, perfile asconjecturas, os desenhos, as antecipações do mun-do novo.”(p.41). Neste sentido, o diálogo implicano respeito entre os sujeitos nele envolvidos. “Nãopenso autenticamente se os outros também nãopensam (...) não posso pensar pelos outros nempara os outros nem sem os outros” (p.117).

A Educação Popular portanto, se constituinuma pratica política e educativa, numa concepçãode mundo, de ser humano, de educação. Ela é fun-damento, método, é ação cultural para a libertação.Atuar como educador da Educação Popular, impli-ca em compromisso político, em prática social orgâ-nica e libertadora. Este é um grande desafio!

Referências Bibliográficas:BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A Educação Popularna escola cidadã. Petrópolis: Vozes, 2002.FREIRE, Paulo. Ação Cultural para a Liberdade eoutros escritos. 6ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982.___. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro:Paz e Terra, 1987.___. Pedagogia da Esperança: um reencontro com apedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.___. Pedagogia da Autonomia: saberes necessári-os à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

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m sua história de mais de 15 anos, oMAB vem buscando fortalecer a luta emfavor de um mundo menos desigual e

menos injusto. Para tanto, sua frente de lutas inse-re-se na história dos movimentos sociais que, or-ganicamente, vem questionando os modelos e pro-cessos de desenvolvimento baseados na manuten-ção de privilégios, concentração de renda e po-der. Contrapondo-se aos interesses hegemônicosdo capital nacional e internacional, o MAB assu-

Os atingidos por barragensconstruindo luta e valores coletivos

EEme suas lutas específicas nos setores energético edo controle das águas.

São lutas históricas que buscam articularnecessidades e direitos dos atingidos frente às or-ganizações que defendem interesses predominan-temente mercadológicos, como as políticas deEstado neoliberais e os conglomerados empresa-riais nacionais e transnacionais. Entre as lutas per-manentes do MAB encontram-se:

construção de política energética baseada em fontes alternativas e deacesso a todos, controlada pelo Estado a serviço do povo;

luta pelo respeito e garantia dos Direitos dos atingidos;

luta contra a privatização da água e o modelo capitalista neoliberal;

construção de modelo socialista para o Brasil.

São lutas que se fortalecem na medida emque os sujeitos são envolvidos em um “permanenteprocesso de formação e mobilização onde os atin-gidos vão compreendendo a realidade, tomandoconsciência de sua situação, participando e deci-

a) Alegria, auto-estima, esperança;

b) Fé, paixão e amor pelo povo oprimido e pela causa popular;

c) Solidariedade em todo momento;

d) Indignação e rebeldia contra qualquer injustiça;

e) Coragem alimentada por convicções;

f) Humildade, simplicidade e coerência, sem arrogância, submissão ou ingenuidade;

g) Honestidade, verdade, transparência, compromisso e responsabilidade;

h) Respeito a todo ser humano, sem discriminação ou preconceito;

i) Disciplina consciente e voluntária;

j) Capacidade de trabalho em equipe;

k) Companheirismo mais forte que os laços de sangue;

l) Disposição e espírito de sacrifício.

dindo os rumos da vida coletiva. (Trindade (org.),2005, p. 13)”. A vivência e a construção cotidia-na da luta dos povos atingidos por barragens exi-giu do Movimento a disseminação de valores co-letivos (Trindade (org.), 2005, p. 19) como:

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educação no MAB está vinculada aosacúmulos, lutas e desafios do projetoda educação do campo no Brasil.

Busca se orientar no movimento da ArticulaçãoNacional Por Uma Educação do Campo23 que,desde 1998, vem associando a educação docampo ao projeto de desenvolvimento do cam-po, aprofundando o debate político da realida-de, das diretrizes e perspectivas da educaçãodo campo e, principalmente contribuindo paraque esta se torne uma política pública coerentecom a vida, a luta, a identidade, o trabalho, acultura e a história dos camponeses no Brasil,sem perder de vista as interfaces campo e cida-de, particularmente do projeto de desenvolvimen-to para a Nação brasileira.

Primeiramente se faz necessário trazer pre-sente os objetivos a que se propõe a Articula-ção Nacional Por Uma Educação do Campo(1999 p. 78):

Mobilizar o povo que vive no cam-po, com suas diferentes identida-des, e suas organizações para con-quista/construção de políticas pú-blicas na área de educação e, pri-oritariamente, da escolarização emtodos os níveis;

Contribuir na reflexão político-pe-dagógica da educação do campo,partindo das práticas já existentese projetando novas ações educati-vas que ajudem na formação desujeitos do campo.

A luta por uma educação do campo surgeno contexto da luta pelo reconhecimento docampo como espaço de vida, moradia e traba-lho, bem como pela justiça e humanização dospovos que lá vivem, moram e trabalham, oscamponeses. Campo, nas palavras de Fernandese Molina (2004, p. 68), como “um espaço quetem suas particularidades e que é ao mesmotempo um campo de possibilidades da relaçãodos seres humanos com a produção das condi-ções da existência social”, não como um espa-

ço do atraso, da morada do jeca tatu, da desi-gualdade e da opressão, da exclusão do direitoà educação e à cultura letrada a que historica-mente foram submetidos os camponeses ao lon-go do processo histórico.

Essa realidade exige mudanças sociais debase, necessárias e urgentes para o desenvolvi-mento não apenas do campo, mas da socieda-de brasileira.

Talvez a educação do camposeja a maior contribuição

que os movimentos sociaise organizações populares

tenham dado à reorientaçãodo projeto da educação brasileira,

pensando e praticando uma educaçãovinculada à realidade, à história,

à identidade, à culturae ao trabalho dos camponeses.

Educação aqui entendida não apenascomo aquela desenvolvida na escola (espaçoformal), mas aquela gerada no próprio movi-mento da sociedade, na família, na igreja, naescola, na comunidade, no trabalho e nos gru-pos sociais, sobretudo na organização inten-cionalmente dirigida e travada pelos movimen-tos sociais populares que resistem e protago-nizam a luta pela humanização dos povos docampo e da cidade.

No momento em que os camponeses pas-sam a participar dos movimentos organizados,independente dos motivos que os levem a isso,estão inseridos em processos de educação, poispassam a compreender a sua situação de vida e arealidade maior, a praticar os valores coletivos ea intervir na mudança da sociedade.

É necessário que, a partir das lutas, se con-siga ressignificar os espaços existentes e criar es-paços de estudo, reflexão e debate que resultemem novas experiências, conhecimentos, relaçõese movimentos, cada vez mais humanizados e po-liticamente qualificados.

[...]

O MAB e a Educação do Campo22

AA

22 Caderno Pedagógico do MAB, 2005, p: 26-3123 Para maior conhecimento sobre a Articulação Nacional Por Uma Educação do Campo consultar os cinco cadernos da

coleção Por Uma Educação do Campo, organizados e editados a partir de 1999, pela própria Articulação Nacional.

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Embora concebida na lei como um direitosocial, a educação ainda é excludente, classista,a favor das elites, seletiva, promotora da aliena-ção, pedagogicamente tradicional, desvinculadadas necessidades e interesses das classes popula-res, particularmente do desenvolvimento daspotencialidades intelectuais, físicas, emocionais,éticas, estéticas, políticas, culturais e sociais dosseres humanos. No campo, a questão se agrava,porque as elites negligenciaram e inviabilizaramum projeto de desenvolvimento específico para ospovos que lá vivem, moram, estudam e trabalham,implantando políticas neoliberais24.

Repensar esta forma de se conceber e fazera educação, é tão necessário quanto urgente. As-sim como coloca Trindade (2002, p. 107-108), ocaminho a ser empreendido pelas classes popula-res para a superação da opressão-exclusão docapitalismo passa, necessariamente pela educa-ção. Enquanto o capitalismo avança desfazendoa identidade das classes populares e fragmentan-do a sua consciência, na educação encontra-se apossibilidade concreta da libertação e da eman-cipação dessas classes. Fica evidente, então, quea sociedade e a educação socialista têm sua gê-nese nas contradições da sociedade e da educa-ção capitalista.

A educação deve se colocar a favor das clas-ses populares, “uma educação que se propõe atransformar as mentalidades, as consciências, ati-tudes e, conseqüentemente a estrutura que sus-tenta a velha sociedade” (Torres, 1988, p.68), ca-nalizando esforços, idéias e ações para a liberta-

ção dos camponeses, para o fortalecimento dosmovimentos sociais do campo e para o desenvol-vimento do campo.

No atual momento histórico, mais do quesimplesmente ensinar a ler e escrever, é preci-so articular, pedagógica e politicamente, a edu-cação das crianças, a alfabetização/escolari-zação dos jovens e adultos e a formação doseducadores à construção da consciência declasse, ou seja, a educação deve estar vincula-da à vida, à cultura, à realidade, à história, aotrabalho e às relações com a natureza e a co-munidade. Neste sentido, cabe reconhecer aimportância dos atingidos, sejam adultos, jo-vens ou crianças, elevarem seus níveis de com-preensão da realidade, não apenas pelamobilização, mas também pelo acesso ao co-nhecimento, à informação e à cultura univer-sal. A problematização das próprias experiên-cias e relações e à assimilação crítica do co-nhecimento, poderão potencializar ainda maisa identidade e a consciência dos atingidos,fortalecendo a história de luta e organizaçãodo MAB, o sentimento de pertença a esse gru-po social e à Nação brasileira.

Povo que conhece a sua história é povo queluta pela sua identidade, memória e cultura, cons-ciente do projeto de sociedade que cotidianamentese vem construindo na e pelas lutas organizadas.Por isso, os atingidos têm o direito de acessar oconhecimento universal acumulado pela humani-dade, capacitando-se à leitura, à compreensão eao enfrentamento da realidade atual.

24 Os governos neoliberais implementaram a política da nucleação das escolas do campo, as chamadas escolas pólos, ondecrianças e jovens são retirados das suas comunidades, transportadas para as cidades e submetidos a currículos alheios àvida do campo, perdendo vínculos sociais e culturais com a sua gente e o seu contexto.

A educação do MAB:intenções políticas e pedagógicas

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pós dois meses da primeira ocupação,cerca de 300 pescadores e ribeirinhosvoltaram a ocupar o canteiro de obras

de uma das eclusas da hidrelétrica de Tucuruí. Aocupação ocorreu na madrugada de ontem, dia4. O objetivo da ocupação é impedir a continua-ção da obra.

“Resolvemos voltar ao local e impedir a con-tinuação da obra até que nossa pauta seja aten-dida pelos órgãos responsáveis, como nos foi pro-metido anteriormente”, explicou Euvanice Furta-do, da coordenação estadual do Movimento dosAtingidos por Barragens (MAB) no Pará.

Na segunda-feira estava marcada uma as-sembléia popular com a participação de represen-tantes da empresa Centrais Elétricas do Norte doBrasil (Eletronorte), do Ministério Público e doInstituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Re-cursos Naturais Renováveis (Ibama), mas nin-guém compareceu. Além disso, a indenização dos

pescadores que perderam seu meio de sustentonão foi concedida até agora e as casas que estãosendo construídas para substituir as que foramatingidas pela obra são muito pequenas. “As fa-mílias são grandes e precisam de casas com nomínimo três quartos”, justifica Euvanice Furtado.

Desde a primeira ocupação, aconteceramduas reuniões com a Eletronorte e Secretaria Espe-cial de Aqüicultura e Pesca (SEAP), mas até agoraa única providência tomada foi a entrega de cestasbásicas para os pescadores até fevereiro.

O contrato assinado para a construção daseclusas entre o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes (Dnit), Eletronorte e oConsórcio Camargo Corrêa tem valor de R$ 440milhões. As duas eclusas, ligadas por um canalintermediário, com 5,5 quilômetros de extensão,irão possibilitar a navegabilidade no RioTocantins, facilitando o escoamento de grãos eminérios de ferro para a exportação.

Em Tucuruí, atingidos por barragensocupam obra de eclusa novamente25

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25 Matéria de 05/12/2007. Fonte: Assessoria de Comunicação do MAB(disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4607, acessado em 18/05/2008).

26 Matéria de 11/07/2007, por Mateus Alves. Correio da Cidadania

recente liberação prévia pelo InstitutoBrasileiro de Meio Ambiente e Recur-sos Hídricos (Ibama) para a constru-

ção de duas usinas hidrelétricas no Rio Madei-ra, região Norte do país, está gerando polêmica.Até mesmo setores do governo federal estão di-vididos sobre o tema. Entre os movimentos soci-ais, Gilberto Cervinski, da direção nacional doMovimento dos Atingidos por Barragens (MAB),alerta para as conseqüências da construção dasusinas para as populações.

De acordo com Cervinski, as obras irão be-neficiar principalmente indústrias transnacionaisque requerem uma grande quantidade de energia,caso da metalúrgica Alcoa, e não trarão nenhum

benefício para a população local - inclusive afetan-do um número de famílias muito maior do que oque está sendo divulgado pelos estudos realizados.

Qual é a realidade por trás das obrasdas hidrelétricas no rio Madeira?

As hidrelétricas foram planejadas com oúnico interesse de atender as demandas por ener-gia de multinacionais dos Estados Unidos e daEuropa - em especial, as chamadas empresaseletro-intensivas, caso da norte-americana Alcoa.Atende também ao interesse das brasileiras Valedo Rio Doce e Votorantim, que também conso-mem muita energia; esta última, por exemplo, con-some 4% de toda a energia disponível no Brasil.

Legado de Exclusão Social26

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No caso das transnacionais, estas sofremcom a crise energética em seus países e preci-sam, portanto, transferir suas indústrias para cá.Necessitam de energia barata para se viabilizar.Uma indústria de alumínio, por exemplo, só seviabiliza se paga menos de 34 dólares - ou me-nos de 70 reais - por megawatt/hora (MW/h). AAlcoa recebe da usina de Tucuruí, que é do go-verno, energia a 20 dólares o MW/h, enquanto opovo brasileiro paga mais de 200 dólares porMW/h. Isso é dez vezes mais.

Qual será o impacto social eambiental das obras na região?

Um estudo publicado diz que serãodeslocadas 1.800 pessoas, mas de acordo comnossas estimativas cerca de 5 mil famílias serãoprejudicadas em toda a extensão de 260 quilô-metros do rio afetada pelas obras.

As obras vão deixar um legado de muitaexclusão social e muito pouco emprego, poisestas indústrias eletro-intensivas não os geram.São empresas de alta tecnologia, automatiza-das. As pessoas da região serão expulsas, per-derão sua fonte de renda e podem ter comodestino as favelas.

O investimento é, na realidade, uma loucu-ra. As duas hidrelétricas que obtiveram olicenciamento fazem parte de um conjunto de obrasdo chamado “Complexo do rio Madeira”, que irácustar cerca de 43 bilhões de reais - dinheiro quesairá do BNDES para as mãos de quatro ou cin-co empresas transnacionais.

A população de Rondônia é de 1,5 milhãode habitantes. Serão investidos no projeto, por-tanto, 28 mil reais por habitante - ou seja, é uminvestimento muito alto para algo que não temnada a ver com as necessidades da populaçãolocal, que não vai trazer progresso. Quantas ca-sas, quantos hospitais, quantas escolas poderiamser construídas com esse montante? Quantas fa-mílias poderiam ser assentadas?

Os problemas ambientais também sãograves, como por exemplo a possibilidade decontaminação pelo mercúrio que será utiliza-do nas indústrias. Com a liberação, há um do-cumento condicionante, mas qual a garantiaque esse documento trará? Está escrito que asempresas precisam resolver problemas em re-lação ao meio ambiente, mas o que ocorreráse não resolverem?

O que você acredita que está por trásda decisão de liberar as obras?

O que está por trás é que o governo jogouno lixo sua história de vinte anos. O que estãofazendo é atender aos interesses dos grupos que,de fato, mandam no governo: o capital internaci-onal e grupos financeiros. Teremos que esperar ahistória mostrar qual será o resultado dos investi-mentos que estão sendo feitos.

Outra coisa é que o Brasil tem um dos mai-ores potenciais de produção de energia elétricaatravés de barragens do mundo, e a Amazôniaconcentra 50% desse potencial. São 110 mil MW/h de potência na região. A liberação da constru-ção das usinas significa liberar as obras em todosos rios que possuem esse potencial; por isso essademonstração, essa sinalização de que as multi-nacionais podem se instalar na região pois o go-verno garantirá novas liberações.

Você considera que tais projetos deobras cujos benefícios só servirão apoucos são o eixo principal do PAC?

Com certeza. Dizemos que PAC significa “pro-grama de afogamento dos camponeses”, pois grandeparte de seus investimentos não são para o povo esim para a energia que será consumida pelos paísescentrais. Como há uma crise de energia no mundo, eessa energia tem como base o petróleo, o PAC atendea esse interesse de buscar novas fontes energéticas.

As grandes obras do programa servem paracriar infra-estrutura e gerar energia para essas em-presas multinacionais que sofrem com a criseenergética e, ao mesmo tempo, fazer a transferên-cia do dinheiro do povo do brasileiro a grupos doexterior. Para se ter uma idéia, as duas hidrelétri-cas do rio Madeira vão gerar um faturamento de500 mil reais por hora para a empresa que ga-nhar a licitação - por isso, inclusive, está previstoo fechamento das minas de ouro que existem naregião pelo lago artificial que será criado. A pro-dução de energia vale mais do que ouro.

Como será a agenda do MABnestes próximos meses? Qual seráa principal pauta do movimento?

Nosso principal compromisso é enfrentar osprojetos que não interessam ao povo. Um exemplomuito bom para nós foi a ocupação em Cabrobócontra a transposição do rio São Francisco.

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Em setembro nos concentraremos na reali-zação do plebiscito sobre o leilão da Vale do RioDoce. Ele abordará também a questão das tarifasde energia no país e o nosso modelo energético.

Em relação a questões mais imediatas, te-nho a confiança de que o povo não irá aceitar aliberação da construção das usinas no rio Madei-ra. Haverá certamente uma reação.

a Colômbia, as mobilizações de po-vos indígenas e camponeses, queocorrem desde 15 de maio, estão sen-

do fortemente reprimidas pela força pública na-cional. A violência contra os atos, que aconte-cem nos estados de Cauca, Nariño, Valle e Meta,teve como resultado mais de 100 pessoas feri-das, 30 desaparecidos e o assassinato do líderindígena Pedro Coscue.

Os manifestantes protestam contra a as-sinatura do Tratado de Livre Comércio, a ree-leição do atual presidente Álvaro Uribe e emdefesa da soberania nacional. Eles estão reuni-dos em uma Cúpula Itinerante discutindo as ne-cessidades, demandas e propostas para um de-senvolvimento soberano e alternativo aoneoliberalismo, que foram construídas coletiva-mente durante muitos anos.

Para dissolver as mobilizações, os mili-tares utilizam a via aérea, lançando gases la-

crimogêneos e aterrorizando a população. Asautoridades civis do país justificam o uso daforça por uma suposta infiltração da guerrilha,o que comprova o total desconhecimento dagrave situação social que vivem milhares decamponeses, indígenas e afro-descendentes.Estas populações estão ainda mais ameaçadasdiante da assinatura do Tratado de Livre Co-mércio entre a Colômbia e os Estados Unidos,o que deixaria os povos colombianos sem ne-nhum tipo de proteção na economia, no terri-tório e no modo de vida.

Estes povos se organizaram diversas ve-zes para expressar o rechaço à assinatura doTLC e não foram atendidos pelo atual gover-no, sem vontade de dialogar com os setores po-pulares. Diante disso, a Associação Nacionalde Usuários Camponeses Unidade e Recons-trução (ANUCUR) exige que as autoridades ci-vis e militares:

Mobilização é reprimidacom violência na Colômbia27

NN

Respeitem o direito constitucional de livre expressão e mobilização;

Cessem a brutal repressão realizada pela força pública;

Garantam a vida e a segurança de maneira integral às comunidades que se mobilizamnas diferentes regiões nesta Cúpula Social;

Instalem uma mesa de diálogo entre autoridades competentes e representantes dascomunidades;

Atendam às demandas do população mobilizada;

Convocamos as organizações sociais e de di-reitos humanos nacionais e internacionais a se pro-nunciar, denunciar e acompanhar esta mobilização

dos povos camponeses, indígenas e afrodescendentespor uma vida digna, em defesa de seus territórios,cultura, autonomia e soberania nacional.

27 Matéria de 18/05/2006. Fonte ANUCUR/ Minga Informativa (disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=1160)

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Pataxó Hã Hã Hãe,povo ao qual pertencia Galdino,

aguarda há 24 anosdecisão do STF sobre suas terras.

Manifestação lembrou os 257 indígenasque foram assassinados desde 1997.

A violência contra os indígenase a criminalização de suas lideranças

foram algumas das questões debatidasnas atividades que antecederam

o ato no acampamento Terra Livre.

Galdino também foi assassinado quandoestava em Brasília lutando pela terra de seu povo,que, há 24 anos, aguarda decisão do SupremoTribunal Federal (STF) sobre o processo que pedea nulidade dos títulos de terra concedidos pelogoverno da Bahia à fazendeiros que invadem aárea Hã Hã Hãe. “Esse processo parado contri-bui para aumentar a violência. Os fazendeiroscontratam pistoleiros para ameaçar a gente e tam-bém têm uma proposta para acabar com a nos-sa terra”, reforça Reginaldo Vieira, cacique daaldeia Caramuru, que estava com Galdino naépoca do assassinato.

Ao chegarem na Praça Galdino, onde háum monumento em memória ao indígena, houveum ritual feito por líderes religiosos de diversospovos. Em seguida, os manifestantes limparam epintaram a obra, que estava suja e abandonada.“É para mostrar que o movimento indígena estáforte. Por isso vamos cuidar da memória de nos-sos mártires que morreram na luta”, afirmouJecinaldo Sateré-Mawé, coordenador-geral da Co-ordenação das Organizações Indígenas daAmâzônia Brasileira (Coiab).

Ato em memória de Galdinolembra lideranças que morreramna luta pela terra28

UU

28 [18/04/2007 11:32], por Marcy Picanço, com colaboração de Oswaldo Braga de Souza.(disponível em http://www.socioambiental.org/nsa/detalhe?id=2443, acessado em 18/05/2008)

m ato para marcar os 10 anos do as-sassinato de Galdino Pataxó Hã HãHãe fechou o segundo dia (17/4) do

Acampamento Terra Livre, que permanece atéquinta-feira, 19 de abril, na Esplanada dos Minis-térios, em Brasília. Os cerca de mil indígenas, de100 povos, que estão acampados no local, cami-nharam até a Praça Galdino, onde o indígena foiqueimado vivo em abril de 1997 por jovens daclasse média alta de Brasília.

A manifestação também lembrou os 257indígenas que foram assassinados desde aqueladata, segundo levantamento do Conselho Indi-genista Missionário (Cimi). Muitas pessoas car-regavam cartazes com os nomes de liderançasque foram mortas na luta pela terra. “Continu-am ameaçando nosso povo. Os assassinos docacique João montaram casa dentro de nossaterra e continuam nos perseguindo. A Justiçanão fez nada,” repetia indignada AntôniaGuajajara, que carregava o cartaz com o nomede João Araújo, assassinado em 2005, emmeio à luta pela demarcação da terraBacurizinho, no Maranhão.

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O acampamento Terra Livre é a principalmobilização do Abril Indígena, conjunto de mani-festações e protestos do movimento indígena quemarcam o mês de abril já pelo terceiro ano conse-cutivo. Neste ano, o acampamento reúne cerca de

Os indígenas também apresentaramos problemas que enfrentam na educação esaúde e as propostas para estas áreas. Naeducação, o reconhecimento dos professo-res indígenas como uma categoria diferen-ciada e concursos específicos são reivindi-cações de quase todas as regiões. “Não que-remos que não-índio dêem aula para nossopovo. Isso é desrespeito”, pontuou ElizaTruká, que apresentou o resultado do deba-te entre os povos do Nordeste.

A ausência de aulas de 5ª a 8ª e doensino médio nas aldeias e as barreiras en-frentadas pelos indígenas que pretendemfazer um curso superior também foramdestacados como problemas da educação

Terra – demarcação e proteção

uma liderança Guarani M´byá sobre o pro-blema dos Guarani do litoral com asobreposição de Terras Indígenas em Uni-dades de Conservação. Maurício Gonçal-ves, liderança Guarani do Rio Grande doSul, disse que a Funai alega que a Consti-tuição não contempla a dinâmica deperambulação dos Guarani e a relação queeles têm com o território, por isso este povoé um dos que mais sofre com a falta deterra.

“A fronteira foi inventada pelas clas-ses dominantes! Ela não existia antes. Paranós, não existe. E a terra é nossa. São nos-sos antepassados que estão enterrados nela.Não são os antepassados dos donos dasmultinacionais”, declarou Toninho Guarani,liderança do Espírito Santo, cuja terra é in-vadida pela empresa Aracruz Celulose.

Saúde e educação diferenciadas

escolar indígena. Cotas, bolsas de estudos,cursos específicos foram algumas das pro-postas apresentadas.

Em relação à saúde, além da faltade equipamentos generalizada, os indí-genas da Amazônia Ocidental (AC, AM,RO e RR) afirmaram que a Fundação Na-cional de Saúde (Funasa) não tem aten-dido as decisões das comunidades. Ain-da em relação ao controle social, refor-çaram que os indígenas devem partici-par mais da discussão das políticas pú-blicas voltadas para eles, por exemplo, fi-cando atentos para o Fundo Indígena, quereparte verbas para vários projetos de di-versos ministérios.

mil indígenas, de mais de cem povos diferentes.Estão ocorrendo plenárias, debates, atividades cul-turais e manifestações para propor soluções aosprincipais problemas das comunidades indígenase denunciar as agressões aos seus direitos.

A violência contra os indígenas e acriminalização de suas lideranças foram al-gumas das questões debatidas nas ativida-des que antecederam o ato. Pela manhã,divididos em grupos por região ou povos,os indígenas acampados iniciaram a dis-cussão sobre os problemas que os afetam.Eles apresentaram as dificuldades que pas-sam e as suas reivindicações principais.

Apesar das diferenças culturais e re-gionais, a maior parte dos grupos desta-cou os problemas que enfrentam na ques-tão fundiária, tanto os que sofrem com ademora nos processos de demarcação,quanto os que têm suas terras ameaçadaspor invasores ou por grandes projetos quepodem afetá-las. “Somos acusados de serinvasores de Parques, mas os Parques fo-ram criados depois de nossa terra”, falou

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A instalação da Comissão Naci-onal de Política Indigenista (CNPI) foilembrada pelos indígenas como umavitória, pois é um espaço para partici-parem da discussão das políticas queos afetam. Na análise de conjunturaque Saulo Feitosa, vice-presidente doCimi fez antes dos debates em grupo,

Controle da CNPI

ele lembrou que a CNPI não será umasolução imediata, mas será fortalecidaa medida que o movimento indígenaocupá-la e fiscalizá-la. Na avaliaçãode Feitosa, o movimento indígena pre-cisa se articular cada vez mais com oscamponeses, quilombolas e ribeirinhospara se fortalecer.

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história atual da humanidade tem sidoa história da luta de classes. A históriada luta entre os que fazem tudo para

explorar, se apropriar das riquezas naturais e doproduto do trabalho social realizado pelas maio-rias, e a história dos que lutam para que a organi-zação e o resultado da produção, realizado pelamaioria, sejam divididos entre todos os seres hu-manos, ou seja, dos que acreditam que todos de-vem ter o direito de desfrutar dos resultados dotrabalho, dos bens naturais existentes e do conhe-cimento adquirido pela história da humanidade.

Os atingidos por barragens, por sua vez, sãoas maiores vitimas de uma política social eambiental irresponsável: centenas de pessoas ex-pulsas a força de suas propriedades e atividades,perda de terras férteis e produtivas, florestas de-vastadas, vidas destruídas, culturas condenadas

à morte, meio ambiente degradado. Hoje não sãosomente as populações ribeirinhas que sofrem comessa política, mas sim todos nós, o povo brasilei-ro que é atingido por uma política energética ir-responsável e insustentável.

Por isso, temos que aprofundar o estudo e odebate sobre as origens da crise energética e as me-lhores maneiras de superá-la. Isso é importante nãoapenas para os atingidos por barragens, mas tam-bém para os demais movimentos populares e paratoda a sociedade brasileira. Para que todos enten-dam que podemos atender às necessidades de águae energia do povo brasileiro sem mandar para asperiferias das cidades as populações ribeirinhas, semdestruir a vida nos vales, como é caso do “Vale deSão Marcos”, sem condenar à morte de nossos riose nossas florestas, sem destruir a fauna terrestre efluvial e principalmente nosso cerrado.

Para que construirusinas hidrelétricas?29

AA

O preço da Luz é um rouboA vítima é você

Nos últimos anos, as tarifas de luz, água etelefone têm aumentado muito, sempre acimada inflação. De 1995 a 2002 a tarifa de energiaresidencial aumentou mais de 180%, enquantoo IPC (Índice que mede a inflação) teve um au-mento de 58%.

Além do alto preço cobrado pelas empre-sas, os governos ainda acrescentam mais 25%a 30% de imposto. O resultado você vê todo mêsnas contas, cada vez mais caras. Sendo assim,devemos considerar duas questões: para queme para onde vai a energia.

A lógica da sociedade capitalista é consi-derar tudo como mercadoria e ter o controle to-tal dos locais de produção, isto é, o controle di-reto da exploração do trabalho. Desse modo,acontece a exploração do trabalho e a forma-ção do lucro capitalista.

A produção de energia, por sua vez, nãoescapa a essa lógica e é, também, consideradamercadoria.

Para onde vai todo o dinheiro?Você Imagina quanto as empresas arreca-

dam nas contas de luz? Sim, é muito dinheiro. E amaior parte vai para fora do Brasil, pois essasempresas, na maioria dos casos, são multinacio-nais (Tractebel, AES, Alcoa, Bradesco, Alcam).

A parte que o governo arrecada com os im-postos - ou seja, recursos públicos -também vaipara fora do Brasil, para pagar os juros da dívidaou em forma de subsídios para estas mesmasempresas fazerem suas obras.

Quantos empregos são gerados?Na maioria dos casos são muitos poucos

os empregos, tantos nas usinas, como é caso deUHE de três Ranchos (FURNAS) que empregaoito funcionários, quanto nas empresas que ven-dem ou consomem muita energia. E vem com odebate de gerar 1400 à 1800 emprego na região.

O que sobra para os brasileiros?A conta alta para pagar todo mês. Nos últimos

anos a tarifa de energia aumentou cerca de 400%.29 Texto elaborado pelo Movimento dos Atingidos por Barragens.

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Que o custo para produção de um kilowatt de energia é menos de 10 centavos evocê paga mais de 50 centavos o kilowatt?

Que as mesmas empresas norte americanas cobram no Brasil o dobro do valorcobrado nos Estados Unidos pela mesma quantia de energia?

Que no Paraná as famílias que gastam menos de 100 kilowatt de energia por mêsnão pagam a conta de luz?

Que a Alcoa - empresa dos Estados Unidos – paga somente seis centavos o kilowattde energia, para abastecer suas fabricas que exploram o alumínio no Brasil?

Que as empresas que mais gastam energia são as que menos geram empregosno Brasil?

Que o povo brasileiro paga uma das taxas mais altas do mundo no preço da luz?

A cada 1000 MWh consumidos na indústria de alimentos e bebias geram 70,2 em-pregos enquanto nas indústrias de alumínio geram 2,7 empregos;

6% da população mundial que vive nos países ricos consomem 1/3 de toda aenergia produzida no mundo.

VOCÊ SABIA?

30 Disponível em www.mabnacional.org.br/noticias/050307_falta_energia.htm - 29k.

escassez de energia é apontada pelamídia, governo e investidores como ogrande problema para o desenvolvimen-

to do país. Em coerência com essa idéia, a maiorparte do orçamento (R$ 274,8 bi) do Programade Aceleração do crescimento – PAC, divulgadopelo governo no último mês, foi destinada para arubrica “investimento em infra-estrutura energética”.

Porém, especialista e movimento social refutamessa tese com base nos próprios dados divulga-dos pela Agência Nacional de Energia Elétrica(ANEEL).

O Ministério de Minas e Energia (MME)definiu que, está dentre os objetivos do progra-ma, “garantir a segurança do suprimento de ener-gia elétrica” contando, inclusive, com a “partici-

A falácia do risco da falta de energia30

Especialista e movimentos sociais rebatemalarmismo da mídia corporativa, governo e inves-tidores de que faltará energia

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pação efetiva do setor privado”. Para isso, estáprevista a construção de mais hidrelétricas até2010 capazes de gerar 12.386 MW, e aimplementação de alguns instrumentos de incen-tivo ao investimento privado. Além disso, um Gru-po Gestor (GGPAC/ MME) do Ministério foi for-mado na última terça-feira (6/2) para acompa-nhar e assegurar as ações previstas no Programa.

Todas essas medidas foram feitas em nomedo “desenvolvimento” e do “crescimento econô-mico” do país.

No entanto, Dorival Gonçalves Júnior,professor de engenharia elétrica da Universida-de Federal de Mato Grosso (UFMT), desconstróia tese do risco de falta de energia. Para isso eleexamina, inicialmente, a capacidade de forne-cimento médio de eletricidade durante todo oano, que é denominada de “energia assegura-da” pela ANEEL. Segundo o banco de dadosda Agência, a capacidade de gerar energia elé-trica na atualidade é de 57.500 megawatts (MW)médios. Comparando agora com a demanadarequerida durante o ano de 2006 (que foi de47.500 MW), de acordo com os dados da ONS(Operador Nacional do Sistema Elétrico Inter-ligado), conclui-se que sobrou 10 MW de ener-gia no ano passado. Para reforçar, ele dá umexemplo mais recente, de janeiro de 2007,onde o consumo de energia foi de 49.183 MWmédios, sobrando assim, 8.317 MW médios deenergia. Dorival conclui: “considerando queesse excedente de 8.317 MW é, praticamente,a energia assegurada da Itaipu (atribuída pelaANNEL), podemos dizer que hoje o sistema elé-trico interligado nacional opera com umaItaipu em stand by”.

Já o prof. Luiz Pinguelli Rosa, Coordena-dor do Programa de Planejamento EnergéticoCOPPE/UFRJ e ex-presidente da Eletrobrás, oBrasil tem uma projeção de crescimento econô-mico e precisa gerar emprego. Portanto, “é ne-cessária a expansão de energia, eu não tenhodúvidas disso”, alerta Pinguelli. Ele acrescentaainda que a energia per capita do Brasil é muitopequena. “Se comparar com os EUA ou Europaé uma disparidade. Mesmo na América Latina,se comparar com Argentina ou Chile, é muitomenor”, avalia.

Demanda Futura

O principal argumento dos defensores da“tese da escassez” é que o crescimento econômi-co do Brasil nos próximos anos deve fazer com

que a atual energia assegurada (57.500 MW) nãoseja suficiente. Contrariando essa opinião, Gon-çalves Jr. mostra que, seguindo a previsão do Pla-no Decenal de Expansão de Energia Elétrica 2006-2015 (PDEE), elaborado pela Empresa de Pesqui-sa Energética (EPE), não teremos falta de energianos próximos anos.

O plano aponta três cenários de cresci-mento da demanda de energia: O primeiro, de-nominado “trajetória alta”, estima o crescimen-to anual da carga de energia para os próximos4 anos de 5,1%. O segundo, chamado de “tra-jetória referência”, prevê o crescimento anualaté 2010 de 4,9% ao ano. E, o terceiro, “traje-tória baixa”, admite a variação da carga em3,9% ao ano no período.

A partir desses números (ver tabela 1), le-vando em conta a oferta e o consumo, Gonçal-ves Jr. conclui que o único cenário que ultra-passa a energia assegurada de hoje em 2010 éo de trajetória alta (que teria demanda de57.956,8MW em 2010). “Ele ultrapassa somen-te 456,8 MW médios. Semana passada come-çaram a construir a hidrelétrica de Estreito, emTocantins, que vai produzir mais de 1.000MWde energia, ou seja, muito acima do necessá-rio”, afirma o professor.

Gonçalves Jr. pondera ainda que esta hi-pótese de crescimento para a demanda (5,1% aoano) parece muito improvável de se realizar, poisos dados registrados pelo ONS nos anos 2005 e2006, foram respectivamente de 4,5% e 3,9%, epara este ano o ONS estima um aumento de 3,6%.“Então é difícil acontecer esse cenário de trajetó-ria alta. Mesmo que não seja adicionado nem umanova fonte até 2010, não faltará energia”, argu-menta Dorival.

Energia para quem?O Movimento dos Atingidos por Barragens

– MAB, que junto com outras entidades está pu-xando a campanha O preço da luz é um roubo,considera a tese do défcit de energia uma chanta-gem do setor elétrico. “Isso é uma especulação nacomercialização de energia elétrica. O que elesquerem é que tenha energia sobrando paracomprá-la cada vez mais barata e em forma desubsidio do governo”, alerta Marco AntonioTrieveiller, da coordenação do movimento. Issoacontece, por exemplo, no Pará com a Albrás eno Maranhão com a Alumar.

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Apesar de defender que o país precisa demais fontes de energia, Pinguelli acredita que oque deveria ser feito é usar a energia dos produto-res de alumínio (eletro-intensivos) para a popula-ção. “Existe um grupo de privilegiados chamadosde consumidores livres, que consomem 30% daenergia do Brasil a um preço baratinho. Quempaga é o pobre”.

Para Dorival Gonçalves Jr., sob o discurso daescassez iminente de eletricidade, “está submersauma matriz de interesses que de modo algum ex-pressam qualquer interesse dos trabalhadores”. Se-gundo ele, desde a privatização do setor o preço datarifa residencial subiu. (ver tabela 2). A eletricidadesaiu da faixa dos US$ 70 dólares para mais deUS$130, mantendo-se no nível dos US$ 100.

Mecanismos de sustentação deste modeloforam inclusos no PAC. No caso dos financiamen-tos do BNDES, que já eram bastante favoráveis,ficaram ainda mais, já que o banco financiaráaté 80% do empreendimento e o prazo de paga-mento aumentou de 14 para 20 anos. Além disso,está sendo criado o Fundo de Investimento emInfra-estrutura com o uso do FGTS. “O PAC veiopara aperfeiçoar esse modelo energético lucrati-vo” conclui Dorival.

mos que o MAB é o legítimo representantedos atingidos por barragens. Dentro dessecontexto de exclusão, é um movimento pró-prio desses excluídos, não alguma coisa su-perior, nem alguma coisa lateral. Em segun-do lugar preciso mencionar sua atuação. Euconheci o movimento quando morava na

Hidrelétricas na AmazôniaAs hidrelétricas do Rio Madeira (RO) e

de Belo Monte(PA) são dois polêmicos projetosque constam no Programa de Aceleração doCrescimento (PAC). Ambos são alvos de críti-cas e protestos por parte de movimentos sociaise ambientais.

O complexo do Rio Madeira prevê a cons-trução das usinas hidrelétricas Santo Antônio eJirau que, juntas, poderão gerar cerca de 7,5 milMW. Segundo Wesley Ferreira Lopes, do MAB,esses empreendimentos são pra atender as ne-cessidades do capital e não do povo, já que aenergia produzida pelas hidrelétricas é para abas-tecer as empresas e não o a população. Além dis-so, “as obras vão elevar o nível do rio em maisde 4m em algumas regiões, desabrigando maisde 3 mil famílias”, denuncia.

Belo Monte, com geração prevista de 11mil MW, teve sua autorização de estudoambiental questionada pelo Ministério PúblicoFederal do Pará na semana passada. Eles exi-gem uma consulta aos indígenas da região peloCongresso Nacional, além de discutirem possí-veis alternativas à obra.

Setor de Comunicação: Como o senhorvê a organização do MAB e a inser-ção do Movimento na sociedade?

Dom Orlando Dotti: O meu pensamento não éexclusivamente meu, é um pensamento quenós da Igreja temos. Em primeiro lugar dize-

31 Dom Orlando Dotti, bispo Emérito da diocese de Vacaria/RS, é um dos grandes apoiados do Movimento dos Atingidos porBarragens desde a sua criação, acompanhou atingidos por barragens na Bahia, em Santa Catarina e Rio Grande do Sul emesmo como bispo emérito, continua junto à luta dos pobres do campo. Dom Orlando fala ao Jornal do MAB sobre o papelda Igreja entre os movimentos sociais e a criminalização dos mesmos. Matéria publicada no Jornal do MAB.

“Antes de produzir energia,as hidrelétricas produzem excluídos”,diz Dom Orlando Dotti31

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Bahia, era pequeno, regional. Agora perceboque cresceu e amadureceu em muitos aspec-tos, tornou-se movimento nacional e articu-lou-se internacionalmente. Há uma expansãomuito grande do MAB e acima de tudo, háuma qualificação de suas ações.

Setor de Comunicação: Do seu pontode vista, qual é o papel da Igrejajunto aos Movimentos?

Dom Orlando: Eu penso que hoje a Igreja sesitua num outro patamar. Principalmente du-rante o período da ditadura ela fazia quasetudo: organizava e mobilizava o povo, produ-zia os subsídios, etc. Com o passar do tempoa Igreja entendeu que não é toda a socieda-de, mas uma parte dela. Eu diria que o proje-to do MAB e dos demais movimentos sociaisé o mesmo que o nosso: queremos uma vidamelhor, o bem comum para todos, o projetode uma sociedade livre, democrática, que hajamenos desigualdade social.

Setor de Comunicação: As prisões queaconteceram contra os atingidos re-tomam ações da ditadura militar?

Dom Orlando: A opressão aos atingidos acon-tece porque existe uma promiscuidade entreas empresas, o ministério público e o judiciá-

ecentemente temos presenciado umaforte ofensiva das empresas do setorelétrico contra militantes sociais e de-

rio. Uma promiscuidade que dita o que sedeve fazer para que a barragem sejaconstruída e para o lucro das empresas, nãose importando com o que acontece com opovo. E o que está acontecendo em algumasregiões do país é um abuso, a coisa mais fácilpara se acabar com um movimento écriminalizar as lideranças, e é o que estão fa-zendo neste pacto que existe entre o poderconstituído e as empresas. Então criminalizamdando ordens de prisão, são supostos comocriminosos e fica por isso mesmo.

Setor de Comunicação: Como o senhorvê os próximos passos da luta?

Dom Orlando: Criou-se a mentalidade de sercontra as barragens porque sabe-se de an-temão que elas vão trazer grande malefíciospara as pessoas. É a vida humana que estáem jogo e até hoje as barragens nunca me-lhoraram a vida dos atingidos. Por isso temtanta gente que é contra esse modelo de pro-dução de energia, o governo tem que implan-tar um novo modelo, que privilegie a pessoahumana. O MAB tem que lutar cada vezmais por isso e os investimentos públicos,que servirão somente a interesses particula-res, devem ser revertidos ao bem estar dospobres ribeirinhos, pois antes de produzirenergia, estas usinas produzem excluídos eisso deve acabar.

fensores dos direitos humanos das populaçõesatingidas por barragens. Na medida em que aresistência das comunidades ribeirinhas con-

32 Artigo disponível em www.mabnacional.org.br/textos/index.htm - 51k

RR

Ditadura na barranca dos rios brasileiros:perseguição e criminalização de

militantes da luta contra as barragens32

Eduardo Luiz Zen

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tra o atual modelo energético vai se tornandomais forte, intensifica-se também as ações deforça da polícia contra os atingidos, não só nasreintegrações de posse dadas pela justiça, masprincipalmente nas ações violentas para dis-persar manifestações em rodovias, nas inva-sões e destruição de acampamentos e até nasaudiências públicas oficiais para discutir asbarragens, quando os atingidos são impedidosde se expressar ou expulsos de forma violentado local da audiência.

A ação policial tem aumentado de manei-ra significativa também nas ações de despejos,quando os atingidos se recusam a abandonarsuas terras e casas, que ficarão embaixo dos la-gos das barragens. Nestes casos, a polícia se en-carrega de expulsar a família de sua casa, quelogo é demolida ou incendiada, como forma deimpedir que os moradores retornem.

Em 2004 uma comunidade inteira atingi-da pela barragem de Candonga, em Minas Ge-rais, passou por esta situação. Na vila de SãoSebastião do Soberbo, dezenas de famílias re-sistiram durante semanas contra as investidas dapolícia militar com apoio da polícia federal paraefetuar o despejo de todos. No final, com aumen-to do efetivo policial ocupando a vila, as famíliasnão puderam conter as retroescavadeiras que des-truíram suas casas.

Perto dali, no dia 08 de março de 2005,35 pessoas ficaram feridas durante a realiza-ção de uma audiência pública para discutir aconstrução da barragem de Jurumirim, no mu-nicípio de Rio Casca. Mulheres e crianças fo-ram espancadas pela polícia, que também man-teve presos por um dia, seis pessoas apontadascomo líderes do MAB.

No estado do Pará, tropas do exército comautorização para agirem como polícia, chegarama ser utilizadas no mês de março de 2005, para“proteger” as instalações da Usina Hidrelétrica deTucuruí (PA), que há duas décadas atrás expul-sou 30 mil pessoas de suas terras, a maioria semreparação até hoje.

Mais recentemente, no dia 05 de outubrode 2005, 50 policiais invadiram e destruíramcompletamente um acampamento de agriculto-res próximo ao Rio Canoas, na região atingidapela barragem de Campos Novos, em SantaCatarina. Após esta ação, a tropa dirigiu-se aoutro acampamento localizado próximo ao can-

teiro de obras da Usina, onde houve confrontoe um agricultor foi preso.

Estes são apenas alguns exemplos do trata-mento que às populações ribeirinhas recebem,quando estão organizadas e em luta pelos garan-tia dos seus direitos. Mas o que mais chama aten-ção na tática do governo e das empresas do setorelétrico para combater a organização e resistên-cia das populações atingidas por barragens sãoas perseguições políticas, difamação, ameaças etentativa de criminalização das lideranças eapoiadores desta luta.

Um levantamento preliminar feito na ba-cia do Rio Uruguai, sul do país, mostrou quenesta região, 107 atingidos por barragens res-pondem a processos civis ou criminais deman-dados pelas empresas construtoras ou por ou-tros agentes a seu serviço. As principais lide-ranças do MAB na região sul do Brasil res-pondem sozinhas a mais de 15 processos cadauma. Os autos dos processos judiciais, somammais de 30 mil páginas. Para 36 atingidos pro-cessados em ações criminais, são pedidas pe-nas que vão de 1 a 30 anos de prisão por par-ticiparem do movimento e 9 pessoas respon-dem a ação onde se pede indenização de R$1 milhão de reais por danos na Usina de Cam-pos Novos. A lém disso, advogados eapoiadores do MAB também estão na lista deprocessados, como forma de coagi-los a pa-rarem de apoiar a luta dos atingidos.

Toda esta tentativa de criminalização temcomo objetivo geral enfraquecer a luta contraas barragens. Para isso, os processos judiciaiscumprem o papel de intimidar os atingidos ouseus apoiadores, para que abandonem a or-ganização e parem de lutar. Os processos tam-bém mantêm os dirigentes ocupados, levando-os a usarem parte significativa de seu tempoem se defenderem, quando poderiam estar or-ganizando a resistência.

A criminalização também busca desqua-lificar os atingidos perante a opinião pública,tachando-os de marginais e bandidos. Paraisso, as empresas construtoras contam com va-lioso apoio da mídia. Em última instância, oobjetivo final dos processos é levar a prisão osprincipais dirigentes e militantes da luta con-tra as barragens.

Os fatos de criminalização ocorridos sãoapenas um dos desdobramentos de um pro-

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cesso bem mais amplo, que levam o MAB adenunciar à sociedade brasileira a existênciade uma verdadeira “ditadura” na barrancados nossos rios.

Esta ditadura se materializa na retirada eexpropriação dos meios de vida e subsistênciadas população não-proprietária que são afeta-das por uma represa; na negação sistemática dosdireitos humanos, econômicos, sociais, culturaise ambientais destas populações; na incapacida-de total do ministério público e do poder judiciá-rio em garantir estes direitos; na utilização daviolência policial e até de tropas do exército paraguarnecer os canteiros de obras e dispersar ma-

nifestações populares contra as barragens; na per-seguição política, tentativas de criminalização eprisões arbitrárias de militantes sociais e líderesque organizam a resistência das populações.

Além disso, os processos de licenciamentoambiental das obras são marcados por irregu-laridades e fraudes, onde impera a política dofato consumado em desacordo com a legisla-ção vigente no país.

As decisões sobre as liberações das obrasnão são técnicas e nem acontecem em ambi-ente democrático, são decisões políticas toma-das por governos submissos aos interesses dasgrandes empresas.

AAlucratividade do sistema energéticoprivatizado brasileiro é tanta que as em-presas de energia e gás estabelecidas no

Brasil foram o segundo maior segmento a remeterlucros para o exterior em 2006: US$1,378 bilhão,ficando atrás apenas dos bancos.Apenas no segun-do trimestre de 2007, o lucro líquido da TractebelEnergia (subsidiária da multinacional franco-belgaSuez-Tractebel) - maior empresa privada geradorade energia no Brasil – foi de R$229,5 milhões.

Hidrelétricas e violaçõesde Direitos Humanos

Leandro Gaspar Scalabrin

Apesar da enorme dívida social e eco-lógica em aberto nas inúmeras barragens jáem operação, dos inúmeros casos de viola-ções de direitos humanos não reparados, ogoverno federal insiste no modelo de cons-trução de barragens. Atualmente, integram oPAC – Programa de Aceleração do Cresci-mento – e estão em fase de construção asseguintes usinas hidrelétricas (e seus respec-tivos orçamentos):

UHE Estreito (Tocantins / Maranhão)..............................................................R$2 bilhões

Eclusas da UHE de Tucuruí (Pará).............................................................R$611 milhões

UHE Foz do Chapecó (Rio Grande do Sul / Santa Catarina).......................R$2,2 bilhões

UHE São Salvador (Tocantins / Goiás) - Tractebel.........................................R$424 milhões

UHE Serra do Facão (Goiás).......................................................................R$707 milhões

UHE Salto Pilão (Santa Catarina)..............................................................R$352 milhões

UHE Castro Alves (Rio Grande do Sul).......................................................R$47 milhões

UHE 14 de julho (Rio Grande do Sul)..........................................................72,7 milhões

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Apenas nestas obras, cerca de vinte milfamílias serão atingidas e deslocadas compul-soriamente, ou seja, serão obrigadas a aban-donar seu modo de vida tradicional, suas terrase suas casas – porque estas foram declaradasde “utilidade pública” para fins de “aproveita-mentos hidrelétricos”.

O modelo energético brasileiro é a causadas violações de direitos humanos: os rios sãopúblicos, as concessões das obras são públicas,o licenciamento ambiental é público, mas os lu-cros são privados.

O Banco Nacional de DesenvolvimentoEconômico e Social (BNDES), tem tido papelde destaque nas violações de direitos huma-nos na implantação de hidrelétricas, na medi-da em que não exige dos financiados o respei-to aos pactos internacionais firmados pelo Bra-sil. O BNDES aprovou R$ 8,3 bilhões em fi-nanciamento para o setor de Energia Elétricanos últimos 12 meses.

O Artigo 11 do Pacto Internacional dos Di-reitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC),reconhecido pelo Brasil, reconhece o direito detoda pessoa a uma melhora continua de suas con-dições de vida. Ter acesso à energia elétrica não éum luxo e sim um direito de todo cidadão. O pre-ço da energia tem obrigado as famílias carentes,se alimentar menos, se vestir pior, ter menos lazere pior condição de moradia, num claro retrocessonas suas condições de vida: duas pessoas morre-ram, uma no Ceará e outra em Rondônia, ambasdoentes, que tiveram suas contas de energia cor-tada porque não tinham condições de pagar.

Os atingidos por barragens, organizados emmovimento, precisam e continuarão, exigindo doEstado a sua responsabilidade para cumprimen-to dos diplomas nacionais e internacionais quegarantem a defesa e promoção dos direitos hu-manos, em especial no que se refere às suas obri-gações para com PIDESC, no que tange a garan-tia da melhoria contínua das condições de vidada população brasileira.

MAB denuncia violaçãodos direitos humanos33

Comissões visitam regiões mais afetadas

CC

33 Texto feito pelo Movimento dos Atingidos por Barragens

omunidades esquecidas, isoladas. Re-pressão policial. Direitos negados ounão reconhecidos. Tradições culturais

extintas. Na tentativa de pautar estes e outros pro-blemas sofridos pela população atingida junto aosórgãos competentes do país, o MAB encaminhoudiversas denúncias de violações de direitos hu-manos decorrentes do processo de construçõesdas barragens ao Conselho de Defesa dos Direi-tos da Pessoa Humana (CDDPH), órgão ligado aSecretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH)do governo federal.

Em uma reunião do CDDPH do ano pas-sado foi formada uma Comissão Especial que du-rante esse ano visitou a barragem de Acauã, naParaíba, e as hidrelétricas de Foz do Chapecó, emSanta Catarina, Tucuruí, no Pará, Aimorés,Emboque e Fumaça, em Minas Gerais, e CanaBrava, em Goiás.

O representante da Defensoria Pública daUnião na Comissão, João Paulo Dorini, afirma queem todas as visitas as denúncias feitas pelo MABforam confirmadas. O caso que mais causou es-panto para Dorini foi o da Barragem de Acauã.

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“Muitas pessoas saíram de suas casas já com aágua nos pés. E a comunidade está totalmenteesquecida, isolada”.

Um relatório final feito pela Comissão seráentregue ao CDDPH. A Comissão Especial só tempoder de sugerir medidas, até mesmo de caráterde urgência, mas não de executá-las. “Espero queo relatório não seja mais um documento que vápra gaveta. Se ele servir pelo menos para a dis-cussão pública sobre o tema já cumpriu boa par-te do seu papel”, afirmou Dorini.

Para o MAB, o relatório será mais um ins-trumento de luta e pressão política.

A Comissão esta constituída com repre-sentação do Ministério do Meio Ambiente, Mi-nistério de Minas e Energia, Movimento dosAtingidos por Barragens, Conselho de Defesados Direitos da Pessoa Humana, Câmara dosDeputados, Instituto de Pesquisa e Planeja-mento Urbano e Regional da UniversidadeFederal do Rio de Janeiro, Ministério PúblicoFederal e Defensoria Pública da União.

Criada durante o regime militar, a usi-na deslocou 32 mil famílias, segundo dadosda própria Eletronorte. Como foi construídaantes da lei que exige que seja feito o estudode impacto ambiental antes da construção dabarragem, o mesmo foi elaborado simultane-amente à construção da obra.

Segundo estudo do Instituto de Pesqui-sa da Amazônia (INPA), as conseqüências so-ciais e ambientais da hidrelétrica de Tucuruí

foram, e continuam a ser, negativas e preju-diciais. Algumas delas: o deslocamento dapopulação na área de inundação e a suarealocação subseqüente devido a uma pra-ga de mosquitos Mansonia; o desaparecimen-to da pescaria que sustentava, tradicional-mente, a população a jusante da barragem;os efeitos sobre a saúde devido à malária e acontaminação por mercúrio; e o deslocamen-to e perturbações de grupos indígenas(Parakanã, Pucurui e Montanha)

UHE de Tucuruí (PA)(recebeu visita entre 4 e 6 de agosto)

Veja algumas das denúnciasencaminhadas em cada região:

UHE de Cana Brava (GO)(recebeu a visita entre 15 e 18 de agosto)

No cadastro do Movimento dos Atingi-dos por Barragens (MAB) constam 808 famíli-as atingidas pela usina hidrelétrica de CanaBrava, localizada município de Minaçu (GO)que ainda não receberam qualquer tipo de in-denização. Esta é a principal denúncia enca-minhada pelo movimento ao Conselho de De-fesa dos Direitos da Pessoa Humana(CDDPH), órgão ligado à Secretaria Especialde Direitos Humanos (SEDH).

O projeto da usina de Cana Brava foiconcedido à CEM – Companhia Energética

Meridional, subsidiária da Tractebel Ener-gia S.A, como resultado de uma licitaçãointernacional promovida pela ANEEL, emmarço de 1998. Segundo o MAB, 946 famí-lias foram atingidas (entre ribeirinhos, sem-terra, pescadores, arrendatários, meeiros,mineradores, professores de escolas fecha-das, etc), mas só 121 foram reconhecidas.O processo de reassentamento das famíliasreconhecidas ainda não foi concluído. Es-tas famílias encontram-se acampadas e or-ganizadas em grupo.

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UHE de Emboque (MG)(recebeu visita no dia 29 de agosto)

Famílias atingidas pela UHE deEmboque, da empresa CAT–LÉO ENER-GIA, relatam casos de total desrespeito aosDireitos Humanos como. Um deles foi ocaso de Sílvio Clemente, que suicidou-se porcausa da truculência e maus tratos da em-presa. Ângela, que foi tirada de sua própriacasa por vinte policiais e está sem indeni-zação até hoje.

A barragem de Emboque, localizada norio Matipó, municípios de Abre Campo e RaulSoares, em nove anos de funcionamento, acu-mula um triste saldo de dez mortes. Na épocada construção da barragem de Emboque mor-reram cinco pessoas, sendo dois operários etrês atingidos. Depois do lago cheio, morrerammais cinco, dois em acidente nas curvas peri-gosas das estradas relocadas pela empresa.

UHE de Fumaça (MG)(recebeu visita no dia 30 de agosto)

A empresa norte americana Novelis,dona da barragem de Fumaça, localizadano Rio Gualaxo do Sul, municípios deMariana e Diogo de Vasconcelos, compro-meteu 300 anos de artesanato em pedrasabão na região próxima a Ouro Preto eafetou, diretamente, a atividade cultural

de centenas de artesãos e a sobrevivênciade mais de duas mil pessoas. Muitosartesãos estão até hoje sem nenhum tipode indenização. O lago da barrageminviabilizou a exploração de quarenta pe-dreiras, que ficaram em área de risco oudebaixo d’água.

Os reassentamentos de Cajá, Melânciae Pedro Velho na Paraíba são consideradospelo Movimento dos Atingidos por Barragens(MAB) a pior situação social das famílias re-assentadas por uma barragem no país. O MABdenuncia: déficit habitacional de 240 mora-

dias; escolas inexistentes ou com funciona-mento precário; merenda escolar insuficien-te; posto médico inexistente ou com funcio-namento precário; assistência médica ruim;inexistência de área para desenvolvimento daagricultura e pecuária, entre outros déficits.

Barragem de Acauã (PB)(recebeu a visita entre 18 e 20 de abril)

Até agora foram desapropriadas 71famílias na região do canteiro de obras deFoz do Chapecó. Dessas, segundo o MAB,mais de 30 tiveram os direitos negados ou“não reconhecidos” pela empresa. Alémdisso, o consórcio, formado pelo grupoCPFL (Votorantim, Camargo Corrêa eBradesco), Furnas e a concessionária CEEE,estaria induzindo as famílias a escolherem

carta de crédito ou indenização em dinheiroao invés de reassentamento coletivo, des-respeitando a livre opção de escolha ga-rantida por lei.

Entre as práticas utilizadas pela empre-sa e denunciadas pelo Movimento, destacam-se: ameaças, cooptação, pressão psicológica,uso da força, queima e destruição de casas,omissão de informações ao Poder Judiciário.

UHE de Foz de Chapecó (SC)(recebeu a visita entre 27 e 29 de julho)

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dia 9 de agosto de 2007 ficou marcadona história do nosso país como mais umdia em que o governo federal se curvou e

cedeu aos interesses das grandes transnacionais.Nesta data o Instituto Brasileiro do Meio Ambien-te (Ibama) concedeu a licença prévia, atestandoa viabilidade ambiental das hidrelétricas de San-to Antônio e Jirau, no coração da floresta amazô-nica, em Rondônia.

Estes dois projetos de hidrelétricas no RioMadeira vêm sendo discutidos há vários anos efazem parte de um plano maior de saqueio daAmazônia. Desde setembro do ano 2000, atravésde uma iniciativa do então presidente FernandoHenrique Cardoso, o plano dessas hidrelétricas foiganhando forma e força e, mais a frente, o Go-verno Lula passou a assumir como um dos prin-cipais projetos de geração de energia de seu go-verno pelo chamado Programa de Aceleração doCrescimento (PAC).

Segundo o debate que o Movimento dosAtingidos por Barragens vem fazendo, a crisemundial de energia está atraindo para países comoo Brasil as indústrias que, nas suas nações de ori-gem, já não têm condições de adquirir a elevadacarga de energia que consomem. E como neces-sitam de energia barata para se viabilizar, encon-traram aqui todas as vantagens que precisam, soba conivência e incentivo do Estado brasileiro.

Além disso, o fato é que o entreguismo dosrecursos naturais da Amazônia agora vem mas-carado por uma mentira, ou seja, foi criada umanecessidade de energia para evitar um novo

‘apagão’ num futuro breve, no entanto, dadosapontam que se o crescimento do país continu-ar na média dos últimos anos, temos energiaelétrica suficiente até 2010. Mas esses dados nãosão publicizados e o pânico que o governo e agrande mídia criaram na população com possi-bilidade de um novo racionamento de energiaforam condições para este primeiro licenciamen-to dado pelo Ibama, sob forte pressão de inte-resses privados.

Para o governo federal as duas usinas po-dem produzir o que hoje representa 8% da de-manda nacional, necessários para impedir o‘apagão’, mas para o MAB a falta de energia e aconstrução das duas usinas é um pretexto e signi-fica abrir hidrovias para o escoamento das rique-zas minerais que estão na região amazônica, alémde garantir o funcionamento da indústria da bar-ragem com a venda de turbinas, geradores, cimen-to, entre outros.

Com a licença prévia, concedida à esta-tal Furnas Elétricas, a obra já pode ser leiloa-da e as verdadeiras interessadas nas obras sãoa Companhia Vale do Rio Doce, Alcoa,Citicorp, Duke Energy, todas dos Estados Uni-dos; a Votorantim e o Banco Bradesco, do Bra-sil; além da inglesa Billington Metais e da chi-nesa CTIC. A energia elétrica gerada em Jiraue Santo Antônio terá o preço de custo (R$51,00/ megawatt/hora – MW/h) para as suasindústrias de alumínio, siderurgia, celulose, pa-pel, cimento, ferro-ligas e petroquímica, o quejá é um grande vantagem.

OO

Usinas hidrelétricas no Rio Madeirae a cobiça internacionalO que está por trás da construção de Jirau e Santo Antônio?Rapinagem das riquezas amazônicas pela hidrovia, fortaleci-mento da indústria da barragem, energia barata para as indús-trias eletrointensivas e uma fábrica de dinheiro com a venda daenergia para o povo brasileiro.

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Mas o verdadeiro lucro que as empre-sas acionistas terão será com a venda da ener-gia, que com um custo de produção muito re-duzido e beneficiadas pelos altos preços nastarifas de energia no Brasil, obtém altos lu-cros na venda do excedente. De acordo comcálculos do MAB, considerando que o valor éde R$ 130 por megawatt nos leilões de energiano Brasil e que a capacidade é de4.051 MW/hora nas duas usinas,as empresas acionistas de Jirau eSanto Antônia podem faturar atéR$ 530 mil a cada hora.

Segundo dados do PAC -Programa de Aceleração de Cres-cimento, grande parte energia pro-duzida pelas duas hidrelétricasserá levada principalmente paraos estados onde as empresas aci-onistas possuem suas indústriasconsumidoras de energia, comoSão Paulo, Rio de Janeiro e Mi-nas Gerais. Ou seja, pouca ouquase nada da energia produzidaserá uti l izada pelo estado deRondônia, então o discurso dedesenvolvimento regional com aconstrução de usinas hidrelétricas mais umavez é uma falácia.

Povo brasileiro pagapara ser roubado

Na região amazônica o desnível do ter-reno é pouco e os impactos sociais eambientais que as duas obras ocasionarão sãoincalculáveis. Com 529,36 km² (53 mil hecta-res) de área inundada, o MAB estima que se-rão atingidas cinco mil famílias da região. OEstudo de Impacto Ambiental (EIA) fala em 2,8mil pessoas, no entanto, segundo o Movimen-to, estão sendo contabilizadas apenas as pes-soas que possuem título de propriedade sobreas terras, como é recorrente em todas as cons-truções de barragens no país.

A dignidade do povo não interessa à co-biça internacional, mas o dinheiro do povointeressa e muito para a construção da obra.Os 43 bilhões de reais necessários para o con-junto de obras do chamado “Complexo do rioMadeira” sairá do Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico e Social (BNDES), um

banco público, do povo brasileiro controladopelo Governo Federal, que utiliza recursos doFundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) paraseus empréstimos. Ou seja, o BNDES pega di-nheiro dos trabalhadores para investir em em-presas internacionais, dá 14 anos para o pa-gamento deste empréstimo e o que o povo re-cebe em troca é a quinta tarifa de energia

mais cara do mundo.

Se transformarmos estes 43bilhões de reais da construção deJirau e Santo Antônio em rendapara a população local, teremosuma noção do lucro extraordiná-rio que as empresas terão com avenda de energia.

Por exemplo: a capital deRondônia, Porto Velho, segundoestimativas de 2006, possui umapopulação de 380.971 pessoas.Se compararmos com o total doinvestimento, ou seja, 43 bilhõesde reais, isso equivale a 113 milreais para cada habitante domunicípio.

Ameaçar a cobiçainternacional: esta é a forçada organização do povo

O capitalismo tem medo do povo e estaé a tarefa dos verdadeiros donos dos rios eflorestas: ameaçar, amedrontar e expulsar osmascarados que se instalam em todo o país,e agora em especial na Amazônia, para saque-ar nossas riquezas.

Para a coordenação naci-onal do Movimento dos Atin-gidos por Barragens, nossoprincipal compromisso é en-frentar os projetos que não in-teressam ao povo e entregarnossas fontes de energia, nos-sos rios, nossa água, nossos mi-nérios e florestas para gruposinternacionais, é entregar nos-so território e nossa gente à do-minação estrangeira. É compro-meter nosso futuro como povoe como Nação.

Grande parteda energiaproduzidapelas duas

hidrelétricasserá levada

para os estadosonde as

empresasacionistas

possuem suasindústrias

Grande parteda energiaproduzidapelas duas

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8134 Texto feito pelo Movimento dos Atingidos por Barragens.

Os donos de nossos rios. Até quando?34

OOMovimento dos Atingidos por Barra-gens- MAB tem entre suas principaisbandeiras de luta a construção de um

novo modelo energético, onde a água e a ener-gia estarão a serviço e sob controle do povo Bra-sileiro. As empresas abaixo são inimigas denossa proposta e do povo brasileiro. Estas em-presas transnacionais controlam hoje a explo-ração de nossos rios para produção de energia,e fazem de maneira ditatorial e excludente. Den-tro das novas leis brasileiras de recursos hídricos,poderão controlar dentro brevemente o uso denossos rios para irrigação, transporte e abaste-cimento de água.

Tractebel-Suez

Subsidiária belga do conglomeradofrancês de exploração de água, Suez, S.A..A Tractebel está construindo a barragem deCana Brava, no rio Tocantins, com US$160mi lhões em f inanc iamento do BancoInteramericano de Desenvolvimento (BID). ATractebel se recusou a reunir com o MAB paradiscutir a situação de centenas de famíliasatingidas, excluídas arbitrariamente de pro-gramas de compensação. Controla tambémas barragens de Itá e Machadinho (rio Uru-guai) e tenta adquirir a concessão para cons-truir mais barragens no Tocantins.

Alcoa(Aluminium Company of America)

A maior empresa de alumínio do mun-do, com sede nos Estados Unidos, vem se be-neficiando de cerca de 200 milhões de dóla-res anuais através do uso de energia subsidi-ada da barragem de Tucuruí (que inundoucerca de 2.820 km2 de florestas tropicais)para sua fábrica de alumínio, Alumar. Plane-ja construir três grandes barragens na Ama-zônia que inundarão comunidades indígenase reservas ecológicas. São sócios também embarragens no rio Pelotas e Uruguai, no Sul doBrasil. Tem parceria também nos rios Pelotase Uruguai no Sul do Brasil.

BHP Billiton

A maior empresa de minérios do mundo,sediada nos Reinos Unidos, é sócia da ALCOAno controle da Alumar e planeja barragens para aAmazônia. Também é acionista de peso na Cia.Vale do Rio Doce.

Citicorp

Banco dos Estados Unidos que tem partedo controle da Companhia Vale do Rio Doce(CVRD), a maior empresa de mineração do Bra-sil, e da fábrica de alumínio Albrás junto a umconsórcio japonês. Está unindo-se a Alcoa e Billitonem planos de novas barragens para a Amazôniapara satisfazer sua gula por eletricidade.

AES Corporation

Empresa sediada nos Estados Unidos e omaior investidor privado no Brasil. Embora afir-me “ter orgulho” de sua responsabilidade social,AES tem controle da CEMIG (Companhia Ener-gética de Minas Gerais), que em parceria com aCVRD está construindo barragens como as deAimorés, Igarapava, e Porto Estrela que expulsa-rão milhares de famílias.

AEP(American Eletrical Power)

Empresa sediada nos Estados Unidos eprincipal acionária da barragem de Lajeado, norio Tocantins. 15.000 pessoas foram expulsaspela barragem, e o reservatório já está em en-chimento. Mas o maior parte dos planos demitigação dos impactos sociais e ambientaisainda não foi implementado, levando promoto-res públicos a acusar que há “fraude” no pro-cesso de licenciamento.

Eletricidade de Portugal

Associada a AEP na barragem de Lajeadoplaneja quatro novas barragens no rio Tocantins.

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Southern Company (USA)

Associada a AES no controle da CEMIG.

Outras:

Electricité de France

Associada a AES no controle da Light.

Duke Energy (USA)

Proprietária de barragens no rio Paranapa-nema e de usina termelétrica em Corumbá (rioParaguai, no Pantanal).

Endesa (Spain)

Dona da barragem de Cachoeira Dourada.

Como vimos, a energia é tida peloscapitalistas como uma mercadoriaque gera muito lucro. A partir do pro-cesso de privatização do setor elétri-co brasileiro, a energia foi transforma-da numa grande mercadoria e quempassou a controlá-la foram as empre-sas multinacionais. Além disso, tor-nou-se um grande negócio que movi-menta em torno de 100 bilhões de re-ais por ano, entre dezembro 1995 (iní-cio da privatização) e final de 2006 aAgência Nacional de Energia Elétri-ca (Aneel) reajustou as tarifas residen-ciais de energia elétrica em 386,2%,quase o dobro da inflação.

O domínio privado trouxe conse-qüências desastrosas ao povo bra-sileiro, tem privatizado a água ea energia e impôs uma superex-ploração da população ao mesmotempo em que privilegia os mais

ricos (grandes consumidores deenergia). O setor elétrico brasilei-ro, antes da privatização possuíamais de 200 mil trabalhadores/as,mais da metade foram demitidose hoje temos pouco mais de 100mil. Além disso, as empresas quemais gastam energia são as quemenos produzem empregos. Osdados atuais apontam que estasempresas consideradas extrativas(as que extraem as riquezas doBrasil principalmente para expor-tar) são as que mais estão cres-cendo no país.

No Brasil, mais de 80% da ener-gia elétrica vem de fonte hídrica,considerada uma das energias como menor custo de produção. Emgrande parte, o baixo custo de pro-dução da energia é fruto do des-caso com que as empresas cons-

35 Texto extraído da cartilha “O Preço da Luz é um Roubo”. Publicada pela Assembléia Popular. São Paulo, 2008.

Como funciona a exploração nastarifas de energia elétrica35

“O modelo de energia elétrica no Brasil está a serviço dosbanqueiros e das grandes empresas multinacionais”

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trutoras de barragens tratam a popu-lação atingida pelas obras, não res-sarcindo o que é de direito de cadafamília. Hoje, 70% das famílias atin-gidas por barragens no Brasil, não sãoconsideradas pelas empresas constru-toras, portanto, ficam sem terra, semcasa, sem nada. Outro fator para obaixo custo de produção da energiaé em virtude das empresas não con-siderarem nem repararem os gravescustos ambientais.

Mesmo com o suposto baixocusto, o preço da energia elétrica dei-xou de ser cobrado pelo seu custo deprodução real (baseado na hidroele-tricidade) para ser definido pelos pa-drões internacionais e determinadopela energia que tem o maior custode produção, predominante nos de-mais países: a energia térmica, pro-veniente principalmente do petróleo.Isso significa que o modelo energéticobrasileiro foi organizado para permi-tir que as empresas controladoras daenergia (multinacionais) possam ex-trair as mais altas taxas de lucro (lu-cros extraordinários).

Dessa forma, nós pagamos um dospreços mais altos do mundo pelaenergia, superior ao de muitos paí-ses onde a população tem um salá-rio muito maior do que o salário dopovo brasileiro. Por exemplo, em mé-dia, os brasileiros pagam o dobro dopreço cobrado nos Estados Unidos.A fonte de energia é a mesma que anossa – a água – e as empresas quevendem a energia também são asmesmas que vendem aqui no Brasil.No mais, todos sabemos que eles têmum ganho salarial muito maior doque os brasileiros.

O problema central na questão daenergia é a estruturação do modeloenergético, baseado no atual modo deprodução – o capitalismo. Portanto,no atual estágio de dominação, a lutaem torno da energia ultrapassa a lutapelos direitos das famílias e tambémnão é um problema puramente de

natureza tecnológica. Todos os planosde novas hidrelétricas, ou os planosde aproveitamento de outras fontes,estão pensados para gerar energia aoimperialismo, ou seja, para que asgrandes empresas multinacionais au-mentem seus lucros, aproveitando opotencial energético brasileiro.

A tendência para os próximos anos,se não ocorrer nenhuma transforma-ção de caráter popular, é acelerar aconstrução de usinas em todas as re-giões do Brasil, especialmente na re-gião amazônica.

Os planos de hidrelétricas no Rio Ma-deira tem sido exemplo disso. Aomesmo tempo, que é porta de entra-da para um conjunto de hidrelétri-cas a serem construídas na Amazô-nia, é possível afirmar que estas obrasestão pensadas na lógica do atualmodelo energético e, portanto, sãoanti-populares. Combatê-las deve serum compromisso de todo povo bra-sileiro. Não se trata de uma luta ape-nas da população atingida pelos la-gos das hidrelétricas, todo povo bra-sileiro é atingido pelas altas tarifas,pela privatização da água e da ener-gia, pelo caráter do financiamentovia BNDES, ou porque coloca as em-presas públicas e o dinheiro de todoo povo, a serviço desta lógica per-versa. Portanto, a luta da energia devese transformar em luta popular por-que, antes de tudo, é uma luta pelasoberania de nosso país.

O discurso de escassez de energiatem sido o principal argumento ide-ológico para justificar novas obras,os aumentos de tarifas e o financia-mento público, através do BNDES.No entanto, o cenário mundial decrise energética afeta principalmen-te os países centrais do capitalismo(Estados Unidos, Europa e Japão),pois são eles que consomem 70% detoda energia do mundo, apesar depossuir apenas 21% da populaçãomundial. Ao analisarmos estes nú-meros percebemos que não se trata

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de uma questão referente à quanti-dade de energia a ser produzida, esim de um padrão de vida e de con-sumo nestes países, é incompatívelcom a possibilidade de ser reprodu-zido mundialmente. Ou seja, é im-possível manter o nível de produçãode energia para satisfazer este pa-drão de consumo.

Existe energia suficiente para todosos brasileiros. Em estudo recente,o professor Dr. Dorival GonçalvesJunior, da Universidade Federal doMato Grosso (UFMT), informou queno Brasil sobram, hoje, mais de 8mil megawatts de energia elétrica,ou seja, 8 milhões de kilowatts. Estasobra de energia equivale a toda aprodução de Itaipu, que é a maiorbarragem do Brasil e uma das mai-ores do mundo.

No mesmo estudo, o professoraponta que, mantendo os atuaisníveis de crescimento econômico,não vai faltar energia até o ano2010, nem que o governo não façanenhuma nova usina. Hoje, a pro-dução de energia é de 57.500 MW/hora médios.

A luta em torno da energia deve serentendida em sua totalidade, comoparte da luta pela transformação doatual modelo de sociedade.

Na esfera da geração de energia, aluta contra as hidrelétricas tem setransformado numa luta anti-impe-rialista, ou seja, o enfrentamento seconcentra contra as maiores trans-nacionais do mundo;

Na esfera da transmissão e distri-buição de energia, a luta contra oalto preço das tarifas, apesar deseu caráter tático, também podeser uma luta importante, pois afe-ta a esfera de realização dos lu-cros pelos capitalistas, já que opovo brasileiro paga uma das ta-rifas de energia elétrica das maiscaras do mundo.

Afirmamos que o modelo energéticobrasileiro está organizado na lógicado capital financeiro, para permitiros maiores saqueios e rapinas. Atu-almente, os chamados “donos daenergia” tem sido uma fusão de gran-des bancos (Santander, Bradesco,Citigroup, Votorantim, etc.), grandesempresas energéticas mundiais(Suez, AES, Duke, Endesa, GeneralEléctric, Votorantim, etc.), grandesempresas mineradoras e metalúrgi-cas mundiais (ALCOA, BHP Billiton,Vale, Votorantim, Gerdau, Siemens,General Motors, Alstom, etc.), gran-des empreiteiras (Camargo Correa,Odebrecht, Andrade Gutierrez,Queiroz Galvão, etc.), e grandes em-presas do agronegócio (Aracruz,Klabin, Amaggi, Bunge Fertilizantes,Stora Enso, etc.).

O lucro das grandes empresas quemandam no setor elétrico brasileirotem sido cada vez maior. Em um es-tudo recente, o engenheiro José Pau-lo Vieira chegou a seguinte consta-tação: o brasileiro paga, por ano, R$15 bilhões a mais pelas tarifas deenergia do que quando as empre-sas eram estatais. O estudo mostraque a privatização, seguida de raci-onamento, revisão tarifária e au-mento de encargos, elevou custo doserviço para a população. A priva-tização do setor elétrico brasileironão cumpriu a maior parte das pro-messas que fez.

Se fossem levados em consideraçãoos custos do chamado seguroapagão, esse valor seria ainda mai-or. Esta é a conclusão da tese de dou-torado defendida pelo engenheiro ediretor presidente da Termoaçu, JoséPaulo Vieira, no Instituto de Eletro-técnica e Energia (IEE) da Universi-dade de São Paulo (USP). Para che-gar ao valor, o especialista tambémlevou em conta a elevação dos tribu-tos e encargos setoriais posterioresao racionamento.

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No atual modelo energético a destrui-ção da natureza é cada vez mais evi-dente e alarmante. São grandes quan-tidades de terra e de floresta que sãoalagadas para fazer mais e mais bar-ragens. São grandes quantidades deflorestas derrubadas e de solos revira-dos para retirar os minerais. São enor-mes plantações de eucalipto e canapara exportar, transformando grandesáreas em verdadeiros desertos verdes.

Com a construção de barragens, asempresas construtoras não enrique-cem somente com a produção daenergia, mas se apropriam indevida-mente do nosso território, da riquezade nosso país. Ou seja, barram nos-sos rios e ficam donas de nossas ter-ras e da nossa água. E querem fazercada vez mais obras, agora entrandona Floresta Amazônica.

Todas as usinas hidrelétricas foramconstruídas ou financiadas com di-nheiro público. Todo o sistema elétri-co nacional foi montado pelos gover-nos, durante muitos anos, com dinhei-ro público. Depois, durante os gover-nos de Fernando Collor, Itamar Fran-co e Fernando Henrique Cardoso,houve a famosa privatização, onde foientregue muito do patrimônio para asgrandes empresas do setor.

Muitas empresas foram privatizadas: comoa Eletropaulo, parte da CEEE (Companhia Esta-dual de Energia Elétrica), parte da Eletrosul. Mes-mo que algumas sejam ainda consideradas esta-tais, têm boa parte do seu capital na mão de em-presários particulares.

É bom sabermos que mesmo as que se di-zem particulares – tanto as empresas quanto asusinas – pegaram e continuam pegando dinheirodo governo para seu financiamento. Na maio-ria dos casos, usam todo o dinheiro para fazera obra. Com o lucro da venda da energia, a obrase paga em 3 ou 4 anos e eles têm um prazo demais 10 anos para pagar o empréstimo para ogoverno, ficando por 30 anos donos da produ-ção da energia.

Um exemplo de dinheiro público favorecen-do as grandes empresas privadas é o do Comple-xo Madeira, que prevê a construção das barra-gens de Santo Antônio e Jirau.

O BNDES (Banco Nacional de Desenvol-vimento Econômico e Social) já anunciou quevai financiar até 75% do total das obras dasbarragens. A empresa estatal Furnas, que parti-cipa do consórcio, também deverá desembol-sar uma grande parcela para a construção. As-sim, as empresas privadas do consórcio ficarãode donas das barragens, usufruindo do lucro davenda da energia, sem colocar quase nada dedinheiro para as obras.

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O consumo da energia no Brasil“Os grandes consumidores de energia são os que menos pagam”

No atual modelo do setor elétrico, os consu-midores são divididos em dois grupos: de um ladoos grandes consumidores de energia elétrica, cha-mados “consumidores livres”, e de outro os pe-quenos e médios consumidores, chamados “con-sumidores cativos”.

Aos consumidores livres é fornecido ener-gia ao preço de custo real. São aqueles que con-seguem comprovar que consomem em um deter-minado momento mais de 3.000 quilowatt e, comisso, eles obtém o direito de negociar livrementecom as geradoras o preço da energia através decontratos que podem ser de curto, médio e longo

prazo (mais de 20 anos). Na prática são as multi-nacionais, através da grande indústria (principal-mente eletrointensiva) e grandes supermercados(shoppings). Atualmente, existem no Brasil 665consumidores livres e consomem sozinhos quase30% da eletricidade.

Os chamados consumidores cativos são osconsumidores residenciais e quase a totalidadeda pequena e média indústria e do pequeno emédio comércio. O objetivo das empresas quedominam a energia é vender a energia ao preçomais alto possível para este grupo de consumi-dores e, desta forma, buscam obter as mais altas

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taxas de lucro. Quem define a tarifa que deve serpaga por este grupo de consumidores é a Aneel.E, como vimos, nestes últimos dez anos de pri-vatização os preços foram reajustados em cercade 400%. A justificativa para os aumentos é sem-pre o mesmo: escassez de energia.

Os consumidores cativos estão divididos emsubgrupos (A1, A2, B1, B2,...). Um destessubgrupos é o que chamamos de “SubclasseResidencial Baixa Renda”. Este grupo, por serconsiderado famílias de consumidores de baixarenda, possui uma política de preços subsidiados.Conforme a média de consumo brasileira, tería-mos em torno de 17,5 milhões de famílias que seenquadrariam neste subgrupo, no entanto, a Aneeltenta criar critérios para excluir a grande parte des-tas famílias do acesso a este direito.

Transformando em exemplo:

A empresa estadunidense ALCOA e a Valepossuem indústrias de alumínio e ferro noMaranhão e no Pará (a Alumar e a Albrás) e des-de 1984 recebem energia subsidiada da

Eletronorte. Em 2004, seus contratos com aEletronorte foram renovados. A ALCOA, que nes-tes últimos 20 anos recebeu energia ao preço mé-dio de 20 dólares ao megawatt-hora (cerca de 38reais), em maio de 2004 renegociou o contratoaté 2024 para receber 820 Mw médios e pagaráem média 25 dólares ao Mwh (cerca de 45 reais).A Vale, que recebia energia ao preço médio de 13dólares (24 reais) por megawatt-hora até 2004,renegociou seu contrato de 800 Mwh médios até2024 ao preço médio de 18 dólares/megawatt-hora (33 reais/Mwh).

Enquanto estas multinacionais (livres)recebem a energia a um preço de 03 a 05 cen-tavos por Kwh/mês, os trabalhadores das ci-dades, agricultores e pequenos e médios em-presários (cativos) pagam de 700 a 1000%mais que este preço.

Na tabela abaixo vemos a diferença de pre-ço pago pela mesma quantidade de energiaconsumida por estas duas empresas, comparan-do com o preço pago pelas famílias no Estado doRio Grande do Sul:

Veja no gráfico abaixo o preço pago pelas duas empresas (ALCOA e Vale) e os de-mais consumidores, tomando como exemplo a tarifa cobrada no Rio Grande do Sul:

Ela

bora

ção

do g

ráfic

o: M

AB

Consumidores Consumo Valor por kw em R$

Total em R$

Vale (Albrás) 100 Kw 0,033 3,30

Alcoa (Alumar) 100 Kw 0,045 4,50

Consumidor residencial – tarifa normal – RGE/RS 100 Kw 0,467 46,70

Consumidor residencial – tarifa rural – RGE/RS 100 Kw 0,255 25,50

Consumidor residencial – tarifa social – RGE/RS 100 Kw ---- 24,33

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Pelo gráfico, vemos que, enquanto a Alcoae a Vale pagam menos de R$ 5,00 por 100Kwh deenergia, os consumidores residenciais e as em-presas e o comércio de pequeno e médio portepagam mais de R$ 45,00 pela mesma quantidadede energia consumida.

Ainda pelo gráfico, vemos que as famíliasgaúchas residentes no meio rural pagam poucomais de R$ 25,00 e as famílias que se enqua-drariam na tarifa social, pagariam mais de 24reais, ou seja, 500% mais caro que as multina-cionais citadas.

1. A tarifa social de energia elétrica é um preçocobrado das famílias mais pobres, varia delocal para local, mas na maioria dos casosfunciona com preços mais baixos do que atarifa normal. Os descontos na conta de luzpodem variar de 10% até 65% do valor datarifa normal.

2. Conforme a lei em vigor neste momento (maiode 2008), as orientações para as famílias inte-ressadas são as seguintes:

A luta pela tarifa socialFamílias que consomem até 220 kwh/mês podem ter acesso

à Tarifa Social mediante autodeclaração

A) Para todas as famílias que consomemmenos de 80 kwh/mês, o reconhecimentopela distribuidora de energia elétrica deve seremitido de forma automática nas contas de luz,não havendo necessidade nenhuma de com-provação de baixa renda.

B) Para as famílias que seu consumo si-tua-se na faixa de 80 kwh/mês até nomáximo 220 kwh/mês, podem ser enqua-dradas observando os seguintes orientações:

O gasto de energia da família não pode ultrapassar o chamado“limite regional máximo”. A Aneel definiu uma tabela queapresenta os limites para cada Estado.

As ligações devem ser monofásicas.

Para quem se inclui nestes critérios e ainda não está cadastrado naconcessionária basta preencher um documento chamado de“Autodeclaração”. Este documento deve ser assinado pelo res-ponsável pela conta da energia e entregue na sede da distribuidoralocal. Depois de entregue, a empresa é obrigada a colocar imediata-mente estas novas famílias como beneficiárias dos subsídios cons-tantes na Tarifa Social Baixa Renda.

As famílias não precisam provar sua inscrição no Programa Soci-al do Governo Federal (Fome Zero) para serem reconhecidas peladistribuidora ou para se autodeclarar.

Os prazos estão em aberto e não há datas limites para apresentarnovas autodeclarações.

A decisão é de abrangência nacional, ou seja, em todos os estadosas famílias podem se autodeclarar.

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As batalhas na justiça

rifa Social Baixa Renda, basta entre-gar inicialmente uma autodeclaraçãona distribuidora de energia elétrica desua região. Desta forma, novas famíli-as podem ser enquadradas na chama-da Tarifa de energia elétrica SubclasseBaixa Renda.

Desde setembro de 2007, todas asconcessionárias e distribuidoras deenergia elétrica foram notificadas eorientadas pela Agencia Nacional deEnergia Elétrica, para que cumpram adecisão judicial (através do ofício cir-cular nº 560/2007 - Aneel). No entan-to, as empresas têm buscado abafar anotícia, para evitar que as famílias comdireito possam se autodeclarar.

Finalmente é importante destacarque muitas famílias que encaminha-ram suas autodeclarações de formaorganizada para as empresas que ven-dem energia já estão ganhando osdescontos nas suas contas de ener-gia elétrica.

Conforme mencionamos acima, os limi-tes máximos regionais variam de localpara local. Na página ao lado, segueuma tabela com os limites máximos, de-finidos pela Aneel, conforme a empre-sa distribuidora de energia.

1.1.1.1.1.

2.2.2.2.2.

É bom saber que para garantir esta lei estáse travando também uma batalha na justiça,que já teve os seguintes passos realizados:

Em 2004, a Associação Brasileira deDefesa do Consumidor (ProTeste) e aFundação Procon de São Paulo entra-ram na justiça com uma Ação Civil Pú-blica contra a Aneel e contra o Go-verno Federal para garantir às famíli-as que consomem menos de 220 kwh/mês o direito a pagarem a chamada“Tarifa Social de Energia Elétrica” ou“Baixa Renda”.

Este processo está em andamento naJustiça Federal. Em abril de 2006, umJuiz de Brasília deu uma decisão fa-vorável às famílias, podendo o bene-fício chegar para mais de 17 milhõesde famílias no Brasil inteiro. Verifica-mos que milhares de famílias têm odireito, mas não vem recebendo osdescontos nas “contas de luz” porqueainda não estão cadastradas.

E em maio de 2007 as famílias brasi-leiras tiveram nova vitória. Conformea decisão do Sr. Catão Alves, Desem-bargador Federal de Brasília, todas asfamílias que consomem abaixo de 220kwh/mês de energia elétrica, para re-ceberem os descontos referentes a Ta-

4.4.4.4.4.

5.5.5.5.5.

3.3.3.3.3.

Companheiros e companheiras, todos os elementos cita-dos no texto só têm sentido se existir a organização e a pres-são popular. Então, como militantes que somos, também so-mos responsáveis por assumir esta campanha contra os altospreços da energia elétrica.

Temos que organizar nossas comunidades, bairros e vi-las, fazer panfletagens e ações de agitação e propagandapara que a informação chegue ao maior número possível defamílias, e dessa forma consigamos baixar o preço da luz emobilizar o povo.

6.6.6.6.6.

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EMPRESAS Limite regional - kWh CERON - Centrais Elétricas de Rondônia CELPA - Centrais Elétricas do Pará CEMAT - Centrais Elétricas Matogrossenses CENF - Companhia de Eletricidade de Nova Friburgo CEA - Companhia de Eletricidade do Amapá COELBA - Companhia de Eletricidade do Estado da Bahia CERJ - Companhia de Eletricidade do Estado do Rio de Janeiro CELB - Companhia Energética da Borborema CEAL - Companhia Energética de Alagoas CELPE - Companhia Energética de Pernambuco CER COELCE - Companhia Energética do Ceará CEMAR - Companhia Energética do Maranhão CEPISA - Companhia Energética do Piauí COSERN - Companhia Energética do Rio Grande do Norte SULGIPE - Companhia Sul Sergipana de Eletricidade ENERGIPE - Empresa Energética de Sergipe LIGHT Jarcel Celulose SAELPA - Sociedade Anônima de Eletrificação da Paraíba

140

ENERSUL - Empresa Energética do Mato Grosso do Sul 150

AES SUL ELETROCAR - Centrais Elétricas de Carazinho CELESC - Centrais Elétricas de Santa Catarina COCEL - Companhia Campolarguense de Energia - PR CFLO - Companhia Força e Luz do Oeste CEEE - Companhia Estadual de Energia Elétrica - RS COPEL - Companhia Paranaense de Energia COOPERALIANÇA DEMEI - Departamento Municipal de Energia de Ijuí EFLUL - Empresa Força e Luz de Urussanga - SC JOÃO CESA FORCEL XANXERÊ HIDROPAN - Hidrelétrica Panambi UHENPAL - Usina Hidrelétrica de Nova Palma - RS RGE - Rio Grande Energia - RS MMC

160

CELTINS - Companhia de Energia Elétrica do Estado do Tocantins CEB - Companhia Energética de Brasília CELG - Centrais Elétricas de Goiás CEMIG - Companhia Energética de Minas Gerais CHESP - Companhia Hidroelétrica de São Paulo CFLCL - Companhia Força e Luz Cataguazes Leopoldina - MG DMEPC - Departamento Municipal de Eletricidade de Poços de Caldas - MG ESCELSA - Espírito Santo Centrais Elétricas ELFSM - Empresa de Luz e Força Santa Maria - ES

180

ELETROACRE - Companhia de Eletricidade do Acre CEAM - Companhia Energética do Amazonas MANAUS ENERGIA BOA VISTA ENERGIA

200

BANDEIRANTE Caiuá CJE CLFM CNEE - Companhia Nacional de Energia Elétrica CLFSC - Companhia Luz e Força Santa Cruz CPEE - Companhia Paulista de Energia Elétrica CPFL PIRATININGA CSPE ELEKTRO EEB EEVP ELETROPAULO

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m 22 de março de 1992 a ONU (Or-ganização das Nações Unidas) insti-tuiu o “Dia Mundial da Água”, publi-

Declaração universaldos direitos da água

EE cando um documento intitulado “DeclaraçãoUniversal dos Direitos da Água”. Eis o texto quevale uma reflexão:

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A água faz parte do patrimônio do planeta. Cada continente, cada povo,cada nação, cada região, cada cidade, cada cidadão, é plenamente res-ponsável aos olhos de todos.

A água é a seiva de nosso planeta. Ela é condição essencial de vidade todo vegetal, animal ou ser humano. Sem ela não poderíamos con-ceber como são a atmosfera, o clima, a vegetação, a cultura ou aagricultura.

Os recursos naturais de transformação da água em água potável são len-tos, frágeis e muito limitados. Assim sendo, a água deve ser manipuladacom racionalidade, precaução e parcimônia.

O equilíbrio e o futuro de nosso planeta dependem da preservação daágua e de seus ciclos. Estes devem permanecer intactos e funcionandonormalmente para garantir a continuidade da vida sobre a Terra. Esteequilíbrio depende em particular, da preservação dos mares e oceanos,por onde os ciclos começam.

A água não é somente herança de nossos predecessores; ela é, sobretudo,um empréstimo aos nossos sucessores. Sua proteção constitui uma neces-sidade vital, assim como a obrigação moral do homem para com as gera-ções presentes e futuras.

A água não é uma doação gratuita da natureza; ela tem um valor econômi-co: precisa-se saber que ela é, algumas vezes, rara e dispendiosa e quepode muito bem escassear em qualquer região do mundo.

A água não deve ser desperdiçada, poluída, nem envenenada. De maneirageral, sua utilização deve ser feita com consciência e discernimento paraque não se chegue a uma situação de esgotamento ou de deterioração daqualidade das reservas atualmente disponíveis.

A utilização da água implica em respeito à lei. Sua proteção constitui umaobrigação jurídica para todo homem ou grupo social que a utiliza. Estaquestão não deve ser ignorada nem pelo homem nem pelo Estado.

A gestão da água impõe um equilíbrio entre os imperativos de sua proteçãoe as necessidades de ordem econômica, sanitária e social.

O planejamento da gestão da água deve levar em conta a solidariedade e oconsenso em razão de sua distribuição desigual sobre a Terra.

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a história das sociedades, os direi-tos humanos foram e estão sendoconstruídos através das lutas e da

organização do povo. Os direitos ambientaisforam consagrados há pouco tempo pelas Na-ções Unidas, particularmente consignados naAgenda 21, promulgada pela ECO-92, a Con-ferência Mundial sobre o Meio Ambiente, rea-lizada no Rio de Janeiro, em 1992. Trata-se deum conjunto de direitos que pretendem asse-gurar a vida no Planeta Terra pela proteção,preservação e recuperação das condiçõesambientais e pelo uso sustentável dos recursosnaturais (terra, ar, água e biodiversidade). OBrasil se comprometeu em implementar a Agen-da 21, apesar de não ter força de lei.

Dentre os direitos ambientais, queremosdestacar o direito à água. Nada mais justo que opovo se organize em defesa da conquista dessedireito. Para isso, é necessário o conhecimento dalegislação sobre os recursos hídricos. Seguem al-guns tópicos:

1 - Em nível internacional

A Declaração Universal dos Direitos da Água,proclamada em 1992, pela ONU, embora não te-nha força de lei, representa uma carta de intençõesdas Nações Unidas sobre o direito à água. EssaDeclaração é, na verdade, uma convocatória aoscidadãos e aos países do mundo inteiro para quese esforcem no desenvolvimento da cultura do di-reito e dos deveres em relação à água.

Os Art. 1 e 2 da Declaração afirmam que:

Art. 1 - “A água faz parte do patrimônio doplaneta”.

Art. 2 - “A água é a seiva do nosso Planeta.Ela é a condição essencial da vida detodo ser vegetal, animal ou humano.Sem ela não poderíamos concebercomo são a atmosfera, o clima, a ve-getação, a cultura ou agricultura. Odireito à água é um dos direitos funda-mentais do ser humano [...]”.

A Declaração entende a água como umpatrimônio da humanidade, condição essencialpara a vida, um direito humano e um bem público.

Como todos somos responsáveis por ela, devemosutilizá-la com consciência e racionalidade, ou seja,com precaução, cuidado e preservação. A gestãoeconômica, sanitária e social da água deve sercontrolada pelo Poder Público com a participa-ção de toda a sociedade.

O Art. 6 da mesma Declaração, aponta: “Aágua não é uma doação gratuita da natureza; elatem um valor econômico: precisa-se saber que ela é,algumas vezes, rara e dispendiosa e que pode muitobem escassear em qualquer região do mundo.”

Este artigo entende a água como “valor eco-nômico”, o que evidencia uma contradição emrelação aos Art. 1 e 2, citados anteriormente. Se aágua é considerada “condição essencial de vida”e “patrimônio do planeta”, não pode ser conside-rado bem econômico, desfrutável mediante paga-mento como bem. O único pagamento deve serpelo serviço de disponibilizá-lo.

2 - Em Nível Nacional

a) A Constituição do Brasil, promulgada em04/10/1988, chamada “Constituição Cidadã”,traça a política nacional das águas em três artigos:

Art. 20 – “São bens da União:

III – os lagos, os rios e quaisquer correntesde água em terrenos de seu domínio, ouque banhem mais de um Estado, sirvamde limites com outros países, ou se esten-dam a território estrangeiro ou dele pro-venham, bem como os terrenos marginaise as praias fluviais.

Art. 26 - “Incluem-se entre os bens dos Estados:

I – as águas superficiais ou subterrâneas, flu-entes, emergentes e em depósito, ressal-vadas, neste caso, na forma da lei, as de-correntes de obras da União.”

Art. 21 - “Compete à União:

XIX - instituir sistema nacional de gerencia-mento de recursos hídricos e definir crité-rios de outorga de direitos de seu uso”.

b) A Lei N. 9.433, de 08/01/1997, institui aPolítica Nacional de Recursos Hídricos e cria oSistema Nacional de Gerenciamento de Recur-sos Hídricos.

Legislação sobre a água36

NN

36 Texto disponível em www.mabnacional.org.br

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O Art. 1 da Lei N. 9.433 estabelece osfundamentos da Política Nacional

de Recursos Hídricos:

I – a água é um bem de domínio público;

II – a água é um recurso natural limitado,dotado de valor econômico;

III – em situações de escassez, o uso priori-tário dos recursos hídricos é o consumohumano e a dessedentação de animais;

IV – a gestão dos recursos hídricos deve sem-pre proporcionar o uso múltiplo das águas;

V – a bacia hidrográfica é a unidade territorialpara implantação da Política Nacional deGerenciamento de Recursos Hídricos;

VI – a gestão dos recursos hídricos deve serdescentralizada e contar com a partici-pação do Poder Público, dos usuários edas comunidades.

Com esse conjunto de fundamentos, a Políti-ca Nacional de Recursos Hídricos tem como obje-tivos preservar o direito ao acesso à água em pa-drões de qualidade para as gerações atuais e futu-ras; utilizar racionalmente a água integrando-a aoprojeto de desenvolvimento sustentável do País;prevenir e defender a água de usos inadequados.

Alguns aspectos dessa leia serem considerados

A cobrança do usodos recursos hídricos

Quando a legislação define a cobrança do usodos recursos hídricos pretende reconhecer o forneci-mento da água como um bem econômico dando aousuário a indicação do seu real valor e incentivar aracionalização de seu uso. Os valores arrecadadosdeverão, necessariamente, ser aplicados na baciahidrográfica na qual foram gerados para asseguraro direito à água para as futuras gerações.

Quem define os valores a serem cobrados pelouso dos recursos hídricos? São as Agências de Água,autarquias vinculadas ao Ministério do Meio Ambi-ente, que exercem a função de secretaria executivados Comitês de Bacia Hidrográfica. É a Lei N. 9.984,de 17/07/2000, que dispõe sobre a criação da Agên-cia Nacional da Água – ANA. Portanto, a ANA con-trola o mecanismo de gerenciamento das águas, istoé, a outorga (licença de uso), a determinação do

custo das águas, e é a arrecadadora do valor estipu-lado pela água utilizada pelo consumidor e aaplicadora das respectivas arrecadações.

O sistema nacional de gestãodos recursos hídricos

A gestão da água deverá ser feita por umsistema integrado e descentralizado, envolvendo:o Conselho Nacional de Recursos Hídricos, osConselhos Estaduais de Recursos Hídricos, os Co-mitês de Bacia Hidrográfica, os órgãos dos pode-res públicos federal, estadual e municipal cujascompetências estejam relacionadas à gestão dosrecursos hídricos e as Agências de Água.

Em especial, cabe a cada cidadão buscar ainformação e a participação nos Comitês de Ba-cia Hidrográfica.

O que é um Comitê de BaciaHidrográfica?

O Comitê é um agrupamento de pessoasrepresentantes do Poder Público, dos usuários eda sociedade civil que se organizam para plane-jar a gestão das águas de uma Bacia Hidrográfica,isto é, de um conjunto de afluentes situados numamesma região e que deságuam em um rio princi-pal. Um Comitê tem, portanto, a área de atuaçãogeográfica de uma Bacia Hidrográfica.

O Comitê tem como principais competências:debater e articular as questões relativas aos recursoshídricos; resolver conflitos, em primeira instância, re-lacionados à questão; aprovar e acompanhar a exe-cução do Plano de Recursos Hídricos da Bacia; esta-belecer mecanismos de cobrança pelo uso dos recur-sos hídricos e sugerir valores a serem cobrados dosusuários; definir critérios e ratear custos das obras deuso coletivo; propor mapeamento e demarcação depequenas nascentes, córregos e mananciais aos Con-selhos Nacional e Estadual de Recursos Hídricos.

A Resolução N. 5, do Conselho Nacionalde Recursos Hídricos, de 10/04/2000, ao regula-mentar a criação dos comitês, estabeleceu que osmesmos devem ser compostos por uma tríplicerepresentação: 40% do poder público; 40% deusuários; e 20% da sociedade civil organizada.

Todos de uma forma ou de outra, podemparticipar dos Comitês de Bacia Hidrográfica edas demais lutas em defesa do direito à água paracontribuir na tomada de decisão sobre os rumosde sua comunidade (local, municipal, estadual efederal), assegurando o acesso e a qualidade daágua, sua preservação e sua gestão pública.

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3 - Em nível estadual

a) A Constituição do Estado do Rio Gran-de do Sul, de 1989, em seu Art. 171 institui:“o Sistema Estadual de Recursos Hídricos, in-tegrado ao sistema nacional de gerenciamentodesses recursos, adotando as Bacias Hidrográ-ficas como unidades de planejamento e ges-tão, observados os aspectos de uso e ocupa-ção do solo, com vistas a promover:

I – a melhoria da qualidade dos recursoshídricos do Estado;

II – o regular abastecimento de água às po-pulações urbanas e rurais, às indústrias eaos estabelecimentos agrícolas”.

b) A Lei N. 10.350, de 30/12/1994, regula-menta o Art. 171 da Constituição Estadual,instituindo o Sistema Estadual de RecursosHídricos. O objetivo do Sistema Estadual é de-finido no Art. 2 da Lei que pretende “promo-ver a harmonização entre os múltiplos e com-petitivos usos dos recursos hídricos e sua limi-tada e aleatória disponibilidade temporal e es-pacial, de modo a:

I – assegurar o prioritário abastecimento dapopulação humana e permitir a continui-dade e desenvolvimento das atividadeseconômicas;

II – combater os efeitos adversos das enchen-tes e estiagens e da erosão do solo;

III – impedir a degradação e promover amelhoria de qualidade e o aumento da ca-pacidade de suprimento dos corpos de águasuperficiais e subterrâneos, a fim de que asatividades humanas se processem em umcontexto de desenvolvimento socioeconô-mico que assegure a disponibilidade dosrecursos hídricos aos seus usuários atuaise às gerações futuras, em padrões quanti-tativa e qualitativamente adequados”.

Em conformidade com a legislação federal,o Estado pretende assegurar água em qualidade equantidade para o abastecimento humano e eco-nômico, descentralizando suas ações na gestão daágua por regiões e Bacias Hidrográficas, bem comopor meio da participação comunitária através deComitês de Gerenciamento de Bacia Hidrográficae a criação de Agências de Região Hidrográfica.

Brasil está pressionado pelo FMI e peloBanco Mundial a privatizar os serviçosde água e esgoto. De fato, este processo

já começou. Estima-se que sejam cerca de trintamunicípios que já privatizaram esses serviços. Ainiciativa mais expressiva talvez seja a do gover-no do Estado do Amazonas, que em junho de2000 leiloou a Manaus Saneamento, responsávelpor 96% das atividades da Companhia de Sane-amento do Amazonas. Quem comprou a ManausSaneamento foi a transnacional francesa Suez-Lyonnaise. Pagou R$ 180 milhões, mas 50% des-tes recursos foram financiados pelo BNDES. Se-gundo especialistas, estes recursos teriam sido

Privatização da água37

Silvio Caccia Bava38

recuperados pela empresa em apenas 14 mesesde operação. A fonte destes recursos são as tari-fas pagas pela população.

A privatização da água é um processo queganha escala em todo o mundo. Em 1980 eram12 milhões de domicílios. Hoje são 600 milhões.Os países pioneiros são a Inglaterra, a França, oChile. Com o discurso das PPP (parcerias públi-co-privado), que não tem nada de brasileiro, qua-tro grandes multinacionais – com o respaldo dasagências multilaterais de financiamento – avan-çam sobre os serviços públicos de saneamentobásico no mundo inteiro. São elas: Ondeo, uma

37 Estudos da Frente Nacional pelo Saneamento Ambiental revelam que a privatização dos serviços sai muito mais cara parao consumidor. Se os investimentos forem feitos por órgãos públicos municipais, preço da água seria até 48% menor do queno modelo das PPPs. Texto disponível em http://www.polis.org.br/artigo_interno.asp?codigo=94.

38 Sociólogo, é diretor do Instituto Pólis e membro do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).

OO

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filial da Suez-Lionnaise, com 125 milhões de cli-entes; Veolia (ex-Vivendi), com 110 milhões declientes; Saur, com 29 milhões de clientes. A estastrês companhias francesas se soma a RWE alemãe sua filial inglesa, a Thames Water.

O resultado destas privatizações é um aumen-to exorbitante no preço da água. Em 1995 a empresaGénérale des Eaux (Veolia) ganhou o leilão de priva-tização da água na província Argentina de Tucumán.Ao assumir os serviços a empresa aumentou em 104%o preço dos serviços. Em 2000 a empresa norte-ame-ricana Betchel assumiu o controle dos serviços de águade Cochabamba, na Bolívia. Em semanas a empresatriplicou o preço dos serviços para as famílias maispobres. Os exemplos poderiam se multiplicar, pois estaé a lógica das empresas que operam neste novo mer-cado. Mas estes exemplos têm outro significado tam-bém. Nos dois casos a mobilização popular obrigouseus governos a rescindirem os contratos com estasempresas e a assumirem diretamente a prestação des-tes serviços públicos.

Estimativas do Ministério das Cidades dizemque são necessários R$ 178 bilhões parauniversalizar os serviços de água e esgoto até 2020.Algo como R$ 9 bilhões por ano. Dinheiro para aten-der aos 10,7% de domicílios urbanos que ainda nãotem água e os 23,3% que ainda não tem esgoto, alémde investimentos para garantir o sistema atual.

O histórico de investimentos em saneamen-to básico não é animador. Nos anos 70 ele foi de0,34% do PIB; nos anos 80 foi de 0,28%; nos anos90 foi de 0,13%. Em 2003 foram gastos apenasR$ 60 milhões; em 2004 foram autorizados R$

818,8 milhões, mas até o fim do ano tinham sidopagos apenas R$ 53,6 milhões e comprometidosoutros R$ 454,7 milhões. Os recursos programa-dos e não liberados foram para o pagamento dosjuros da dívida pública.

Segundo estudos da Frente Nacional peloSaneamento Ambiental a privatização sai muitomais cara para o consumidor. Se os investimen-tos forem feitos por órgãos públicos municipais, opreço da água seria de 37% a 48% menor do queno modelo proposto pelas PPP. Além de observarque as empresas que participam das privatizaçõestêm financiado seus investimentos com recursosdo BNDES e do FGTS, que poderiam serdirecionados para as autarquias municipais ouas companhias estaduais de saneamento.

O acesso à água é um direito humano fun-damental. O abastecimento de água e o sanea-mento devem ser serviços públicos prestados peloEstado. Estas são proposições da Plataforma Glo-bal da Água, documento elaborado por uma arti-culação de movimentos sociais do mundo inteiro,e são uma reação à onda de privatizações dosserviços públicos que transformam a água de umbem público em mercadoria.

A África do Sul e o Uruguai já incluíramnas suas Constituições que a água não pode serprivatizada. A Frente Nacional de SaneamentoAmbiental apresentou ao Congresso um documen-to com 720.000 assinaturas contra a privatizaçãoda água no Brasil. Não podemos abrir mão de quetodo brasileiro tem direito à água potável de quali-dade, mesmo se não tiver dinheiro para pagar.

e São João a São Pedro, o Nordestetodo se une em sua maior festa. Co-incidente com as colheitas no sertão,

é a festa da fartura, da solidariedade e da ale-gria. Do Nordeste viável, auto-sustentável e so-berano. Nós, os movimentos populares e enti-

O Nordeste é Viável sem Transposiçãoe com Ética na Política39

39 Declaração dos movimentos sociais(disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/imagens/banners/anexos/ 20070626-1.doc, acessado em 18/05/2008)

DDdades civis da Bacia do Rio São Francisco e detodo o Nordeste, vimos festejar em Cabrobó-PEpara mostrar que o Nordeste não precisa desteprojeto traiçoeiro chamado “integração de ba-cias”, a mesma antiga transposição. Acampa-dos em cerca de 2000 pessoas junto ao canteiro

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de novo, com desenvolvimentismo e até açãodo Exército?

O processo transcorrido até aqui não foi de-mocrático nem republicano e desabona o projeto,seus promotores e lobistas:

Estudos de impacto ambiental formais eincompletos;

Críticas fundamentadas dos principaisespecialistas;

Desrespeito às decisões do Comitê deBacia;

Descumprimento do acordo feito com D.Luiz Cappio, ao encerrar a greve defome, em novembro de 2005, para quehouvesse um amplo e sério debate naci-onal sobre o assunto;

Incertezas e inverdades quanto as reaismotivações do projeto, quanto a seuscustos e a quem vai pagar a conta;

Propaganda enganosa sobre seu alcan-ce, ao manipular a opinião pública e in-ventar um público beneficiário de 12 mi-lhões de sedentos, na verdade, os que vãopagar a conta dos grandes usos econô-micos intensivos em água;

Irregularidades flagrantes detectadas peloTribunal de Contas da União;

Indícios de corrupção (caso daGautama, empreiteira candidata ao se-gundo trecho mais caro da obra);

Ocultação ao debate público dosprojetos de transposição do RioTocantins para os Rios São Francis-co e Parnaíba;

Compra descarada de apoio dos políti-cos do São Francisco, com verbas darevitalização;

Chantagens de um pseudo-desenvol-vimento transmutado em crescimen-to econômico a qualquer custo e semfuturo...

São motivos mais que suficientes para queesse projeto seja arquivado. E que a sociedadecobre essa única atitude digna de um Estado deDireito democrático e republicano.

de obras, no km 29 da BR 428, vimos exigir aimediata suspensão das ações que dão inícioàs obras da transposição. Em sinal de outro de-senvolvimento, voltado para a população e nãopara o capital, nos irmanamos ao Povo Truká eaos indígenas de todo o Nordeste na retomadadesta terra, da Fazenda Mãe Rosa, desapropri-ada para a transposição, território Truká desdetempos imemoriais.

Água nos açudes e cisternas,caatinga verdejante,

comidas de milho, requeijão epaçoca, licores e muito forró

ao redor da fogueira...Sinais do Nordeste bonito e

viável, evidências do que podeo período chuvoso do semi-árido,se para ele deslocarmos o foco,

concentrarmos os esforços,investirmos.

Ao optar por obra contra a seca e não afavor do semi-árido e sua dinâmica sócio-ambiental, o governo erra mais uma vez, comotem acontecido historicamente. A proposta deconviver com o semi-árido – esperava-se des-se governo – sepultaria a política e a indús-tria do combate à seca e consolidaria a polí-tica do aproveitamento do chuvoso, pois éneste, e não na seca, que se decide a vida dosertão e do sertanejo. A transposição, barga-nhada e em nome de uma falsa revitalizaçãodas bacias do Nordeste, significa uma “tra-vessia para o passado”.

A questão não é doar água ou não, masqual desenvolvimento, a que preço e para quem.E como enfrentar os limites impostos pelas mu-danças climáticas globais, que tendem a dimi-nuir os mananciais do Rio São Francisco edesertificar o semi-árido.

Este é o terceiro acampamento que fa-zemos, o último em Brasília por uma sema-na no mês de março, com 740 pessoas. Já sesomam quase uma centena de manifestaçõespúblicas. Sequer fomos recebidos, muitomenos ouvidos ou considerados. Será por quesignificamos a incômoda verdade sobre esseprojeto e o que ele vai trazer de falso desen-volvimento para o Nordeste? Ou é porque vi-vemos num blefe de democracia? Ditadura

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Transposição não é soluçãoTransposição não é soluçãoesta a verdade que não quer calar!

Queremos um programa verdadeiro de convivência com o semi-árido;

Queremos um projeto de desenvolvimento regional que atenda às reais necessidades dapopulação do semi-árido e do São Francisco e não de uma minoria de empresários nacio-nais e estrangeiros;

Queremos a democratização do acesso à água, com acesso livre da população aos açudese às adutoras;

Queremos controle social sobre os usos das águas dos açudes e reservatórios geridos comcompetência;

Queremos destinação prioritária das águas para a agricultura familiar e camponesa;

Queremos a implementação imediata das 530 obras do Atlas Nordeste da ANA – AgênciaNacional de Águas para levar água a 34 milhões de habitantes do Polígono das Seca;

Queremos programas que ampliem, divulguem e implantem as mais de 140 tecnologiashídricas, agrícolas e ambientais de convivência com o bioma caatinga e o clima semi-árido;

Queremos reforma agrária ampla e efetiva e regularização dos territórios tradicionais, a come-çar pelas áreas dos Povos Truká, Tumbalalá, Pipipã e Cambiwá, atingidos pela transposição;

Queremos a suspensão das barragens de Pedra Branca, Riacho Seco e Pão de Açúcar e deCentrais Nucleares na região;

Queremos uma revitalização do Rio São Francisco que seja para valer!

Queremos que o Supremo Tribunal Federal tome finalmente a decisão e que essa seja con-trária ao projeto;

Queremos o arquivamento definitivo do projeto de transposição!

Conviver com o semi-árido é a solução!São Francisco Vivo – Terra e Água, Rio e Povo!

Cabrobó, 26 de junho de 2007.

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ão Francisco, rio e santo. Águas verti-das do pranto das margens secas esten-didas. Margens que perderam a vida,

águas que perderam o encanto.

Margens de velhas carcaças pelos anos car-comidas. Por não serem protegidas desbarranca-ram no leito, como um peso sobre o peito o rio jánão respira; e parece uma mentira, mas também

não se alimenta; e quem do rio se sustenta, senteque não tem mais jeito.

Pensam em sangrar o rio cortando qualestilete. Pra desviar um filete do sangue que já nãotem. Dizem que é para o bem da pobreza do nordes-te; na verdade os cafajestes controlarão o canal; nãohaverá nada igual, nos novos tempos vindouros, aágua vai virar ouro nos baldes do capital.

Ao São Francisco40

Ademar Bogo

40 Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=565, acessado em 18/05/2008.

SS

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Pra manter o Chico vivo é a grande reação.Contra a transposição, desta armação tão perfeita.Não pode querer colheita quem nunca plantou umgrão! Nem pode existir razão em um projeto polê-mico. O Chico é um escravo anêmico,que está indo ao mercado e seráprivatizado se não houver reação.

Em nosso grande nordeste hádez milhões de camponeses, e foi pordiversas vezes que votaram em elei-ções; aguardando soluções que aquinunca chegaram, somente os ricosganharam e haverá continuidade, sea solidariedade não assumir os desa-fios, pois só as águas dos rios, aindanão são propriedade.

Se o presidente quisesse fazeruma obra bonita, atacaria a malditapropriedade fundiária, faria a Refor-ma Agrária e daria condições, paraque os nossos sertões fossem todos protegidos.Tendo isto resolvido, se voltaria pra cidade, teriaágua em quantidade com os rios abastecidos.

Poderia então transpor as águas do SãoFrancisco; não correria nenhum risco no conteú-do e na forma. Depois de feita a reforma erevitalizado o rio, pra não ficar no vazio teria leispor garantia, que enquanto raiasse os dias, aságuas dos rios ou paradas, não seriam privatiza-das nem vendidas suas bacias.

Este é o grande dilema que teremos de en-frentar, aqui e em qualquer lugar, que exista águacorrente. Creiam, que daqui pra frente, nossas fon-tes naturais, com políticas liberais, serão todas per-

seguidas, saqueadas ou mesmo ven-didas, para empresas comerciais.

Por isso é que a confiança estáperdendo a paciência, pois os sinaisde incoerência estão por todos os la-dos! Vemos milhões de acampadossem ver um palmo de terra! O agrone-gócio impera, poluindo o ambiente; eé o mesmo presidente, dos transgênicose das barragens, que em tudo achavantagem num modelo decadente.

Então se torna importante apoi-ar o Frei Luiz. É o orgulho do paísaos poucos se levantando. Ele está nocomando, contra a transposição; fezda fome a condição de um movimen-

to de massas; contra as mentiras e trapaças seergue descalça a verdade, impondo-se a cruelda-de, para evitar a desgraça.

Todo povo brasileiro está chamado a jeju-ar, é a forma de lutar que encontramos neste ins-tante; seja aqui perto ou distante terá força esteprotesto, que aos poucos e em um só gesto seampliará esta rede. Se não houver solução, se-guindo a transposição, o frei morrerá de fome e orio morrerá de sede.

“Estão cercando os lagos brasileiros”, ad-verte o Movimento dos Atingidos por Barragens.O povo já não pode aproximar-se sequer pararetirar um caneco de água. Cercaram o “Eixão”que leva água do Castanhão, no Ceará, para oporto de Pecém, na grande Fortaleza. A água estáprotegida por arame, guardas em moto, câmeras

A Reforma Hídrica41

Roberto Malvezzi

filmando os movimentos de quem ousar aproxi-mar-se do canal. Foi também por isso que Géssia,a menina sem água de 12 anos, morreu emPetrolina, ao cair de um canal de 15 metros dealtura que leva água para irrigação. Ela tentavaroubar um balde de água para suprir as necessi-dades básicas de sua família.

41 Texto publicado em 26/03/2008, disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=5137(consulta realizada em 18/05/2008)

São Francisco,rio e santo.

Águas vertidasdo pranto dasmargens secas

estendidas.Margens queperderam avida, águas

que perderamo encanto.

São Francisco,rio e santo.

Águas vertidasdo pranto dasmargens secas

estendidas.Margens queperderam avida, águas

que perderamo encanto.

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O Dr. Manoel Bonfim, por tantos anos dire-tor do DENOCS, em seu livro “Potencialidadesdo Semi-árido”, afirma que o “grande erro doDENOCS foi não fazer a distribuição das águasestocadas no Nordeste”. Assim, 70 mil açudes fei-tos em toda a região – a mais açudada do planeta– guardam águas que nunca são democratizadas,porque as adutoras que visem sua distribuiçãojamais são feitas. Os poços, feitos com dinheiropúblico, acabaram trancafiados em propriedadesparticulares de latifundiários.

Finalmente, se o governo conseguir reali-zar a transposição do São Francisco, todos osgrandes açudes receptores terão suas águas pri-vatizadas, tanto as originadas pela chuva – po-tencial de 37 bilhões de metros cúbicos - quanto

aquelas oriundas do rio São Francisco. Final-mente uma elite nordestina restrita vai conse-guir impor o primeiro grande “mercado deáguas” no Brasil, como já queria o Banco Mun-dial ainda na década de 90.

Pouco a pouco, sem grande reação da po-pulação brasileira, nossas águas vão conhecendoo caminho da privatização, embora constitucio-nalmente continuem como um “bem da União”.

Quando falamos em reforma hídrica, pro-pomos exatamente o empenho do Estado paragarantir que a água continue um bem comum,acessível a todos, fora das regras do mercado.Parece que, assim como a terra, não será possí-vel, a não ser pela luta popular.

Ao construirmos aproximad amente 300 milcisternas, ao propormos a captação da água de

chuva para a produção, ao propormos a construçãodas adutoras que estão previstas no Atlas do

Nordeste, estamos propondo a segurança hídricapara milhões de pessoas e também a socialização

de um bem que constitucionalmente ainda continuade todos os brasileiros. Seria o princípio da reformahídrica, a começar pelo Nordeste. Ou então vamos

para o pior, assim como aconteceu com a terra.

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o sertão mineiro, os homens carvoei-ros trabalham desde a madrugada, aosom seco de tosses repetidas. Enchem

sacos de carvão e pulmões de fuligem.

Sob vento de areia preta, José dos Santostrabalha solitário e solidário com o parceiro que,enfermo, não veio para a labuta. Não reclama davida, não reclama das dores nas costas nem datosse. Os olhos choram às vezes, mas quase to-dos, algum dia, choram no carvão. Deve ser a fu-ligem; se é algo do coração, todos disfarçam, nin-guém sabe não.

Santos tem 27 anos e trabalha desde os dez.Há nove, transporta sacos de carvão. Normal-mente trabalha com mais três companheiros: doisensacando e um carregando nas costas sacos quechegam a 40 quilos. Esse trabalhador sobe cercade 450 vezes uma escada, com os sacos nas cos-tas, para encher um caminhão. Quando o cami-nhão é grande, sobe 600 vezes. Como enche doiscaminhões por dia, pode chegar a subir e descer1200 vezes... com 40 quilos nas costas.

Alguns dias existem dois carregadores parasubir no caminhão e essa tarefa é dividida. Rece-bem por produtividade, por carga executada –curiosamente, o salário não aumenta quando ocaminhão comporta 600 sacos, mas baixa quan-do, por motivos alheios à vontade do trabalhador,não tem caminhão para dois carregamentos.

Começam a trabalhar às 2 horas da ma-nhã. Eles vêm de longe, em bicicletas, porque afirma, a empreiteira Carvoaria e Transporte Ir-mãos Santos, apesar do nome, não fornecetransporte para os carvoeiros. Alguns demoramduas horas de bicicleta para ir, duas para voltare trabalham 14 horas por dia. “Me revolto cala-do todos os dias. Esse serviço é muito ruim. Pegomuito cedo porque o solacaba com a gente e,

às vezes, só saio às 4 da tarde. Só estudei até asegunda série completa e mal sei assinar onome. Meus filhos estudam e não quero quesejam carvoeiros”, diz Santos.

Na sua equipe, trabalha o ensacador Fran-cisco Ramos Sales, de 43 anos, desde os oitona labuta. Nascido em Rio Pardo (MG), estácasado pela segunda vez. Tem seis filhos dosdois casamentos. Os filhos estudam, mas ele sófez a primeira série. “Quem está nesse traba-lho, é porque não tem outro. A gente fica cativoda pobreza e da ignorância. Aí, como tem mui-ta gente assim,o empreiteiro tem sempre traba-lhador”, afirma Sales.

Exploração Infantil

Santos está tentando romper uma correnteperversa que alimenta uma cadeia de trabalhodegradante nas carvoarias brasileiras, assimcomo nos sisais, nas fazendas, nos canaviais, naspedreiras e em vários setores do segmento ruralque alimentam indústrias urbanas.

O trabalhador que vive em trabalho de-gradante ou análogo a escravo é, na sua imen-sa maioria, analfabeto, e foi explorado comotrabalhador infantil. Aconteceu assim com seuspais e seus avós. O normal é acontecer com osfilhos e netos.

Ainda não existe no Brasil uma políticasocial que faça a associação entre trabalho in-fantil e trabalho degradante, análogo a escravo,de forma a romper esse círculo. A realidade éque o trabalhador escravo de hoje foi o traba-lhador infantil de ontem.

“A gente custa a entender que nasceu para serpeixe de engordar gato que engorda rico e, emcasa, a gente fabrica com todo amor os próximos

Por trabalho, eles perdem a saúde42

Expostos a tarefas extremamente prejudiciais edegradantes, crianças, adultos e idosos enfrentam

jornadas de semi-escravidão

NN

42 Matéria feita por João Roberto Ripper de Rio Pardo (MG). Publicada no Jornal Brasil de Fato, Ano 1, Número 37, São Paulode 13 a 19 de novembro de 2003. Pág. 13.

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peixinhos. Para fugir disso, botei todo mundo paraestudar, mas sinto um aperto no peito porque seique o ensino é muito ruim. Filho de pobre, mes-mo depois de estudar um, dois, quatro anos, con-tinua analfabeto”, conta Santos.

Muitas vezes o trabalho não é conside-rado trabalho escravo, mas sempre é um tra-balho extremamente pesado e, quase sempre,mesmo em casos de carteira assinada, quan-do se recebe em média um salário mínimo, tra-ta-se de um trabalho degradante. Acaba coma saúde do trabalhador.

As fórmulas encontradas para exploração doscarvoeiros e burlas da legislação trabalhista têmnuances diferentes em alguns Estados como MinasGerais, Maranhão e Mato Grosso do Sul, onde seconcentram mais de 100 mil carvoeiros exploradospor siderúrgicas e madeireiras. Contudo, uma coisaé sempre comum. Quem mais lucra, quase nuncacontrata. As siderúrgicas não consideram o carvãotrabalho fim, mas meio para a produção do ferro edo metal. Por isso, contratam as empreiteiras,terceirizam o trabalho e, dessa forma, se eximem daresponsabilidade sobre o calvário do carvoeiro.

Escravidão

Em Minas Gerais, no ano passado, 42 ma-deireiras e carvoarias foram autuadas pordescumprir a legislação trabalhista e, em algunscasos, manter os trabalhadores em condições aná-logas à de escravo.

O resultado da fiscalização foi encaminha-do ao Ministério Público e à Comissão Parlamen-

tar de Inquérito (CPI) de Minas Gerais e gerou aCPI do Trabalho Escravo. O coordenador da Fis-calização do Trabalho Rural em Minas Gerais,Marcelo Campos, explicou que “essas empresastêm utilizado a terceirização ilegal de suas ativi-dades finais, usando empreiteiras de fachada paracontratar trabalhadores necessários ao processoprodutivo. Com isso, tentam mascarar a verda-deira relação de emprego e as conseqüências delaadvindas”. Para Campos, o número de trabalha-dores explorados em trabalho degradante nas car-voarias de Minas Gerais pode passar de 50 mil.

Segundo o presidente da CPI das car-voarias, deputado Adelmo Leão, do PT, a si-tuação é ainda mais grave porque, além dotrabalho escravo, existe a exploração do tra-balho infantil.

No Norte de Minas Gerais, as empresassiderúrgicas que mais exploram o carvão e oscarvoeiros são a V&M (Vallourec & Mannesman)Florestal e a Plantar Reflorestamento, ambascertificadas por qualidade ecológica pelo ForestSewardship Council (FSC), apesar de todas asdenúncias de irregularidades trabalhistas, hu-manas e ecológicas feitas contra elas.

Expostos a tarefas extremamente preju-diciais e degradantes, crianças, adultos e ido-sos enfrentam jornadas de semiescravidão Maisde 100 mil pessoas são exploradas em carvoa-rias e siderúrgicas de Minas Gerais, Maranhãoe Mato Grosso do Sul. As condições de traba-lho beiram a escravidão: são 14 horas por diacarregando sacos de 40 quilos nas costas, semcarteira assinada e salário fixo.

egundo a Pastoral do Migrante, entre assafras 2004/2005 e 2005/2006 morreram10 cortadores de cana na Região Canavi-

eira de São Paulo. Eram trabalhadores jovens, comidades variando entre 24 e 50 anos, todos erammigrantes, que tinham vindo de outras regiões do

Por que morremos cortadores de cana?43

Francisco Alves44

SS43 ALVES, F. (2006). Por que Morrem os Cortadores de Cana, in Saúde e Sociedade, set/dez 2006, No. 15/3, p 90 a 98.

Texto disponível em http://www.pastoraldomigrante.com.br.44 Professor Adjunto do Departamento de Engenharia de Produção da UFSCar.

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país (Norte de Minas, Bahia, Maranhão, Piauí)para o corte de cana. As causas mortis em seusatestados de óbitos são vagas a respeito do queocasionou verdadeiramente as mortes, os ates-tados dizem apenas que morreram por paradacardíaca.

Para entendermos as razões destas mortesé necessário entendermos o processo de trabalhoa que os cortadores de cana estão submetidosnesta atividade produtiva. O processo de trabalhopassou por mudanças significativas da década de80 até a presente década. Na década de 80, logono seu início, o país, e mais especificamente osetor sucro-alcooleiro, vivia o seu período áureo,em plena vigência do Proálcool, na sua segundafase (após 1979), que incentivava a produçãode álcool hidratado e anidro, produzido em des-tilarias autônomas, direcionadas a atender aoenorme crescimento da demanda por álcool, de-rivadas da produção nacional de automóveismovidos unicamente a este novo combustível. OProálcool foi o maior programa público mundialde produção de combustível alternativo aos de-rivados do petróleo.

Em decorrência do Proálcool cresceu a pro-dução de cana-de-açúcar, novas destilarias e usi-nas foram instaladas e cresceu o número de em-pregos diretos em toda a cadeia produtiva; da in-dústria produtora de máquinas e equipamentospara o setor sucro-alcooleiro à comercializaçãode álcool e açúcar, isto é, houve a criação de no-vos postos de trabalho industrial a novos postosde trabalho agrícola.

Naquele período cresceu também a produ-tividade da cultura agrícola, medida em quanti-dade de cana por hectare ocupado com a ativi-dade que saiu de 50 toneladas por hectare e atin-giu mais de 80, entre as décadas de 50 e 80. Cres-ceu também a produtividade do trabalho no cortede cana, medida em toneladas de cana cortadaspor dia por homem ocupado.

Se na década de 60 a produtividade do tra-balho era, em média, de 3 toneladas de cana pordia de trabalho, na década de 80 a produtividademédia passa para 6 toneladas de cana por diapor homem ocupado e no final da década de 90 einício da presente década, atinge 12 toneladas decana por dia.

O processo de trabalho no corte de canaconsistia, na década de 80, no trabalhador cortarum retângulo; com 8,5 metros de largura, em 5ruas (linhas em que é plantada a cana), por um

comprimento que varia de trabalhador para tra-balhador, que é determinado pelo que ele conse-gue cortar num dia de trabalho. Este retângulo échamado pelos trabalhadores de eito e o compri-mento do eito varia de trabalhador para trabalha-dor, porque depende do ritmo de trabalho e daresistência física de cada um e é esta distância,que é medida ao final do dia e será o indicadordo seu ganho diário. Estes metros lineares de cana,multiplicados pelo valor da cana pesada pela usi-na, dá o valor do dia de trabalho no corte de canapara cada trabalhador.

Estima-se que para cortar 6 toneladas decana num dia, considerando uma cana de pri-meiro corte, de crescimento ereto, que o compri-mento do eito é de aproximadamente 200 metros.O trabalhador, além de cortar a cana contida naárea deste retângulo (1.700 m²), deve cortar tam-bém as pontas e transportar a cana para a linhado meio (3ª linha) que dista 3 metros de cada umadas extremidades do eito.

O pagamento dos trabalhadores era, e é fei-to, a partir da quantidade de cana que é cortadapor dia de trabalho, portanto, era, e ainda é, umpagamento por produção. Os motivos que levamas usinas a adotarem o pagamento por produção,que é uma das formas de trabalho já denunciadapor Adam Smith, no final do século XVIII, e porKarl Marx, no século XIX, como uma das maisdesumanas e perversas, pois o trabalhador tem oseu ganho atrelado a força de trabalho despendidapor ele por dia.

É verdade que tanto Adam Smith quantoKarl Marx denunciavam este trabalho, chaman-do-o de perverso e desumano, analisando apenasesta forma de trabalho em situações em que o tra-balhador controlava o seu processo de trabalho etinham, ao final do dia, pleno conhecimento dovalor que tinham ganho, isto porque conheciam ovalor do trabalho executado.

No corte de cana é diferente porque os tra-balhadores só sabem quantos metros de cana cor-taram num dia, mas não sabem, a priori, do valordo metro de cana para aquele eito cortado porele, este desconhecimento é devido a que o valordo metro de cana do eito depende do peso dacana, que varia em função da qualidade da cananaquele espaço e a qualidade da cana naqueleespaço depende, por sua vez de uma série de va-riáveis (variedade da cana, fertilidade do solo,sombreamento etc.). Nestas condições, as usinaspesam a cana cortada pelos trabalhadores e

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atribuem o valor do metro, através da relaçãoentre peso da cana, valor da cana e metros queforam cortados. Tudo isto é feito nas usinas,onde estão localizadas as balanças, sem con-trole do trabalhador. Portanto, entre aquelas si-tuações de trabalho analisadas pelos dois pen-sadores nos séculos XVIII e XIX e as praticadasna cana nos séculos XX e XXI há uma enormedistância, que é o não controle do salário e doprocesso de trabalho pelos trabalhadores, esteé controlado pelas usinas.

Os trabalhadores trabalham no corte decana por produção, em pleno século XXI, semsaberem quanto ganham, porque isto depende dequanto cortam. Além disto, mesmo cortando mui-tos metros podem ter um ganho pequeno, porqueo valor do metro depende de uma conversão quenão é controlada pelos trabalhadores e sim pelasusinas. Portanto, se todos os autores declaram queo pagamento por produção, além de ser uma for-ma de salário arcaica, perversa e desgasta os tra-balhadores, porque sua produção e salário depen-dem de seu esforço físico, na cana esta forma detrabalho é mais perversa porque o ganho não de-pende dos trabalhadores mas de uma conversãofeita pelo departamento técnico das usinas.

Há inúmeros casos de desavenças entretrabalhadores e usinas derivados desta conver-são de toneladas de cana em metro. Estas desa-venças foram responsáveis, inclusive peladeflagração de uma greve em 1986, que come-çou nas cidades de Leme, no Estado de São Pau-lo e de lá alastrou-se para outras cidades e regi-ões canavieiras do Estado e do país. Esta já eraa segunda grande greve realizada pelos trabalha-dores, após a greve de Guariba de 1984 contrao sistema de corte em 7 ruas.

Na greve de 1986 os trabalhadores reivin-dicavam o pagamento por metro de cana cortadoe não por tonelada. A reivindicação era simples:cada metro de cana cortada, dependendo do tipode cana (cana de primeiro corte, cana de segun-do e demais cortes, cana de ano e meio, canacaída e enrolada) teria um preço definido no acor-do coletivo de trabalho, os trabalhadores, ao finaldo dia receberiam um recibo (pirulito), onde viriagravado, a quantidade de metros cortadas naqueledia e o valor do metro de cana naquele eito.

Os empresários contra-argumentavam, di-zendo que era impossível para a usina adotar opagamento por metro, porque a sua unidade demedida, utilizada em todas as etapas do processo

produtivo, era a tonelada de cana. Na verdade aargumentação dos empresários escondia o essen-cial. Se os trabalhadores adquirissem o controledo processo de trabalho e o controle do seu paga-mento, as usinas perderiam o principal meio depressão que as empresas dispõem para aumentara produtividade do trabalho. Isto porque o pro-cesso de trabalho no corte de cana depende úni-ca e exclusivamente da destreza do trabalhador,isto é, depende de um conjunto de atividadesmanuais, exercida pelos trabalhadores, indepen-dente da administração do processo.

No corte de cana os trabalhadores têm ocontrole da atividade, o que não ocorre em ou-tros processos de produção, que através do sis-tema de máquinas, há a subordinação do traba-lhador e do trabalho ao sistema, onde os aumen-tos de produtividade são alcançados através dosistema de máquinas.

No corte de cana, o trabalhador recebe oeito de cana definido pelo supervisor da turma erealiza as atividades exigidas: começa a cortarpela linha central, a linha que será depositada acana, em seguida corta as duas linhas laterais àcentral, de forma a que todas as linhas do eitosejam cortadas simultaneamente, sem deixar li-nhas sem cortar (deixar telefone).

No corte, especificamente, o trabalhadorabraça um feixe de cana (contendo entre cinco edez canas) e curva-se para cortar a base da cana.O corte da base tem que ser feito bem rente aochão, porque é no pé da cana que se concentra asacarose. O corte rente ao chão não pode atingira raiz para não prejudicar a rebrota. Depois decortadas todas as canas do feixe o trabalhadorcorta o palmito, isto é a parte de cima da cana,onde estão as folhas verdes, que são jogadas aosolo. Em algumas usinas é permitido aos traba-lhadores o corte do palmito no chão, na fileira domeio, onde os feixes são amontoados. Neste caso,além de cortar o palmito o trabalhador tem que re-alizar um movimento com os pés, para separar aspontas das canas amontoadas na linha central.

Em algumas usinas as canas amontoadasna fileira central devem ser dispostas em montes,que distam um metro um do outro, em outras usi-nas é permitido ao trabalhador fazer uma esteirade canas amontoadas sem a necessidade dos mon-tes. Com isto, fica claro que a quantidade cortadapor dia por trabalhador depende mais, para ga-nhar mais, e de sua força física e habilidade paraexecução da atividade.

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Eu comparo o cortador de cana a um cor-redor fundista, porque os trabalhadores com mai-or produtividade não são necessariamente os quetêm maior massa muscular, são os que têm maiorresistência física para a realização de uma ativi-dade repetitiva e exaustiva, realizada a céu aber-to, sob o sol, na presença de fuligem, poeira e fu-maça, em alguns casos, e por um período que variaentre 8 a 12 horas de trabalho diários.

Um trabalhador que corte 6 toneladas decana, num talhão de 200metreos de compri-mento, por 8,5 metros de largura, caminha,durante o dia uma distância de aproximada-mente 4.400 metros, despende aproximadamen-te 50 golpes com o podão para cortar um feixede cana, o que equivale a 183.150 golpes nodia (considerando uma cana em pé, não caí-da e não enrolada e que tenha uma densidadede 5 a 10 canas a cada 30cm.). Além de andare golpear a cana, o trabalhador tem que a cada30cm. abaixar-se e torcer-se para abraçar egolpear a cana bem rente ao solo e levantar-separa golpeá-la em cima. Além disto, ele aindaamontoa vários feixes de cana cortados emuma linha e os transporta até a linha central.Isto significa que ele não apenas anda 4.400metros por dia, mas transporta, em seus bra-ços, 6 toneladas de cana, com um peso equi-valente a 15 Kg, a uma distância que varia de1,5 a 3 metros.

Além de todo este dispêndio de energia an-dando, golpeando, contorcendo-se, flexionando-se e carregando peso, o trabalhador sob o sol uti-liza uma vestimenta composta de butina combiqueira de açõ, perneiras de couro até o joelho,calças de brim, camisa de manga comprida commangote, também de brim, luvas de raspa de couro,lenço no rosto e pescoço e chapéu, ou boné.

Este dispêndio de energia sob o sol, comesta vestimenta, leva a que os trabalhadoressuem abundantemente e percam muita água ejunto com o suor perdem sais minerais e a per-da de água e sais minerais leva a desidrataçãoe a freqüente ocorrência de câimbras. Ascâimbras começam , em geral, pelas mãos e pés,avançam pelas pernas e chegam no tórax, o queprovoca fortes dores e convulsões, que fazempensar que o trabalhador esteja tendo um ata-que nervoso. Para conter as cãimbas e a desi-dratação, algumas usinas já levam para o cam-po e ministram aos trabalhadores soro fisioló-gico e, em alguns casos suplementos energéticos,para reposição de sais minerais.

O fim da greve de 1986 só foi alcançadoquando acordou-se que o pagamento dos tra-balhadores seria feito a partir da tonelada decana convertida em metro linear, com a possi-bilidade de controle pelos trabalhadores destaconversão, que deixava de ser apenas uma atri-buição técnica dos funcionários das usinas, maspodiam ser fiscalizadas pelos trabalhadores eseria feita da seguinte forma:

Ao início do trabalho, de manhã cedo, umcaminhão, chamado de campeão vai aolocal de corte;

Este caminhão é cheio com cana colhidade três pontos diferentes do talhão, pararealizar uma amostra representativa da qua-lidade e especificidades da cana no local;

Os trabalhadores podem participar da es-colha dos três pontos;

Este caminhão depois de cheio com canacolhida dos três pontos do talhão vai paraa usina para ser pesado, já sabendo queaquela carga corresponde a um determi-nado número de metros lineares;

Os trabalhadores podem acompanhar ocaminhão para verificar a pesagem na ba-lança das usinas e certificarem-se que nãohá roubo;

Depois de realizada a pesagem é realiza-da a conversão de tonelada de cana parametro, já atribuído o valor do metro, namedida em que a tonelada de cana pagaaos trabalhadores já tem seu valor defini-do pelo acordo coletivo;

Este valor do metro obtido da conversão éinformado aos trabalhadores no canavialantes do fim do dia;

No fim do dia de trabalho cada eito decana de cada trabalhador daquele talhãoé medido através de um compasso de pon-ta de ferro com 2 metros de largura entreuma ponta e outra;

Feita a medição do eito é elaborado, nocampo, um recibo (pirulito) onde constaa quantidade de metros cortados por cadatrabalhador, o valor de cada metro e o to-tal de rendimentos obtidos pelos trabalha-dores naquele dia de trabalho.

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Apesar de todo este procedimento cons-tar dos acordos coletivos desde 1986, na práti-ca, ele nunca funcionou, porque a base para oseu funcionamento era a participação dos tra-balhadores nas seguintes etapas:

I)escolha dos três pontos representativos dacana do talhão;

II) medição em metros da cana para carregaro campeão;

III) fiscalização da pesagem da cana na usina;

IV) participar do cálculo de conversão da to-nelada em metro.

Como os trabalhadores são remuneradospor produção, aqueles que se dispõem a acom-panhar aquelas 4 etapas, que exigem participa-ção dos trabalhadores, perdem, no mínimo meiodia de trabalho, portanto se não trabalham, nãoganham. Além disto, aqueles que se dispõem aparticipar se sentem marcados pelos gatos, fis-cais e apontadores e pelas usinas e temem per-derem seus empregos.

O que passou a ocorrer, na prática, é quemesmo nas usinas que mantiveram o campeão,a conversão de tonelada em metros é de res-ponsabilidade exclusiva das usinas e podemconter roubos.

A partir da década de 90 houve um gran-de aumento da produtividade do trabalho. Ostrabalhadores para manterem seus empregosna cana necessitam hoje cortar no mínimo 10toneladas de cana por dia, para se manteremempregados; a média cortada expandiu-se para12 toneladas de cana por dia. Portanto a pro-dutividade média cresceu em 100%, saiu de 6toneladas/homem/dia, na década de 80, e che-gou a 12 toneladas de cana por dia, na pre-sente década.

O fato dos trabalhadores hoje terem umaprodutividade duas vezes superior a da décadade 80 se deve a um conjunto de fatores:

O aumento da quantidade de trabalha-dores disponíveis para o corte de cana eesta maior disponibilidade se devem atrês fatores:

1. aumento da mecanização do corte decana;

2. o aumento do desemprego geral daeconomia, provocada por duas dé-

cadas de baixo crescimento eco-nômico e

3. expansão da fronteira agrícola paraas regiões do cerrado, atingindo o suldo Piauí e a região da pré-amazôniamaranhense, destruindo as formasde reprodução da pequena proprie-dade agrícola familiar, predominan-te nestes estados.

Possibilidade de seleção mais apura-da pelos departamentos de recursoshumanos das usinas. Esta seleçãomais apurada de trabalhadores leva a:seleção de trabalhadores mais jovens,redução da contratação de mulheres ea possibilidade de contratação de tra-balhadores oriundos de regiões maisdistantes de São Paulo (Norte de Mi-nas, Sul da Bahia, Maranhão e Piauí).

A seleção mais apurada permite queas usinas implementem a contrataçãopor período de experiência , onde ostrabalhadores que não conseguematingir a nova média de produção, 10toneladas de cana por dia, são demi-tidos antes de completarem três me-ses de contrato.

Um trabalhador que corta hoje 12 tonela-das de cana em média por dia de trabalho realizaas seguintes atividades no dia:

Caminha 8.800 metros;

Despende 366.300 golpes de podão;

Carrega 12 toneladas de cana em mon-tes de 15 kg. em média cada um, por-tanto, ele faz 800 trajetos levando 15Kg.nos braços por uma distância de 1,5 a3 metros;

Faz aproximadamente 36.630 flexões deperna para golpear a cana;

Perde, em média 8 litros de água por dia,por realizar toda esta atividade sob solforte do interior de São Paulo, sob os efei-tos da poeira, da fuligem expelida pelacana queimada, trajando uma indumen-tária que o protege, da cana, mas aumen-ta a temperatura corporal.

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Com todo este detalhamento pormenori-zado da atividade do corte de cana, fica fácilentendermos porque morrem os trabalhadoresrurais cortadores de cana em São Paulo. A so-lução para este problema, ao meu ver, não sedará através mudanças que não vão ao cerneda questão. O que vai ao centro da questão,que são as mortes dos trabalhadores cortadoresde cana pelo excesso de trabalho é o pagamen-to por produção.

Enquanto o setor sucro-alcooleiro perma-necer com esta dicotomia interna: de um lado,utiliza o que há de mais moderno em termostecnológicos e organizacionais, uma tecnologiatípica do século XXI (tratores e máquinas agrí-

colas de última geração, agricultura de preci-são, controlada por geo-processamento via sa-télite etc.); mas manter, de outro lado, relaçõesde trabalho, já combatidas e banidas do mun-do desde o século XVIII, trabalhadores continu-arão morrendo. Isto porque os 10 que morre-ram nas duas últimas décadas são uma amos-tra insignificante do total que deve morrer to-das as safras clandestinamente.

Ao longo dos últimos vinte anos que me de-dico a análise das condições de vida e trabalhodos trabalhadores rurais, colhi vários depoimen-tos de trabalhadores que relatavam mortes comoas agora tornadas públicas através do excelentetrabalho da Pastoral do Migrante de Guariba.

Trabalho escravo no Brasil de hoje45

Leonardo Sakamoto

45 Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br

AAescravidão contemporânea é diferentedaquela que existia até o final do sécu-lo 19, quando o Estado garantia que

comprar, vender e usar gente era uma atividadelegal. Mas é tão perversa quanto, por roubar doser humano sua liberdade e dignidade. E ela nãose resume à terra de ninguém que é a região deexpansão agrícola amazônica, mas está presentenas carvoarias do cerrado, nos laranjais e cana-viais do interior paulista, em fazendas de frutas ealgodão do Nordeste, nas pequenas tecelagens doBrás e Bom Retiro, da cidade de São Paulo.

Antigamente, a propriedade legal era per-mitida, hoje não. Mas era muito mais caro com-prar e manter um escravo do que hoje. O negroafricano era um investimento dispendioso quepoucas pessoas podiam ter. Hoje, o custo é quasezero - paga-se apenas o transporte e, no máximo,a dívida que o sujeito tinha em algum comércioou hotel. Além do fato de que, se o trabalhadorfica doente, é só largá-lo na estrada mais próximae aliciar outra pessoa. O desemprego é gigantes-co no país, e a mão-de-obra, farta.

Na escravidão contemporânea, não fazdiferença se a pessoa é negra, amarela ou bran-ca. Os escravos são miseráveis, independente-

mente de raça. Porém, tanto na escravidão im-perial quanto na do Brasil de hoje, mantém-sea ordem por meio de ameaças, terror psicológi-co, coerção física, punições e assassinatos.Ossadas têm sido encontradas em proprieda-des durante ações de fiscalização, como na fa-zenda de Gilberto Andrade, família influente daregião Sul do Pará.

Não há estatística exata para o númerode trabalhadores em situação de escravidão nopaís. Estima-se que sejam entre 25 mil e40 mil, de acordo com número da ComissãoPastoral da Terra (CPT) – órgão, ligado à Con-ferência Nacional dos Bispos do Brasil, e a maisimportante entidade não-governamental queatua nessa área – e da Organização Internacio-nal do Trabalho (OIT).

A forma de trabalho forçado mais encontra-da no país é a da servidão, ou “peonagem”, pordívida. Nela, a pessoa empenha sua própria capa-cidade de trabalho ou a de pessoas sob sua res-ponsabilidade (esposa, filhos, pais) para saldar umaconta. E isso acontece sem que o valor do serviçoexecutado seja aplicado no abatimento da contade forma razoável ou que a duração e a naturezado serviço estejam claramente definidas.

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E não é apenas o cerceamento da liberda-de que configura o trabalho escravo, mas sim umasérie de etapas. Segundo Ela Wiecko de Castilho46,o processo inclui: recrutamento, transporte, aloja-mento, alimentação e vigilância. E cada qual coma existência de maus-tratos, fraudes, ameaças eviolências física ou psicológica.

As primeiras denúncias de formas contem-porâneas de escravidão no Brasil foram feitas em1971 por dom Pedro Casaldáliga, na Amazônia.Sete anos depois, a CPT denunciou a fazendaVale do Rio Cristalino, pertencente à montadorade veículos Volkswagen e localizada no sul doPará. O depoimento dos peões que conseguiramfugir a pé da propriedade deu visibilidade inter-nacional ao problema.

Outro exemplo de envolvimento de gran-des empresas é o das fazendas reunidas TainaRecan, em Santa do Araguaia, e Alto Rio Ca-pim, em Paragominas, ambas no Pará, perten-centes ao grupo Bradesco, onde, entre as déca-das de 70 e 80, foram encontrados trabalhado-res reduzidos à condição de escravidão. O go-verno acaba envolvido indiretamente com o tra-balho forçado quando financia empresas que seutilizam da prática. A Superintendência para oDesenvolvimento da Amazônia (Sudam), porexemplo, bancou a Companhia Real Agroindús-tria e as fazendas Agropalma, também no Pará,pertencentes ao Banco Real, em que foram en-contradas irregularidades no início da década de90. Tudo isso é fruto da política de desenvolvi-mento adotada durante a ditadura militar, de in-centivar os grandes empreendimentos na regiãoamazônica, que fechou o olho para os direitoshumanos e trabalhistas. Quem protestava ou rei-vindicava era preso e torturado.

Apesar de as convenções internacionais de1926 e a de 1956, que proibiam a servidão pordívida, entrarem em vigor no Brasil em janeirode 1966, o país demorou para criar um meca-nismo para combatê-la. O que veio a acontecerapenas em 1995, quando foram instituídos osgrupos móveis de fiscalização. Essas equipes, co-ordenadas pela Secretaria de Inspeção do Tra-balho (SIT) do Ministério do Trabalho e Empre-go, respondem diretamente a Brasília, são acom-panhadas de policiais federais e contam com osuporte do Ministério Público do Trabalho e daJustiça do Trabalho.

O Plano Nacional para Erradicação do Tra-balho Escravo, lançado no início de 2003, reúne76 medidas de combate à prática. Entre elas, pro-jetos de lei como o que expropria terras em quefor encontrado trabalho escravo e transfere paraa esfera federal os crimes contra os direitos hu-manos, limitando assim as influências locais nosprocessos. A implantação do plano tem sido lentae muitas vezes esbarra na falta de verbas, pressãoda bancada ruralista e na incapacidade do go-verno federal de liberar recursos para aumentar eaparelhar a fiscalização.

Nos últimos meses, mudanças na legislaçãotornaram mais duras as penas para quem for pegocom trabalho escravo. Outros importante instru-mentos foram a determinação da suspensão nocrédito agrícola de quem foi condenado pela prá-tica e a criação de 269 novas Varas do Trabalho,a primeira delas a ser instalada em Redenção, suldo Pará. Vale ressaltar que o combate ao trabalhoescravo avançou graças à dedicação pessoal dosauditores do grupo móvel do Ministério do Traba-lho e Emprego, mesmo com falta de recursos fi-nanceiros, equipamentos, veículos que não que-brem em serviço e telefones que funcionem naimensidão verde da Amazônia.

Mas mesmo fiscalização, multas, prisão dosenvolvidos, cortes em linhas de crédito atacam asconseqüências, deixando muitas vezes a causa emaberto. O trabalhador resgatado não vê opçõespara a sobrevivência e acaba caindo de novo naarmadilha. “Com terra para plantar não teria idoembora [da minha terra]. Além disso, pessoa bemestudada não precisa sair, arruma emprego. Osoutros têm de ir para o machado mesmo”, afirmaum trabalhador libertado.

Escravidão no Brasil é sintoma de algo mai-or: desigualdade. “Os trabalhadores que vêmpara cá são de locais onde a situação de pobre-za é terrível. Se não houver uma política de fun-do para gerar emprego e renda e fixar a popula-ção nos seus Estados de origem, de nada vai adi-antar”, afirma José Batista Afonso, coordenadorda CPT em Marabá. Uma efetiva política de re-forma agrária, acompanhada de juros baixospara o crédito rural e transferência de conheci-mento. Infelizmente, o que vemos hoje é umagrande quantidade de desempregados, reserva decontingente para o trabalho forçado nas regiõesde fronteira agrícola.

46 Subprocuradora-geral da República e professora de direito penal na Universidade de Brasília e na Universidade Federal de SC.

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stamos oferecendo hoje à sociedade bra-sileira os dados parciais dos conflitos nocampo, relativos aos meses de janeiro a

setembro de 2007. Acompanham esta nota, astabelas de Violência contra a Ocupação e a Pos-se; de Violência contra a Pessoa, um RelatórioSíntese dos conflitos e uma tabela de Manifesta-ções. Todos de janeiro a setembro de 2006 e 2007.Segue também, a relação de todos os assassina-tos ocorridos no campo até dezembro de 2007,somando um total de 25.

Os conflitos pela água, neste ano, apresen-taram crescimento em relação a igual período de2006. De 38 conflitos para 40 em 2007. O núme-ro de pessoas envolvidas, porém, mais que do-brou: de 12.632 para 25.919. Na região Sudestehouve o maior crescimento desses conflitos, de 6,em 2006, para 14, em 2007. Destes, 11 são emMinas Gerais. 17 dos 40 conflitos, 42,5%, foramregistrados nos Estados banhados pelo rio SãoFrancisco, objeto do projeto de Transposição dogoverno federal.

Diminuição de conflitos nãoesconde a violência

Mesmo que em termos absolutos tenha ha-vido uma queda geral nos números dos confli-tos, em termos relativos há crescimento da vio-lência. Em 2006, para cada ocorrência de con-flito houve 1,2 famílias expulsas, 16 despejadase os assassinatos correspondiam a um paracada 47 conflitos. No mesmo período de 2007,(é bom ressaltar que são dados ainda parciais)para cada ocorrência de conflito se computam5 famílias expulsas, 19 despejadas e um assas-sinato para 44 conflitos.

Mas é em relação ao número de famíliasexpulsas pelo poder privado que se verifica o maior

crescimento da violência, não seguindo a tendên-cia de queda verificada em outros indicadores.As famílias expulsas passaram de 1.657, em2006, para 2.711, em 2007, mais de 100% amais. Este aumento verificou-se em todas as re-giões do País, sem exceção:

47 Texto disponível em http://www.cptnac.com.br/?system=news&action=read&id=2108&eid=6

Dados parciais de conflitosno campo em 200747

42,5% de conflitos pela água ocorreram nos estadosbanhados pelo Rio São Francisco

EE

Região 2006 2007 Centro-Oeste 0 318 Nordeste 459 491 Norte 714 757 Sudeste 95 435 Sul 49 710 Total 1.317 2.711

Famílias expulsas

Isto mostra que o poder do latifúndio edo agronegócio está atento e atuante, dispos-to a agir por conta própria caso o poder pú-blico não atenda suas reivindicações de pu-nir os trabalhadores que se levantam na defe-sa de seus direitos.

Número de conflitos em queda

No geral, porém, o ano de 2007 apresentanúmeros inferiores aos de igual período de 2006.O total de conflitos no campo (conflitos por terra,por água, trabalhistas e etc.) de 1.414, em 2006,caiu para 837. O número de pessoas envolvidaspassou de 652.284 para 561.926, e o número deassassinatos de 30 para 19.

Também em relação ao trabalho escravo onúmero de ocorrências caiu de 214, em 2006, para177, em 2007, com, respectivamente, 5.767 e5.127 trabalhadores submetidos a condições aná-logas à escravidão.

Os conflitos exclusivamente por terrapassaram de 1.042, para 540. As ocupações

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despencaram de 329 para 247, e os acampamen-tos de 60 para 35. O número de famílias, nas ocu-pações, porém, cresceu, passou de 35.315 para37.630. O número de famílias despejadas foi me-nor: 17.443, em 2006; 10.669, em 2007.

Por outro lado, o número de Manifestaçõescresceu passando de 579, com a participação de359.998 pessoas, em 2006, para 671, com a par-ticipação de 465.394 pessoas, em 2007.

O que explicam esses números

O aumento no número de famílias em ocu-pações, apesar de estas terem sofrido uma dimi-nuição expressiva, acaba evidenciando que onúmero de famílias sem terra continua muito ele-vado e que há necessidade de um programa efeti-vo de reforma agrária.

A queda acentuada no número de confli-tos se dá não porque tenha sido adotada umapolítica mais eficaz de reforma agrária ou decombate à violência. O que se pode sentir é quea não execução da reforma agrária, com famíli-as acampadas há 4, 5, 6 ou mais anos, desesti-mula a ação dos trabalhadores e dos seus movi-mentos, daí a queda expressiva dos números deocupações e acampamentos. Aliado a isso, obolsa-família dando um mínimo de condiçõespara as famílias terem o alimento de cada dia,acaba arrefecendo o ímpeto de quem, premidopela necessidade, tem que buscar a qualquercusto seus meios de sobrevivência.

Número de assassinatos dobrano Centro-Oeste

Analisando os números em detalhe, o quese vê é que o número de assassinatos que decres-ceu no país como um todo, teve um aumento de100% no Centro-Oeste passando de 2, em 2006,para 4 em 2007; e de 50% na região Nordeste,passando de 4 para 6.

No Centro-Oeste, 3 dos 4 assassinatos sãode indígenas, dois deles no Mato Grosso do Sulonde os Guarani-Kaiowá vivem a situação maisdramática de que se tem conhecimento, encurra-lados em pequenas áreas ou acampados na mar-gem de estradas, não se garantindo espaço paraquem era o dono de toda aquela região. O outroindígena foi assassinado no Mato Grosso.

No Nordeste, dos 6 assassinatos, 3 são tam-bém de indígenas, 1 na Bahia, 1 no Ceará, e 1 no

Maranhão. Também ali se configura uma situa-ção em que o avanço do agronegócio não respei-ta nada, muito menos comunidades tradicionais,taxadas de improdutivas e de serem empecilhopara o progresso.

No Centro-Oeste, cresceu o número de pes-soas submetidas ao trabalho escravo. De 1.078,em 2006, passaram para 1.157, em 2007, comdestaque para Goiás que de 3 ocorrências, em2006, passou para 8, em 2007, com envolvimentode pessoas passando de 113 para 441. O mesmoacontecendo em Mato Grosso do Sul onde se re-gistraram 9 ocorrências, envolvendo 628 pesso-as, em 2007, contra 3 ocorrências e 39 pessoas,em 2006. O trabalho escravo também cresceu ex-pressivamente no Maranhão e no Piauí. Goiástambém se destaca por ter aumentado o númerogeral de conflitos, de 28 para 31 e de famílias en-volvidas de 16.870 para 25.904.

Sudeste, onde conflitos eviolência crescem

O que mais chama a atenção, porém, naanálise mais regionalizada dos números é a re-gião Sudeste que se comportou de modo inver-so ao restante do país. A região foi a única queapresentou crescimento no número de conflitospassando de 180, para 193 e no número de pes-soas envolvidas, que saltou de 71.983 para112.356. Em relação às famílias expulsas a re-gião Sudeste seguiu a tendência geral do País,passaram de 95 para 435. O Sudeste tambémfoi o único que apresentou crescimento no nú-mero de famílias despejadas passando de 980para 1.477. Foi só nessa região, ainda, que hou-ve crescimento no número de ocupações: 78,em 2006; 88, em 2007, e de acampamentos: 4,em 2006; 7, em 2007.

Na região mais rica e urbanizada do Paísé impressionante constatar que ocorreram23,5% de todos os conflitos no campo, e ondeestão 20% das pessoas envolvidas em conflitos.O grande progresso tecnológico aplicado aocampo e o avanço das monoculturas geram,além das riquezas propagandeadas, maior de-sigualdade, exclusão e, em conseqüência disso,novos e graves conflitos.

A bem da verdade pode-se imputar estedestaque do Sudeste à presença mais próximados meios de comunicação que registram os fa-tos, na maior parte das vezes, para criticar a ação

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dos trabalhadores. Em outras regiões do País,boa parte dos conflitos nunca chegam aoconhecimento público. Como diz o professorCarlos Walter Porto Gonçalves, da Universi-dade Federal Fluminense: “Não deixa de serpreocupante que a região mais rica do Bra-sil apresente crescimento da violência no cam-po em relação às demais regiões. Uma nova

geografia da violência está se desenhando,conforme indicam estes dados parciais de2007. Tudo indica que o avanço do cultivoda cana, diante da febre dos agrocombustí-veis, esteja trazendo implicações no aumen-to do preço da terra, que rebate no progra-ma de Reforma Agrária, e consigo carrega oaumento da violência”.

s direitos dos trabalhadores ruraisfreqüentemente são ignorados na cha-mada “fronteira agrícola”, onde a flo-

resta amazônica perde espaço a cada dia paragrandes fazendas. Péssimos alojamentos e alimen-tação, atraso ou não-pagamento de salários e atéprivação de liberdade sob ameaça de morte acon-tecem com freqüência na região.

“Quando eu cheguei aqui, a coisa era muitodiferente do que havia sido prometido.” Nos últi-mos tempos, uma praga atingiu as fazendas decacau onde Uexlei Pereira trabalhava no Sul daBahia, deixando muita gente sem serviço. Aliciadopor um “gato”, saiu de sua cidade, Ibirapitanga,com a oferta de um bom salário, alimentação e con-dições dignas de alojamento. No Sul do Pará, Uexleipercebeu que havia sido enganado. Quando foiresgatado, recebia há dois meses só comida. Nãotinha idéia de quanto devia ao gato, conhecidocomo Baiano, e nem quando iria receber.

A sua história não é diferente da dos demaistrabalhadores que fogem do desemprego para cairna rede da escravidão. A seguir, estão detalhadosoito passos que transformam um homem livre em umescravo, padrão que se repete com triste freqüência.

Devido à seca, à falta de terra para plantare de incentivos dos governos para fixaçãodo homem no campo, aos altos juros docrédito agrícola, ao desemprego nas pe-quenas cidades do interior ou a tudo isso

Dossiê trabalho escravo

Como alguém se torna escravo48

Leonardo Sakamoto

OOjunto, o trabalhador acaba não vendo ou-tra saída senão deixar sua casa em buscade sustento para a família.

Ao ouvir rumores de que existe serviço far-to em fazendas, mesmo em terras distan-tes, ele ruma para esses locais. O Tocantinse a região Nordeste, tendo à frente os Es-tados do Maranhão e Piauí, são grandesfornecedores de escravos.

Alguns vão espontaneamente. Outros são ali-ciados por “gatos” (contratadores de mão-de-obra que fazem a ponte entre o empregador eo peão). Estes, muitas vezes, vêm buscá-lo deônibus ou caminhão – o velho pau-de-arara.

O destino principal é a região de expansãoagrícola, onde a floresta amazônica tombadiariamente para dar lugar a pastos e plan-tações. Pará e Mato Grosso são campeõesem denúncias e resgates de trabalhadorespelo Ministério do Trabalho e Emprego.

Há os “trecheiros” ou “peões do trecho”que deixaram sua terra um dia e, semresidência fixa, vão de trecho em trecho,de um canto a outro em busca de traba-lho. Muitos deles acabam se hospedan-do nos chamados “hotéis peoneiros”, fi-cando dias até que algum gato venhabuscá-los, compre suas dívidas e os leve

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48 Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br

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às fazendas. A partir daí, tornam-se seuscredores e devem trabalhar para abatero saldo. Muitos seguem contrariados porestarem sendo negociados. Mas há osque vão felizes, pois acreditam ter con-seguido um emprego que possibilitaráhonrar seus compromissos e ainda ga-nhar dinheiro.

Já na chegada, o peão vê que a realida-de é bem diferente. A dívida que tem porconta do transporte aumentará em umritmo constante, uma vez que o materialde trabalho pessoal, como botas, é com-prado na cantina do próprio gato, dodono da fazenda ou de alguém indicadopor eles. Os gastos com refeições, remé-dios, pilhas ou cigarros vão para um“caderninho”, e o que é cobrado por umproduto dificilmente será o seu preçoreal. Um par de chinelos pode custar otriplo. Além disso, é costume do gato nãoinformar o montante, só anotar. Pedroconta que um par de botas sai por R$ 25na cantina da fazenda Nossa Senhora

Aparecida. Uma rede, R$ 16 e uma foi-ce, R$ 12. Material de trabalho que de-veria ser entregue gratuitamente. Juntocom o equipamento mínimo de seguran-ça, que também não existia.

Meses de serviço e nada de dinheiro. Soba promessa de que vão receber tudo no fi-nal, o trabalhador continua derrubando amata, aplicando veneno, erguendo cercase outras atividades degradantes e insalu-bres. Cobra-se pelo uso de alojamentos semcondições de higiene.

No dia do pagamento, a dívida do traba-lhador é maior do que o total que ele teria areceber – isso considerando que o acordoverbal feito com o gato é quebrado, tendo opeão direito a um valor bem menor que ocombinado. Ao final, quem trabalhou me-ses sem receber nada acaba devedor dogato e do dono da fazenda, e tem de conti-nuar suando para poder quitar a dívida. Sefor necessário, até força física e armas sãousadas para mantê-lo no serviço.

49 Matéria feita por Fátima Lessa, de São Luis (MA). Publicada no Jornal Brasil de Fato, de 30 de dezembro de 2004a 5 de janeiro de 2005.

Trabalhadoras ruraisQuebradeiras de Coco reescrevem a históriaNo Maranhão, mulheres lutam contra derrubada daspalmeiras de babaçu e conquistam acesso livre ao coco49

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á cerca de 20 anos, no MédioMearim, Estado do Maranhão, mu-lheres quebradeiras de coco babaçu

decidiram escrever um novo roteiro para a his-tória das palmeiras de babaçu. “Ou a gente bri-gava contra a derrubada e a queima das palmei-ras, ou a gente ia morrer”, conta a vereadora equebradeira de coco, Maria Alaíde, do municí-pio de Lago do Junco.

A vereadora diz que as mulheres começaramavisando aos fazendeiros, que não as deixavam en-trar no babaçual, que eles não podiam juntar o cocopara vendê-lo em grandes quantidades, nem podiamcortá-lo porque só uma pessoa seria beneficiada.

“A gente ganhou mais força quando os homenssentiram na pele a necessidade de lutar pela terra.Eles disseram aos fazendeiros que não iam mais pas-sar por baixo de arame”, acrescenta Maria Alaíde.

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Foi o começo dos conflitos e perseguiçõesàs quebradeiras de coco babaçu e aos traba-lhadores rurais. Em 1987, elas criaram a Asso-ciação das Mulheres Trabalhadoras Rurais(AMTR). Em 1989, surgia a Associação em Áre-as de Assentamento no Estado do Maranhão(Assema), para prestar assistência técnica aostrabalhadores rurais nas áreas de assentamen-to. Em 1991, foi a vez do Movimento Interinsti-tucional de Quebradeiras de Coco Babaçu(MIQCB, hoje AMIQCB).

Conquistas

A luta valeu a pena. “A gente não estámais sonhando. Nosso sonhos deixaram de serutopia para ser realidade”, diz, alegre, a co-ordenadora da Associação e Movimento Inte-rinstitucional de Quebradeiras de CocoBabaçu (AMIQCB), Maria Adelina de SouzaChagas, a Dada.

A região do Médio Mearim é a de maiorconcentração de babaçu do Brasil: dez milhõesde hectares. A imensa maioria das palmeirasestáem grandes fazendas, que cobravam para deixaras quebradeiras tirar o coco, ou simplesmentebarravam a sua entrada.

São mais de 300 mil extrativistas que têmno babaçu a principal fonte de renda noMaranhão, Pará, Piauí e Tocantins. Sua vida nãoera fácil, permeada de obstáculos para ter acessoaos babaçuais.

Hoje, o acesso ao coco é livre, garantidopor lei em vários municípios e por lei estadual.Além de garantir o livre acesso, a legislação proí-be derrubadas, cortes de cachos e uso deherbicidas nos babaçuais.

Atravessadores não mandam mais

A história da palmeira do coco babaçu con-funde-se com a história das quebradeiras de coco.Geralmente,elas começam na atividade aos seteanos e vão até a velhice. Uma trajetória que astorna vítimas de doenças graves e seqüelas físicasmuitas vezes irreversíveis.

Apesar de serem responsáveis por cercade 70% das 115 mil toneladas de amêndoas pro-duzidas no país, a maioria das quebradeiras decoco vive sem assistência médica, dentária esocial. Entretanto, esse desamparo não desani-ma essas guerreiras.

No Maranhão, além do “coco livre”, as que-bradeiras conseguiram criar o “kit babaçu livre”:sabonete, carvão, farinha do mesocarpo, papelreciclado, óleo etc. Elas também montaram umafábrica de sabonetes e, pela Cooperativa Agro-extrativista de Lago do Junco (Coppalj) uma plantade produção de óleo.

Para montar a unidade de óleo, elas rece-beram R$ 80 mil do Fundo das Nações Unidaspara a Infância e Adolescência (Unicef). O óleoextraído já tem destino certo: 30% vão para forado país, para a indústria inglesa Body Shop; 5%para a fabricação do sabonete, e o restante é ven-dido a empresas da região.

O contrato com os ingleses foi assinado hámais de cinco anos. “Se não fosse a compra daBody Shop, a gente não teria recursos para re-passar às quebradeiras de coco todo fi nal de ano.Antes disso, a cooperativa não saía do vermelho”,conta a vereadora Alaíde.

A empresa inglesa paga à cooperativa odobro do preço do mercado pelo litro de óleo.Agora quem dita as regras é a Coppalj, não oatravessador, como antes. “Estamos conseguin-do que o atravessador acompanhe o nosso preçoou então vai ficar sem o produto”, informa o pre-sidente da cooperativa, Raimundo Vidal.

É dura a vida da quebradeira do coco. Paraconseguir cerca de 10 quilos de amêndoas, sãonecessários mais de 120 quilos do coco. Elas tra-balham, em média, oito horas por dia, segundolevantamento feito por estudantes de uma facul-dade do Maranhão.

Do babaçu, aproveita-se tudo. Com omesocarpo, é fabricado um complemento alimen-tar que substitui o chocolate. O óleo é matériaprima para a produção de sabonetes, e as cascaspara a de carvão. A palmeira é utilizada tanto nacobertura de casas, como na produção de papel ede embalagens. (FL).

Mulheres organizadas

A Associação em Áreas de Assentamentono Estado do Maranhão (Assema) é a entidadeque articula as várias associações nas quais asmulheres quebradeiras de coco babaçu se orga-nizam. Por meio do Programa de Organização dasMulheres, as quebradeiras de coco participam dediscussões sobre políticas ambientais, direito evalorização da mulher, entre outras.

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“A meta é fortalecer as organizações demulheres vinculadas à Assema e ao MovimentoInterestadual de Quebradeiras de Coco Babaçu(MIQCB)”, diz a coordenadora da Associação eMovimento Interinstitucional de Quebradeiras deCoco Babaçu (AMIQCB), Maria Adelina, Dada.

Ela avalia que o Programa vem contribuin-do para a redução das desigualdades nas rela-ções de gênero, para garantir o livre acesso aosbabaçuais e para a participação das mulheres nasdiscussões sobre projetos produtivos.

Nesse aspecto, o Programa trabalha comassociações e grupos de mulheres quebradeirasde coco babaçu, incentivando a criação de al-ternativas produtivas e de geração de renda,como a fábrica de sabonete, extração de óleosespeciais, fabricação de papel reciclado, farmá-cia viva, compotas de frutas.

Na área de articulação política, o Pro-grama de Organização das Mulheres acompa-nha a discussão e a criação de leis municipaisque liberam o acesso aos babaçuais, e desen-volve um trabalho de fortalecimento regionaldo Movimento Interestadual das Quebradeirasde Coco Babaçu.

Legislação

Primeiro, elas atingiram seus objetivos naluta diária, depois partiram para as esferas políti-cas convencionais – Câmaras e Assembléia

Legislativa – para brigar pela criação de leis queprotegessem a palmeira do babaçu.

Em 1997, no município de Lago do Jun-co, as quebradeiras de coco conseguiram aaprovação do projeto de Lei Babaçu Livre. Aluta foi iniciada pela Associação de MulheresTrabalhadoras Rurais de Lago do Junco e deLago dos Rodrigues.

Dois anos depois, foi a vez do município deLago dos Rodrigues, onde a associação local demulheres trabalhadoras rurais conseguiu a apro-vação da Lei Babaçu Livre (nº 32/99).

Em dezembro de 1999, em Esperantinópolis,foi aprovada a Lei nº 255/99.

Em setembro de 2001, a secretaria damulher do Sindicato dos Trabalhadores e Tra-balhadoras Rurais lutou e conseguiu a apro-vação da Lei nº 319/2001 no município deSão Luiz Gonzaga do Maranhão. Nesse mu-nicípio, as quebradeiras conquistaram, ainda,a aplicação de advertência e penalidades, me-didas que até então não estavam contempla-das em lei.

Segundo a vereadora e quebradeira de cocoMaria Alaíde, a luta das quebradeiras incluiu aproteção das palmeiras de babaçu, desde junhode 1986 amparadas pela Lei Estadual nº 4.734,que proíbe a sua derrubada. Recentemente, a leisofreu uma emenda que prevê a aplicação demultas aos infratores. (FL).

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relação entre a expansão dos agrocom-bustíveis e a produção de alimentos ga-nhou a agenda política internacional.

A agricultura mundial continua passando portransformações profundas. O avanço da “como-ditização” dos alimentos e do controle genéticodas sementes que sempre foram patrimônio dahumanidade foi acelerado.

Dois processos monopolistas comandam aprodução agrícola mundial. De um lado, está aterritorialização dos monopólios, que atuam simul-taneamente no controle da propriedade privadada terra, do processo produtivo no campo e doprocessamento industrial da produçãoagropecuária. O principal exemplo é o setorsucroalcooleiro.

De outro lado, está a monopolização do ter-ritório pelas empresas de comercialização eprocessamento industrial da produçãoagropecuária, que, sem produzir absolutamentenada no campo, controlam, por meio de meca-nismos de sujeição, camponeses e capitalistas pro-dutores do campo.

As empresas monopolistas do setor de grãosatuam como “players” no mercado futuro dasBolsas de mercadorias do mundo e, muitas vezes,têm também o controle igualmente monopolistada produção dos agrotóxicos e dos fertilizantes.

A crise, portanto, tem dois fundamentos. Oprimeiro, de reflexo mais limitado, refere-se à altados preços internacionais do petróleo e, conse-qüentemente, à elevação dos custos dos fertilizan-tes e agrotóxicos.

O segundo é conseqüência do aumento doconsumo, mas não do consumo direto como ali-mento, como quer fazer crer o governo brasilei-ro, mas, isto sim, daquele decorrente da opçãodos Estados Unidos pela produção do etanol apartir do milho.

Esse caminho levou à redução dos estoquesinternacionais desse cereal e à elevação de seus pre-ços e dos preços de outros grãos -trigo, arroz, soja.

Assim, a “solução” norte-americana contrao aquecimento global se tornou o paraíso dos gan-hos fáceis dos “players” dos monopólios internacio-nais que nada produzem, mas que sujeitam produ-tores e consumidores à sua lógica de acumulação.

Certamente, não há caminho de volta paraa crise, pois, no caso norte-americano, os solosdisponíveis para o cultivo são disputados entretrigo, milho e soja.

O avanço de um se reflete inevitavelmenteno recuo dos outros. Daí a crítica radical de JeanZiegler, da ONU (Organização das Nações Uni-das), que classificou o etanol como “crime contraa humanidade”.

É no interior dessa crise que o agronegóciodo agrocombustível brasileiro quer pegar caronano futuro fundado na reprodução do passado. Ogoverno está pavimentando o caminho.

Por isso, a questão dos agrocombustíveis ea produção de alimentos rebatem diretamente nocampo brasileiro. A área plantada de cana-de-açúcar na última safra chegou perto de 7 milhõesde hectares e, em São Paulo, onde se concentramais de 50% do total, já ocupa a quase totalida-de dos solos mais férteis existentes.

Em meio à expansão dos agrocombustíveis,uma pergunta se faz necessária: quais foram asconseqüências, para a produção de alimentos noBrasil, da expansão da cultura da cana nos últi-mos 15 anos?

Os dados do IBGE, entre 1990 e 2006, re-velam a redução da produção dos alimentos im-posta pela expansão da área plantada de cana-de-açúcar, que cresceu, nesse período, mais de2,7 milhões de hectares. Tomando-se os municí-pios que tiveram a expansão de mais de 500 hec-tares de cana no período, verifica-se que, neles,ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e340 mil hectares de arroz.

Essa área reduzida poderia produzir 400 miltoneladas de feijão, ou seja, 12% da produção

50 Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=531051 Ariovaldo Umbelino é professor titular de geografia agrária da USP e diretor da Abra (Associação Brasileira de Reforma Agrária).

Agrocombustíveise produção de alimentos50

Por Ariovaldo Umbelino51

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nacional, e 1 milhão de toneladas de arroz, o queequivale a 9% do total do país. Além disso, redu-ziram-se nesses municípios a produção de 460milhões de litros de leite e mais de 4,5 milhões decabeças de gado bovino.

Embora a expansão esteja mais concentra-da em São Paulo, já o está também no Paraná,em Mato Grosso do Sul, no Triângulo Mineiro, emGoiás e em Mato Grosso. Nesses Estados, redu-ziu-se a área de produção de alimentos agrícolase se deslocou a pecuária na direção da Amazô-

52 Texto disponível em http://www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=532753 Jean Ziegler é sociólogo suíço e relator especial da ONU sobre o direito à alimentação. A tradução é do Cepat (Centro de

Pesquisa e Apoio aos Trabalhadores).54 FAO, O estado da insegurança alimentar no mundo. Roma, 2006.55 Uma alimentação normal significa proporcionar diariamente 2.700 calorias a cada indivíduo adulto.56 Régis Debray e Jean Ziegler. Il s’agit de ne pas se rendre. Paris: Arléa, 1994.

nia. Isso deu, conseqüentemente, em desmatamen-to. Por isso, a expansão dos agrocombustíveis conti-nuará a gerar a redução da produção de alimentos.

A produção dos três alimentos básicos nopaís - arroz, feijão e mandioca - também nãocresce desde os anos 90, e o Brasil se tornou omaior país importador de trigo do mundo. Por-tanto, o caminho para a saída da crise e da cons-trução de uma política de soberania alimentarcontinua sendo a realização de uma reformaagrária ampla, geral e massiva.

IA cada cinco segundos, uma criança me-

nor de dez anos morre de fome ou em decorrên-cia das seqüelas imediatas. Mais de seis milhõesem 2007. A cada quatro minutos, alguém perde avisão devido à falta de vitamina A. Há 854 mi-lhões de seres humanos gravemente desnutridos,mutilados pela fome permanente54.

Isto acontece num planeta que transbordade riquezas. A FAO é dirigida por um homem co-rajoso e competente, Jacques Diouf. Ele constataque no estado atual de desenvolvimento das forçasagrícolas de produção, o planeta poderia alimentarsem problemas 12 bilhões de seres humanos, ouseja, o dobro da população mundial atual55.

Conclusão: este massacre cotidiano devi-do à fome não obedece a nenhuma fatalidade.Por trás de cada vítima há um assassino. A atualordem mundial não é apenas mortífera, mas tam-bém absurda. O massacre está instalado numanormalidade imóve

A equação é simples: quem tem dinheirocome e vive. Quem não tem sofre, torna-se inváli-do e morre. Não existe a fatalidade. Qualquermorte por fome é um assassinato.

IIO maior número de pessoas desnutridas,

515 milhões, vive na Ásia, onde representam24% da população total. Mas se consideramosa proporção das vítimas, o preço mais alto épago pela África subsaariana, onde há 186 mi-lhões de seres humanos permanente e severa-mente desnutridas, ou seja, 34% da popula-ção total da região. A maioria dessas pessoaspadece o que a FAO chama de “fome extre-ma”, sua ração diária se situa em média em300 calorias abaixo do regime da sobrevivên-cia em condições suportáveis.

Uma criança privada da alimentaçãoadequada em quantidade suficiente, desdeque nasce até os cinco anos, sofrerá as se-qüelas durante toda a sua vida. Por meio deterapias especiais praticadas sob supervisãomédica, é possível reintegrar à existência nor-mal um adulto insuficientemente alimentadotemporariamente. Mas, no caso de uma cri-ança de cinco anos isso é impossível. Priva-das de alimento, suas células cerebrais terãosido prejudicadas irremediavelmente. RégisDebray chama estes pequenos de “crucifica-dos de nascimento”56.

Fome e direitos humanos52

Por Jean Ziegler53

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A fome e a desnutrição crônicas constituemuma maldição hereditária: todos os anos, centenasde milhares de mulheres africanas severamente des-nutridas dão à luz a centenas de milhares de crian-ças irremediavelmente afetadas. Todas essas mãesdesnutridas e que, contudo, dão à vida, lembram asmulheres condenadas de Samuel Beckett, que “dãoà luz a um cavalo sobre um túmulo. O dia brilha porum instante e depois, de novo, a noite”57.

Uma dimensão do sofrimento humano estáausente desta descrição: a da pungente e intole-rável angústia que tortura qualquer ser morto defome desde que acorda. Como, durante o dia quecomeça, poderá assegurar a sobrevivência dosseus, e à sua própria? Viver nessa angústia é, tal-vez, ainda mais terrível do que suportar as múlti-plas doenças e dores físicas que se abatem sobreesse corpo faminto.

A destruição de milhões de africanos pelafome acontece numa espécie de normalidade es-tática, todos os dias, num planeta desbordante deriquezas. Na África subsaariana, entre 1998 e2005, o número de pessoas grave e permanente-mente desnutridas aumentou em 5,6 milhões.

IIIJean-Jacques Rousseau escreveu: “Entre o

fraco e o forte a liberdade oprime e a lei liberta”.Com a finalidade de reduzir as desastrosas con-seqüências das políticas de liberalização e priva-tização executadas ao extremo pelos senhores domundo e seus mercenários (FMI, OMC), a Assem-bléia Geral da ONU decidiu criar e proclamarcomo questão de justiça um novo direito huma-no: o direito à alimentação.

O direito à alimentação é o direito de ter aces-so regular, permanente e livre, quer seja diretamenteou por meio da compra com dinheiro, a uma ali-mentação quantitativa e qualitativamente adequa-da e suficiente, que corresponda às tradições cultu-rais do povo a que pertence o consumidor e quegaranta a existência física e psíquica, individual ecoletiva, livre de angústia, satisfatória e digna.

Os direitos humanos – infelizmente! – nãoestão inscritos no Direito positivo. Isso significaque ainda não existe nenhum tribunal internacio-nal que faça justiça aos famintos, defenda seu di-reito à alimentação, reconheça seu direito de pro-duzir seus alimentos ou de obtê-los comprando-os com dinheiro e proteja seu direito à vida.

IVTudo vai melhor quando governos como o

do presidente Lula, no Brasil, ou o presidente EvoMorales, da Bolívia, mobilizam por vontade pró-pria os recursos do Estado, com a finalidade degarantir a cada cidadão seu direito à alimentação.

A África do Sul é outro exemplo. O direito àalimentação está inscrito na sua Constituição. Estaestabelece a criação de uma Comissão Nacionaldos Direitos Humanos, composta em paridade pormembros nomeados pelas organizações da socie-dade civil (Igrejas, sindicatos e diferentes movimen-tos sociais) e membros designados pelo Congresso.

As competências da Comissão são amplas. Des-de que entrou em funcionamento, há cinco anos, a Co-missão já conseguiu vitórias importantes. Pode intervirem todos os âmbitos implicados na negação do direito àalimentação: expulsão de camponeses de suas terras;autorização dos municípios a sociedades privadas paraa gestão do abastecimento da água potável, que impli-que taxas proibitivas para os habitantes mais pobres;desvio da água por parte de uma sociedade privada emdetrimento dos agricultores; falta de controle sobre a qua-lidade dos alimentos vendidos nas periferias, etc.

Mas, em quantos governos, especialmenteno Terceiro Mundo, existe a preocupação cotidia-na prioritária pelo respeito à alimentação de seuscidadãos? Pois bem, nos 122 países do TerceiroMundo vivem atualmente 4,8 bilhões dos 6,2 bi-lhões de pessoas que povoam o Planeta.

VOs novos senhores do mundo têm ojeriza

aos direitos humanos. Eles os temem como o dia-bo a água benta. Porque é evidente que uma polí-tica econômica, social e financeira que cumpris-se ao pé da letra todos os direitos humanos, rom-peria taxativamente a absurda e mortífera ordemdo mundo atual e produziria necessariamente umadistribuição mais eqüitativa dos bens, satisfariaas necessidades vitais das pessoas e as protegeriada fome e de uma grande parte de suas angústias.

Portanto, o objetivo final dos direitos humanosencarna um mundo completamente diferente, solidá-rio, liberto do menosprezo e mais favorável à felicidade.

Os direitos humanos políticos e civis, econô-micos, sociais e culturais, individuais e coletivos58

são universais, interdependentes e indivisíveis. Esão, hoje, o horizonte de nossa luta.

57 Samuel Beckett. Esperando Godot (1953). São Paulo: Cosac Naify, 2005.58 Direitos humanos coletivos são, por exemplo, o direito à autodeterminação ou o direito ao desenvolvimento.

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interação de dois fenômenos estrutu-rais são preditivos de uma atividadeagrícola no futuro, organizada sob

bases incompatíveis com a manutenção doagronegócio nos termos atuais. O primeiro fe-nômeno, de ordem econômica, subproduto damodernização conservadora da agricultura, dizrespeito à trajetória erosiva, no longo prazo,dos níveis de rentabilidade econômica da baseprimária da atividade, decorrente do gap con-tinuado entre preços agrícolas e custos de pro-dução. Esse descompasso teve início com aauto-suficiência alimentar da Europa no finalda década de 1970. À título de exemplo, deacordo com a FAO, entre 1980 e 2005, os ní-veis reais dos preços do milho, arroz, trigo ealgodão declinaram, respectivamente, 55%,50%, 46%, 60% e 54%.

Interagem com esse fenômeno os ganhos deprodutividade agrícola em escalas incapazes deconvergir as curvas dos preços e custos. A esterespeito, vale consultar na Central de InformaçõesAgropecuárias da Conab (www.conab.gov.br) osdados sobre a evolução dessas variáveis, paravárias culturas, no período de 1998 a 2007.

Nos países ricos, o colapso da agricultura,por força desses fenômenos, tem sido evitado porpolíticas protecionistas vigorosas que incluem bi-lhões de dólares em ajuda aos agricultores.

No Brasil, a grande exploração agrícolatem resistido, com competitividade internacional,graças ao concurso de fatores como: a “cultura”da inadimplência no crédito rural, a precarizaçãodo trabalho, os baixos preços relativos da terra,o uso predatório dos recursos naturais e os in-centivos da Lei Kandir.

Decorre das tendências acima, portanto, arota desestruturante da base primária da agricul-tura empresarial, ao que tudo indica, inevitável, àmedida que resultante de fatores dificilmente re-versíveis, a exemplo do protecionismo agrícola,da imanência excedentária do modelo agrícola e

dos processos de concentração e a centralizaçãoeconômica dos capitais industrial, financeiro ecomercial no entorno da atividade agrícola.

Poder-se-ia contra-argumentar que a eco-nomia dos agrocombustíveis imporá inflexão nes-sas tendências. Mas, o governo brasileiro, osagrosenhores e os seus agro-intelectuais garantemque não haverá competição com a produção dealimentos! Aliás, recomenda-se àqueles que ain-da apostam na mega-economia dos agrocombus-tíveis, a interpretação política da lista de bensambientais, sem o etanol, apresentada em Bali naCOP 13, pelos EUA e Europa, em atropelo e des-respeito, como de praxe, às negociações entabu-ladas pelos mais de 150 membros do Comitê deComércio e Meio Ambiente da OMC.

Esta ameaça à agricultura empresarial per-de intensidade no caso da agricultura familiar ecamponesa por conta dos valores e relações coma terra não restritos à lógica marginalista.

Com esta maior blindagem e levando emconta os efeitos do segundo fenômeno tratado naseqüência, a pequena produção agroecológica sehabilita para hegemonizar, no futuro, a paisagemagrária, principalmente em países como o Brasil.

O segundo fenômeno deriva dos impactosna atividade agrícola das mudanças climáticasglobais e, ao mesmo tempo, das contribuições daagricultura para o aquecimento global.

O mundo se depara com o grandioso (e aoque tudo indica, irrealizável) desafio de reduzir,entre 50% e 80% as emissões de gases de efeito-estufa, nos próximos 50 anos, para evitar que atemperatura global ultrapasse os 2 graus centí-grados. E as medidas nesta direção devem serimplementadas, nas hipóteses mais otimistas, noprazo de até 15 anos.

A agricultura contribui de forma importan-te e será fortemente afetada por esse processo. Cal-cula-se que esta atividade seja responsável por30% das emissões globais de gases geradores do

Colapso do agronegócioe a agricultura do futuro59

Gerson Teixeira60

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59 Texto disponível em www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=4803 - 15k60 Gerson Teixeira é coordenador geral da Associação Brasileira de Reforma Agrária - ABRA, no DF.

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efeito estufa. Afora as queimadas em países comoo Brasil, o principal fator da contribuição da agri-cultura para o aquecimento global é o empregointensivo de fertilizantes químicos. Daí decorre oseguinte dilema: sem a redução massiva da utili-zação dos agroquímicos não há possibilidade deredução do aquecimento global e, ao mesmo tem-po, sem o uso crescente desses insumos a agricul-tura produtivista estará inviabilizada.

Neste quadro, no qual a grande exploraçãoagrícola conspira contra a sua própria sobrevi-vência e a do planeta, os impactos do aquecimentoglobal desestabilizadores da agricultura, previstosno último Relatório do IPCC, exigirão mudançasde profundidade na base técnica da agriculturasob pena de severas ameaças à segurança alimen-tar da população mundial.

É óbvio que os centros de pesquisa em todoo mundo já vêm se empenhando por soluções téc-nicas agronômicas para as situações de super-stress que advirão do aquecimento global. Toda-via, se, por exemplo, é possível a obtenção de va-riedades compatíveis com adversidades ambientaisprevistas, não parece razoável supor uma ativi-dade agrícola no futuro ultra-intensiva em fertili-zantes. A não ser que a opção seja pela destrui-ção do planeta! Não sendo assim, é possível ima-ginar o atual modelo agrícola, sem os agroquími-cos? Aí já seria um outro modelo agrícola!

Do mesmo modo, muitos cientistas asse-guram que a agricultura com biodiversidadeserá essencial para a convivência com os des-dobramentos das mudanças climáticas. Comoisto seria possível com um tipo de agriculturano qual a biodiversidade tem sido uma das suasprincipais vít imas? Além disso, semmonocultivos em escala não há possibilidade deviabilidade econômica para a base primária doagronegócio, nos termos atuais. De novo, agorapor razões ambientais, a pequena produçãoagroecológica se credencia para dominar a pai-sagem agrária do futuro.

Em suma, se fatores desestabilizadores danatureza e da economia tendem a criar essa opor-tunidade de hegemonia para a agricultura famili-ar e camponesa, no futuro, resta que, na política,as suas organizações atuem para tal sob perspec-tiva estratégica.

Para tanto, mais do que nunca, reformaagrária, agricultura familiar e meio ambiente de-vem passar a ser pontos de convergência dasagendas das lutas populares no campo. E cum-pre que se perceba a necessidade de luta pelarevisão do Pronaf à medida que, na concepçãoatual o programa nivela as formas de gestão eprodução dos camponeses às bases de organi-zação da agricultura produtivista. Isto não ajudaa construir o futuro!

mundo está se alarmando com a altado preço dos alimentos e com as pre-visões do aumento da fome no mun-

do. A fome representa um problema ético, de-nunciado por Gandhi: “a fome é um insulto, elaavilta, desumaniza e destrói o corpo e o espíri-to; é a forma mais assassina que existe”. Masela é também resultado de uma politica econô-mica. O alimento se transformou em ocasiãode lucro e o processo agroalimentar num negó-cio rentoso. Mudou-se a visão básica que pre-dominava até o advento da industrialização mo-derna, visão de que a Terra era vista como a

Grande Mãe. Entre a Terra e o ser humano vi-goravam relações de respeito e de mútua cola-boração. O processo de produção industrialistaconsidera a Terra apenas como baú de recur-sos a serem explorados até à exaustão.

A agricultura mais que uma arte e uma téc-nica de produção de meios de vida se transfor-mou numa empresa para lucrar. Mediante a me-canização e a alta tecnologia pode-se produzirmuito com menos terras. A “revolução verde”introduzida a partir dos anos 70 do século XX edifundida em todo mundo, quimicalizou quasetoda a produção. Os efeitos são perceptíveis

Fome: alimentos como negócioLeonardo Boff - 29/4/2008

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agora: empobrecimento dos solos, devastadoraerosão, desfloretamento e perda de milhares devariedades naturais de sementes que são reser-vas face a crises futuras.

A criação de animais modificou-se profun-damente devido aos estimulantes de crescimento,práticas intensivas, vacinas, antibióticos, insemi-nação artificial e clonagem.

Os agricultores clássicos foram substituídospelos empresários do campo. Todo este quadrofoi agravado pela acelerada urbanização do mun-do e o consequente esvaziamento dos campos. Acidade coloca uma demanda por alimentos queela não produz e que depende do campo.

Vigora uma verdadeira guerra comercial poralimentos. Os países ricos subsidiam safras intei-ras ou a produção de carnes para colocá-las amelhor preço no mercado mundial, prejudicandoos paises pobres, cuja principal riqueza consistena produção e exportação de produtos agrícolase carnes. Muitas vezes, para se viabilizarem eco-nomicamente, se obrigam a exportar grãos e ce-reais que vão alimentar o gado dos países indus-trializados quando poderiam, no mercado inter-no, servir de alimento para suas populações.

No afã de garantir lucros, há uma tendên-cia mundial, no quadro do modo de produção

capitalista, de privatizar tudo especialmente assementes. Menos de uma dezena de empresastransnacionais controla o mercado de semen-tes em todo o mundo. Introduziram as sementestransgênicas que não se reproduzem nas safrase que precisam ser, cada vez, compradas comaltos lucros para as empresas. A compra dassementes constitui parte de um pacote maior queinclui a tecnologia, os pesticidas, o maquinárioe o financiamento bancário, atrelando os pro-dutores aos interesses agroalimentares das em-presas transnacionais.

No fundo, o que interessa mesmo é ga-rantir ganhos para os negócios e menos ali-mentar pessoas. Se não houver uma inversãona ordem das coisas, isto é: uma economiasubmetida à política, uma política orientadapela ética e uma ética inspirada por uma sen-sibilidade humanitária mínima, não haverásolução para a fome e a subnutrição mundial.Continuaremos na barbárie que estigmatiza oatual processo de globalização. Gritos caninosde milhões de famintos sobem continuamenteaos céus sem que respostas eficazes lhes ve-nham de algum lugar e façam calar este cla-mor. É a hora da compaixão humanitáriatraduzida em políticas globais de combate sis-temático à fome.

á muito conhecido dos que estudama questão alimentar, o escândalo fi-nalmente estalou na opinião pública:

a substituição da agricultura familiar, campone-sa, orientada para a auto-suficiência alimentar eos mercados locais, pela grande agro-indústria,orientada para a monocultura de produtos de

exportação (flores ou tomates), longe de resolvero problema alimentar do mundo, agravou-o.

Tendo prometido erradicar a fome do mun-do no espaço de vinte anos, confrontamo-nos hojecom uma situação pior do que a que existia háquarenta anos. Cerca de um sexto da humanidade

61 A fome no mundo é a nova grande fonte de lucros do grande capital financeiro e os lucros aumentam na mesma proporção quea fome. Nos últimos meses, os meses do aumento da fome, os lucros da maior empresa de sementes e de cereais aumentaram83%. Ou seja, a fome de lucros da Cargill alimenta-se da fome de milhões de seres humanos. A análise é de Boaventura de SousaSantos. Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14976.

Transnacionais de alimentos lucramcom aumento da fome61

Boaventura de Sousa Santos

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passa fome; segundo o Banco Mundial, 33 paísesestão à beira de uma crise alimentar grave; mes-mo nos países mais desenvolvidos os bancos ali-mentares estão a perder as suas reservas; e volta-ram as revoltas da fome que em alguns países jácausaram mortes. Entretanto, a ajuda alimentarda ONU está hoje a comprar a 780 dólares a to-nelada de alimentos que no passado mês de mar-ço comprava a 460 dólares.

A opinião pública está a ser sistematicamen-te desinformada sobre esta matéria para que senão dê conta do que se está a passar. É que o quese está a passar é explosivo e pode ser resumidodo seguinte modo: a fome do mundo é a novagrande fonte de lucros do grande capital financei-ro e os lucros aumentam na mesmaproporção que a fome.

A fome no mundo não é um fe-nômeno novo. Ficaram famosas naEuropa as revoltas da fome (com osaque dos comerciantes e a imposi-ção da distribuição gratuita do pão)desde a Idade Média até ao séculoXIX. O que é novo na fome do sécu-lo XXI diz respeito às suas causas eao modo como as principais sãoocultadas. A opinião pública tem sidoinformada que o surto da fome estáligado à escassez de produtos agrí-colas, e que esta se deve às más co-lheitas provocadas pelo aquecimen-to global e às alterações climáticas; ao aumentode consumo de cereais na Índia e na China; aoaumento dos custos dos transportes devido à su-bida do petróleo; à crescente reserva de terra agrí-cola para produção dos agro-combustíveis.

Todas estas causas têm contribuído para oproblema, mas não são suficientes para explicarque o preço da tonelada do arroz tenha triplicadodesde o início de 2007. Estes aumentos especula-tivos, tal como os do preço do petróleo, resultamde o capital financeiro (bancos, fundos de pen-sões, fundos hedge [de alto risco e rendimento])ter começado a investir fortemente nos mercadosinternacionais de produtos agrícolas depois dacrise do investimento no sector imobiliário.

Em articulação com as grandes empresasque controlam o mercado de sementes e a distri-buição mundial de cereais, o capital financeiroinveste no mercado de futuros na expectativa deque os preços continuarão a subir, e, ao fazê-lo,reforça essa expectativa. Quanto mais altos fo-

rem os preços, mais fome haverá no mundo, mai-ores serão os lucros das empresas e os retornosdos investimentos financeiros.

Nos últimos meses, os meses do aumentoda fome, os lucros da maior empresa de sementese de cereais aumentaram 83%. Ou seja, a fomede lucros da Cargill alimenta-se da fome de mi-lhões de seres humanos.

O escândalo do enriquecimento de alguns àcusta da fome e subnutrição de milhões já não podeser disfarçado com as “generosas” ajudas alimen-tares. Tais ajudas são uma fraude que encobre ou-tra maior: as políticas econômicas neoliberais quehá trinta anos têm vindo a forçar os países do ter-ceiro mundo a deixar de produzir os produtos agrí-

colas necessários para alimentar assuas próprias populações e a concen-trar-se em produtos de exportação,com os quais ganharão divisas que lhespermitirão importar produtos agríco-las... dos países mais desenvolvidos.

Quem tenha dúvidas sobre estafraude que compare a recente “gene-rosidade” dos EUA na ajuda alimen-tar com o seu consistente voto na ONUcontra o direito à alimentação reco-nhecido por todos os outros países.

O terrorismo foi o primeiro gran-de aviso de que se não pode impune-mente continuar a destruir ou a pilhar

a riqueza de alguns países para benefício exclusi-vo de um pequeno grupo de países mais podero-sos. A fome e a revolta que acarreta parece ser osegundo aviso. Para lhes responder eficazmenteserá preciso pôr termo à globalização neoliberal,tal como a conhecemos.

O capitalismo global tem de voltar a sujei-tar-se a regras que não as que ele próprio estabe-lece para seu benefício. Deve ser exigida umamoratória imediata nas negociações sobre pro-dutos agrícolas em curso na Organização Mundi-al do Comércio.

Os cidadãos têm de começar a privilegiaros mercados locais, recusar nos supermercadosos produtos que vêm de longe, exigir do Estado edos municípios que criem incentivos à produçãoagrícola local, exigir da União Europeia e dasagências nacionais para a segurança alimentarque entendam que a agricultura e a alimentaçãoindustriais não são o remédio contra a inseguran-ça alimentar. Bem pelo contrário.

A fome nomundo não éum fenômenonovo. Ficaram

famosas naEuropa as

revoltas da fomedesde a IdadeMédia até oséculo XIX.

A fome nomundo não éum fenômenonovo. Ficaram

famosas naEuropa as

revoltas da fomedesde a IdadeMédia até oséculo XIX.

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onsiderado atualmente a savana maisrica do mundo em biodiversidade, oCerrado brasileiro reúne, numa grande

variedade de paisagens, mais de 10.000 espéciesde plantas e 1.575 qualidades de animais. Entrechapadas e vales, com uma vegetação que vai docampo seco às matas de galeria, esse bioma seestende por uma vastidão de 2 milhões de km²(Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, MinasGerais, Tocantins, Piauí e Distrito Federal, alémde ser encontrado, também, em trechos de outrossete estados brasileiros), ocupando um quarto doterritório nacional.

O Cerrado vive, atualmente, forte desca-racterização pela expansão desordenada dafronteira agrícola, que já ocupa cerca de meta-de da região. Mais do que sua exuberante bio-diversidade, a atual devastação põe em riscouma região que é o berço das águas das princi-pais bacias hidrográficas brasileiras, além debase da sobrevivência cultural e material deextrativistas, indígenas, quilombolas e produto-res familiares agroextrativistas, que têm, no usodos seus recursos, a fonte de sua subsistência egeração de renda.

Baru – Baruzeir (Dipteryx alata)

Cerrado62

CC

Árvore frutífera do Cerrado brasileiro, quepossui uma castanha de excelente sabor e pro-priedades nutricionais. É rico em proteínas, fi-bras, magnésio, potássio e ferro, além de possuiralto valor energético. O baru está fortemente ame-açado pelo desmatamento para plantio de grãos,implantação de pastagens e utilização de sua ma-deira. O aproveitamento dos frutos contribui paraa conservação da espécie e do Cerrado, além demelhorar a qualidade de vida das comunidadesenvolvidas na coleta e no beneficiamento.

iderança entre os trabalhadores ruraisdo cerrado, Manuel da Conceição, as-sim como a terra em que vive, teve o

corpo devastado pelas torturas da ditadura. Umade suas pernas secou, como secaram tantos bre-jos, veredas, igarapés e pântanos.

62 Texto disponível em http://www.nordestecerrado.com.br/cerrado/63 Matéria feita por João Roberto Ripper, de Rio de Janeiro (RJ). Publicada no Jornal Brasil de Fato, Ano 2, Número 97,

São Paulo de 6 a 12 de janeiro de 2005. Pág. 12 e 13.

Muitas histórias e tantas paisagens sobrea destruição e a resistência no cerrado63

Um dos ecossistemas mais ricos do país, fonte de águas de muitos rios, a re-gião, no coração do Brasil, é oferecida em holocausto ao agronegócio; ela e os

brasileiros que a povoam vêm sofrendo contínua devastação e violência.

O cerrado, a partir de seu coração, no cen-tro do Brasil, se mistura com o pantanal; a matade araucária, no sul do país; a mata atlântica; acaatinga, no Nordeste; a zona dos cocais ebabaçuais, no Maranhão e Piauí; e a FlorestaAmazônica. Hoje, o cerrado é oferecido em

LL

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holocausto, em troca da Amazônia, por uma polí-tica que ignora as suas populações.

A partir dos anos 70, o agronegócio temcomo sócio majoritário a soja. Há tratores de230 mil dólares, mas a monocultura significanão produzir para o próprio povo e não con-templar quem produz nem suas famílias.Quantas sementes têm que ser plantadas paradar retorno a esse investimento? Que quanti-dade de terra é necessária pra tanta sementeser cultivada? Quantos chapadões são sacri-f icados e deixam de gerar agr icul turadiversificada, extrativismo e caça para os po-vos do cerrado?

Além da soja, tem a cana-de-açúcar, oseucaliptos e sua produção de carvão vegetalcom utilização de mão-de-obra escrava, tudosugando as chapadas, chupando água do len-çol freático que sempre foi a garantia de vidadas veredas, das matas ciliares, dos pântanos,igarapés, rios.

Manuel teve o corpo e o coração muitomachucados pelos militares, mas não perdeu abeleza, pois sua dignidade é perene, límpida,transparece e aparece em tantos outros homens emulheres que povoam o cerrado brasileiro.

Disse um índio no Fórum Social Mundial:“Indiscutivelmente, a expansão do agronegócioestá matando as culturas dos povos do cerrado.Existe um conhecimento sobre o cerrado queestá inscrito na prática das populações. Comtoda certeza, quando seca um pântano, umigarapé, um rio, ou quando migra um campo-nês, um indígena, um quilombola, a humanida-de fica mais pobre”.

Destruição

Os camponeses, habitantes originários docerrado, sempre trabalharam com paisagensdiversificadas. Nas baixadas, a agricultura; naschapadas, o gado à solta, a caça e coleta de ervasmedicinais e de frutos, como o pequi; nas encos-tas, uma mistura de agricultura, extrativismo, umpouco de pecuária.

Os chapadões foram um grande achadopara o agronegócio. Que consegue, hoje, cap-tar água a até 150 metros de profundidade, tra-zendo para a superfície a água do lençolfreático, num local onde a água já é escassapor seis meses.

Essa operação provoca um desequilíbriohídrico de tal porte que rios, córregos e lagoas,antes perenes, tornam- se intermitentes e até dei-xam de existir. Com a falta d’água, antes de o a-gronegócio produzir grãos para exportação, pro-duz a sede, a fome e a expulsão de milhares dehabitantes. O problema afeta as bacias do Pratae Amazônica.

Rios Mortos

O líder rural lamenta que os rios da regiãoestejam sendo devastados, aterrados por areia,envenenados por adubos químicos. “Os rios sótêm água roxa e preta. Acabou a fartura de pei-xes, pássaros, cutia, tatu, anta, veado. O que temagora é eucalipto, capim pra criar gado. Não temmais mata ciliar. Os tratores devastam as flores-tas e as terras. Nas chuvas tudo é arrastado, entu-pindo os rios”.

Manuel diz que estão desertificando oMaranhão. Mais: “Quando falarmos dos sereshumanos, a coisa é ainda mais grave. Quero verqual é o governo que vai conseguir segurar a vio-lência no Rio de Janeiro, São Paulo, Recife, SãoLuís com essa grande quantidade de trabalhado-res pobres que são expulsos, com fome e sem tra-balho ”Os pobres viram marginais, diz, e não vaiter governo que dê conta de atender esses milhõesde brasileiros que, sem querer, caem namarginalidade para sobreviver.”

Resistência

Para fazer frente a tudo isso foram criados,há 18 anos, o Centro de Educação e Cultura doTrabalhador Rural e, mais recentemente, a Cen-tral de Cooperativas Agroextrativistas doMaranhão (CCAMA), em Imperatriz. Antes de seorganizar, esses trabalhadores não tinham nemterra e nem ferramentas.

Hoje, são mais de 30 mil trabalhadoresassentados em Buriticupu, onde 38 grandes fa-zendas foram ocupadas. “Eles ainda estão mui-to pobres, mas pelo menos já têm o que co-mer” – conta Manuel. Declarando seu amorpelo cerrado, ele lembra que nele deixou suafamília quando foi preso e depois se refugiouna Suíça. “Aqui fiz a minha roça, colhi meubabaçu. Eu tenho todo interesse de dizer que oque faço hoje é tentar levantar as vozes ador-mecidas dos povos do cerrado”.

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Semi-Árido é, sem dúvida, um dosecossistemas mais intrigantes e fascinan-tes do planeta! Esta expressão, que ca-

racteriza admiração e encantamento, é a de quempassa a observar de perto esta região, sobretudo,estudiosos da Biologia, Botânica, Antropologia,Geografia, Paleontologia, História, Sociologia,Jornalismo, Fotografia, dentre tantas outras áreasdo conhecimento.

Rico em biodiversidade, o Semi-Árido, quealguns preferem denominar de “sertão”, para di-feri-lo do litoral, apresenta mais de 160microclimas, de acordo com a Embrapa Semi-Árido; todos caracterizados por um alto poder deresistência e resiliência. Mesmo com longos perí-odos de estiagem, plantas e animais resistem eapresentam grande capacidade de regeneração.E é só cair as primeiras chuvas e tudo que eracinza e parecia morto, vira verde e esbanja vida.

É também no Semi-Árido, de acordo com apesquisadora Niéde Guidon, que se registram asprimeiras marcas de ocupação humana das Amé-ricas. Ou seja, podemos dizer que a riqueza des-

sa região não se expressa apenas em sua fauna,flora, pinturas rupestres e/ou formações rochosas(cristalino na maior parte). O maior patrimôniodo Semi-Árido é, principalmente, a diversidadecultural de seu povo: agricultores/as, vaqueiros/as, ribeirinhos/as, quilombolas, indígenas,extrativistas, quebradeiras de coco; que cultivam,criam, extraem, cantam, dançam, observam e pro-duzem conhecimentos.

Portadores de um vasto saber, adquiridos apartir da observação da natureza ao longo dostempos, homens e mulheres aprenderam a arte deconviver com o meio ambiente, olhando os ciclosdas chuvas, o comportamento das plantas, dosanimais e as características do clima e do solo.Foi esse conhecimento que construiu as melhoresestratégias de convivência com o Semi-Árido, fa-vorecendo o armazenamento de água para o con-sumo da família, através das cisternas; dos ani-mais e das plantas por meio dos barreiros, tan-ques de pedra, caldeirões, barragens subterrâne-as; e a estocagem de comida (bancos de semen-tes, paiol, armazéns, etc.) e forragem para os ani-mais (pastagens nativas, silos, fenos).

O Semi-Árido é beloe constrói conhecimentos64

Antonio Gomes Barbosa65

OO

64 Texto disponível em http://www.asabrasil.org.br65 Sociólogo e Coordenador Pedagógico do P1+266 O Equador está discutindo uma nova Constituição. Entre as propostas, abre-se a possibilidade de reconhecer, pela primeira

vez na história, os direitos da natureza. Parece loucura querer que a natureza tenha direitos. Em compensação, parecenormal que as grandes empresas dos EUA desfrutem de direitos humanos, conforme foi aprovado pela Suprema Corte, em1886. Texto disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14956

mundo pinta naturezas mortas, sucum-bem os bosques naturais, derretem ospólos, o ar torna-se irrespirável e a água

imprestável, plastificam-se as flores e a comida, eo céu e a terra ficam completamente loucos.

E, enquanto tudo isto acontece, um país la-tino-americano, o Equador, está discutindo uma

nova Constituição. E nessa Constituição abre-sea possibilidade de reconhecer, pela primeira vezna história universal, os direitos da natureza.

A natureza tem muito a dizer, e já vaisendo hora de que nós, seus filhos, paremosde nos fingir de surdos. E talvez até Deus es-cute o chamado que soa saindo deste país

A natureza não é muda66

Eduardo Galeano

OO

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andino, e acrescente o décimo primeiro man-damento, que ele esqueceu nas instruções quenos deu lá do monte Sinai: “Amarás a nature-za, da qual fazes parte”.

Um objeto que quer ser sujeito

Durante milhares de anos, quase todo omundo teve direito de não ter direitos.

Nos fatos, não são poucos os que conti-nuam sem direitos, mas pelo menos se reconhe-ce, agora, o direito a tê-los; e isso é bastantemais do que um gesto de caridade dos senhoresdo mundo para consolo dos seus servos.

E a natureza? De certo modo, pode-se di-zer que os direitos humanos abrangem a natu-reza, porque ela não é um cartão postal paraser olhado desde fora; mas bem sabe a nature-za que até as melhores leis humanas tratam-nacomo objeto de propriedade, e nunca como su-jeito de direito.

Reduzida a uma mera fonte de recursosnaturais e bons negócios, ela pode ser legal-mente maltratada, e até exterminada, sem quesuas queixas sejam escutadas e sem que asnormas jurídicas impeçam a impunidade doscriminosos. No máximo, no melhor dos casos,são as vítimas humanas que podem exigir umaindenização mais ou menos simbólica, e issosempre depois que o mal já foi feito, mas asleis não evitam nem detêm os atentados con-tra a terra, a água ou o ar.

Parece estranho, não é? Isto de que a na-tureza tenha direitos... Uma loucura. Como sea natureza fosse pessoa! Em compensação, pa-rece muito normal que as grandes empresasdos Estados Unidos desfrutem de direitos hu-manos. Em 1886, a Suprema Corte dos Esta-dos Unidos, modelo da justiça universal, es-tendeu os direitos humanos às corporaçõesprivadas. A lei reconheceu para elas os mes-mos direitos das pessoas: direito à vida, à livreexpressão, à privacidade e a todo o resto, comose as empresas respirassem. Mais de 120 anosjá se passaram e assim continua sendo. Nin-guém fica estranhado com isso.

Gritos e sussurros

Nada há de estranho, nem de anormal, oprojeto que quer incorporar os direitos da nature-za à nova Constituição do Equador.

Este país sofreu numerosas devastaçõesao longo da sua história. Para citar apenas umexemplo, durante mais de um quarto de século,até 1992, a empresa petroleira Texaco vomitouimpunemente 18 bilhões de galões de venenosobre terras, rios e pessoas. Uma vez cumpridaesta obra de beneficência na Amazôniaequatoriana, a empresa nascida no Texas cele-brou seu casamento com a Standard Oil. Nes-sa época, a Standard Oil, de Rockefeller, haviapassado a se chamar Chevron e era dirigida porCondoleezza Rice. Depois, um oleoduto trans-portou Condoleezza até a Casa Branca, enquan-to a família Chevron-Texaco continuava conta-minando o mundo.

Mas as feridas abertas no corpo do Equa-dor pela Texaco e outras empresas não são aúnica fonte de inspiração desta grande novi-dade jurídica que se tenta levar adiante. Alémdisso, e não é o menos importante, a reivindi-cação da natureza faz parte de um processode recuperação das mais antigas tradições doEquador e de toda a América. Visa a que oEstado reconheça e garanta o direito de man-ter e regenerar os ciclos vitais naturais, e nãoé por acaso que a Assembléia Constituinte co-meçou por identificar seus objetivos derenascimento nacional com o ideal de vida dosumak kausai . Isso significa, em línguaquechua, vida harmoniosa: harmonia entre nóse harmonia com a natureza, que nos gera, nosalimenta e nos abriga e que tem vida própria,e valores próprios, para além de nós.

Essas tradições continuam miraculosa-mente vivas, apesar da pesada herança do ra-cismo, que no Equador, como em toda a Amé-rica, continua mutilando a realidade e a me-mória. E não são patrimônio apenas da suanumerosa população indígena, que soubeperpetuá-las ao longo de cinco séculos de proi-bição e desprezo. Pertencem a todo o país, eao mundo inteiro, estas vozes do passado queajudam a adivinhar outro futuro possível.

Desde que a espada e a cruz desembar-caram em terras americanas, a conquista eu-ropéia castigou a adoração da natureza, queera pecado de idolatria, com penas de açoi-te, forca ou fogo. A comunhão entre a natu-reza e o povo, costume pagão, foi abolida emnome de Deus e depois em nome da civiliza-ção. Em toda a América, e no mundo, conti-nuamos pagando as conseqüências dessedivorcio obrigatório.

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Clima pode ser definido como o conjuntode condições meteorológicas (tempera-tura, umidade, chuvas, pressão e ven-

tos) que mantém características comuns em umadeterminada região. Variações no clima fazemparte da dinâmica ambiental do planeta. Por exem-plo, a diferença das características de uma mesmaestação de um ano para outro, que pode ser maisquente ou fria, úmida ou seca, chuvosa ou não.Também são evidências das variações do clima osfenômenos como tempestades, ciclones e secas.

As mudanças climáticas são uma alteraçãopermanente nessas características e aconteceram di-versas vezes no passado, por causas naturais. Entre-tanto, as atividades humanas, em especial as que uti-lizam combustíveis fósseis, vêm influenciando a ocor-rência desse tipo de evento, por meio da alteração doequilíbrio climático do planeta. A causa central destefenômeno é a intensificação do efeito estufa, quemodifica o modo com que a energia solar interagecom a atmosfera, provocando graves conseqüências.

Alguns indicadores das mudanças climá-ticas nos últimos 15 anos são o aquecimentoglobal, alterações bruscas em características bá-sicas das estações do ano em diferentes partesdo planeta, como temperatura e ocorrência dechuvas, ou aumento inédito nas últimas déca-das de fenômenos abruptos como vendavais,ciclones e enchentes.

Se hoje existe um consenso entre cientis-tas de que mudanças climáticas estão em cursoe têm como origem a influência das atividadeshumanas no ambiente, ainda há um longo ca-minho a se percorrer no que diz respeito àmitigação das causas desse fenômeno e à ado-ção de energias alternativas para as atividadesprodutivas. Os tratados internacionais abriramcaminhos para lidar com esse problema, ao es-tabelecerem diretrizes para redução de emissõesdos gases do efeito estufa (GEEs) e ferramentasde ordem prática, como os mecanismos deflexibilização do Protocolo de Kyoto.

67 Texto disponível em http://www.bioclimatico.com.br/document.aspx?IDDocument=2468 Texto disponível em http://www.greenpeace.org/brasil/greenpeace-brasil-clima/noticias/mudan-as-do-clima-mudan-as-no.69 O relatório foi escrito pelo professor Pete Smith, da Universidade de Aberdeen – um dos autores do mais recente relatório

do Painel Internacional sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) – e é o primeiro a detalhar os efeitos diretose indiretos da agricultura nas mudanças climáticas.

Mudanças Climáticas67

OO

agricultura é atualmente uma das maisimportantes fontes de emissão de ga-ses do efeito estufa e mudanças urgen-

tes precisam ser feitas no modo como a atividadeé exercida para torná-la ambientalmente susten-tável. Isso é o que conclui o novo relatório doGreenpeace, Mudanças do Clima, Mudanças noCampo69.

“Os impactos da agricultura industrial noclima não podem ser ignorados”, afirma GabrielaVuolo, do Greenpeace Brasil. “É preciso traba-lhar para que o futuro da agricultura seja produ-zindo alimentos em comunhão com a natureza ea população, e não contra elas”.

O novo relatório traz detalhes de como a agri-cultura baseada no uso intensivo de energia e produtos

Amsterdã, HolandaNovo relatório do Greenpeace mostra o papel da

agricultura nas mudanças climáticas e o que se

pode fazer para reduzir suas emissões de CO268

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químicos provocou um aumento nos níveis de emis-sões de gases do efeito estufa, principalmente devidoao excessivo uso de fertilizantes, desmatamento, de-gradação do solo e criação intensiva de animais.

A contribuição total da agricultura mundialpara as mudanças climáticas, incluindo desma-tamento para plantações e outros usos, é estima-do em algo entre 8,5 bilhões e 16,5 bilhões de to-neladas de dióxido de carbono, ou entre 17% e32% de todas as emissões de gases do efeito estu-fa provocadas pelo ser humano.

O uso excessivo de fertilizantes é responsá-vel pela maior parte das emissões de gases do efeitoestufa, estando hoje em torno de 2,1 bilhões detoneladas de CO2 anualmente. O excesso de fer-tilizantes provoca a emissão de óxido nitroso(N2O), que é algo em torno de 300 vezes maispotente que o CO2 na mudança do clima.

O relatório detalha ainda a variedade desoluções práticas que podem reduzir as mudan-ças climáticas e que são fáceis de ser implemen-tadas, incluindo aí a redução do desmatamento,do uso de fertilizantes e a proteção do solo.

“Do ponto de vista do clima global, ogrande vilão é a queima de combustíveis fós-seis seguido da mudança de uso do solo,como as queimadas na Amazônia e asatividades agrícolas em geral. No Brasil,essa é a maior parte do problema”, afirmouLuís Piva, coordenador da campanha de cli-ma do Greenpeace. “Ações urgentes são ne-cessárias para que o setor agrícola deixe deser parte do problema das mudanças climáti-cas e passe a colaborar com a retirada decarbono da atmosfera e ao mesmo tempo ga-rantir a segurança alimentar”.